Por Que Ensinar a Quem Não Aprende
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7/23/2019 Por Que Ensinar a Quem Não Aprende
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Dossiê
POR
QUE
ENSINAR A
QUEM
NÃO APRENDE?
M a r i a C r i s t i n a M . K u p f e r
Renata Petri
No
presente
artigo,
afirma-se que as dife
renças indi vi duais, que
dão origem à educa
ção especial, não são
naturais, e si m histori
cam ente engendrad as.
E a instalação da esco
l a no m und o
moder
no que
produz,
no
mesmo
golpe, a crian
ç a especial. Assim , a
escola
encontra
g rande
dificuldade em
reabsorver, a partir d o
movimento
inclusivo
contemporâneo,
a crian
ç a especial. Discute-se,
em seguida, a inclusão
de crianças psicóticas
e
autistas,
partindo
da
tese de que essa inc lu
são, para tais crianças,
é terapêutica. Fi nalm en
te, apresentam- se ressal
v a s em relação à idéia
de que a incl usão deva
ser realizada a qual
quer custo.
Inclusão escolar; psi
cose
infantil;
autismo;
educação
especial
WHY SHOULD
WE
TEACH
CHILDREN
WHO
CAN'T
LEARN?
In this paper,
we
discuss
that
the
indivi-
dual differences, which
are
on the
basis
of
special
education,
are
not
natural,
but
historically
determined.
The creation
of
school
in modern world
produces,
at the
same
time, the
special child.
Thus, the
school faces
great
difficulties
in
reabsorbing
that child.
We also discuss
the
inclusion of
psychotic
and autistic children,
and
we
believe that this
inclusion is therapeutic
for
them. Finally,
we
discuss
the
idea that
the inclusion should
be
done
in all
cases.
Inclusion infantile
psychosis
autism
special
education
A
Á. ) \ d i s c u ss ã o e m torno da inc l usã o está
ad quir ind o as carac teríst icas de um a epidem ia no
Brasi l . Embora já fosse um a rea l id ad e em paí ses
c o m o a Fr ança e a A rg entina, a inc l usã o passou a
oc upa r o s educa do res b r a s i l e i ro s p r i n c i pa l m en te
d epo is que to d a um a séri e de leis f ed era is e esta
dua i s
foi sendo bai xada , pri nc ipa l m ente na úl tim a
dé cad a, para a reg ulam entaç ã o da educ aç ão especial
e
da c r ia ç ã o de c l asses espec i a is (Bis so l o Neto
1996). Sã o leis que não vieram , poré m, aco mpanh a
das,
pelo m eno s até rec entemente, de pro v id ê nci as
que perm it i ssem o seu ad equad o c um pri m ento . A
partir daí, o b ar ul h o em
torno
da quest ã o foi au
m entand o signific ativ amente, e para ele v ê m co ntri
b u i n d o
tanto
os professor es c o m o os teór ic os d a
educação .
Os úl tim o s v êm pro fessando o id eário da
inc lusão
a qual quer custo, e os pri m eir o s v ê m aler
tando
pa ra o fato de que esse "q ua l qu er c us to "
pode
ser m ui to al to , já que a lei nã o vei o ac o m pa-
•
Psicanalista. Professora livre docente do
I P U S P
diretora
da
P ré-Esco la
Terapêutica Lugar
de
Vida.
• • Psicanalista. Mestre em Psicologia pelo Programa de Psicologia
Esco lar
e do
Desenvolvimento
do
I P U S P membro
da equipe do Lugar de Vida.
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nha da de med id as faci li tado ras para
a sua im pl ant aç ã o . Esse alto custo
inclui,
por exempl o , um enor me es
tra g o na saúd e m enta l de mui to s
pro fesso res, que não po d em e não
sab em abo rd ar a inc l usão , e termi
nam por apelar para o afastam ento ,
a licença médica.
Dá a impr essã o de que os re
sultad os alc ançad os até aqui não têm
sido mui to alvissareiros. Muit o baru
l h o por nad a, ou seja, a i nc l usã o
não está avançando. Avança no caso-
a-caso, e só depois de muito s esfor
ço s do s pro fissionais de apo io à es
colarização
de crianças especiais.
Será preciso, então, parar e refle
tir um po uc o . A qui l o que parec e
ab so lutam ente justo e necessário nã o
está dand o to tal mente certo . Por que
não? O que está errad o?
Gostaríamos de examinar um as
pecto que talv ez esteja c ontr ib uind o
para o insucesso dessa empreitada, e
no âmbito mais restrito das crianças
psicóticas e autistas. Trata- se de um
aspecto para o qual o professor cos
tuma chamar a nossa atenção, ao per
guntar: por que ensinar uma c riança
que não pode aprender?
Antes, por ém, de ab o rd ar essa
questão, será necessário situar melhor
quem são as crianças especiais, que se
supõe devam ser incluídas.
A C R I A Ç Ã O DAS
C R I A N Ç A S E S P E C I A I S
Quando
se fo rmula o prob lema
da inc lusão , supõe-se que as cr ianças
especiais
existem porque existem di
ferenças naturais entre as c ri anç as.
Supõe-se ta m b é m que essas c ri anças
estão fora da escola po rque há u m
preconcei to soc ial a respeito da dife
rença. A solução é criar l e i s inclusivas
que obriguem o tecido social a reab-
sorver aquil o que ele hav ia expeli do
para fora de seus muros esco lares.
A crí tica que vem send o feita já
com certa insistência a essa formula
ção está na idéia de que tais diferen
ç a s nã o são natur ai s. As d iferenç as
individuais,
criação ideológica a ser
viço do ideário lib eral, foram histo
ri ca mente engend rad as (Patto, 1990;
Crochik,
1 9 9 6 ) .
Pod e-se afi rm ar, ind o por um
outro
caminho para chegar a uma
formulação parecida com a anterior,
que a criança especial é um a criaç ão
produzida no e pelo di scurso soc ial
escolar posto em ci rc ulaç ão no iní
c i o da mod ernid ad e. Ou seja, quan
do a escola se instala, instala-se, no
m esm o g o l pe, a c ri anç a especial .
Cria-se um a catego ria que não tinh a
existência ind ependente, mas passa a
existir
junto com a escola.
Poder-se-ia objetar o seguinte: as
crianças cegas, surdas, co m d ificuld a
des de l oc om oçã o , e mesm o as autis
t a s , sempre existiram Qual foi, en
tão, a cr iaç ão pro d uzi da pela escola
moderna?
Em respo sta a essa o b jeç ã o ,
pode-se arg umentar, em primeir o lu
g a r , que um discurso pode produzir
um objeto que não se encontrav a ali
antes. Ou seja, a l ing uag em , em seu
poder de criação ex-nihilo, contorna
um Real e passa a dizê-lo, a partir
de um ato que exced e os l imites da
simples ro tulaç ão de um a reali da de
que j a z i a à espera de um nome. Tra-
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ta-se, ao c o ntrá ri o , do engend ra m ent o de al go pelo ato de sua
nom eação . U m a ro tulaç ão que cria o objeto nom ead o .
Pode-se, em seguida, observar que as deficiências, organizadas
em um ampl o espectro de diag nósti co s, foram recor tadas e classifi
cadas pelo saber médico a partir deste l ug ar de c ri anç a não -
escolarizável criado para elas c om o advento da escola m oderna.
Isto
porque toda cr iança, a partir da Idade Moderna, passou a ser
definida desde seu lugar na escola, como já se afirmou am plam ente
a partir dos estudos de Aries ( 1 9 7 8 ) .
S e
antes
elas
perambulavam pelas
aldeias,
eram deixadas para
que "o b om Deus", a cari dad e cristã ou mes mo a mor te cuidasse
delas, passam, sobretudo a partir do início do século XIX, a existir
em catego rias, passam a ser ob jeto de estudos. São "rec olhid as" pe
los mé dic os (Postei & Quétel, 1987 ) e passam a ocupar um lugar
definido, o daquelas que estão na bord a da escola, fazendo-a existir
e
ga rantindo os contornos para as cr ianças no rm ai s esco lares.
O tr ab al ho de Binet, por exempl o , pode ser v ist o c o m o a
criação
de um instrum ento "c ientífico" ab so lutamente impresc indí
vel
para organizar a escola e só permiti r a entrad a do s esco lari zá-
v e i s . Lo nge de ser capaz de med ir a intel ig ência, um a qual id ad e
humana incom ensurável que não cabe na simples equação do QI, o
teste de Binet- Simon cr io u um a funçã o nova , c ham ad a por ele de
inteligência.
Essa função, cuja definição é operac io nal , ou seja, de
fine-se por a qui l o que é med ido no teste, não existia antes na ca
beça de nenh uma c riança ou adulto , não se co nfunde co m aquil o
que
Kant
ch amav a de inteli gê ncia (Croc hik , 1 9 9 6 ) . Ao reduzir a
inteligência
à sua med id a, produziu-se ainda um a il usão , à qual se
curv ou a modernidad e, e que consiste em acredi tar que a inteligên
c i a é, resume-se na med ida de um co efic iente.
Assim, as crianças dé beis mentais, para as quais foram instala
das
tantas classes especiai s, são um a c riaç ão do sr. Binet.
Embora
instrumento invo luntário de um
outro
tipo de classificação que as
forças pol íti cas esperavam ter na mã o - a cl assific açã o em classes
sociais, c o m o mos t rou M. Helena Patto (1984) - , a escal a Binet-
Sim on transformou-se na princ ipal ferramenta de trab alho da psico
logia escolar que nascia com ela. Mas a cl assificação em idades men
tais
é de fato um arranjo artific ial da capacid ade intelec tual das cri
anças em torno de eixos de referência arb it rári os.
Pode-se dizer o mesm o em relação às autistas. O aut ismo tam
bém é uma invençã o moderna. Aind a que possa ser pensado como
a
manifestação de uma falha na constituição do sujeito, que se
poderia enco ntrar tamb ém em al g uma criança peram b ula ndo por
nossa al dei a med iev al , o auti sm o é sobre tudo um sig nifi c ante
moderno que dá nome a essa falha estrutural, nome esse. que o re-
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presenta, porém, em uma particular
posição no discurso social contem
porâneo sobre a infância. Desta nova
posi ção , inci de sob re o que o autis
m o é em estrutura e o rec ria, trans
fo rm and o a c ri ança autista de ho je
em um a ma nifesta ç ão d iferente das
outras fig urações que porv entura te
nha assumido em outras épocas.
A cr iaç ão da esco la co ntorna
então um Real e passa a dizê- lo. E,
ao contornar o Real, pode passar a
dizer o que ela não é, ou quem não
são suas crianças.
A esco la enc ontra seus
ponto s
de referência identitários nesse con
torno,
e o expeli do pela insta l aç ão
do
contorno
ajuda a defini-la.
Assim,
a reabsorção
do que ela
nã o é ameaça a sua consolidação co mo
instituição. Reabsorver o que ela mes
ma crio u co mo
não-escolar
é,
i n i c i a l -
mente para ela, um contra-senso
Então,
se a escola foi feita para
segregar, que sentido tem trazer para
dentro de seus muros essas crianças?
Esse poderia ser um subtexto da pro
fessora que pergunta pela razão de as
crianças excl uídas vol tarem para a es
cola. "Se não po d em aprender , por
que as colocam em minha
c l a s s e ?
Vista
do âng ul o em que o pro
b l em a ac ab a de ser apr esenta d o ,
pode-se d iz er que essas pro fesso ras
têm razão, sem natural mente concor
dar com
e l a s . . .
Portanto, a refo rm ulaç ão da es
cola para incluir os excluídos precisa
ser um a rev o luçã o que a ponha do
avesso
em sua razã o de exist ir , em
seu id eário pol ític o- id eol óg ico . E ne
cessário m ui to m ai s d o que um a
ref o rm ul aç ã o de espaço físico , de
co nteúdo prog ramátic o ou de ritmos
de aprendi zag em, ou um a ma io r pre
paração do professor.
N ã o ba star á res pond er a essas
professoras dizendo-lhes que essas cri
anças são, sim , capazes de aprend er -
e
isso vale para todas as ditas especi
a i s
-, todas têm potenciais que po
d em ser esti mulad o s. A superv iso ra
de ensino di rá, ao c o ntrá ri o , que
essas c rianças não foram capazes de
cumprir as metas de ensino.
A
e s o -
la
não foi
feita para
elas,
g ri tam as
professoras para quem quiser ouvir.
N ão a d ia nta fazer um puxadinho,
bem ao estilo de muit as ha b ita çõ es
da classe méd ia brasil eira, para fazer
cab er a c ri anç a especi al na esco l a
hoje - classes especiais, classes de re
cursos ou outros dispositivos que se
criam em apêndice.
Fazer um
puxadinho,
a l i á s , não
é
só priv il ég io do jeit inh o brasilei
ro. Na Esco la Experi menta l de Bon-
neuil*, há um a prátic a que eqüival e
um pouco a essa tenta ti va de fazer
as cr ianç as especi ais ca b erem o nd e
não cabem. Lá, as crianças estão sub
meti d as à Ed ucatio n Nati onal e, d a
qual faz parte um sistem a de ensino
por co rrespo ndê nci a. As cr ianç as
aprendem co m os professores, mo ni
tores e estag iár io s d urant e o dia na
esco la , ma s m a nd a m suas prov as
preenchi das para a Ed ucat io n Nati o
nale,
onde são c or ri g id as por pro
fessores h ab il it ad o s. Sendo por cor
respo ndê nci a, abre-se um a br ech a:
quem os ensina ta mb é m os "ajud a"
um po uqu i nh o a fazer as pro v as.
U m "puxad inh o à francesa", ad mi s
sível
se pensarmos que sem esses pe
quenos empurr ões jamai s terão seus
d ipl o mas, por tas de entrad a para o
m u n d o do trabal ho .
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Agora pode-se dedicar atenção especial às crianças psicóticas e
autistas. T am b é m em relaç ão a
e l a s
a pergunta das professoras é:
"O que fazem aqui na esco la se não podem aprend er?"
Para essas cri anças, a resposta a essa pergunta é a mesma que
para as demais crianças. Mas há um a di ferença, que determi na uma
inclusão parado xalm ente mai s
f á c i l ,
e que não exige tantas revolu
ções na escola. Co m o ela está, já terá um a funçã o mui to im por tan
te na vida dessas crianças.
A I N C L U S Ã O DE C R I A N Ç A S P S I C Ó T I C A S E
A U T I S T A S
É
T E R A P Ê U T I C A
2
Viver co m os outro s é o que consti tui e tece de m o d o estru
tural a teia e o tec id o de um sujeito. Se al go na h istó ri a de um a
criança
a está im ped ind o d e enod ar c om o outro , de fazer laç o
social,
então buscar o reo rd enamento sim bó l ic o desse sujeito, tra
tar dele é, entre outras coisas, levá-l o mai s um a vez à tram a soc ial .
Ao meio da rua, às esco las.
Na psic ose infantil , oc or re em estrutura o m esm o que em
relaç ão à psico se no adulto , c om a di ferença fundam ental de que,
c o m a ecl osã o da crise, cessa o d esenv o l v im ento . Para
C a l l i g a r i s
( 1 9 8 9 ) , "nas manifestaç ões que c h am am o s de psico se na infânc ia ,
que são manifestaç ões cr ític as, estarí amo s co nfrontado s c om al go
que fracassa na constituiç ão mesm a da psicose" (p. 65). Mai s ad ian
t e ,
af i r ma : "Mui to f reqüentem ente , a c o nst r uçã o de um a
estruturaçã o psicó tic a encontra um a injunção que a ob staculiza, às
vezes inst aura ndo um estado cr epuscular permanente. (...) A cr ian
ç a
mais facilmente pod erá - com a ajuda de uma anal ista - superar a
crise
vol tando ao trab alho de co nstrução de sua estruturação" (p. 66).
Tratar é
portanto
permit ir que a estruturaç ão seja reto mad a.
Assim,
se alguns psicóticos adultos tiveram a chance de
produ
z i r ,
em períodos fora de crise, al gumas suplê ncias de laço que lh es
perm it i ra m estudar, aprender um a profissão e ev entual mente ter
um a ci rc ulaç ão soci al, mui tas cr ianças não têm a mesm a sorte. A
interrupção do desenv o lv im ento as captura em um momento ante
ri or a qual quer apr end iz ag em , ai nd a que frágil ou suplente, do
universo social.
Po r essa raz ão , o tr ata mento da psico se infantil prec isa ter
como
norte
o estabelec im ento do laço soci al. Se, no entanto , esse
resgate pode ser pensado , estruturalm ente faland o, c o mo impossí
v e l ,
devid o à própria posiç ão em que se enco ntra um psicótic o em
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relaç ão ao di scurso, encontram-se na
l it erat ura fo rm as de fazer face ou
mesmo de
contornar
essa im possi b i
l id ad e. Se não h á la ço ,
pode
haver,
po r outro lado, enlace, entendido
justamente
c o m o
uma forma de cir
c ul aç ã o soc ia l poss ív e l (A lb e &
Maganán, 1 9 9 1 ) .
As possib il id ad es de enlac e ou
de c ir c ul aç ã o soc ial e escol ar são
bem mai s extensas do que se supu
nha anos atrás. A casuística ac umul a
da vem apontando que essa extensão
é significativa a ponto de estar au
mentando ,
por exemplo, o
número
de crianças que freqüentam com su
cesso as escolas inclusivas.
Demonstra,
ainda, que essas cri anças apresentam
uma estabil izaç ão , uma mel ho ra e
um a alt eraçã o na posiç ão di ante d o
Outro
social se essa inc lusão esco lar
é ac o m panh ad a de um tratamento
adequado.
Em um seminár io a respeito do
laç o e da c ir cul ação soc ial de c rian
ças psi c ó ti c as e aut is ta s, A l b e e
Mag ar ián (1991) perguntam- se a res
peito do papel da escola na produ
çã o do laç o social . Al i, respondem
e l e s ,
poderá
prod uzir- se a função de
enlace, termo que se apro xi m a da
quilo que pod eríam os ta mb é m cha
mar de "efeitos da circulação social".
Um trabalho analítico pode restabe
lecer algo do laço social, e a escola,
ou a c irculaç ão social que ela acarre
ta, reforça esse
pouco
do laço pon-
do-o em ato.
M a i s ad iante, ac resc entam esses
autores:
"Função
de enl ac e é a que
realiza o
professor,
que se diferen
c i a r i a ,
assim, de um a mera funçã o
pedag óg ic a. Necessita-se de alg uém
que possa estabelecer, por exem plo ,
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o espaço de um
banho
como um lu
g a r
sim ból ic o por excelência, necessi
ta-se de
outro
que ofereça o
banho
não apenas na posição de mero guia,
m a s c o m o al g ué m que se apresenta
como parte da o rd em social na qual
o
b a n h o
é ta m b é m um a funçã o "
( p .
2 66 ). Se, no exempl o dado , tra
ta-se d o
b a n h o
c o m o espaç o de
transmissão da cultura, o mesmo se
pod e di zer em relação ao aprend iza
do d a l ei tura e da esc ri ta, ao qual
mui tas cr ianças psicó ticas pod em ace
der, e que se revela co mo um a ferra
menta de tra tam ento preciosa.
Na Pré-Escola Terapêutica Lugar
de Vid a^ , aposta-se nessa mesm a dire
ç ã o .
A Ed ucaç ão Terapêutica (Kupfer,
1 9 9 7 ) ,
termo cunh ad o para fazer face
a
um tipo de int erv enção no trato
de crianças com problemas de desen
vo lv im ento, é um conjunto de práti
c a s
interd isc ipli nares de tratam ento,
com especial ênfase nas práti cas edu
cacionais ,
que v isa à re to m ad a do
d esenvol vi mento glo bal da cri ança
ou à re to m ad a da estruturaç ão psí
quica
int err ompid a ou à sustentação
do m ínim o de sujeito que um a crian
ç a
possa ter construíd o .
U m dos eixos da Ed ucação Tera
pêutica é justamente a inclusão escolar:
"Aposta-se, c o m a inc l usão , no
poder subjetivante dos diferentes
d i s -
cursos que são postos em circulação,
no interio r do c am po social , c om o
in tui to de asseg urar , sustentar ou
modelar lugares sociais para as crian
ç a s ,
l evando em conta que, neste sen
tid o , o d isc urso (ou d isc urso s) em
torno d o escol ar é parti cul arm ente
podero so. U m a desi gnaç ão de lug ar
social é especia l mente im por tante
para as c ri anças que enfrentam difi
culdades
no estabelecim ento do laço
social ,
c o m o é o caso da s c ri ança s
psicó ticas ou com transtornos graves.
Mesm o decadente, fal ida na sua capa
ci dade de sustentar uma trad iç ão de
ensino, a esco la pode ser um a insti
tuiç ão pod erosa quand o lh e pedem
que assine um a cert id ão de pertinên
c i a :
quem está na esco la pode rece
ber o c ar im b o d e ' c ri anç a' . Ir à es
cola
- c omo observa Jerusal insky - é
mel h o r que ir ao m ani c ô m i o " (Ku
pfer, 2 0 0 0 ) .
Lo go que se to rna possív el um a
entrada na escola regular, as crian
ç a s
do Lugar de V id a passam a ser
ac o m panh ad as pelo g rupo P onte,
for mad o por profi ssio nais - psicó
logos
esc ol ares e psic anal ist as - en
carr egados de ac o mpanh ar o percur
so da cr iança na esco la^ . Esses pro
fissionais rea l iz am so b retud o um
trab al ho de apo io ao professor, que
precisa
sustentar justamente sua fun
çã o de pro d uzir enlace, em acrésci
m o à sua funçã o pedag óg ic a.
Assim, a defesa da inclusão esco
l a r
não extrai seu fundam ento apenas
do respeito à c ondi ç ão de c id ad ania
a
que qual quer c ri anç a tem d ireito .
A inc l usã o pro d uz aind a efei tos
ter apê uti c o s para a c ri anç a cuja
subjetivação
encontra obstáculos que
um v el h o pát i o de esco l a ai nd a
pode ajudar a transpor.
A S I L H A S DE
I N T E L I G Ê N C I A
Deve-se ai nd a dizer à professo ra
que per g unta pela c apa c i d ad e de
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aprender dessas crianças algo sobre suas condições intelectuais. Evi
dentemente, essas cr ianças aprend em. A l i á s , todas as crianças apren
dem m uito m ai s do que sonha a nossa vã pedagogia. A preocupa
ção co m os pro b lemas de aprend iz ag em de leitura e da escrita na
escola mo d erna é tão grande, que mui to s educad ores ac ab am por
red uzi r a im ensa c apac id ad e de aprend er de um a cr iança ao seu
repertó rio de hab il id ad es para ler e escrever.
Po rém, as crianças psicó tic as e autistas possuem il has de inte
ligência preservadas, que podem desaparecer caso não as ajudemos a
lhes
dar sentido. Podem - por falta de sentido, de direção , porque
não são util iz ad as para enlaç á-l as no Outro - desaparecer, ou se
transfo rm ar em estereoti pias. Assim , a freqüência à escol a acab a
sendo um instrumento crucial , se não de crescimento, ao menos de
co nservaç ão das capacidad es co gnitiv as já adquirid as.
F inal mente, uma ressalv a. A inc lusão de cr ianças psicó tic as e
autistas não d eve ser feita "a qual quer custo", mas com mui to cui
dado. Já relatei em outros lugares a trágica história que se passou
na Noruega. "As tentativ as de pôr essas crianças na rede esco lar re
gular
nunca fo ram de fácil execuçã o. To mem-se, por exempl o , as
experiências européi as reportad as em um Col ó quio Internac io nal
realizado na Noruega sobre esse tema. Al i se descrev em as tentati
vas
feitas no sentido de manter em classes reg ulares do ensino pú
blico algumas crianças autistas e psicóticas: elas term inaram , depois
de se verificar que as escolas acabavam criando classes especiais, em
que havia apenas um a criança - exatamente a psicó tica ou a autista,
com quem o co nvív io se to rnara insupor táv el" (Kupfer, 2 0 0 0 ) .
Vale
lem b ra r tam b é m que nem sempre a entrad a na esco la
pro d uz efeitos terapê utic os. Dependendo da posiç ão a part ir da
qual os pais porão seu fil ho na esco la, essa entrad a pod erá funci
onar como aquilo que C a l l i g a r i s (1989) chama de "injunção fálica".
Para um a cr ianç a psicó tic a, a exigê ncia de c um pr im ent o de
ideais
em relaçã o aos quais ela esteja muito distante pode funcionar
como d isparador de um a crise. Ao matri cul á-l a na esco la, a expec
tativa
pode
ser, por exemplo , que ela aprenda , e bem, e se torne
um méd ic o famo so c omo o pai. Essa expectati va pode funcionar,
então, co mo um a injunção , uma or dem , uma exigê ncia de funcio
namento dentro do s referenciai s di tos fáli co s, o rd enad o res do
mundo da neurose. E pode então aco ntecer que a cri ança não en
co ntre, d ig am os, em seu repertóri o psíquico , os recursos para res
ponder a essa exigência. Precisará, portanto, criá-los, prod uzind o
algo
semel hante ao delí ri o na psico se adulta . C a l l i g a r i s observa
que al gumas cr ianças psicót ic as pio ram ao entrar na esco la , o que
o faz supo r que a escola
sempre
terá esse efeito sobre as c ri anç as.
Sabemos no
entanto
que para muit as c ri anças a esco la o rg aniza ,
7/23/2019 Por Que Ensinar a Quem Não Aprende
http://slidepdf.com/reader/full/por-que-ensinar-a-quem-nao-aprende 9/9
produz apaziguamento, repõe as con
dições para o prosseguimento do tra
tamento. Assim, a observação de
C a l l i -
garis ajuda a lembrar que toda inclu
são de crianças psicóticas e autistas
precisa ser cuidadosa e acompanhada,
pod endo não ser recom endad a em al
guns
m o mento s mais prob lem ático s
da v id a de um a cr iança. •
1
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e
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NOTAS
A Escola Exper ime nt al de Bonne uil -s ur-
M a r n e
íoi cria da em 1 9 6 9 po r Mau d
Man no ni , na França,
para
a br iga r as
cri
anças débeis , psicóticas e auti stas, excl uídas
da rede regular de ensi no. Sob re
essa esco
l a , ver o n- 4 de Est i los da Clínica.
7
Esta seção ta mb ém fo i pub l i ca da na
r e v i s t a Escritos da Criança,
e d i t a d a p e l o
C e n t r o
L y d i a C o r i a t , de P o r t o A l eg r e
(no prelo).
o
A Pré-Escola Terapêutica Lugar de Vida
é uma insti tui ção
para
tra tamento de
cri
anças psicót icas e aut ist as que per te nce ao
Ins ti tut o de Psicolog ia da Unive rs ida de de
São Paulo.
Ver ar ti go sob re o gr up o Po nt e neste
mesmo número .