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  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

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    CresCimento eConmiCoe desenvolvimento urbano

    P qu n ntnum t p?

    Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    Resumo

    No obstante os logros da poltica econmica que incluem

    um aumento espetacular do gasto pblico no setor de desenvolvimento urbano e as promessas da descentralizao

    e do Estatuto das Cidades, as marcas de um modelo de desenvolvimento urbano excludente e predatrio continuampresentes em vrias dimenses do processo de urbanizao no Brasil. Este ensaio busca discutir alguns dos obstculos

    que tm incidido sobre a capacidade da rede urbana brasileira de responder ao desaio de ampliar o direito moradia e

    cidade para o conjunto de moradores.

    Palavras-chave: Crescimento econmico; desenvolvimento urbano;

    direito moradia; direito cidade.

    AbstRAct

    Despite economic progresses including a spectacular gro-

    wth in public spending on urban development and the promises o decentralization and the City Statute, the signso an exclusionary and predatory urban development program are still visible in the process o urbanization in Brazil.

    This essay discusses some o the obstacles that precludes the Brazilian urban network o answering to the challenge to

    extend the right to decent living conditions to the poor and the right to the city to all.

    Keywords:Economic growth; urban development; right to housing;

    right to the city.

    89Novos esTUdos 89 Maro 2011Novos esTUdos 89 Maro 2011 89

    O Brasil tem vivido nos ltimos anos um ciclo decrescimento econmico slido. No perodo entre 1999 e 2009, o pibcresceu a uma taxa anual de 3,27%, enquanto a populao ocupada au-mentou a uma taxa anual de 2,29%1. Alm de signiicativo, este pero-do oi marcado por uma mudana na conduo da poltica econmica,que teve como uma das estratgias a expanso do mercado interno,incorporando parcelas maiores da populao brasileira ao mercado,o que signiicou, particularmente a partir de 2005, que as variveismais relevantes para o crescimento passaram a ser o consumo inter-

    no e a ormao bruta de capital ixo2. No mbito das polticas so-cioeconmicas oram tambm implementados programas dirigidos populao mais miservel, com o objetivo de retir-los do nvel desubsistncia precrio em que se encontravam, mediante programas

    [1] Fonte: ibge: Contas Nacionais

    (para o pib 1999-2009) e pnad

    (para a populao ocupada

    1999-2009).

    [2] C. Siqueira, Tagore V. de. Com-

    petitividade sistmica: desaos para

    o desenvolvimento econmico bra-

    sileiro.Revista do bnds, n 31, jun.,

    2009, p. 141.

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    90 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [3] C. Almeida, Maria Hermnia

    Tavares de. A poltica social no go-

    verno Lula.Novos Estudos Cebrap n

    70, 2004, pp. 7-17.

    [4] C. SantAnna, Andr A., Bora

    Jr., Gilberto e Arajo, Pedro Q. Mer-

    cado de crdito no Brasil: evoluo

    recente e o papel do bndes (2004-

    2008).Revista dobndes, n 31, jun.,

    2009, pp. 43-8.

    [5] Trata-se dos artigos 182 e 183

    da Constituio, que constituem o

    captulo de Poltica Urbana e de sua

    regulamentao, por intermdio da

    Lei ederal 11257/01 o Estatuto

    da Cidade. C. Rolnik, Raquel. De-

    mocracia no o da navalha:limites

    e possibilidades para a implemen-tao de uma agenda de reorma

    urbana no Brasil.Revista Brasile ira

    de Estudos Urbanos e Regionais, n 11,

    2010, pp. 31-50.

    [6] C. Avritzer, L. Modelos de de-

    liberao democrtica: uma anlise do

    oramento participativo no Brasil.

    In: Boaventura, S. (org.).Democratizar

    a democracia: os caminhos da democra-

    cia participativa. Rio de Janeiro: Aron-

    tamento, 2003; Alston, Lee e outros.

    Who decides on public expendi-

    tures? A political economy analisys othe budgtet process. The case o Bra-

    sil.Economic and Social Study Series.

    So Paulo: Fipe/usp, 2005.

    [7] C. Denaldi, Rosana e outros.

    Nota tcnica: inraestrutura e de-

    senvolvimento urbano. Braslia,

    2010, mimeo.

    [8] C. Rolnik, op. cit.

    de transerncia de renda (Bolsa Famlia) e um conjunto de polticassociais destinadas a aumentar as oportunidades de empreendedoris-mo e desenvolvimento econmico3. Cabe tambm destacar a retoma-da do papel dos bancos e undos pblicos na proviso de crdito e na

    alavancagem dos investimentos pblicos e privados, entre outros, pormeio de programas como o pac, Minha Casa, Minha Vida e o omentoa outros setores econmicos especicos (por exemplo, automveis,construo naval etc.)4.

    Do ponto de vista institucional, na dcada anterior, a partir de umintenso debate no seio da sociedade civil, nos partidos e entre gover-nos acerca do papel dos cidados e suas organizaes na gesto das ci-dades, oram anos de avanos no campo do direito moradia e direito cidade, com a incorporao Constituio do pas, em 1988, de um

    captulo de poltica urbana estruturado em torno da noo de unosocial da cidade e da propriedade, do reconhecimento dos direitos deposse de milhes de moradores das avelas e perierias das cidades dopas e da incorporao direta dos cidados aos processos decisriossobre esta poltica5. Foi tambm no mesmo perodo que o processo dedescentralizao ederativa, ortalecimento e autonomia dos podereslocais, propostos desde a Constituio de 1988, oram progressiva-mente implantados, processo limitado tanto pelos constrangimentosdo ajuste macroeconmico como pela alta dose de continuidade pol-

    tica que o processo de redemocratizao brasileira envolveu6.Sinais e relexos do crescimento econmico so visveis em loca-

    lidades, cidades e metrpoles brasileiras em vrias regies. A expan-so e maior disponibilidade de subsdios pblicos ao crdito para aproduo habitacional, associada ao crescimento da economia, tmprovocado um dos maiores ciclos de crescimento do setor imobilirionas cidades j vividos no pas7. As dinmicas econmicas recentes tmdesaiado as cidades a absorver esse crescimento, melhorando suascondies de urbanizao de modo a sustent-lo do ponto de vista

    territorial. Os desaios no so poucos, j que no se trata apenas deexpandir a inraestrutura das cidades para absorver um crescimentouturo, uma vez que a base inanceira, poltica e de gesto sobrea qual se constituiu o processo de urbanizao consolidou um modelomarcado por disparidades socioespaciais, ineicincia e grande degra-dao ambiental8. Porm, apesar dos sucessos da poltica econmica entre eles, um aumento espetacular do gasto pblico no setor de de-senvolvimento urbano e as promessas da descentralizao e do Es-tatuto das Cidades, as marcas desse modelo continuam presentes em

    vrias dimenses do processo de urbanizao.Este ensaio busca discutir alguns dos limites e obstculos que tm

    incidido sobre a capacidade da rede urbana brasileira responder ao de-saio de ampliar o direito moradia e cidade para o conjunto de mora-

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    [9] O relatrio O Estado das Ci-

    dades no Brasil: 2000-2008 oi

    ruto de uma proposio conjunta

    do Ministrio das Cidades, CaixaEconmica Federal, Frente Nacional

    dos Preeitos, bid, un-habitatlac e

    Cities Alliance, que teve o Instituto

    Plis como secretaria executiva e que

    mobilizou uma rede de especialistas

    e instituies envolvidas na pes-

    quisa e na produo de dados sobre

    desenvolvimento urbano. Ver . Embora

    utilize a base de dados do Relatrio,

    este artigo expressa exclusivamente a

    opinio de seus autores

    [10] C. Krugman, Paul. Dev elo p-

    ment, geography and economic theory.

    Cambridge, Massachusetts: The mit

    Press, 1996.

    [11] C. Scott, Allen.Regions and the

    world economy. Nova York: Oxord

    University Press, 1998; Storper,

    Michael. The regional world: territo-

    rial development in a global economy.Nova York/Londres: The Guilord

    Press, 1997.

    [12] Denido como incompleto por

    autores como Sampaiojr., Plnio. O

    impasse da ormao nacional. In:

    Fiori, Jos Lus (org.).Estados e moe-

    das no desenvolvimento das naes. Pe-

    trpolis: Vozes, 1999.

    [13] C. Brando, Carlos A.A dimen-

    so espa cia l do subdesen volvime nto:

    uma agenda para os estudos urbanose regionais. Campinas, tese de livre-

    docncia, Unicamp, 2003.

    [14] C. Furtado, Celso. Forma o

    econmica do Brasil. So Paulo: Edi-

    tora Nacional, 1991; Moreira, Ruy.

    Uma nova regionalizao para

    pensar o Brasil?. In: Limonad, Es-

    ter, Haesbaert, Rogrio e Moreira,

    Ruy (orgs.).Brasil, sculo xxi. Por uma

    nova regionalizao? Agentes, processos

    e escalas. So Paulo: Max Limonad,

    2004, pp. 123-35.

    dores e propiciar um suporte adequado e sustentvel para a expansoda produo e do consumo nas cidades. Tendo como base os resultadospreliminares do relatrio das cidades no Brasil (1990-2008)9, o artigoprocura apontar relaes entre a dinmica econmica recente e as con-

    dies de urbanizao das cidades, levando em considerao o modeloatual de inanciamento e gesto do desenvolvimento urbano no pas.

    economiA e DinmicA teRRitoRiAl no bRAsil

    contempoRneo: muDAnAs e continuiDADes

    Foge do escopo deste artigo retomar, no plano terico, a anlisedos entrelaamentos entre o crescimento e dinamismo econmico ea produo e reproduo do espao urbano e regional. O papel das

    cidades e regies no processo de reestruturao produtivo-territorial ede globalizao tem sido tema, desde os anos de 1990, de uma literatu-ra crescente, que recebeu contribuies de vertentes como a chamadanova ortodoxia econmica espacial10 e o urbanismo industrial11. Nocenrio brasileiro, a retomada do debate terico sobre as relaes entreeconomia e territrio representa desaio ainda maior luz das dispari-dades socioespaciais, da diversidade, do tamanho do espao nacionale das caractersticas histricas do modelo de desenvolvimento brasi-leiro12, exigindo um esoro intelectual para atualizar as contribuies

    da economia poltica em relao conigurao do espao brasileiro, aim de gerar uma compreenso contempornea daquilo que Brandodenominou os espaos do subdesenvolvimento13.

    O escopo aqui ser, portanto, mais modesto. Apresentamos al-guns dados empricos recentes sobre a dinmica econmica nas cida-des brasileiras e, a partir disso, geramos algumas hipteses que pre-cisam ser exploradas em pesquisas posteriores. Argumentamos quealgumas dessas hipteses so instigantes e possibilitam um dilogocom a literatura brasileira mais crtica, na qual se problematiza as re-

    laes entre a economia e a trajetria das cidades e regies em geral, eas mudanas e continuidades no padro de desenvolvimento regionale urbano em particular. Isto , ao longo do processo histrico de re-estruturao socioprodutiva e territorial que acompanhou os vriosciclos econmicos do pas, permanecem diversos desaios estruturais,principalmente os relacionados com as disparidades socioespaciaisque marcam o territrio brasileiro na escala macrorregional e urbana.

    A escAlA mAcRo RegionAl

    So bem conhecidas as diversas transormaes que ocorre-ram ao longo dos ciclos econmicos14, mostrando, por exemplo,as moldagens da dinmica macroespacial e da economia durante

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    [15] C. Prado Jr., Caio.Histria eco-

    nmica do Brasil. So Paulo: Brasilien-

    se, 1994.

    [16] Oliveira. Mudana na diviso

    inter-regional do trabalho no Brasil.

    In:A economia da dependncia imperfei-

    ta. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

    [17] C. Cano, Wilson.Desequilbrios

    regionais e concentrao industrial no

    Brasil, 1930-1995. Campinas: Editora

    da Unicamp, 1998.

    [18] Idem.

    [19] C. Arajo. Ensaios sobre o de-

    senv olvi ment o bras ilei ro: heran as e

    urgncias. Rio de Janeiro: Revan/Fase,

    2000; Pacheco, Carlos Amrico.

    Fragm enta o da nao. Campinas:

    Editora da Unicamp, 1998; Fernan-

    des, Ana Cristina e Negreiros, Rove-

    na. Economic developmentalism

    and change within the Brazilian

    urban system. Geoforum, n 32, ev.

    2001, pp 422-33.

    [20] C. Leito, Karina O.A dimenso

    territorial do Programa de Acelerao

    de Crescimento. So Paulo: tese de

    doutorado, Faculdade de Arquitetura

    e Urbanismo da USP, 2009.

    [21] C.Regies de influencia das ci-

    dades. Rio de Janeiro: Ministrio de

    Planejamento, Oramento e Gesto/

    ibge

    , 2007.

    [22] C.Estudo da dimenso territorial

    para o planejamento. Vol. 3:Regies de

    referncia. Braslia: Ministrio de Pla-

    nejamento, 2008.

    as vrias etapas da historia brasileira. Assim, a economia colonialagroexportadora, que se estruturou por meio das cidades-regiesde arquiplagos-autarquias, umbilicalmente conectadas matrizeuropeia15, evoluiu, a partir da industrializao dos anos de 1930,

    para um espao nacional. Conorme Oliveira16 descreveu, no pero-do ps-1950 este processo desencadeou a transormao de umaconigurao macroespacial de economias regionais nacional-mente localizadas para uma economia nacional regionalmentelocalizada, crescentemente sob o comando hierrquico de SoPaulo. Os laos de complementaridade produtiva e de especializa-o inter-regional evoluram de acordo com um padro no qual SoPaulo exportava bens de maior valor agregado e importava produ-tos intermedirios e primrios do territrio brasileiro17. A ase mar-

    cou a consolidao de uma rede urbana mais densa, com eeitos deencadeamento inter-regionais de maior amplitude. O perodo ps-1970 apresentou uma desconcentrao macroespacial da indstriapara ora da regio e do Estado de So Paulo, tanto impulsionadapelas chamadas deseconomias de aglomerao, como pelas polti-cas regionais explcitas do regime militar18. No ps-1990, inspiradopelo cenrio de reestruturao produtivo-territorial e de aberturaeconmica sem polticas tecnolgicas e industriais compensat-rias, um conjunto de autores19 levantou um debate em torno da

    tese da ragmentao do espao nacional. Na viso dos deensoresda tese, algumas regies dinmicas (principalmente as localizadasno Sudeste, Sul e, parcialmente, no Centro-Oeste) estariam direta-mente conectadas economia internacional, enquanto os antigoslaos de complementaridade produtiva ente as regies brasileiras,que oram consolidadas durante o nacional-desenvolvimentismo,se desmanchariam rapidamente. Os estudos recentes sobre o Pro-grama de Acelerao de Crescimento (pac) argumentam que aspolticas ederais apenas reoram esta tendncia ragmentao

    do territrio nacional por meio da consolidao de arranjos pro-dutivos e polos exportadores especializados em segmentos como aminerao, a siderurgia e o agro-bussiness20.

    Ao mesmo tempo, encontramos continuidades na coniguraomacroespacial do territrio brasileiro. Por exemplo, os estudos maisrecentes do ibge21 e do Ministrio do Planejamento22 sobre as cha-madas centralidades urbano-regionais, deinidas em termos de ummodelo de lugares centrais la Christallerampliado que leva em con-siderao a capacidade de polarizao econmica, e a presena de inra-

    estrutura urbana, redes de telecomunicao e sedes governamentais apontam para um quadro de continuidade de polarizao a partir doSudeste e do Sul, que apenas gradualmente transborda para algumasnovas centralidades em territrios especicos do Centro-Oeste.

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    [23] Para uma metodologia seme-

    lhante, ver o diagnstico que norteou

    o plano nacional para o desenvolvi-

    mento regional (Arajo, Tnia Bace-

    lar de e Galvo, Carlos G. Poltica

    nacional de desenvolvimento regio-

    nal: uma proposta para discusso.

    In: Limonad, Haesbaert, e Moreira

    (orgs.), op. cit.).

    [24] Neste Relatrio, quando men-

    cionamos municpios com pib per

    capita ou dinamismo econmico

    (muito) alto, reerimo-nos agre-

    gao dos municpios nos extratos

    alto e muito alto. Da mesma or-

    ma, quando usamos o termo (mui-

    to) baixo, reerimo-nos agregaodos extratos baixo e muito baixo.

    Crescimento expressivo signiica

    crescimento acima ou muito acima

    da mdia brasileira (ou seja, so os

    municpios com um crescimento alto

    ou muito alto).

    Os dados levantados no mbito do relatrio O Estado das Ci-dades no Brasil para o perodo de 2002 a 2006 parecem conirmareste padro. Classiicamos os municpios brasileiros em relao apibper capita e dinamismo do pibper capita23. Para as duas variveis,

    deinimos cinco extratos: muito baixo, baixo, mdio, alto e muitoalto. Analisamos o comportamento de municpios que ogem dassituaes mdias, em quatro categorias de cidades: municpios comnvel do pibper capita abaixo e com dinamismo econmico muitoacima da mdia brasileira (Mapa 1); municpios com nvel do pibper capita e dinamismo muito acima da mdia brasileira (Mapa 2);municpios com nvel do pibper capita abaixo da mdia brasileira,sem crescimento expressivo (Mapa 3); e municpios com um nveldo pibper capita muito acima da mdia brasileira, e sem crescimento

    expressivo (Mapa 4)24.As cidades com um pibper capita muito aci-ma da mdia brasileira concentram-se na maior parte no Sudeste,Centro-Oeste e Sul. J as cidades com um nvel do pibper capita abai-xo da mdia brasileira concentram-se principalmente na Amazniae na regio semirida nordestina.

    mApA 1

    c m pibper capita (mut) x nmm mut tmApA 2

    c m pibper capita mut t nmm mut t

    mApA 3

    c m um pibper capita (mut) x, m m u (mut) x nmm

    mApA 4

    c m pibper capita mut t, m tx mu mut x nmm

    Fonte: ibge, Censo 2000 e pib Municipal. Elaborao prpria. Fonte: ibge, Censo 2000 e pib Municipal. Elaborao prpria.

    Fonte: ibge, Censo 2000 e pib Municipal 2002-2006. Elaborao prpria. Fonte: ibge, Censo 2000 e pib Municipal. Elaborao prpria.

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    94 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [25] No que se reere ao padro de

    especializao utilizamos o quocien-

    te locacional. O quociente locacio-

    nal no setor x na cidade y expressa a

    participao do setor x na economia

    da cidade y, de um lado, em relao

    participao do mesmo setor x numa

    economia de reerncia, como, por

    exemplo, a economia brasileira. De-

    nimos a existencia de especializao

    em determinado setor nas cidades

    que tm um quociente locacional

    maior que: (a) bens de consumo dura-

    veis e bens intermediarios: 4; (b) ser-

    vios de produo e bens de consumo

    no durveis: 1,5. Utilizamos comoonte principal os dados da pesquisa

    Rais-Caged para o perodo 2006.

    [26] Complementamos o quocien-

    te locacional de especializao com

    um ndice que mede aconcentrao

    em termos de determinada varivel

    (por exemplo, o nmero de estabe-

    lecimentos) como a participao do

    setor x na cidade y no total do setor x

    na economia de reerncia maior (por

    exemplo, a economia brasileira).

    A leitura mais detalhada da dinmica macrorregional de algumas ca-deias produtivas especcas, dando nase na classicao dos segmen-tos industriais (entre bens de consumo durveis, no durveis e bensintermedirios) e os chamados servios produtivos, isto , aqueles que

    puxam a dinmica das economias locais, tambm aponta um quadro depolarizao a partir do Sudeste, do Sul e de uma parcela do Centro-Oeste.Os chamados setores dinmicos (ou bsicos) exportam a sua produo(para outras cidades do pas ou para o exterior). Tipicamente, so setorescomo os servios de apoio produo (servios nanceiros e logsticos,servios de consultoria etc.) ou os bens de consumo durveis (mquinase equipamentos, material de transporte etc.). Os chamados setores nodinmicos (ou no bsicos), como os setores de alimentao, bebidas,servios pessoais, no exportam, mas apenas ornecem ao mercado da

    prpria cidade. Foram adotados aqui dois indicadores gerais: (1) ndicesde especializao em termos do nmero de estabelecimentos25; (2) ndi-ces de concentrao em termos do nmero de estabelecimentos26. Essesndices oram medidos segundo uma chave que classicou o grau de es-pecializao e concentrao dos estabelecimentos de acordo com a carac-terstica das cidades, utilizando tercis que deniram os nveis de concen-trao como alto, mdio ou baixo. Os mapas mostram que os segmentosdinmicos (os bens de consumo durveis e os servios produtivos) con-tinuam concentrados em um nmero muito pequeno de cidades do Sul

    e do Sudeste (Mapas 4 e 6). As cidades especializadas e concentradas nosegmento de bens intermedirios localizam-se principalmente na Ama-znia, Centro-Norte e Centro-Oeste. Trata-se de cidades com vocao deornecimento de matria prima e/ou insumos para a produo nal (mi-nerao, produtos qumicos, papel, celulose, petrleo etc.). J as cidadesespecializadas e concentradas nos bens de consumo no durveis (bebi-das, alimentao, servios pessoais etc., ou seja, os servios que no soexportados) seguem a dinmica populacional, ou seja, instalam-se nosgrandes centros urbanos mais prximo das regies litorneas (Mapa 5).

    Fonte: Elaborao prpria a partir dos dados rais-caged.

    mApA 5

    Munp m cnnt epzn sgmnt bn cnum du

    mApA 6

    Munp m cnnt epzn sgmnt bn N du

    mApA 7

    Munp m cnnt epzn sgmnt s Put

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    [27] C. Diniz, Campolina C. De-

    senvolvimento poligonal no Brasil:

    nem desconcentrao, nem contnua

    polarizao.Revista Nova Ec onomia,

    n 3, set. 1993, pp. 52-6.

    [28] A metodologia de construo

    do indicador de adequao dos do-

    miclios oi desenvolvida original-

    mente em 1996 a partir de dados

    pesquisados na Pesquisa Regional

    por Amostra de Domiclios, coorde-

    nada pela proessora Neide Patarra e

    depois apereioada para os dados do

    Censo Demogrco de 1991 e 2000

    por Aurlio Caiado, com o apoio do

    Nepo-Unicamp. A metodologia oi

    posteriormente readequada para a

    pesquisa Regulao Urbanstica e

    Solo Urbano para Habitao de In-

    teresse Social sob coordenao de

    Raquel Rolnik, com apoio da Fapesp

    e do Lincoln Institute o Land Policy,

    em 2009, para o Estado de So Paulo.

    Durante a elaborao do Relatrio

    das Cidades , esta oi novamente

    revista em ocinas com a rede de es-

    pecialistas mobilizada pelo projetoRelatrio e os dados reprocessados

    pela equipe tcnica do Nepo.

    [29] Estes indicadores oram sele-

    cionados por estarem disponveis

    nos Censos de 1991 e 2000, permi-

    tindo comparaes, e por serem os

    nicos indicadores de inraestrutura

    urbana disponveis para a totalidade

    dos municpios brasileiros com repli-

    cabilidade a cada dez anos e grande

    conabilidade.

    Essa congurao macroespacial das cadeias produtivas reorahipteses j conhecidas que se reerem aos limites da desconcentraoespacial e chamada desconcentrao concentrada do dinamismoeconmico brasileiro27. Os dados apontam tambm que, mais do que

    o porte populacional ou a situao na hierarquia da rede urbana, a va-rivel que mais incide sobre o dinamismo econmico e as condiesde desenvolvimento urbano do municpio a prpria localizao noterritrio. Tanto em 1991 como em 2000, as melhores performancesesto claramente concentradas no Sudeste e no Sul, e nos municpiosdo Centro-Oeste mais prximos ao Sudeste (Sul de Minas, TringuloMineiro e Sul de Gois).

    RetRAto DA pRecARieDADe: A infRAestutuRA Dos Domiclios

    Para a anlise das condies de urbanizao do pas, construmosum indicador suprasetorial replicvel no tempo e disponvel para todosos municpios brasileiros, que pode ser lido como umaproxy das con-dies de urbanidade neles presente28. Sinteticamente, a metodologiaproposta procura dimensionar qual o percentual dos domiclios domunicpio, em suas reas urbanas e rurais, onde existe inraestruturabsica, incluindo abastecimento de gua, aastamento do esgoto e lixo epresena de banheiro, existncia de luz eltrica e localizao e densida-

    de do domiclio29. Partindo-se do pressuposto de que uma poltica dedesenvolvimento urbano tem, entre outros, o objetivo de garantir con-dio de urbanizao totalmente adequada para cada um dos domicliosbrasileiros, consideramos como adequado, de acordo com os dadosdisponveis, o domiclio que no apresentasse qualquer inadequao.Os critrios e indicadores selecionados so apresentados na Tabela 1.

    Aps o processamento dos dados censitrios, oram elaboradosmapas e anlises quantitativas e comparativas sobre a adequao dosdomiclios nos municpios, analisando tambm separadamente os

    domiclios urbanos e rurais de cada um. Tambm oram eitas pro-jees das variveis, com base nos dados da Pesquisa Nacional por

    Amostra de Domiclios (pnad-ibge) para 2006 e 2008, para subsi-diar a construo de hipteses sobre as mudanas ocorridas na dcadade 2000, antecipando-se aos resultados do censo 2010.

    A leitura dos mapas e tabelas em 1991 revelou um pas cujas ci-dades apresentavam baixas condies de urbanidade, menos de 23%de domiclios totalmente adequados e cerca de metade dos munic-pios com 0% de domiclios totalmente adequados. Embora indicas-

    se avanos, o retrato das condies de urbanizao em 2000 aindapermanecia preocupante. Apenas 33% dos domiclios do Brasil eramtotalmente adequados, 30,5 milhes de domiclios tinham algumainadequao e nenhum municpio apresentava 100% de seus domi-

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    8/21

    96 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [30] Adotamos a Regic, do ibge, j

    citada, para localizar o municpio na

    rede urbana.

    clios plenamente adequados. O municpio com melhores condiesapresentava 87,2% de domiclios totalmente adequados. A projeo

    de 2008 parece indicar avanos em ritmo apenas ligeiramente maisintenso: a porcentagem de domiclios adequados cresce 10,26 pontospercentuais entre 91 e 2000 e 12,63 pontos no perodo subsequente.

    Mais do que o porte populacional ou a posio na rede urbana30, avarivel que mais parece incidir sobre a condio de desenvolvimentourbano dos municpios a localizao no territrio nacional. Tanto nosdados de 1991 como nos de 2000, os melhores percentuais de ade-quao esto concentrados em So Paulo, Rio de Janeiro, sul de MinasGerais, Tringulo Mineiro e sul de Gois. Em seguida, na regio Sul

    e em alguns pontos da ranja atlntica do nordeste do pas. Nesta re-gio a mdia de adequao dos municpios quase duas vezes maiordo que a mdia brasileira. Se retirarmos os municpios deste grupo, amdia de domiclios adequados em 2000 cai de 33% para 19%.

    tAbelA 1

    ct p f m m qu nfm cn ibge

    Un

    ru

    abastecimento de gua (gua)iluminao eltrica (luz)

    instalao sanitria (esgoto)

    lixo (lixo)

    nmero de banheiros (banheiro)

    espcie de domiclio (espcie)

    localizao do domiclio (localizao)

    densidade de moradores por cmodo (densidade)

    abastecimento de gua

    iluminao eltrica

    instalao sanitria

    lixo (lixo)

    nmero de banheiros

    espcie de domiclio

    localizao do domiclio

    densidade de moradores por cmodo

    rede geral canalizada em pelo menos um cmodopossui

    rede geral

    coletado por servio de limpeza diretamente

    maior que 0

    particular permanente

    localizado ora de aglomerado subnormal

    menor ou igual a 2

    rede geral canalizada em pelo menos um cmodopoo ou nascente com canalizao interna

    possui

    rede geral

    ossa sptica

    coletado por servio de limpeza direta ou indiretamente

    queimado

    maior que 0

    particular permanente

    localizado ora de aglomerado subnormal

    menor ou igual a 2

    v ctt

    Fonte: Elaborao prpria a partir das variveis do Censo ibge 1991 e 2000. Entre parnteses esto os termos que sero utilizados neste texto.

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    9/21

    97Novos esTUdos 89 Maro 2011

    Na comparao dos dados de 1991/2000/2008 entre as regies, ob-serva-se variaes positivas em todas as regies. No entanto, as maiores

    variaes percentuais ocorreram nas regies onde j havia melhores con-dies em 1991. Embora esse quadro indique que na Amaznia, no Nor-deste e no Centro Oeste os percentuais de domiclios adequados tenhammais que dobrado no perodo, os maiores avanos em pontos percentuaisainda se do nos municpios inseridos em regies que j so as mais bemestruturadas. Por outro lado, vem ocorrendo um espraiamento das me-lhores condies, conorme mostram os Mapas 9, 10, 11 e 12.

    Os municpios que em 1991 possuam alta porcentagem de do-miclios com apenas uma inadequao constituram a regio que em

    2000 tinha melhores condies de urbanizao (Mapa 11), sendoque os dados de 2000 mostram o espraiamento de municpios nessamesma situao rumo ao Sul e Centro-Oeste, sugerindo uma provvelcontinuidade desse processo na dcada seguinte (Mapa 12).

    tAbelA 2

    cn qu m n b 1991/2000

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do Censo IBGE 1991 e 2000 e projeo especial do censo demogrico IBGE 2000 e a PNAD IBGE 2008.

    snt

    Total de domicliosTotal de domiclios adequados

    Porcentagem total de domiclios adequados

    Total de municpios com 0% de domiclios adequados

    % de municpios com 0% de domiclios adequados

    Mxima % de domiclios adequados em um municpio

    35.435.4168.058.718

    22,74%

    2362

    52,61%

    72,00%

    45.506.98315.015.826

    33,00%

    913

    16,58%

    87,20%

    56.093.61025.601.027

    45,63%

    s/inormao

    s/inormao

    93%

    1991 Pj 20082000

    mApAs 7 e 8

    Pntgm dm aqu 1991 2000

    1991 2000

    Fonte: Elaborao prpria a partir de tabulao especial dos microdados dos censos demogricosibge 1991 e 2000.

    Territrios

    0%-10%

    10,01%-20%

    20,01%-30%

    30,01%-45%

    45,01-60%

    60,01%-87,2%

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    10/21

    98 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    tAbelA 3

    M pntu qu m munp p Tt 1991 2000 2008

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados do Censo IBGE 1991 e 2000 e projeo especial do censo demogrico IBGE 2000 e a PNADIBGE 2008.

    an

    1991

    2000

    Projeo 2008

    1,2%

    7,0%

    13,0%

    3,3%

    12,9%

    22,5%

    8,5%

    18,2%

    27,9%

    amzn lt Nt/

    Nt

    sm-

    Ntn

    40,4%

    51,6%

    65,1%

    sut

    12,6%

    26,2%

    49,6%

    19,9%

    27,3%

    34,6%

    0,7%

    2,0%

    7,6%

    su cnt-ot cnt-Nt

    mApAs 9 e 10Munp m m 30% dm aqu

    mApAs 11 e 12

    Munp m m 45% u dm m apn um inqu

    1991 2000

    1991 2000

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados dos censos demogricos ibge 1991 e 2000.

    Fonte: Elaborao prpria a partir de dados dos censos demogricos ibge 1991 e 2000.

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    11/21

    99Novos esTUdos 89 Maro 2011

    [31] C. Kowarick, L. F. F. Viver em

    risco: sobre a vulnerabilidade no Bra-

    sil urbano. Novos Estudos Cebrap, n

    63, 2002, pp. 103-41.

    [32] C. Santos, Milton. A urbani-

    zao brasile ira. So Paulo, Hucitec,

    1993; Rolnik. Excluso territorial e

    violncia.So Paulo em Perspect iva,

    vol. 13, n 4, 1999, pp. 100-11.

    [33] So, na terminologia de Milton

    Santos e Maria Silveira, as cidades

    corporativas, nas quais ocorreu uma

    privatizao do territrio (c. Santos e

    Silveira. O Brasil: territrio e sociedade

    no incio do sculoxxi. Rio de Janeiro/

    So Paulo: Record, 2006).

    [34] C. Oliveira, F. de. Crtica razo

    dualista. O Ornitorrinco. So Paulo:

    Boitempo, 2003.

    [35] Vale lembrar que o autor tam-

    bm destacou o papel ambivalente

    do salrio mnimo, que, como uma

    espcie de ncora geral na economia,

    acabou nivelando para baixo os sal-

    rios entre categorias (c. Oliveira, op.

    cit., pp. 35-39).

    [36] Maricato, Ermnia. Metr opole

    na periferia do capitalismo:ilegalidade,

    desigualdade e violncia. So Paulo:

    Hucitec, 1996, p. 43.

    [37] Isto , o valor negativo do quo-

    ciente mostra o descompasso (em

    pontos percentuais) entre o cresci-

    mento da massa salarial por empre-

    gado e do pibper capita.

    A observao mais atenta desses indicadores revela, no entanto,que a precariedade tambm est presente na regio Sudeste, que tinhaapenas metade de seus domiclios totalmente adequados em 2000 e65% na projeo de 2008. Considerando que nesta regio se encon-

    tram a maior parte das cidades mais populosas, e 42,2% dos domic-lios do pas, isto nos d a dimenso do peso do contingente de domi-clios sem urbanidade no seio da regio mais prspera e estruturada dopas. A desigualdade socioespacial tem uma clara expresso regional,mas tem tambm uma dimenso intra-urbana persistente no modelode desenvolvimento urbano do pas.

    A escAlA intRA-uRbAnA

    A literatura sobre a produo capitalista das cidades em geral, esobre a relao entre o mercado e o urbano no caso brasileiro em parti-cular, vasta e oge ao escopo deste trabalho recuper-la. O modelo deexcluso territorial, analisado pioneiramente por Kowarick31, apontapara um urbano dividido entre a insero nos circuitos avanados eglobalizados de mercado para poucos e a negao do direito cidadepara a maior parte dos moradores urbanos32.

    Para os nossos objetivos, cabe destacar um eixo central desse de-bate: o dinamismo dos circuitos econmicos no produziu cidades

    com urbanidade33. desnecessrio dizer que o enmeno no novo;j Oliveira34, na sua crtica razo dualista cepalina, de um segmentoatrasado que estaria dicultando o avano do moderno, ressaltavaque nas cidades brasileiras encontramos um imbricamento do arcai-co e do moderno. Em sua viso, o padro de industrializao e urba-nizao no perodo que se estende do ps-guerra at o milagre brasi-leiro produzia cidades nas quais o nvel do salrio real do trabalhadorno acompanhava o ritmo do crescimento econmico35. Isso signicaque a relao salarial no garantia nem sequer os custos de reprodu-

    o da ora de trabalho urbana em meio pujana econmica:

    A produo ilegal das moradias e o urbanismo segregador so pro -dutos deste descompasso e das caractersticas do mercado imobilirio efundirio nas cidades sobre cujos agentes no pesa nenhum constran-gimento antiespeculativo e das caractersticas dos investimentos pbli-cos, que favorecem o mercado concentrado e restrito36.

    Considerando este pano de undo conceitual, examinamos dados

    exploratrios sobre a evoluo da massa salarial por empregado e ocrescimento do pibper capita no perodo de 2002 a 2006. Os Grcos1 e 2 mostram a evoluo do quociente das duas variveis37. Nas cidadesque apresentam um dinamismo muito acima da mdia brasileira em

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    12/21

    100 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    termos do crescimento do pibper capita no perodo de 2002 a 2006,o crescimento da massa salarial por empregado no acompanha o au-mento do pibper capita. Este resultado vale tanto para as cidades com

    umpibper capita (muito) abaixo ou (muito) acima da mdia brasileira.

    Fonte: rais-caged (Massa salarial) e ibge (pib).

    gRfico 1

    cmnt pntu nu n j 1986-2008

    gRfico 2

    v m p mpg x v pibper capita n m pibpercapita (mut) t mut nm 2002-2006

    Fonte: Elaborao prpria. rais-caged (Massa salarial) e ibge (pib).

    gRfico 3

    v M s p mpg x v pibper capita n m pibpercapita mut x m m, (mut) x nmm 2002-2006

    Fonte: rais-caged (Massa salarial) e ibge (pib). Elaborao prpria.

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    13/21

    101Novos esTUdos 89 Maro 2011

    [38] Cabem as ressalvas habituais

    em relao ao sistema Rais-Caged

    (cobre apenas o setor ormal, e de-

    pende das declaraes dos prprios

    estabelecimentos econmicos). Alm

    disso, dedues conceituais que ca-

    bem ao pib nacional no devem ser

    automaticamente transeridas para o

    pibdos municpios.

    [39] C. Maricato. O Ministrio

    das Cidades e a poltica nacional de

    desenvolvimento urbano. Polticas

    Sociais. Acompanhamento e Anlise.

    Brasl ia: Ipea, n 12, ev. 2006, p. 211.

    [40] C. OSulivan. Urban economics.

    Boston, ma/Homewood, il: Irwin,

    1993.

    J nas cidades com dinamismo igual ou aqum da mdia brasileirano reerido perodo, o crescimento da massa salarial consegue acom-panhar melhor o dinamismo do pibper capita, j que no h o quedistribuir (Grco 3).

    Esses dados so parciais e oram compostos por meio de ontes di-erentes; assim, necessrio certa cautela na ormulao de hiptesesmais amplas38. De qualquer orma, o descolamento entre a evoluo damassa salarial por empregado e o pibper capita nas cidades dinmicassugere uma distribuio funcional da renda, isto , a entre salrios, lucrose renda da terra, que avorece os atores de produo capital e terra, emdetrimento do ator de trabalho. O quadro remete imagem da cidadepatrimonialista descrita por Maricato39, capturada por um ciclo vicio-so de concentrao de patrimnio, poder econmico e poder poltico.

    Cabe lembrar e ao contrrio do que arma a narrativa mainstream40,que ainda interpreta o crescimento econmico local, a valorizao daterra e o desenvolvimento urbano como variveis sinnimas que,na ausncia de mecanismos compensatrios, o dinamismo econmi-co e a distribuio uncional de renda distorcida compem um coquetelperverso, tendendo a agravar a situao do trabalhador pela exclusosocioespacial, alimentada pela valorizao especulativa da terra.

    Para explorar melhor esta ltima hiptese, elaboramos dados querelacionam a economia da cidade (conorme mensurada pelo nvel do

    pibper capita em 2002 e o seu crescimento no perodo entre 2002 e2006) e as condies de urbanizao no ano 2000, conorme eviden-ciado pela porcentagem de domiclios pereitamente adequados. Nouniverso de 59 cidades do grupo de cidades muito dinmicas, e comum pibper capita abaixo da mdia brasileira, por exemplo, o Grco 4aponta para baixas condies de urbanizao: a maioria desses munic-pios tem menos de um 10% dos domiclios pereitamente adequados.

    No Grco 5 resumimos as condies de urbanizao para o outroextremo do substrato de cidades, isto , as com um nvel do pibper

    capita e um dinamismo acima da mdia brasileira. Percebemos que, das225 cidades que pertencem a este substrato, uma parcela substancialpossui mais do que metade de seus domiclios pereitamente adequa-dos. Ao mesmo tempo, chama ateno a grande disperso das condi-es de urbanizao: mais de um tero das cidades capitalizadas emtermos do nvel e do dinamismo do pibper capita no apresenta sequer20% dos domiclios pereitamente adequados.

    As inormaes nos Grcos 4 e 5 apenas permitem a ormulaode uma hiptese: de acordo com a lgica da produo do espao urbano

    e regional brasileiro, as condies de urbanizao so compradasno mercado, como veremos adiante. Mas, num sistema de acumu-lao que no reproduz os custos da ora de trabalho, e com umEstado que apresenta capacidade de investimento em urbanizao

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    14/21

    102 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [41] C. Arretche, Marta.Estado fede-

    rativo e polticas sociais: determinantes

    da descentralizao. Rio de Janeiro/

    So Paulo: Renavan/Fapesp, 2000.

    limitada e quase inexistente regulao do mercado imobilirio e daterra urbana, o mercado no acompanha o crescimento econmicoda cidade, produzindo cidades sem urbanidade.

    polticA De Desenvolvimento uRbAno:

    continuiDADes e tRAnsfoRmAes

    A poltica nacional de desenvolvimento urbano oi estruturadanos anos de 1960/1970 por meio da montagem de um sistema de -nanciamento de habitao e saneamento. O governo ederal arrecadae redistribui, mediante emprstimos, os recursos da principal ontede nanciamento dessas polticas:o undo destinado a indenizar tra-balhadores demitidos sem motivo, cuja arrecadao lquida desig-nada para nanciar programas de saneamento e habitao (Fundo deGarantia do Tempo de Servio fgts). Na habitao, o modelo ba-

    seava-se no nanciamento da produo privada e de companhias p-blicas, incorporando posteriormente a oerta de crdito bancrio parao consumidor nal41. Na poltica de saneamento, o nanciamento oicanalizado para companhias estaduais. Como o sistema dependia do

    gRfico 4

    Pntu aqu dm c m pibper capita (mut) bx Mut nm

    Fonte: Elaborao prpria, com base em ibge (Censo 2000).

    gRfico 5

    Pntu qu m m pibper capita (mut) t mut nm

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    15/21

    103Novos esTUdos 89 Maro 2011

    [42] C. Flexibilizao institucional

    da prestao de servios de sanea-

    mento: implicaes e desaos. Bras-

    lia:mpo, 1995 (srie Modernizao

    do Setor Saneamento).

    [43] As regras para o parcelamento

    de solo oram institudas em 1979

    pela Lei 6766, denindo a respon-

    sabilidade do parcelador em dotar

    os loteamentos com inraestrutura

    bsica e reas destinadas para a

    instalao de reas verdes e equipa-

    mentos pblicos. Tais espaos so

    denidos sob a orma de percentuais

    da rea total da gleba.

    retorno do investimento ao undo pblico, pago pelos beneciriosnais atravs de tarias dos servios de saneamento e das prestaesda casa-prpria, os sistemas expandiram-se mais nas regies de maiorrenda, onde o retorno nanceiro dos investimentos era garantido42.

    Nem na habitao nem no saneamento este modelo oi capaz de pro-ver condies adequadas de moradia para a maior parte da populao,cuja renda no a habilitava para a condio de demanda neste mer-cado de casas e inraestrutura. O modelo oi estruturado para atenderbasicamente s regies urbanas, e particularmente as grandes cidades,onde havia mercado e escala de demanda para os produtos.

    Paralelamente, o mesmo Estado regulou a produo e a expan-so das cidades, por meio de leis de parcelamento, zoneamentose planos urbansticos, delegando ao loteador privado a misso de

    produzir terra urbanizada, com inraestrutura e espaos pblicospara a expanso da cidade43.De acordo com este modelo, o mercado ormal de urbanizao

    produz, privadamente, cidade. Isto de ato ocorreu para as classesmdias e altas; para os demais brasileiros, no campo e nas cidades,restou uma insero precria e ambgua no territrio: sem condiesbsicas de urbanidade, com vnculos rgeis com a terra que ocupam,

    vulnerveis a expulses e remoes. Nas cidades, o resultado oi umaurbanizao sem inraestrutura bsica, ora pela omisso do poder lo-

    cal da tarea de scalizar o mercado ormal, que requentemente deixaos loteamentos sem inraestrutura, ora por sua incapacidade de oertarmoradia e loteamentos adequados aos grupos de menor renda, im-pulsionando um mercado privado paralelo de baixssima qualidadeurbanstica e habitacional.

    Essa lgica imps um padro predatrio que condenou as cidadescomo um todo a um modelo insustentvel do ponto de vista ambien-tal e econmico, j que impe perdas ambientais e externalidadesnegativas para seu conjunto muito diceis de recuperar. Em primei-

    ro lugar, a espacializao da concentrao das oportunidades em umragmento da cidade, e a ocupao extensiva de suas perierias densas,precrias e cada vez mais distantes, impe um padro de circulaoe mobilidade dependente do transporte sobre pneus e, portanto, dealto consumo energtico e alto potencial poluidor. Por outro lado, aocupao das reas rgeis ou estratgicas do ponto de vista ambien-tal como so os mananciais de abastecimento de gua, os comple-xos dunares ou mangues so decorrentes da combinao de umpadro extensivo de crescimento por abertura de novas ronteiras e

    da expulso permanente da populao mais pobre das reas ocupa-das pelo mercado. Por m, a engenharia urbana mecnica que procu-rou transormar a cidade em mquina de produo e circulao tratousua geograa natural como rios, vales inundveis e encostas

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    16/21

    104 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [44] C. Marques, E. Estado e em-

    preiteiras II: permerabilidade e po-

    lticas urbanas.Dados Revista de

    Cincias. Sociais, vol. 46, n 1, 2003,

    pp. 39-74.

    [45] C. Ferreira, J. O mito da cida-

    de global: o papel da ideologia na

    produ o do espao urbano. So Pau-

    lo:Vozes/Editora da Unesp/Anpur,

    2007, p. 221.

    [46] C. Fernandes, Edesio.Direi to

    urbanstico e poltica urbana no Brasil.

    Belo Horizonte: Del Rey, 2001.

    como obstculo a ser superado, aterrando, terraplanando e caucio-nando as guas, num desenho que procura minimizar as perdas ter-ritoriais para o mercado de solos.

    Tanto para os segmentos empresariais como para os autocons-

    trutores do habitatpopular, a ao dos governos locais, investindo emurbanizao ou regulando o territrio, tem sido decisiva. Para o mer-cado ormal de produo da cidade, a relao com o aparato estatal sed sobretudo por meio da produo e do ornecimento de bens cujodemandatrio o prprio Estado o caso das empreiteiras de obraspblicas e de concessionrios de servios urbanos como coleta de lixo,transporte, entre outros44. Ocorre tambm pelo estabelecimento domarco regulatrio das transaes econmico-jurdicas neste mercado,nas leis e nas normas que aetam a competitividade e a rentabilidade de

    seus produtos, da poltica de tributao sobre os imveis s normasde uso e ocupao do solo. Nas cidades brasileiras, orte a presen-a desses setores no encaminhamento dos processos decisrios e naimplementao de projetos e programas de urbanizao, garantindoseus mercados e uma rentabilidade mais segura para seus investimen-tos45. Esta acontece com base no estabelecimento de conexes privile-giadas com segmentos burocrticos de agncias pblicas, assim comopelo controle poltico do Executivo e do Legislativo municipais.

    Se para o mercado ormal o Estado brasileiro tem sido o principal

    reerencial de induo ou obstaculizao de expanso do setor, paraos autoconstrutores do habitatpopular a ao do Estado , tambm,central. Tal relao, igualmente imersa em um terreno marcado pelaambiguidade, estabelecida com base no grau de tolerncia por partedo aparato estatal em relao a ocupaes e demais atos de inrao legalidade instituda no marco jurdico e no grau de acesso aos benspblicos como inraestrutura e servios urbanos distribudospelo Estado. A partir dos anos de 1990, governos, em todas as ins-tncias, comeam a investir em polticas de urbanizao de assenta-

    mentos precrios. Esse momento coincidiu tambm com os proces-sos de redemocratizao do pas, que pressionava por uma resposta,principalmente por parte dos governos locais, s demandas popularesde consolidao e urbanizao. A urbanizao ex-postpassa a ganharum espao importante na agenda urbana, assim como nos processospoltico-eleitorais em nvel local, com reverbares signicativas emoutras instncias de poder, como veremos na prxima seo.

    No mbito do mesmo processo poltico, a chamada agenda dereorma urbana oi sendo ormulada e institucionalizada mediante,

    principalmente, reormas no ordenamento legal do pas e processos deconstituio de espaos de participao popular, como conerncias econselhos46. Do ponto de vista da gesto territorial, embora desde2001 tenha sido aprovado um novo marco regulatrio o Estatuto

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    17/21

    105Novos esTUdos 89 Maro 2011

    [47] O Estatuto requeria a imple-mentao de Planos Diretores em

    todos os municpios metropolitanos

    e com mais de 20 mil habitantes at

    2006, que deveriam ser elaborados

    de orma participativa e incluir os

    novos instrumentos urbansticos.

    Pesquisa coordenada pelo ippur/

    ufrj e realizada por uma rede de pes-

    quisadores em todo o pas constatou

    que estes, embora tenham sido in-

    corporados na maior parte dos pds

    elaborados requerendo regulamen-

    tao posterior para sua aplicao

    (o que no ocorreu), as regras de

    zoneamento e parcelamento do solo

    tiveram sua lgica pouco alterada.

    [48] C. Rolnick, Democracia no o

    da navalha, op. cit.

    [49] Estes dados reerem-se anali-

    se dos contratos eetuados pela Caixa

    Econmica Federal com os recur-

    sos do ogu no perodo entre 2001 e

    2008, analisados no mbito do Rela-

    trio das Cidades.

    da Cidade , que, em tese, dotaria os municpios de maior poder sobreo processo de urbanizao, as ormas predominantes de regulao parcelamento do solo e zoneamento oram pouco modicadas, eo pacto poltico territorial que permitiria a implementao da uno

    social da propriedade no ocorreu47. O mesmo podemos armar emrelao s instncias participativas no campo do desenvolvimentourbano mesmo quando institucionalizadas no ganharam ora eenraizamento a ponto de reverter o sentido dos processos decisriossobre o desenvolvimento urbano no pas. Foge do escopo deste arti-go analisar os bloqueios que se antepuseram implementao dessaagenda, assim como as inovaes e as ormas de resistncia que estaspropiciaram. Para eeito da hiptese que pretendemos apresentar,mais do que uma suposta vontade poltica de implementar um

    plano diretor participativo ou de ortalecer instncias de participa-o, os governos carecem claramente de incentivos para az-lo, jque, como veremos adiante, os processos decisrios sobre os inves-timentos e o destino da cidade so, no atual modelo ederativo esistema poltico brasileiros, estruturados sob outra lgica48.

    No mbito do governo ederal, modicaes importantes na polti-ca de habitao ocorreram no governo Lula, com um aumento espeta-cular no volume de recursos disponibilizados para o desenvolvimentourbano. Os dados sobre os repasses do Oramento Geral da Unio

    para estados e municpios revelaram um salto de quase oito vezes entre2001-2004 e 2005-2008. O crdito especialmente para os bene-cirios nais elevou-se mais de dez vezes49. Alm disso, a combina-o de subsdios diretos ao benecirio nal com crdito mais acessvelpropiciou um aumento da oerta de casas e apartamentos, incluindo ex-tratos de renda que se encontravam ora do mercado ormal, sobretudona aixa de 5 a 10 salrios mnimos de renda amiliar mensal.

    No entanto, estes recursos esto sendo disponibilizados para otomador nal ou transeridos para os governos estaduais e locais sem

    que tenha ocorrido uma mudana signicativa nos processos de ges-to e ordenamento do solo, como ressaltamos anteriormente, assimcomo nas arenas decisrias sobre os investimentos em desenvolvi-mento urbano, como veremos adiante.

    feDeRAlismo bRAsileiRA: entRe A DescentRAlizAo

    tutelADA e o neolocAlismo competitivo

    Nos anos de 1980, ao modelo centralizado da poltica de desenvol-

    vimento urbano estruturado no perodo autoritrio, com o poder deci-srio sobre a destinao de recursos concentrado sobretudo na eseraederal se contraps uma pauta municipalista que ganhou espao coma nova Constituio. Contudo, pode-se dizer que na rea de desen-

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    18/21

    106 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [50] C. Almeida, M. H. T. de e Me-

    dici, Andr Cezar.Desc entr aliz ao

    e polticas sociais. So Paulo: Fun-

    dap, 1996; Arretche. Federalismo

    e polticas sociais no Brasil: proble-

    mas de coordenao e autonomia.

    Trabalho apresentado no ivEncon-

    tro da Associao Brasileira de Ci-

    ncia Poltica, Rio de Janeiro, 21-24

    jul. 2004. No campo da habitao,

    a implementao de um sistema

    Nacional de Habitao de Interesse

    Social, proposto a partir de iniciati-va popular protagonizada por mo -

    vimentos de moradia ao Congresso

    Nacional, oi atropelada pelo lan-

    amento de um programa ambi-

    cioso de proviso de moradias

    Minha Casa Minha Vida , base-

    ado no subsdio direto ao crdito

    para que amilias comprem pro-

    dutos produzidos diretamente por

    construtoras privadas.

    [51] C. Bremaeker, F. Panorama

    da nanas municipais em 2005.Ibam Sr ie Estu dos Especiais , n

    184, 2006.

    [52] C. Almeida e Medici, op. cit.

    [53] C. Arretche. Federalismo e re-

    laes intergovernamentais no Bra-

    sil: a reorma de programas sociais.

    Dados Rev ista de Cincias S ociais,

    vol. 45, n 3, 2002, pp. 431-58.

    [54] As emendas parlamentares so

    rubricas oramentrias carimba-das, ou seja, com deinio prvia

    no apenas do programa ou ao,

    mas tambm do local preciso de sua

    destinao. Podem ser coletivas de

    bancadas regionais ou estaduais e

    individuais. No caso das emendas

    individuais, normalmente prexa-

    do um valor anual por parlamentar, o

    qual pode alocar em aes nalsticas

    de qualquer setor.

    [55] C. Pereira, C. e Mueller, B.

    Comportamento estratgico em

    presidencialismo de coalizo: as rela-

    es entre Executivo e Legislativo na

    elaborao do oramento brasileiro.

    Dados Revista de Cincias Sociais, vo.

    45, n 2, 2002, pp. 265-301.

    volvimento urbano, dierentemente do que ocorreu em reas como aeducao e a sade, no houve uma reorma do Estado nem na direode uma descentralizao autnoma, com municpios nanciados porrecursos prprios, nem na estruturao de um sistema com uma clara

    hierarquizao de competncias de gesto entre os nveis de governonanciado por ontes estveis e permanentes50.O texto constitucional aumentou a participao dos municpios

    nas transerncias constitucionais, ortalecendo-os nanceiramen-te e atuando de orma redistributiva com a inteno de diminuir asdesigualdades entre os grandes municpios (com maior capacidadede arrecadao) e os pequenos (mais dependentes de transern-cias)51. No entanto, mesmo com o aumento de recursos advindosdas transerncias obrigatrias, como o Fundo de Participao dos

    Municpios, as receitas municipais so insucientes para produzircondies adequadas de urbanizao. A maior parte dos municpiosdepende de acesso a crdito junto a bancos pblicos ou de transe-rncias voluntrias dos governos estadual ou ederal, caracterizandoo que a literatura sobre ederalismo no Brasil denomina descentrali-zao tutelada, ou seja, aquela que eita por meio de transernciasnegociadas caso a caso, mantendo uma rgil relao de dependnciaentre a esera local e a central, baseada em laos polticos, tcnicos ouinstitucionais que podem ser emeros52.

    O principal undo nanciador do desenvolvimento urbano ofgts tem em seu Conselho Curador a principal arena para deniodas diretrizes e dos programas para alocao dos recursos. Este contacom uma representao de empregados e empregadores, mas no pos-sui representao de estados e municpios. Em outras palavras, aindaque suas decises sejam undamentais para o nanciamento das pol-ticas de desenvolvimento urbano dos governos locais, o Conselho no uma arena com representao ederativa53.

    Com receitas prprias limitadas, restam aos municpios o acesso ao

    crdito e as chamadas transerncias voluntrias. As transerncias soeetuadas por meio de convnios dos municpios com os governos esta-duais e ederal, estabelecidos por processos de seleo conduzidos peloExecutivo (o chamado oramento programvel) ou pelo Legislativo(as emendas parlamentares)54. A continuidade do perl das emendasindividuais e seu papel no oramento pblico ao longo de mandatospresidenciais com agendas distintas demonstram, alm da pouca re-levncia para o centro da agenda, a alta uncionalidade poltica destemecanismo, que, com um baixo custo, pode, em conjunturas espec-

    cas, apresentar rentabilidade elevada do ponto de vista da governabi-lidade55. Embora envolvendo valores pequenos, a emenda individualcarimbada pode ter impactos positivos no sucesso eleitoral e sobre-

    vivncia poltica dos parlamentares. Se do ponto de vista dos grandes

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    19/21

    107Novos esTUdos 89 Maro 2011

    [56] Propositadamente aqui no nos

    reerimos s prticas de corrupo,

    comuns no pas, quando percentuais

    dos recursos pblicos envolvidos nas

    obras ou servios so desviados para

    pagar as caixinhaspara uncion-

    rios da mquina estatal ou polticos.

    Vrios escndalos vieram tona re-

    centemente no pas, envolvendo tais

    prticas, inclusive mas no exclu-

    sivamente por meio de emendas

    parlamentares. No ressaltamos este

    ponto em nossa anlise porque sua

    denncia nos levaria a supor que o

    problema central da democracia bra-

    sileira a tica. Sem menosprezar sua

    importncia, parece-nos que a ques-

    to mais complexa.

    [57] C. Ribeiro, L. C. Q (org.). Me-

    trpoles: entre a coeso e a ragmen-

    tao, a cooperao e o confito. So

    Paulo;Rio de Janeiro: Fundao Per-

    seu Abramo/Fase, 2004.

    [58] C. Fiori, Jos. L. O ederalismo

    diante do desao da globalizao.

    In: Britto, Alvares R.B e Silva, Pedro

    L. B. (orgs.).A federao em perspec-tiva: ensaios selecionados. So Paulo:

    Fundap, 1995.

    objetivos da coalizo governante as emendas tm pouca importncia, necessrio ressaltar que no mbito da competio poltica no mu-nicpio, base undamental para denir a reeleio de um parlamentar,este mecanismo pode ser crucial.

    Considerando as regras atuais de organizao partidria e de com-petio eleitoral, assim como os custos crescentes das campanhaseleitorais, os parlamentares necessitam no apenas de mecanismosde acesso distribuio de recursos pblicos, como tambm de alter-nativas de nanciamento de suas campanhas para garantir sua sobre-

    vivncia poltica. O controle de postos-chave na mquina estatal emcondies de intererir nas regras de contratao de servios e obras,assim como a garantia de um fuxo de recursos para alimentar estamquina podem responder a esta dupla uno: de provocar possveis

    retornos eleitorais positivos por parte dos benecirios diretos dasobras e servios, e de recepo de possveis prmios por parte dos con-tratistas sob a orma de contribuies para custear campanhas56. No por acaso que a rea de desenvolvimento urbano hoje gerida peloMinistrio das Cidades tem sido, juntamente com a rea da Sade,a que mais recebe emendas por parte dos congressistas.

    O peso e a importncia desses mecanismos para o modelo po-ltico eleitoral e o chamado presidencialismo de coalizo ajudam aentender a prolierao de novos municpios, a manuteno de estru-

    turas locais precrias e pouco autnomas e a diculdade de estabele-cimento de relaes horizontais entre os entes ederados, mediantearranjos ederativos colaborativos. No modelo de gesto predomi-nante, os municpios atuam de orma isolada; enquanto as relaes

    verticais entre Unio, estados e municpios se estruturaram para odesenvolvimento das polticas de desenvolvimento urbano, as rela-es horizontais, entre municpios, no se consolidam, e as ormasde cooperao intermunicipais so poucas e rgeis. Este tema par-ticularmente grave no caso dos aglomerados urbanos e regies me-

    tropolitanas que at hoje no encontraram caminhos para constituireseras possveis de planejamento e gesto57.

    Nesse sentido, os dados remetem ao debate crtico sobre o signi-cado das mudanas na organizao territorial do Estado brasileiroque ocorreram no perodo ps-1988. Alguns autores argumentam queemergiu um padro neolocalista e competitivo, com baixa capacida-de endgena de colaborao interederativa na proviso de serviosterritoriais de interesse comum. Fiori58, por exemplo, arma que,a maneira pela qual o processo de descentralizao oi conduzido

    ao longo dos anos de 1990 tornou as relaes ederativas cada vezmais competitivas, culminando num cenrio de guerras tributriase desregulamentao competitiva envolvendo estados e municpios.

    A supervalorizao do cmbio e as taxas de juro elevadas que acom-

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

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    108 cresciMeNTo ecoNMico e deseNvolviMeNTo UrbaNo Raquel Rolnik e Jeroen Klink

    [59] Ibidem, p. 36

    [60] C. Oliveira. A crise da edera-

    o: da oligarquia globalizao. In:

    Britto e Silva (orgs.), op. cit., p. 58.

    [61] Para uma discusso internacio-

    nal sobre o surgimento de um regime

    de organizao territorial do Estado

    que competitivo e neolocalista, ver

    Brenner, Neil.New state spaces: urban

    governan ce and the resc aling of sta-

    tehood. Nova York: Oxord University

    Press, 2004.

    panharam o Plano Real, reoradas pela liberalizao do arcabouoinstitucional que norteava os investimentos e o comrcio, permiti-ram o ingresso macio das cadeias produtivas e do capital nanceirointernacionais, montando a cena para o que o autor denominou, de

    orma provocativa, a ederao emergente dos mercadores59, ou,na terminologia de Oliveira60, o leilo invertido envolvendo os entesederativos e o setor privado61.

    notAs finAis

    Nas dcadas de 1990 e 2000, observou-se uma melhora das con-dies de adequao dos domiclios no pas. No entanto, o modelo depoltica habitacional calcado apenas no nanciamento da compra

    de uma unidade nova vigente desde os anos do bnh no atin-giu uma parcela signicativa da populao,entre zero e trs salriosmnimos de renda amiliar mensal, onde se concentra mais de 90%do dcit habitacional. Populao que no consegue acessar o mer-cado e, portanto, no tem acesso moradia adequada. Tampouco seequacionou a dimenso urbanstica deste modelo; a expanso urbanacontinua ocorrendo de orma ragmentada e desestruturada, gerandoum padro precrio de mobilidade, alm de grandes vulnerabilidadesurbano-ambientais. Sem qualquer poltica associada de ortalecimen-

    to da capacidade e do poder de gesto sobre o territrio e na ausnciade qualquer constrangimento em relao transerncia das mais va-lias geradas coletivamente sobre o preo da terra, grande parte dos re-cursos, inclusive dos subsdios pblicos, transerida sobre os preosdos terrenos, provocando um espraiamento ainda maior das cidadese reiterando um processo de excluso para rendas mais baixas. Hoje,o mercado imobilirio, aquecido pela enorme injeo de recursos paraa produo habitacional por meio do Programa Minha Casa Minha

    Vida (2009), arma encontrar diculdades para implementar novas

    unidades, por alta de terrenos com inraestrutura adequada. Os em-preendedores cobram dos municpios a proviso de inraestrutura b-sica de urbanizao. O Estado, por sua vez, no est estruturado paradesenvolver polticas de produo de cidades ex-ante diminuta acapacidade de nanciamento local da urbanizao mesmo em con-textos de grande dinmica econmica e menor ainda as possibili-dades de planejamento e gesto. A exceo dos subsdios j mencio-nados para produo de casas, a maior parte dos recursos injetadosem urbanizao na dcada de 2000 oram destinados a programas de

    interveno em assentamentos precrios procurando remediar asprecariedades produzidas pelo modelo em curso.

    Alm da concentrao da precariedade em certos territrios e dasdisparidades reveladas por alguns indicadores especcos, os indica-

  • 8/2/2019 Por que nossas cidades continuam to precrias

    21/21

    [62] C. Randolph, Rainer. Do pla-

    nejamento colaborativo ao planeja-

    mento subversivo: refexes sobre li-

    mitaes e potencialidades de planos

    diretores no Brasil.Scripta Nova, vol.

    11, n 17, ago. 2007, em .

    dores apresentados aqui expem a necessidade de polticas desenha-das especicamente para certos territrios. No entanto, as polticasbrasileiras de proviso de condies de urbanizao e de desenvolvi-mento econmico apresentam padres uniormes de intervenes,

    dialogando pouco com as especicidades regionais, como por exem-plo, da Amaznia, com sua ocupao pouco adensada e seu meio am-biente peculiar. Desde o bnh assistimos ao desenvolvimento de umapoltica sob um nico molde, realidade que no se modicou muito,apesar da introduo de novos programas no setor da habitao.

    Esta anlise exploratria aponta tambm para a atualidade do de-bate que se originou na economia poltica brasileira sobre os chama-dos espaos de subdesenvolvimento. Isto , na produo capitalistado espao urbano e regional, as cidades representam uma arena privi-

    legiada no processo de acumulao, mas os atores sociais tradicional-mente excludos da sua uno social no tm conseguido se apropriardevidamente dos rutos do crescimento econmico. Na ausncia demudanas estruturais na sociedade brasileira, que articulam e mobili-zam as cidades a partir de uma estratgia multiescalar subversiva62, ocrescimento econmico, a injeo em grande escala de recursos nan-ceiros dos undos pblicos e o ortalecimento do arcabouo jurdico einstitucional para nortear a gesto democrtica e participativa dos es-paos locais representaro passos insucientes para mudar de orma

    signicativa o rumo das cidades brasileiras.

    Raquel Rolnik proessora da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de So Paulo.

    Jeroen Klink proessor da Universidade Federal doabc.

    Recebido para publicao

    em 23 de dezembro de 2010.novos estudos

    cebraP

    89, maro 2011pp. 89-109