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Por que o Brasil precisa aprender a confiar na inovação colaborativa Por Armen Ovanessoff, Eduardo Plastino e Flaviano Faleiro.

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Enquanto os líderes mundiais em inovação cada vez mais colaboram superando fronteiras entre firmas, setores e países, as empresas brasileiras são surpreendentemente relutantes a explorar esta tendência. Superar essa resistência é importante porque o Brasil hoje encontra-se em posição dolorosamente baixa nos principais índices globais de inovação. Para alcançar esses benchmarks e destacar-se, as empresas brasileiras precisam aprender a construir confiança para além de suas fronteiras, resolver questões essenciais a respeito de colaboração eficaz e desenvolver novas competências essenciais, como a de identificar possíveis parceiros e, ao mesmo tempo, tornar-se atraentes para outros.Autores: Armen Ovanessoff, Eduardo Plastino e Flaviano Faleiro.

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Muitas empresas do mundo todo consideram a abertura e a colaboração para além de seu perímetro como fatores críticos para ter sucesso na inovação. No entanto, as organizações brasileiras têm relutado em tirar partido desta tendência.

À primeira vista, isto é surpreendente, porque o país possui alguns dos ingredientes essenciais para desenvolver redes e ecossistemas de inovação de nível mundial. No entanto, ao pesquisarmos este desafio de forma aprofundada, descobrimos evidências preocupantes de que os executivos do Brasil não estão bem preparados para desenvolver relações construtivas, baseadas em confiança, fora de sua própria firma.

Como poderão superar este pensamento insular para crescer e acelerar a inovação? Neste relatório, explicamos como os altos executivos podem começar a fazer suas organizações avançarem em direção à colaboração baseada em confiança. Explicamos também como as empresas brasileiras podem desenvolver as competências que necessitam para serem bem-sucedidas na inovação colaborativa.

Há muito em jogo. O Brasil já ocupa lugar desfavorável em classificações internacionais de inovação e competitividade. Seus líderes empresariais devem aproveitar todas as oportunidades para melhorar esse desempenho, e sua competência para desenvolver mentalidades e capacidades colaborativas serão passos fundamentais nesta jornada.

No entanto, há motivos para otimismo. Esta tendência emergente em inovação coincide com muitos pontos fortes centrais do comportamento cotidiano brasileiro. A predisposição natural dos brasileiros a conectar-se com outros – por meio da ênfase dada aos laços interpessoais e, cada vez mais, das redes digitais – reforça o potencial da inovação colaborativa como via para o posicionamento do país como futuro líder em inovação.

Ponte Juscelino Kubitschek, Brasília.

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A economia brasileira é grande, a sétima maior do mundo em termos de PIB. É muito menor, contudo, no quesito inovação. Por exemplo, segundo um benchmark, o Global Innovation Index (Índice Global de Inovação), o Brasil ficou em 61º lugar em 2014. A colocação do país é ainda pior (71º) no Innovation Efficiency Ratio (Índice de Eficiência em Inovação), que mede a eficácia de um país para transformar inputs de inovação em resultados de inovação.1 O Brasil precisa melhorar rapidamente essas cifras.

As relações colaborativas constituem uma solução promissora. As inovações que estão plasmando os mercados de hoje, e criando os de amanhã, são cada vez mais fruto de parcerias, alianças e outras conexões colaborativas que superam fronteiras entre empresas e países.

A Procter & Gamble, um dos primeiros e mais destacados proponentes corporativos desta abordagem “aberta”, ressaltou os benefícios de seu programa “Conectar + Desenvolver” em artigo publicado na Harvard Business Review em 2006. Os autores revelaram que a empresa obtivera um aumento de 60% na produtividade da sua P&D e mais do que duplicara sua taxa de sucesso em inovação depois de adotar a inovação colaborativa.2

Figura 1: Dentro de casaUma proporção muito maior de executivos-sênior brasileiros do que de seus pares em outras economias grandes planejam promover o crescimento de suas empresas em novas áreas por meio de iniciativas internas nos próximos 5 anos.

Fonte: Pesquisa global Accenture de líderes empresariais 2013

Por que o Brasil precisa aprender a confiar na inovação colaborativa

Outras empresas também abraçaram este enfoque, que lhes dá acesso a mais ideias, oriundas de mais lugares, e a mais alta velocidade – fatores críticos no panorama atual de inovação de ruptura.

Na última década, essas formas colaborativas de inovação deixaram de ser apenas experimentos interessantes e passaram a representar uma prática destacada entre pioneiros da inovação. “Processos abertos como padrão”, por exemplo, é um dos “9 Princípios de Inovação” do Google.3 O argumento é simples: a probabilidade de manter-se na ponta da inovação apenas por meio de capacidades internas é tênue.

No entanto, muitas empresas brasileiras parecem relutantes em abraçar essa tendência. Em estudo da Accenture em 2013, em cuja elaboração quinhentos executivos de dez países foram entrevistados, 72% dos brasileiros relataram que esperavam fazer suas empresas crescerem em novas áreas por meio de iniciativas internas – porcentagem muito mais elevada do que a encontrada em qualquer outro país participante. (Ver Figura 1.)

Este não é o único dado que aponta para as dificuldades do Brasil no que tange à

colaboração. Comparação feita pela OCDE entre empresas inovadoras de trinta economias e publicada em 2013 mostra as firmas brasileiras na terceira pior posição. Os últimos dados do IBGE constatam que apenas 16,7% das firmas inovadoras do Brasil colaboraram com outras organizações. Quando se leva em conta a colaboração internacional, as empresas brasileiras estão ainda mais mal colocadas: só 2,4% tinham parceiros fora das fronteiras nacionais – o nível mais baixo na amostra da OCDE. No Reino Unido, economia de tamanho similar, 31,1% desenvolviam colaboração internacional. (Ver Figura 2.)

O Brasil também fica para trás em matéria de apostas colaborativas estruturais, sob forma de alianças estratégicas e joint ventures. Só 40% dos executivos brasileiros esperam que seu negócio cresça em áreas novas por meio de alianças estratégicas – o nível mais baixo encontrado no nosso estudo. Proporção similar, também entre as mais baixas relatadas, está disposta a apostar em joint ventures. Como contraponto, 80% dos executivos-sênior chineses esperam crescer por meio de alianças estratégicas e 70% estão interessados em participar de joint ventures. (Ver Figura 3.)

0 10 20 30 40 50 60 70 80%

Brasil

Rússia

EUA

Espanha

Reino Unido

França

Alemanha

Índia

China

Itália

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Fonte: Pesquisa global Accenture de líderes empresariais 2013

Fonte: OCDE. Período: 2008-2010, exceto: Austrália (2011), Rússia e Suíça (2009-11), Chile, Japão e Nova Zelândia (2009-10), Luxemburgo, Irlanda e Israel (2006-08) e África do Sul (2005-07). Dados do Brasil - Fonte: IBGE. Período: 2009-11.

Figura 3: Menos aliadosAlém de terem maior inclinação a promover iniciativas internas ao procurar expandir os negócios, os executivos brasileiros tendem menos que seus pares em outras economias grandes a ver alianças estratégicas e joint ventures como caminhos para o crescimento nos próximos 5 anos.

Figura 2: Inovadores mas não colaborativosO gráfico mostra a porcentagem de empresas consideradas "inovadoras" — de acordo com pesquisas nacionais de inovação feitas aplicando uma metodologia internacionalmente reconhecida — que colaboraram com outras organizações, dentro ou fora do país. O Brasil teve resultados ruins em ambos os casos, mas especialmente em colaboração internacional.

Apenas nacional Internacional

Joint venturesAlianças estratégicas

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Brasil Reino Unido Itália Índia Rússia EUA Alemanha França Espanha China

0 10 20 30 40 50 60 70 %

Reino Unido

BélgicaHungria

EslovêniaÁustria

República TchecaEslováquia

FrançaIrlandaSuécia

FinlândiaJapãoIsrael

Estônia

PolôniaHolanda

PortugalSuíça

EspanhaAustrália

AlemanhaNova Zelândia

África do SulNoruega

LuxemburgoRússia

TurquiaItália

ChileBrasil

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A mudança tecnológica de ruptura está modificando drasticamente os mercados de forma cada vez mais célere, com menos avisos prévios e com consequências mais devastadoras para as empresas já instaladas. As empresas nem sempre dispõem internamente das competências de que precisam para reagir com a rapidez necessária a exigências de mercado que evoluem aceleradamente. A inovação colaborativa é crítica para conseguir enfrentar esses desafios.

Como nossos colegas Larry Downes e Paul Nunes mostraram em seu livro Big Bang Disruption, as firmas que colaboram têm mais chances de gerar rupturas transformadoras, pois encontram novas combinações de pontos fortes competitivos. E a colaboração deveria ser ainda mais atraente em uma economia que luta com uma estrutura de alto custo, como a brasileira. Ela permite que as empresas tenham acesso a competências sem terem de assumir a conta toda sozinhas.

Algumas empresas brasileiras mostraram que entendem como competir neste novo entorno. Por exemplo, a Embraco, maior fabricante mundial de compressores, desenvolveu o primeiro compressor para geladeiras que funciona sem óleo lubrificante. Para criar esse produto, fez parceria com a Fisher & Paykel, fabricante neozelandesa de eletrodomésticos, e com a Universidade Federal de Santa Catarina.4

Ricardo Maciel, gerente de P&D da Embraco, entende que é muito melhor causar a ruptura do que sofrer as consequências de uma ruptura gerada por outros: “Se alguém tiver que acabar com o compressor, que seja a Embraco.”5

No momento em que o Brasil procura participar mais do jogo da inovação, esta atitude – e o sucesso colaborativo que lhe dá respaldo – deveria ser adotada por um número muito maior de líderes empresarias numa economia que é grande e ainda promissora.

Inovar em um mundo de Big Bang Disruption

Sociáveis por naturezaEstes dados sobre colaboração são surpreendentes porque, tanto pessoalmente quanto, cada vez mais, no mundo digital, os brasileiros são sociáveis por natureza. Demonstram crer na força da construção e manutenção de relações, em todos os setores da sociedade.

Em nosso estudo, os líderes empresariais brasileiros destacaram “relações e redes pessoais”, junto com “uso das mídias sociais”, como as duas competências mais importantes que facilitariam o crescimento. (Ver Figura 4.)

A predileção brasileira por conectar-se por meio das redes sociais vai além da famosa cultura aberta e amistosa do país. O Brasil

tem cerca de 108 milhões de internautas. Destes, 89 milhões acessam o Facebook uma vez por mês e 59 milhões, todos os dias.6 Os usuários do Facebook fizeram das eleições presidenciais do país de outubro de 2014 as mais comentadas da história da rede social, com mais de 670 milhões de interações - como posts, comentários e “curtidas” – em menos de quatro meses.7

Esses dados indicam que o Brasil já possui muitos dos requisitos da excelência na colaboração. Seus líderes empresariais deveriam tirar partido dessas tendências naturais não apenas para “recuperar o atraso” em relação a outros na inovação colaborativa, mas também para transformar a capacidade de inovação da economia, fazendo assim deslanchar o tão esperado crescimento econômico.

Figura 4: Conectar para crescerOs executivos brasileiros consideram suas redes pessoais e o poder das mídias sociais como as ferramentas e capacidades-chave que serão os motores do crescimento futuro.

Fonte: Pesquisa global Accenture de líderes empresariais 2013

Boa relação de trabalho com formuladores de políticas/órgãos reguladores

Computação móvel e/ou desenvolvimentos de aplicativos

Participação em grupos de empresas de diferentes setores

Canais tradicionais de comércio eletrônico

Analytics

Uso das mídias sociais

Relações e redes pessoais

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Figura 5: A falta de confiança atrapalha a colaboração?Pesquisa feita em 2014 pela Confederação Nacional da Indústria (CNI), na qual 2.002 pessoas foram entrevistadas em 143 cidades, mostrou que os brasileiros confiam pouco nas pessoas e acreditam que a maioria das pessoas "quer tirar vantagem" dos outros em vez de agir de maneira correta.

Nível de confiança dos brasileiros na maioria das pessoas Percepção em relação à forma de agir / à atitude do brasileiro

Fonte: Confederação Nacional da Indústria (CNI)

Pesquisas já demonstraram que, uma vez que empresas de um setor adotam estratégias de inovação colaborativa, as que continuam trabalhando isoladas enfrentam “grave desvantagem competitiva”.8 Então o que está segurando o Brasil?

É fácil culpar o “Custo Brasil”, expressão que sumariza os obstáculos impostos por excesso de burocracia, infraestrutura deficitária e sistema tributário complexo. Afinal de contas, estes obstáculos elevam o custo dos arranjos colaborativos. Ao criar dificuldades adicionais para as empresas, também incitam os executivos a concentrar-se exclusivamente em sua atividade atual, mais do que a enfrentar mares nunca dantes navegados. Assim, o Custo Brasil é claramente um dos fatores que refreiam a colaboração, como também o faz a aversão ao risco – alimentada por décadas de volatilidade na economia. Nessas circunstâncias, os líderes empresariais podem ser cautelosos diante das vulnerabilidades que andam de par com o aumento das oportunidades de um ambiente mais aberto.

Em quem você confia?

No entanto, há burocracia e volatilidade em muitos países onde os executivos parecem mais abertos à colaboração. A pesquisa e a experiência da Accenture apontam para outro culpado no Brasil: lacunas na confiança social. A confiança é o alicerce em que se assenta a colaboração – nas relações comerciais tão certamente quanto nos laços pessoais. O Brasil tem déficit de confiança?

Estudo recente feito com 2.002 pessoas de 143 cidades brasileiras pela Confederação Nacional da Indústria (CNI)9 revela que 62% dos brasileiros não têm nenhuma ou quase nenhuma confiança na maioria das pessoas. E 82% acreditam que a maioria procura tirar vantagem dos outros (Ver Figura 5.)

Na verdade, a comparação internacional dos níveis de confiança interpessoal em 59 países coloca o Brasil em 54º lugar. (Ver Figura 6.) É difícil interpretar essas cifras como algo menos do que preocupante no que diz respeito a um futuro com maior colaboração nos negócios.

Em conversa conosco, André Saito, diretor do Centro de Open Innovation - Brasil, resumiu essa situação: “A falta de confiança é um problema muito grave no Brasil. As pessoas estão sempre receosas de os outros passarem a perna nelas. Contudo, a colaboração requer uma relação de confiança. Isto precisa ser construído.”

Assim sendo, para aspirar à inovação colaborativa, as empresas brasileiras primeiro têm de aprender a construir e alimentar relações nas quais sintam que seus interesses estarão protegidos. Precisam aprender a gerenciar as tensões naturais que são parte integrante de uma via colaborativa para a inovação. E precisam desenvolver novas competências que são críticas para que a inovação mais aberta e colaborativa dê certo. Algumas organizações estão fazendo tudo isso, mas um número excessivo de empresas continua a não ter consciência das oportunidades que está deixando passar sem perceber.

Quase nenhuma confiança

Nenhuma confiança A maioria das pessoas age de maneira correta

A maioria das pessoas quer tirar vantagem

Muita confiança

Alguma confiança Não sabeNão sabe/Não respondeu

29%16%

33%

31%

6% 82%1% 2%

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Figura 6: O Brasil sofre de déficit de confiança?O Índice de Confiança Interpessoal mostra o Brasil na 54a posição em um ranking de 59 países em termos do grau de confiança que as pessoas têm umas nas outras.10

Dados coletados em 2010-2014Fonte: World Values Survey (dados); JD Systems (metodologia do cálculo do Índice de Confiança Interpessoal).

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De modo geral, o(a) Sr(a). diria que pode confiar na maioria das pessoas ou precisa ser muito cuidadoso com elas?

Índice de confiança = 100 + (% Pode-se confiar na maiora das pessoas) - (% É preciso ser muito cuidadoso)

Acima de 130115-130100-11585-10070-8530-7015-30Abaixo de 15

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O caminho para avançar: Rumo a uma colaboração baseada na confiança

Como as empresas brasileiras podem lidar com o déficit de confiança do país e aumentar sua capacidade de praticar inovação colaborativa? Sugerimos providências específicas que as empresas podem tomar para aumentar a confiança entre possíveis parceiros. Também formulamos as perguntas-chave que os líderes devem fazer a si mesmos e identificamos as competências essenciais necessárias à inovação colaborativa

Atacar o problema da confiança É preciso de confiança para trabalhar junto, mas é preciso trabalhar junto para construir confiança. A questão para as empresas é como superar este dilema.

Comece gradualmente, e esteja preparado para que leve algum tempoGustavo Caetano, CEO da Samba Tech e presidente da Associação Brasileira de Startups, sabe muito bem como é importante o tempo investido na construção de novas parcerias. Por exemplo: a Samba Tech tem uma relação produtiva com uma grande multinacional europeia. Nas etapas iniciais, exploratórias, da colaboração, Caetano recebeu diferentes executivos da empresa no escritório da Samba Tech, mostrando-lhes como a firma cria produtos, gerencia seus KPIs (indicadores-chave de desempenho) e até plasma sua própria cultura. Ele também visitou várias vezes a sede da empresa no Brasil, conversou com pessoas de diferentes departamentos e teve reuniões com o CEO e outros membros da diretoria da empresa. Só então a colaboração foi possível.

Aborde a colaboração em etapasUm líder global do setor de produtos da linha branca usa o que descreve como "abordagem tipo cebola” da gestão da propriedade intelectual na inovação aberta. Inicialmente,

os parceiros só trocam informações a respeito de uma determinada oportunidade de mercado. Depois compartilham ideias mais aprofundadas acerca da oportunidade dentro dos limites impostos pela proteção da patente, caso haja propriedade intelectual envolvida. Em uma terceira etapa, que requer acordo de confidencialidade, compartilham dados sigilosos. Por fim, se oportuno, passam à colaboração em P&D.

Discuta interesses subjacentes em vez de negociar posiçõesDescobrir os interesses subjacentes de um possível colaborador ajudará você a elaborar um acordo que seja bom para todos. A Natura, multinacional brasileira, produz cosméticos que usam matérias primas da Amazônia compradas de comunidades locais. Tanto a logística como os sistemas de informação e comunicação são deficientes na região, o que torna a tarefa de encontrar e manter fornecedores um desafio significativo.

Para vencê-lo, a Natura fez parceria com a Fase, ONG brasileira que atua na área. A relação com a Fase levou anos para ser construída, pois ambas as organizações precisaram desenvolver um grau elevado de confiança para superar as percepções iniciais a respeito dos objetivos uma da outra. A confiança cresceu à medida que conseguiram definir interesses comuns a todas as partes envolvidas. A Natura encontrou importante alinhamento com o objetivo da Fase de manter os agricultores em suas cooperativas.

As comunidades locais, por sua vez, queriam garantir a segurança da renda e preservar sua independência em relação a qualquer empresa. Assim sendo, a Natura assinou contratos que incluíam “garantias de compra” prevendo no mínimo três anos de fornecimento, mas não exigiam que os fornecedores trabalhassem exclusivamente com ela. A verdadeira colaboração exige

profunda compreensão dos interesses subjacentes do parceiro. Isto só pode ocorrer por meio de conversas que visem a construir confiança e metas compartilhadas, em vez de ir direto para negociações de contratos.11

Perguntas-chave para líderes Alguma relutância à colaboração é perfeitamente natural. Quando não empreendida corretamente, é literalmente um negócio arriscado. Você busca a oportunidade – mas se torna vulnerável neste processo. Como em todo relacionamento, a verdadeira confiança exige que as pessoas se sintam à vontade com essa vulnerabilidade. Felizmente, a vulnerabilidade pode ser gerenciada até certo ponto. Para evitar erros graves, as empresas devem responder a três perguntas críticas relativas à inovação colaborativa.

Que parte do nosso negócio devemos abrir?Qualquer decisão implicará trade-offs. Muitas empresas, por exemplo, não ficarão à vontade com a ideia de uma postura aberta demais quando se trata do seu negócio central – abrir o centro significa, ao mesmo tempo, os maiores riscos e as mais elevadas recompensas potenciais.

Para decidir onde abrir, as empresas terão de analisar tendências e cenários e considerar contrafatuais: Dados prováveis desenvolvimentos no mercado, quanto se tem a ganhar com a colaboração? O que vai acontecer se falhar? E se continuarmos a nos concentrar no âmbito interno?

O Buscapé, multinacional brasileira que oferece serviços de comparação de preços no comércio eletrônico, decidiu adotar uma abordagem totalmente aberta da inovação. Abriu a desenvolvedores externos sua própria base de dados, que contém dados sobre seus produtos, serviços e ofertas.

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Foi uma iniciativa ousada, porque os desenvolvedores poderiam ter usado essas informações para lançar um novo concorrente do Buscapé, ou para produzir, por exemplo, um aplicativo para smartphone melhor do que o do Buscapé.

Mas a empresa assumiu um risco calculado no intuito de lançar mão dos serviços de muitos desenvolvedores talentosos. A aposta valeu a pena. Colaboradores externos ajudaram o Buscapé a oferecer muitos serviços novos, tais como o Buscapé na Hora, um plugin para navegadores que compara preços à medida que os clientes visitam diferentes lojas online.12 Hoje, como parte do grupo sul-africano Naspers, que o adquiriu em 2009, o Buscapé lidera o maior grupo do mundo de sites de comparação de preços, com cerca de 120.000 usuários por mês.13

Quantos colaboradores externos devemos ter?Em princípio, pode parecer que mais é sempre melhor. Mas aqui também as empresas enfrentam trade-offs.

Para começar, é um desafio desenvolver verdadeiros relacionamentos baseados em confiança com uma “multidão”. Além disso, com uma vasta rede de colaboradores, os gestores podem logo ver-se diante do problema de excesso de informação. Podem achar difícil identificar as competências e capacidades que necessitam em um campo superlotado. A tecnologia pode ajudar a minimizar este problema. As plataformas de inovação aberta, por exemplo, podem ser ferramentas valiosas na organização de redes. Mas não dá para recorrer exclusivamente a elas, porque as bases de dados não podem ser atualizadas na velocidade da evolução do conhecimento.

E tem mais. Carlos Arruda, diretor do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral, explica que a integração de novos conhecimentos tem um custo: “Se a rede crescer demais, os benefícios do trabalho com parceiros adicionais e do acesso a conhecimento externo diminuirão.”

A melhor escolha para a sua empresa vai depender da quantidade de informação sobre os parceiros que você consegue gerenciar, bem como da sua capacidade de absorver novos conhecimentos. Isto varia de empresa para empresa. Pode ser viável terceirizar parte do problema. A Clorox, multinacional de produtos de limpeza com sede nos Estados Unidos, aceita contatos não solicitados de inovadores por meio de seu portal. Mas depois permite que uma agência externa faça uma triagem das propostas e elimine as que poderiam gerar problemas relacionados com propriedade intelectual, de forma que os atarefados executivos da empresa concentram-se exclusivamente nas ideias mais promissoras.14

Quem na minha empresa deve colaborar?O que se aplica aos colaboradores externos também vale para os internos: os grandes números podem causar complicações. Neste caso, quanto maior o número de pessoas, maiores as chances de vazamento de informações sensíveis para fora das paredes corporativas, o que frisa a relevância e importância da confiança dentro da organização.

Cada vez mais as pessoas se acostumam a “compartilhar” informações em público - especialmente as gerações mais jovens, que já passaram boa parte da vida usando tecnologias móveis e redes sociais. Conversamos sobre o crescente papel dos millennials nos negócios com Lourenço Bustani, fundador e CEO da Mandalah, uma consultoria em inovação que nasceu no Brasil e agora tem escritórios em cinco países de quatro continentes. “Os jovens hoje

vivem no mundo open source, imbuídos da ideia de que a inteligência coletiva beneficia a todos. Existe uma mudança em curso, e as empresas têm de adaptar-se a ela”, adverte Bustani.

Ele tem razão, é claro. O espírito colaborativo dos jovens funcionários é um ativo valioso para as empresas que procuram estimular mais e melhores inovações. Mas as empresas também têm de ser muito cautelosas para minimizar a vulnerabilidade correlata. Para gerenciar essa tensão, as empresas precisam de regras claras a respeito do tipo de informação que pode e não pode ser compartilhada. O departamento jurídico deve ajudar a classificar o conhecimento segundo seu grau de confidencialidade. Treinamento obrigatório também é necessário para assegurar-se de que exista, na empresa toda, consciência e entendimento da natureza das informações confidenciais e das políticas de propriedade intelectual.

Tensões semelhantes surgirão no nível da estrutura corporativa. Se todas as iniciativas de colaboração forem gerenciadas a partir da matriz, é provável que haja perda de oportunidades longe dela. As subsidiárias podem precisar de margem de manobra para criar suas próprias redes de colaboração, mas esta abordagem pode levar a duplicação de esforços e recursos.

A informatização pode permitir a coordenação central em tempo real sem prejudicar uma saudável medida de autonomia local. As empresas também podem decidir atribuir a diferentes filiais ou centros locais a tarefa de coordenar a pesquisa em áreas específicas. A Pirelli, por exemplo, concentra suas pesquisas sobre pneus agrícolas em seu centro de P&D de Santo André, perto da cidade de São Paulo. Em parceria com a Unicamp, a equipe local desenvolveu soluções que minimizam o impacto do contato dos pneus com o solo agrícola.15

Ponte Rio Negro, Manaus.

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Competências para o futuroAo pesquisar primeiro que partes da empresa abrir para a colaboração, a sua capacidade de trabalhar com colaboradores externos e a necessidade de equilibrar segurança e entusiasmo pela colaboração, você já terá dado passos significativos na direção certa.

Muitas empresas, contudo, talvez não tenham as competências que necessitam para avançar mais em direção à inovação colaborativa. Em nossa pesquisa, identificamos três competências-chave – e vimos como algumas empresas as constroem.

A capacidade de encontrar parceirosQuanto maior o número de possíveis parceiros que conhecer, melhor você conseguirá identificar os parceiros certos. Você ficará mais à vontade com o conceito de colaboração, e terá uma visão mais ampla de que partes da sua organização são as melhores para a inovação.

Aqui estão os métodos que vimos algumas empresas brasileiras, e muitas outras organizações, utilizarem com bons resultados:

Crie oportunidades para a interação periódica com possíveis parceiros externos. Na Tecnisa, por exemplo, uma vez por mês os executivos dedicam a metade do dia a sessões de “Fast Dating” na sede da empresa em São Paulo e outros locais do Brasil. Essas reuniões de dez minutos, durante as quais startups e outras firmas expõem suas inovações à construtora, já levaram a dezenas de parcerias. Graças a uma dessas parcerias, a empresa agora usa drones para fazer vídeos de novos canteiros de obras, que são incluídos em atualizações mensais enviadas a compradores e usados em campanhas publicitárias.16

Seja determinado na identificação de possíveis colaboradores e na participação em eventos onde eles estejam presentes.Algumas empresas até criam um grupo separado apenas para esse fim - como um departamento acelerador de startups ou um braço corporativo de capital de risco (CR) - cuja tarefa é identificar e desenvolver relacionamentos. Por exemplo: a Intel, com sede nos EUA, adotou a última opção. Seu braço corporativo de CR no Brasil, como em outros lugares, funciona de maneira semelhante a um fundo de CR, mas voltado exclusivamente para firmas que acrescentarão tecnologia ao desenvolvimento do ecossistema da própria empresa.17

Incentive os seus funcionários a construírem suas próprias redes externas – e seja aberto às contribuições deles.Faça da construção de redes externas sólidas um objetivo para funcionários focados em inovação, e inclua esta competência em suas avaliações de desempenho. As pessoas que constroem relacionamentos externos fortes e relevantes devem ser premiadas, especialmente quando sua contribuição levar a reais resultados em inovação.

Porém, por mais importante que seja, isto não basta. Os funcionários bem relacionados também precisam encontrar dentro da empresa um ambiente favorável no qual apresentar suas contribuições. Muitas firmas– e não só no Brasil – não fazem bem esta parte. Pesquisa anterior de colegas do Accenture Institute for High Performance e outros constatou que, embora “a inovação eficaz muitas vezes exija que se encontre um equilíbrio entre conectividade externa e influência interna”, em muitos casos isto não acontece. As funções normalmente associadas a forte influência interna costumam levar a poucas conexões externas, e vice-versa.18 É preciso criar redes internas para assegurar-se de que as contribuições externas consigam chegar às partes da

organização onde possam ser promovidas com mais eficácia.

Mantenha sua mira alta e seus horizontes amplos.Sejam quais forem seu tamanho ou localização, não há motivo para que sua empresa não esteja conectada com os principais especialistas e profissionais do mundo.

Vejamos o caso da Hive, pequena empresa brasileira desenvolvedora de games e marketing digital fundada em 2006. Em 2013, abriu um escritório em San Francisco para impulsionar seus esforços de inovação por meio de novas conexões e alianças. A parceria da Hive com a Leap Motion, startup do Vale do Silício, por exemplo, levou ao desenvolvimento de um espelho interativo ativado por movimento.

A capacidade de combinar competências técnicas e pessoais“Parte empresário, parte negociador, parte gestor de aliança e parte gerente de projeto.” É assim que Gail Martino e John Bartolone, executivos da Unilever, descrevem o ideal de “profissional da inovação aberta”.19 A boa notícia é que você não precisa ter todas as qualidades necessárias em uma pessoa só. Conversamos com Bruno Moreira, diretor executivo da Inventta, consultoria em inovação, a respeito das competências que a caminhada da inovação colaborativa requer. “Você tem de contar com algumas competências fundamentais no seu pessoal, mas não é necessário que cada integrante do grupo tenha todas elas. Isto seria impossível. O que você precisa é que a equipe em seu conjunto as tenha.”

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Fortaleça as suas competências técnicasPara poder confiar em qualquer tipo de arranjo colaborativo, você tem de estar confiante na sua própria capacidade de avaliar os processos, produtos ou serviços da outra parte. Você também precisa estar confiante no que está sendo negociado.

Isto significa que suas equipes devem ter determinadas competências técnicas, muitas das quais devem ser dominadas pelo pessoal do seu jurídico. Nada substitui a capacidade de elaborar contratos complexos e de entender profundamente o sistema de propriedade intelectual. A gestão de projetos com muitas partes interessadas também é fundamental – particularmente nos entornos complexos que caracterizam a inovação colaborativa –, assim como o são as competências de planejar negócios e de realizar due diligence para validar a adequação de possíveis parceiros.

Alimente suas competências pessoaisPor definição, os parceiros na colaboração vêm de diferentes culturas organizacionais, têm diferentes áreas de perícia e diferentes interesses. Também podem ser de diferentes nacionalidades. São as competências pessoais, tais como a capacidade de trabalhar de modo eficaz em diferentes culturas e a de encontrar terreno comum, que mantêm a coesão das equipes colaborativas. Essas competências ajudam os professionais a ficarem mais à vontade (e confiantes) para trabalhar em grupos nos quais talvez sejam a única pessoa (ou uma das poucas) com profundas competências em uma determinada área, e nos quais talvez trabalhem com outros que têm profundos conhecimentos em áreas com que eles podem estar relativamente pouco familiarizados.

Combine competências técnicas e pessoaisNenhuma competência pessoal ou técnica levará a sua empresa muito longe, a não ser que a sua equipe seja capaz de combiná-las. O conhecimento do jurídico será de grande ajuda se for combinado com flexibilidade para se adaptar às exigências e necessidades de diferentes parceiros e assegurar que haja uma divisão justa de riscos e recompensas. A gigante petroquímica Braskem, por exemplo, tem contratos de colaboração com diversos parceiros. “Todos se baseiam no mesmo modelo, porém ajustado para refletir as especificidades de cada colaborador e projeto”, explicou-nos Edmundo Aires, vice-presidente de Tecnologia e Inovação da empresa.

Construir os conjuntos de competências necessários e ser capaz de combiná-los requer um grau importante de flexibilidade organizacional para deslocar os recursos – inclusive humanos – para onde estes forem necessários. Às vezes a pessoa que tem as competências de que você precisa está em um departamento não ligado ao projeto em questão. O seu olhar terá abranger toda a organização para encontrar essas pessoas e trazê-las para o projeto pertinente.

A capacidade de tornar a empresa um parceiro atraenteEncontrar possíveis colaboradores que sejam atraentes para você é apenas uma parte da equação. Você também tem de ser atraente para eles.

Identifique as suas melhores característicasA atração tem diversos componentes. Estes variam de acordo com o seu setor e o tamanho da sua empresa. Kevin McFarthing, fundador da Innovation Fixer, consultoria com sede no Reino Unido, aponta que as empresas também devem se perguntar se suas políticas e mesmo sua cultura fazem delas parceiros atraentes20. Uma corporação

multinacional será vista como parceira atraente se tiver vendas anuais robustas, uma série de marcas e produtos fortes e se atuar em grande número de países. Mas poucos esperarão o mesmo das startups. No caso delas, a atração será decorrente de fatores tais como sua tecnologia inovadora ou seus laços com a academia.

Não seja tímido na hora de mostrar o que faz

É importante comunicar seus pontos fortes, mas isto pode não ser intuitivo. As grandes empresas, por exemplo, talvez suponham erradamente que os possíveis parceiros estão a par de seu volume de vendas ou diversidade de produtos. As startups também devem fazer um esforço adicional para ajudar os possíveis parceiros a conhecê-las.

A Samba Tech, pioneira em plataforma de vídeo online na América Latina – e líder em inovação colaborativa – costuma mostrar aos possíveis parceiros referências de clientes e parceiros atuais. Gustavo Caetano, fundador e CEO da empresa, explicou que faz pessoalmente numerosas visitas a grandes empresas até as lideranças destas entenderem a força de sua proposta de parceria. Disse-nos: “Infelizmente, muitos líderes de startups não se empenham tanto. Eles precisam reconhecer que as grandes empresas têm atitudes diferentes em relação a risco. Faz parte do nosso trabalho dedicar tempo a explicar-lhes o valor do que temos a oferecer até que eles o entendam.”

O argumento de Caetano faz todo o sentido, mas também indica que as próprias grandes empresas precisam aprender a ouvir melhor – não podem dar-se ao luxo de deixar passar, sem perceber, as melhores oportunidades de parceria.

Rodovia dos Imigrantes entre São Paulo e Santos.

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A GranBio, empresa brasileira de biotecnologia, mostra como muitos dos passos que sugerimos podem funcionar juntos para construir confiança e criar os alicerces de uma experiência colaborativa bem-sucedida. Fundada em 2011, esta jovem empresa aspirava a produzir etanol celulósico, biocombustível de segunda geração que não prejudica a produção de alimentos porque utiliza palha e bagaço de cana, tradicionalmente vistas como “sobras” da planta.

A tecnologia, a capacidade de implementação necessária e a matéria-prima de que se precisava para produzir este biocombustível já existiam, mas eram controladas por diferentes empresas, inclusive algumas concorrentes entre si.

Os líderes da GranBio perceberam que, para atingir sua meta, teriam que convencer as empresas de que, apesar de suas posições competitivas entre si, seria de seu interesse trabalhar com a GranBio.

Tirando partido das competências pessoais de sua equipe e expondo claramente seus interesses subjacentes, a empresa partiu para convencer

parceiros potenciais, tais como a Novozymes, produtora de enzimas dinamarquesa, e a DSM, firma holandesa de ciências da vida, de que a GranBio não era uma concorrente, mas uma facilitadora de novos negócios.

Então, recorrendo a suas competências técnicas, a GranBio tomou medidas para aplacar a preocupação de seus parceiros potenciais europeus em relação à proteção da valiosa propriedade intelectual destes. O problema era que não havia patente para sua tecnologia no Brasil, onde obter uma patente é um processo notoriamente lento. Para lidar com as preocupações de seus parceiros, a GranBio abriu uma subsidiária nos Estados Unidos, o que significava que a empresa poderia ser processada em tribunais norte-americanos por qualquer violação de direitos de propriedade intelectual.

Para tornar-se ainda mais atraente como parceira, a GranBio ajudou a DSM a obter aprovação para uso no Brasil de sua levedura geneticamente modificada, que aumenta significativamente a quantidade de etanol obtido a partir da mesma quantidade de biomassa. A GranBio liderou uma campanha de informação para demonstrar às

Colaborar para inovar na GranBio

autoridades regulatórias que o produto era seguro.

Mas a empresa não se deteve nem aí, como nos explicou seu vice-presidente executivo, Alan Hiltner. “Os donos das usinas de etanol tinham de ser convencidos a participar do empreendimento, porque são eles que detêm a biomassa. Para persuadi-los, nos unimos a instituições acadêmicas como a Unicamp e a Universidade Federal de Alagoas. Esse grupo produziu estudos que demonstravam que a palha podia ser retirada do campo com segurança sem perda na produção da cana, e que parte dos canaviais poderia ser usada para cultivar cana-energia, variedade que produz 2,5 vezes mais biomassa por hectare do que a cana açucareira.”

Em setembro de 2014, a GranBio abriu sua primeira unidade de produção de etanol de segunda geração em São Miguel dos Campos, Alagoas. A empresa estima que o Brasil tem potencial para aumentar sua produção de etanol em 50% por meio do uso de bagaço e palha de cana.

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Bruno Moreira, diretor executivo da Inventta, há anos ajuda empresas brasileiras a inovar. Para ele, a pergunta-chave é “Como ser aberto e bem-sucedido no Brasil quando poucos players têm mentalidade aberta?” Para colaborar, você precisa de colaboradores. Contar com uma massa crítica de executivos com mentalidade aberta é um pré-requisito para a criação do círculo virtuoso de maior colaboração e mais – e mais valiosa - inovação. E um pré-requisito crucial para abrir a mentalidade brasileira é elevar os níveis de confiança.

A confiança é resultado de experiências compartilhadas e exige abertura para acertar e falhar juntos. Nos negócios, assim como na vida, alguns de nossos relacionamentos mais fortes resultam de circunstâncias desafiadoras e às vezes até perigosas. É preciso tempo, paciência e persistência para alcançar a recompensa final. Os executivos brasileiros costumam ser criticados por sua visão de curto prazo - é fundamental enfrentar este obstáculo para conseguir resultados de longo prazo.

Como assinalamos, com maior abertura vem maior vulnerabilidade. Assim, os executivos do país terão de gerenciar as tensões entre os dois. As perguntas que nossa pesquisa sugere aos executivos não são simples: O que abrir? Como abrir? Quem deve abrir? Para responder a estas perguntas, é preciso fazer escolhas e compromissos difíceis, porém

Ativação de um ciclo de confiança e colaboração

Ponte Rio-Niterói, Rio de Janeiro.

estas tensões são saudáveis e asseguram que a empresa pondere continuamente os benefícios e desvantagens de diferentes linhas de ação.

Por fim, é importante deixar para trás a ideia de que a confiança é um conceito vago. Ao contrário, as competências necessárias para construir colaboração baseada em confiança são muito tangíveis. É necessário tomar medidas concretas para que líderes e funcionários desenvolvam competências tanto técnicas quanto pessoais. Os colaboradores mais jovens já vêm equipados com todo um conjunto de novos comportamentos e aptidões, alguns dos quais são perfeitamente ajustados aos ecossistemas de inovação colaborativa. Estes comportamentos e aptidões devem ser transmitidos ao conjunto dos funcionários. Da mesma forma, algumas das competências e técnicas mais tradicionais precisam ser ensinadas aos recém-incorporados no intuito de prepará-los para proteger a empresa e fazê-la crescer.

Esta é uma oportunidade que o Brasil não pode desperdiçar. Os incentivos são claros, tanto no nível da empresa quanto para a economia como um todo. As empresas brasileiras podem tirar partido dos pontos fortes que o país naturalmente tem para conquistar um lugar significativo como líderes globais em inovação. Os fatores indispensáveis para isso são motivação e confiança para agir.

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Entrevistas

Aires, Edmundo (Vice-presidente de Tecnologia e Inovação, Braskem). Entrevistado por Eduardo Plastino em 30 de abril de 2014.

Arantes, Alexandre (Proprietário, Data Sport). Entrevistado por Eduardo Plastino em 6 de junho de 2014.

Arruda, Carlos (Gerente do Núcleo de Inovação e Empreendedorismo da Fundação Dom Cabral - FDC). Entrevistado por Eduardo Plastino em 21 de março de 2014.

Botelho, Antonio (Presidente, Gávea Angels & Diretor do Programa de Pós-graduação em Ciências Políticas e Relações Internacionais, Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro/Universidade Cândido Mendes – IUPERJ/UCAM). Entrevistado por Eduardo Plastino em 6 de junho de 2014.

Bustani, Lourenço (CEO Global, Consultoria Mandalah). Entrevistado por Eduardo Plastino em 17 de março de 2014.

Caetano, Gustavo (CEO, Samba Tech & Presidente, Associação Brasileira de Startups). Entrevistado por Armen Ovanessoff e Eduardo Plastino em 28 de fevereiro de 2014.

Canuto, Otaviano (Assessor Sênior sobre Economias dos BRICS, Banco Mundial). Entrevistado por Eduardo Plastino em 9 de junho de 2014.

Córdova, Yasodara (Líder de Projeto, Consórcio World Wide Web Brasil - W3CBrazil). Entrevistado por Eduardo Plastino em 13 de maio de 2014.

De Andrade, Jarilson (Gerente Técnico, IBPC Premoldados de Concreto). Entrevistado por Eduardo Plastino em 10 de fevereiro de 2014.

De Negri, Fernanda (Diretora, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada- IPEA). Entrevistada por Eduardo Plastino em 9 de junho de 2014.

Di Serio, Luiz Carlos (Professor, Fundação Getúlio Vargas – FGV). Entrevistado por Eduardo Plastino e Felippe Medeiros em 7 de abril de 2014.

Fonseca, Rodrigo (Diretor, Financiadora de Estudos e Projetos – FINEP). Entrevistada por Eduardo Plastino em 11 de junho de 2014.

Hiltner, Alan (Vice-Presidente Executivo, GranBio). Entrevistado por Eduardo Plastino em 17 de junho de 2014.

Inglez, Mariana (Gerente do Parque Científico e Tecnológico, Agência de Inovação Innova da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp). Entrevistada por Armen Ovanessoff e Eduardo Plastino em 7 de março de 2014.

Menezes Filho, Naercio (Professor, Instituto de Ensino e Pesquisa – Insper). Entrevistado por Armen Ovanessoff e Eduardo Plastino em 28 de fevereiro de 2014.

Moreira, Bruno (Diretor executivo, Inventta). Entrevistado por Armen Ovanessoff, Eduardo Plastino e Samir Mohan em 22 de janeiro de 2014.

Pinheiro Machado, Rita & Ardissone, Carlos Maurício (Coordenador Acadêmico Geral & Tecnologista em Propriedade Industrial, respectivamente, Instituto Nacional da Propriedade Intelectual – INPI). Entrevistados por Eduardo Plastino em 29 de abril de 2014.

Saito, André (Diretor, Centro de Open Innovation – Brazil). Entrevistado por Eduardo Plastino em 30 de abril de 2014.

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Notas

1. The Global Innovation Index 2014, preparado pela Johnson Graduate School of Management - Cornell University, INSEAD escola de negócios, e Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI). Disponível em: https://www.globalinnovationindex.org/content.aspx?page=gii-full-report-2014

2. Huston, Larry e Sakkab, Nabil, “Connect and Develop: Inside Procter & Gamble’s New Model for Innovation”, Harvard Business Review, março de 2006.

3. Fast Company, “Google Reveals Its 9 Principles of Innovation”. Disponível em: http://www.fastcompany.com/3021956/how-to-be-a-success-at-everything/googles-nine-principles-of-innovation. 20 de novembro de 2013.

4. Valor Econômico, “Um passo para a revolução das geladeiras”, 20 de março de 2014.

5. Valor Econômico, “Indústria tenta se antecipar ao fim das ‘caixas pretas’”, 20 de março de 2014.

6. Meio & Mensagem, “Facebook tem 89 milhões de usuários no Brasil”. Disponível em: http://www.meioemensagem.com.br/home/midia/noticias/2014/08/22/Facebook-tem-89-milhoes-de-usuarios-no-Brasil.html, 22 de agosto de 2014.

7. G1, “Eleições brasileiras foram as mais comentadas da história do Facebook”, Disponível em: http://g1.globo.com/politica/eleicoes/2014/noticia/2014/10/eleicoes-brasileiras-foram-mais-comentadas-da-historia-do-facebook.html, 27 de Outubro de 2014.

8. Enkel, Ellen; Gassmann, Oliver e Chesbrough, Henry, “Open R&D and open innovation: exploring the phenomenon”, R&D Management, 39 (4) pp.311-316, 2009.

9. Confederação Nacional da Indústria (CNI), “Retratos da Sociedade Brasileira: Confiança Interpessoal”, março de 2014.

10. O Índice de Confiança Interpessoal usa dados publicados pela Pesquisa Mundial de Valores (World Values Survey). A metodologia para calculá-lo foi desenvolvida pela JD Systems. A organização World Values Survey é uma rede mundial de cientistas sociais com sede em Estocolmo. Os dados da pesquisa estão disponíveis no seguinte site: http://www.worldvaluessurvey.org. A JD Systems é uma empresa de tecnologia com sede em Madri. Sua metodologia para o cálculo do Índice de Confiança Interpessoal está disponível no seguinte site: http://www.jdsurvey.net.

11. Boehe, Dirk Michael; Pongeluppe, Leandro Simões, and Lazzarini, Sérgio Giovanetti, “Natura and the development of a sustainable supply chain in the Amazon region”, Insper Case Study #AE-E0025, abril de 2013.

12. Arruda, Carlos; Rossi, Anderson, and Penido, Erica. “Buscapé: Do empreendendorismo à inovação aberta”. Casos FDC, 2011.

13. O Estado de São Paulo, “Com sites das Naspers, Buscapé vira líder global em comparação de preços”. Disponível em: http://economia.estadao.com.br/noticias/geral,com-sites-da-naspers-buscape-vira-lider-global-em-comparacao-de-precos-imp-,1119040, 16 de janeiro de 2014.

14. McFarthing, Kevin, “Attracting Open Innovation Partners – Portals, publicity and people” em Paul Solane (ed), A Guide to Open Innovation and Crowdsourcing: Practical Tips Advice and Examples from Leading Experts in The Field, First Edition, Kogan Page, Books 24x7, 2011.

15. Revista Pesquisa FAPESP, “Leveza na Trilha”, Edição 210, agosto de 2013.

16. Tecnisa, “Tecnisa passa a usar drones para registro de obras”, press release. Disponível em: http://www.tecnisa.com.br/press-releases/tecnisa-passa-a-usar-drone-para-registro-de-obras/476, 4 de abril de 2014.

17. Arruda, Carlos; Cozzi, Afonso; Souza, Guilherme, e Penido, Érika, “Towards an understanding of corporate venturing practices in Brazil”, Venture Capital: An International Journal of Entrepreneurial Finance, 15 (2), pp. 135-149, 2013.

18. Cross, Rob; Gray, Peter; Cunningham, Shirley; Showers, Mark, e Thomas, Robert J., “The Collaborative Organization: How to Make Employee Networks Really Work”, MIT Sloan Management Review, outono de 2010.

19. Martino, Gil and Bartolone, John, “Soft Skills for Open Innovation Success” em Paul Solane (ed), A Guide to Open Innovation and Crowdsourcing: Practical Tips Advice and Examples from Leading Experts in The Field, First Edition, Kogan Page, Books 24x7, 2011.

20. McFarthing, Kevin, “Attracting Open Innovation Partners – Portals, publicity and people” em Paul Solane (ed), A Guide to Open Innovation and Crowdsourcing: Practical Tips Advice and Examples from Leading Experts in The Field, First Edition, Kogan Page, Books 24x7, 2011.

Ponte Hercílio Luz, Florianópolis.

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Sobre os autores

Armen Ovanessoff ([email protected]) é diretor principal do Accenture Institute for High Performance.

Eduardo Plastino ([email protected]) é research fellow do Accenture Institute for High Performance em São Paulo.

Flaviano Faleiro ([email protected]) é diretor gerente da Accenture no Brasil.

Agradecimentos Somos especialmente gratos pela contribuição de Carlos Arruda, Samir Mohan e Bruno Moreira.

Agradecemos também a Agatha Abreu, Edmundo Aires, Alexandre Arantes, Carlos Maurício, Ardissone, Antonio Botelho, Lourenço Bustani, Gustavo Caetano, Otaviano Canuto, Lucia Chierchia, Chiara Ciardetti, Tim Cooper, Yasodara Córdova, Rafael Correa Navarro, Jarílson de Andrade, Felippe de Medeiros Oliveira, Fernanda De Negri, Jaime Díez Medrano, Luiz Carlos Di Serio, Jorge Filho, Rodrigo Fonseca, Gwen Harrigan, Alan Hiltner, Mariana Inglez, David Light, Rita Pinheiro Machado, Regina Maruca, Naercio Menezes Filho, Paul Nunes, Cherie Potts, Gustavo Reis, Matthew Robinson, Daniel Saad, André Saito, Andréa Santini, Ivan Scarpelli, Jeniffer Silva e Hugo Tadeu.

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Ponte Estaiada, São Paulo.

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Sobre a Accenture

A Accenture é uma empresa líder global em serviços profissionais, com ampla atuação e oferta de soluções em estratégia de negócios, consultoria, digital, tecnologia e operações. Combinando experiência ímpar e competências especializadas em mais de 40 indústrias e todas as funções corporativas – e fortalecida pela maior rede de prestação de serviços no mundo –, a Accenture trabalha na interseção de negócio e tecnologia para ajudar companhias a melhorar seu desempenho e criar valor sustentável para seus stakeholders. Com mais de 358.000 profissionais atendendo a clientes em mais de 120 países, a Accenture impulsiona a inovação para aprimorar a maneira como o mundo vive e trabalha. Visite www.accenture.com.br.

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Sobre o Accenture Institute for High Performance

O Accenture Institute for High Performance desenvolve e comunica ideias e insights práticos revolucionários a respeito de questões de gestão, tendências econômicas e o impacto de tecnologias novas e em processo de aprimoramento. Sua equipe de pesquisadores do mundo todo colabora com a liderança da Accenture nas áreas de estratégia, digital, tecnologia e operações para demonstrar, por meio de pesquisas e análises originais, como as organizações alcançam e mantêm alta performance.