Por Que Ocupar a Câmara Municipal

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  • 8/18/2019 Por Que Ocupar a Câmara Municipal

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    Por que ocupar a Câmara Municipal?

    Túlio Madson Galvão1 

    Por que a Câmara Municipal?

    Quando o futuro é incerto, só há uma certeza: a história está sendo escrita. Vivemos em

    uma época de incertezas, todos os nossos modelos civilizatórios parecem estar em crise,

    uma inquietação coletiva leva multidões às ruas, em uma catarse coletiva que se espalha

    endemicamente mundo afora. A mudança que virá, seja para melhor ou pior, está sendoconstruída agora, por isso, estar vivo nesse tempo não é um privilégio, é uma

    responsabilidade.

    As manifestações que eclodem no país, embora estejam inseridas em um contexto

    global de grandes revoltas, possuem em comum o fato de serem motivadas por pautas

    locais, embora, paradoxalmente, cultivem um sentimento nacionalista. De certo, há uma

     pauta de âmbito nacional, como o combate à corrupção e a rejeição a determinados

     projetos de lei; mas geralmente, essas pautas de caráter nacionalista surgem em um

    fugaz momento onde as manifestações são tão massivas, englobando um número tão

    diverso de pessoas, que as pautas iniciais - que eram locais  –   passam a não ser mais

     plenamente difundidas entre o grosso do público presente. Ou em alguns casos, por não

    entender ou não se identificar com as pautas locais, muitos manifestantes acabam

    adotando pautas genéricas, geralmente de abrangência nacional. Tão logo o frenesi

    acaba e a maioria das pessoas retornam a segurança de seus lares, as pautas daqueles

    que continuam nas ruas tornam a ser locais.

    O sucesso do Movimento Passe Livre consiste em ter abrangência nacional com núcleos

    locais. Isso se deve ao caráter libertário e horizontal de sua organização, no cultivo de

    valores como a autogestão e a autonomia. Onde cada unidade compartilha de um ideal

    em comum, mas preserva a sua autonomia e autogestão, trilhando diversos caminhos

    em busca de um mesmo ideal. Modelos de organização e autogestão como esse, devem

    servir de contraponto ao modelo de gestão hierárquica e centralizadora que se consolida

    1 E-mail: [email protected] Página: facebook.com/tulio.madson.galvao

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    no país. É preciso descentralizar o poder central, aumentar a autonomia dos municípios.

    Governo após governo, desde a redemocratização, centraliza cada vez mais o poder

     político e econômico em torno de si, falindo os municípios sob a égide de um governo

    federal forte e protagonista. Relegando aos municípios um papel secundário, senão

    marginal.

     Não foi por acaso que o Estado Novo, tão logo instaurado, se apressou em fechar as

    Câmaras Municipais e o poder legislativo dos municípios, em nome de um projeto de

     país unificado e centralizador, um custoso Estado que exaure vendendo-se como

     provedor. Depois de sucessivas tentativas - mal sucedidas devemos destacar - de

    implementar no país um grande Estado único, central, hegemônico, é chegada a hora de

    explorar outras brasilidades, exaltando cada região. Contra estados hegemônicos,localidades soberanas.

    Como atuar politicamente nos municípios? De acordo com nossa constituição (Art. 31)

    "A fiscalização do Município será exercida pelo Poder Legislativo Municipal, mediante

    controle externo". O poder legislativo nos municípios é exercido pela Câmara

    Municipal, que se configura, em principio, como a assembleia de representantes dos

    cidadãos ali residentes.

    Por isso se faz necessário uma Câmara Municipal verdadeiramente atuante, que

     preserve a pouca autonomia que ainda resta aos municípios. A Câmara possui função

    legislativa e fiscalizadora, qualquer lei que compete ao município é responsabilidade

    dela, portanto, cabe a ela enquanto instituição definir o projeto de cidade que queremos

    ter, independente de governos ou partidos.

    A Câmara Municipal é a instituição que em tese deve catalisar os anseios populares e

    transforma-los em normas. Por isso, mas do que qualquer outra esfera do podermunicipal, deve estar aberta ao diálogo. Se querem dar uma vazão institucional às vozes

    da rua, coloquem-na na Câmara Municipal, no plenário, nas audiências públicas,

    abrindo espaço para uma efetiva fiscalização popular do executivo e um poder

    legislativo democrático que legisle em prol e pela população.

    A ocupação possibilita uma comunhão entre os ocupantes, estreitando laços e criando

    consensos entre diversos grupos com ideologias e partidos diferentes. O convívio entre

    esses grupos criará uma base sólida para que novos movimentos e manifestações

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    ocorram posteriormente. Como corrobora o caso de Natal, onde a ocupação da Câmara

    em 2011 possibilitou o surgimento de diversas manifestações e movimentos vitoriosos

    na cidade, tendo conseguido congelar a passagem de ônibus desde então.

    Atualmente, não há mecanismos eficazes para assegurar que os representantes façamcumprir a vontade dos seus representados. Seria ingenuidade tão somente achar que a

    vontade dos representantes estejam plenamente em conformidade com a vontade

     popular, sem nenhum mecanismo eficaz para promover essa intermediação - que não

    seja a urna. Por isso se faz necessária uma reforma política que aperfeiçoe esses

    mecanismos, que torne o governo cada vez mais democrático e menos representativo.

    Organizações locais tornam a ação direta mais articulada e eficaz. De todas as esferas de

     poder, o municipal é o que mais tem potencial para possibilitar ao cidadão uma

     participação mais direta e menos representativa. Por isso, a Câmara Municipal deve

     proporcionar e incentivar que os seus cidadãos compareçam as discussões e

    deliberações que por lá ocorrem. Deve inclusive proporcionar isso arquitetonicamente.

    Quando a instituição não proporciona isso voluntariamente, torna válida qualquer

    ocupação.

    Por mais democracia e menos representação.

    O conceito de "democracia" ainda é indeterminado, muitos são os que podem

    argumentar que democracia mesmo nunca existiu. Embora o conceito de democracia

    tenha sido teorizado na Grécia, na prática, já existia há milênios entre comunidades

    tribais e pequenos assentamentos.

    A democracia direta grega, especialmente a ateniense, possui o mérito de racionalizar e

    aperfeiçoar essa prática com normas e instituições. Incentivando os cidadãos a se

    voltarem por inteiro à coisa pública. Com a ressalva de que cidadãos era apenas a

    minoria de homens livres, que excluía a maioria escrava, formando uma espécie de

    "aristocracia democrática". Desse modo, os cidadãos gregos só puderam viabilizar a

    democracia direta porque tinham uma maioria escrava que lhes permitiam dedicar-se

    inteiramente à coisa pública.

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    Para o cidadão grego, não havia diferença entre indivíduo e Estado. O primeiro grego

    que ousou fazer essa diferenciação - Sócrates - foi condenado a beber cicuta, tamanho

    foi o seu crime. Durante a Guerra do Peloponeso em Atenas, berço da democracia, foi

    instituído um pagamento aos cidadãos mais pobres para que estes comparecessem nas

    Assembleias, tamanha era a vontade do Estado em possibilitar uma efetiva participação

    dos cidadãos nas deliberações públicas.

    A democracia direta só foi efetivamente implementada na Grécia em pequenos núcleos

    governamentais. Não seria viável, por exemplo, uma Assembleia para decidir

     presencialmente as decisões políticas e jurídicas de uma nação, principalmente se ela

    abarcar dimensões continentais como a nossa. Por isso a necessidade de representantes,

    tendo em vista a inviabilidade da participação de todos os que são consideradoscidadãos, de dar ouvidos a todas as vozes que compõem uma nação, sem nenhuma

    intermediação. A democracia direta, nos moldes da Grécia antiga, só pode ser recriada

    em cidades-estado, nunca em Estados-nação.

    Para os Estados-nação se faz imperativo a representação através de eleições. A eleição

    objetiva a possibilidade de todos os cidadãos intervirem na seleção dos seus

    representantes. No entanto, representação não é sinônimo de democracia. O rei, por

    exemplo, é um representante do povo. Para Rousseau, democracia e representação eram

    incompatíveis. Um dos primeiros teóricos da democracia representativa foi

    Montesquieu, para ele, o povo era excelente para escolher, mas péssimo para governar.

    O conceito veio bem a calhar na fase moderada da Revolução Francesa, respaldando a

    convicção de que alguns mais aptos devem representar os demais. Foi assim, através do

    centauro da democracia representativa, que a democracia ressurgiu no mundo moderno

    em Estados-nação.

    A representação surge em um contexto histórico diferente do da democracia, como uma

    tentativa de gerir um Estado-nação. O conceito de Estado-nação surge no iluminismo e

    se baseia na razão como força constituidora da dinâmica do Estado, não é mais a "Razão

    de Estado", a la contrato social, agora é o próprio "Estado da Razão", o Estado como

    razão institucionalizada. A mesma razão que produziu Auschwitz.

    Para se construir um modelo mais viável de democracia participativa, torna-se

    imperativo que a ação direta dos cidadãos se realize na política local. A própria palavra"cidadão" o define como agente político de cidades, não de nações; assim como a

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     própria palavra "política" também se refere à pólis - como era denominada a cidade-

    estado grega. É para a Câmara Municipal que a busca por mais democracia deve se

    voltar, assim como a luta contra um Estado hegemônico, de caráter nacionalista. Para

    tanto, não basta um controle institucional externo, faz-se necessário um controle popular

    interno sob essa instituição. Ocupa-la já é um bom começo.

    Publicado originalmente na Carta Potiguar em 01/08/2013:http://www.cartapotiguar.com.br/2013/08/01/por-que-ocupar-a-camara-municipal/