Por uma experiência legítima: o local do acontecimento na...

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Por uma experiência legítima: o local do acontecimento na contemporaneidade

Lucas Innocente Teixeira1 Cristiano Georgen Pörtner2

O texto do filósofo espanhol Jorge Larrosa3 é provocativo. Voltado para algumas

questões configuradoras de conceitos norteadores para a educação, ele discute

possibilidades de afastar-se de paradigmas consolidados no meio pedagógico,

alicerçados nas dinâmicas técnicas de ensino/aprendizagem, e amenizar as

estruturas totalizadoras de políticas pedagógicas, para sugerir o contorno emergente

da experiência como fundamentação do saber, na formação de significados para um

sujeito exposto.

Para Larrosa, a palavra é algo importante na aquisição da experiência, pois é

elemento que possibilitará a articulação de valores, por tanto é necessário

compreende-la como artefato cultural, que confere sentido nas relações

empreendidas. Assim é introduzido o significado do termo experiência, como

experimentar – de acordo com sua origem latina experiri, também chama nossa

atenção para o radical periri, perigo. Ou seja, conectar a experiência com a

manifestação de uma abertura, que até certo ponto poderá envolver um fator de

risco, sobre a aquisição do conhecimento. Experiência será aquilo que nos

transpassa, atravessa pelo interior do homem onde deixará alguma marca, sinônimo

de acontecimento. O autor constata a precariedade de experiências retidas, pois

podemos efetuar durante a rotina diária muitas ações, mas a quantidade massiva de

demandas lançadas em nossa direção desqualifica o evento da experiência,

banalizam o reconhecimento de valores, onde constituíra um espaço vazio de

aprendizado.

A informação e as frenéticas ressonâncias repercutidas no sujeito, através do

impacto estabelecido pelo excessivo apelo dos meios de comunicação, educação e

1 Acadêmico do Curso de Letras – FACOS/CNEC.

2 Professor orientador.

3 Resenha – texto referenciado: BONDÍA; Jorge Larrosa. Nota sobre a experiência e o saber de

experiência. Ano 2002.

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poder, é considerado pelo autor do artigo o primeiro inimigo da experiência. A

informação ocupa o lugar da experiência, senta-se no lugar destinado ao cultivo de

novas maneiras de ser/estar no mundo, uma complicada trama alimentada pela

busca incessante de novidades, não caracterizadas como conhecimento, mas

muitas vezes afirmadas como tal. A informação cancela a possibilidade de adquirir

experiência, ter contato com um fenômeno que transmita a expressão de um novo

saber.

A opinião é o segundo fator que aniquila a causa de experiência. A informação

ligada à opinião, que é sempre emitida, e quando não dita, passa existir a impressão

de deslocamento, reúnem os fatores formadores do periodismo, que sacraliza, nas

afirmações de Larrosa, o lugar garantido do saber coletivo, marcado como

acontecido no sujeito. Produz corpos esquemáticos e manipulados pelos

mecanismos de informação pública, que por sua vez são reprodutores de um

discurso único e anônimo, sustentado na indiferente plataforma social. A educação

escolar seria um exemplo que indica modelos das atribuições da opinião na

formação de indivíduos, onde colabora para a manutenção dos conjuntos de práticas

ligadas a cultura de informação/opinião. Na dinâmica de apropriar-se da informação

veiculada, o sujeitado aluno é motivado a produzir em reação uma opinião,

supostamente própria, sobre aquilo percebido. A opinião seria eleita no sentido de

significar o apreendido pelo estudante, mas no geral, os postulados não estão além

de orações sobre concordar ou discordar.

A falta de tempo na contemporaneidade seria o terceiro item mencionado sobre a

desativação do saber de experiência, pois está ligado ao contraste situado nas

percepções fragmentadas, permeadas pela impressão de velocidade na rotina, local

de construções cada vez mais efêmeras. Justamente esse fluxo corrido, além do

poder de apreensão cognitiva distorcida, corrompida pelo citado excesso de

assuntos e informações, fatores ligados ao valor descartável e fugaz contornado nos

estímulos propagados, torna-se possível constituir a insatisfação presente no ser

humano alienado da experiência. Quando ocorre a não abertura de um espaço, para

maior viver o tempo de relacionar-se com o fator atributo de experiência, há uma

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negação de conexão, que impedirá a criação de significados necessários na

travessia efetuada pelo ser humano.

O quarto artifício, que na concepção do filósofo espanhol aniquila a realização de

experiência sobre o sujeito, legitima-se nas configurações e exigências do trabalho

moderno. Logo no início do comentário Larrosa expõe:

Esse ponto me parece importante porque às vezes se confunde experiência com trabalho. Existe um clichê segundo o qual nos livros e nos centros de ensino se aprende a teoria, o saber que vem dos livros e das palavras, e no trabalho se adquire a experiência, o saber que vem do fazer ou da prática, como se diz atualmente (LARROSA, 2002).

Resultado de observações que Larrosa vai ressaltar, para poder discordar, e contra

argumentar uma tese sobre algum significado para a experiência, longe das

distorções tecnicistas/progressistas afirmadas na modernidade burguesa. Os

mecanismos prometeicos de controle, disseminados para conformar o espaço tanto

natural quanto social, através da ordenação de métodos de saber, vontade e poder

regulamentados, são os aspectos do trabalho incansável elevados ao extremo e

justificado pela razão exacerbada. Atropelos que não ocasionam a fertilidade de

experiências edificadoras, constituídas no solo do saber. O terreno de passagem

para alavancar a experiência, dialoga de forma permanente com o conhecimento e a

vida humana. Nessa proposta dialética, a verdade não está desvelada no

conhecimento ontológico dos objetos, mas na percepção e validação do sentido, ou

não sentido, daquilo que se refere ao acontecer conosco enquanto ser-presentes

tombados de experimentações e riscos, na travessia reservada pela existência.

Referências

BONDÍA; Jorge Larrosa. Nota sobre a experiência e o saber de experiência. Ano

2002.