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Grupo de Trabalho: Teorias
POR UMA METODOLOGIA COLABORATIVA PARA A PESQUISA EM
MEDIAÇÃO CULTURAL
Sônia Barreto de Novaes Paschoal1
Resumo Desde o conceito de complexidade, observado empiricamente no cotidiano, às práticas colaborativas, vividas em diversos centros e núcleos de pesquisa, observa-se uma tendência a “bricolage” metodológica. Busca no texto que se segue encontrar uma possível definição para essa forma de abordagem metodológica a qual contribui significativamente aos estudos dos campos da Informação e da Cultura. Sendo estas, bens de caráter multidimensional e transversal a todas as faculdades, cujas formas de apropriação ocorrem das mais variadas formas, também a maneira de serem verificadas deverá obedecer à mesma lógica. Palavras-chaves: Metodologia de Pesquisa Colaborativa. Infoeducação. Mediação Cultural. Apropriação da Informação
1 Mestranda em Ciência da Informação ECA/USP sob orientação do Prof. Dr. Edmir Perrotti; Área de concentração: Cultura e Informação; Linha de Pesquisa: Mediação e Ação Cultural – Desenvolve pesquisa colaborativa de mediação cultural com crianças e adolescentes em situação de abrigo. Pesquisador-júnior do ColaborI – Colaboratório em Infoeducação
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Um pouco da história da metodologia qualitativa: um possível início da metodologia colaborativa
Gaston Bachelard divide o pensamento científico em três períodos, sejam eles:
a) o estado pré-científico (séculos XVI, XVII e XVIII) – nesse período é desenvolvido um modelo de
racionalidade científica basicamente sobre as ciências naturais;
b) o estado científico (final do século XVIII ao início do século XX) – no qual há modelo global de
racionalidade científica
[...] que admite variedade interna mas que se distingue e defende, por via de fronteiras ostensivas e ostensivamente policiadas, de duas formas de conhecimento não científico (e, portanto, irracional) potencialmente pertubadoras e intrusas: o senso comum e as chamadas humanidades ou estudos humanísticos (em que se incluiriam, entre outros, os estudos históricos, filológicos, jurídicos, literários, filosóficos e teológicos).” (SANTOS, 2006, p. 21)
c) novo espírito científico (ano de 1905 com a “Relatividade de Einstein”) – a partir deste, conceitos antes
primordiais e fixos são desmontados, sofrem deformações, as idéias e o desenvolvimento científico
ganham velocidade e é, “[...] em breve, as físicas abstratas que ordenarão todas as possibilidades de
experiência.” (BACHERLAD, 1996, p. 10)
Temos ainda nesse período, início do século XX, Adam Smith (riqueza das nações), Darwin (evolução das
espécies), Marx (O capital), Weber (A ética protestante e o espírito capitalista), Heisenberg (princípio da
incerteza), Gödel (teorema da incompletude) dentre outros, fazendo aparecer suas teorias, seus
pensamentos e seus princípios, convergindo, assim, a outros modos de se fazer a ciência.
Com Durkheim surge a sociologia acadêmica e Ernest Nagel estabelece obstáculos às ciências
sociais os quais dentre outros podemos destacar: [...] as teorias sociais não dispõem de teorias explicativas que lhes permitam abstrair do real para depois buscar nele, de modo metodologicamente controlado, a prova adequada; as ciências sociais não podem estabelecer leis unviersais porque os fenômenos sociais são historicamente condicionados e culturalmente determinados [...] (SANTOS, 2006, p. 36)
Não poderia ser diferente, afinal o comportamento humano não pode ser explicado objetivamente
com vista em suas manifestações externas. A ação humana é antes de tudo uma ação subjetiva, um a
priori, que vai se constituindo e se alimentando das informações presentes em seus mais variados
ambientes. Muito embora se emprestem conceitos das chamadas ciências naturais e das ciências puras para
explicar e fixar a especificidade do ser humano, tais conceitos vão se adequando às humanidades e
ganhando a coloração desse prisma. As ciências sociais nascem assim, essencialmente empíricas. Estas
passam então a buscar através de métodos quantitativos e qualitativos conhecimentos que a possam
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constituir. O fato é que a maneira de defender argumentos, posições e teses, vem sendo alterada
substancialmente e isso a partir dessas “quebras” no pensar científico.
O rigor da medição é colocado em xeque, no momento em que as questões relativas à matéria, ao
tempo e ao espaço não são passiveis de verificações, mas tão unicamente de definições, como é o caso da
simultaneidade de acontecimentos. Também é comprovado que não é possível observar um objeto sem
alterá-lo, sem interferir em sua trajetória.
Nesse caminho trilhado pelo fazer e pensar as ciências alguns conceitos, os quais são deixados de
fora em certos momentos de sua história, são recuperados e atualizados. Foi o que aconteceu com a
“Teoria das estruturas dissipativas” 2 e o princípio da “ordem através de flutuações” de Ilya Prigogine3,
nos quais são recuperados os conceitos aristotélicos de virtualidade e potencialidade. Juntamente com essa
Teoria surgem outras (sinergética de Haken; teoria da origem da vida de Eigen; o conceito de autopoiesis
de Maturana e Varela, etc.) que vão das ciências naturais às ciências sociais num movimento
transdisciplinar, representativos de uma atitude filosófica por parte desses cientistas sobre seus campos de
trabalho e a problematização destes.
Ao final do século XX questões de cunho social e cultural passam a ser relevantes na reflexão
epistemológica. É questionado então o conceito de lei e causalidade.
[...] As leis têm assim um caráter probabilístico, aproximativo e provisório, bem expresso no princípio da falsificabilidade de Popper. Mas acima de tudo, a simplicidade das leis constitui uma simplificação arbitrária da realidade que nos confina a um horizonte mínimo para além do qual outros conhecimentos da natureza, provavelmente mais ricos e com mais interesse humano, ficam por conhecer.” (SANTOS, p. 51)
Essas variantes no campo das ciências puras reforçam a idéia de que o objeto de estudo, aquele que
o cientista seleciona como amostra de determinada realidade, embora recortado de seu ambiente, traz em
seu bojo, junções, elos, nós que devem ser considerados sob pena de se perder partes essenciais à estrutura
como um todo e, mais ainda, perder a complexidade da riqueza de seu ambiente informativo.
Assim Boaventura nos adverte que a “distinção dicotômica entre ciências naturais e ciências puras
deixou de ter sentido e utilidade. [...]” (SANTOS, 2006, p.61) mesmo porque, como já se disse
anteriormente, a aplicabilidade das teorias, dos conceitos das ciências naturais às ciências humanas
demonstra a superação de tal dicotomia. No entanto, a constituição das ciências sociais se deu de uma
2 De acordo com tal teoria as suscetibilidades à dissolução e à morte andam juntas com o potencial de crescimento e de aumento da complexidade. E assim as perturbações em um sistema determinam a sua ordem. 3 Citado por SANTOS, Boaventura de Sousa – I. Prigogine e I. Stengers, La Nouvelle Alliance. Metamorphose da Science. Paris: Gallimard, 1979. In: __________. Um discurso sobre as ciências. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006
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tensão entre o positivismo4 e o anti-positivismo5, sendo este último o pulsar para a transição → as ciências
naturais se aproximando das ciências sociais e esta, por sua vez, se aproximando das humanidades. Aqui e
lá esbarramos com quais seriam as condições necessárias à pesquisa: que instrumentos usarmos? E, em que
quadro de hipóteses e referências combinar a lógica a fim de obter um resultado, que além de ser teórico
tem que ser empírico?
Essas condições são aparentemente simples de serem resolvidas, basta que para tanto se verifiquem
as particularidades do objeto, seus meandros relacionais ao seu contexto; dispor de estudos similares
realizados outrora; revisão bibliográfica e, evidentemente, dispor da metodologia adequada –
instrumentalização de métodos sem os quais o objeto não será passível de ser verificado. Aparentemente
simples, se não fora a instabilidade do objeto, se não fora o objeto também sujeito protagonista desta ação
– o homem que estuda e é estudado deixa de ser diluído nos afazeres para se instaurar como instância.
Tem-se um entendimento do homem como sujeito que conhece e como objeto a ser conhecido e, como tal,
esse homem foi se posicionando dentro da história das ciências, foi encontrando contribuições na biologia
com a teoria dos sistemas e outras; emprestando esse e aquele conceito da física, da matemática, assim foi
ele se arremedando, se costurando e se entendendo, ou pelo menos tentando buscar pelo caminho das
pedras compreender a sua posição. Descobre então, que não há mais situações estáveis, mas sim um
desencadear de evoluções, por vezes, crises. “[...] É, pois necessário descobrir categorias de
inteligibilidade globais, conceitos quentes que derretam as fronteiras em que a ciência moderna dividiu e
encerrou a realidade. [...]” (SANTOS, 2006, p. 72)
As analogias trazidas no bojo da ciência pós-moderna são respostas, são as categorias necessárias
ao desvelar dos conhecimentos totais (tem como horizonte a totalidade universal e indivisa) e locais
(constitui-se em torno de temas dados e adotados por certas comunidades como projetos de vida local),
sobre condições de possibilidades das ações humanas projetadas em um espaço-tempo.
[...] Um conhecimento desse tipo é relativamente imetódico, constitui-se a partir de uma pluralidade metodológica. [...] Numa fase de revolução científica como a que atravessamos, essa pluralidade de métodos só é possível mediante a transgressão metodológica. [...](SANTOS, 2006, p. 77-78)
Neste limiar que é propagado desde o início do século passado, mas que tem nas últimas décadas se
apresentado mais subliminar, como pudemos observar acima, forjam-se configurações, inventam-se 4 Positivista enquanto vinculada à epistemologia e a metodologia das ciências naturais 5 Anti-positivista – envolvida numa filosofia complexa, fenomenológica, hermenêutica, interacionista pressupondo seus estudos a partir de mecânica da natureza.
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contextos persuasivos que conduzem à aplicação de métodos fora de seu habitat natural. A tendência é o
mundo natural se tornar também social e vice-e-versa não se trata de amalgamar ciências, muito menos
justapô-las, trata-se de interrelacioná-las, de intertextualizá-las numa promoção da comunicação entre
saberes, que são cada vez mais plurais6...
... Por uma qualidade nas pesquisas...
Não se pretende aqui subestimar a pesquisa quantitativa, mesmo porque, a análise dos dados e a
interpretação de sua mensuração favorecem ou não a qualidade nas respostas às hipóteses. Nesse momento
está presente o subjetivo do pesquisador e, em maior ou menor grau, as interferências acontecem.
Segundo Normam K. Denzin, a pesquisa qualitativa passa por sete momentos, sejam eles:
1) O período tradicional
Inicia-se no século XX e se estende até o final da Segunda Guerra Mundial. Nesse período surgem as
pesquisas etnográficas clássicas em meados de 1914, trata-se em geral de relatos colonialistas que refletem
os paradigmas dos cientistas positivista. [...] Sua preocupação estava em oferecer interpretações válidas,
confiáveis e objetivas em seus escritos. [...]” (DEZIN, 2006, p. 26). Malinowski salienta em 1967, que um
pesquisador de campo solitário enfrenta os fatos de forma bruta, estes não são científicos, são apenas
interpretações da realidade social subordinado a regras gerais. (DEZIN, 2006, p. 27)
2) A fase modernista
A partir do pós-guerra aos anos 70, muitos textos buscaram formalizar os métodos qualitativos,
surgem novas teorias interpretativas, dentre elas a fenomenologia e a etnometodologia, empresta-se
exemplos da estatística, procura-se probabilidades e apoios argumentativos.
3) Gêneros (estilos) obscuros
Nesse momento esgotam-se os paradigmas, os métodos e as estratégias a serem empregadas na
pesquisa qualitativa. As teorias variam e cresce consideravelmente o interesse pela pesquisa qualitativa
aplicada, pela política e pela ética da pesquisa qualitativa. Diferenciam-se e multiplicam-se os formatos
dos relatos, as estratégias das coletas de dados bem como a análise destes. Os paradigmas naturalistas, pós-
positivistas e construcionistas ganham força, em especial na educação, surgem também periódicos na área
6 MEDINA, Cremilda (org) Caminhos do saber plural: dez anos de trajetória. São Paulo: ECA/USP, 1999.
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da etnografia, da antropologia cultural. Nesse momento aporta a pesquisa-ação7, forma de pesquisa que
tangência o modelo aqui proposto de metodologia colaborativa.
4) A crise da representação
Ocorre uma profunda ruptura em meados de 1980 quando pesquisas publicadas colocam em dúvida
questões sobre a raça, o gênero e a classe, elas articulam as conseqüências da interpretação “gêneros
obscuros” de Geertz para o campo no início daquela década. Perde-se a nitidez entre o trabalho de campo e
a redação. Desta maneira novos modelos de representação e de métodos são buscados e a “[...] crise de
representação desloca a pesquisa qualitativa para novas direções.” (DEZIN, 2006, p. 31)
5) Uma tripla crise
Trata-se de uma crise representacional – os pesquisadores qualitativos não podem apreender
diretamente a experiência vivida; de legitimação – ela envolve termos como a validade, a capacidade de
generalização e a confiabilidade. Estas duas crise desembocam em uma terceira quando se depara com a
questão: é possível realizar mudanças no mundo se a sociedade é apenas e sempre um texto?
6) Período pós-moderno da redação etnográfica experimental
Este momento empenhou-se em entender as crises, desenharam-se então no horizonte contornos de
pesquisas voltadas à ação, à participação e ao ativismo apresentando teorias que contribuíssem às situações
particulares.
Dezin diz estarmos entrando nesse sexto momento – o pós-experimental, sendo o sétimo momento
o futuro. Contudo, a história denota que certos momentos anteriores ainda são vividos e os pesquisadores
continuam a seguir ou a contestar. “[...] As múltiplas e fragmentadas histórias da pesquisa qualitativa agora
possibilitam que qualquer pesquisador vincule um projeto a um texto canônico de qualquer um dos
momentos históricos descritos acima. [...]” (DEZIN, 2006, p. 32)
Como dissemos acima não existem observações objetivas, porque estas passam necessariamente
pela lente do observador circunscrito em um mundo cultural e social. Conseqüentemente é salutar que o
pesquisador lance mão dos mais variados métodos em busca das validações ou não de suas hipóteses,
mesmo porque, nenhum método em si é suficiente para compreender todas as variações sutis da vida
humana como um continuum. Assim surge a figura do “bricoleur” 8, um confeccionador de redes,
entrelaçador de métodos e materiais empíricos que estejam ao seu alcance e, ainda, se houver necessidade
7 Um tipo de pesquisa social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo, no qual os pesquisadores e participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo. (THIOLLENT, 1985, p. 14) 8 Termo sugerido por Norman K. Dezin e Yvonna S. Lincoln (2006)
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de novas ferramentas, ele as inventará, as reunirá a favor de que sua pesquisa para que essa não seja
meramente mais uma a ser colocada dentre tantas outras em estantes de bibliotecas universitárias. O
pesquisador preocupado com as questões sociais, mais do que verificá-las, pretende dar-lhes respostas
tanto teóricas quanto empíricas. Trata-se de um modo de viver a ciência em todas as suas dimensões.
Metodologia colaborativa: cruzando saberes
Já é possível delinear a metodologia colaborativa cruzando saberes provenientes de diferentes
campos disciplinares. Se os modos de conhecer são diferentes, se produz ciência a partir de outros modos.
Se os modos de conhecer são permeados e construídos pelas relações humanas, em suas negociações
(termo tratado adiante), então esses modos são colaborativos. A metodologia colaborativa é tangenciada
por outras metodologias tais como as aplicadas na pesquisa-ação e na pesquisa participativa, mas se
distância destas quando diz que seu sujeito é também seu objeto. Esta é sua essência. A construção do
sujeito/objeto é um processo partilhado não só pelo grupo em questão como por outros grupos afins.
O termo colaborativo indica um trabalho (ou a participação em obra científica) em comum com
uma ou mais pessoas. Em seu cerne está a questão qualitativa relacionada aos estudos interpretativos e
culturais abordados a partir de métodos tais como: estudos de caso, entrevistas, observação participativa
dentre outros, enfim, como fora dito outrora, uma “bricolage” dos procedimentos. A metodologia
colaborativa deverá ser verificada a partir dos princípios norteadores das pesquisas desenvolvidas no
Colaboratório de Infoeducação9. Pretende-se abordar a aplicabilidade e a aceitabilidade científica de tal
metodologia, uma vez que, como já foi visto as ciências possuem meandros, caminhos e descaminhos por
onde se faz.
À questão de determinados objetos demandarem metodologias diferenciadas corresponderá a um
“decifra-me”, a uma hermenêutica. Será necessário trazer à luz o que se assemelha e fazer falar signos
descobrir seus sentidos, o que só é possível através de uma metodologia adequada.
Pesquisa de mediação cultural com crianças e adolescentes em situação de abrigo
9 Centro de Pesquisa do Departamento de Biblioteconomia e Documentação – ECA/USP. O Colaboratório de Infoeducação, criado na ECA/USP, é uma iniciativa de pesquisadores interessados na problemática da apropriação simbólica, tendo em vista processos sociais de protagonismo cultural. Tal problemática é enfocada a partir do estudo das relações entre os dispositivos de informação e cultura e as aprendizagens informacionais próprios da contemporaneidade.
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Desde o início a pesquisa sobre a apropriação simbólica da informação cultural entretecida nas
ações culturais desenvolvidas em abrigos para crianças e adolescentes a partir do viés da leitura de textos
escritos, tem se mostrado impossível de ser realizada por meio das ferramentas tradicionais de pesquisa. A
própria volatilidade do objeto implica em “insight” e em uma contínua desconstrução do programa e do
projeto. O objeto empírico e o objeto teórico obedecem aos dois contextos do pólo teórico proposto por De
Bruyne10: O contexto da prova: verificação de uma dada teoria (a exclusividade é imperativa) talvez aqui a
“ruptura epistemológica” seja uma variável determinante e; o contexto da descoberta: da ordem do
acontecimento (impera o inclusive), reino das interdisciplinaridades e transdisciplinaridades. Como
salienta Lessard-Hérbert, no pólo técnico relaciona-se a construção do objeto científico e o mundo dos
acontecimentos. Transforma as informações em dados. Então o que anteriormente estava no contexto da
descoberta passa para o contexto da prova. (LESSARD-HÉRBERT, 2005, p.22)
Tal pesquisa se vê na contramão da sistematização se esta partir de princípios pré-estabelecidos,
porque o seu ambiente é assistemático, o que é hoje, amanhã poderá não sê-lo mais. Portanto os conceitos
de aprendizagem mudam. Mas mesmo dentro desta abordagem assistemática, que pode ser relacionada ao
caos, é necessário que se estabeleça a congruência e a convergência de fatores, seguindo o caminho da
similitude e, nesse sentido, constituir critérios em relação à mediação cultural e à apropriação simbólica
informacional. Critérios esses que envolvem uma abordagem da aprendizagem diferentemente daquela
escolar, ou seja: uma aprendizagem informacional entretecida numa rede, num circuito por onde trilham as
crianças e os adolescentes. Essa aprendizagem se apresenta como condição necessária ao protagonismo
cultural e se operacionaliza através de uma pedagogia cultural11 para sua formulação e articulação. Por ser
um tema intrinsecamente de caráter social é de seu querer dar possíveis soluções a problemas de uma
realidade brasileira embrutecida.
Em se tratando de um projeto de Infoeducação há também a necessidade de se incorporar o maior número
de pessoas possível relacionadas ao Abrigo12, interagir com outros projetos de pesquisa, inter-relacionar
saberes provenientes da psicologia, do direito, da educação, da comunicação, da cultura, da ciência da
10 Para De Bruyne et al. A metodología qualitativa se realiza em 04 pólos, a saber: Epistemológico, teórico, morfológico e técnico. (LESSARD-HÉRBERT, 2005, p.22) 11 Que ensina através das imagens e tem seus signos produzidos socialmente pela cultura, recurso este a ser verificado pela pesquisa em andamento. 12 Crianças colocadas em Regime de Abrigo têm procedências diversas e estas estão, geralmente, ligadas à situação econômica da família e à fragilidade de sua organização. São crianças provenientes das ruas, filhos de famílias desestruturadas e sem base material e/ou psíquica para a formação de seus filhos.
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informação, dos estudos dos problemas sociais, dentre outros. Então deve se lançar mão dessa ferramenta
que se insinua: a metodologia colaborativa.
O ambiente onde se realiza a pesquisa empírica deve não somente aceitá-la, mas se posicionar a
esse respeito a fim de que o resultado deste processo seja garantido a ambas as partes. Não se trata de ir a
campo munido de recursos, previamente concebidos, a serem aplicados, nem muito menos vestido de todo
aparato teórico. O ambiente em questão despirá o pesquisador, inverter-se-ão os papéis. O ato de não
apenas conhecer determinada realidade, mas de compreendê-la e de atuar conjuntamente sobre ela, com e
através dela traz outras dimensões às pesquisas científicas: a dimensão relacional, a dimensão dialógica
dentro de uma dinâmica vital.
[...] Cada vez mais estamos dispostos a reconhecer que o tipicamente humano, o genuinamente formativo, não é a operação fria da inteligência binária, pois as máquinas sabem dizer melhor que dois mais dois são quatro. O que nos caracteriza e diferencia da inteligência artificial é a capacidade de nos emocionarmos, de reconstruir o mundo e conhecimento a partir de laços afetivos que pertubam. (MEDINA, 1999, p. 35)
A dimensão relacional, assim como, sua parceira a dimensão dialógica são necessárias quando se
tratam de questões que envolvem o apreender informações, o se apropriar destas e transformá-las em
conteúdos significativos. Crianças e adolescentes, enquanto sujeitos, estabelecem os vínculos entre
informação e cultura e estruturaram conceitos cujos significados dão propósitos à vida, no entanto, o papel
do mediador é imprescindível. Não há política cultural que se sustente sem a presença deste.
Ao realizar uma pesquisa que traz consigo a marca da colaboratividade nos surpreende logo de
início. O caminho é outro. Há uma alegria no colaborar, talvez aqui, implicitamente e mesmo
inconscientemente, o conceito apregoado por Pierre Lévy de Inteligência Coletiva: “É uma Inteligência
distribuída por toda parte, incessantemente valorizada, coordenada em tempo real, que resulta em uma
mobilização efetiva das competências”. (LÉVY, 1998, p.28) Esta inteligência distribuída por toda parte
implica que todos sabem alguma coisa, independentemente de sua situação econômica, cultural, social ou
geográfica. Esta inteligência não é de toda valorizada, mas deverá o ser até por questões econômicas.
As interações são coordenadas no mesmo universo virtual de conhecimentos no tempo e em tempo
real, inclusive de coletivos mal-situados. “Nessa perspectiva o ciberespaço tornar-se-ia o espaço móvel das
interações entre conhecimentos e conhecedores de coletivos desterritorializados”. (LÉVY, 1998, p.29)
Uma ligação entre Inteligência coletiva e redes eletrônicas. Aqui vale a pena salientar que a questão da
colaboratividade avança via redes. Não é possível estar sempre presente fisicamente em reuniões, em
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discussões de idéias, assim o ciberespaço se coloca como uma ferramenta imprescindível para o
desenvolvimento da metodologia colaborativa e, consequentemente, para o avanço da pesquisa que dela se
utiliza. Sendo assim, pode se afirmar que a metodologia colaborativa está em consonância com as
principais variantes pós-modernas do “Tempo do Conhecimento Interativo”. (BARRETO, 2002, p. 11)
Informação e Cultura
A informação está para o acontecimento – contexto da descoberta, assim como a cultura está, de
certa maneira, para o dado, contexto da prova. Ambas fazem parte de um continuum se atualizando em
tempo e espaço, possibilitando a criação de significados a partir de suas apropriações. Quando tais
significados são partilhados tem-se uma construção colaborativa não de um projeto, mas de vários, porque
há um entrelaçar de idéias, há uma permuta de conhecimentos, modelos e formas de atuar.
Tanto a interdisciplinaridade como a transdisciplinaridade parecem convergir em resposta às
limitações territoriais terminológicas da cultura e da informação. Em relação a essas áreas do
conhecimento podem-se observar essas linhas claramente nas ações culturais desenvolvidas por
mediadores e profissionais afins. A informação contida nesses espaços consagrados, ou mesmo quanto aos
espaços de ruas quando usados para fins culturais vêm trazendo a obra aberta13 às mais diversas formas de
apropriações simbólicas. Temos nesses momentos uma complementação, um ir e vir, que foge às fronteiras
e acaba por ocupar lugares do outro. Assim obtêm-se informações sobre quem é o outro, questões de
identidades e marcas revelam o estrangeiro, desmistificam, rompem preconceitos.
É esta localização cultural dos significados que garante sua negociabilidade e, no final das contas,
sua comunicabilidade. Portanto, a cultura fornece as ferramentas necessárias para o entendimento do
mundo e os diferentes contextos culturais explicam as diferenças nas formas de apropriação da informação,
do conhecimento e conseqüentemente da produção de significados.
Em relação à obra aberta, Umberto Eco chama-nos a atenção para um tipo de educação
objetivando uma
[...] continua ruptura de modelos e dos esquemas – escolhendo para modelo e esquema a efemeridade dos modelos e dos esquemas e a necessidade de seu revezamento, não somente de obra para obra, mas dentro de uma mesma obra – não poderia representar um instrumento pedagógico com funções libertadoras; e nesse caso seu discurso iria além do nível do gosto e
13 Conceito desenvolvido por Umberto Eco como sendo “um grupo de obras enquanto postas numa determinada relação fruitiva com seus receptores.” (ECO, 2003, p. 29)
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das estruturas estéticas, para inserir-se num contexto mais amplo, e indicar ao homem moderno uma possibilidade de recuperação e autonomia. (ECO, 1995, p. 148)
Em um sistema de significações tão complexas quanto é a cultura, a apropriação da informação é
fundamental para a emancipação e para o protagonismo cultural. Cabe aos sistemas de aprendizagem e as
instituições pelas quais as informações circulam instrumentalizar, criar e articular esses esquemas
referenciados por Umberto Eco como antídotos à massificação, ao comodismo, ao gregarismo e ao
conformismo.
É nessa fronteira complexa que a transformação social e material se realiza. “[...] Na verdade, é na
área dessas transformações complexas que o sistema de significações, por si só, se desenvolve e deve ser
estudado.” (WILLIAMS, 2000, p. 209) E concordando com Williams, é nessa área, das transformações
complexas que se pretende instalar a metodologia colaborativa. Nesse espaço, o intelectual coletivo
reconstitui um plano de imanência da significação no qual os seres, os signos e as coisas voltam a
encontrar uma relação dinâmica de participação recíproca, escapando às separações territoriais.
A engenharia do laço social proposta por Pierre Lévy, é uma opção à colaboratividade, uma vez
que,
[...] possibilita o surgimento de outro tipo de subjetividade. Ela pulveriza os signos do saber ou da identidade, mas para permitir-lhes fluir, mesclar-se, reencontrar-se, valorizar-se, dilatar-se e trocar-se... Ela não implode as identidades, mas as libera: entrega a cada um o poder de forjar suas imagens. [...] (LÉVY, 2003, p. 137)
O que podemos observar é que, a partir de conceitos desenvolvidos sobre a cibernética, as teorias
da informação e da própria biologia um limiar de territórios passaram a corresponder, sem perder de si
próprios, conhecimentos comuns, verificáveis tanto aqui como lá. Outros conceitos e metodologias foram e
são reformulados para dar conta de pensamentos complexos. [...] É preciso falar sobre a cibernética como sobre todo grande sistema de pensamento; apresenta-se em duas vertentes: uma em que existe nova mensagem e nova complexidade que nos levam a modificar e a enriquecer o olhar; outra é a redução de qualquer aspecto do real em favor do elemento novo que deixa de ser complexo porque reduz tudo a si. (MORIN, 2005, p.109-110)
Há, portanto, um local e um momento em que nas interfaces disciplinares, conhecimentos se
reconhecem e se firmam na complementação. Pode-se inferir que as linhas acima descritas já são
fortemente defendidas, buscadas e praticadas por todos aqueles que buscam o saber múltiplo. São estas
linhas: a Transdisciplinar e a Interdisciplinar.
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Considerações finais
Mais que uma tentativa, uma possibilidade da constituição de uma metodologia colaborativa
corresponde diretamente aos ditames da publicação científica, quando se verifica, na medida do possível, o
que está sendo realizado nos laboratórios universitários. O compartilhar de dados e saberes está no cerne
da engenharia do laço social. Já se demonstrou que o segredo não é mais a alma do negócio. Pelo
contrário, informação que não circula, que não se apreende, continua sendo virtual, ou seja, não se atualiza
e, portanto, não se transforma em conhecimento e, conseqüentemente, não gera bens. Quadros teóricos de
referências e embasamentos conceituais estimulam práticas e posicionamentos. Neles são tecidas redes.
Todo o desenvolvimento tecnológico e a convergência de tecnologias determinam espaços e tempos onde
Cultura e Informação são conceitos fundamentais e privilegiados porque são conceitos transdisciplinares e
interdisciplinares. Acredita-se que o lançar mão dos diversos instrumentos pode ser uma chave para o
desenvolvimento tanto das ciências como da sociedade.
REFERÊNCIAS
BACHELARD, Gaston. A formação do espírito científico: contribuição para uma psicanálise do conhecimento. Rio de Janeiro: Contraponto, 1996. BARRETO, ALDO DE ALBUQUERQUE. A condição da informação. São Paulo Perspec. São Paulo, v. 16, n. 3, 2002. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0102-88392002000300010&lng=pt&nrm=iso >. Acesso em: 20 Set 2005. DENZIN, Norman K. et al. O planejamento da pesquisa qualitativa: teorias e abordagens. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2006. ECO, Umberto. Obra aberta. São Paulo: Perspectiva, 1976. FOUCAULT, Michel. As palavras e as coisas: uma arqueologia das ciências humanas. São Paulo: Martins Fontes, 1999. HARVEY, David. Condição pós-moderna. 15. ed. São Paulo: Loyola, 2006. LESSARD-HÉRBERT, Michelle; GOYETTE, Gabriel; BOUTIN, Gérald. Investigação qualitativa: fundamentos e práticas. 2. ed. Lisboa: Instituto Piaget, 2005. LÉVY, Pierre. A inteligência coletiva: por uma antropologia do ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998. ____________. As tecnologias da inteligência: o futuro do pensamento na era da informática. São Paulo: 34, 1993. MEDINA, Cremilda (org) Caminhos do saber plural: dez anos de trajetória. São Paulo: ECA/USP, 1999. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 9. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005. SANTOS, Boaventura de Sousa. Um discurso sobre as ciências. 4. ed. São Paulo: Cortez, 2006.