Porque amamos a igreja

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1O ASPEcTO MISSIOlóGIcO:

Jesus entre os “chicken littles”

Em meio aos sofrimentosQue vive a enfrentar, Espera a Igreja santaUm dia triunfar.Pois a visão gloriosaEnfim se cumpriráE a Igreja vitoriosaEm paz repousará.

“Da Igreja o funDamento”, 3ª estrofe

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o Que se DIz nas ruas é que a igreja norte-americana está dando seu último suspiro. Para citar apenas um exemplo, o popular conferencista e consultor eclesiástico Reggie McNeal argumenta que, embora a situação na América do Norte não seja desesperadora, as coisas estão piores que achamos e os problemas estão presentes em mais lugares que imaginamos.1 A não ser que a igreja norte-americana faça grandes mudanças (e rapidamente), vamos enfrentar a morte certa.2 Ainda mais impressionante é a sugestão de McNeal de que as novas realidades abordadas no livro The Present Future [O futuro atual] “representam mudanças tectônicas no etos da busca espiritual da humanidade”.3 A coisa é muito séria.

De acordo com McNeal e muitos outros, a igreja per-deu o rumo, a influência e o propósito principal. Sem uma transformação abrangente, a igreja da América do Norte em breve seguirá o caminho do pássaro dodô. Em resumo, “a igreja institucional da América do Norte passa por um pro-blema seriíssimo, consequência da perda de sua missão”.4 Portanto, a igreja tem duas escolhas: mudar ou morrer.

McNeal não é a única voz clamando no deserto. David Olson começa seu excelente livro The American Church in Crisis [A igreja norte-americana em crise] com esta avalia-ção clara e nada surpreendente: “A igreja norte-americana está em crise”.5 Do mesmo modo, Neil Cole opina que “o cristianismo norte-americano está morrendo. Nosso futuro corre sério risco. Estamos feridos de morte e nem sequer temos consciência disso”.6 “É a instituição da igreja que está nas últimas”, diz outro.7 Para não ficar atrás, George Barna, que se desilude cada vez mais com o que tem visto e anali-sado entre os cristãos das últimas duas décadas, conclui sem rodeios com base em “dados de pesquisa” que, “se a igre-ja local é a esperança do mundo, então não há esperança para o mundo”.8

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O céu está caindo (mais ou menos, talvez)Entre aqueles que sentem que a igreja está quase ou com-pletamente quebrada, duas provas são em geral, apresenta-das: 1) a igreja está perdendo membros; e 2) a igreja perdeu sua missão. Vamos começar pela primeira prova, a de que a igreja está perdendo membros.

Diz-se que a igreja da América do Norte está sofren-do morte por atrito. Nossos membros mais fiéis, que por coincidência são os mais generosos, estão morrendo. Os jo-vens estão abandonando a fé e não voltam. Os perdidos são mais difíceis de ser alcançados que nunca. Ironicamente, enquanto a mídia teme uma iminente teocracia cristã, os cristãos da América temem sua própria extinção, ou pelo menos sua irrelevância.

No entanto, as notícias não são totalmente ruins. Em fevereiro de 1939, o pesquisador de opinião pública George Gallup começou a perguntar aos norte-americanos: “Você foi à igreja no domingo passado?”. Naquele ano, 41% dos entrevistados responderam positivamente. As palavras foram levemente alteradas com o passar dos anos, mas basicamen-te a mesma pergunta tem sido feita a cada ano desde então. E a porcentagem dos que dizem “sim” mudou muito pouco. De 2000 a 2005 o “sim” da pesquisa eclesiástica do Gallup variou de 40% a 44%.9 Em termos de comparecimento real, percebe-se que, em 1990, em um final de semana qualquer, 52 milhões de pessoas na América do Norte compareceram a uma igreja. Em 2005, o número continuava por volta dos 52 milhões.10 O teto da casa ainda não desabou.

Entretanto, as notícias também não são totalmente boas. Para começar, cada vez menos pessoas vão de fato à igreja, ao contrário do que os números sugerem. Isso é chamado de “efeito halo”: as pessoas dão respostas me-lhores aos pesquisadores que aquilo que realmente acon-

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tece em sua vida. De acordo com uma estimativa, apenas 17,5% do público norte-americano de fato frequenta a igreja no final de semana, embora mais que o dobro de pessoas diga que realmente o faz.11 Além disso, enquanto o número de pessoas na igreja permaneceu o mesmo nos últimos quinze anos (cerca de 52 milhões), o percentual de frequentadores diminuiu. Em poucas palavras, o cres-cimento da igreja não está alinhado com o crescimento da população. O mesmo número de pessoas pode ir à igreja, mas, uma vez que há mais pessoas no país, isso significa que o percentual de frequentadores diminuiu. Portanto, de acordo com Olson, enquanto 20,4% dos norte-ameri-canos iam à igreja em qualquer final de semana de 1990, apenas 17,5% foram em 2005 e, de acordo com suas esti-mativas, apenas 14,7% irão à igreja em um final de sema-na qualquer em 2020.12

Essa não é uma boa trajetória. Qualquer pessoa que ama a Jesus Cristo quer ver sua igreja crescer. Mas tenha em mente que esses números não representam declínio geral da membresia, e sim que o número de membros da igreja não está crescendo de acordo com o aumento da popula-ção. Isso também é um problema. Acredite-me, não estou defendendo uma postura de indiferença quanto à falta de crescimento da igreja na América. Quero ver o percentual subir, não descer. E o fato de ele estar descendo merece nossas orações e nossa reflexão (falarei sobre isso mais adiante). Mas as declarações da morte iminente da igreja são profundamente exageradas. Embora apenas 17,5% dos norte-americanos compareçam à igreja em determinado fi-nal de semana (presumindo que esse percentual mais baixo seja preciso), 37% ainda comparecem pelo menos uma vez por mês, e 52% informam que pertencem a alguma tradição religiosa.13 Repito que gostaria de que mais pessoas cressem

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em Cristo e de que as pessoas que afirmam estar filiadas a alguma igreja realmente aparecessem todo domingo, mas, ao perceber que mais de cem milhões de pessoas neste país comparecem a uma igreja pelo menos uma vez por mês, pa-rece um pouco exagerado sugerir que a igreja na América do Norte esteja prestes a virar fumaça.

Além disso, quando olhamos mais atentamente para o declínio recente da igreja, percebemos que ele não aconte-ceu de maneira uniforme em todas as áreas. Lembre-se de que, de 1990 a 2005, o percentual de norte-americanos na igreja em determinado final de semana caiu de 20,4% para 17,5%. Durante o mesmo período de tempo, o percentual daqueles que frequentavam igrejas das principais denomi-nações caiu de 3,9% para 3%, enquanto o dos que frequen-tavam uma igreja católica romana declinou de 7,2% para 5,3%. Mas o percentual nas igrejas evangélicas permaneceu quase o mesmo, saindo de 9,2% em 1990 para 9,1% em 2005.14 Tenha em mente que esses percentuais se referem à população total. Isso significa que o número real de pessoas frequentando uma igreja evangélica em determinado final de semana aumentou em vários milhões na última década e meia. Quase toda a perda líquida de frequentadores em porcentagem veio da igreja católica e dos protestantes mais liberais. Em números brutos, a membresia das igrejas mais tradicionais diminuiu 21% (de 29 milhões para 22 milhões) de 1960 a 2000, ao passo que, no mesmo período, a mem-bresia em geral nos Estados Unidos cresceu 33%.15

Portanto, a história do percentual declinante de fre-quentadores da igreja não é a história de uma insatisfação recém-descoberta com a igreja como um todo, da mesma forma que a história contínua de católicos e protestantes históricos perderem seus jovens (para igrejas evangélicas ou para nenhuma igreja), pais de igrejas tradicionais e

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católicas não terem tantos filhos quanto os evangélicos e a morte dos membros mais velhos (encontrada de maneira desproporcional entre as igrejas históricas).16

Perguntas geradas por perguntasNo entanto, em favor da argumentação, vamos olhar para o copo e vê-lo meio vazio. A maioria de nossas igrejas não está crescendo. Mesmo com todas as nossas megaigrejas, o avanço da comunidade evangélica não está exatamente em sincronia com o crescimento populacional no país como um todo. Sen-do assim, como devemos reagir? Ou, para tornar a coisa um pouco mais pessoal, como você deve reagir se sua denomina-ção ou igreja estiver encolhendo, não apenas em termos per-centuais em relação ao todo, mas em números reais?

Perguntas como essas devem levar-nos a mais pergun-tas. E a pergunta que os livros da categoria “insatisfeitos com a igreja como a conhecemos” sempre parecem fazer é a mesma: “O que estamos fazendo de errado?”. Em ou-tras palavras, os livros que tentam consertar a igreja quase sempre presumem que declínio do comparecimento à igre-ja — ainda que seja em termos percentuais em relação à população como um todo — significa que a igreja fez algu-ma bobagem. Embora a nova safra de livros sobre a igreja censure os velhos modelos de crescimento da igreja, ainda partem das mesmas pressuposições, a saber, que as igrejas deveriam continuar a crescer e que há algo de errado com a igreja que não cresce.

Essa pressuposição, contudo, é estranha ao Novo Testa-mento. Jesus não disse: “Como é estreita a porta, e apertado o caminho que leva à vida! São poucos os que a encontram” (Mt 7:14)? A igreja primitiva em Filadélfia não recebeu um elogio do Senhor Jesus, embora enfrentasse oposição e ti-

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vesse “pouca força” (Ap 3:7-13)? Simplesmente não existe ensinamento bíblico que indique que o tamanho da igre-ja é a medida do sucesso. O renomado missiólogo Lesslie Newbigin nos oferece um resumo sábio:

Portanto, ao rever o ensinamento do Novo Testamento, de-ve-se dizer que, por um lado, há alegria no rápido crescimen-to da igreja nos primeiros dias, mas que, por outro lado, não há evidências de que o crescimento numérico da igreja seja uma questão de fundamental importância. Não há nenhum resquício de evidência nas cartas de Paulo que possa sugerir que ele julgava as igrejas tomando como base seu sucesso num crescimento numérico rápido, nem há nada compará-vel aos clamores estridentes de alguns evangelistas contem-porâneos que indique que a salvação do mundo depende da multiplicação dos que creem. Existe um incomparável senso de seriedade e urgência conforme o apóstolo contempla o fato de que ele e todas as pessoas deverão “comparecer pe-rante o tribunal de Cristo” e à medida que ele reconhece a força do amor de Jesus e o ministério de reconciliação que recebeu (2Co 5:10-21). Mas em nenhum lugar isso aparece como ansiedade ou entusiasmo em relação ao crescimento numérico da igreja.17

Em resumo, não é possível dizer que a igreja é bem-sucedida ou fracassada tomando-se como base o aumento ou a diminuição de seu rol de membros.

“Será que estamos atrapalhando o evangelho?”Tendo dito isso, ainda acho que a pergunta “O que esta-mos fazendo de errado?” — ou, colocada de um jeito mais teológico, “Será que estamos atrapalhando o evangelho?” — é muito boa (para igrejas “bem-sucedidas” também,

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devo acrescentar). Apesar de a passagem já ter sido usada tantas vezes de forma abusiva, não queremos ignorar a in-junção de Paulo de que sejamos tudo para todos a fim de que possamos salvar alguns (1Co 9:22). Há algumas igrejas conservadoras que usam o fato de serem pequenas como uma medalha de honra. Por sentirem o perigo real de me-dir o sucesso por meio do crescimento numérico, elas pen-sam que igrejas pequenas são um sinal de fidelidade e que as igrejas grandes são traidoras. O pastor dessas igrejas às vezes fala como se tivesse incorporado o teólogo puritano John Owen, e seu envolvimento com a cultura consiste em explicar a diferença entre os armênios atuais e os arminia-nos (a posição teológica). Eles falam com o ritmo de outro século e são especializados em pregar para o coral. Há igre-jas por aí que não apenas não crescem, como se orgulham abertamente disso. Para elas, a igreja na América do Norte pode encolher até secar e morrer. Elas estão interessadas na verdade, não nos resultados.

Há muitas coisas que admiro nessa atitude. Ela não se preocupa com a moda nem se liga ao sucesso mundano. Mas é comum aqueles que defendem tal posição não en-xergarem como eles desnecessariamente impedem que as pessoas se sintam bem em suas igrejas. Eles podem ser infle-xíveis em relação às coisas erradas e incapazes de entender que o não cristão nem sempre é o único culpado por não gostar da igreja. Portanto, “Será que estamos atrapalhando o evangelho?” é uma pergunta digna de ser feita.

Outras perguntas que valem a pena ser feitasTal pergunta não é a única digna de ser feita. Essa é a minha queixa em relação a tantos livros da linha “igreja é careta”,

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tanto do filão do crescimento da igreja como da aborda-gem emergente/missiológica. Eles presumem que todo de-clínio no comparecimento, toda percepção negativa que se tem da igreja, todo problema social não resolvido e todo descrente ainda vagueando do lado de fora de nossas por-tas é uma acusação ao “jeito de ser igreja”. Se as pessoas não estão entrando para conhecer o Senhor aos montes e se nossas comunidades não são transformadas numa cidade multicultural construída sobre um monte, então deve ha-ver algo terrivelmente errado com a igreja como a conhe-cemos. “Certamente é hora de mudar. Se não tudo, pelo menos a maior parte”, argumentam eles.

Existem, no entanto, outras perguntas que precisam ser feitas quando não vemos os resultados que desejamos. São perguntas do tipo:

Acreditamos no evangelho?• As pessoas não acreditarão no cristianismo se não sentirem que nós acreditamos nele. Isso é especialmente verdadeiro quando a dúvida e a des-crença vêm do púlpito. Como Richard Baxter (1615-1691) notou em sua própria época, algumas de nossas igrejas são pastoreadas por homens não regenerados. Muitas ou-tras possuem pregadores que estão confusos em relação ao evangelho ou simplesmente são frios em relação a ele. Apenas um século depois (em 1740), George Whitefield concluiu que “a generalidade dos pregadores [da Nova Inglaterra] fala de um Cristo desconhecido e não senti-do. A razão de as congregações estarem tão mortas é o fato de que homens mortos pregam para elas”.18

Confiamos no poder do evangelho?• Se o evangelho é “o po-der de Deus para a salvação de todo aquele que crê” (Rm 1:16), por que nossos cultos e nosso evangelismo não se concentram mais explicitamente nas boas-novas

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da morte e da ressurreição de Cristo para o perdão dos pecados? Do mesmo modo, se nossas igrejas estão enco-lhendo, isso talvez esteja acontecendo porque o papel da Palavra encolheu em nossa pregação e no nosso tes-temunho. Realmente cremos que Deus vai edificar sua igreja por meio de sua Palavra ou confiamos em truques e artimanhas?Estamos proclamando o evangelho?• Parece simples para al-guns e terrivelmente fundamentalista para outros, mas, se quisermos presenciar crescimento na igreja, preci-samos de fato sair e contar às pessoas as boas-novas de Jesus. O crescimento da igreja não estará em sincronia com o crescimento populacional a não ser que compar-tilhemos ativamente o evangelho com não cristãos e, de maneira atraente, insistamos em que eles se reconciliem com Deus.Estamos proclamando o evangelho correto?• Numa era em que muitos cristãos acham que a precisão doutrinária é um obstáculo no caminho da missão, faremos muito bem se lembrarmos que Paulo condenou ao inferno qualquer um, incluindo ele mesmo, que adulterasse o conteú-do do evangelho (Gl 1:8). Deus abençoe as igrejas que permanecem fiéis à sua Palavra. Ao iniciar sua pesquisa sobre o comparecimento à igreja na América do Norte no período de 1776 a 2005, os sociólogos Roger Finke e Rodney Stark escreveram: “Há forte indicação de que, conforme modernizaram suas doutrinas e abraçaram valores temporais, as denominações entraram em declí-nio”.19 Quando se trata de fronteiras doutrinárias e exi-gências morais, a história da igreja nos Estados Unidos demonstra que mais rigoroso significa mais forte.20 Não podemos esperar que a igreja cresça ao mesmo tempo em que proclama um evangelho falso.

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