Portais Búdicos _ degustação

13
P o r t a i s B B ú ú d d i i c c o o s s LP – Books ________________

description

DEGUSTAÇÂO da obra Portais Búdicos, prefácio por Monja Coen.

Transcript of Portais Búdicos _ degustação

Page 1: Portais Búdicos _ degustação

Portais

BBBBBBBBúúúúúúúúddddddddiiiiiiiiccccccccoooooooossssssss

L P – B o o k s ________________

Page 2: Portais Búdicos _ degustação

Sumário

Prefácio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7 Introdução . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 13 PRIMEIRA PARTE: Portais da Prática I. O Caminho das Possibilidades . . . . . . . . . . . . . . . . . . 19

As Quatro Verdades e o Vir a Ser . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 30 Visões da Realidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 42 O Observador Anônimo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 57 Fragmentação de Fatores . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 70 Alicerces no Pensamento . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 75 II. Magia e Espontaneidade . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 81 A Centelha do Caminho Zen . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 83 O Sentido da Correnteza . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 86 A Atitude no Tempo . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 96 III. Coordenadas de Interiorização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 101 Agregados e Apegos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 103 A Despojada Via de Entrega . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 107 Mente Búdica . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 116 Aprendiz de Milagres . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 133 IV. Além da Forma e do Vazio . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 141

Reverência Onidirecional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 144 V. Unidade nos Sistemas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 153 Dinamismo e Vastidão . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 156 VI. Toadas da Civilização . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 171 Sintonia e Meio Ambiente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 173 Ladrões da Mente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 176 Fragilidade dos Sistemas Vitais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 183

Page 3: Portais Búdicos _ degustação

Antropomorfia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 188 Balés Experimentais . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 194 A Árvore Antecedente . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 201 VII. Veredas dos Desejos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 207 Espíritos Orgânicos e Belicosos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 214 Variantes do Adiante . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 224 Verídica Extinção . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 239 SEGUNDA PARTE: Sutras Os Ensinamentos do Tathagata . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 260 1. As Quatro Nobres Verdades . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 261 2. Causalidade e Originação Dependente . . . . . . . . . . . . . . 264 3. A Mente Humana e a Forma Real das Coisas . . . . . . . . 267 4. A Natureza Humana . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 272 5. Disciplina Mental . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 277 Mestres de Destaque na História . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 285 Glossário . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 289

Page 4: Portais Búdicos _ degustação

PREFÁCIOPREFÁCIOPREFÁCIOPREFÁCIO

O Monge Koguen é um monge Zen. Construiu sua prática nos zafus (almofadas de meditação Zen Budista) de mosteiros no Brasil e no Japão. Foi ordenado e recebeu a transmissão do Dharma do seu mestre Reverendo Daiju Bitti Rôshi, abade do Mosteiro Zen Morro da Vargem, no Espírito Santo. Passou muitos anos no Japão, aprendeu o antigo Caminho dos Budas Ancestrais e retornou ao Brasil para continuar a transmitir o Dharma de Buda. Excelente escultor, transforma diferentes materiais em Budas e Bodhisatvas, contando a história e deixando as pegadas de Buda por onde passa. Tendo penetrado os conhecimentos da Medicina Chinesa, enriquece assim sua obra com conceitos e explicações raras para budistas em geral.

Monge Koguen transita por uma linguagem metafórica passando para uma linguagem psicológica e religiosa. Usa analogias antigas, cita sutras e textos sagrados e cria novas formas a fim de abrir o portal sem portas do Zen. O portal sem portas do Zen Budismo é a natureza verdadeira da mente. Está presente o tempo todo, mas muitas vezes não a percebemos. Assim como é, é. De tão simples se torna complicado e difícil.

Como a mente pode conhecer a própria mente? Será que o olho pode ver o próprio olho? Mestre Dôguen Zenji Sama, fundador de nossa ordem

budista Soto Zen Shu, no Japão do século XIII, nos deixou um legado de profunda sabedoria sobre os ensinamentos de Buda. Prosa poética, em um de seus textos mais famosos, o Genjokoan (koan da vida diária), escreve o seguinte:

Estudar o Caminho de Buda é estudar a si mesma. Estudar a si mesma é esquecer-se de si mesma. Esquecer-se de si mesma é ser iluminada por tudo que existe.

Page 5: Portais Búdicos _ degustação

Esta iluminação não deixa traços e é colocada à disposição de todos os seres. A mente iluminada esquece de si mesma. Nada especial. Não permanece em um estado de separação, não se considera melhor ou diferente das outras pessoas. Pelo contrário, até faz o voto de criar condições para que todos os seres alcancem a sabedoria suprema antes de si mesma.

A mente ao estudar a própria mente se reencontra, se percebe a vida do multiverso. Interconectada, interligada, interpenetrando todas as formas de vida. Somos a vida da Terra. Cada gesto, cada palavra, cada pensamento transforma tudo à nossa volta. A realidade que vivemos é reconstruída a cada instante por cada um de nós. Tudo que existe é o co-surgir interdependente e simultâneo.

Somos responsáveis pelo estado de nosso planeta, nossa casa comum, nosso corpo organismo vivo. A compaixão, a ação de cuidar ternamente se manifesta livre, despreocupada, pois cuidar do meio ambiente, respeitar direitos de todos os seres à vida, à saúde, ao trabalho, ao estudo e aos relacionamentos de harmonia é cuidar de si mesma.

Esta mente imensa, onde tudo está incluído, esta mente de grande alegria, contentamento, esta mente anciã, nobre, terna, cuidadora é a nossa própria mente.

Abra os portais aqui apontados pelo Monge Koguen, penetre a essência de você mesma(o) e encontre o Caminho de Buda.

Que todos os seres se beneficiem, que possamos todos nos tornar o Caminho Iluminado. Com as bênçãos de todos os Budas e Bodhisatvas através do espaço e do tempo, que possamos penetrar a Grande Sabedoria Perfeita (Maha Prajna Paramita).

Mãos em prece,

Monja Coen Missionária da Soto Zen - Templo Tenzui Zen

Page 6: Portais Búdicos _ degustação

_____ I I I I _____ O Caminho das PossibilidadesO Caminho das PossibilidadesO Caminho das PossibilidadesO Caminho das Possibilidades

Na mente do principiante existem inúmeras possibilidades, mas na do perito há muito poucas.

Shunryu Suzuki

Page 7: Portais Búdicos _ degustação

É COSTUME DIZER, sob algum aspecto da filosofia

budista, que palavras são meios impróprios para expressar a verdade, que é resultado da experiência. Embora nada substitua a vivência direta, em que se assimilam mensagens além da sonoridade e do significado, deixando-se “cair corpo e mente”, ao contrário do que diz o ditado popular, as palavras não são apenas levadas pelo vento. Elas nos apontam algumas direções e são um dos três meios pelos quais se manifesta a mente búdica, ao lado do pensamento e da ação. A linguagem é uma benção e expressa-se interiormente, oferecendo alimento para a mente, e exteriormente, movimentando os acontecimentos. O tremendo sucesso das palavras é verificado na sociedade, cuja espinha dorsal se mantém ajustada por intermédio da comunicação entre os diversos grupos. Acordos resolvidos com assuntos que podem parecer insignificantes: metas são traçadas, ideias expostas, piadas relatadas ou o andamento dos casos amorosos comentados.

Há um problema, contudo. A concentração mental pode assumir tanto um modo difuso, em que se tem a noção geral de uma situação, como um modo focalizado, em que se analisa a sutileza dos detalhes. Com isso, apesar de sermos beneficiários da linguagem, podemos ser vítimas do seu aspecto direcionado e sequencial. Uma vez que a sintaxe é linear, os problemas são tratados pela linguagem também linearmente, seja qual for a circunstância. Essa dificuldade pode ser solucionada adotando as várias facetas no funcionamento da linguagem, já que os códigos que o mundo nos aponta com os sentidos não é nada do que pensamos. Aparentemente, uma estrela morta cintila sua luz sem que nos demos conta de que ela morreu. Tal como a luminosidade que o jogo de lentes de um potente binóculo propicia, mudamos de ideia: “Oh! Quanta claridade!” Nesses exemplos, um “gradiente” nos convence das diferenças, mas

Page 8: Portais Búdicos _ degustação

algo mais importante permeia no estado de espírito. Se nos atravancamos no modo linear, não exploramos possíveis formas de autocomunicação. Se nos indagarmos a fundo, eliminamos inúmeros problemas sequenciais tais como intransigência, cólera ou desavença. Enfim, nos colocamos no lugar do outro ser vivente e com esse parecer podemos prosseguir adiante.

É por meio da linguagem que você pode indagar em seu íntimo o motivo pelo qual estamos aqui ou qual a finalidade da existência. De imediato, costuma-se acreditar que a utilidade da vida é viver! No entanto as coisas não são tão fáceis: não há vida sem morte, assim como não há expiração sem inspiração. É bem provável, portanto, que as respostas residam na fusão da pergunta com seu estado de espírito em determinado momento.

A grande maioria das indagações é ao mesmo tempo embaraçosa, refutável e descartável. À medida que entramos nos intrincados campos metafísico, teológico ou ontológico é cada vez mais difícil buscar algo “definitivo”, pois não se encontra nada desse gênero. Em contrapartida, quando mergulhamos na profundidade de simples questões, emergem respostas vindas de sítios inexplorados, fazendo-nos supor algum universo oculto e misterioso.

O Grande Mestre Buda Shakyamuni descartava a importância de filosofias sobre o universo porque, para ele, essa questão era fato consumado e irrelevante em relação ao nascimento e morte, desejo e sofrimento, essas, sim, são questões fundamentais. A compreensão sobre o universo seria consequência instantânea da resolução desses problemas. Assim, é crucial abandonar o sentido da palavra universo como um “escuro espaço ilimitado, cheio de estrelas pontilhadas” e substituí-lo por “síntese” ou, melhor ainda, “unidade”.

Quando se adota uma mente em estado de prontidão, voltada a abrir caminhos, numa escala cosmológica, não se pode partir de nenhum ponto fixo, pois na verdade dos fatos

Page 9: Portais Búdicos _ degustação

o “universo”, assim como todos os fenômenos, não tem princípio; semelhantemente, não há um final da história. O observador pode partir de qualquer ponto de vista, uma vez que não há uma localização privilegiada – ou “estática” – em relação às demais, e nem mesmo isso deve ser um fundamento absoluto. A fixação da mente em conceitos como “especial” ou “irrelevante” pode nos conduzir facilmente à vaidade ou prepotência, que por sua vez geram uma postura de irreverência em relação ao Caminho.

Se a transcendência do conceito universal de princípio e fim, nascimento e morte é o alicerce, sob essa base de sustentação há um “estado” sem definições. Como tudo aparece e desaparece, as perguntas também são aparições, que deixam de existir quando cessa a corrente de causas e condições que as origina. Na tentativa de buscar o “eco” da resposta, faz-se imprescindível questionar, mas a voz da genuína sabedoria se manifesta quando a mente está livre de excessos e na justa medida de contentamento.

Portanto, há um questionamento que nos conduz à agnosia e humildade: o que se pretende fazer com as respostas? Os lampejos de conhecimento que procuramos agarrar não são agarráveis, então imediatamente os perdemos... de vez. Sempre que procuramos explicar uma percepção específica da realidade, alguma visão chamejante, como uma divina e verídica luz de paz, ela escapole da mente, tal como água escorrendo entre os dedos.

Sozinho e deitado na sombra da restinga de uma praia deserta, jurei ter percebido “algo” durante um cochilo por dois segundos, sem compreender. Parece que o “universo” detesta classificações e o caminho da não dualidade é como o fio da navalha. Mesmo a não conceituação é uma conceituação. Se a experiência mística revela algo absolutamente incognoscível, pensar sobre isso já nos coloca na “pista” de algo inexplicável.

A amplitude da “pista” é sutilmente apontada quando se esbarra de maneira íntima na autossinceridade e no

Page 10: Portais Búdicos _ degustação

inconsciente. Como se pode encontrar a verdade se se mente a si mesmo e se não se sabe o que se quer da vida? Caso a questão básica do contentamento permaneça irresolvida ou caso se ache que há bons motivos para camuflar e esquecer no porão da mente aquilo que diz respeito a nós mesmos, a vida toda torna-se simplesmente um impasse. Aí chegamos numa já conhecida situação: “quando a mente não age, o corpo padece”.

A mente, com suas atividades, comporta-se de forma bem semelhante a um chimpanzé numa jaula, ora agitado, ora aparvalhado, e por esse motivo ela pode achar tudo intricado porque ela mesma se faz hesitante com ideias aleatórias e inverossímeis.1 Ela é influenciada pelas manifestações comportamentais de cada cultura, abriga seu código primitivo de memória associada a diversos níveis de desejo, paixões e capacidades espirituais, padronizadas universalmente. Os padrões de comunicação, intimamente relacionados com a razão, são temperados pelas emoções, negativas ou positivas, que dão vida e forma ao pensamento, palavra e ação. A mente-cérebro-corpo humano é um conjunto de agregados extremamente complexo e ao se avançar um pouco na sua investigação total e isolada da infinidade de sistemas que a mantêm, os parâmetros se confundem em um imenso trambolho.2

Não seria exagero se disséssemos que os reviravoltos processos mentais são regidos por uma estupidez coletivamente bem orquestrada. O cérebro processa 400 bilhões de bits de informação por segundo. No entanto

1 Frase baseada no ensinamento Majjhima Nikaya 4-35, Sutra Culasaccaka. Ler parte II, cap. 3. 2 Trata-se de uma visão budista da interdependência, mas a maneira como os sistemas interagem mutuamente foi observada em 1937 pelo médico Charles Sherrington em suas palestras intituladas Sobre a Natureza Humana: “A vida, como sistema de energia, está tão embutida no tecido da superfície da Terra que supor, mesmo brevemente, uma vida isolada do resto do mundo terrestre produz uma imagem distorcida demais para se parecer com a vida. Tudo se ajusta simultaneamente” (Sir Charles Sherrington. Man on His Nature. Cambridge: Cambridge University Press, 1963).

Page 11: Portais Búdicos _ degustação

somente tomamos “consciência” de 2.000 deles, referentes ao ambiente próximo, ao corpo e ao tempo. Ou seja, as coisas estão acontecendo e nós não as assimilamos por completo, não temos nem um filete de consciência do que pensamos ter consciência. E o mais importante é que de nada valerá ter ou não ter consciência se o envolvimento com tantos bits não nos fornecer uma mente voltada à compaixão, que tem como base a infinita interdependência de causas e condições.

[ ... ] Uma vez que na essência de todas as coisas não há

princípio nem fim encontráveis, na verdade, estamos sempre no meio da escala do “tempo” infinito. Estamos sempre no meio da crista da onda do grande Caminho. Contudo não percebemos isso, ofuscados que estamos por tesouros mundanos ou padrões pelos quais estamos condicionados, que nos impõem a ilusão de haver limites.

[ ... ] Se por um lado a excessiva indulgência com os fatos

pode minar a perseverança, como empreender verdadeiramente o caminho do coração coerente se estivermos ocupados com conceitos inflexíveis e duais? De acordo com o “ateísmo budista”, não devemos nos apegar nem mesmo ao buddha-dharma, a mais forte referência de certeza. O portal de entrada em um mosteiro budista não tem fechaduras, é de livre acesso e de livre regresso: eis a fluidez do Caminho.

Em qualquer momento de nossas vidas, podemos escolher outro caminho completamente distinto, sendo tênue a linha que nos separa do comportamento de um barco vagando à mercê das dicotomias. Pode parecer incongruência, mas devemos considerar, no mínimo, a possibilidade de abandonarmos nossas convicções, tão defendidas com toda a garra e sagacidade. Isso nos leva a certificar até que ponto estamos nos aplicando na busca dos nossos objetivos e da pureza de espírito ou o quanto estamos preparados para lidar com “perdas e ganhos”. A jornada da

Page 12: Portais Búdicos _ degustação

vida nos aponta que a resolução do sofrimento – o qual procuramos negar – é a base de tudo.

[ ... ] Poderíamos até amputar a origem do problema se ele

estivesse localizado no corpo apenas. Enquanto nos guiamos por nossos desejos nas atividades rotineiras, a natureza executa sozinha esses mecanismos e não somos agentes ativos desse plano. Ao se atingir um grau elevado de espiritualidade, o controle da mente pode até chegar ao ponto de o indivíduo suportar a autoimolação. Então a unidade de processamento que conduz as informações é subjugada, como se vê nas práticas de um asceta ou de um faquir. Entretanto, os elementos essenciais do conjunto de sistemas universais – cérebro, corpo, biodiversidade e mundo – continuam a fluir...

O difundido “Caminho da Moderação” se baseia em um parâmetro “ideal”, o ponto de equilíbrio num paradoxo, onde se extinguem ideais exagerados tais como autoidolatria ou autopunição, pieguice ou frieza, porém essa teoria não surte efeito como uma fórmula precisa e infalível. Ao pé da letra desse caminho, uma sacerdotisa teria toda a justificativa para escapar do celibato e poderia fazer qualquer coisa moderadamente. O Caminho é levemente personalizado, visto que cada um deve descobrir um meio de controlar as cambiáveis ilusões dos sentidos. Num momento pode-se ficar obcecado pelo paladar, noutro tornar-se apaixonado pelo tocar. Assim, sem razões muito claras para o indivíduo, surge uma severa confusão nas ideias e objetivos da mente...3

A uniformidade onipresente de um ideal moderado é praticamente inviável de se constituir, já que cada caso deve ser tratado individualmente, mas também deve ser observado com uma visão multifocal. Lidando com as íntimas leis universais, um bom guia espiritual aponta o flexível Caminho, supervisionando o aprendiz para que ele

3 Baseado em Samyutta Nikaya 35-206, Sutra Chapana. Ler parte II, cap. 5.

Page 13: Portais Búdicos _ degustação

não se atenha aos becos do labirinto. Isso pode ser ligeiramente angustiante para um discípulo que está ávido por atenção e sequioso por soluções, na ânsia de agarrar algum admirável ideal para si, e para sempre. Se pensamentos em focos extremos como budas ou paraísos forem idealizados, há aí um problema a ser enfrentado.

[ ... ] A lei universal mantém sua integridade ideal, dinâmica,

transbordando de possibilidades, indiferente ao que é bom ou ruim, e não reconhece melhor ou pior, começo e fim. Na escala temporária que adotamos, os planetas permanecem em órbita precisa por bilhões de anos em torno de uma estrela e são regidos infalivelmente por essas leis, mas não podemos descartar a possibilidade de essas teimosas e garantidas tendências serem transições. Pode ser que para nós, humanos, não haja referência distinta daquela do “antes ou depois”, mas bilhões de anos, em escala universal, não são nem um segundo do que veio “antes”... Antes de quê? Se quisermos um aperto de mão com o plano infinito, a natureza da mente que engloba, mas ultrapassa os conceitos em períodos temporários mensuráveis, então devemos aplicar a linguagem da cessação do sofrimento.