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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE FERNANDA CRISTINA ARAÚJO BATISTA A PEDRA DO REINO: UMA ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DA ADAPTAÇÃO DO ROMANCE PARA MINISSÉRIE E DOS DIÁLOGOS COM OUTROS GÊNEROS DISCURSIVOS SÃO PAULO 2015

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

FERNANDA CRISTINA ARAÚJO BATISTA

A PEDRA DO REINO: UMA ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DA ADAPTAÇÃO

DO ROMANCE PARA MINISSÉRIE E DOS DIÁLOGOS COM OUTROS GÊNEROS

DISCURSIVOS

SÃO PAULO

2015

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FERNANDA CRISTINA ARAÚJO BATISTA

A PEDRA DO REINO: UMA ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DA ADAPTAÇÃO

DO ROMANCE PARA MINISSÉRIE E DOS DIÁLOGOS COM OUTROS GÊNEROS

DISCURSIVOS

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana

Mackenzie como requisito parcial para a

obtenção do título de Doutor pelo Programa de

Pós-graduação Stricto Sensu em Letras.

Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Guarnieri Atik

SÃO PAULO

2015

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B333p Batista, Fernanda Cristina Araújo.

A pedra do reino : uma análise dos procedimentos da adaptação do romance para minissérie e dos diálogos com outros gêneros discursivos / Fernanda Cristina Araújo Ba-tista. – 2015.

249 f. : il. ; 30 cm.

Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Presbiteri-ana Mackenzie, São Paulo, 2015.

Referências bibliográficas: f. 226-234.

1. Romance d’A Pedra do Reino. 2. Suassuna, Ariano,

1927-2014. 3. Adaptação televisiva. 4. Carvalho, Luiz

Fernando, 1960-. 5. Transtextualidade. I. Título.

CDD 791.457

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FERNANDA CRISTINA ARAÚJO BATISTA

A PEDRA DO REINO: UMA ANÁLISE DOS PROCEDIMENTOS DA ADAPTAÇÃO

DO ROMANCE PARA MINISSÉRIE E DOS DIÁLOGOS COM OUTROS GÊNEROS

DISCURSIVOS

Tese apresentada à Universidade Presbiteriana

Mackenzie como requisito parcial para a

obtenção do título de Doutor pelo Programa de

Pós-graduação Stricto Sensu em Letras.

Aprovada em 19/05/2015

BANCA EXAMINADORA

___________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Guarnieri Atik – Orientadora Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Aurora Gedra Ruiz Alvarez Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Helena Bonito Couto Pereira Universidade Presbiteriana Mackenzie

___________________________________________________________

Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Junqueira Pontifícia Universidade Católica de São Paulo

___________________________________________________________

Prof. Dr. Gilberto Pinheiro Passos Universidade de São Paulo

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A meu pai, que sempre me incentivou a buscar aperfeiçoamento e motivou a seguir em frente, apesar das dificuldades.

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AGRADECIMENTOS

À CAPES – Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior, pela bolsa de estudos concedida. À Prof.ª Dr.ª Maria Luiza Guarnieri Atik, minha orientadora, pelo carinho com que me aceitou novamente como sua orientanda e pela paciência com que me guiou durante a realização deste trabalho. À Prof.ª Dr.ª Maria Aparecida Junqueira e à Prof.ª Dr.ª Aurora Gedra Ruiz Alvarez, pelas valiosas sugestões apresentadas no Exame de Qualificação e na Defesa da Tese. Aos demais membros da Banca Examinadora, Prof.ª Dr.ª Helena Bonito Couto Pereira e Prof. Dr. Gilberto Pinheiro Passos, por terem aceitado nosso convite e pelas interessantes considerações feitas no momento da Defesa da Tese. Aos professores da Pós-Graduação em Letras da UPM, pela grande contribuição que fizeram para meu aperfeiçoamento durante o curso das disciplinas, em 2012, e a todos os meus demais professores, da educação básica à graduação, por tudo que me ensinaram. A Valter Doniseti Justino e Guilherme Rodrigues Ferreira, pelo grande auxílio na impressão dos muitos exemplares deste trabalho. À minha família: Mário Batista, Rubens Batista, Marcos Tadeu Araújo Batista e Stefanno de Andrade Xotta, pelo apoio que sempre me deram quando precisei. A todos os amigos e colegas de profissão e pesquisa, que compreenderam o cansaço e, sempre com bom humor, incentivaram-me a seguir em frente.

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RESUMO

O objetivo desta tese é analisar a minissérie A Pedra d’O Reino (2007), produzida

pela Rede Globo em parceria com a Academia de Filmes e dirigida por Luiz

Fernando Carvalho, em relação à obra literária que lhe deu origem, o Romance d’A

Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta (1971), escrito por Ariano

Suassuna. Carvalho concebeu a minissérie como forma de homenagear Suassuna

pelos oitenta anos de vida do escritor, completados na data de exibição do quinto e

último capítulo da adaptação, 16 de junho de 2007. Assim, apesar de ter toda a

liberdade para transformar o que considerasse necessário no romance para transpor

sua narrativa para o formato minissérie, optou por manter a essência e os aspectos

principais do texto fonte ao também dialogar aberta e ricamente com outros textos e

gêneros do discurso. Por esse motivo, o principal referencial teórico utilizado por nós

para o estudo das obras é o que aborda a questão da transtextualidade, mais

precisamente o trabalho de Gérard Genette em Palimpsestes: la littérature au

second degré (1982), que explica e exemplifica os modos como o diálogo com

outros textos e/ou gêneros discursivos pode ser realizado. Contudo, como nosso

corpus é uma adaptação televisiva de uma obra literária, o modo de

transtextualidade que examinamos mais detidamente é a hipertextualidade com a

questão dos procedimentos formais empregados na transposição feita por Carvalho:

concisão, excisão, extensão temática e transmodalização intramodal. Buscamos

investigar a transtextualidade dentro do romance e da minissérie ao explicitar os

efeitos de sentido criados pelos diálogos estabelecidos por eles e estudamos,

também, a composição de algumas das cenas de ambas as obras a fim de descobrir

por meio de que recursos cada um dos autores transmite suas ideias, similares ou

não, através de seus textos, principalmente no que se refere à personagem Sinésio,

primo e sobrinho do narrador-protagonista Quaderna, e que é construído em ambas

as obras como uma figura ambígua: considerada messiânica pelo narrador e pela

população pobre do sertão da Paraíba, que a comparam ao Rei Dom Sebastião e a

Jesus Cristo, e, em contrapartida, vista como impostora e perigosa pela elite do

local, a qual acredita que ele, a mando de Luís Carlos Prestes, quer ludibriar o povo

a fim de mobilizá-lo para que venha a desencadear a Revolução Comunista.

Palavras-chave: Romance d’A Pedra do Reino. Ariano Suassuna. Adaptação

televisiva. Luiz Fernando Carvalho. Transtextualidade.

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ABSTRACT

This thesis aims at analyzing the Brazilian TV series A Pedra d’O Reino (2007),

produced by Rede Globo and Academia de Filmes and directed by Luiz Fernando

Carvalho, in relation to the novel that originated it, Romance d’A Pedra do Reino e o

príncipe do sangue do vai-e-volta (1971), by Brazilian writer Ariano Suassuna.

Carvalho conceived the series as a way to honor Suassuna on his 80th birthday, to

be celebrated on the day the last chapter was broadcasted, June sixteenth, 2007.

Therefore, in spite of being free to change whatever he considered necessary in the

novel in order to transform it into a TV series, he chose to keep the essence and the

main aspects of the original text as he also dialogued openly and expressively with

other texts and speech genres. For this reason, the theoretical framework we have

chosen to work with is one about transtextuality: Gérard Genette’s Palimpsestes: la

littérature au second degré (1982), which explains and exemplifies the ways in which

dialogs with other texts and/or genres can happen. However, because our corpus is

a television adaptation of literature, the type of transtextuality examined by us more

carefully is hypertextuality, along with the issue of the formal transpositions made by

Carvalho: concision, excision, thematic extension and intramodal transmodalization.

We are going to analyze transtextuality in the novel and in the TV series as we

explain the effects of meaning created by the dialogs that appear in them. We are

also going to study the composition of some scenes in both productions in order to

find out what resources each author uses to express their own ideas, which might or

not be similar to one another, especially when it comes to the construction of the

character Sinésio, who is the narrator’s cousin and nephew and is shown as

ambiguous. On the one hand, Sinésio is considered a messiah by the narrator and

the poor people from the outback of the Brazilian state of Paraíba, who compare him

to the Portuguese king Dom Sebastião and to Jesus Christ; on the other hand, he is

seen as a dangerous fraud by the rich local people, who believe him to try to fool the

poor in order to drag them into taking part in the Communist Revolution under the

direction of Luís Carlos Prestes.

Keywords: Romance d’A Pedra do Reino. Ariano Suassuna. Television adaptation.

Luiz Fernando Carvalho. Transtextuality.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: O Duelo ................................................................................................... 58

Figura 2: Besta Bruzacã e Moby Dick ..................................................................... 59

Figura 3: Malaquias, Euclydes e Quaderna montados em cavalos mecânicos ....... 62

Figura 4: Pintura das Pedras do Reino em painel de tecido .................................. 63

Figura 5: Quaderna posa para foto em frente às Pedras do Reino ........................ 64

Figura 6: Preparação de atores com vendas ......................................................... 64

Figura 7: Principais personagens da commedia dell’arte ....................................... 66

Figura 8: Personagem Arlecchino .......................................................................... 67

Figura 9: Quaderna aos 00:18:53 do primeiro capítulo .......................................... 67

Figura 10: Personagem Cucurucu ........................................................................... 68

Figura 11: Palco da commedia dell’arte ................................................................... 69

Figura 12: Proscênio do palco de Quaderna ............................................................ 69

Figura 13: Fundo do palco de Quaderna ................................................................. 70

Figura 14: Dona Margarida toma nota do depoimento de Quaderna ....................... 70

Figura 15: Samuel e Quaderna escutam explicação de Clemente ........................... 71

Figura 16: Pintura de Giotto Di Bondone – São Francisco de Assis ........................ 72

Figura 17: Onça ou Moça Caetana sobre a torre ..................................................... 72

Figura 18: Pintura de Giotto Di Bondone – Jesus Cristo .......................................... 73

Figura 19: Chegada do Rapaz-do-Cavalo-Branco ................................................... 73

Figura 20: Capa da nona edição do livro ................................................................. 77

Figura 21: Capas de folhetos de cordel ................................................................... 78

Figura 22: Gravura da p. 362 do Romance .............................................................. 80

Figura 23: Bandeira da Onça na minissérie ............................................................. 81

Figura 24: Gravura da p. 40 do Romance ................................................................ 81

Figura 25: Bandeira das Onças na minissérie .......................................................... 82

Figura 26: Gravura da p. 61 do Romance ................................................................ 82

Figura 27: Escudo do manto do Rapaz-do-Cavalo-Branco na minissérie ................ 83

Figura 28: Primeiro segundo de exibição da vinheta de abertura da minissérie ....... 84

Figura 29: Indicação do ator Irandhir Santos ........................................................... 85

Figura 30: Dois dedos de Quaderna que remetem às Pedras do Reino .................. 87

Figura 31: Coração que remete ao Império da família de Quaderna ....................... 87

Figura 32: Portal da Vila de Taperoá ....................................................................... 88

Figura 33: Peep-box virtual ...................................................................................... 89

Figura 34: Peças do jogo de xadrez ......................................................................... 90

Figura 35: Quaderna como curinga do baralho ........................................................ 91

Figura 36: Quaderna aos 00:02:11 do primeiro capítulo .......................................... 91

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Figura 37: Dona Margaria e Juiz Corregedor como personagens do baralho .......... 92

Figura 38: Dona Margarida aos 00:22:04 do segundo capítulo ................................. 93

Figura 39: Juiz Corregedor aos 00:25:24 do segundo capítulo ................................ 93

Figura 40: Heliana, Samuel e Clemente como personagens do baralho .................. 94

Figura 41: Heliana aos 00:12:53 do primeiro capítulo .............................................. 94

Figura 42: Clemente e Samuel aos 00:23:57 do segundo capítulo .......................... 95

Figura 43: Dom Pedro Sebastião como personagem do baralho .............................. 96

Figura 44: Pedro Sebastião Garcia-Barretto aos 00:13:15 do segundo capítulo ...... 96

Figura 45: Maria Safira e Arésio como personagens do baralho .............................. 97

Figura 46: Maria Safira aos 00:20:07 do segundo capítulo ...................................... 97

Figura 47: Arésio aos 00:03:55 do primeiro capítulo ................................................ 98

Figura 48: Sinésio como personagem do baralho .................................................... 98

Figura 49: Sinésio aos 00:10:08 do primeiro capítulo .............................................. 99

Figura 50: Lanças azuis e vermelhas .................................................................... 100

Figura 51: Sol ardente remete ao sertão e ao sol astrológico ................................ 101

Figura 52: Título da minissérie escrito no alfabeto sertanejo ................................. 101

Figura 53: Rei Dom João Ferreira Quaderna incita uma multidão a se sacrificar ... 108

Figura 54: Quaderna se aproxima da Lagoa do Vieira ........................................... 109

Figura 55: Samuel brada por Dom Sebastião ........................................................ 109

Figura 56: Quaderna encontra pedra oval na Lagoa do Vieira ............................... 116

Figura 57: Luís do Triângulo saúda Quaderna ....................................................... 135

Figura 58: Panorâmica do sertão ........................................................................... 148

Figura 59: Quaderna menino assiste à cavalhada ................................................. 149

Figura 60: Quaderna velho rememora cavalhada a que assistiu quando menino .. 149

Figura 61: Partidários de Arésio ............................................................................ 159

Figura 62: Partidários de Sinésio ........................................................................... 159

Figura 63: Quaderna no centro da dança de roda ................................................. 162

Figura 64: Primeiríssimo plano de Sinésio com ar de surpresa e introspecção ..... 177

Figura 65: Ângulo contrapicado de Sinésio contra o Sol ........................................ 178

Figura 66: Cristo é batizado no filme Jesus, de Roger Young ............................... 179

Figura 67: Sinésio “enterrado” numa masmorra .................................................... 179

Figura 68: Pintura de Caravaggio – The Entombment ........................................... 180

Figura 69: Minissérie de Franco Zeffirelli – Maria chora a morte de Jesus ............ 181

Figura 70: Sinésio e Quaderna vão à casa de Edmundo Swendson em Natal ...... 184

Figura 71: Expressões faciais de Sinésio, Doutor Pedro e Doutor Manuel ............ 198

Figura 72: Sinésio assusta-se com o discurso do velho Nazário ........................... 199

Figura 73: Sinésio emociona-se ao reencontrar Silvestre ....................................... 200

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Figura 74: Quaderna em ritual litúrgico do catolicismo sertanejo ........................... 205

Figura 75: Quaderna sob efeito do vinho da Pedra do Reino ................................. 206

Figura 76: Lino Pedra-Verde conta a Quaderna sobre a chegada de Sinésio ........ 207

Figura 77: Povo escuta Frei Simão falar sobre Sinésio ......................................... 215

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SUMÁRIO

Resumo

Abstract

Lista de Figuras

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................... 13

CAPÍTULO I: DIALOGISMO, INTERTEXTUALIDADE E TRANSTEXTUALIDADE ............. 25

1.1 O Dialogismo de Mikhail Bakhtin e a Intertextualidade de Julia Kristeva .................. 25

1.2 A Transtextualidade de Gérard Genette .................................................................. 30

1.3 O Dialogismo, a Intertextualidade e a Transtextualidade segundo Robert Stam ...... 40

CAPÍTULO II: A TRANSTEXTUALIDADE NO ROMANCE E NA MINISSÉRIE ................... 43

2.1 Diálogos com o Movimento Armorial e com o Projeto Quadrante ............................ 44

2.1.1 Confluência com outros gêneros literários e discursivos ................................ 49

2.1.2 Capa, gravuras e vinheta de abertura: cordel e antecipação narrativa ............ 76

2.2 Diálogos com a História ......................................................................................... 102

2.2.1 Sebastianismo e outros movimentos messiânicos ........................................ 102

2.2.2 Movimentos políticos do início do século XX ................................................ 120

CAPÍTULO III: PROCEDIMENTOS TRANSFORMACIONAIS DA ADAPTAÇÃO .............. 148

3.1 Excisões, Concisões, Extensões Temáticas e Transmodalizações Intramodais ..... 156

3.2 A Construção de Sinésio ........................................................................................ 167

3.2.1 Apresentação do Rapaz-do-Cavalo-Branco e de sua cavalgada ................... 170

3.2.2 Surgimento do herói e do amor por sua dama ............................................... 183

3.2.3 Expectativas em torno do Rapaz e da cavalgada .......................................... 186

3.2.4 Profecias de Quaderna e crenças em Sinésio ............................................... 201

3.2.5 Milagres do Prinspo e mobilização do povo ................................................... 207

CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................................................................219

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .................................................................................... 226

REFERÊNCIAS ELETRÔNICAS ........................................................................................ 232

ANEXO I – ÁRVORE GENEALÓGICA DE QUADERNA ................................................... 235

ANEXO II – TRILHAS SONORAS DA MINISSÉRIE .......................................................... 236

ANEXO III – EXTRAS DO DVD .......................................................................................... 238

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13

INTRODUÇÃO

O Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta começou

a ser escrito por Ariano Suassuna em 1958 e foi concluído em 1971, ano de sua

publicação. É composto por cinco livros subdivididos em 85 folhetos, todos narrados

por um narrador-protagonista, Pedro Dinis Ferreira-Quaderna, nos quais relata seus

sonhos, seus medos e suas aventuras. Contém ainda uma fotografia e 26 gravuras

produzidas pelo próprio Suassuna e que, inseridas nos folhetos, têm a função de

ilustrar e comprovar os fatos a que se refere o narrador, os quais, em maior ou

menor grau, foram responsáveis por sua prisão, local de onde ele narra sua história.

Considerado por Alfredo Bosi como uma narrativa de fôlego que surpreendeu o

público, combina “lenda e humor, tradição popular e paródia” (2004, p. 428), assim

como todo o conjunto da obra suassuniana, que dialoga constantemente com

elementos da cultura erudita mesclados à cultura popular de acordo com os

preceitos do Movimento Armorial proclamado pelo próprio escritor em 1970:

A Arte Armorial Brasileira é aquela que tem como característica principal a relação entre o espírito mágico dos folhetos do Romanceiro popular do Nordeste (literatura de cordel), com a música de viola, rabeca ou pífano que acompanha suas canções e com a xilogravura que ilustra suas capas, assim como o espírito e a forma das Artes e espetáculos populares com esse mesmo Romanceiro relacionados. (SUASSUNA, 1974, p. 7 apud MICHELETTI, 2007, p. 108)

Assim, a narrativa de Quaderna “combina epopeia, romance policial, romance

de aventuras, além da reflexão sobre a obra” (LIND, 1974, p. 29-44 apud

MICHELETTI, 2007, p. 57) e, além disso, possui diversas peculiaridades:

Várias histórias que se interpenetram, formando um nó que não é desatado; diversas narrativas, desligadas do nó, que visam ao retardamento do desenlace; várias vozes que colaboram para a recorrência de linhas temáticas. (MICHELETTI, 2007, p. 57)

No romance, encontram-se elementos da história político-social brasileira e da

história da literatura. Os elementos que remontam à história nacional referem-se ao

movimento messiânico (numa mescla de realidade e ficção) ocorrido em 1836, de

cujo líder o narrador é descendente, à Guerra de Canudos e a diversos fatos

políticos ocorridos nas décadas de 1920 e 1930, tais como o movimento conhecido

como Coluna Prestes e a Revolução de 1930. Os elementos que remontam à

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14

história da literatura, por sua vez, referem-se ao “caráter aludidamente intertextual

que vai compondo a enunciação do Romance” (MICHELETTI, 2007, p. 58). Dessa

maneira, a narrativa se compõe de modo híbrido:

Abrigando traços distintivos de vários gêneros e subgêneros ficcionais e argumentativos em prosa e em verso (folhetim, folheto, crônica, memorial, romance de cavalaria, epopeia, mito, ensaio) e recorrendo a relatos históricos, tanto ancorados no real, como a relatos fantasiosos, pretensamente históricos. (MICHELETTI, 2007, p. 59)

Como aponta Micheletti, Quaderna é réu num processo judicial e procura

embaralhar fatos por meio de longas digressões, citações, colagens e paródias que

faz a partir de textos consagrados da literatura ocidental. Assim, sua obra, do ponto

de vista semântico estrutural, lembra um mosaico, cujo primeiro elemento de

composição é o folhetim, que permite a recorrência a cortes, antecipações,

coincidências, mistérios e a própria inconclusão do romance. Outros componentes

são as crônicas, o memorial e a epopeia. As crônicas são voltadas para aspectos

histórico-factuais e associadas a genealogias e acontecimentos fantasiosos

(MICHELETTI, 2007, pp.59-60); o memorial é o discurso no qual o réu faz a

evocação de sua vida e que, por isso, vem acompanhado de “farta documentação: o

depoimento de várias personagens que dialogam com Quaderna, o dos cronistas,

historiadores, prosadores, poetas cantadores e ensaístas que o auxiliam na sua

tarefa”; e a epopeia é o gênero através do qual Quaderna, Samuel e Clemente (seus

mestres), cada um à sua maneira, desejam descrever “o brilho e a grandeza do

Brasil” (MICHELETTI, 2007, pp.63-64).

Esse grande mosaico que é o Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do

sangue do vai-e-volta ganhou, em 2007, uma adaptação televisiva na forma de

minissérie, produzida pela Rede Globo em homenagem aos 80 anos de Ariano

Suassuna, e dirigida por Luiz Fernando Carvalho, a qual foi intitulada A Pedra d’O

Reino.

As adaptações de textos provindos de outros suportes são bastante comuns,

principalmente em datas festivas, tais como em comemoração a aniversários de

escritores ou de obras importantes, e ocorrem com frequência no cinema e na

televisão desde o surgimento desses meios, tendo sido sempre muito importantes

para seu desenvolvimento principalmente por três motivos pontuais: 1-) contribuíram

para alimentar a produção quando não havia um número suficiente de profissionais

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15

trabalhando especificamente para eles de modo que fossem capazes de produzir

obras em quantidade suficiente e preencher toda a grade de programação (como,

por exemplo, ocorreu com a exibição em larga escala de textos teatrais gravados – o

chamado “teleteatro” – nos primeiros anos da televisão brasileira) ; 2-) ajudaram a

dar a esses meios, vistos como artes menores quando criados (e, no caso da TV, até

hoje), um maior ar de sofisticação por serem capazes de se apropriarem, muitas

vezes, de grandes obras já consagradas (especialmente no caso de textos

adaptados de literatura, pois, quando se apresenta na televisão uma minissérie

adaptada da maior obra de um escritor como Guimarães Rosa, por exemplo, passa-

se ao público a impressão – que pode ou não ser equivocada – de que esse produto

será superior aos demais produzidos especificamente para o meio televisivo); 3-)

levaram até eles públicos fiéis aos meios nos quais os textos originais circularam,

como, por exemplo, os vídeo games e as HQ’s (cujos fãs costumam lotar as salas de

cinema para verem seus heróis na grande tela em produções que dão origem a

inúmeras sequências).

No entanto, existem graus variados de adaptação ou “transmutação”, termo

proposto por Roman Jakobson. Um texto transmutado pode trazer nos créditos uma

das seguintes informações: “adaptado”, “baseado” ou “inspirado” no texto fonte. De

qualquer maneira, será necessariamente diferente de um texto de roteiro original,

pois acabará sendo inevitavelmente reconhecido pelas suas divergências da obra

original, que funcionará como uma “forma-prisão” (JOHNSON apud BALOGH, 2005,

p. 53).

No final do ensaio “O chão da palavra: cinema e literatura no Brasil”, o crítico

José Carlos Avellar analisa a questão da adaptação fílmica. No entanto, podemos

pensar, também, a adaptação televisiva tendo por base o pensamento do estudioso:

A relação dinâmica que existe entre livros e filmes quase nem se percebe se estabelecemos uma hierarquia entre as formas de expressão e a partir daí examinamos uma possível fidelidade de tradução: uma perfeita obediência aos fatos narrados ou uma invenção de soluções visuais equivalentes aos recursos estilísticos do texto. O que tem levado o cinema à literatura não é a impressão de que é possível apanhar uma certa coisa que está num livro – uma história, um diálogo, uma cena – e inseri-la num filme, mas, ao contrário, uma quase certeza de que tal operação é impossível. A relação se dá através de um desafio como os dos cantadores do Nordeste, onde cada poeta estimula o outro a inventar-se livremente, a improvisar, a fazer exatamente o que acha que deve fazer. (Apud PELLEGRINI, 2003, pp. 39-40)

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Segundo Ismail Xavier, a interação entre as mídias contribuiu para que fosse

reconhecido o direito do cineasta – e, segundo nosso entender, também do roteirista

de TV – a sua interpretação própria do romance ou da peça de teatro a ser

adaptada, o que torna admissível a ideia de que eles são livres para “inverter

determinados efeitos, propor outra forma de entender certas passagens, alterar a

hierarquia dos valores e redefinir o sentido da experiência das personagens”

(XAVIER, 2003, p. 61). Com isso, segundo Xavier:

A fidelidade ao original deixou de ser o critério maior de juízo crítico, valendo mais a apreciação do filme como nova experiência que deve ter sua forma, e os sentidos nela implicados, julgados em seu próprio direito. Afinal, livro e filme estão distanciados no tempo; escritor e roteirista não têm exatamente a mesma sensibilidade e perspectiva, sendo, portanto, de esperar que a adaptação dialogue não só com o texto de origem, mas com o seu próprio contexto, inclusive atualizando a pauta do livro, mesmo quando o objetivo é a identificação com os valores nele expressos. (2003, p. 62)

Roteiros adaptados de obras literárias, de peças teatrais, de histórias em

quadrinhos, de vídeo games e de relatos históricos somaram 40% da produção

cinematográfica do ano de 1997 segundo James Naremore (2000) e têm sido um

tipo de produção tão recorrente na indústria cinematográfica que desde 1929 existe

uma categoria especial do Oscar para premiar, anualmente, o melhor roteiro

adaptado, no caso de esses filmes não concorrerem à categoria geral de melhor

filme do ano, como ... E o vento levou (1940), O poderoso chefão (1973), A lista de

Schindler (1994), O Senhor dos Anéis: O Retorno do Rei (2004), entre outros que

saíram vitoriosos da disputa.

Em se tratando de produções realizadas ao longo da história da

teledramaturgia brasileira, o número é bastante parecido ao menos no que diz

respeito às minisséries e às novelas das seis da Rede Globo: das oitenta e uma

minisséries produzidas entre 1982 e 2013, duas foram adaptadas de peças teatrais

(O Pagador de Promessas, de Dias Gomes, e O Auto da Compadecida, de Ariano

Suassuna), dezoito foram adaptadas de obras literárias como romances e livros de

memórias (Anarquistas, Graças a Deus, de Zélia Gattai, Agosto, de Rubem Fonseca,

e Dona Flor e seus Dois Maridos, de Jorge Amado) e catorze foram baseadas ou

livremente inspiradas em livros (O Tempo e o Vento, de Érico Veríssimo, Riacho

Doce, de José Lins do Rego, e Presença de Anita, de Mário Donato). Das oitenta e

duas novelas produzidas para serem veiculadas no horário das dezoito horas entre

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1971 e 2013, vinte e oito são adaptações ou foram baseadas / inspiradas em peças

teatrais, romances e até mesmo radionovelas (Helena, de Machado de Assis, O

Noviço, de Martins Pena, e Ciranda de Pedra, de Lygia Fagundes Telles).

Esses números demonstram o quanto o cinema e a televisão se relacionam

com outros meios e artes, principalmente com a literatura, da qual provém a maioria

das obras não originais. Por isso, e também pela crescente popularidade dos

discursos imagéticos, nos quais se enquadram as produções televisivas e

cinematográficas, que contribuem para que nossa época seja considerada uma

“civilização da imagem” (JOLY, 2012, p. 9), este trabalho apresentará uma análise da

relação do Romance da Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta e sua

adaptação televisiva, a minissérie A Pedra d’O Reino, pois nos parece importante

que se conheçam os mecanismos de que se valem os roteiristas e diretores

televisivos e cinematográficos para apropriação de outros textos e com que objetivos

o fazem.

Segundo Ismail Xavier, “o filme narrativo-dramático, a peça de teatro, o conto e

o romance têm em comum uma questão de forma que diz respeito ao modo de

disposição dos acontecimentos e ações das personagens” (XAVIER, 2003, p. 64-65).

Para ele:

Quem narra escolhe o momento em que uma informação é dada e por meio de que canal isso é feito. Há uma ordem das coisas no espaço e no tempo vivido pelas personagens, e há o que vem antes e o que vem depois ao nosso olhar de espectadores, seja na tela, no palco ou no texto. Em todas essas formas de expressão, fato de estar presente o ato de narrar permite o uso de categorias comuns na descrição dos elementos que organizam as obras em aspectos essenciais. A narrativa é uma forma do discurso que pode ser examinada num grau de generalidade que permite descrever o mundo narrado (esse espaço-tempo imaginário em que vivem as personagens) ou falar sobre muitas coisas que ocorrem no próprio ofício da narração sem que seja necessário considerar as particularidades de cada meio material (a comunicação oral, o texto escrito, o filme, a peça de teatro, os quadrinhos, a novela de TV). (XAVIER, 2003, p. 64)

Assim, há características comuns a todas as narrativas:

Na descrição do mundo que a narração constrói, posso falar em tempo, espaço, tipos de ação e de agente (personagens), ou mesmo descrever certos procedimentos de quem narra, sem levar em conta se o que se usa são palavras ou imagens – como quando me refiro a uma disposição dos fatos em sucessão linear, ou uma disposição que implica idas e vindas no tempo cronológico, ou quando me refiro

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a paralelismos na evolução da história, elipses, mudanças no espaço das ações, formas distintas de privilegiar a experiência de um ou mais personagens, produção de certas simetrias entre começo e fim, entrecruzamentos, bifurcações e “pontos de virada” da história, relações entre o que é descrição de um estado de coisas (ou estado mental) e o que é narração de eventos, conflitos entre projetos de personagens que se enfrentam ou se ajudam, etc. (XAVIER, 2003, pp. 64-65)

Para o pesquisador, diante de qualquer discurso narrativo, pode-se falar em

fábula e em trama. A fábula refere-se à história contada, às personagens, ao local

onde os acontecimentos se deram e o tempo em que ocorreram, bem como sua

duração. A trama refere-se ao modo como a história e as personagens aparecem

para o leitor ou espectador do texto. Segundo o estudioso, “uma única história pode

ser contada de vários modos; ou seja, uma única fábula pode ser construída por

meio de inúmeras tramas, com formas distintas de dispor os dados, de organizar o

tempo” (XAVIER, 2003, pp. 64-65).

Desse modo, ainda segundo Xavier, o que um filme, um romance ou uma peça

de teatro oferecem ao leitor/espectador é a trama, pois não é possível relacionar-se

senão com a disposição do relato tal como ele é dado. Assim, para esse estudioso, é

a partir da trama que se deduz a fábula – e não o contrário, como muitas vezes se

acredita (XAVIER, 2003, p. 66).

No que concerne à adaptação, um filme pode estar mais atento apenas à

fábula extraída de um romance ou pode querer reproduzir com fidelidade a trama do

livro. Em qualquer dos casos, Xavier aponta que:

[...] é possível saber com precisão o que se manteve, o que se modificou, bem como o que se suprimiu ou acrescentou. Mas dificilmente haverá consenso quanto ao sentido de tais permanências e transformações, pois elas deverão ser avaliadas em conexão com outras dimensões do filme que envolvem elementos que se sobrepõem ao eixo da trama, como os elementos de estilo que engajam os traços específicos ao meio. (XAVIER, 2003, p. 67)

Ainda segundo Ismail Xavier, a variedade dos métodos e formas de narrar é

enorme, e uma das questões mais importantes para o estudo do romance, do

cinema e da adaptação é a que trata da “distinção entre narradores que se

escondem atrás do seu ofício de narrar e querem dar a impressão de que a história

evolui por si mesma como se fosse autônoma, e narradores que são ‘intrusos’”

(XAVIER, 2003, p. 69). “O cinema clássico, com suas regras de transparência e

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ilusionismo, privilegiou o primeiro tipo: a história deve correr sem interferências”,

efeito que se denomina “naturalista” por procurar eclipsar os meios de representação

e “dirigir o espectador para uma identificação dita direta com o mundo ficcional”

(XAVIER, 2003, pp. 69-70). Não foi o método utilizado no romance de Ariano

Suassuna e tampouco na minissérie produzida por Luiz Fernando Carvalho, em cuja

análise pretendemos responder a estes questionamentos feitos por Ismail Xavier

sobre o problema do ponto de vista, que, para ele, não se reduz ao ângulo a partir

do qual se conta a história, pois traz outras implicações:

[...] afinal, o narrador faz sua voz audível de modo escancarado ou se esconde? Intervém, explicita suas opiniões, ou deixa que o leitor/espectador faça as suas inferências a partir do modo como apresenta os fatos? Deixa a história correr como se fosse observada de uma janela transparente ou faz questão de lembrar o leitor/espectador de sua atividade como orquestrador que controla tudo? Assume a posição de narrador onisciente, que sabe tudo e pode garantir que suas personagens realmente pensaram ou sentiram isto ou aquilo num certo momento? Ou assume que seu saber tem limites, que talvez só se aplique a uma personagem (foco central da história), ou não se aplique a nenhuma? Mesmo quando sabe tudo, como ajusta a dose de informação que nos libera ao longo do processo? Faz com que saibamos mais do que as personagens? Ou menos do que elas? Enfim, como escolhe as posições em que nos quer colocar, as emoções que nos reserva? (XAVIER, 2003, p. 69)

A fim de embasarmos nossa análise dos textos, realizamos o levantamento da

fortuna crítica da obra de Ariano Suassuna, da qual se destacam os livros de

Guaraciaba Micheletti, Discurso e Memória em Ariano Suassuna (2007) e Na

confluência das formas – O discurso polifônico de Quaderna/Suassuna (1997) e

estudamos, também, produções acadêmicas variadas a respeito da literatura

suassuniana, desde papers e artigos, a dissertações de mestrado e teses de

doutorado, que são abundantes não só em programas de pós-graduação em letras e

literatura, mas também em diversas outras áreas do conhecimento, tais como a

geografia, a história e a educação.

Entre as dissertações, destacamos a de Fernando Favaretto, A Literatura de

Ariano Suassuna na TV: um estudo de formação estética (2008), a de Julius Vinicius

Marques Nunes, A Pedra do Reino de Luiz Fernando Carvalho: A Transposição do

Romance de Ariano Suassuna para a Televisão (2009), a de Fernanda Areias de

Oliveira, Novas possibilidades para a teledramaturgia: A Pedra do Reino: uma

adaptação televisiva por Luiz Fernando Carvalho (2009), e a de Rodrigo Emmanuel

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Araújo Leão, O Caso da Pedra do Reino e a Identidade Nordestina: Quaderna e a

Definição Cultural da Região Nordeste e do Brasil (2011), por abordarem o romance

e a adaptação televisiva, diferentemente das demais, que estudam apenas o

romance, mas que também foram imprescindíveis para que nos aprofundássemos

em nossa análise do texto literário.

Relacionando mídia e educação e tendo em vista o alcance da televisão como

veículo de propagação de valores, de ideias e de comportamentos, Fernando

Favaretto buscou fazer uma análise da contribuição que as minisséries O Auto da

Compadecida e A Pedra d’O Reino, ambas baseadas em obras de Ariano Suassuna,

podem legar à formação estética dos telespectadores por serem produtos que fogem

ao padrão de fácil absorção ao qual o público está acostumado e, por isso, obrigam-

no a reposicionar-se diante da televisão. A formação estética de que trata o autor

consiste em “uma forma de ver a mais, de ver diferente, de ver com mais liberdade”

(2008, p. 145), postura que as duas minisséries suscitam ao apresentarem anti-

heróis como protagonistas, os quais questionam a ordem vigente, o poder instituído

e as regras e condutas sociais porque utilizam o deboche e o cinismo como

alternativa para resolverem seus problemas. Em seu capítulo introdutório, o estudo

de Favaretto apresenta discussões sobre formação estética e relaciona análises

sobre o olhar ao uso cotidiano que se faz da TV. A seguir, comenta a maneira como

se deu o surgimento do veículo televisão no Brasil e da Rede Globo, bem como a

supremacia alcançada pela teledramaturgia sobre as outras formas de

entretenimento e informação disponíveis em toda a programação televisiva. Por fim,

apresenta as minisséries no que elas têm de antimaniqueístas não só em termos de

conteúdo, mas também no que diz respeito à forma, para defender a hipótese de

que elas podem ser utilizadas em sala de aula como forma de aprimorar a formação

estética dos estudantes.

A intenção de Julius Vinicius Marques Nunes, por sua vez, foi relacionar os

estudos de teóricos do cinema ao veículo televisão a fim de esclarecer quais as

influências que um exerceu – e ainda exerce – sobre o outro. O autor analisou as

cenas iniciais da minissérie a fim de explicitar quais recursos específicos do meio

televisivo (herdados ou não do cinema) foram utilizados pelo diretor para (re)contar a

história do romance de Ariano Suassuna. No primeiro capítulo de seu trabalho,

apresentado ao departamento de teoria literária do Centro Universitário Campos de

Andrade, de Curitiba, o autor faz um breve levantamento histórico do meio

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audiovisual desde o início do cinema até o surgimento da TV, destacando as

transformações pelas quais passaram e as características que foram sendo

adotadas com o passar do tempo. No segundo capítulo, apresenta teorias da

adaptação com a finalidade de mostrar as transformações pelas quais passam os

textos quando são transpostos de um suporte como a literatura para outro como a

televisão. Na terceira parte, é realizada a análise da minissérie e são mostradas

algumas diferenças entre o texto de Suassuna e a produção de Luiz Fernando

Carvalho, tais como o fechamento que a minissérie deu para algumas histórias

deixadas em aberto no romance e a caracterização física de Quaderna, que, no

livro, é feita apenas na página 343, enquanto, na TV, é apresentada já nos 10

primeiros segundos do capítulo inicial. O autor conclui seu trabalho elogiando o

produto estético televisivo por ter sido fruto de uma ousadia de seus produtores em

não criarem uma obra folhetinesca a fim de conquistar o público.

Fernanda Areias de Oliveira abordou em seu estudo, pertencente à área de

educação, arte e história da cultura, a contribuição que a minissérie de Luiz

Fernando Carvalho trouxe à teledramaturgia brasileira por inovar no uso da

linguagem, que não buscou ser naturalista como a maioria das produções

televisivas. Essa inovação foi conseguida por meio do emprego de técnicas teatrais

que remontam ao teatro popular e medieval, de um acabamento imagético

diferencial, de uma câmera em diálogo com a cena, de uma iluminação especial e

de uma edição que participa ativamente da tessitura da trama. No primeiro capítulo,

a pesquisadora aborda as influências ibéricas e do romanceiro popular do nordeste

na obra de Ariano Suassuna, as quais o levaram a pensar na criação do Movimento

Armorial, e apresenta os principais personagens da narrativa quadernesca a quem

foi dado maior destaque na adaptação televisiva. A seguir, trata de adaptações de

obras suassunianas feitas por Luiz Fernando Carvalho anteriormente a Pedra d’O

Reino e mostra evidências de que as minisséries são produtos inovadores dentro

das grades de programação da Rede Globo, ao contrário das telenovelas. No

terceiro capítulo, é abordada a trajetória profissional de Carvalho com ênfase em

trabalhos inovadores do diretor que serviram como experiência para a abordagem

dada à adaptação do romance de Suassuna. No capítulo seguinte, a autora analisa

trechos de A Pedra d’O Reino como forma de comprovar a hipótese levantada de

que Luiz Fernando Carvalho buscou subverter a especificidade do meio televisivo

inserindo em seu roteiro figurações plásticas, imagens teatrais e poemas. Nas

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considerações finais, Oliveira acredita que Carvalho teve um êxito silencioso em A

Pedra d’O Reino, pois conseguiu criar uma verdadeira obra de arte num suporte que

muitas vezes é visto apenas como fonte de entretenimento.

Rodrigo Emmanuel Araújo Leão, pesquisador da área de letras, investigou a

importância dos traços do Barroco, tais como a carnavalização, empregados por

Suassuna em seu romance e por Luiz Fernando Carvalho em sua minissérie para a

constituição da identidade nordestina dentro das obras e para a afirmação e a

definição da nordestinidade, que, para Ariano, era o mesmo que brasilidade, uma

vez que ele acreditava que a cultura brasileira genuína é a proveniente do nordeste

do país. No capítulo inicial, o pesquisador aborda as características dos estilos

barroco e neobarroco e apresenta alguns pensamentos que se desenvolveram sobre

o Brasil e a identidade brasileira ao longo do tempo até os dias atuais tendo esses

dois estilos como premissa. Relaciona, ainda, o Movimento Armorial à filiação (não

explícita) de Suassuna ao neobarroco e à valorização que ele faz do barroco como

constituinte da cultura brasileira. No capítulo seguinte, analisa o romance de

Suassuna buscando quais traços da obra podem ser apresentados como

representantes ou característicos da cultura nordestina e quanto essa cultura

corresponde aos ideais e às características da estética barroca. No terceiro capítulo,

o autor conceitua o meio audiovisual e analisa a minissérie de Carvalho a fim de

demonstrar como os traços da nordestinidade, do barroco e da sua essência

carnavalizante presentes no romance foram interpretados pelo diretor. Por fim,

assume que o narrador-protagonista Quaderna reúne em si qualidades diversas e

até mesmo opostas, que podem ser classificadas como “diversidades

carnavalizantes”, as quais, segundo Gilberto Freyre, constituem a grande

característica do povo brasileiro.

Porque tanto o romance quanto a minissérie aqui abordados dialogam

abertamente com diversos outros textos e gêneros do discurso no que diz respeito a

sua composição, o principal referencial teórico escolhido por nós para nossa análise

foi o que aborda a questão da transtextualidade, mais precisamente o trabalho de

Gérard Genette em Palimpsestes: la littérature au second degré (1982), que trata

dos modos como o diálogo com outros textos ou gêneros pode ser realizado. Nosso

objetivo é investigar a transtextualidade dentro do romance e da minissérie,

explicitando os diálogos que eles estabelecem com outros textos e gêneros do

discurso e os efeitos de sentido que são criados por esses diálogos. Estudaremos,

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para tanto, a composição de algumas cenas de ambas as obras a fim de descobrir

por meio de que recursos cada um dos autores transmitiu suas ideias, similares ou

não, através de seus textos, no que se refere à personagem Sinésio, primo do

narrador-protagonista Quaderna. Para isso, analisaremos os componentes das

cenas literárias, ou seja, descrições, narrações, digressões, figuras de estilo, figuras

de linguagem, gravuras, canções populares etc. para traçar os efeitos gerados por

seu emprego. Também examinaremos a composição das cenas televisivas, isto é, o

enquadramento, a angulação e os movimentos de câmera, as falas, os sons, as

cores e a iluminação utilizados, o figurino, a maquiagem e a expressão corporal dos

atores, os flashbacks e flashforwards, a montagem etc.

No primeiro capítulo, trataremos da questão da transtextualidade para que se

compreendam, quando realizado o estudo das obras nos capítulos seguintes, as

maneiras como as referências utilizadas pelo escritor e pelo diretor para a criação do

romance e da minissérie contribuíram para gerar efeitos de sentido específicos.

Entretanto, antes de apresentarmos o conceito de transtextualidade proposto por

Gérard Genette, abordaremos os conceitos de dialogismo e intertextualidade,

desenvolvidos, o primeiro, por Mikhail Bakhtin e, o segundo, por Julia Kristeva (a

partir do pensamento bakhtiniano) porque estão na base da teoria desenvolvida por

Genette. Apresentaremos, ainda, a leitura que o estudioso do cinema Robert Stam

faz desses três conceitos e de sua importância para a análise de filmes cujos

roteiros não sejam originais, mas sim adaptados de outras mídias e/ou artes, como a

HQ, a televisão e, principalmente, a literatura.

No segundo capítulo, apontaremos como a transtextualidade se faz presente

na construção do romance de Suassuna e na minissérie de Luiz Fernando Carvalho

apresentando os diferentes textos e gêneros discursivos dos quais se apropriam

para sua constituição.

No terceiro capítulo, pretendemos responder aos questionamentos apontados

por Ismail Xavier e dar a nossa maior contribuição para o estudo de ambas as obras

ao tratarmos da maneira como foi criada a personagem Sinésio, que apresenta

características messiânicas e medievais em ambas as produções e remonta a

aspectos da cultura portuguesa trazidos para o Brasil com a colonização e

profundamente arraigados na região nordeste, como a imagem de guerreiro e

salvador do “donzel”, figura típica das novelas de cavalaria que sobrevive até os dias

de hoje nos folhetos de cordel. Examinaremos se a minissérie modificou a

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personagem Sinésio dando-lhe mais ou menos espaço na narrativa televisiva do que

ela tinha na literária; se atribuiu maior, menor ou igual complexidade à sua

identidade quando da realização de narrações de suas ações feitas pela voz do

narrador e/ou mostradas pela câmera; quais procedimentos utilizou para recriar

Sinésio e se o fez de forma semelhante ou não à personagem do romance de

Suassuna.

Denominaremos o trabalho de Luiz Fernando Carvalho como adaptação

mesmo estando cientes de que o diretor prefere referir-se a ele como uma

“aproximação” por considerar o termo utilizado por nós como redutor. Não é a nossa

opinião acerca das adaptações, as quais cremos sempre necessitarem de uma

reinterpretação e ressignificação independentemente da escolha em dialogar de

forma consensual ou polêmica com a obra que lhe deu origem, uma vez que são

frutos de diferentes contextos e produtos que visam a diferentes públicos mesmo

quando existe a possibilidade de atingir também o público que teve, primeiramente,

acesso ao trabalho dito original.

Ainda, ao longo de todo o trabalho referir-nos-emos à obra de Suassuna aqui

estudada como “Romance” para que fique claro não somente o gênero do qual

estaremos tratando, como também a obra em particular, cujo título se inicia com

essa palavra. Por sua vez, trataremos a obra de Carvalho por “minissérie”, e não

“microssérie” – termo que encontramos em muitos estudiosos – porque

consideramos “microssérie” como um subgênero do gênero maior “minissérie” cuja

denominação existe apenas para marcar produções que tenham duração menor que

a média (até cinco capítulos), e não qualquer diferença estrutural, formal ou

conteudística.

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CAPÍTULO I: DIALOGISMO, INTERTEXTUALIDADE E TRANSTEXTUALIDADE

Tudo que é dito, tudo que é expresso por um falante, por um enunciador, não pertence só a ele. Em todo discurso são percebidas vozes, às vezes infinitamente distantes, anônimas, quase impessoais, quase imperceptíveis, assim como as vozes próximas que ecoam simultaneamente no momento da fala.

Mikhail Bakhtin

Neste capítulo, apresentaremos os elementos de constituição do texto que

utilizaremos para analisar o Romance e a minissérie a fim de os compreendermos

não apenas de maneira isolada, mas, principalmente, um em relação ao outro e

ambos em relação às obras e gêneros discursivos com que dialogam.

Primeiramente, discutiremos os dois importantes conceitos a partir dos quais

Gérard Genette desenvolveu o conceito de transtextualidade: dialogismo, cunhado

por Mikhail Bakhtin, e intertextualidade, criado por Julia Kristeva a partir da ideia de

dialogismo. Então, passaremos a tratar mais detidamente da transtextualidade e

seus cinco tipos – paratextualidade, intertextualidade, metatextualidade,

arquitextualidade e hipertextualidade, para, em seguida, abordarmos a interpretação

que Robert Stam faz dos três conceitos relacionando-os à análise de adaptações

fílmicas realizadas a partir de obras literárias, séries de TV, vídeo games, histórias

em quadrinhos etc.

Como analisaremos um romance que dialoga com diversos outros textos e

gêneros discursivos, bem como uma minissérie que se baseou nesse romance e nos

diálogos estabelecidos por ele para ser produzida, julgamos fundamental tratar

desses conceitos, uma vez que eles podem contribuir para a compreensão de

mecanismos de produção de sentidos importantes em ambas as obras.

1.1 O Dialogismo de Mikhail Bakhtin e a Intertextualidade de Julia Kristeva

O termo dialogismo foi cunhado por Mikhail Bakhtin na década de 1930 e diz

respeito, primeiramente, ao “espaço interacional entre o eu e o tu ou entre o eu e o

outro, no texto” (BARROS, 2003, p. 3. In: BARROS et FIORIN, 2003).

Segundo Bakhtin, “as relações dialógicas [...] são um fenômeno quase

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universal, que penetra toda a linguagem humana e todas as relações e

manifestações da vida humana, em suma, tudo o que tem sentido e importância”

(2008, p. 47), visto que:

A ideia não vive na consciência individual isolada de um homem: mantendo-se apenas nessa consciência, ela degenera e morre. Somente quando contrai relações dialógicas essenciais com as ideias dos outros é que a ideia começa a ter vida, isto é, a formar-se e desenvolver-se, a encontrar e renovar sua expressão verbal, a gerar novas ideias. O pensamento humano só se torna pensamento autêntico, isto é, ideia, sob as condições de um contato vivo com o pensamento dos outros, materializado na voz dos outros, ou seja, na consciência dos outros expressa na palavra. É no ponto desse contato entre vozes-consciências que nasce e vive a ideia. (BAKHTIN, 2008, p. 98)

Outro aspecto importante do dialogismo é o do “diálogo entre os muitos textos

da cultura, que se instala no interior de cada texto e o define”. Esse sentido de

dialogismo, segundo Barros e Fiorin, “é mais explorado e conhecido e até mesmo

apontado como o princípio que costura o conjunto das investigações de Bakhtin”

(2003, p. 4. In: BARROS et FIORIN, 2003).

Nesse segundo sentido, o dialogismo é compreendido como a relação que o

falante e seu discurso, bem como o sistema linguístico no qual assentam, mantêm

com todos os demais falantes, discursos e sistemas linguísticos que os precederam

e que com eles convivem dentro do universo cultural, sendo uma resposta a eles e

suscitando deles uma nova resposta. Nessa perspectiva, falante e discurso são

concebidos não isoladamente, mas em contexto e ocupam um lugar único e

irrepetível historicamente determinado pelas coordenadas espaço-temporais que o

definem em cada momento. Analisando Dostoiévski, Bakhtin afirma que:

Enquanto artista, Dostoiévski não criava as suas ideias do mesmo modo que as criam os filósofos ou cientistas: ele criava imagens vivas de ideias auscultadas, encontradas, às vezes adivinhadas por ele na própria realidade, ou seja, ideias que já têm vida ou que ganham vida como ideia-força. Doistoiévski tinha o dom genial de auscultar o diálogo de sua época, ou, em termos mais precisos, auscultar a sua época como um grande diálogo, de captar nela não só vozes isoladas mas antes de tudo as relações dialógicas entre as vozes, a interação dialógica entre elas. Ele auscultava também as vozes dominantes, reconhecidas e estridentes da época, ou seja, as ideias dominantes, principais (oficiais e não-oficiais), bem como as vozes ainda fracas, ideias ainda não inteiramente manifestadas, ideias latentes ainda não auscultadas por ninguém exceto por ele, e ideias que apenas começavam a amadurecer, embriões de futuras concepções de mundo.

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[...] No diálogo de seu tempo, Dostoiévski auscultava também os ecos das vozes-ideias do passado, tanto do passado mais próximo (dos anos 30-40) quanto do mais distante. Como já dissemos, ele procurava auscultar também as vozes-ideias do futuro, tentava adivinhá-las, por assim dizer, pelo lugar a elas destinado no diálogo do presente, da mesma forma que se pode adivinhar no diálogo desencadeado a réplica ainda não pronunciada do futuro. Deste modo, no plano da atualidade confluíam e polemizavam o passado, o presente e o futuro. Repetimos: Dostoiévski nunca criava as suas imagens das ideias a partir do nada, nunca “as inventava”, como o artista não inventa as pessoas que retrata; sabia auscultá-las ou adivinhá-las na realidade presente. (BAKHTIN, 2008, pp. 100-101 – grifos do autor)

Segundo o pensador russo, a forma literária que mais favorece o dialogismo é

o romance, pois ele se abre à linguagem nos seus diversos níveis de existência e

concretização, procurando acomodá-la. Assim, nesse gênero as relações dialógicas

ocorrem:

Entre o autor e o leitor ou entre o narrador, o narratário e as personagens (com seus respectivos pontos de vista), entre a série literária e a série linguística, entre a obra concreta e o sistema literário precedente e contemporâneo e entre a obra e o contexto social saturado de discursos e linguagens concretas de várias espécies – o que Bakhtin denomina plurilinguismo. (FERNANDES, Isabel. “Dialogismo”. In: CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários)

Bakhtin afirma que o plurilinguismo introduzido no romance é o “discurso de

outrem na linguagem de outrem, que serve para refratar a expressão das intenções

do autor” (2014, p. 127). De acordo com ele:

A palavra desse discurso é uma palavra bivocal especial. Ela serve simultaneamente a dois locutores e exprime ao mesmo tempo duas intenções diferentes: a intenção direta do personagem que fala e a intenção refrangida do autor. Nesse discurso há duas vozes, dois sentidos, duas expressões. Ademais, essas duas vozes estão correlacionadas, como que se se conhecessem uma à outra (como se duas réplicas de um diálogo se conhecessem e fossem construídas sobre esse conhecimento mútuo), como se conversassem entre si. O discurso bivocal sempre é internamente dialogizado. Assim é o discurso humorístico, irônico, paródico, assim é o discurso refratante do narrador, o discurso refratante na fala dos personagens, finalmente, assim é o discurso do gênero intercalado: todos são bivocais e internamente dialogizados. Neles se encontra um diálogo potencial, não desenvolvido, um diálogo concentrado em duas vozes, duas visões de mundo, duas linguagens. (2014, pp. 127-128)

Para Bakhtin “o problema central da estilística do romance pode ser formulado

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como o problema da representação literária da linguagem, o problema da imagem da

linguagem” (2014, p. 138), uma vez que ele aponta como característica importante

do gênero romanesco a presença do “homem que fala”, que traz “seu discurso

original, sua linguagem”, por meio do qual o plurilinguismo se materializa (2014, p.

134).

Retomaremos, nos capítulos seguintes, os conceitos de dialogismo e

plurilinguismo quando analisarmos as referências à história do Brasil que aparecem

tanto no romance de Ariano Suassuna quanto na minissérie de Luiz Fernando

Carvalho a fim de compreender como foram organizadas as diversas vozes que

concorrem entre si para explicar os fatos ocorridos.

O termo intertextualidade foi criado por Julia Kristeva na década de 1960 como

uma reinterpretação do termo dialogismo, significando um “cruzamento de palavras

(de textos)”, isto é, que “todo texto se constrói como mosaico de citações, todo texto

é absorção e transformação de um outro texto” (KRISTEVA, 2012, p. 142).

Essa ressignificação feita por Kristeva é considerada por alguns estudiosos,

tais como José Luiz Fiorin e Paulo Bezerra, como redutora e deturpadora do

conceito bakhtiniano e até mesmo de seu posicionamento crítico como um todo.

Fiorin afirma que “à rica e multifacetada concepção de dialogismo em Bakhtin

se opôs o conceito redutor, pobre e, ao mesmo tempo, vago e impreciso de

intertextualidade. Foi Kristeva quem, no ambiente do estruturalismo francês dos

anos 60, pôs em voga esse conceito” (In: BARROS et FIORIN, 2003, p. 29).

No prefácio de Problemas da Poética de Dostoiévski (BAKHTIN, 2008, p. XIII),

Paulo Bezerra elenca as deturpações realizadas por Kristeva acerca de Bakhtin: a

estudiosa classifica-o como formalista, atribuindo a seus estudos a qualidade de

tentativas de avanço dessa escola e o vê como estruturalista, sem considerar a

grande diferença entre seu pensamento, que tem a ênfase “no discurso e na

personagem como sujeito consciente de seu próprio discurso”, e o método

estruturalista, “com sua ênfase reducionista no texto e na personagem literária como

função”. Além disso, segundo Bezerra, o que ela faz com o conceito de dialogismo é

enfocá-lo apenas do ponto de vista linguístico (BAKHTIN, 2008, p. XV), fato do qual

decorre uma coisificação e um apagamento dos sujeitos enunciador e enunciatário

que contradiz o pensamento de Bakhtin, segundo o qual o sujeito está sempre

presente – como autor, em todas as instâncias do processo de criação, e como

leitor, no processo de interpretação (BAKHTIN, 2008, p. XVII).

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Entretanto, o trabalho de Kristeva deve ser levado em conta, pois trouxe

contribuições ao estudo das relações entre textos e, com isso, influenciou a maneira

como estes passaram a ser vistos e analisados, não somente na França, onde foi

primeiramente divulgado, mas em todo o ocidente. O próprio referencial teórico

escolhido por nós para a análise do nosso corpus – a transtextualidade – não teria

sido concebido por Genette sem que antes Kristeva tivesse realizado seus estudos

da forma como fez.

A intertextualidade, segundo Kristeva, é inerente à produção humana, uma vez

que o homem sempre lança mão do que foi feito anteriormente em seu processo de

produção simbólica. Dessa forma:

O texto, como objeto cultural, tem uma existência física que pode ser apontada e delimitada por nós: um filme, um romance, um anúncio, uma música. Entretanto, esses objetos não estão ainda prontos, pois destinam-se ao olhar, à consciência e à recriação dos leitores. Cada texto constitui uma proposta de significação que não está inteiramente construída. A significação se dá no jogo de olhares entre o texto e seu destinatário. Este último é um interlocutor ativo no processo de significação, na medida em que participa do jogo intertextual tanto quanto o autor. (CURY, M. Z.; PAULINO, G.; WALTY, I., 1995, p. 15)

Com isso, temos que “toda leitura é necessariamente intertextual, pois, ao ler,

estabelecemos associações desse texto do momento com outros já lidos” e que:

Essa associação é livre e independe do comando de consciência do leitor, assim como pode ser independente da intenção do autor. Os textos, por isso, são lidos de diversas maneiras, num processo de produção de sentido que depende do repertório textual de cada leitor, em seu momento de leitura. (CURY, M. Z.; PAULINO, G.; WALTY, I., 1995, p. 54)

Com relação ao repertório textual do leitor, as leituras prévias feitas por ele

condicionam cada uma de suas novas leituras e, além disso:

O mesmo texto lido, em épocas diferentes, torna-se outro, pois, nesse intervalo de tempo, o repertório do leitor se alterou. É necessário atentar para o fato de que a constituição desse repertório não decorre apenas da vontade do leitor, mas também daquilo que lhe é oferecido no processo de produção, circulação e consumo dos bens culturais. Ninguém consegue ler tudo o que é produzido e por isso se opera uma seleção de leitura pela qual há diversas instituições e instâncias responsáveis, tais como: editoras, livreiros, escolas, meios de comunicação e outros. (CURY, M. Z.; PAULINO, G.; WALTY, I., 1995, p. 57)

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Um dos níveis da intertextualidade diz respeito à inserção do texto na “história

da literatura”:

Essa inserção se dá de diferentes maneiras, que vão desde uma adesão a comportamentos artísticos anteriores, até o estabelecimento de rupturas com textos passados ou mesmo contemporâneos. Não se pode esquecer também que essa inserção nunca se dá de modo passivo, pois a própria existência de cada texto altera o conjunto. (CURY, M. Z.; PAULINO, G.; WALTY, I., 1995, p. 59)

A literatura utiliza-se amplamente da intertextualidade, consciente ou

inconscientemente, a fim de dialogar de forma consensual ou polêmica com textos

anteriores ou contemporâneos e com a tradição. Segundo Fiorin, são três os

processos de intertextualidade por meio dos quais esses diálogos são estabelecidos:

“a citação, a alusão e a estilização” (2003, pp. 29-30). Já segundo Cury, Paulino e

Walty (1995, p. 25), “além de paráfrase, paródia e pastiche [...], pode-se falar, ainda,

como práticas intertextuais explícitas, de epígrafe, citação, referência, alusão”.

Trataremos mais da intertextualidade nos capítulos seguintes ao analisarmos,

no discurso do narrador do Romance e da minissérie, referências a textos já

existentes dos quais ele lança mão, muitas vezes, com a finalidade de demonstrar e

de fundamentar seu posicionamento ideológico.

1.2 A Transtextualidade de Gérard Genette

Em Palimpsestes: la littérature au second degré1 (1982), Gérard Genette cunha

o termo transtextualidade, o qual diz respeito à “transcendência textual do texto”, isto

é, a “tudo que o coloca em relação, manifesta ou secreta, com outros textos”

(GENETTE, 2010, p. 11), a partir do paradigma terminológico da “intertextualidade”,

desenvolvido por Julia Kristeva e do conceito de “dialogismo”, apresentado

anteriormente por Mikhail Bakhtin. Ele se utiliza da imagem do palimpsesto na

apresentação desse livro para tratar da transtextualidade na literatura:

Um palimpsesto é um pergaminho cuja primeira inscrição foi raspada

1 Neste trabalho, utilizaremos sempre que possível os extratos em língua portuguesa traduzidos por pesquisadores da UFMG e publicados no livro: GENETTE, Gérard. Palimpsestos: a literatura de segunda mão. Viva Voz: Belo Horizonte, 2010. Quando precisarmos nos referir ao texto de Genette que não constem na publicação acima, nos referiremos à tradução feita para a língua inglesa: GENETTE, Gérard. Palimpsests: literature in the second degree (Stages). Translated by Channa Newman and Claude Doubinsky. University of Nebraska Press, 1997, a qual nós traduziremos para a língua portuguesa em notas de rodapé.

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para se traçar outra, que não a esconde de fato, de modo que se pode lê-la por transparência, o antigo sob o novo. Assim, no sentido figurado, entenderemos por palimpsestos (mais literalmente: hipertextos) todas as obras derivadas de uma obra anterior, por transformação ou por imitação. Dessa literatura de segunda mão, que se escreve através da leitura, o lugar e a ação no campo literário geralmente, e lamentavelmente, não são reconhecidos. Tentamos aqui explorar esse território. Um texto pode sempre ler um outro, e assim por diante, até o fim dos textos. Este meu texto não escapa à regra: ele a expõe e se expõe a ela. Quem ler por último lerá melhor. (GENETTE, 2010, p. 5)

Nesse livro, Genette dedica-se profundamente ao estudo da hipertextualidade

“com erudição, rigor e entusiasmo”, segundo Gerald Prince, autor do prefácio à

tradução americana, explorando os tipos fundamentais de imitação textual (pastiche,

charge, forjação) e de transformação textual (paródia, travestimento, transposição)

que a constituem (1997, pp. IX-XI). Em vez de dedicar-se à análise do texto

propriamente dito (ao seu acabamento e às relações internas que o constituem),

dedica-se ao estudo das relações existentes entre textos e das diversas maneiras

como eles releem e reescrevem uns aos outros dentro do processo dialógico.

Como afirma Sônia Queiroz no prefácio à tradução brasileira, os Palimpsestes

são o “reconhecimento do diálogo como forma fundadora da nossa humanidade” e

uma “obra de negação da egolatria e do individualismo e de elogio da pluralidade”

(2010, p. 9), constituindo uma empreitada corajosa por envolver a criação e o

desenvolvimento de diversos conceitos que, sendo novos, exigiam que fosse dada

uma boa exemplificação por meio de textos literários – mais ou menos – conhecidos

para poderem ser compreendidos – o que foi conseguido pelo autor.

Desde sua publicação, esse livro tem influenciado os estudos literários no

sentido de que suas propostas metodológicas são consideradas eficientes e, por

isso, são amplamente adotadas dentro do universo da crítica literária.

Outro motivo pelo qual essa obra é considerada importante para os estudos

literários é o desenvolvimento do conceito de paródia que o autor apresenta, bem

como a criação dos conceitos de paratexto, de hipotexto e de hipertexto, este último,

diferente do conceito proposto por Theodor H. Nelson em 1965 (numa comunicação

apresentada na Conferência Nacional da Association for Computing Machinery) para

determinar “uma forma não linear de apresentar a informação textual, uma espécie

de texto em paralelo, que se encontra dividido em unidades básicas, entre as quais

se estabelecem elos conceptuais” (CEIA, Carlos. “Hipertexto”. In: CEIA, CARLOS. E-

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Dicionário de Termos Literários).

Passemos, agora, a apresentar o conceito desenvolvido por Genette, o qual

será muito importante para a análise do Romance e da minissérie que

empreenderemos em seguida.

Para Genette, as relações transtextuais ou a transtextualidade ocorrem de

cinco modos diferentes que, apesar de existirem separadamente, com frequência se

interrelacionam – a intertextualidade, a paratextualidade, a metatextualidade, a

arquitextualidade e a hipertextualidade.

O primeiro modo, a intertextualidade, refere-se ao conceito desenvolvido por

Kristeva e corresponde à presença de um texto em outro, ocorra ela de maneira

explícita ou implícita. Genette a define como:

Uma relação de co-presença entre dois ou vários textos, isto é, essencialmente, e o mais frequentemente, como presença efetiva de um texto em um outro. Sua forma mais explícita e mais literal é a prática tradicional da citação (com aspas, com ou sem referência precisa); sua forma menos explícita e menos canônica é a do plágio (em Lautréaumont, por exemplo), que é um empréstimo não declarado, mas ainda literal; sua forma ainda menos explícita e menos literal é a alusão, isto é, um enunciado cuja compreensão plena supõe a percepção de uma relação entre ele e um outro, ao qual necessariamente uma de suas inflexões remete. (2010, p. 12)

No romance de Ariano Suassuna bem como na minissérie de Luiz Fernando

Carvalho a intertextualidade aparece em forma de citação de trechos de textos

célebres, tais como Os Lusíadas, de Luís de Camões, e a Oração da Pedra

Cristalina, de Padre Cícero, com a finalidade de, no primeiro caso, parodiar as

batalhas grandiosas narradas na maior epopeia da língua portuguesa e, no segundo

caso, demonstrar como o narrador e protagonista Quaderna conta com a proteção

do padre guerreiro de Juazeiro para empreender sua própria luta.

A paratextualidade constitui-se pela relação do texto com seu paratexto, o qual

é capaz de atuar sobre o modo como será feita a leitura por contribuir para a criação

do pacto ou contrato com o leitor.

Genette define “paratexto” como o conjunto de produções que acompanham

uma obra literária cuja existência tem o objetivo de garantir sua recepção e seu

consumo (GENETTE, 2009, p. 9). São exemplos de paratexto a capa do livro, o

nome do autor, o título, o subtítulo, os intertítulos, o prefácio, a dedicatória, a

epígrafe, as advertências, as notas de rodapé, o posfácio etc. Em se tratando de

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produções televisivas como a minissérie, são exemplos de paratexto a abertura do

programa e as chamadas que se fazem sobre ele durante os intervalos comerciais e

até mesmo dentro da grade de programação da emissora.

Os paratextos do Romance, tais como a capa, o título e o subtítulo e os nomes

dos capítulos e subcapítulos, remetem aos folhetos de cordel nos quais Suassuna

se baseou para criar sua obra, já que o autor defendia a criação de uma cultura

erudita que fosse construída a partir da cultura popular. O paratexto principal da

minissérie – sua vinheta de abertura, por sua vez, remonta também ao cordel

quando traz imagens criadas primeiramente pela técnica da xilogravura, mas busca

principalmente relacionar-se com o conteúdo interno da narrativa, antecipando-o ao

telespectador.

O terceiro modo pelo qual ocorre a transtextualidade é a metatextualidade, a

qual, segundo Genette, “é, por excelência, a relação crítica”, em que um texto fala a

respeito de outro, porém, sem necessariamente citá-lo (2010, pp. 14-15). É chamada

frequentemente de “comentário”, e o estudioso sugere que o estatuto da relação

metatextual deva ser melhor estudado apesar de muito já se ter falado sobre a

história da crítica como gênero.

O Romance e a minissérie mantêm diálogos metatextuais com obras da

literatura mundial com o objetivo de exaltar aspectos da literatura e/ou cultura

nacional. Suassuna faz Quaderna criticar Moby Dick, romance de Herman Melville,

por causa do monstro que ele escolheu para povoar o imaginário de seus

personagens: uma baleia cachalote. Quaderna afirma que os monstros brasileiros,

tais como a Besta Bruzacã, são muito piores que Moby Dick, o que demonstra, para

ele, a superioridade dos brasileiros e dos povos latino-americanos em relação aos

estadunidenses. Carvalho conduz Quaderna a criticar os romances policiais

estrangeiros cujos enigmas são faceis de se desvendar. Ele diz que o enigma da

morte de seu tio, que aparecerá em seu romance, não é pobre como os dos

romances policiais e, portanto, não poderá ser desvendado pelo Juiz Corregedor.

A arquitextualidade do texto é definida por Genette como “o conjunto das

categorias gerais ou transcendentes – tipos de discurso, modos de enunciação,

gêneros literários, etc. – do qual se destaca cada texto singular” (2010, p. 11). Trata-

se de uma relação que pode ser silenciosa, pois o próprio texto não é obrigado a

conhecer ou declarar sua qualidade genérica, uma vez que a determinação do status

genérico de um texto não é sua função, mas, sim, do leitor, do crítico, do público,

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que podem recusar o status reivindicado por meio do paratexto. Porém, para

Genette (2010, p. 15), “o fato de esta relação estar implícita e sujeita a discussão em

nada diminui sua importância: sabe-se que a percepção do gênero em larga medida

orienta e determina o ‘horizonte de expectativa’ do leitor e, portanto, da leitura da

obra”.

Romance literário e minissérie de televisão são gêneros do discurso. No

entanto, o romance e a minissérie objetos de nosso estudo constituem-se a partir de

elementos de outros gêneros discursivos. Suassuna e o narrador Quaderna utilizam-

se da epopeia, do memorial, da crônica histórica, do ensaio, do romance de

cavalaria e do folhetim para criar o Romance d’A Pedra do Reino. Carvalho, por sua

vez, utiliza-se do teatro popular da commedia dell’arte, da escultura de artesãos da

região de Taperoá, localizada no sertão da Paraíba, e da pintura de Giotto Di

Bondone e de Manuel Dantas Suassuna para construir sua minissérie.

O quinto modo, a hipertextualidade, é entendido por Genette como toda

derivação de um texto B a partir de um texto anterior A. Essa derivação pode ser de

ordem descritiva e intelectual, em que um metatexto fala de um texto, ou pode ser de

outra ordem, em que B não fale nada de A, no entanto não poderia existir daquela

forma sem A, do qual ele resulta ao fim de uma operação que o estudioso qualifica

de transformação, evocada mais ou menos manifestadamente, sem neces-

sariamente falar dele ou citá-lo (2010, p. 16).

Genette propõe uma terminologia para classificar os hipertextos a partir do

regime e da relação que estabelecem com seus hipotextos:

regime relação

lúdico satírico sério

transformação PARÓDIA (Chapelain décoiffé)

TRAVESTIMENTO (Virgile travesti)

TRANSPOSIÇÃO (O Doutor Fausto)

imitação PASTICHE (L’affaire Lemoine)

CHARGE (À la manière de...)

FORJAÇÃO (La suite d’ Homère)

Quadro geral das práticas hipertextuais (GENETTE, 2010, p. 40).

A transformação séria, ou transposição, é, para Genette, a mais importante de

todas as práticas hipertextuais, devido à sua importância histórica, ao acabamento

estético de certas obras que dela resultam e à amplitude e variedade dos

procedimentos nela envolvidos.

Segundo ele, a paródia pode se resumir a uma modificação pontual, mínima,

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redutível a um princípio mecânico como o lipograma e a translação lexical; o

travestimento consiste quase exclusivamente num tipo único de transformação

estilística do texto com função degradante (a trivialização); o pastiche, a charge e a

forjação procedem todos de inflexões funcionais conduzidas por uma prática única,

relativamente complexa, mas quase inteiramente prescrita pela natureza do modelo

(a imitação desprovida de função satírica no pastiche; a imitação com função satírica

na charge; e a imitação séria na forjação). A transposição, pelo contrário, pode se

aplicar a obras de vastas dimensões, como Fausto ou Ulisses, por exemplo, cuja

amplitude textual e ambição estética e ideológica podem mascarar ou apagar seu

caráter hipertextual, e essa produtividade está ligada à diversidade dos

procedimentos transformacionais com que ela opera (GENETTE, 2010, p. 61).

A minissérie A Pedra d’O Reino não poderia existir sem que Ariano Suassuna

tivesse escrito seu principal romance. Ela foi produzida justamente para homenagear

os oitenta anos do escritor, em 2007, na forma de uma “transformação séria” ou

“transposição”. Por esse motivo, passaremos a examinar detidamente os

procedimentos transformacionais que essa transposição operou.

Os procedimentos formais existentes são a tradução, a versificação, a

prosificação, a transmetrização, a transestilização, a excisão, a concisão, a

condensação, o digest, a extensão temática, a expansão estilística, a ampliação, a

transmodalização intermodal e a transmodalização intramodal; já os procedimentos

temáticos que podem ser empregados são a transposição diegética, a proximização,

a transformação pragmática, a motivação, a desmotivação, a transmotivação, a

revalorização, dividida em valorização secundária e valorização primária, a

desvalorização e a transvalorização.

De todos esses processos transformacionais abordados por Genette, serão

mais úteis à nossa análise os formais, em especial a concisão, a excisão, a

extensão temática e a transmodalização intramodal, pois foram os utilizados com

mais frequência (e os que resultaram em transformações mais importantes) pelos

adaptadores do Romance para a minissérie. Dessa maneira, deter-nos-emos apenas

neles, escusando-nos de comentar os demais.

A excisão é a supressão pura e simples de alguma parte do texto. É o

procedimento redutor mais simples, mas que afeta de maneira mais evidente sua

estrutura e sentido, realizado sem nenhuma outra forma de intervenção (GENETTE,

2010, pp. 76-83). Subdivide-se em diferentes tipos: a excisão por amputação (“uma

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única excisão maciça”), a apara (“múltiplas extrações disseminadas ao longo do

texto”), a autoexcisão (amputação ou apara de um texto feita por seu próprio autor) e

a expurgação (“redução com função moralizante ou edificante”).

Na minissérie, houve algumas excisões de acontecimentos que existiam no

Romance. A primeira delas foi a supressão da história da família de Quaderna que

antecede as façanhas de seu bisavô. Foi suprimida, também, a hipótese de sua

família paterna ser descendente do Rei Dom Dinis de Portugal. Além disso, foram

retiradas da minissérie as passagens em que Quaderna tem uma briga com um

escrevente de cartório, em que se encontra com Eugênio Monteiro antes do

depoimento e em que confessa estar com medo e cansado de ter participado de

muitas lutas políticas ao lado do tio e padrinho ao longo dos anos. Nenhuma dessas

excisões, no entanto, alterou significativamente a narrativa, pois as ideias

transmitidas por elas foram passadas em outros pontos da ação e narração.

A concisão “tem como norma sintetizar um texto sem suprimir nenhuma parte

tematicamente significativa, mas reescrevendo-o em estilo mais conciso, produzindo

então com novos recursos um novo texto”, que pode chegar a não conservar

nenhuma palavra do texto original (GENETTE, 2010, p. 86):

Assim a concisão, no que ela produz, goza de um status de obra que não é atingido pela excisão: fala-se de uma versão abreviada de Robinson Crusoé normalmente sem nomear o abreviador, mas fala-se de Antígona de Cocteau, “a partir de Sófocles”. Cocteau praticou três vezes esse exercício, do qual na verdade não conheço outro exemplo: em 1922 sobre Antígona, em 1924 sobre Romeu e Julieta, e em 1925 sobre Édipo rei. Ele próprio designa sua Antígona como uma “contração” daquela de Sófocles, e este termo seria bem conveniente se já não designasse um exercício escolar que decorre de uma outra técnica. Ainda sobre Antígona, Cocteau disse ter querido traduzir esta peça como uma “fotografia aérea da Grécia”. A imagem é um tanto vaga, mas conota bem a época, a maneira e o clima. Exceto por algumas alterações (anacronismos, traços dialetais na tradição do travestimento, redução mais marcada das partes do coro, uma adição temática em Antígona em que Hêmon, de acordo com a narrativa do mensageiro, cospe no rosto de seu pai), Antígona e Édipo rei são, essencialmente, contrações estilísticas: quase todas as falas são conservadas, mas num estilo mais curto e mais nervoso. [...] Cocteau leva Sófocles ao extremo, mas no sentido do próprio Sófocles: exemplo inesperado dessa prática não encontrada até então, a reescrita como charge, a paródia como hiperpastiche. Sófocles reescrito por Cocteau é ainda mais Sófocles do que o original. O efeito é conclusivo: esta era talvez a melhor maneira de traduzi-lo. O caso de Romeu é bem diferente: como diz o próprio Cocteau, “eu queria trabalhar um drama de Shakespeare, encontrar o cerne por baixo dos ornamentos. Escolhi então o drama mais

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ornado, o mais enfeitado.” Mas, como o essencial da peça estava precisamente nesses ornamentos líricos suprimidos, o efeito é obviamente menos feliz: Romeu e Julieta reduzido ao esqueleto da ação é quase nada. Paradoxalmente, então, a concisão parece funcionar melhor para aqueles trabalhos que já são concisos. Porém este paradoxo leva a uma observação que pode ser feita a respeito de outros tipos de práticas hipertextuais: é melhor impulsionar um texto ao seu extremo do que atenuar sua característica, o que leva à sua normalização, e portanto à sua banalização. A sequidão deliberada do estilo de Cocteau (que seria preciso escutar em sua voz metálica e cortante) presta bom serviço a Sófocles e desserviço a Shakespeare. Para traduzir bem Romeu, seria necessário talvez ao contrário ampliá-lo, super ornamentá-lo, carregar nos enfeites. (GENETTE, 2010, pp. 84-86)

A concisão foi empregada na minissérie não tanto no que diz respeito à ação

das personagens, e sim à narração de Quaderna. Muitos comentários e diversas

citações que Quaderna faz no Romance não aparecem na minissérie a fim de

encurtar as passagens e torná-las mais adequadas ao meio televisivo.

A extensão temática consiste em acrescentar a uma obra um episódio

totalmente estranho a ela.

Assim como a redução de um texto não pode ser uma simples miniaturização, o aumento não pode ser um simples crescimento: como não se pode reduzir sem cortar, não se pode aumentar sem acrescentar, e ambos os procedimentos implicam distorções significativas. Um primeiro tipo de aumento, que constitui exatamente o contrário da redução por supressão maciça, seria o aumento por adição maciça, que proponho denominar extensão. Assim, Apuleio, certamente ampliando as Metamorfoses de Lúcio, não hesita em acrescentar (pelo menos) um episódio totalmente estranho à história de seu herói: o mito de Eros e Psiqué (GENETTE, 2010, p. 97).

Um segundo tipo de aumento é uma “mistura em doses variadas de dois (ou

mais) hipotextos”, prática tradicional denominada contaminação (GENETTE, 2010, p.

102).

O exemplo mais canônico, e mais explícito, é certamente o Fausto e o Don Juan de Christian Dietrich Grabbe (1829), que explora e cristaliza um relacionamento característico da época romântica, ele próprio favorecido pela interpretação idealizada do Sedutor proposta em 1816 por E. T. A. Hoffmann. As duas histórias se misturam, ou mais precisamente se alternam e se entrelaçam em cena, tendo somente como interseção a personagem de Dona Ana, que é cortejada pelos dois heróis. A contaminação aqui é bem equilibrada, a ponto de ser impossível decidir qual das duas ações serve para ampliar a outra. (GENETTE. 2010, pp. 103-104)

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O recurso da extensão temática foi empregado nos primeiro, segundo e quinto

capítulos da minissérie. No primeiro capítulo, foi acrescentada à narrativa uma dança

de roda das personagens, que não existia no Romance, com o intuito de apresentá-

las aos telespectadores. No segundo, houve o acréscimo da cena em que Sinésio vê

Heliana pela primeira vez e se encanta por ela a fim de que se saiba em que

momento isso ocorreu e se tenha ciência da personalidade enigmática de cada um.

No quinto capítulo, são acrescentados um desfecho para algumas ações e

personagens que ficaram inconclusas no Romance e uma cena em que Quaderna

encontra moedas no chão e que remete à vida pessoal de Suassuna e de Carvalho.

Finalmente, conforme aponta Genette, a transmodalização intramodal é aquela

que transforma apenas algumas características de um modo de representação sem

desqualificá-lo nem transformá-lo em outro modo (GENETTE, 1997, 284).

Segundo ele, o modo dramático é passível de menos alterações que o

narrativo devido a sua simplicidade, resumindo-se as possibilidades de

transformações ao coro, ao discurso dramático e à teatralidade propriamente dita:

The progressive emancipation of drama from its narrative origins has left its trace in the disappearance of the role of narrator and commentator that the Greek theater assigned to the Chorus. Another modal feature that lends itself to transformation is the distribution of dramatic discourse per se: i.e., the discourse assigned to the characters. Some characters might, for example, be deprived of a portion of their speeches to the benefit of others – which would imply a change in the “action” itself, since action on the stage textually comes about through speech. Or again there might be a redistribution of the relation between what is shown on the stage (i.e., the “scenes”) and what is relegated to the wings, or elided during intermissions, or supposed to have occurred before the curtain rises and then only obliquely alluded to through narratives on the stage. In actual fact, the designated object of transpositional procedures turns out to be the specifically dramatic resource of “theatricality” itself: i.e., the nontextual part of the performance. The issue of theatricality is somewhat marginal to our concern; nevertheless, it must be discussed, even if only glancingly, for it is bound up with the essence of dramatic transposition, which presents the same play with a new cast, a new production, new settings, sometimes new stage music.2

2 A progressiva emancipação do drama de suas origens narrativas deixou seu traço no desaparecimento do papel de narrador e de comentarista que o teatro grego legava ao coro. [...] Outra característica modal que se presa à transformação é a distribuição do discurso dramático propriamente dito, isto é: o discurso designado às personagens. Algumas personagens podem, por exemplo, ser privadas de uma parte de seus discursos em benefício de outras – o que implicaria uma mudança na “ação”, uma vez que ela aparece textualmente no palco através do discurso. Ou ainda pode haver uma redistribuição da relação entre o que é mostrado no palco (isto é, as “cenas”) e o que é relegado a segundo plano, ou elidido durante os intervalos, ou do que se supõe que tenha ocorrido antes de as cortinas se abrirem e a que só se faz alusão obliquamente através de narrativas no palco. [...] De fato, o objetivo dos procedimentos transposicionais é o recurso especificamente dramático da

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(GENETTE, 1997, pp. 284-285)

Para Genette, o modo narrativo é mais suscetível a transformações que o

dramático devido a sua maior complexidade. As categorias de tempo, modo e voz

são as que geralmente são transformadas (GENETTE, 1997, p. 286).

A categoria temporal pode ser afetada em sua ordem e em sua

duração/frequência:

The hypertext may introduce anachronies (analepses or prolepses) into an initially chronological narrative. Conversely, the hypertext may reorder the anachronies of its hypotext. The pace of a narrative can be modified at will: summaries can be turned into scenes and vice versa; elipses or paralipses can be filled in or segments of the narrative deleted; descriptions can be deleted or introduced; singulative segments can be converted into iterative ones and vice versa.3 (GENETTE, 1997, p. 286)

O modo pode ser transformado no que diz respeito à distância e à perspectiva:

The proportion of direct to indirect discourse, or of “showing” to “telling”, might be inverted. An initially “omniscient” – i.e., nonfocalized – narrative could be focalized at will on one of its characters. Conversely, a focalized narrative could be defocalized [...]. Last, a focalized narrative can be transfocalized4. (GENETTE, 1997, p. 287)

Com relação à transvocalização, pode haver dois processos: a vocalização

propriamente dita e a desvocalização:

Transvocalization can thus take on two basic antithetical forms: vocalization, a shift from the third to the first person; and devocalization, the opposite shift from the third to the first. It can also

“teatralidade”: isto é, a parte não-textual da performance. A questão da teatralidade é marginal ao nosso assunto; no entanto, ela precisa ser discutida, ainda que de relance, porque está fortemente relacionada à essência da transposição dramática, que apresenta a mesma peça com um novo elenco, uma nova produção, novos contextos, e, às vezes, nova música [...].

3 O hipertexto pode introduzir anacronias (analepses ou prolepses) em uma narrativa inicialmente cronológica. [...] Pelo contrário, o hipertexto pode reorganizar as anacronias de seu hipotexto. [...] O ritmo de uma narrativa pode ser modificado livremente: sumários podem ser transformados em cenas e vice-versa; elipses ou paralipses podem ser completadas ou segmentos da narrativa podem ser apagados; descrições podem ser retiradas ou introduzidas; segmentos singulativos podem ser transformados em iterativos e vice-versa.

4 A proporção de discurso direto e indireto, ou de cenas (segmentos que mostram a ação acontecendo) e sumários (segmentos que contam resumidamente um acontecimento ocorrido) pode ser invertida. [...] Uma narrativa onisciente – isto é, não-focalizada – pode passar a ser focalizada em uma das personagens. Pelo contrário, uma narrativa focalizada [...] poderia ser desfocalizada [...]. Por fim, uma narrativa focalizada pode ser transfocalizada.

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take on a synthetic form – transvocalization properly speaking – which is the substitution of a “first person” for another.5 (GENETTE, 1997, p. 290)

Transmodalizações intramodais ocorreram na minissérie no que diz respeito à

duração e à distância da narrativa. A duração de alguns eventos foi diminuída e

alguns sumários foram transformados em cena a fim de adequar a narrativa ao meio

televisivo.

No terceiro capítulo analisaremos como os procedimentos transformacionais

mencionados aqui apenas superficialmente contribuíram para a produção do

discurso audiovisual de Luiz Fernando Carvalho.

1.3 O Dialogismo, a Intertextualidade e a Transtextualidade segundo Robert Stam

Em Introdução à Teoria do Cinema (2006), Robert Stam retoma o conceito de

dialogismo desenvolvido por Bakhtin nos anos 30, o de intertextualidade cunhado

por Kristeva na década de 1960 e o de transtextualidade criado por Genette em

1982 para explicar a mudança que o surgimento desses conceitos ocasionou para a

análise cinematográfica.

Ele afirma que, a partir da década de 1980, houve uma ascensão dos estudos

do intertexto em detrimento dos estudos que tinham apenas o texto como objeto e

que essa ascensão trouxe benefícios para a teoria do cinema e para a análise

fílmica, especialmente para os estudos das adaptações cinematográficas de

romances, que “passaram de um discurso moralista sobre fidelidade ou traição para

um discurso menos valorativo sobre intertextualidade”, com as adaptações passando

a serem vistas como localizadas “em meio ao contínuo turbilhão da transformação

intertextual, de textos gerando outros textos em um processo infinito de reciclagem,

transformação e transmutação, sem um claro ponto de origem” (STAM, 2006, p.

234).

Esse estudioso do cinema cita, também, os cinco tipos de relações

transtextuais propostos por Genette, detendo-se especialmente na hipertextualidade

por considerar as adaptações fílmicas como hipertextos e os romances que lhes

5 A transvocalização pode assumir duas maneiras: a vocalização, uma passagem da terceira pessoa para a primeira; e a desvocalização, passagem oposta da terceira pessoa para a primeira. Pode, ainda, assumir uma forma sintética – a transvocalização propriamente dita – que é a substituição de uma “primeira pessoa” por outra.

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inspiram como hipotextos. Ele ainda cria termos adicionais dentro do mesmo

paradigma, embora de forma discreta – em uma nota de rodapé – para analisar os

filmes: fala da possibilidade de se cunhar os conceitos de intertextualidade da

celebridade, aplicável às “situações fílmicas nas quais a presença de uma estrela ou

celebridade intelectual do cinema ou da televisão evoca um gênero ou um meio

cultural”; intertextualidade genética, que “poderia evocar o processo no qual a

aparição dos filhos e das filhas de atores e atrizes conhecidos [...] traz à lembrança

seus pais famosos”; intratextualidade, que diz respeito ao “processo por intermédio

do qual os filmes fazem referência a si próprios em estruturas de espelhamento, de

mise-en-abyme e microscópicas”; autocitação, que “daria conta da auto-referência

por parte de um autor” e falsa intertextualidade, que “evocaria aqueles textos [...] que

criam uma referência pseudo-intertextual” (STAM, 2006, p. 232).

Em A Literatura através do Cinema: Realismo, magia e a arte da adaptação

(2008), Stam novamente aponta que os desenvolvimentos estruturalistas e pós-

estruturalistas abalaram as premissas fundadoras sobre as quais a “doutrina da

fidelidade” historicamente se baseou, pois lançaram dúvidas sobre ideias de pureza,

essência e origem, provocando um impacto indireto nas discussões sobre a

adaptação. Segundo ele, a teoria da intertextualidade de Kristeva “enfatizou a

interminável permutação de traços textuais, e não a ‘fidelidade’ de um texto posterior

em relação a um anterior, o que facilitou uma abordagem menos discriminatória”

(STAM, 2008, pp. 20-21).

A forma como Bakhtin define o autor de um texto, como um harmonizador de

discursos preexistentes, por sua vez, abriu caminho para uma abordagem à arte

“discursiva” e não originária, vista como uma “construção híbrida”, isto é, que mistura

a palavra de uma pessoa com à de outra. Para Stam, as palavras de Bakhtin a

respeito da literatura como construção híbrida “aplicam-se ainda mais obviamente a

um meio que envolve a colaboração, como o filme”. Assim, “se na literatura a

‘originalidade’ já não é tão valorizada, a ‘ofensa’ de se ‘trair’ um original, por

exemplo, através de uma adaptação ‘infiel’, é um pecado ainda menor” (STAM,

2008, p. 21), o que indica que a fidelidade deixou de ser um paradigma para a

análise fílmica com a consideração de que uma adaptação não é a ressuscitação de

uma palavra original, e sim uma volta num processo dialógico em andamento,

podendo um romance gerar uma série de adaptações diferentes assim como – e

justamente por causa disto – um texto literário pode gerar um sem número de

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leituras.

Na introdução de Literature and Film: A Guide to the Theory and Practice of

Film Adaptation (STAM et RAENGO, 2008, pp. 1-52), em que seu objetivo é apontar

novas perspectivas para a análise de adaptações fílmicas de obras literárias que vão

além da questão da fidelidade, Stam também menciona a teoria da transtextualidade

de Genette e propõe que as adaptações sejam analisadas sob a perspectiva das

“transmodalizações intramodais” que podem ocorrer no hipertexto em relação ao

hipotexto no que diz respeito ao tempo, ao modo e à voz: alteração na ordem em

que os acontecimentos são contados (se utilizam ou não prolepses, analepses

internas, externas e/ou mistas), na duração que têm (se empregam mais ou menos

elipses, pausas descritivas, cenas e/ou sumários), na sua frequência (se são

singulativos, repetitivos, iterativos ou homólogos) e no tipo de seu narrador e do

discurso que ele emprega (homodiegético, heterodiegético e/ou autodiegético,

discurso direto, discurso indireto e/ou discurso indireto livre).

As palavras de Robert Stam podem ser aplicadas às adaptações televisivas, as

quais devem ser tidas como textos independentes dos ditos “originais” e, por

conseguinte, não ser valorizadas por intermédio do conceito de fidelidade. Isso,

todavia, não inviabiliza a realização de análises comparativas como a que

pretendemos fazer, apenas impossibilita o julgamento pejorativo das eventuais

diferenças encontradas apenas por consistirem em modificações do hipotexto.

A seguir, apontaremos os diálogos que o romance de Ariano Suassuna e a

minissérie de Luiz Fernando Carvalho mantêm entre si e com outros textos e

gêneros do discurso a fim de verificar quais efeitos de sentido são criados por eles.

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CAPÍTULO II: A TRANSTEXTUALIDADE NO ROMANCE E NA MINISSÉRIE

O dialogismo é uma visão de mundo, uma filosofia que mostra o individualismo exacerbado como impasse e o culto desse individualismo como tragédia. Daí a necessidade do diálogo como superação dos impasses da existência e sua representação na literatura.

Paulo Bezerra

Em Literatura, Cinema e televisão (2003, p. 9), Tânia Pellegrini afirma que:

A literatura é um sistema (ou subsistema) integrante do sistema cultural mais amplo, estabelecendo diversas relações com outras artes e mídias. A diversidade de meios e hibridação de linguagens exigem um leitor que não se prenda à letra, mas esteja aberto à diversidade de suportes pelos quais a literatura circula, bem como às suas combinações com outras artes. O fenômeno não é novo: basta lembrar os livros manuscritos medievais, associando texto, caligrafia e ilustração (iluminura), ou, ainda antes, o hiporquema grego, associando poesia e dança. (2003, p. 9).

Assim, estando de acordo com as ideias da estudiosa da adaptação de obras

literárias para cinema e televisão, neste capítulo, apontaremos os diálogos que o

Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, de Ariano

Suassuna, e a minissérie A Pedra do Reino, de Luiz Fernando Carvalho,

estabelecem com as estéticas do Movimento Armorial e do Projeto Quadrante, com

outros textos e gêneros literários e discursivos, bem como com a história, a fim de

compreender os sentidos que essas referências trazem para os textos literário e

televisivo.

Os diálogos que o Romance e a minissérie estabelecem com outras produções

ora têm conotação eufórica, caso em que Suassuna e Carvalho criticam

positivamente o texto, a estética e/ou o fato histórico, ora têm conotação disfórica,

quando os autores realizam uma crítica pejorativa destes, ainda que de maneira não

explícita em alguns casos, mais frequentes na minissérie. Alguns diálogos, ainda,

ajudam a constituir o próprio enredo, ou seja, tornam-se parte da história de vida das

personagens, de suas características, de suas aspirações, como se não fossem

apropriações de textos externos, e sim criações do próprio autor, como veremos nos

subcapítulos adiante.

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2.1 Diálogos com o Movimento Armorial e com o Projeto Quadrante

Movimento Armorial foi o nome que recebeu a proposta feita por Ariano

Suassuna, em 18 de outubro de 1970, de criar uma arte erudita baseada na cultura

popular. A proclamação do movimento ocorreu juntamente com a realização de um

concerto da então recém-formada Orquestra Armorial e de uma exposição de artes

plásticas e nela, segundo Santos:

Ariano Suassuna assume publicamente seu compromisso com a arte popular e define a arte armorial na sua relação com as literaturas da voz e do povo, fundamento de sua criação, com a cantoria, que inspire aos poetas armoriais uma nova poética, ancorada na improvisação e numa organização genérica nova, mas presente também como tema com a personagem mítica do cantador; o folheto e o romance, como texto oral e popular, submetido à reescritura parcial ou total, citado ou plagiado, mas sempre reivindicado como modelo de integração artística e signo de um novo processo criativo; a imagem, desenho ou gravura, que mantém com o texto popular uma relação estreita e ambivalente, que os artistas memoriais procuram preservar (ou reencontrar) nas suas obras plásticas tanto quanto nas literárias, graças à narratividade da gravura ou à emblematização do relato; a música, enfim, presente na cantoria, no canto do romance e em todas as danças dramáticas e espetáculos populares que os músicos do Movimento pesquisaram. A referência à obra popular constitui o cimento do Movimento Armorial e confere-lhe sua peculiaridade na história da cultura brasileira. Orienta a pesquisa e condiciona a criação. Contudo, não poderia ser exclusiva: o Movimento não reúne artistas populares, mas artistas cultos que recorrem à obra popular como a um “material” a ser recriado e transformado segundo modos de expressão e comunicação pertencentes a outras práticas artísticas. Esta dimensão culta e até erudita manifesta-se tanto na reflexão teórica, desenvolvida em paralelo à criação, quanto na multiplicidade das referências culturais. (SANTOS, 2000, pp. 97-98)

Ainda de acordo com Santos, não se pode negar que o Movimento Armorial só

existiu graças a Ariano Suassuna:

[...] não por se tornar um mestre ditatorial que comandava a criação dos artistas, mas porque, ao identificar pontos comuns e tendências paralelas em artistas e escritores, permitiu a sua reunião em torno de um centro, o Movimento, e deu-lhes os meios de realizar seus projetos e seus sonhos. Proporcionar aos artistas meios de expressão transformou-se, a partir de 1969, numa preocupação constante de Suassuna, que o levou a aceitar cargos na administração universitária e mais tarde na municipal, onde podia desempenhar esse papel de promotor e provocador da criação artística. (SANTOS, 2000, p. 104)

A escolha do nome “armorial” foi feita por Suassuna de acordo com três

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critérios: “estético – por causa da sonoridade; perspectiva plástica – devido à ligação

com os esmaltes da Heráldica; referência popular literária e musical – em virtude do

nome designar cantorias e toques de viola e rabeca” (KERSCH, 2012, p. 23).

No Romance, considerado o primeiro romance armorial brasileiro, Suassuna

realiza uma integração entre as artes erudita e popular ao mencionar grandes obras

da literatura mundial, ao utilizar-se de outros gêneros literários para compor a

narrativa e ao dividir sua obra em livros e folhetos, em vez de capítulos e

subcapítulos, nomear esses livros e folhetos com títulos de estilo parecidos aos

presentes na literatura de cordel, e acrescentar em alguns deles – e inclusive na

capa – gravuras semelhantes às xilogravuras que tipicamente ilustram as capas dos

folhetos de cordel. Ao integrar esses elementos no Romance, Suassuna, de certa

forma, ilustra os preceitos do Movimento Armorial, isto é, estabelece uma relação

crítica eufórica com esse movimento.

O Projeto Quadrante foi uma iniciativa da Rede Globo, idealizada por Luiz

Fernando Carvalho, de deslocar do eixo Rio-São Paulo a produção de adaptações

de textos literários para as regiões onde se passam as histórias. Para sua

realização, foram escolhidas quatro importantes obras da literatura nacional

provindas de escritores de diferentes partes do Brasil e cujas narrativas estão

fortemente entrelaçadas a seu local de origem: o Romance d’A Pedra do Reino e o

príncipe do sangue do vai-e-volta, do nordestino Ariano Suassuna; Dom Casmurro,

romance do carioca Machado de Assis; Dois Irmãos, romance de autoria do

amazonense Milton Hatoum; e Dançar Tango em Porto Alegre, conto do gaúcho

Sérgio Faraco. Somente foram concluídas até hoje minisséries a partir das duas

primeiras obras, intituladas respectivamente A Pedra d’O Reino (2007) e Capitu

(2008). Dois Irmãos está em fase de produção e Dançar Tango em Porto Alegre

ainda está na fase de pesquisa.

Luiz Fernando Carvalho afirma que o projeto é “uma tentativa de um modelo de

comunicação, mas também de educação, onde a ética e a estética andam juntas”, o

que significa que é, por isso, também uma proposta política, que ao utilizar o veículo

televisão, está à procura, segundo o diretor, de “um diálogo entre os que sabem e os

que não sabem; um diálogo simples, fraterno, no qual aquilo que para o homem de

cultura média é adquirido e seguro torne-se também patrimônio para o homem mais

comum” (CARVALHO, Luiz Fernando. “Projeto Quadrante”. Disponível em:

http://quadrante.globo.com. Acesso em: 20 dez. 2013).

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O objetivo do Quadrante é produzir adaptações não realistas e não naturalistas

“inspiradas em autores que representem a cultura brasileira nos quatro cantos do

país” de maneira a interagir com a cultura local e descobrir talentos (MICHELETTI,

2007, p. 180). De acordo com sua proposta, o elenco da minissérie foi composto

predominantemente por atores paraibanos e pernambucanos, em sua maioria

desconhecidos do público televisivo; a cidade cenográfica foi construída em Taperoá,

que abrigou toda a equipe de produção durante três meses, e grande parte dos

objetos utilizados em cena e do figurino foi fabricada por artistas, artesãos e

costureiras da região.

A teledramaturgia é um dos tipos de produção mais importantes da televisão

brasileira e, por isso, recebe papel de destaque dentro desse meio de comunicação.

Tal fato talvez se deva ao início da TV no Brasil, quando o teleteatro dominava as

grades de programação e acabou por tornar a exibição de histórias de ficção uma

marca registrada do meio, ou pode ser atribuído às necessidades que os diversos

canais foram desenvolvendo ao longo do tempo de fidelizar um público a fim de

conseguir patrocínios – advindos da compra dos horários dos intervalos por grandes

empresas para a divulgação comercial de produtos e serviços diversos em grande

escala – para continuarem no ar, para o que a criação de programas seriados, dos

quais se destacam a novela e a minissérie, sempre foi bastante conveniente.

Seja qual for o motivo que propiciou à teledramaturgia o status de carro-chefe

da televisão brasileira, um fato parece ser irrefutável na opinião divulgada por Anna

Maria Balogh: o de que, no mosaico de programação da TV, “cada programa convive

necessariamente com o programa que o antecede e o que o segue na emissora”, o

que, em princípio, gera uma disputa pela “primazia da atenção do telespectador com

todos os programas das demais emissoras que são veiculados no mesmo horário”.

Essa alta taxa de competitividade, segundo a estudiosa, “gera estratégias de

programação e contra-programação bastante pesadas, cujos resultados incidem

diretamente sobre os programas de TV” (2005, p. 142).

Algumas dessas estratégias consistem no grande merchandising que a própria

televisão faz de seus produtos a fim de divulgá-los para os diferentes tipos de

público e, principalmente, na tática de adequá-los ao gosto desse público com a

finalidade de mantê-lo fiel, algo que ocorre com muita frequência e intensidade nas

telenovelas devido às suas características de produção, e que costuma ser bastante

criticado até mesmo pelos telespectadores assíduos do gênero.

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A novela possui em média 150 capítulos que são exibidos no horário nobre de

segunda a sábado e seu principal gênero é o drama, embora haja comédia em

horários específicos. Por não estar terminada no momento em que vai ao ar,

geralmente sofre modificações no enredo conforme o interesse do público, levantado

por pesquisas de opinião, e muitas vezes é prolongada devido ao sucesso de

audiência, precisando, por isso, utilizar diversos mecanismos de suspensão, de

manutenção e de reatamento do sentido a fim de facilitar a compreensão do público

(BALOGH, 2005, pp. 144-145). Para interpretar as personagens principais, quase

sempre conta com atores já conhecidos do público por terem atuado anteriormente

em grandes produções (algumas vezes tendo desempenhado papéis semelhantes) e

com frequência, é acusada de simplificar demais a linguagem a ponto de tornar-se

repetitiva na maneira de contar a história: é julgada negativamente por tipificar as

personagens (e seus intérpretes), reatualizar programas narrativos seus e de

produções anteriores em vários pontos da ação, sempre adotar uma estrutura linear

e seguir a estética naturalista de tentar mostrar-se como uma mimese da “vida real”.

Diferentemente da novela, a minissérie é um formato que se reserva para o

horário das 22 horas em diante e pressupõe um público mais exigente em termos de

inovação. É mais compacta que a novela, possuindo em média dez episódios ou

capítulos, e “a produção do sentido se dá de forma mais fechada e coesa:

teoricamente, cada episódio deve dar conta de um bloco de sentido conectado com

o fio de sentido condutor da minissérie como um todo” (BALOGH, 2005, pp. 145).

Por estar terminada no momento em que vai ao ar e por ser produzida com mais

tempo do que a novela, a minissérie normalmente é fruto de uma longa pesquisa

prévia, apresentando uma qualidade superior no que diz respeito às técnicas

utilizadas e à preparação de atores, figurinos e cenários.

A Pedra d’O Reino, no sentido de inovação dentro do gênero, contrapôs-se à

maioria das produções da teledramaturgia brasileira, pois seguiu o caminho inverso

ao que essas produções costumam seguir: sendo a primeira produção do Projeto

Quadrante, não adotou a estética naturalista, não contou a história de forma linear e

não utilizou atores conhecidos do público para interpretar as principais personagens.

Assim, dialogou polemicamente, embora de forma não declarada, com essas

produções, pois desafiou o público a se engajar numa história de difícil compreensão

(se comparada a outras produções televisivas). Como consequência, por um lado,

obteve baixos índices de audiência e pouca popularidade – contou com um

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telespectador que estivesse em busca de novidades, mas talvez tenha apresentado

tantas de uma só vez que o afugentou. Por outro, foi premiada nacional e

internacionalmente em diversas categorias por ter resultado num produto de grande

apuro estético e poético, mas que ao mesmo tempo retrata acontecimentos

aterrorizantes – como os ocorridos em Pedra Bonita –, e rico em referências a outros

gêneros discursivos que fazem parte da cultura brasileira e mundial, indo além da

televisão e da literatura na qual se inspirou.

Quando se assiste à A Pedra d’O Reino, percebe-se um diálogo consensual

com produções anteriores do diretor, nas quais ele inovou a linguagem sem

desrespeitar as particularidades de cada hipotexto.

Uma Mulher Vestida de Sol (1994) e A Farsa da Boa Preguiça (1995) foram

especiais dirigidos por Luiz Fernando Carvalho adaptados de peças teatrais de

Ariano Suassuna. Os Maias (2001), Hoje é Dia de Maria (2005) e Hoje é Dia de

Maria Segunda Jornada (2005) foram minisséries dirigidas por ele, a primeira,

adaptada de Eça de Queiroz e as duas últimas, adaptadas de contos da cultura

popular brasileira por Carlos Alberto Soffredini.

Em Uma Mulher Vestida de Sol, Luiz Fernando Carvalho buscou manter

diálogo com o teatro, com isso aproximando-se bastante do hipotexto, que foi a

primeira peça teatral escrita por Suassuna. O cenário, a iluminação e os animais que

apareciam em cena eram artificiais e deixavam claro que as filmagens haviam sido

realizadas em estúdio, fugindo, dessa forma, da estética naturalista.

Em A Farsa da Boa Preguiça, Luiz Fernando também buscou o diálogo com a

estética teatral, mas, dessa vez, aproximou-se mais do teatro popular de rua, em

que há maior interação do ator com a plateia.

Em Os Maias, a roteirista Maria Adelaide Amaral e o diretor Luiz Fernando

Carvalho procuraram dialogar com o ritmo do romance queiroziano na composição

das cenas, as quais saíram altamente descritivas e rebuscadas, e, por isso, foram

acusadas de serem as responsáveis pelos baixos índices de audiência da minissérie

sob a alegação de que eram demasiado lentas para que o público televisivo pudesse

se interessar em acompanhá-las.

Em Hoje é Dia de Maria e Hoje é Dia de Maria Segunda Jornada, Carvalho

mais uma vez procurou dialogar com o teatro, mas acrescentou, ainda, referências à

pintura de Candido Portinari na construção dos cenários e no enquadramento dado

às cenas. Para o papel principal, escolheu uma atriz desconhecida, Carolina

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Oliveira, e para produzir o figurino, reaproveitou materiais disponíveis no acervo da

Rede Globo, realizando um trabalho artesanal sobre esses objetos para dar-lhes

nova vida.

Por fim, em A Pedra d’O Reino, o diretor utilizou-se dos mesmos mecanismos

já empregados anteriormente a fim de produzir mais um trabalho inovador para a

televisão: dialogou com o teatro – em especial o popular, com a pintura, com o ritmo

do hipotexto em que se baseou, com o toque artesanal para a confecção dos

cenários, dos figurinos e dos objetos de cena, enfim, com o não naturalismo de

todos os discursos construídos por ele próprio anteriormente. Ainda, dialogou com o

Movimento Armorial de Ariano Suassuna na escolha da trilha sonora da minissérie,

composta e executada em grande parte pelo Quinteto Armorial.

É possível notar que tanto Ariano Suassuna quanto Luiz Fernando Carvalho

procuraram criar suas obras tendo como base os preceitos dos projetos que

apoiavam na época de sua produção. Suassuna baseou-se nos preceitos do

Movimento Armorial com a valorização do elemento nacional em detrimento do

estrangeiro, enquanto Carvalho baseou-se nos preceitos do Projeto Quadrante no

que diz respeito ao deslocamento da produção do eixo Rio-São Paulo para as

regiões em que se passam as narrativas e à escolha de construir um discurso não-

naturalista visando à inovação no gênero.

2.1.1 Confluência com outros gêneros literários e discursivos

O Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta é, como

o próprio título indica, um romance, isto é, uma composição ficcional em prosa que

contém um enredo vivido por personagens dentro de uma estrutura espaço-temporal

e é narrado por uma instância organizadora denominada “narrador”. Segundo

Massaud Moisés, “caracteriza-se pela pluralidade da ação, pela coexistência de

várias células dramáticas, conflitos ou dramas” (1974, pp. 400).

Entretanto, esse romance é composto por diversos outros gêneros que se

intercalam segundo a intenção que o narrador, Quaderna, tem em cada passagem

da narrativa de sua intrincada história de vida: situá-la dentro da história oficial do

Brasil, opinar sobre ela, causar suspense com relação a determinados pormenores

etc.

A epopeia, segundo Hélio Alves, é uma designação de origem grega para o

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gênero literário também chamado poesia épica, ou poesia heroica, que denota “um

texto poético, predominantemente narrativo, dedicado a fenômenos históricos,

lendários ou míticos considerados representativos duma cultura”. O vocábulo pode

estender-se ainda “a um conjunto de acontecimentos históricos percorridos por um

determinado ‘ambiente’ mitificador” (In: E-Dicionário de Termos Literários. Acesso

em: 23 dez. 2013).

Os primeiros grandes exemplos de epopeia produzidos no ocidente foram a

Ilíada e a Odisseia, de Homero, na antiguidade, os quais têm sua origem em

episódios ocorridos durante a Guerra de Troia. São considerados poemas épicos,

ainda, a Eneida, de Virgílio, também produzida na antiguidade; A Divina Comédia, de

Dante Alighieri, escrita no final da Idade Média; Os Lusíadas, de Luís Vaz de

Camões, obra renascentista; e Ulisses, de James Joyce, criada na primeira metade

do século XX.

Quaderna dá a sua narrativa ares epopeicos devido, primeiramente, à natureza

do assunto que pretende tratar: a ressurreição de seu primo e sobrinho Sinésio, que,

desaparecido após o assassinato de seu pai, em 1930, e dado como morto em 1932,

reaparece na Vila de Taperoá em 1935, para buscar o tesouro guardado por Dom

Pedro Sebastião Garcia-Barretto, o qual, segundo a população pobre do local, seria

usado para finalmente libertar o povo de seus sofrimentos com a instauração do

Quinto Império de Jesus Cristo na Terra, e que, segundo a população abastada e as

autoridades, seria usado para financiar a Revolução Comunista.

Além do tema, a forma como o narrador o aborda também garante ao relato

característica de epopeia, pois a grandiosidade com que os acontecimentos (não só

os realizados por Sinésio, mas também, e principalmente, aqueles comandados

pelos ancestrais de Quaderna e por ele próprio no episódio da caçada) são descritos

e narrados é típica dos poemas épicos, cujo objetivo é engrandecer a ação do herói

a fim de exaltar o povo e a nação dos quais ele é representativo: Quaderna narra

tudo com grandeza com a finalidade de justificar por que ele deve ser Rei do Brasil e

seu primo, príncipe, e também visando ao posto de Poeta da Pátria e Gênio Máximo

da Humanidade (posto este que ele acredita pertencer a Homero por ele ter escrito

duas grandes epopeias). Ele, então, quer superar o grego bem como seus dois

mestres, Clemente e Samuel, os quais também têm pretensões literárias.

O memorial caracteriza-se por ser um relato escrito de memórias. O autor ou

narrador que viveu determinado fato conta-o ao leitor. Diferencia-se da novela, do

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romance, do conto e de outros gêneros de predominância narrativa, por

pretensamente referir-se a histórias verídicas ou baseadas em acontecimentos reais.

Ariano Suassuna faz com que seu narrador utilize-se desse gênero para a

composição do Romance a fim de atribuir a seu discurso maior credibilidade perante

seus interlocutores: o júri do processo criminal no qual ele é o réu.

Dessa forma, Quaderna, personagem fictício, desvenda seu passado e o de

seus ancestrais, que foram pessoas reais que viveram na região nordeste, de modo

a explicar o motivo de ele se sentir no direito de ser o novo imperador do Brasil, de

ter apoiado o primo Sinésio na busca pelo tesouro escondido por seu pai em algum

lugar do sertão e de merecer confiança no que diz respeito a uma suposta acusação

de ter sido o assassino do tio, pois ele demonstra que era o braço direito do parente

morto e, portanto, não teria nada a ganhar com essa morte, declarando-se inocente.

A crônica histórica relata fatos históricos em ordem cronológica. Quaderna cita

crônicas famosas em seu discurso com o intuito de comprovar as informações que

são veiculadas nele e, também, de exaltar seus antepassados, uma vez que, para o

narrador, o fato de a historiografia oficial reconhecer os feitos de seus antepassados

ao escrever sobre eles – ainda que em tom declaradamente pejorativo e zombeteiro

– significa que eles foram pessoas importantes e merecedoras de tal destaque

midiático.

Segundo Jayme Paviani, o ensaio é um texto que se caracteriza por ser uma

investigação formalmente desenvolvida, cujo assunto deve ser exposto de maneira

lógica e com rigor. Ele “pode ser de natureza literária, científica e filosófica”

pressupondo, apesar do rigor que deve ter, uma maior liberdade de expressão de

seu autor, que pode “defender uma posição sem o apoio empírico, documentos ou

outros recursos metodológicos” (PAVIANI, 2009, p. 4).

No Romance, aparecem ensaios nos momentos em que Quaderna está

reunido com seus mestres Clemente e Samuel discutindo questões literárias –

como, por exemplo, o tema e a forma que deve ter um livro para que possa ser

considerado como a obra prima de uma nação, consagrando seu autor como poeta

maior da pátria ou até mesmo como gênio máximo da humanidade – questões essas

que, no fundo, refletem e revelam as ideologias e o posicionamento político de cada

um: Clemente é de esquerda e, sendo caboclo, defende a origem negro tapuia da

nação brasileira sobre todas as demais influências e é a favor da instauração do

comunismo em toda a América Latina; Samuel é de direita e, sendo descendente de

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europeus vindos em sua maioria da Península Ibérica, considera a influência branca

proveniente dessa região com a colonização como superior às demais e defende a

monarquia; Quaderna é um mestiço, como grande parte da população brasileira e,

por isso mesmo, traz consigo ideais híbridos e até mesmo inconciliáveis: é a favor de

uma monarquia de esquerda.

O romance ou novela de cavalaria foi a prosa de ficção de maior sucesso de

público nos fins da Idade Média segundo Marcos Antônio Lopes. Ainda de acordo

com esse estudioso:

Sem dúvida, o gênero agradava aos homens e às mulheres, pelo conteúdo fantástico das façanhas de seus protagonistas, em meio a sociedades que cultivavam o herói guerreiro como figura máxima das virtudes cristãs e que, acima de tudo, era opositor e vencedor infalível de infiéis, de bandidos e de monstros. O paladino da história cavaleiresca é quase sempre uma espécie de Ulisses cristianizado, o justiceiro que vai salvar a sua amada e o seu povo das ações de usurpadores. Naturalmente, a ação militar exercia fascínio entre homens de costumes rústicos, e o conteúdo romântico da narrativa atingia em cheio o coração das donzelas sonhadoras. [...] Em uma perspectiva abrangente do gênero, pode-se afirmar que os romances de cavalaria foram variações de um só enredo. Eles sempre realçavam as vitórias gloriosas do herói sobre os opressores dos desvalidos. Decorrido um certo tempo da narrativa, ouve-se apenas o pranto dos inocentes oprimidos pelos sequazes de algum poderoso de péssima índole, até que o paladino toma ciência das injustiças cometidas. Daí em diante, é a escalada da mais pura energia virtuosa, um verdadeiro festival de punições dos agravos, uma torrente de força que restaura a ordem natural das coisas. Essa base de heroísmo é acrescida de uma complicada trama romanesca cheia de interditos e desencontros amorosos. Isso porque, na composição do romance cavaleiresco, não pode faltar uma intensa paixão, daquelas que removem montanhas. A presença de uma dama de excepcional beleza é um dos elementos vitais da estrutura do romance, e ainda mais na última fase dessa literatura, na qual se acentua a galanteria. À beleza superlativa da mulher é preciso acrescentar as virtudes do sexo frágil: fidelidade e pureza em primeiro plano. A figura feminina era indispensável ao cavaleiro, porque só realizavam verdadeiras façanhas se existisse o combustível da paixão por uma donzela. A única recompensa em jogo era a “resposta” que o cavaleiro receberia da dama de seus pensamentos. Mas, junto com as experiências fantásticas, foi o erotismo o elemento que, na composição do romance, acrescentou os diferenciais que livraram o gênero da toada monocórdia das façanhas de armas dos cavaleiros. Por sua amada, os cavaleiros faziam promessas como, por exemplo, andar com um dos olhos vendados, enquanto não conseguissem dar cabo de uma proeza; por ela deixa-se crescer a barba, à espera da realização de um feito de armas etc. [...] As recorrências do fantástico e do maravilhoso — monstros, espíritos, gigantes — completam o tripé dos motivos dessa literatura, que não sabia distinguir o que era realidade efetiva e o que

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pertencia à criação ficcional: o real e o figurativo se fundiam num mesmo conjunto de alegorias. (LOPES, 2009, pp. 156-157)

No Romance, o amor de Sinésio e Heliana é narrado nos moldes da novela de

cavalaria: ele é um cavaleiro de descendência nobre cujos objetivos de luta são

grandiosos e ela é uma moça bonita e sonhadora, também de linhagem nobre, por

quem ele se apaixona praticamente à primeira vista, o que remete ao amor cortês

presente nessas novelas. A profecia realizada por Quaderna de que Sinésio

transformará o povo humilde do sertão em pessoas felizes, bonitas, ricas e imortais,

punindo os poderosos que o oprimem também remete às façanhas dos cavaleiros.

O folhetim é uma narrativa que se caracteriza por ser publicada de forma

parcial e sequenciada em periódicos. Desse gênero literário derivaram-se as

radionovelas e, posteriormente, as telenovelas. Sousa explica a origem da palavra

folhetim e seu uso como gênero literário:

Termo português para o francês feuilleton, derivado de feuille (folha). Aplicava-se a um espaço regular inferior das páginas de jornais, preenchido sobretudo por longos romances publicados como séries, mas também por crítica literária, artigos humorísticos e até poesia, como é frequente no caso português. O romance publicado nestas condições adquiriu certas características, que determinaram o significado actual do adjectivo “folhetinesco”: o texto de cada número de jornal devia constituir um episódio ou lucubrações apresentadas de tal modo que, produzindo um efeito de suspense (v.) levassem o leitor a querer ler o número seguinte. O caso mais típico e prolífero na literatura portuguesa foi o de Camilo Castelo Branco, cujos numerosos romances foram na sua maior parte apresentados desta maneira, em jornais como a Revolução de Setembro. Também Herculano e Garrett publicaram as suas obras narrativas em folhetim nas revistas literárias como Panorama. (In: CEIA, Carlos. E-Dicionário de Termos Literários)

O Romance tem muitas passagens que o aproximam do gênero folhetinesco. O

uso de mecanismos de suspensão, manutenção e reatamento do sentido visa não

apenas a prender a atenção do leitor, mas também – e principalmente – a tardar o

desenlace de diversas questões propostas pelo narrador ou pelo Juiz Corregedor

que o interpela, seja porque ele tem medo de revelar certos fatos referentes à

história pregressa de sua família ou sua própria que poderiam vir a prejudicá-lo no

processo que está sofrendo, seja porque ele quer florear o estilo de modo a construir

uma narrativa que possa vir a consagrá-lo como o Poeta da Nação ou até mesmo

como o Gênio Máximo da Humanidade.

Além de o narrador fazer uso de outros gêneros literários para compor seu

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romance, ele e as demais personagens ainda citam outros autores e outras obras

literárias a fim de comprovar seus pontos de vista com relação a determinados

assuntos.

No Romance, tanto Quaderna quanto seus mestres Clemente e Samuel citam

muitos autores de obras literárias, históricas e sociológicas, ora para elogiá-los pelo

conteúdo, pela forma ou pela ideologia expressa em sua produção, ora para criticá-

los negativamente pelos mesmos motivos. Em mais de uma ocasião, um dos três

personagens admira o escritor ou a obra enquanto os outros não reconhecem seu

valor artístico, o que gera embates entre eles.

Alguns dos escritores muito citados por serem considerados grandes e vistos

como precursores de Quaderna são: Homero e Camões (pelo fato de terem

produzido suas grandes epopeias após terem ficado cegos), Pero Vaz de Caminha

(porque era um escrivão, profissão que o narrador também exerce), Padre Antônio

Vieira (por ter sido, também, um sebastianista), Machado de Assis (por ter sofrido de

epilepsia, como Quaderna também diz sofrer), José de Alencar e Euclydes da Cunha

(por terem escrito sobre o povo brasileiro e o sertão, assunto com o qual o narrador

se identifica), Olavo Bilac (por ter sido pobre, porém ter escrito sobre coisas belas,

tal como Quaderna pretende fazer) e Leandro Gomes de Barros (por ter sido um

grande escritor de folhetos de cordel).

Outros escritores são mencionados como referência por terem um alto status

social e/ou serem historiadores, o que, para o narrador, garante legitimidade ao seu

discurso, que é aceito como verdade factual e não como interpretação pessoal de

acontecimentos. São eles: Carlos Dias Fernandes (por ter sido um acadêmico

paraibano), Antônio Áttico de Souza Leite (historiador a quem Quaderna atribui o

título de “Doutor” e cujo discurso utiliza para comprovar que sua família realmente

instituiu uma monarquia na Pedra Bonita) e Amorim Carvalho (retórico e gramático

de Dom Pedro II, a quem o narrador também intitula de “Doutor” e cujos

ensinamentos segue apesar de ele ser protegido do “falso” imperador).

Três das grandes obras com as quais o Romance dialoga explicitamente são: A

Odisseia, de Homero, Os Lusíadas, de Luís Vaz de Camões, e Moby Dick, de

Herman Melville.

A Odisseia conta as aventuras e desventuras de Ulisses, que após a queda de

Troia, passa muitos anos navegando, perdido, mas consegue finalmente voltar para

casa triunfante devido à ajuda que recebeu dos deuses do Olimpo em sua

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empreitada. Ao referir-se a essa obra, o narrador diz que ela é exemplar por tratar de

feitos guerreiros e que, portanto, ele também escreverá algo equivalente em

grandiosidade. Porém, ele afirma que superará Homero e tornar-se-á o Gênio

Máximo da Humanidade porque é um mestiço brasileiro, e não alguém que não

existiu, argumento esse que ele emprega por Clemente comentar que há estudos

que apontam que a Odisseia não foi obra de um homem sozinho, e sim uma obra

coletiva, e que Homero seria um pseudônimo de uma coletividade, não de um

indivíduo específico:

– Como é? E o cargo de “Gênio Máximo da Humanidade” também está vago? Pergunto, porque, no “Seminário da Paraíba”, a gente estudava Retórica num livro do Doutor Amorim Carvalho, as Postilas de Retórica e Gramática. Esse Doutor era “Retórico do Imperador Pedro II”, de modo que sua palavra não é brincadeira, e ele afirma que, de todos os Poetas, “o primeiro, no tempo e na glória, é Homero”! – Discordo inteiramente, porque está absolutamente errado! – disse Clemente. – Essa idéia6 da autoria individual das obras é reacionária e está ultrapassada! Hoje, está provado que Homero nunca existiu! Os dois poemas que são a “obra da raça grega” foram compostos aos poucos, pelo Povo, e reunidos depois pelos eruditos! – A autoria da obra é sempre trabalho de um homem só! – disse Samuel, já se irritando. – Homero não foi o “Gênio Máximo da Humanidade”, mas o motivo principal disso foi a vulgaridade, a grosseria que o levou a lançar mão daquelas horríveis histórias populares! Eu procurei, de novo, esfriar a briga. Interrompi: – Bem, o importante é que já estão demonstradas três teses essenciais! Primeiro, que o “Gênio da Raça” é um escritor. Segundo, que o cargo de “Gênio da Raça Brasileira” está ainda vago. E terceiro, que ainda está vago, também, o de “Gênio Máximo da Humanidade”, porque o único candidato apontado até agora, Homero, além de não existir, era grosseiro e vulgar! Tudo isso constará na nossa ata, recebendo, assim, o selo oficial e acadêmico que lhe dará certeza! (SUASSUNA, 2012, pp. 191-192)

Os Lusíadas é uma epopeia do escritor português Luís Vaz de Camões em que

são narrados com grandiosidade os feitos de Vasco da Gama na expansão marítima

portuguesa. Nela, como na Odisseia, há episódios em que deuses mitológicos

interferem na ação. Além disso, na obra, é exaltada a nação portuguesa por suas

realizações no momento em que a obra foi escrita – participação nas grandes

navegações – e por sua história anterior. Essa epopeia foi dedicada por Camões ao

6 Nesta e nas demais citações da obra literária, optamos por não atualizar a ortografia utilizada pelo autor para a vigente no momento atual. Em contrapartida, nas citações de obras teóricas e analíticas recorrentes ao longo de nosso texto, escolhemos fazer as atualizações necessárias.

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então rei Dom Sebastião, segundo afirmam estudiosos, para incitar o jovem monarca

à guerra.

Quaderna cita o primeiro verso do Canto I d’Os Lusíadas, “As armas e os

barões assinalados”, no título do Folheto XLI, em que é narrada a preparação para o

duelo entre Samuel e Clemente. A utilização desse verso é feita com a intenção de

ironizar o “ordálio”, ridicularizando-o, uma vez que as armas escolhidas para ele por

Clemente foram dois penicos e que essas disputas eram frequentes entre os dois

opositores, que nunca chegavam sequer próximo de saírem mortos delas:

– São dois penicos! – disse Malaquias com uma expressão que exasperou logo o Fidalgo. – Era esse o telengo-tengo, Professor Clemente? – O telengo-tengo era esse! – confirmou o Filósofo. Samuel empalideceu e gaguejou, exasperado: – Que brincadeira de mau gosto é essa, Clemente? Você está gracejando com uma coisa séria como nossa refrega? – Gracejando o quê? Por acaso eu iria faltar com o respeito a um acontecimento no qual vou arriscar minha vida? Samuel, para mim, a Revolução é uma coisa sagrada! – E como é que vem com uma palhaçada dessas? Como é que escolhe dois objetos tão ridículos como armas para nossa pugna? – Escolhi, em primeiro lugar, porque a Esquerda com seus pontos de vista sérios e científicos, não vê nada de ridículo em objetos úteis. Em segundo lugar, para desmoralizar a Fidalguia. Em terceiro lugar, para mostrar como minha luta é realmente uma luta do Povo, uma luta popular. E finalmente, para desmascarar de uma vez para sempre sua figura empafiada de falso Fidalgo dos engenhos de Pernambuco! Você vai morrer por minha mão, hoje, Samuel! E, o que é pior, vai morrer levando penicadas! (SUASSUNA, 2012, pp. 283-284)

A imagem que ilustra a passagem do ordálio permite perceber que Suassuna

emprega o recurso da carnavalização, a qual consiste “na transposição do carnaval

para a linguagem da literatura” (Bakhtin, 2008, p. 140). O carnaval caracteriza-se

pela “fusão do sublime com o vulgar” (BAKHTIN, 2008, p. 123), pela utilização de

“imagens pares, escolhidas de acordo com o contraste (alto-baixo, gordo-magro,

etc.) e pela semelhança (sósias-gêmeos)”, bem como pelo “emprego de objetos ao

contrário: roupas pelo avesso, calças na cabeça, vasilhas em vez de adornos de

cabeças, utensílios domésticos como armas, etc.” (idem, p. 144).

Na gravura, devido à ausência de perspectiva que é característica da

xilogravura, quem parece estar duelando são os cavalos, não os cavaleiros, os quais

mais parecem estar levantando dois canecos como forma de comemoração do que

se enfrentando furiosamente. Esse efeito é transmitido porque os adversários,

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vestidos com as roupas que, nas cavalhadas organizadas por Quaderna,

representavam os mouros e os cristãos, tiveram por armas dois penicos, os quais

foram escolhidos por Clemente e tiveram que ser aceitos por Samuel, embora não

sem hesitação.

A imagem, aliada à narrativa do duelo, torna esse episódio cômico porque o

ridiculariza ao extremo: o “ordálio”, apesar de toda a pompa com que se apresentam

os adversários, nada tem de nobre, uma vez que as armas são apenas dois objetos

“úteis”, como afirma o próprio Clemente e, fora isso, também não é uma “refrega”

séria, pois a narração de Quaderna dá a entender que esse tipo de disputa ocorria

frequentemente entre seus dois mestres, o que significa que nada tinham de fatais.

Conforme aponta Maioli (2008, p. 177), essa imagem demonstra como as

convenções do duelo são relativizadas no nível plástico do Romance:

As pretensões estéticas perseguidas pelo narrador aparecem retratadas na presente imagem. Nela, aparecem os quatro naipes do baralho, elementos que refletem a tendência de Quaderna em unificar as concepções opostas. Além disso, a simetria da figura revela a justaposição dos elementos extremos. Assim do lado direito, constata-se a representação de Clemente, e do esquerdo, a de Samuel. Nota-se ainda que gravura reproduz, por meio de uma linguagem não verbal, a concretização do desejo do cronista, uma vez que os dois mestres aparecem montados em seus respectivos cavalos e vestidos com as capas das cavalhadas. A tensão da imagem é manifestada pela presença de um utensílio de uso doméstico que, desviado de sua função habitual, é elevado à condição de arma bélica. Logo, verifica-se que a seriedade e a nobreza inerente ao ato de duelar são parodicamente subvertidas mediante o processo de carnavalização, o qual pode ser claramente exemplificado pela substituição da lança e da espada por dois penicos, objetos associados com o “baixo” escatológico.

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Figura 1: O Duelo (SUASSUNA, 2012, p. 298).

É feita, ainda, uma referência a Moby Dick, romance de Herman Melville cujo

título é o nome da personagem principal da narrativa: uma baleia cachalote que,

mesmo tendo sido ferida diversas vezes, conseguiu sobreviver e matar – ou ferir

gravemente – seus caçadores. Esse romance trata da luta do capitão Ahab,

considerado louco por ter ficado obcecado por Moby Dick após ter perdido uma

perna em combate contra ela, e de sua tripulação contra esse monstro marítimo da

qual ninguém sai vivo exceto Ismael, o narrador da história. Quando alude a esse

romance, Quaderna quer menosprezar o tamanho e a ferocidade do animal nele

retratado a fim de exaltar os monstros que perpassam o imaginário popular brasileiro

e latino-americano: ele compara a baleia a uma das encarnações possíveis da Besta

Bruzacã por meio de uma gravura e de sua respectiva legenda que retratam esta

última como sendo muito maior e mais fatal que aquela:

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Figura 2: Besta Bruzacã e Moby Dick, (SUASSUNA, 2012, p. 409).

A legenda que segue a gravura dá a entender que Quaderna acredita que o

Brasil e a América Latina são superiores aos Estados Unidos – e aos estrangeiros de

modo geral – em tudo, inclusive nos monstros que povoam suas histórias e lendas,

que são mais ferozes que os deles. Com isso, Quaderna demonstra estar de acordo

com os preceitos do Movimento Armorial de Suassuna, que prega a valorização do

elemento nacional em detrimento do estrangeiro:

Encarnação da Besta Bruzacã. Pela baleia que Taparica colocou embaixo, vê-se a enorme superioridade até dos monstros latino-americanos sobre os bestíssimos monstrinhos estrangeiros que aparecem em outras epopéias – se bem que o cachalote aí representado seja brasileiro, pois foi copiado por Taparica do retrato de um desses bichos, que são frequentíssimos, aqui na Paraíba, na Praia da Costinha. (SUASSUNA, 2012, p. 409 – grifo nosso)

Bruzacã também recebe, no Romance, os nomes “Hipupriapa” e “Ipupiara”

(SUASSUNA, 2012, p. 345) e aparece na Antologia do Folclore Brasileiro (1943), de

Câmara Cascudo, como um “demônio” capaz de reencarnar-se em diferentes formas

físicas e de aterrorizar os índios. Ao representar Bruzacã na obra, Quaderna não só

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pretende comprovar sua existência, mas principalmente, segundo Maioli, salientar,

por meio da metalinguagem, a superioridade da epopeia brasileira visando a

alcançar sua pretensão de tornar-se o Gênio da Raça e, posteriormente, o Gênio

Máximo da Humanidade. A importância das xilogravuras no texto de Suassuna, para

a pesquisadora, é a de, ao serem recriadas parodicamente na estrutura romanesca,

continuarem a exercer suas funções de ornamento e apelo ao público, mas também

de desempenharem “outros papéis fundamentais para a concretização do imaginário

cavaleiresco esboçado ao longo da narrativa”. Assim, Maioli afirma que essas

gravuras “podem servir como implemento que alicerça o discurso metalinguístico

inerente à malha textual, funcionando como um dos recursos empregados para

explicitar a construção do próprio texto narrado” (2008, p. 130).

A minissérie também traz referências a grandes obras e escritores da literatura

mundial. Aos 00:23:07 do terceiro capítulo, Quaderna usa a Ilíada e a Odisseia como

grandes exemplos de trabalhos realizados por diascevastas. Ele ressalta a

nacionalidade dessas duas obras e caracteriza o povo grego como “ladrões de

cavalo, ladrões de bode e vaqueiro” de modo a inferiorizar o povo e, por

conseguinte, as obras. Seu objetivo com a inferiorização é argumentar que é

possível que ele produza uma obra que as supere, tornando-se o Gênio Máximo da

Humanidade.

Outra referência à literatura mundial ocorre aos 00:34:04 do mesmo capítulo,

quando Quaderna exalta o enigma da morte de seu tio perante outros enigmas

estrangeiros que “basta um detetive particular para descobrir”. Os estrangeiros a que

o narrador se refere nessa passagem são os romances policiais cuja intriga pode ser

facilmente resolvida por alguém que consiga atentar-se às pistas encontradas.

Aos 00:37:11 do quarto capítulo, Quaderna acredita que sua cegueira lhe fará

bem, pois, segundo ele, os grandes poetas épicos eram cegos, começando por

Homero. Ele, assim, inspira-se nesses escritores para escrever sua epopeia.

Por fim, dos 00:38:54 aos 00:47:04 do quinto capítulo, Quaderna pede para

ficar preso para poder ter uma biografia heroica como a de Cervantes e de tantos

outros gênios. Ele tem um desmaio nos braços de Dona Margarida e sonha que está

sendo coroado “Rei da Távola Redonda da Literatura do Brasil” pelo Arcebispo da

Paraíba, Olavo Bilac, Cervantes, Shakespeare e mais dois escritores, provavelmente

José de Alencar e Euclides da Cunha. Podemos considerar essa passagem do

sonho/delírio como uma referência à obra-prima de Cervantes, Dom Quixote (1605),

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cujo protagonista enlouquece devido ao excesso de leituras de romances de

cavalaria, os quais lia sem manter distanciamento crítico e mesmo histórico e cujos

valores tentava resgatar em sua vida, crendo ser, ele próprio, um “leal cavaleiro”.

Assim como ele, Quaderna também tem contato com diversas obras literárias e se

deixa influenciar por elas.

No entanto, apesar do estabelecimento de diálogos com outras obras e

autores, os diálogos mais significativos realizados pela minissérie são com outros

gêneros do discurso, tais como o teatro e a pintura.

Em termos de preparação de atores, de montagem de cenários e de escolha

de objetos de cena, A Pedra d’O Reino dialoga com o teatro, pois se utilizou de

técnicas mais comumente empregadas nos palcos do que na televisão, algumas das

quais podemos ver na tela e outras que sabemos terem sido usadas por meio da

leitura de registros paratextuais como entrevistas concedidas pela equipe

participante e cadernos de filmagens e de fotografias publicados pelo diretor

concomitantemente à exibição do programa, em 2007.

A minissérie apresenta alguns cenários e objetos de cena que podem ser

considerados não-naturalistas porque não se mostram como sendo a coisa que

representam ser, mas declaram seu estatuto de símbolo por sua aparência, textura,

tamanho ou tridimensionalidade, os quais não pretendem mimetizar os locais ou

objetos reais, mas apenas aludir a eles.

É o que ocorre com os animais presentes em cena ao longo de toda a

minissérie – cavalos, bois, onças, cobras, preás, gaviões –, que são todos bonecos

construídos de forma artesanal por profissionais da região onde o programa foi

gravado, Taperoá, com a finalidade de torná-lo popular no sentido original da

palavra, isto é, “feito pelo povo”.

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Figura 3: Quaderna, acompanhado de seu irmão Malaquias e de seu amigo Euclydes Villar,

sai montado em cavalos mecânicos rumo às Pedras do Reino, ao 00:31:33 do primeiro

capítulo.

A escolha de representar esses animais através de bonecos e não de seres

vivos treinados causa estranheza no espectador acostumado a ver objetos que

simulam os reais – tais como o dinheiro e os alimentos cenográficos que aparecem

com frequência em filmes, novelas e até mesmo minisséries –, tem o intuito maior de

remeter ao tom hiperbólico e fantasioso da narração empreendida por Quaderna, a

qual não é uma narração que ocorre num ambiente natural e visa a relatar a verdade

dos fatos, como poderia ser caso ele se apresentasse como um homem velho que

estivesse contando sua história para um neto seu, por exemplo. Pelo contrário, ela

faz parte do projeto de escrita do livro que ele pretende que seja um romance

epopeico – obra ficcional – ainda que retome elementos ditos por ele “reais”. Por

isso, utilizar animais “de mentira” corrobora para a construção do sentido de que

tudo aquilo que Quaderna está contando talvez nunca tenha acontecido realmente,

mas apenas faça parte de um construto, tão fictício quanto os animais artificiais

exibidos na tela.

É o que acontece, ainda, com a representação das pedras que dão nome ao

título e que constituem o local onde os ancestrais de Quaderna profetizaram a volta

de Dom Sebastião e promoveram matanças como sacrifício para que o retorno do

monarca finalmente pudesse ser concretizado. Elas existem geograficamente, estão

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localizadas na divisa do estado de Pernambuco com a Paraíba, e a equipe poderia

ter ido até elas para gravar as cenas referentes aos episódios sangrentos dos

bisavós do narrador e à sua ida até lá como ritual de retomada do trono de sua

família.

No entanto, a preferência foi por representá-las como pintura em tecido,

estendido num ambiente fechado que parece um palco de teatro, para enfatizar a

ação da personagem pela expressão do ator, bem como a intensidade humana

dessa ação, em detrimento da referência física ao local. A ideia da ficção fantasiosa

de Quaderna dentro da ficção maior de Luiz Fernando também se concretiza com a

antítese empregada: a escolha do tecido para representar a aspereza das pedras.

O autor da pintura em tecido foi Manuel Dantas Suassuna, filho de Ariano

Suassuna, o qual não pinta as pedras de modo naturalista, isto é, fazendo-as

parecer-se ao máximo com as formações rochosas reais, mas sim de maneira

icônica, ou seja, de forma que o painel apenas simbolize essas formações por meio

de alguma semelhança (o formato e a disposição das rochas) sem, contudo, deixar

de mostrá-las como o que realmente são – um construto ficcional:

Figura 4: Pintura das pedras feita em painel de tecido por Manuel Dantas Suassuna.

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Figura 5: Quaderna é fotografado por Euclydes Villar em frente às Pedras do Reino quando

vai conhecê-las pessoalmente para consagrar-se Imperador do Brasil, no primeiro capítulo.

Os atores também receberam treinamento diferente do que costumam receber

quando atuam em televisão. Estudaram técnicas de expressão corporal e vocal

durante um período maior e in loco, as quais visavam a que eles realizassem um

trabalho mais intenso com seus corpos, como no teatro, e não como geralmente há

no cinema e na TV.

Figura 6: Preparação de atores com vendas. Imagem disponível no extras do DVD 2 e

também nos cadernos de fotografias de Renato Rocha Miranda.

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A preparação foi feita por profissionais do teatro que promoviam atividades com

máscaras e vendas a fim de que cada ator explorasse mais a potencialidade de seu

corpo e criasse uma conexão com os outros que pudesse transparecer nas

filmagens.

Também estão presentes na constituição das cenas da minissérie referências a

personagens e elementos da commedia dell’arte e a pinturas que recriam cenas

religiosas, especialmente as de Giotto Di Bondone.

Segundo Freitas (2008, p. 66), a commedia dell’arte foi uma forma de teatro

popular improvisado iniciada na Itália no século XVI – em oposição à comédia

erudita, a qual era baseada no teatro clássico e estava restrita às camadas mais

elevadas da sociedade – e que se manteve popular até o século XVIII em vários

países da Europa. Era realizada sobre as carroças das companhias, as quais eram

itinerantes, ou sobre pequenos palcos improvisados pelas ruas e praças públicas

das cidades aonde chegavam.

Seus principais personagens eram o arlecchino, o brighella, o dottore, o

pantalone e a colombina, cada um dos quais geralmente era interpretado pelo

mesmo ator do início ao fim de sua carreira de modo que tinha suas características

físicas e suas habilidades cômicas exploradas até o limite, o que contribuía para que

fosse caracterizado como personagem-tipo e fosse facilmente reconhecido pelo

público, algo que também era propiciado por suas vestimentas, suas máscaras (que

deixavam livre a parte inferior do rosto) e seus acessórios específicos (FREITAS,

2008, pp. 66-67):

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Figura 7: Principais personagens da commedia dell’arte. Disponível em:

http://www.teatrodinessuno.it/maschere-commedia-arte. Acesso em: 15 nov. 2013.

Algumas das referências que a minissérie faz a esse teatro foram percebidas

por Fernanda Areias de Oliveira em sua dissertação de mestrado Novas

possibilidades para a teledramaturgia: A Pedra do Reino: uma adaptação televisiva

por Luiz Fernando Carvalho (2009, pp. 85-86): elas estão presentes na

caracterização do personagem-narrador Quaderna e do palco de onde ele conta sua

história. Quaderna se assemelha ao arlecchino tanto no que diz respeito à

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vestimenta quanto à expressão corporal:

Figura 8: Arlecchino da commedia dell’arte. Disponível em:

http://www.teatrodinessuno.it/maschere-commedia-arte. Acesso em: 15 nov. 2013.

Figura 9: Quaderna, aos 00:18:53 do primeiro capítulo da minissérie, observa o corpo do tio

morto sendo levado para o enterro.

No entanto, o diretor, nos cadernos de filmagem, compara-o, ainda, ao

cucurucu, outro personagem famoso da commedia dell’arte:

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Figura 10: Personagem Cucurucu. Razullo and Cucurucu (1622), Jacques Callot (1592-

1635) - National Gallery of Canada (no. 39293.19) – Gravura em vergê, 9,5 x 12,6 cm.

Disponível em: http://www.gallery.ca/en/see/collections/artwork.php?mkey=48094. Acesso

em: 15 nov. 2013.

O palco utilizado por Quaderna guarda semelhanças com os palcos usados

pelas trupes itinerantes da commedia dell’arte, uma vez que também é móvel e foi

montado no meio da Vila de Taperoá:

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Figura 11: Palco da commedia dell’arte. A Party of Charlatans in an Italian Landscape, Karel

Dujardin, 1657 – Museu do Louvre, Paris – Óleo sobre tela, 45 x 52 cm. Disponível em:

http://www.1st-art-gallery.com/Karel-Dujardin/A-Party-Of-Charlatans-In-An-Italian-Landscape-

1657.html. Acesso em: 01 set. 2014.

Figura 12: Proscênio do palco de Quaderna aos 00:29:46 do primeiro capítulo. Ele observa a

cavalhada entre o cordão azul e o encarnado.

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Figura 13: Fundo do palco de Quaderna aos 00:34:09 do segundo capítulo. Quaderna

questiona a qualidade de seu reinado enquanto ouve o Juiz Corregedor dizer que tudo será

pesado e punido.

As personagens Dona Margarida, Samuel e Clemente também foram

inspiradas em personagens da commedia dell’arte: a Colombina, o Brighella e o

Dottore, respectivamente.

Figura 14: Dona Margarida tomando nota do depoimento de Quaderna aos 00:29:53 do

terceiro capítulo.

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Figura 15: Samuel (esquerda) e Quaderna (centro) ouvem Clemente (direita) explicar sua

Filosofia do Penetral aos 00:28:23 do segundo capítulo.

A escolha em dialogar com um tipo de produção cultural popular certamente

não foi aleatória nem casual, ela reflete os propósitos específicos do diretor e da

equipe de produção como um todo com esse trabalho: criar uma obra de arte que

pudesse ser considerada erudita pelo cuidado e sofisticação com que sua linguagem

foi pensada e elaborada, mas que fosse, ao mesmo tempo, constituída de elementos

da cultura popular, assim como o romance no qual ela foi baseada.

Nesse sentido, a minissérie foi fiel ao projeto artístico de Ariano Suassuna e ao

próprio Movimento Armorial lançado por ele em 1970, fato que, por si só, não a

qualifica nem desqualifica como produção estética independente, mas que nos serve

como indicação da direção que foi tomada em diversos outros aspectos: a de

dialogar consensualmente com seu hipotexto.

A pintura também está presente na minissérie. Como já observou Oliveira

(2009, pp. 110-121), Luiz Fernando Carvalho inspirou-se em afrescos do italiano

Giotto Di Bondone (1267-1337) que retratam eventos religiosos e feitos de santos

para criar o cenário onde morreu Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto bem como

para apresentar o personagem Sinésio e sua chegada à Vila de Taperoá:

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Figura 16: Legend of St. Francis: 10. Exorcism of the Demons at Arezzo (1297-1299).

Afresco, 270 x 230 cm – Basílica de São Francisco de Assis, Assis. Disponível em:

www.wga.hu. Acesso em 15 nov. 2013.

Figura 17: Onça ou Moça Caetana sobre a torre onde Pedro Sebastião Garcia-Barretto foi

encontrado morto. Imagem mostrada aos 00:17:00 do primeiro capítulo.

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A torre por sobre a qual pairam os demônios de Arezzo é reproduzida na

minissérie: ela é o local onde morreu Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto e, por

sobre ela, paira a Onça Caetana, também uma espécie de demônio alado – como os

de Giotto – que representa a morte.

Figura 18: No. 26 Scenes from the Life of Christ: 10. Entry into Jerusalem (1304-1306).

Afresco, 200 x 185 cm – Capella Scrovegni, Pádua. Disponível em: www.wga.hu. Acesso em

15 nov. 2013.

Figura 19: Chegada do Rapaz-do-Cavalo-Branco acompanhado do Doutor Pedro Gouveia e

outros homens. Imagem mostrada aos 00:09:07 do primeiro capítulo.

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Sinésio chega à Vila a cavalo, acompanhado de seus seguidores, assim como

o Cristo de Giotto, e depara-se com diversas pessoas, muitas das quais aguardavam

ansiosa e esperançosamente o seu retorno.

O motivo para a escolha das obras de Giotto como inspiração, segundo

Carvalho, deve-se às cores e à textura utilizadas por ele, as quais remetem ao

elemento terra e lembram mais uma tapeçaria que uma pintura, efeitos considerados

importantes pelo diretor para a recriação imagética do sertão suassuniano:

Essas possibilidades que Giotto encontrava ao pintar afrescos, que na verdade são pinturas sobre a Terra – o Elemento Terra, bem como se fossem pinturas rupestres – é o elemento que mais me interessa buscar. Pintar sobre a Terra. Filmar sobre a Terra. Projetar luzes sobre toda e qualquer superfície que seja capaz de se transformar em um afresco, em uma iluminação sobre a Terra. Um sistema de cores pode nascer deste princípio simples. As cores terrosas, que se apresentam de inúmeras formas e luzes, desde a mais fina areia branca até a rocha dourada e vermelho do barro”. LFC * A questão da luz e da textura: Minha intenção é trabalhar os planos, o movimento dos atores, os figurinos, os elementos cenográficos; enfim, tudo, dentro da ideia de um afresco. Um grande afresco – à maneira de Giotto, onde se pode perceber uma infinidade de cores e uma textura que me lembra uma tapeçaria e não uma pintura. (CARVALHO, 2007, pp. 80-81, grifo do autor)

Outra razão para a escolha de Giotto certamente foi o caráter inovador que o

artista imprimiu à pintura renascentista, sujeitando o esquema tradicional a uma

“simplificação radical”:

A ação desenvolve-se paralelamente ao plano do quadro; paisagem, arquitetura e figuras foram reduzidas ao mínimo essencial; a gama ilimitada e a intensidade de tons da pintura em afresco (cores diluídas em água, aplicadas sobre o reboco ainda fresco da parede) acentua ainda mais o aspecto austero da arte de Giotto. (JANSON, 1996, p. 150)

Em Entrada de Cristo em Jerusalém, Giotto consegue obter o efeito de

realidade da cena apresentada pelo fato de seu espaço pictórico ser apresentado de

modo a “fazer com que o olhar do espectador fique ao mesmo nível das cabeças das

figuras”, parecendo “dar continuidade ao espaço em que nos encontramos”. Seu

grande mérito foi o caráter tridimensional de seus “traços vigorosos”, “tão

convincente que eles parecem quase tão sólidos quanto esculturas independentes”:

Com Giotto, as figuras criam o seu próprio espaço, e a arquitetura é

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reduzida ao mínimo exigido pela narrativa. Consequentemente, sua profundidade é obtida através dos volumes combinados dos corpos sobrepostos na pintura, mas, mesmo restrito a esses limites, os resultados são muito convincentes. Para aqueles que viram pela primeira vez este tipo de pintura, o efeito deve ter sido tão espetacular quanto o dos primeiros filmes em Cinerama; seus contemporâneos o louvaram como igual, ou mesmo superior, aos maiores pintores antigos, pois suas formas pareciam naturais ao ponto de confundirem-se com a própria realidade. Giotto considerava a pintura superior à escultura – uma pretensão nada vã, pois ele de fato inicia o que poderíamos chamar de “era da pintura” na arte do Ocidente. Entretanto, seu objetivo não era simplesmente rivalizar com a estatuária; queria antes que o impacto total da cena atingisse o espectador de imediato. Se observarmos as pinturas anteriores, constataremos que nosso olhar percorre vagarosamente cada detalhe, até cobrir toda a superfície. Giotto, ao contrário, não nos convida a examinar demoradamente pequenos pormenores, nem a percorrer novamente o espaço pictórico; mesmo os grupos de figuras devem ser vistos como blocos, e não como aglomerados de indivíduos. Cristo encontra-se sozinho no centro, ao mesmo tempo que preenche o espaço entre os apóstolos que avançam pela esquerda e os habitantes da cidade, em atitude de reverência, à direita. Quanto mais estudamos esse quadro, mais nos damos conta de que sua força e clareza majestosas encerram a mais profunda expressividade. (JANSON, 1996, pp. 150-151)

Ainda, um motivo para Carvalho ter se inspirado em pinturas de Giotto para

compor algumas cenas foi o de identificação dos temas nelas representados.

A cena de Sinésio chegando à Vila, assim como o quadro de Giotto citado

acima, inova em seu meio ao conduzir o espectador a manter o olhar no mesmo

nível das cabeças das personagens devido ao enquadramento utilizado: o primeiro

plano, que, segundo Araújo (1995, p. 63), é aquele que foca a personagem da

cintura para cima. Na televisão e no cinema naturalistas, essa cena teria sido filmada

em plano de conjunto, isto é, com todo o grupo de personagens do bando sendo

focado ao mesmo tempo a fim de transmitir com mais ênfase a ideia de chegada

abrupta e inesperada, de uma invasão.

A respeito da identificação com o tema da pintura, percebemos que ocorre

com relação às personagens centrais de cada cena: Cristo e Sinésio. Enquanto o

centro da imagem de Giotto é Cristo, o centro da imagem da minissérie é Sinésio, o

que permite a identificação desse personagem como uma figura messiânica, sentido

que perpassa toda a narrativa.

Dessa forma, a minissérie, ao mesclar a linguagem televisiva a elementos

oriundos de outras artes, aproxima-se do Romance no que diz respeito à variedade

de gêneros que compõem seu discurso. Ela o faz, no entanto, não apenas tendo a

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hibridação de gêneros como um fim em si mesmo, assim como Giotto não utilizava a

perspectiva e o jogo de luz e sombra como fins (GRAHAM-DIXON, 2013, p. 86), mas

sim para construir significados específicos e transmitir mais e melhor as emoções

das cenas retratadas.

2.1.2 Capa, gravuras e vinheta de abertura: cordel e antecipação narrativa

A literatura de cordel é “uma expressão literária popular característica do

interior do Nordeste, em especial dos estados de Pernambuco, Paraíba, Rio Grande

do Norte e Ceará” (Enciclopédia Literatura Brasileira). Segundo Gonçalo Ferreira da

Silva, em Vertentes e evolução da literatura de cordel (2011, p. 11), o cordel existe

desde a época dos povos conquistadores greco-romanos, fenícios, cartagineses,

saxões etc., tendo chegado à Península Ibérica por volta do século XVI, onde

recebeu os nomes “pliegos sueltos” (Espanha) e “folhas soltas” ou “volantes”

(Portugal). Foi trazido para o Brasil com a colonização e seu nome, que causou

polêmica por aqui, deve-se à forma como os folhetos eram comercializados em

Portugal: pendurados em cordões que eram chamados de cordéis. Alguns

estudiosos e escritores brasileiros de cordel têm a opinião de que em vez de

“literatura de cordel”, essa literatura seja chamada de “literatura popular” ou até

mesmo “poesia nordestina” pelo fato de ser a expressão de um povo (SILVA, 2011,

p. 16).

Essa literatura caracteriza-se por “sua estrutura narrativa, a composição em

versos, a impressão em pequenos folhetos de papel jornal ilustrados com

xilogravuras, e objetivo de ser declamada nas feiras públicas”. Além disso, “é

construída de acordo com um vasto repertório de formas poéticas fixas que

delimitam a quantidade de sílabas poéticas, de versos e a disposição das rimas na

estrofe” (Enciclopédia Literatura Brasileira).

Os primeiros folhetos de cordel coletados no Brasil datam de 1890, mas é quase certo que as manifestações do cordel já se façam presentes na metade do século XIX. Leandro Gomes de Barros (1865-1918) é reconhecido como o primeiro cordelista de que se tem notícia. A formação do público do cordel no Nordeste está ligada ao nascimento das feiras de agricultores. A falta de um uso sistemático de meios de comunicação impressos deu força a uma tradição de comunicação oral, e durante muito tempo foram os cordelistas que forneceram informação e divertimento para a população do meio rural nordestino. As últimas décadas têm presenciado fortes mudanças no perfil do

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público da literatura de cordel. O enfraquecimento das feiras populares no interior do Nordeste e o fortalecimento dos meios de comunicação de massa fizeram com que a maior parte do público tradicional do cordel se dispersasse ou perdesse o interesse por ele. Enquanto isso, a onda de estudos acadêmicos iniciada na década de 1970 despertou o interesse da classe média por essa literatura. (Enciclopédia Literatura Brasileira)

Os paratextos do Romance, a começar pelo título e pelo desenho da capa,

dialogam direta e abertamente com a literatura de cordel e nos ajudam a

compreender a natureza do projeto empreendido por Suassuna com a escrita desse

livro: uma tentativa de produzir uma arte erudita sobre as bases da cultura popular.

Na capa da nona edição (2012), a qual examinaremos aqui, há uma gravura

feita pelo próprio Suassuna que retrata o episódio do duelo entre Samuel e

Clemente e que aparece também dentro do Romance, na página 298, para ilustrar e

conferir ao Folheto XLII, em que é narrado o enfrentamento dos mestres de

Quaderna, um tom de ironia:

Figura 20: Capa da nona edição do livro (2012).

O título do Romance, por ser composto de duas partes – a primeira “Romance

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d’A Pedra do Reino” e a segunda “e o príncipe do sangue do vai-e-volta” – também

dialoga com os títulos de cordel, os quais geralmente são compostos dessa maneira,

como podemos ver nas três capas abaixo:

Figura 21: Capas de folhetos de cordel. Disponíveis em: http://www.ablc.com.br. Acesso em:

05 nov. 2013.

A primeira parte do título, sozinha, por conter a indicação “romance” remete ao

gênero literário ao qual esta obra de Suassuna pertence. Contudo, remete, também,

a folhetos de cordel, uma vez que o romance é um dos gêneros que fazem parte da

literatura de cordel, assim como as histórias jocosas ou de gracejo, as histórias do

cangaço e as pelejas, desafios e discussões (HAURÉLIO, 2013, pp. 57, 80).

A segunda parte, em particular, faz referência direta à forma de composição do

título de um folheto específico: História do Príncipe do Barro Branco e a Princesa do

Reino do Vai Não Torna, de Severino Milanês, cuja história é a de um rapaz órfão

chamado João que sai em viagem pelo Reino do Barro Branco.

Nesse reino, o rapaz recebe de presente um cavalo com poderes mágicos e

três pedaços de pão para comer durante a viagem, os quais tem a ordem de sempre

dividir com alguém. O príncipe desse reino quer se casar e manda João, sob

ameaça de morte se falhar, ir até o Reino do Vai Não Torna e capturar sua princesa

para que possa torná-la sua esposa. No meio do caminho, João encontra criaturas

desamparadas e divide seu pão com elas, recebendo delas a promessa de um dia o

ajudarem quando for preciso. No Reino do Vai Não Torna, a princesa prevê sua

chegada, porém, por apaixonar-se por ele, em vez de mandar matá-lo

imediatamente, como era o costume, dá-lhe três dias para que possa se esconder

de seu espelho e de seu livro, instrumentos que possibilitavam as premonições.

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João, então, pede ajuda às criaturas que lhe prometeram amparo e consegue se

esconder da princesa. Quer casar-se com ela, mas sabe que não pode, pois, se o

fizer, o Príncipe do Barro Branco o matará. No entanto, descobre que o príncipe

morreu num duelo que travou logo após sua saída e, finalmente, casa-se com a

princesa.

O cordel ainda é mencionado de maneira direta no Romance entre as páginas

101 e 103, quando Quaderna se diz um leitor ávido de folhetos e revela achar

“maravilhosos esses títulos duplos, ‘isto ou aquilo’” (SUASSUNA, 2012, p. 101).

Essa menção dialoga diretamente com o título dado ao Romance por

Suassuna/Quaderna.

Menciona-se, ainda, que algumas vezes os folhetos que o narrador lia traziam

na primeira página, por baixo do título, “uma espécie de explicação, destinada a

causar ‘água na boca’ aos que iam comprá-lo” (SUASSUNA, 2012, p. 101). Essa

citação explica o fato de o Romance trazer um epítome na p. 27, o qual se

caracteriza, segundo Leão, como “um trecho inicial que serve de sinopse a toda a

obra” e que “é um elemento de presença constante na literatura de cordel, mas que

não é tão presente na literatura tradicional” (2011, p. 44) moderna e contemporânea

apesar de ter sido bastante empregado no romance do século XVIII.

Na minissérie, também há referências ao cordel no seu paratexto principal – a

vinheta de abertura, da qual falaremos adiante –, mas principalmente dentro de cada

capítulo com a aparição dos cantadores João Melchíades e Lino Pedra-Verde, dois

cantadores amigos do narrador.

Primeiramente, aos 00:23:54 do primeiro capítulo, João Melchíades conta a

história de João Ferreira Quaderna em verso, acompanhada de viola, para

Quaderna menino, que se impressiona tanto com o teor da narrativa quanto com o

canto.

Depois, aos 00:07:30 do segundo capítulo, João Melchíades e Lino realizam

um desafio de viola na presença de Samuel, que menospreza o gênero e se mostra

entediado, e, depois, bravo, aos 00:21:31 do mesmo capítulo, quando o narrador

menciona que Lino escreveu um folheto sobre uma “visagem” que teve, porque

considera errado que Quaderna, que é conhecedor dos fundamentos da lírica, dê

importância a “cantorias”.

Também, aos 00:39:36 do quarto capítulo, Lino aparece tocando viola pela

estrada do sertão quando encontra Quaderna cego e o ajuda a chegar à Vila e,

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finalmente, aos 00:47:05 do quinto capítulo, na última cena da minissérie, é

Quaderna quem anda pelo sertão tocando um violino – porém, a música que sai

desse instrumento é uma música popular nordestina e alegre.

Um outro aspecto que merece ser ressaltado é a repetição, na minissérie, da

referência feita no Romance à xilogravura, muito recorrente nas capas dos folhetos

de cordel. A xilogravura é uma “gravura feita com uma matriz de madeira.

Simplificando, pode-se dizer que é um processo de impressão com o uso de um

carimbo de madeira” (O que é xilogravura. In: MUSEU CASA DA XILOGRAVURA).

Dos 00:08:25 aos 00:12:50 do primeiro capítulo, é mostrada a sequência da

chegada do bando do Rapaz-do-Cavalo-Branco à Vila de Taperoá, o qual trazia

diversas bandeiras que correspondem às gravuras presentes no Romance feitas

pelo próprio Ariano Suassuna utilizando-se da técnica da xilogravura.

A primeira dessas bandeiras é chamada de Bandeira da Onça e representa a

família Garcia-Barretto, pois traz gravadas as letras G e B (iniciais de Garcia-

Barretto), no alfabeto sertanejo:

Figura 22: Gravura feita por Ariano Suassuna e impressa na página 362 do Romance.

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Figura 23: Bandeira da Onça na chegada do bando aos 00:08:30 do primeiro capítulo da

minissérie.

A segunda é chamada “Bandeira das Onças” e pertence a Sinésio, como

podemos depreender de suas iniciais, SGB (Sinésio Garcia-Barretto), gravadas nela:

Figura 24: Gravura feita por Ariano Suassuna e impressa na página 40 do Romance.

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Figura 25: Bandeira das Onças aos 00:09:25 do primeiro capítulo da minissérie.

A imagem seguinte não é de uma bandeira, mas do escudo de Sinésio, que

traz nele os mesmos elementos da bandeira – as onças e a flor-de-lis, mas traz

também a imagem de uma moça que sabemos ser Dona Heliana, o grande amor da

vida do rapaz.

Figura 26: Gravura feita por Ariano Suassuna e impressa na página 61 do Romance.

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Figura 27: Escudo da túnica do Rapaz-do-Cavalo-Branco aos 00:11:08 do primeiro capítulo.

Na minissérie, as gravuras são feitas em tecidos e ganham cores,

principalmente o vermelho. Mantém-se, no entanto, a ausência de perspectiva típica

da xilogravura e percebe-se a tentativa de manter os desenhos o mais próximos

possível das imagens impressas no Romance.

As bandeiras e a túnica contendo desenhos de onça remetem à proposta do

Movimento Armorial de exaltação do elemento brasileiro em detrimento do

estrangeiro: o leão é uma imagem recorrente em heráldica porque expressa a ideia

de ferocidade e superioridade em relação aos adversários. No entanto, não é um

animal típico brasileiro e, por esse motivo, Suassuna (e Quaderna também,

declaradamente) substitui sua imagem pela da onça, a qual é originária da América

Latina e, aqui, transmite a mesma ideia que o leão por ser capaz de causar medo

nos nativos do país que vivem em regiões próximas de seu habitat.

Já a imagem de Heliana na túnica de Sinésio remonta ao costume dos heróis

das novelas de cavalaria de levar consigo em suas lutas a imagem da amada como

forma de demonstrar sua fidelidade a ela, assunto ao qual voltaremos no capítulo

seguinte.

A vinheta de abertura e de fechamento de um programa de televisão é um de

seus principais paratextos, pois serve como uma espécie de “rito de passagem do

telespectador de um universo a outro”, sendo responsável por diferenciar as

produções e trazer, de forma condensada, os programas narrativos orientadores da

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obra para o espectador de modo a orientá-lo sobre como deve apreendê-la

(BALOGH, 2005, pp. 146-148).

Nesse sentido, a vinheta de abertura da minissérie A Pedra d’O Reino, que tem

a duração de 00:01:11, é exemplar, uma vez que declara o teor do programa a ser

apresentado, antecipa alguns programas narrativos, apresenta o local onde as ações

ocorrerão e as personagens principais e explicita formas de composição (tais como a

circularidade narrativa) e referências (à heráldica) em que se basearam seus

criadores para compô-la, tais como veremos a seguir.

Já nos primeiros cinco segundos de exibição, há a declaração do teor do

programa a ser apresentado – uma obra que fala sobre reis (daí a exibição de uma

coroa resplandecente já no seu primeiro segundo), é inspirada em um trabalho de

Ariano Suassuna e se caracteriza por ser de ficção, pois contará com um ator,

Irandhir Santos, interpretando a personagem principal, Quaderna:

Figura 28: Primeiro segundo de exibição da vinheta de abertura da minissérie.

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Figura 29: O caráter ficcional da obra aparece aos 00:00:05 segundos com a indicação do

nome do ator Irandhir Santos e do personagem que ele interpretará.

Além disso, a vinheta apresenta temas que aparecem na narrativa do Romance

e da minissérie, tais como a presença do baralho, demonstrada pelos seus quatro

símbolos – espadas, ouros, copas e paus – exibidos nos quatro cantos da primeira

imagem (Figura 28), e a presença da heráldica como forma de identificar pessoas e

famílias (Figura 29).

A heráldica é um fenômeno universal de origens remotas que consiste na

“utilização de determinados símbolos e cores como forma de identificar indivíduos,

famílias, tribos ou clãs”. Estima-se que sua introdução no Ocidente se deu com as

Cruzadas, devido ao contato com a cultura oriental, e seu florescimento é associado

às guerras e torneios medievais. Segundo Fonseca:

O uso de armaduras completas e, muito particularmente, dos elmos que cobriam completamente o rosto tornou necessário um sistema de identificação claro e facilmente visível de longe. Um cavaleiro medieval dentro da sua armadura era virtualmente impossível de distinguir, no calor de uma batalha ou desde a bancada de um torneio, de qualquer outro com uma armadura semelhante; os reis e chefes militares eram difíceis de identificar e seguir; durante um combate, amigos e inimigos confundiam-se. Estes factores levaram, desde meados do século XII, ao uso de emblemas pessoais pintados nos escudos e elmos e, por vezes, nas roupas do cavaleiro ou na cobertura da montada. (...) O uso de escudos pintados com símbolos pessoais generaliza-se rapidamente, e é adoptado por toda a classe guerreira e, de uma forma geral, por toda a aristocracia. (...)

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O monarca chama a si o poder de conceder brasões de armas, como forma de recompensar os serviços de seus cavaleiros, acompanhando normalmente a doação de senhorios ou terras; os arautos-de-armas, funcionários régios encarregues de coordenar o uso de emblemas heráldicos, criam regras de concepção de brasões com vista à sua fácil visualização e identificação. Daí o uso de cores contrastadas e de figuras simples, características da heráldica mais antiga. Este sistema de identificação pessoal torna-se, então, a partir do século XII, hereditário e passa a representar uma família ou linhagem.

O escudo à esquerda da Figura 29 será recebido orgulhosamente pelo

protagonista das mãos do Doutor Pedro Gouveia ao final da narrativa em forma de

lisonjeio à história de sua família visando a obter dele informações e auxílio

importantes. O Doutor dá a Quaderna, Samuel e Clemente brasões com escudos

que homenageiam suas famílias porque sabe que os três têm pretensões de

grandeza. Ele quer manipulá-los a apoiar a causa de Sinésio e a contar os detalhes

que conhecem a respeito do tesouro que o pai do rapaz teria escondido em algum

lugar do sertão. O escudo dado a Quaderna é uma reprodução virtual da gravura

presente na página 671 do Romance e impressa, lá, utilizando-se da técnica da

xilogravura. Já o escudo à direita não existe tal como é apresentado, mas contém

elementos constituintes de outros escudos que aparecem no Romance, tais como o

escudete e a flor-de-lis.

A vinheta ainda traz um sinal importante para Quaderna e que ele repete

muitas vezes ao longo da narrativa para se referir às pedras onde seus ancestrais

fundaram seu império: o gesto de estender os dedos indicador e médio, enquanto

flexiona os demais dedos, e apontar a mão em direção ao céu. Gesto que poderia

significar, para ele, a transcendência, a nobreza ou a glorificação de seus ancestrais,

embora somente ele e alguns de seus seguidores pareçam acreditar que sua família

– responsável pelos acontecimentos de Pedra Bonita – realmente possuía alguma

capacidade de transcender os limites da realidade, estabelecendo contato com Dom

Sebastião, e que era nobre e gloriosa:

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Figura 30: 00:00:09 da abertura.

O “Coração na Mão” que aparece a seguir na abertura é obra do cordelista e

xilogravurista pernambucano José Francisco Borges, considerado um dos melhores

do nordeste por Ariano Suassuna. Esse coração que parece pulsar na palma de uma

mão (provavelmente a mão de Quaderna, pois se parece à mão que a antecede na

vinheta) também pode fazer referência à intensidade do desejo do narrador de

restaurar o império de seus ancestrais, ou melhor, deter o reino pulsando em sua

mão.

Figura 31: 00:00:12 da abertura.

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Aos 00:00:21, aparece na vinheta o desenho de uma vila em cujo centro se

localiza um portal. Esse local pode ser reconhecido como a Vila de Taperoá, palco

da história de Quaderna, e o ponto de onde ele é visto pode ser comparado ao do

palco montado pelo narrador no centro da vila:

Figura 32: Portal da Vila de Taperoá visto a partir do palco de Quaderna.

Esse enquadramento antecipa ao telespectador o conhecimento de que a

história será narrada segundo o ponto de vista de Quaderna e de que por esse portal

chegará à Vila alguém importante para o narrador – justamente o Rapaz-do-Cavalo-

Branco, seu primo, que é tido pela população local e principalmente por ele como

uma espécie de redentor do sertão, ou seja, como alguém que acabará com as

desigualdades existentes.

A abertura do portal para a praça remete-nos, ainda, ao teatro medieval

profano no qual as dramatizações ligadas ao cômico popular eram apresentadas nos

pátios das igrejas, nos seus arredores e nas praças. Segundo Silva (2009, pp. 36-

37):

Para Lígia Vassalo (1983, p. 43), o teatro profano tem ligação com o cômico e não aparece como forma independente antes do séc. XIII. Não se sabe de onde ele provém, tendo uma influência significativa quando a encenação sai da Igreja. [...] O termo profano advém do fato de os Concílios Sinodais instituírem regras disciplinadoras para cada diocese, as quais proibiam as igrejas de promoverem nos recintos sagrados manifestações profanas, incluindo a dança e o canto. Os pátios, os arredores das Igrejas tornam-se o espaço de dramatizações profanas, ligadas ao

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cômico popular. A partir disso, estendem-se aos burgos, aos mercados e feiras, chegando às cortes reais e senhoriais.

Aos 00:00:30, desenhos que lembram símbolos astrológicos são mostrados na

vinheta de abertura da minissérie. Eles são uma antecipação de uma das facetas

mais importantes do narrador-protagonista – a de astrólogo que acredita que

determinados movimentos dos astros podem propiciar aos seres humanos

características específicas de personalidade e a capacidade para realizações

grandiosas – e são, por sua composição, uma referência ao Movimento Armorial

fundado por Suassuna, como afirma Bêla no artigo “A Pedra do Reino” (In:

http://www.carlosbela.com/portfolio/motion/pedra-do-reino/):

O Movimento Armorial de Ariano Suassuna pretendia criar uma arte erudita a partir de elementos da cultura popular do Nordeste Brasileiro. Este foi o ponto de partida para a criação da abertura e vinhetas da minissérie de Luiz Fernando Carvalho para a Rede Globo, exibida em 2007 em 5 episódios pela emissora ou na íntegra nos cinemas. Com forte influência das invenções óticas pré-Cinema como zoetrope, thaumatrope, lanterna mágica, câmera obscura entre outros, foi criado uma espécie de peep-box virtual, no qual a câmera se adentra numa caixa mágica, citando dezenas de conceitos e elementos da obra A Pedra do Reino. Além disso, homenageia-se o design vanguardista do grupo O Gráfico Amador (1954-1961) que teve importante papel nas origens da tipografia brasileira moderna.

Figura 33: Imagem mostrada aos 00:00:30 da abertura: peep-box virtual.

O xadrez é importante como jogo que remete à guerra e contém reis e rainhas,

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torres e cavalos, elementos considerados nobres por Quaderna:

Figura 34: Imagem mostrada aos 00:00:35 da abertura.

O baralho, como já dissemos, também está presente na minissérie e essa

presença é antecipada com a aparição do símbolo de cada naipe na primeira

imagem da abertura. Além disso, as personagens principais da narrativa aparecem

desenhadas nas cartas do baralho como Valetes, Damas e Reis, sendo Quaderna

uma espécie de curinga. Os desenhos são muito fieis à aparência dos atores que

interpretam as personagens na minissérie e ao tipo de vestimenta usada por eles

para interpretá-las, como podemos ver nas figuras 35 e 36, em que Quaderna

aparece com as faces pintadas à maneira dos palhaços e usando uma roupa com

gola bufante como a vestimenta do arlecchino, da commedia dell’arte:

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Figura 35: Quaderna caracterizado como o curinga do baralho aos 00:00:41.

Figura 36: Quaderna aos 00:02:11 do primeiro capítulo.

A importância do baralho é parecida à do xadrez: é um jogo que contém figuras

nobres envolvidas nele. No entanto, o baralho também é relevante porque remete à

questão astrológica, isto é, a acontecimentos enigmáticos que podem, em certa

medida, ser previstos pela leitura de cartas.

As cartas do baralho são exibidas em espiral girando de maneira que lembram

as imagens de um caleidoscópio. A cada um ou dois segundos trocam-se as cartas,

e geralmente são apresentadas duas personagens da narrativa por vez. Essas

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trocas de cartas antecipam ao espectador o fato de que a narração de Quaderna

será similar a um jogo de baralho – ele embaralhará todos os acontecimentos,

desvendando-os um a um – mas não em sua totalidade – de forma aleatória.

Conforme apontou Maioli (2008, p. 139):

A forma “embaralhada” de se dispor o enunciado, repleta de cortes e desvios, pode ser concebida como um “jogo” de linguagem capaz de incorporar na estrutura do romance esse traço peculiar do gosto do narrador que, por sua vez, parece estar “brincando” com o seu interlocutor na medida em que relata a sua história.

As personagens cujas histórias são interligadas dentro da narrativa também

podem aparecer próximas umas das outras, como na figura abaixo, que representa

Dona Margarida, a escrevente do depoimento de Quaderna, e o Juiz-Corregedor:

Figura 37: Dona Margarida como Dama de Ouros e Juiz Corregedor como Rei de Espadas

aos 00:00:47.

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Figura 38: Dona Margarida aos 00:22:04 do segundo capítulo.

Figura 39: Juiz Corregedor aos 00:25:24 do segundo capítulo.

Dona Margarida usa adorno de cabeça e vestido rosa à la Colombina da

commedia dell’arte e traz sua inseparável máquina de escrever ao colo enquanto

parece olhar para a carta que nos mostra a imagem do Juiz Corregedor, o qual está

com ar austero e veste sua toga de magistrado.

Na imagem seguinte, Dona Heliana Swendson aparece ao lado de Samuel e

Clemente, que, por sua vez, aparecem na mesma carta como se fosse, cada um, a

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metade do mesmo valete:

Figura 40: Heliana Swendson como Dama de Espadas e Clemente e Samuel compondo as

duas faces do Valete de Espadas aos 00:00:50.

Figura 41: Heliana Swendson aos 00:12:53 do primeiro capítulo.

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Figura 42: Clemente e Samuel aos 00:23:57 do segundo capítulo.

Dona Heliana tem os cabelos avermelhados e traz um véu à cabeça enquanto

Clemente e Samuel vestem, respectivamente, as cores azul e amarelo e usam, na

cabeça, cocar e cartola, o primeiro remetendo ao orgulho de sua ascendência negro-

tapuia e o segundo, ao orgulho de seus antepassados fidalgos dos engenhos de

Pernambuco. Os mestres de Quaderna aparecem na mesma carta, como se fossem

as duas metades de um mesmo valete, com a finalidade de antecipar o conflito que

surge de suas visões políticas e ideológicas opostas – já que ambos são radicais,

um de esquerda e o outro de direita – e que, para o narrador, deveriam ser

complementares em vez de antagônicas. É interessante notar que Luiz Fernando

Carvalho escalou dois atores cujo tom de pele se assemelha e que poderiam ser

considerados “mulatos” (Jackyson Costa, intérprete de Clemente, e Frank Menezes,

intérprete de Samuel), alterando suas características físicas por meio de maquiagem

a fim de que a oposição entre as personagens não parecesse natural sequer no

plano de suas etnias.

A seguir, Pedro Sebastião Garcia-Barretto aparece retratado como Rei de

Copas no canto superior esquerdo da tela. Na imagem, ainda aparecem Clemente e

Samuel, e já começam a aparecer Maria Safira (canto inferior esquerdo) e Sinésio

(mais ao centro e ao fundo).

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Figura 43: No canto superior esquerdo, Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto é o Rei de

Copas aos 00:00:50.

Figura 44: Pedro Sebastião Garcia-Barretto aos 00:13:15 do segundo capítulo.

Pedro Sebastião Garcia-Barretto é retratado como um verdadeiro rei, pois essa

é a maneira como Quaderna o vê. O tio e padrinho do narrador traz uma coroa à

cabeça e um manto sobre as roupas e é filmado em ângulo contra-plongée (ou

contrapicado), isto é, de baixo para cima. Na carta presente na abertura, ele é o Rei

de Copas, figura que, pela importância que tem no baralho – assim como os Reis

dos outros naipes – antecipa seu poder sobre o narrador e sobre a população local,

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por quem é considerado superior. Porém, o fato de ser de Copas indica que existe

afetividade entre ele e o narrador, uma vez que esse naipe é representado pela

imagem de um coração e tem esse significado quando se pensa na leitura

astrológica de cartas, e revela ao telespectador a relevância que essa personagem

terá na vida de Quaderna e para sua narrativa.

Na imagem seguinte, Maria Safira, que já havia aparecido anteriormente,

ganha destaque, e aparece junto dela, Arésio, o filho mais velho de Pedro Sebastião

Garcia-Barretto:

Figura 45: Maria Safira como Dama de Copas e Arésio como Valete de Ouros aos 00:00:52.

Figura 46: Maria Safira aos 00:20:07 do segundo capítulo.

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Figura 47: Arésio aos 00:03:55 do primeiro capítulo.

Maria Safira é representada como uma cigana, cheia de joias que chamam

atenção e em postura provocativa, o que remete à sensualidade que a personagem

apresenta na minissérie e ao poder de atração que exerce sobre o narrador,

enquanto Arésio é representado como um guerreiro, usando armadura e túnica

negra, e tendo a expressão facial bastante séria, o que remete à brutalidade e

intempestividade da personagem.

A seguir, e encerrando a aparição das cartas do baralho, Sinésio é retratado

como o Valete de Paus. Ele usa elmo, armadura e manto, e está montado num

cavalo:

Figura 48: Sinésio como Valete de Paus aos 00:00:54.

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Figura 49: Sinésio aos 00:10:08 do primeiro capítulo.

O primo de Quaderna é retratado como um cavaleiro medieval já na abertura a

fim de antecipar o modo como o narrador o vê dentro da minissérie. Em princípio,

Sinésio volta à Taperoá após ter sido raptado e dado como morto para reivindicar

seus direitos à herança de seu pai. Quaderna, todavia, acredita que o primo é Dom

Sebastião de Portugal que se desencanta e volta para realizar uma revolução

sertaneja que promoveria justiça social para a população humilde do local ao mesmo

tempo que instauraria uma monarquia no Brasil da qual ele próprio seria o rei. O

poder atribuído por ele a Sinésio, então, assemelha-se ao poder que as novelas de

cavalaria atribuíam aos cavaleiros medievais.

A seguir, aos 00:00:58, vemos lanças azuis, que estão situadas ao lado

esquerdo da tela, e vermelhas, à direita, as quais fazem referência às cavalhadas

organizadas por Quaderna na Vila todos os anos e que remontam às Cruzadas. O

cordão azul representa os cavaleiros cristãos e o vermelho representa os mouros.

Quaderna não consegue se decidir para qual cordão torcer a cada dia por medo de

escolher justamente o cordão perdedor. Ele apenas escolhe um dos dois após sua

vitória:

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Figura 50: Lanças azuis e vermelhas.

As cores azul e vermelho têm significados quase opostos para os cristãos. O

azul é a cor do céu e do mar e, por isso, transmite a ideia de amplitude, de verdade,

de lealdade, de espiritualidade e de eternidade. É a cor de Maria, mãe de Jesus,

cujo manto simboliza sua devoção, sua conexão superior e sua sabedoria. O

vermelho, por sua vez, simboliza o sangue, o poder, as paixões, os desejos

descontrolados e o pecado. Quando Quaderna não consegue escolher para qual

cordão torcer, isso, além de o caracterizar como alguém que não aceita perder,

contribui para que o vejamos como ser complexo, que une em si traços

inconciliáveis.

Em seguida, o sol ardente, “esbraseado”, que aparece na abertura remete ao

calor do sertão onde se passa a narrativa e, também, ao sol astrológico, além de

antecipar uma visão delirante que Quaderna terá no último capítulo quando estiver,

juntamente com o cantador Lino Pedra-Verde, sob efeito do vinho da Pedra do

Reino, bebida que faz parte do ritual litúrgico de seu catolicismo sertanejo e cuja

receita tem propriedades alucinógenas:

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Figura 51: 00:01:05 da abertura.

Finalmente, a última imagem da abertura traz o título da minissérie escrito no

“alfabeto sertanejo” que Suassuna compilou e publicou em 1974 na forma do álbum

intitulado Ferros do Cariri.

Figura 52: 00:01:10 da abertura.

Como afirma Bêla:

O logo cita a heráldica sertaneja estudada por Suassuna e apresentada no álbum Ferros do Cariri (1974): os ferros de marcar gado como um alfabeto. A isto, referencia-se a arte medieval,

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elemento importantíssimo na citação de todo o visual da minissérie, criando um logo com personalidade híbrida e forte. (In: http://www.carlosbela.com/portfolio/motion/pedra-do-reino/)

Como pudemos observar, o Romance dialoga abertamente com a literatura de

cordel, base popular sobre a qual Suassuna procurou construir uma obra erudita de

acordo com sua proposta de atuação dentro do Movimento Armorial. Sua obra

remete ao cordel desde o título e as gravuras da capa e internas feitas por meio do

processo de xilogravura, até a divisão das partes, as quais não recebem o nome de

“capítulos” e “subcapítulos”, mas sim de “livros” e “folhetos”, respectivamente.

Similarmente, a minissérie dialoga com o cordel por manter alguns elementos

do Romance, tais como algumas das gravuras, e por apresentar os cantadores João

Melchíades e Lino Pedra-Verde atuando em cena.

Sua vinheta de abertura, por sua vez, busca dialogar menos com o cordel

(embora o faça) do que com os elementos internos à narrativa do Romance que

foram mantidos na minissérie, tais como as características das personagens e a

presença da heráldica, antecipando-os ao telespectador e cumprindo, assim, seu

papel.

2.2 Diálogos com a História

O Romance, bem como a minissérie, citam acontecimentos históricos

brasileiros e portugueses, tais como o surgimento do mito de Dom Sebastião,

algumas revoluções messiânicas ocorridas no Brasil ao longo do século XIX e

revoluções políticas do início do século XX como fazendo parte da história de vida

do narrador Pedro Dinis Ferreira Quaderna, de seu primo e sobrinho Sinésio e de

seus antepassados. Por esse motivo, é necessário que conheçamos esses

episódios a fim de percebermos as conotações que eles trazem ao modo de vida e

ao texto de Quaderna.

2.2.1 Sebastianismo e outros movimentos messiânicos

Os acontecimentos que relacionaremos com a narrativa do Romance e da

minissérie neste subcapítulo são o surgimento do mito de Dom Sebastião em

Portugal e sua transmissão para o Brasil; o movimento da Serra do Rodeador,

comandado por Silvestre José dos Santos; o embuste criado por João Antônio Vieira

dos Santos; o movimento da Pedra Bonita, comandado primeiramente por João

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Ferreira e, depois, por Pedro Antônio Vieira dos Santos; e a Guerra de Canudos,

liderada por Antônio Conselheiro.

Segundo afirma Marcio Honorio de Godoy em seu livro Dom Sebastião no

Brasil (2005), alguns fatores concorreram para que o referido rei português se

tornasse um mito após seu desaparecimento em Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 4

de agosto de 1578.

Um desses fatores remonta a um acontecimento antigo: o “Milagre de Ourique”,

que foi uma revelação que o rei Dom Afonso Henriques afirmava ter tido em 1139 de

que seria instaurado em Portugal o Quinto e último Império de Jesus Cristo na Terra

(GODOY, 2005, pp. 56-67).

Outro fator foi o fato de, durante o reinado de Dom João III, iniciado em 1521,

Portugal, que havia perdido grande parte de seus territórios colonizados e tido, como

consequência dessas perdas, o brilho de suas grandes glórias diminuído, ter corrido

o risco de ver seu trono tomado pela Espanha devido à falta de descendentes para a

linha de sucessão, uma vez que o rei e Dona Catarina perderam nove filhos

(GODOY, 2005, p. 16).

Um terceiro fator foi o fato de Dom Sebastião, que ao nascer havia recebido o

epíteto de “O Desejado” por ter sido esperado pela nação portuguesa durante muito

tempo, ter assumido a responsabilidade de lutar para defender a soberania de seu

reino. De acordo com Marcio Honorio de Godoy, “desde cedo o monarca já havia

tomado para si a ideia de efetivar os desejos da nação, não deixando dúvidas

quanto a sua vontade religiosa e guerreira de defender seu reino cristão, e a

cristandade do mundo todo” (2005, p. 39).

Assim, em 1578, Dom Sebastião empreendeu uma jornada a Alcácer Quibir, no

Marrocos, com a finalidade de dilatar a fé cristã, o que se daria, também, por meio

da colonização da Índia, do Brasil, de Angola e de Mina. Para que essa empreitada

fosse possível, teve que dar a ela ares de cruzada a fim de obter a bula papal,

quantia em dinheiro entregue pela Igreja a Portugal, fato que acabou por ligar de

forma ainda mais intensa sua imagem à da lenda do Milagre de Ourique. Em 4 de

agosto desse mesmo ano, desapareceu em meio à batalha que se travou entre os

portugueses e os mouros e passou a fomentar, no imaginário popular, a crença de

sua possível volta, a qual seria definitiva para o destino de Portugal como nação –

que não mais correria o risco de perder sua independência ao ser anexada à

Castela – e para todo o mundo, pois ele voltaria para instaurar o já mencionado

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Quinto Império de Jesus Cristo na Terra (GODOY, 2005, pp. 50-54).

Após o desaparecimento de Dom Sebastião, cujo epíteto então passou de “O

Desejado” para “O Encoberto”, seu tio-avô Dom Henrique assumiu o trono, porém,

dois anos depois, faleceu, deixando a coroa nas mãos de Felipe II, rei de Castela,

que anexou Portugal a seus territórios (GODOY, 2005, p. 18).

Com essa perda de soberania, o povo português passou a ansiar ainda mais

pela volta do Encoberto, o que propiciou o surgimento de quatro falsos reis que

foram confundidos com ele e venerados até serem descobertos e terem seus

embustes desmantelados: em julho de 1584, um jovem da Vila de Penamacor

passou-se pelo monarca e recebeu o nome de rei de Penamacor; em 1585, Mateus

Álvares, filho de um pedreiro açoriano, ficou conhecido como rei de Ericeira; em

1595, Gabriel Espinosa, um pasteleiro de Madrigal, foi ajudado por um padre e por

uma sobrinha de Felipe II na tentativa de se fazer passar por Dom Sebastião e esse

episódio recebeu o nome de “caso do pasteleiro de Madrigal”; em 1596, o calabrês

Marco Túlio Catizone formou uma “Corte” na cidade de Veneza dizendo ser Dom

Sebastião e foi apoiado por grandes personalidades de Portugal na tentativa de

recuperar o reino, que permanecia anexado a Castela. Quando descoberto, alguns

anos mais tarde, teve sua corte paralela desmontada e foi condenado à morte

(GODOY, 2005, pp. 70-80).

Em 1603, com a publicação das Trovas do Bandarra, livro composto por trovas

proféticas que anunciavam a volta de Dom Sebastião como rei messiânico, o

Encoberto entrou definitivamente no panteão de mitos portugueses e, em 20 de

janeiro de 1634, foi mencionado no sermão proferido pelo padre Antônio Vieira, na

Bahia. Ao realizar jogos com as palavras “encoberto” e “descoberto”, Vieira fez

claras alusões a Dom Sebastião como sendo a esperança de defesa do reino

português, porém, alguns anos mais tarde, quando Portugal recuperou a coroa com

Dom João IV, o padre tornou-se um joanista, identificando esse rei como messiânico,

e não Dom Sebastião (GODOY, 2005, pp. 80-95).

Entretanto, apesar de Portugal ter reavido o trono, a volta do Encoberto

continuava sendo esperada: em 1647, Luzia de Jesus, uma “monja doméstica” foi

deportada para o Brasil pela Santa Inquisição. Ela afirmava ter visões com a volta do

rei Encoberto e, segundo Marcio Honorio de Godoy, “talvez sua presença no Brasil

indique um possível caminho de transmissão do mito de Dom Sebastião à colônia

portuguesa” (2005, p. 19), mito esse que foi a base para os acontecimentos da Serra

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do Rodeador, da Pedra Bonita e, também, de Canudos.

Em 1820, na Serra do Rodeador, região localizada no sertão de Pernambuco,

um movimento popular formou-se sob a articulação do “profeta” Silvestre José dos

Santos como um modo de questionar o sistema vigente com relação ao problema da

posse de terra, à carestia, ao sepultamento de ricos dentro dos templos católicos e

ao sistema de recrutamento militar (CABRAL, 2004, p. 20). O líder do movimento,

que envolveu em torno de quatrocentas pessoas, criou uma cidade que passou a ser

chamada de Cidade do Paraíso Terrestre e dizia receber mensagens sobre o retorno

do rei Dom Sebastião para instaurar um mundo de igualdade. Esse movimento foi

esmagado por tropas oficiais no mesmo ano em que surgiu, tendo muitos dos seus

integrantes mortos e presos. Silvestre, entretanto, conseguiu escapar e nunca mais

se soube de seu paradeiro (GODOY, 2005, p. 20).

Dezesseis anos mais tarde, em 1836, João Antônio dos Santos, morador de

Vila Bela, também no sertão de Pernambuco, estabeleceu-se na região da Pedra

Bonita e iniciou um movimento popular ao afirmar que Dom Sebastião teria seu reino

desencantado e traria igualdade para todos na Terra. Pedra Bonita era caracterizada

por um complexo de pedras, das quais se destacavam duas que eram tidas como as

torres do castelo do rei encantado. Nos dias 14, 15 e 16 de maio de 1838, segundo

Marcio Honorio de Godoy, o movimento “conheceu um final trágico. A base das duas

torres de granito foi lavada com o sangue de 30 crianças, 12 homens, 11 mulheres e

14 cães” a mando de um de seus líderes, João Ferreira, o qual pregava que o

desencantamento de Dom Sebastião e de seu exército salvador só se daria com

esses sacrifícios. Pedro Antônio, outro chefe do grupo, percebendo que seu

companheiro havia se deixado levar por uma obsessão doentia, matou-o e levou os

integrantes para outro local. Contudo, grandes fazendeiros locais e a polícia oficial,

que havia tempo já planejavam acabar com o movimento, atacaram e dizimaram

praticamente toda a população do grupo (GODOY, 2005, p. 20).

José Lins do Rego publicou o romance Pedra Bonita em 1938, no qual tratou

ficcionalmente dos acontecimentos ocorridos no local. Nesse romance, o narrador

criado por José Lins do Rego conta a história dos Vieiras, família que traiu os

Ferreiras em 1838 ao guiar a polícia até seu esconderijo, possibilitando, assim, que

as autoridades pusessem um fim na sua condição de profetas ao matá-los e

dispersar a multidão que os seguia. Os descendentes dos Vieiras retratados no

romance sentem sobre si o peso da traição que seus antepassados cometeram um

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século antes, pois creem que o profeta traído por seu familiar fora mesmo um santo,

devendo eles pagar pelo erro de tê-lo entregado à morte e impossibilitado a

“desencantação” da lagoa, a qual instauraria um mundo de felicidade e igualdade

para todos. Eles se sentem, então, na obrigação de apoiar um novo profeta que

surge nas Pedras e vão para junto dele.

No Romance d’A Pedra do Reino, como veremos adiante, os mesmos Vieiras

são citados, porém, não é feita nenhuma referência direta a essa obra de José Lins

do Rego porque, apesar de ter sido escrito por Ariano Suassuna entre 1958 e 1971,

o Romance tem seu universo ficcional instalado em 1938, ano de publicação de

Pedra Bonita e ano em que Quaderna encontrava-se preso. Dessa forma, não seria

plausível para a verossimilhança do Romance que Quaderna mencionasse José Lins

do Rego, pois no tempo da narração, Pedra Bonita provavelmente ainda não era

conhecido. Além disso, Pedra Bonita termina com o relato de que há um novo

profeta reunindo multidões nas pedras no mesmo momento em que a narrativa de

Quaderna se encerra, então, talvez na continuação que Suassuna pretendia dar ao

Romance, ele fosse entrelaçar a história de Pedra Bonita à narrativa de Quaderna.

Mais de meio século depois de João Antônio dos Santos ter-se estabelecido

em Pedra Bonita, Antônio Vicente Maciel, que passou a ser conhecido como Antônio

Conselheiro, estabeleceu a comunidade de Canudos em uma fazenda abandonada,

às margens do rio Vaza-Barris, no ano de 1893, a qual “foi resultado de vinte anos

de peregrinação” (MONTEIRO, 2009). A comunidade sofreu ataques contínuos do

exército da República entre novembro de 1896 e outubro de 1897 devido ao alto

número de famílias que “abandonavam seu trabalho nas fazendas para seguir o

Conselheiro”, número este que se estima estar entre 10 e 35 mil pessoas, “o que

provoca uma escassez de mão de obra nas fazendas para descontentamento de

muitos coronéis da região” (MONTEIRO, 2009), e também devido ao fato de ser

considerada uma ameaça à República, uma vez que lá a ordem vigente não se

aplicava:

A República recém proclamada enfrentara sucessivas derrotas de uma comunidade de sertanejos que, no sertão da Bahia fundara sua aldeia, suas próprias leis e sua própria ordem. Em Belo Monte a polícia não entrava, não se pagavam impostos e a palavra do Conselheiro bastava para estabelecer a ordem e as regras de convivência. Era um território que não estava submetido à lógica instituída pela República. Por isso mesmo, uma ameaça. A comunidade é identificada pelos homens da República como local de

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desordem, de atavismo, um atraso que era preciso combater. (MONTEIRO, 2009)

Canudos foi completamente destruída, incendiada, tendo muitos de seus

participantes sido degolados, e entrou para a história ao ser imortalizada pela obra

Os Sertões, de Euclides da Cunha, publicada em 1902.

Tanto no Romance quanto na minissérie, o mito de Dom Sebastião e os

episódios da Serra do Rodeador, da Pedra Bonita e de Canudos são mencionados

pelo narrador Quaderna com os mais diversos propósitos.

O primeiro deles, o mito de Dom Sebastião, aparece no Romance quando esse

rei é considerado por Samuel Wandernes, um dos mestres de Quaderna, como

sendo ancestral de sua família por parte dos Garcia-Barretto, conforme podemos

depreender do seguinte fragmento de Suassuna:

Para a feitura deste “livro de tradição e brasilidade”, [Samuel] dedicara-se a “pesquisas genealógicas e heráldicas sobre as famílias fidalgas de Pernambuco”. Topara então “com a estranha história da família Garcia-Barretto [...]. A versão que ele apresentava dessa história era, porém, diferente da nossa, se bem que ainda “mais estranha e legendária”. Como todos sabem, foi a 4 de Agosto de 1578 que os Portugueses, chefiados por El-Rei Dom Sebastião, foram derrotados pelos Mouros, comandados por El-Rei Molei-Moluco, no norte da África. Foi uma batalha sangrenta, com morte de Reis e de muitos Fidalgos, sendo que Dom Sebastião, “moço, casto e guerreiro como o Santo que lhe deu nome, Cruzado e cavaleiro medieval extraviado na Renascença ibérica” – como dizia Samuel –, tinha sido dado como morto na batalha. Essa morte deixara em Portugal e no Brasil “uma legenda de sangue, violência, religião e saudade, típica da Raça”. E como, por causa dela, Filipe II estabelecesse sobre nós sua “autocracia teocrática”, as aspirações brasileiras e portuguesas pela Restauração se corporificaram no sebastianismo. Corria entre o Povo, primeiro em Portugal e depois no Brasil, que Dom Sebastião não morrera: encantara-se e voltaria para o Sertão, um dia, pelo Mar, numa Nau, entre nevoeiros, para restaurar o Reino e instaurar definitivamente a felicidade do Povo. Ora, tinha sido exatamente nos fins de 1578 que aportara a Olinda aquele misterioso e jovem Fidalgo, Dom Sebastião Barretto, tronco e origem da família Garcia-Barretto a que nós pertencíamos. Dizia Samuel que, de acordo com suas pesquisas “histórico-poéticas”, esse fidalgo era o próprio Rei Dom Sebastião, que escapara à morte na batalha e, numa Nau, viera para o Brasil, incógnito, disposto a recuperar aqui, “numa nova fase de ascese guerreira e mística, sua honra de Soldado e suas perdidas esporas de Cavaleiro”. Esse é que seria o motivo da constância do nome de Sebastião em todos os filhos varões da família Garcia-Barretto. (SUASSUNA, 2012, pp. 166-167)

Essa suposição de Samuel faz com que Quaderna se orgulhe, fomentando em

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seu imaginário a ideia de que será possível que alguém de sua família – ele próprio

ou seu primo Sinésio – realize uma insurreição a favor do povo sertanejo por ter

sangue guerreiro e real, sendo, portanto, segundo seu modo de pensar, legítimo

para tanto.

Na minissérie, Dom Sebastião também seria um ancestral de Quaderna

segundo Samuel, que, exatamente como no Romance, chega à fazenda dos Garcia-

Barrettos contando, de modo exaltado, suas possíveis descobertas genealógicas e

oferecendo seus serviços.

Outras três referências a Dom Sebastião são feitas na minissérie: a primeira e

mais importante para a narrativa é feita pelo bisavô de Quaderna; a segunda, por

Luís do Triângulo; e a última, pelo próprio Samuel Wandernes.

Dos 00:19:30 aos 00:23:53 do primeiro capítulo, o bisavô de Quaderna, Dom

João Ferreira Quaderna, incita uma multidão a se sacrificar a fim de possibilitar o

desencantamento de Dom Sebastião, que, segundo ele, apareceu-lhe em sonho

para pedir que o povo provasse sua fé lavando com sangue as duas torres de sua

catedral (as pedras do reino) para que ele pudesse retornar à vida.

Figura 53: Aos 00:20:52 do primeiro capítulo, o Rei Dom João Ferreira Quaderna incita uma multidão a se sacrificar para desencantar Dom Sebastião.

Aos 00:33:11 do primeiro capítulo, Luís do Triângulo aponta a Quaderna a

Lagoa do Vieira, onde diziam que Dom Sebastião aparecia. Nessa lagoa, em

seguida, ocorrem acontecimentos fatídicos para o narrador: ele encontra a coroa que

foi de seu bisavô e uma pedra com o desenho de um escorpião, objetos

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considerados sagrados por ele, que é astrólogo (e, por isso, atribui importância à

imagem do escorpião) e em cujo bisavô se inspira para tornar-se rei do Brasil.

Figura 54: Aos 00:33:56 do primeiro capítulo, Luís do Triângulo observa Quaderna se aproximar da Lagoa do Vieira, sobre a qual ele acabara de lhe falar.

No terceiro capítulo, Samuel, ao duelar com Clemente, grita que sua luta será

por Dom Sebastião, cavaleiro cruzado e donzel, em resposta ao grito do adversário,

que dizia lutar pela Revolução Sertaneja e pelo Socialismo.

Figura 55: Aos 00:10:03 do terceiro capítulo, Samuel brada por Dom Sebastião em seu

duelo contra Clemente.

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A importância da presença do mito de Dom Sebastião tanto no Romance

quanto na minissérie reside na crença de Quaderna de que, assim como seu bisavô

paterno, ele é também um rei capaz de reinstaurar uma monarquia no Brasil com o

auxílio do rei português, o qual está reencarnado em seu primo e sobrinho Sinésio.

O narrador, então, é um sebastianista, mas sua crença em Dom Sebastião não é um

fim por si só, e sim o meio pelo qual ele alcançará o objetivo de tornar-se ele próprio

rei do Brasil, acabando com o sistema republicano.

Silvestre, mentor do episódio da Serra do Rodeador, no Romance torna-se

personagem e tem seu fim modificado: é chamado de Dom Silvestre José dos

Santos ou Dom Silvestre I, O Rei do Rodeador, e é primo e cunhado do trisavô de

Quaderna, Dom José Maria Ferreira-Quaderna. Como personagem, foi o primeiro

ancestral do narrador a “subir ao trono” e, por isso, sua história é narrada no Folheto

VI, intitulado “O Primeiro Império”:

[...] De fato, porém, nossa régia história começa antes [da Pedra do Reino], noutra Pedra sagrada, a “Serra do Rodeador”, onde, em 1819, aparecem três infantes sertanejos. O primeiro, Dom Silvestre José dos Santos, que morreu sem descendência, foi o primeiro varão de minha família a subir ao trono, com o nome de Dom Silvestre I, O Rei do Rodeador. O segundo era seu irmão, Dom Gonçalo José Vieira dos Santos. O terceiro foi meu trisavô, Dom José Maria Ferreira-Quaderna, primo-legítimo e cunhado dos outros dois, por ter se casado com a irmã deles [...], em cujo ventre seria gerado meu bisavô, Dom João Ferreira-Quaderna, O Execrável. O reinado de Dom Silvestre I, no Rodeador, foi curto, mas já tinha todas as características tradicionais da nossa Dinastia. Seu trono era uma Pedra sertaneja, Catedral, Fortaleza e Castelo. Dali, ele pregava a ressurreição daquele Rei antigo, sangrento, casto e sem mancha, que foi Dom Sebastião, O Desejado. Pregava também a Revolução, com a degola dos poderosos e a instauração de novo Reino, com o Povo no poder. O consagrado Acadêmico pernambucano, Doutor Pereira da Costa, fez sua Crônica, que não transcrevo por economia retórica. Limito-me a informar que, temerosos os proprietários das redondezas pela propagação de Reino tão revolucionário, fizeram apelo ao Governador Luís do Rego, que mandou para lá uma tropa, comandada pelo Marechal Luís Antônio Salazar Moscoso. Incendiaram o Arraial, morrendo nas chamas mulheres e crianças, enquanto os homens que escaparam ao incêndio e à fuzilaria foram passados a fio de espada. (SUASSUNA, 2012, pp. 68-69)

Esse episódio tem importância na vida do narrador por ter contribuído para o

surgimento de suas ambições régias. Ele mesmo afirma: “Era assim que, aos

poucos, o Trono da minha família ia empeçonhando e glorificando meu sangue, até

que eu chegasse a ser ‘o prodígio e encantamento’ que sou hoje” (SUASSUNA,

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2012, p. 69) e “Tudo isso ia sendo pacientemente estudado e entendido por mim

que, à medida que me punha adulto, ia guardando tudo isso em meu coração, para

quando se completasse, de 1935 a 1938, o Século da Pedra do Reino”

(SUASSUNA, 2012, p. 71).

O episódio protagonizado por Silvestre, isto é, o “Primeiro Império”, é omitido

na minissérie. No entanto, sua omissão não traz perda para o fio narrativo, uma vez

que o episódio do terceiro reinado cumpre, na minissérie, a função que o primeiro

cumpre no Romance: a de contribuir para que Quaderna desenvolvesse o sonho de

ser Rei do Brasil.

O episódio da Pedra Bonita, no Romance, está relacionado à destruição do

arraial da Serra do Rodeador, quando o irmão, a irmã e o cunhado de Dom Silvestre

I emigraram para o Sertão do Pajeú a fim de preservar suas vidas. O sobrinho de

Silvestre, Dom João Antônio Vieira dos Santos, filho de Dom Gonçalo José,

inspirado pelas façanhas do tio, inflamou-se e proclamou-se rei, subindo ao trono

com o nome de Dom João I, O Precursor, episódio que é narrado no Folheto VII,

intitulado “O Segundo Império” por meio de uma citação que Quaderna faz do

historiador Antônio Áttico de Souza Leite:

Conta, lá, o genial Antônio Áttico de Souza Leite: “Tempestuoso e medonho, corria o ano de 1835. [...] Daí para os começos de 1836, um mameluco de nome João Antônio dos Santos, morador do termo de Vila Bela da Serra Talhada, munido de duas pedrinhas mais ou menos formosas que ele mostrava misteriosamente, dizia aos incautos habitantes daquele lugar serem elas dois brilhantes finíssimos, tirados por ele próprio de uma Mina encantada que lhe fora revelada. Inspirado num velho folheto, do qual nunca se apartava, e que encerrava um desses contos ou lendas, que andavam muito em voga, acerca do misterioso desaparecimento de El-Rei Dom Sebastião, na Batalha de Alcácer-Quibir, em África, e de sua esperada e quase infalível ressurreição, tratou de propalar pela população daquele e dos vizinhos distritos, que estava sendo conduzido todos os dias, por El-Rei Dom Sebastião, a um sítio pouco distante do lugar de sua residência, no qual mostrava-lhe El-Rei, além de uma Lagoa encantada, de cuja margem extraíra ele aqueles e outros brilhantes, duas belíssimas Torres, de um Templo já meio visível, que seria, por certo, a Catedral do Reino, na época pouco distante da sua Restauração. Assim discorrendo, e nunca se esquecendo de mostrar, entre outros, um tópico do folheto em que o Visionário escritor, improvisado em Profeta, ensinava que quando João se casasse com Maria, aquele Reino se desencantaria, conseguiu ele, graças à ignorância da população e à bem conhecida tendência que o espírito humano tem para abraçar o maravilhoso e o fantástico, não só realizar o seu casamento com uma interessante rapariga de nome Maria – que sempre, até ali, lhe fora negada –

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como obter, por empréstimo, de muitos Fazendeiros do lugar, bois, cavalos e dinheiro, em porção não pequena, com a onerosa condição de restituir tudo em muitos dobros, logo que se operasse o pretenso desencantamento do misterioso Reino. Desde o começo de sua prédica, auxiliavam-no seu próprio Pai, Gonçalo José Vieira dos Santos, seu irmão Pedro Antônio, seus tios e parentes José Joaquim Vieira, Manuel Vieira, José Vieira, Carlos Vieira, José-Maria Ferreira-Quaderna e João Pilé Vieira Gomes, os quais, constituindo, por assim dizer, o seu Apostolado, iam dar testemunho das suas riquezas e fazer repercutir os seus engenhosos embustes no meio das populações ignorantes do Piancó, do Cariri, Riacho do Navio e margens do Rio São Francisco. [...] Essas e outras considerações moveram o Padre Antônio Gonçalves de Lima a reclamar a presença do missionário Padre Francisco José Corrêa de Albuquerque naquele distrito. [...] Depois de entregar-lhe as duas pedras – que estavam longe de ser brilhantes – e de publicamente confessar os seus embustes, prometeu-lhe retirar-se do lugar, o que pôs logo em execução, procurando os lados do Rio do Peixe, Sertão da Paraíba, e passando dali aos do Sertão dos Inhamuns, no Ceará.” (SUASSUNA, 2012, pp. 72-73)

Souza Leite narra esse episódio de maneira a deixar transparecer o julgamento

negativo que faz sobre João Antônio dos Santos e seus parentes, que o ajudavam a

levar adiante suas visões, as quais chama de “embustes”. Logo no início de sua

narração, ele emprega os adjetivos negativos “tempestuoso” e medonho” para

referir-se ao ano em que se passaram os acontecimentos. Em seguida, questiona a

crença na volta do Rei Dom Sebastião de Portugal ao chamar sua ressurreição de

“esperada e quase infalível” (grifo nosso). Além disso, expõe as estratégias – que

ele crê serem de manipulação – empregadas por João Antônio para convencer a

população de que havia sido designado por Dom Sebastião para desencantar o seu

reino. Ele diz que João Antônio, “inspirado num velho folheto [...] que encerrava um

desses contos ou lendas, que andavam muito em voga, acerca do misterioso

desaparecimento de El-Rei Dom Sebastião”, “tratou de propalar pela população

daquele e dos vizinhos distritos, que estava sendo conduzido todos os dias, por El-

Rei Dom Sebastião” (grifos nossos). Afirma, ainda, que, segundo João, “mostrava-

lhe El-Rei, além de uma Lagoa encantada, de cuja margem extraíra ele aqueles e

outros brilhantes, duas belíssimas Torres, de um Templo já meio visível” (grifos

nossos) e que fazia de seus parentes o seu “Apostolado”, que “iam dar

testemunho das suas riquezas e fazer repercutir os seus engenhosos embustes

no meio das populações ignorantes do Piancó, do Cariri, Riacho do Navio e

margens do Rio São Francisco” (grifos nossos). Para Souza Leite, João tinha

apenas a intenção de se aproveitar da boa-fé e mesmo da ambição das pessoas

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para obter algumas vantagens utilizando-se da imagem de profeta que criara para si.

Esse posicionamento fica claro quando o cronista cita que “nunca se esquecendo

de mostrar, entre outros, um tópico do folheto em que [...] ensinava que quando

João se casasse com Maria, aquele Reino se desencantaria” (primeiro grifo nosso),

conseguiu casar-se com uma moça chamada Maria e também “obter, por

empréstimo, de muitos Fazendeiros do lugar, bois, cavalos e dinheiro, em porção

não pequena, com a onerosa condição de restituir tudo em muitos dobros, logo que

se operasse o pretenso desencantamento do misterioso Reino” (último grifo

nosso).

Quaderna, entretanto, usa a narração de Souza Leite como forma de manipular

seus seguidores e leitores a acreditar nas glórias de seus ancestrais: ele diz

considerá-la honrosa para sua família, pois afirma que o fato de eles serem

denominados “reis” num texto da historiografia oficial, ainda que por ironia do

escritor, consiste numa prova incontestável de que seu reinado realmente existiu.

Após o segundo reinado da família de Quaderna acabar com a descoberta de

um embuste e a partida do rei embusteiro, seu cunhado – bisavô do narrador – com

o nome de Dom João II, regressou ao Pajeú com suas duas mulheres, assumiu o

trono e iniciou o “Terceiro Império” ao redor das pedras (SUASSUNA, 2012, p. 75):

Ora, depois de seduzir as duas Infantas [Josefa e Isabel], meu bisavô viajara com elas para o Sertão da Paraíba, ainda no reinado de Dom João I. Aí, nas bandas de Catolé do Rocha, foi encontrá-lo, depois de sua abdicação, seu cunhado e primo, o agora Prior do Crato, Dom João Antônio, irmão das moças, o qual lhe contou todas as grandezas e cavalarias, quimeras e encantamentos, que realizara no Pajeú. Disse-lhe que, apesar de ter abdicado, deixara lá, bem plantados, os alicerces e fundamentos da Pedra do Reino do Sertão, com a Lagoa encantada dos diamantes, as minas de prata e as duas torres do Castelo, Catedral e Fortaleza da nossa Raça. Consta mesmo que ele teria dito ao cunhado: “João! A Pedra do Reino será o fundamento do Império do Brasil! Se assim for, põe a Coroa sobre a tua cabeça, antes que outro Aventureiro lance mão dela!” E então, ali mesmo, com os direitos proféticos de Prior, que tinha, sagrou, como novo Rei, seu cunhado e bisavô meu [...]. Sobre tudo isso, existe um papel do Governo, coisa oficial e portanto indiscutível. [...] Nesse documento fica provado que meu bisavô, coroado Rei, foi quem teve, realmente, a ideia sagrada e gloriosa de banhar as torres do nosso Castelo de Pedra com o sangue dos inocentes. É por isso que o Terceiro Império é que realmente selou o sangue dos Quadernas com o estigma indelével da realeza. (SUASSUNA, 2012, pp. 74-75)

Nesse trecho, Quaderna utiliza-se da intertextualidade tal como é entendida por

Kristeva e Genette – como a presença de um texto em outro – para explicar como

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seu bisavô teria sido levado a sagrar-se rei da Pedra do Reino: seu cunhado e

primo, protagonista do episódio da Serra do Rodeador, incentiva-o a continuar o

projeto do desencantamento do qual ele próprio havia sido obrigado a abdicar. As

palavras que ele usa são as mesmas que, segundo a historiografia oficial, Dom João

VI disse ao se despedir do filho Dom Pedro I em 1821, quando voltava a Portugal.

Isso faz parte da estratégia de Quaderna de atribuir a membros de sua família frases

conhecidas pelo discurso oficial como tendo sido ditas pelos reis da Casa de

Bragança com o objetivo de calcar sua presença na realidade daqueles que o

escutam e leem e, assim, engrandecê-la.

Para engrandecer sua família, ele se utiliza, ainda, de ironia quando diz que o

ritual de sacrifício de homens, mulheres, crianças e animais foi proveniente de uma

ideia “sagrada e gloriosa” que seu bisavô teve, contrariando a historiografia, que

denomina esse episódio pelo adjetivo “sangrento”, bem como por outros adjetivos de

sentido extremamente negativo, tais como “horrendo” e “terrível”.

A matança promovida por João Ferreira-Quaderna causou a revolta de seu

cunhado Pedro Antônio, principalmente porque suas irmãs foram também mortas, e,

então, ele inflamou a multidão ao dizer que o sangue de João Ferreira era o único

que faltava para que Dom Sebastião desencantasse, levando-a a assassiná-lo.

Com isso, Pedro Antônio tornou-se Dom Pedro I – sendo ele o verdadeiro,

segundo Quaderna, e não o Dom Pedro I da Casa de Bragança, que é reconhecido

pela historiografia oficial – e iniciou o Quarto Império, que durou apenas um dia, pois

foi atacado pela tropa do Comandante Manuel Pereira, composta por trinta e seis

homens:

O Comandande Manuel Pereira passou a noite de 17 de Maio reunindo sua tropa de Cavaleiros, de modo que já se achava em marcha para a “Serra do Reino” quando “a aurora do dia 18 de Maio começava a derramar sua roseada luz sobre as águas prateadas do Riacho Belém”, como diz Souza Leite em seu puro estilo epopéico. E ele continua, contando como a tropa, guiada pelo traidor [José Vieira Gomes], descobriu o melhor caminho de acesso, galgando a Serra, passando pelos espinheiros e cactos espinhosos e por fim cruzando um altíssimo capinzal: “No momento, porém, em que os Pereiras, com os soldados que os seguiam, se aproximavam das capoeiras e se dirigiam para aqueles Umbuzeiros, acharam-se face a face com El-Rei Dom Pedro Antônio, o qual estava com uma grande Coroa na cabeça, acompanhado de um séquito numeroso de mulheres, meninos e de homens armados de facões e cacetes. ‘Não os tememos! Acudam-nos as tropas do nosso Reino! Viva El-Rei Dom Sebastião!’ – assim exclamou Pedro Antônio, agitando no ar a sua

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Coroa e arremessando-se furioso, com todos os seus, sobre aquele punhado de Cavaleiros. Foi horrível o que resultou do encontro das duas Forças: sobre o Campo do combate ficaram inúmeros cadáveres, sendo um o do Rei Pedro Antônio, com muitos dos seus sectários, e os de Cipriano e Alexandre Pereira. O Comandante Manuel Pereira seguiu pessoalmente com as mulheres e filhos dos criminosos ali apreendidos. Apenas chegou em sua fazenda Belém, enviou os presos ao Prefeito de Flores, Francisco Barbosa Nogueira Paes. Este soltou as mulheres, distribuiu as crianças e passou os delinqüentes à disposição do Juiz Criminal [...].” (SUASSUNA, 2012, pp. 81-82)

Com o fim do Quarto Império, encerra-se no Romance a narração do fato

histórico ocorrido na Pedra Bonita. Ele é importante porque não é tomado, por

Quaderna, da mesma maneira que o é por Souza Leite. Para o narrador do

Romance, o episódio não é visto como um acontecimento isolado causado por

pessoas comuns que estavam fora de si devido às más condições de vida que

tinham, mas sim como um acontecimento imprescindível para a história do Brasil

ocasionado por verdadeiros reis, que é como ele vê seus ancestrais. Essa crença

em ser descendente de reis e príncipes brasileiros determina seu modo de ver o

mundo no presente, bem como suas ações.

Na minissérie, é retratado apenas o reinado do bisavô de Quaderna, o “Terceiro

Império” e o massacre promovido por ele na Pedra Bonita. Ao “Segundo Império” é

feita apenas uma referência espacial: menciona-se a Lagoa do Vieira como local de

ressurgimento de Dom Sebastião e do aparecimento de objetos preciosos (como na

época do comando de João Antônio Vieira dos Santos). Ao “Quarto Império” não se

faz menção alguma.

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Figura 56: Aos 00:35:30 do primeiro capítulo, Quaderna encontra, na Lagoa do Vieira, uma

pedra oval com manchas que formavam a imagem de um escorpião.

Outro episódio de cunho sebastianista mencionado no Romance é o de

Canudos. Antônio Conselheiro, seu líder e mentor, é citado pela primeira vez na

parte do paratexto que contém a dedicatória do livro, que Ariano Suassuna faz a ele

e a algumas outras pessoas, a quem se refere como “Santos, poetas, mártires,

profetas e guerreiros do meu mundo mítico do Sertão” (SUASSUNA, 2012, p. 5).

Aparece novamente como autor de uma das epígrafes:

“Quem não sabe que o digno Príncipe, o senhor Dom Pedro III, tem poder legitimamente constituído por Deus para governar o Brasil? Das ondas do mar Dom Sebastião sairá com todo o seu exército. Tira a todos no fio da Espada deste papel da República e o sangue há de ir até a junta grossa.”

após a qual é-lhe atribuído o título de “Dom Antônio Conselheiro, profeta e regente

do Império do Belo-Monte de Canudos, Sertão da Bahia, 1897” (SUASSUNA. 2012,

p. 7).

O episódio em si é mencionado várias vezes ao longo do livro (Folhetos VIII,

XII, XXXVI, L, LXXI, LXXIII, LXXVIII, LXXXII, LXXXIII e LXXXIV), em cada uma das

quais o narrador apresenta informações diferentes a respeito do acontecimento.

No Folheto VIII, Quaderna cita uma frase de Antônio Conselheiro, “e o sangue

foi até a junta grossa”, para descrever como foi o Terceiro Império de sua família (p.

76). Nos Folhetos XII e XXXVI, menciona o fato de seu padrinho de crisma, o

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cantador João Melchíades, ter lutado na Guerra de Canudos sob as ordens do

Tenente-Coronel Dantas Barretto (p. 89 e p. 233). No Folheto L, durante o inquérito,

Quaderna cita Canudos como tendo sido um dos movimentos da “revolução

sertaneja do Brasil, no século XIX” (p. 354). No Folhetos LXXI e LXXIII, o narrador

explica que, durante a adolescência, tomou conhecimento dos escritos de Antônio

Conselheiro (p. 543). Ainda no Folheto LXXIII, diz que evocava a imagem de seu tio

e padrinho quando pensava no episódio de Canudos (p. 560) e afirma que Euclydes

da Cunha viu o Conselheiro morrer de jejum e de um ferimento de bala, mas o viu,

também, numa “viração”, “transfigurado e exaltado, ressurreto” (p. 566). No Folheto

LXXVIII, é Lino Pedra-Verde quem menciona Canudos, bem como Princesa, a Serra

do Rodeador e a Pedra do Reino como tendo sido “um sítio da molesta, um cerco

danado, uma Tróia só” (p. 619).

No Folheto LXXXII, aparece a mais importante das informações apresentadas,

que diz respeito à interpretação bastante singular que é dada ao fato histórico por

parte do narrador e de seu discípulo e amigo Lino Pedra-Verde. Nesse folheto,

chamado “A Demanda do Sangral”, Lino Pedra-Verde faz afirmações que denunciam

a crença dele próprio e de seu mestre em que Sinésio seja a reencarnação de Dom

Sebastião, o qual apareceu a Antônio Conselheiro em Canudos e, antes disso, aos

quatro reis da família de Quaderna. O cantador mistura dados históricos a suas

crenças religiosas e dá a entender que vários personagens, para ele, viveram e

lutaram no sertão brasileiro. Samuel considera sua interpretação um erro, mas ele

repele a versão que o outro tenta convencê-lo a aceitar:

[...] Quaderna é homem monárquico, profético e astrológico, e pode muito bem explicar ao senhor que o nosso Donzelo da pedra sagrada é o mesmo Prinspe da Bandeira do Divino e da Pedra do Reino do Sertão. [...] Nosso Prinspe apareceu na Serra do Rodeador, no tempo do ronca, no tempo de Dom João Pamparra e de Dom Pedro Cipó-Pau. Estava escondido na Casa da Pedra de onde a Santa falava, no soterranho! O nome de nosso Prinspe varia, ora é Dom Sebastião, ora é São Sebastião, conforme a necessidade! Ali, na Serra do Rodeador, mataram o nosso Prinspe e mataram também o Profeta dele, Silvestre José dos Santos, o homem dos santos, também chamado de Mestre Quiou, O Enviado. [...] Por exemplo: eu sei, de fonte segura, que, na Pedra do Reino, mataram de novo o nosso Prinspe, que estava no Sacrário, trancado, escondido e encoberto pelo encantamento! [...] Aí, o nosso Prinspe morreu de novo. Mas ressuscitou outra vez, agora no Império do Belo-Monte de Canudos, em 1897, já no tempo do reinado do nosso Dom Pedro III, mais conhecido como Pedro Justino Quaderna, pai aqui do nosso Dom Pedro IV! É por isso que, no Belo-Monte de

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Canudos, o nosso santo Conselheiro dizia: Quem não sabe que o digno Príncipe, o Senhor Dom Pedro III, tem poder legitimamente constituído por Deus para governar o Brasil? O Pessoal pensava que ele estava falando era do filho de Dom Pedro II, mas como podia ser isso se Dom Pedro II não tinha filho? É claro: o Conselheiro estava falando era do nosso Dom Pedro Justino Quaderna, porque no Reino é sempre assim que as coisas se passam: é um Rei castanho, no seu alazão, servindo de Profeta e sustança para o Prinspe-do-Cavalo-Branco! [...] O certo é que, ganha aqui, fode-se ali, terminaram matando de novo o nosso Prinspe! Mas aí chegava o nosso tempo e a vez desse Cariri velho do inferno das pedras! E apareceu o nosso velho Rei, Dom Pedro Sebastião, e lá ele chamava para morar com ele o nosso Dom Pedro III! E lá Dom Pedro Justino se casava com Dona Maria Sulpícia, e lá nascia o nosso Dinis, o nosso Dom Pedro IV! E era tudo esperando o nascimento do Prinspe, porque, como Dom Pedro III tinha explicado no Almanaque do Cariri, Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto era o mesmo Dom Sebastião da Pedra do Reino, era o mesmo que matou o Porco para libertar a Onça, na África! (SUASSUNA, 2012, pp. 696-699)

Lino Pedra-Verde, como discípulo de Quaderna, parte do pressuposto de que

seu mestre é homem “monárquico, profético e astrológico” e que, portanto, sua

palavra é digna de confiança, pois contém em si a verdade dos fatos. Assim, em seu

discurso reverberam as palavras de Quaderna e as crenças difundidas pelo seu

Catolicismo Sertanejo.

O cantador afirma que o “Prinspe” (Sebastião/Sinésio) esteve sempre

encoberto, manifestando-se ao povo apenas através de seus “profetas” de cada

época e alega saber de “fonte segura” que mataram o “Prinspe” na Serra do

Rodeador – quando Silvestre era seu profeta – e que ele ressuscitou mais tarde, na

Pedra do Reino – quando João Ferreira Quaderna profetizava seu retorno – sendo

novamente morto para mais uma vez ressuscitar em Canudos – em que era Antônio

Conselheiro quem pregava seu desencantamento. Finalmente, em 1935, época em

que Lino considera Quaderna como o profeta do “Prinspe”, ele volta a ressuscitar na

figura de Sinésio após supostamente ter sido morto, em 1932, pelos raptores do

rapaz e assassinos de seu pai.

Ainda, percebe-se a filiação de Lino ao Catolicismo Sertanejo e ao pensamento

de Quaderna a respeito de seus ancestrais quando ele exalta o mestre como sendo

o filho do Dom Pedro III a quem Antônio Conselheiro se referiu dizendo ter “poder

legitimamente constituído por Deus para governar o Brasil” (grifo do autor). A

historiografia oficial interpreta que Antônio Conselheiro tratava do Dom Pedro III que

viria a ser descendente do Dom Pedro II da Casa de Bragança, o qual não possuía

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nenhuma ligação com os indivíduos da Pedra do Reino. No entanto, sendo ensinado

por Quaderna, Lino distorce fatos históricos a fim de fazê-los convergir com o ideal

de grandeza atribuído pelo mestre a seus antepassados e, dessa forma, a si próprio.

Essas confusões de Lino Pedra-Verde são vistas como enganos por Samuel

porque fazem parte da religião fundada por Quaderna, o “Catolicismo Sertanejo”, o

qual Samuel não aceita e, portanto, não está apto a compreender. Elas foram

forjadas pelo narrador a fim de legitimar sua crença de que alguém de sua família

deve ser o rei do Brasil e eram aceitas como verdades por vários de seus discípulos,

entre os quais encontra-se o cantador.

Ainda no Folheto LXXXII, Lino novamente mistura fatos históricos: Roma,

Canudos e os episódios da Pedra do Reino são, para ele, consideradas “uma tróia

só” (pp. 702-704), e cita uns versos do cantador Jota Sara sobre Antônio

Conselheiro em que se exaltam os feitos do profeta de Canudos e se critica a

instauração da república no Brasil (pp. 706-708). No Folheto LXXXIII, Quaderna diz

que Euclydes da Cunha só pode ter escrito sobre o grandioso episódio de Canudos

estando sob efeito do “Vinho de jurema” (p. 718). Por fim, no Folheto LXXXIV, Lino

Pedra-Verde afirma que o Frade que acompanhava Sinésio em sua cavalgada à Vila

de Taperoá era, na verdade, Antônio Conselheiro que havia retornado (pp. 726-727).

Referências diretas a Antônio Conselheiro e aos acontecimentos do Arraial de

Canudos não ocorrem na minissérie. Aparece apenas, aos 00:33:21 do quarto

capítulo, uma frase que teria sido dita pelo Conselheiro e que é citada de forma

adaptada por Quaderna para falar da revolução que seu primo Sinésio viria causar

no sertão: “Das ondas do mar, Dom Sinésio Sebastião sairá com todo o seu exército,

tirar todos no fio da espada desse papel da república, e o sangue há de ir até a junta

grossa. Quem for republicano, mude-se para os Estados Unidos”.

As omissões, no entanto, não ocasionam perda ao fio narrativo porque os

significados que estão por trás das menções a esse fato histórico, ao qual são dadas

interpretações bastante singulares por Lino e Quaderna, são transmitidos ao

telespectador com a comparação de Sinésio a Dom Sebastião. Com elas, perde-se

apenas a referência regional, já que Canudos também foi um levante importante

ocorrido na região nordeste do Brasil. Entretanto, como são feitas menções a outras

revoltas regionais também relevantes, a perda não se faz tão grande.

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2.2.2 Movimentos políticos do início do século XX

Os movimentos políticos a que o Romance e a minissérie fazem referência são

a Guerra de Doze (1912), a Revolta de Juazeiro (1914), a Coluna Prestes (1926), a

Guerra de Princesa (1930), a Revolução de 1930, o Manifesto Integralista ou Guerra

do Verde (1932), a Revolução Comunista (1935) e o Golpe de 1937. Todos são

importantes separadamente, mas ganham importância muito maior para o narrador e

para a compreensão de sua narrativa se considerados juntos, uma vez que ele crê

que são episódios (exceto o de 1937) que culminarão numa revolução maior – a

“Grande Revolução Sertaneja do Povo Fidalgo-Castanho do Brasil” – provavelmente

a ser realizada por seu primo Sinésio no período em que se completa o “Século do

Reino” (entre 1935 e 1938), que corresponde ao centenário dos acontecimentos de

Pedra Bonita causados por seus antepassados. O Golpe de 1937, para ele, é um

empecilho a essa Revolução Sertaneja, pois com ele passa a existir uma forte

repressão e Sinésio e o povo são forçados a se calar e manter a ordem vigente.

A Guerra de Doze a que se refere o narrador do Romance e da minissérie foi,

na verdade, um levante realizado por um grupo de homens armados, sob as

lideranças de João Santa Cruz, promotor de Justiça, e Franklin Dantas, proprietário

rural e grande líder da região de Teixeira, por razões políticas: visando a uma

intervenção Federal e a consequente deposição do governador do Estado, o Dr.

João Machado (LIMA, 2013).

Para combater esse movimento, a Polícia Militar – na época denominada Força

Pública – deslocou um grande efetivo, pois ocorreram lutas em diversas cidades:

Sumé, Monteiro, Taperoá, Patos e São João do Cariri. Segundo Lima (2013):

Ainda foi invadida, pelo bando armado, a cidade de Santa Luzia e foram ameaçadas de invasão as cidades de Soledade e Teixeira. Nessas lutas a Polícia obteve algumas vitórias, e sofreu alguns revezes, mas acabou impedindo que os objetivos dos rebelados fossem alcançados.

Já a “Revolta do Santo Padre do Juazeiro” mencionada por Quaderna no

Romance recebeu o nome de Revolta ou Sedição de Juazeiro e ocorreu em 1914 no

sertão do Cariri, interior do Ceará. Foi liderada pelo médico Floro Bartolomeu e pelo

Padre Cícero Romão Batista, que desde 1872 estava alocado na região e desde

1889 atraía para lá milhares de peregrinos devido a supostos milagres que teria feito

(CAVA, 1995, p. 97).

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Desde 1910, Floro Bartolomeu instava Padre Cícero a trabalhar pela autonomia

política de Juazeiro com relação a Crato e Barbalha, o que não seria fácil pelo fato

de que ambos os municípios “aproveitaram-se econômica e politicamente do

meteórico crescimento da ‘cidade santa’” e, por isso, não estariam dispostos a

perder esse território (CAVA, 1995, p. 104).

Em julho de 1911, o Governador do Estado e chefe do dominante Partido Republicano Conservador do Ceará (PRC-C), Antônio Pinto Nogueira Accioly, orientou com sucesso a votação para a elevação de Juazeiro à vila através da Assembleia Estadual (que ele e seu partido controlavam desde 1896). Entretanto, Accioly encontrou dificuldade em apaziguar o Crato e Barbalha – dois leais suportes do PRC-C – quanto às suas perdas territoriais, econômicas e políticas. (CAVA, 1995, p. 105)

Então, por meio de um acordo realizado entre os líderes das regiões próximas,

“em troca da autonomia de Juazeiro, Accioly astuciosamente levou para as fileiras do

seu partido um dos mais populares cabos-eleitorais da história nordestina” (CAVA,

1995, p. 105).

De repente, em meados de janeiro de 1912, Accioly foi violentamente deposto por uma coalizão de comerciantes de Fortaleza e seus simpatizantes no seio do comando militar brasileiro. Os partidários do PRC-C, tanto no Ceará quanto em seu exílio no Rio, resolutamente depositaram suas esperanças no retorno ao poder com a vitória eleitoral do Pe. Cícero na segunda metade de 1912. Com relutância, o padre - agora terceiro Vice-presidente do Ceará - viu-se lançado ao papel de salvador do partido. Durante o ano de 1913, os atos hostis do novo Governador do Ceará, coronel Marcos Franco Rabello, convenceram o Pe. Cícero de que a sobrevivência de Juazeiro estava agora em perigo. Em Juazeiro, o partido de Franco Rabello atreveu-se mesmo a apoiar uma facção de proprietários rurais e comerciantes que tentava desafiar o padre e os seus correligionários do PRC-C. Em dezembro de 1913 e janeiro de 1914, o Pe. Cícero aquiesceu relutante a uma conspiração planejada meses antes por uma tríplice aliança forjada no Rio de Janeiro. Floro Bartolomeu, os exilados do PRC-C no Rio e o homem-forte da política no Brasil, o senador Pinheiro Machado, fizeram um pacto para depor Franco Rabello. A chave do plano sedicioso ficava com o Pe. Cícero. Ele tinha de chamar às armas tanto os coronéis do Vale quanto os seus próprios "romeiros" para ser bem sucedido no plano. Quando Franco Rabello ameaçou enviar sua polícia estadual a Juazeiro, o padre finalmente consentiu na conspiração, crente de que só uma ação armada poderia então salvar a sua "cidade santa'' e o estado do Ceará. O movimento sedicioso de fevereiro a março de 1914 foi liderado por Floro Bartolomeu e teve o apoio militar, financeiro e político do Governo Federal. Ainda que só parcialmente restaurado o poder do PRC-C no Ceará, a subsequente ascensão tanto de Floro quanto do

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Pe. Cícero na política nacional confirma a crescente interação e integração do poder nacional e local. (CAVA, 1995, pp. 105-106)

A Coluna Prestes, por sua vez, teve início em abril de 1925 e foi um movimento

liderado pelos militares Miguel Costa e Luís Carlos Prestes que visava percorrer o

Brasil a fim de “propagar a ideia de revolução e levantar a população contra as

oligarquias”, além de “chamar para si a atenção do governo, facilitando o surgimento

de novas revoltas nos centros urbanos” (FAUSTO, 2003, pp. 309-310).

A Coluna realizou uma incrível marcha pelo interior do país, percorrendo cerca de 24 mil quilômetros até fevereiro/março de 1927, quando seus remanescentes deram o movimento por terminado e se internaram na Bolívia e no Paraguai. Seus componentes nunca passaram de 1500 pessoas, oscilando muito com a entrada e saída de participantes transitórios. A Coluna evitou entrar em choque com forças militares ponderáveis, deslocando-se rapidamente de um ponto para outro. O apoio da população rural não passou de uma ilusão, e as possibilidades de êxito militar eram praticamente nulas. Entretanto, ela teve um efeito simbólico entre os setores da população urbana insatisfeitos com a elite dirigente. (FAUSTO, 2003, p. 310)

A Guerra de Princesa a que o Romance e a minissérie fazem referência

consistiu num “movimento sedicioso que envolveu, de um lado, os comandados do

‘coronel’ José Pereira Lima e, do outro as tropas da polícia militar da Paraíba”

(RODRIGUES, 1981, p. 7). Teve início em 28 de fevereiro de 1930, “com o

rompimento político-partidário entre José Pereira e João Pessoa Cavalcanti de

Albuquerque, governador (naquele tempo “presidente”) do Estado, e se prolongou

até 26 de julho daquele ano” (RODRIGUES, 1981, p. 7).

Quatro fatores principais foram os responsáveis para o surgimento do levante

contra João Pessoa, para o qual, pode-se concluir, contribuiu sua tentativa de

implementar mudanças no estado sem considerar as práticas vigentes no local e as

possíveis retaliações a quem tentasse transformá-las. O primeiro fator diz respeito

ao desprestígio aos coronéis promovido por João Pessoa. O segundo, à lei

promulgada por ele para impedir a importação de produtos de outros estados para a

Paraíba. O terceiro, à rixa familiar entre ele e seus primos e que levaram estes a

apoiar e financiar o movimento. O quarto, ao apoio que ele deu à candidatura de

Getúlio Vargas à Presidência da República, contrariando o governo federal.

Para a eclosão do movimento concorreu uma série de fatores, incluindo-se dentre eles a própria investidura de João Pessoa no governo do Estado, por determinação de Epitácio Pessoa da Silva,

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seu tio e principal líder político da Paraíba. O governador designado residia no Rio de Janeiro, onde exercia as funções de ministro do Supremo Tribunal Militar, e estava desligado da política partidária de sua terra natal. A 22 de outubro de 1928 assume a presidência paraibana imbuído de extremado idealismo, disposto a corrigir os vícios políticos. Prometera a si mesmo encetar uma ferrenha campanha de moralização dos costumes, pois, segundo suas próprias palavras, estava “tudo podre”, fazendo-se necessária “uma vassourada em regra” para “purificar a vida pública, rebaixada por figuras de significação e aproveitadores gulosos”. Dentre as preocupações administrativas de João Pessoa duas avultaram: o sistemático desprestígio aos coronéis (responsáveis, segundo ele, pelos abusos políticos que denunciara) e um programa para soerguimento das finanças do Estado. Em função destas preocupações, iniciou uma série de medidas visando a sanear o que lhe parecia errado. Considerando o Município (o espaço de atuação dos coronéis por excelência) um dos fulcros das reformas que pretendia encetar, sobre ele fez convergir grande número de atitudes renovadoras: destituiu chefes políticos, demitiu juízes e promotores, removeu delegados e chefes de Mesas de Rendas (coletorias estaduais), promoveu cuidadosa triagem na nomeação dos novos prefeitos, desprezando a velha praxe de compadrio. (RODRIGUES, 1981, pp. 7-8)

Ademais, segundo Rodrigues (1981, p. 11), para combater a crise econômica

instalada na Paraíba havia tempos, João Pessoa promulgou a Lei Tributária 673 de

17 de novembro de 1928, que regulava a exportação e importação de mercadorias

e, a partir da qual, criou-se o Imposto de Incorporação que incidiria sobre os

produtos importados de outros estados.

Em virtude da nova legislação, passou a ser dado tratamento diferente, em termos tributários, às mercadorias que entravam ou saíam do Estado. Visando a fomentar o comércio da capital, foi estabelecida uma acentuada diferenciação nos impostos relativos à importação e exportação realizadas pela capital e pelas fronteiras (divisas com os Estados limítrofes). Essa variação era pequena no referente à exportação, oscilando, por exemplo, quanto a dois produtos principais da economia paraibana – o algodão e o couro – entre 2% e 4%. Quanto à importação, entretanto, a lei ao mesmo tempo que diminuiu os percentuais referentes à mercadoria que entrasse pelo porto da Capital, hipertrofiou a incidência sobre produtos advindos pelas fronteiras, ultrapassando a majoração, em alguns casos, a 1000%. [...] Os Estados prejudicados protestaram contra o novo sistema tributário. Pernambuco, com maior vigor. Sua Associação Comercial, além de representar junto ao presidente da República, alegando a insconstitucionalidade da lei e pedindo a intervenção federal, solicitou o empenho de Estácio Coimbra, presidente do Estado, quanto à revogação da lei. Solicitou, também, o apoio de instituições congêneres de vários outros Estados nesse sentido. (RODRIGUES, 1981, pp. 11-12)

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A seguir, quando o Jornal do Commercio de Recife, de propriedade dos Pessoa

de Queiroz, primos e inimigos de João Pessoa, posicionou-se contra as medidas

tributárias, este fez acusações aos proprietários, após o que passou a sofrer ataques

pessoais, revidados pela A União, órgão oficial do Estado da Paraíba (RODRIGUES,

1981, pp. 12-13).

Finalmente, ao filiar-se a Aliança Liberal, João Pessoa passou a sofrer sanções

do governo federal, que demitiu e removeu funcionários federais simpatizantes da

causa liberal e suspendeu obras e serviços públicos de iniciativa da União no estado

(RODRIGUES, 1981, p. 17).

José Pereira, chefe de Princesa, rompeu com João Pessoa em 23 de fevereiro

de 1930, por telegrama, alegando que apoiaria a candidatura de Júlio Prestes por

sentir-se desprestigiado com a constituição da chapa para as eleições de deputado

federal e senador, da qual ficaram de fora os candidatos à reeleição, inclusive o ex-

governador João Suassuna (pai do escritor Ariano Suassuna), em cujo governo o

coronel sempre fora prestigiado. Nesse telegrama ele afirmava que, caso algum ato

de violência fosse praticado pelo governo do estado, ele faria tudo o que fosse

necessário para defender o direito ao voto livre. A ele se juntaram – nesse momento

e posteriormente – todas as pessoas que se sentiam lesadas pelas decisões de

João Pessoa: outros chefes locais, seus primos (Pessoas de Queiroz) e seus

inimigos (a família Dantas – também parentes de Ariano Suassuna), os governos de

estados vizinhos, tais como Pernambuco, e o governo federal (RODRIGUES, 1981,

pp. 18-27). No entanto, pode-se perceber que “os Pessoas de Queiroz foram os

mentores da revolta: instigaram o coronel a iniciar a luta, forjaram a ‘independência

de Princesa, o jornal e o hino do ‘Território Livre’, além de financiarem a luta em

parcela considerável” (RODRIGUES, 1981, pp. 78-79).

Após meses de cerco ao território de Princesa sem que a polícia conseguisse

chegar até o centro da região rebelada e sem que fosse, tampouco, derrotada pelas

tropas de José Ferreira, João Duarte Dantas assassina João Pessoa por vingança

às ofensas pessoais que este lhe tinha feito, ao que o presidente da República

Washington Luiz resolve terminar a revolta, não encontrando resistência e

reintegrando o território ao estado da Paraíba.

A Revolução de 30, por sua vez, consistiu num golpe militar que decorreu das

eleições de 1930, quando houve um racha entre as elites políticas de São Paulo e

de Minas Gerais causado pela insistência do presidente Washington Luís em lançar

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Júlio Prestes, governador do Estado de São Paulo, como candidato a seu sucessor

em vez de Antônio Carlos Ribeiro de Andrada, então governador do Estado de Minas

Gerais (FAUSTO, 2003, p. 319).

Em oposição a Washington Luís, foi criada a Aliança Liberal, unindo as

oligarquias de Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Paraíba, que se aproximou dos

militares e lançou como candidatos a presidente e vice o gaúcho Getúlio Vargas e o

paraibano João Pessoa, respectivamente (FAUSTO, 2003, p. 319).

Júlio Prestes venceu as eleições de 1º de março de 1930, mas em 24 de

outubro foi deposto pelos generais do Exército Tasso Fragoso, Mena Barreto e Leite

de Castro e pelo almirante da Marinha Isaías Noronha, e, em 3 de novembro, foi

substituído por Getúlio Vargas, que, a princípio, seria presidente em caráter

provisório, mas que acabou ficando no poder por quinze anos (FAUSTO, 2003, pp.

321-325).

A Guerra do Verde que é citada no Romance e na minissérie refere-se ao

conflito entre a Ação Integralista Brasileira (AIB), fundada em outubro de 1932, por

Plínio Salgado, escritor modernista, jornalista e político, e a Aliança Nacional

Libertadora (ANL), fundada pelos comunistas.

O integralismo se utilizava de rituais e símbolos: “o culto da personalidade do

chefe nacional, as cerimônias de adesão, os desfiles dos ‘camisas-verdes’,

ostentando braçadeiras com a letra grema zigma (∑), utilizada na matemática como

símbolo de somatória” (FAUSTO 2003, p. 356), e opôs-se fortemente ao comunismo.

No entanto, os dois movimentos tinham pontos em comum, como aponta Boris

Fausto:

[...] A crítica ao Estado liberal, a valorização do partido único, o culto da personalidade do líder. Não por acaso houve certa circulação de militantes que passaram de uma organização para a outra. Seria errôneo, porém, pensar que a guerra entre os dois grupos resultou de um mal-entendido. Na realidade, eles mobilizaram sentimentos muito diversos. Os integralistas baseavam seu movimento em temas conservadores, como a família, a tradição do país, a Igreja Católica. Os comunistas apelavam para concepções e programas que eram revolucionários, em sua origem: a luta de classes, a crítica às religiões e aos preconceitos, a emancipação nacional obtida através da luta contra o imperialismo e a reforma agrária. Essas diferenças eram mais do que suficientes para produzir o antagonismo entre os dois movimentos. Além disso, eles refletiam a oposição existente na Europa entre seus inspiradores: o fascismo de um lado e o comunismo soviético de outro. (2003, p. 356)

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A Revolução Comunista de 1935 foi uma insurreição contra o governo de

Getúlio Vargas liderada pela Aliança Nacional Libertadora (ANL) cujo objetivo era

derrubar o presidente e tomar o poder.

Em 5 de julho de 1935, Luís Carlos Prestes lançou um manifesto de apoio à

ANL incentivando a derrubada do governo de Vargas, o que foi o estopim para que o

presidente mandasse prender os líderes do movimento e o considerasse ilegal

(FAUSTO, 2003, p. 360).

Com o decreto de Vargas, o plano de fazer uma revolução foi colocado em

prática:

[...] Uma junta de governo tomou o poder em Natal por quatro dias, até ser dominada. Seguiram-se rebeliões no Recife e no Rio, esta última de maiores proporções. Houve aí um confronto entre os rebeldes e as forças legais do qual resultaram várias mortes, até a rendição. (FAUSTO, 2003, p. 361)

Vargas, após derrotar os revolucionários, instituiu o Tribunal de Segurança

Nacional especialmente para julgar os comprometidos na insurreição, porém esse

órgão tornou-se permanente e foi considerado como uma atitude estratégica para

preparar um futuro golpe de Estado (FAUSTO, 2003, p. 362), que viria a acontecer

em 1937.

Esse golpe iniciou o período da história brasileira conhecido como Estado

Novo, que só chegaria ao fim em 1945. Ele consistiu na suspensão das eleições que

deveriam ocorrer em janeiro de 1938 e no início de uma ditadura, declarada por

Getúlio Vargas, com a suposta intenção de combater o comunismo no Brasil.

O pretexto utilizado por Getúlio e pela cúpula militar para a prorrogação do

estado de guerra e para a suspensão das eleições, segundo Boris Fausto, foi o

Plano Cohen, que consistia num plano de insurreição comunista que seria, na

verdade, apenas:

[...] Uma fantasia a ser publicada em um boletim da Ação Integralista Brasileira, mostrando como seria uma insurreição comunista e como reagiriam os integralistas diante dela. A insurreição provocaria massacres, saques e depredações, desrespeito aos lares, incêndios de igrejas etc. (FAUSTO, 2003, p. 363)

Contudo, esse plano foi “transformado em realidade” e, no dia 10 de novembro

de 1937, “tropas da polícia militar cercaram o Congresso e impediram a entrada dos

congressistas”:

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[...] À noite, Getúlio anunciou uma nova fase política e a entrada em vigor de uma Carta constitucional, elaborada por Francisco Campos. Era o início do Estado Novo. O Estado Novo foi implantado no estilo autoritário, sem grandes mobilizações. O movimento popular e os comunistas tinham sido abatidos e não poderiam reagir; a classe dominante aceitava o golpe como coisa inevitável e até benéfica. O Congresso dissolvido submeteu-se, a ponto de oitenta de seus membros irem levar solidariedade a Getúlio, a 13 de novembro, quando vários de seus colegas estavam presos. (FAUSTO, 2003, pp. 364-365)

No Romance, todos esses episódios são mencionados diversas vezes, sendo

citados também na minissérie, embora com menos frequência:

Episódio Romance Minissérie

- Guerra de 1912 Folhetos I, XII, XXVI, XXVIII,

XXXVII, XXXIX, L, LXVII, LXIX,

LXXIII, LXXX, LXXXII e LXXXIV.

00:02:41 do terceiro capítulo.

- Sedição de

Juazeiro e Padre

Cícero

Folhetos XXII, L, LXI, LXIX e

LXXXII.

00:39:14 e aos 00:43:14 do

primeiro capítulo.

- Coluna Prestes Folhetos II, XXXVIII, XXXIX, XL,

XLIX, L, LII, LX, LXIX, LXXX,

LXXXII, LXXXIX.

00:44:21 do terceiro capítulo.

- Revolta de

Princesa

Folhetos III, VII, XV, XVI, XXVIII,

XXXVII, XXXIX, L, LI, LX, LXV,

LXVII, LXXIII, LXXVIII, LXXX,

LXXX e LXXXII.

00:32:38 do primeiro capítulo.

00:13:14 do segundo

capítulo.

00:44:21 do terceiro capítulo.

00:06:16 do quarto capítulo.

- Revolução de

1930

Folhetos XLVI, LI, LXIX e

LXXXII.

00:01:11 do terceiro capítulo.

- Plínio Salgado,

Guerra do Verde

e Manifesto

Integralista

Folhetos XXVII, XXXVII, XXXIX,

XL, L, LI, LII, LIV, LXXVI e

LXXX.

00:04:36 do terceiro capítulo.

- Revolução de

1935

: Folhetos XXXVII, XXXIX, XLIII,

XLVI, XLVII, LII, LIX, LX, LXII,

00:01:11 do terceiro capítulo.

00:03:31 do terceiro capítulo.

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LXIV, LXIX, LXXVI e LXXXV. 00:03:15 do quarto capítulo.

- Golpe de 1937 Folhetos XXVI, XXXVII e L. 00:01:11 do terceiro capítulo.

Todos esses episódios – exceto o Golpe de 1937 – são mencionados no

Romance e na minissérie quando o narrador tem o intuito de demonstrar que

cresceu entre conflitos armados devido à participação do tio e padrinho em diversos

deles e à participação de outros parentes, tais como seus irmãos bastardos e seu

primo Arésio. A principal contribuição das menções feitas a eles, no entanto, é a de

demonstrar a crença de Quaderna – a qual ele propaga ao povo humilde de Taperoá

com a finalidade de conquistar adeptos à sua causa de transformar o Brasil

novamente em império e subir ao seu trono – de que fariam parte de uma revolução

sertaneja maior a ser realizada por seu primo Sinésio e que instauraria um reino de

felicidade, saúde, riqueza e beleza para todos. Nas menções e referências a esses

episódios é possível perceber o diferente posicionamento com relação a eles da

população humilde e dos membros das elites econômica e cultural bem como

compreender o que levou o narrador a ser preso.

Quaderna refere-se orgulhosamente à Guerra de Doze como o momento em

que seus familiares, os Garcia-Barrettos, e “outros chefes sertanejos importantes do

antigo Partido Liberal do tempo do Império organizaram uma tropa de 1.200 homens

armados e tomaram seis cidades aqui no Sertão da Paraíba” (SUASSUNA, 2012, p.

339). As principais menções a essa guerra são as que aparecem nos Folhetos

XXVIII, XXXVIII, XXXIX, L, LXIX e LXXXII, pois revelam o pensamento ambivalente

do narrador em relação a ela, o qual em parte é absorvido por Lino Pedra-Verde, e o

modo como a classe dominante da Vila de Taperoá enxerga esse mesmo conflito.

No Folheto XXVIII, a referência a essa guerra leva o leitor a conhecer o fato de

que Quaderna, embora sinta-se orgulhoso da participação do tio no conflito, diz não

querer ver banho de sangue “nem dado pelo Rei, nem pelo Chefe revolucionário,

nem pelo Presidente da República”, pois já viu muito disso em 1912, em 1926, em

1930 etc. (p. 188). Esse novo posicionamento do narrador é decorrente da

consciência que ele desenvolve dos perigos da violência que qualquer tipo de revolta

necessariamente engendra. Essa consciência, contudo, não é desenvolvida devido

uma modificação de seu ponto de vista ideológico, moral ou mesmo ético, mas sim

devido à sua covardia, pois ele tem medo de, ao rebelar-se, ser atacado pelos

adversários e acabar morrendo violentamente como seus antepassados. Dessa

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forma, ele deseja uma revolta, mas tem medo de levá-la a cabo e sofrer represálias

e, por isso, apenas incita-a indiretamente, através de seus folhetos e de seu

Catolicismo Sertanejo, os quais divulga a seus discípulos (que são as pessoas

simples da região e, em especial, os cantadores).

Nos Folhetos XXXVIII e L, o narrador diz que sua desaventura começou em

1912, agravando-se em 1930 e “culminando com os acontecimentos desencadeados

de 1935 a 1938” (p. 247) e vê a Guerra de Doze como um movimento da revolução

sertaneja do Brasil no século XX (p. 354), que é a mesma forma como Lino Pedra-

Verde a vê no Folheto LXXXII, no qual afirma que a Guerra do Reino (a luta de

Sinésio) começou com a Guerra de 1912 (p. 699).

No Folheto LXIX, a chegada do Rapaz-do-Cavalo-Branco à Vila é tida pelo

comendador Basílio Monteiro como uma invasão comunista que visava a neutralizar

as cidades sertanejas pequenas para atingir Campina Grande, exatamente como,

segundo ele, os revolucionários da Guerra de Doze tentaram fazer (pp. 526-527).

Na minissérie, é feita apenas uma breve referência a essa guerra. Aos 00:02:41

do terceiro capítulo, Lino Pedra-Verde, zangado por saber que Quaderna fora

intimado a depor, diz que em outros tempos isso não seria permitido pela população

local: “Se fosse outro tempo, [19]12, [19]30, essa gente [referindo-se ao Juiz

Corregedor] não riscava casco de cavalo no chão do sertão não. Mas hoje todo o

mundo é manso”.

Assim, no Romance, a menção à Guerra de 1912 explicita a participação de

Quaderna e sua família em conflitos armados e revela que, embora ele tenha sido

influenciado pelo tio e esteja de acordo com a postura assumida por ele no passado,

não tem a coragem necessária para assumi-la e dar continuidade a ela no presente,

pois teme por sua vida. Por isso ele o faz apenas de maneira indireta. Já na

minissérie, a menção a esse episódio aponta que o sertão já teve lutas no passado –

fato que é visto euforicamente por Lino Pedra-Verde – mas que, no momento da

chegada do Juiz, em 1938, está pacífico – condição considerada disfórica pelo

cantador.

No Romance, como já dito anteriormente, são feitas algumas menções à

Sedição de Juazeiro, principalmente de forma a demonstrar as diferentes

interpretações dadas a ela pela população pobre e pela elite do local e a informar ao

leitor que ela foi uma das insurreições em que a família de Quaderna se viu metida e

que, somada às demais, teria servido de preparação a uma revolução sertaneja

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maior que estaria sendo armada para o ano de 1935. A figura de Padre Cícero e a

presença de sua “Oração da Pedra Cristalina” têm, ainda, a função de reiterar a

crença de Quaderna (e de seu discípulo Lino) no Catolicismo Sertanejo como capaz

de transformar o Brasil novamente em império e legitimar sua ascensão – ou a de

Sinésio – ao trono.

No Folheto XXII, Quaderna revela que, ao visitar as duas pedras, bateu nelas

enquanto pronunciava a “Oração da Pedra Cristalina”, de Padre Cícero, mas que

não conseguiu o milagre de as pedras se abrirem como se prenuncia na oração (p.

150). Já no Folheto LXI, é Pedro Cego quem menciona a “Oração da Pedra

Cristalina” num momento em que o povo de Taperoá se aglomera na praça,

comovido com a volta de Sinésio: ele diz que foi essa oração que o salvou de uma

espécie de encantação em que se viu preso dentro de uma furna de onça (p. 431).

Nesse momento, Pedro Cego é tido como um profeta pela multidão e o advogado de

Sinésio, Dr. Pedro Gouveia, se aproveita de suas palavras para conseguir o apoio

das pessoas para a causa de seu cliente.

No Folheto L (p. 354) e no Folheto LXXXII (p. 699 e p. 709), Quaderna e Lino,

respectivamente, afirmam que, assim como a Guerra de Doze, a Sedição de

Juazeiro também foi um movimento da revolução sertaneja do Brasil, a qual teria

começado em 1912, e Lino embaralha fatos históricos ao perguntar a Samuel se as

personagens do folheto Romance da Demanda do Sangral, inspirado em novelas de

cavalaria famosas, haviam lutado no Crato, “perto do Juazeiro do Padre Cícero” (p.

709).

No Folheto LXIX, o comendador Basílio Monteiro afirma que a Sedição de

Juazeiro (assim como a Guerra de Doze) teve o objetivo de dominar cidades

sertanejas pequenas para depois conseguir chegar às cidades maiores (p. 527).

Na minissérie, é omitida a participação de Quaderna e seu tio e padrinho nessa

revolta, sendo feita apenas uma referência explícita a Padre Cícero como figura

sagrada e uma referência a sua Oração da Pedra Cristalina, aos 00:39:14 e aos

00:43:14 do primeiro capítulo: Quaderna, ao deparar-se com a onça que matou por

acidente enquanto tentava matar um preá, assusta-se e grita: “Valei-me, Padim Ciço.

É uma onça! Eu atirei no que vi, e matei o que não vi!”; depois, ao chegar às Pedras

do Reino de seus antepassados, emocionado, faz a oração de Padre Cícero como

parte de seu ritual de consagração como Imperador do Brasil. Assim, podemos

perceber que a função do aparecimento de Padre Cícero na minissérie é a de

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revelar o imaginário do narrador Quaderna: ele crê nesse homem que foi uma

espécie de santo e guerreiro nordestino e roga a ele e a Deus por proteção física

contra os perigos do dia-a-dia, mas principalmente contra aqueles que queiram

impedir sua ascensão ao trono do Império do Brasil, o que podemos depreender

pelas palavras presentes na segunda metade da oração:

Minha Pedra Cristalina, que no mar fostes achada, entre o Cálice Bento e a Hóstia Consagrada. Treme a terra, mas não treme Nosso Senhor Jesus Cristo no altar sagrado. Tremem, porém, o coração dos meus inimigos e dos que me desejam mal. Eu te benzo em cruz, e não tu a mim, entre o Sol, a lua, as Estrelas... e as três pessoas da Santíssima Trindade! Meu Deus! Na travessia avistei meus inimigos. Meu Deus! Eles não me farão mal, pois com o manto da virgem sou coberto. Se me acorrentarem, os elos se quebrarão... Se me trancarem, as portas da prisão ruirão para me dar passagem como passou, no dia da ressurreição, Nosso Senhor Jesus Cristo por entre os guardas do sepulcro. Contra mim nada valerá. Contra os meus ninguém se levantará. E para proteger meu lar, com a chave do sacrário eu o fecharei (CARVALHO, 2007, pp. 40-42).

No Romance, além desse sentido, Padre Cícero e a Revolta de Juazeiro

contribuem ainda para esclarecer ao leitor que a família do narrador esteve

envolvida em diversos levantes ocorridos na região nordeste.

A Coluna Prestes é mencionada no Romance como tendo sido um “banho de

sangue” (SUASSUNA, 2012, p. 188) e como tendo consistido numa Coluna “que

cruzara o Sertão da Paraíba em 1926, realizando uma típica ‘retirada ilustre’ e

tentando sublevar as massas camponesas do Brasil para a Revolução”

(SUASSUNA, 2012, p. 272). As principais menções a esse episódio da história do

Brasil ocorrem nos Folhetos XXXIX, XL, LX, LXIX e LXXXII, pois deixam

transparecer a crença de Quaderna, de Lino Pedra-Verde, de Clemente e da

população tanto abastada quanto humilde do local de que Sinésio teria voltado a

Taperoá em 1935 para retomar os ideais da Coluna Prestes. Para a classe

dominante da Vila, essa volta seria negativa, uma vez que o ideal de acabar com as

oligarquias a prejudicaria. Para a população carente, contudo, a volta propiciaria a

realização do seu desejo de viver numa sociedade igualitária.

Nos Folhetos XXXIX e XL, as menções são feitas por Clemente. Ele, que é

comunista, diz que só seguiu o Rapaz-do-Cavalo-Branco em 1935 porque acreditava

que ele “iria repetir os feitos da ‘Coluna Prestes’ no Sertão da Paraíba, em 1926” (p.

269). Já nos Folhetos XLIX e LX, Quaderna revela que o povo sertanejo também

achava que a cavalgada de Sinésio à Vila fosse uma “nova Coluna que o Guerreiro e

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Fidalgo-brasileiro, o Capitão Prestes, enviara ao sertão para rebelá-lo e subvertê-lo,

como já tinha feito em 1926, com a célebre ‘Coluna Prestes’” (p. 422).

No Folheto LXIX, é o Comendador Basílio Monteiro quem faz a menção. Lá, ele

afirma que os ideias de Luís Carlos Prestes eram elogiáveis em 1926 (quando ele

queria acabar com as oligarquias), porém perderam-se quando ele se tornou

comunista. Seu pronunciamento, contudo, é polêmico, uma vez que ele fala para

muitos fazendeiros-coronéis que foram contra a Coluna pela razão de serem o alvo

dela. Ele comenta, ainda, a entrada de Prestes no Brasil de modo clandestino, sob o

nome de Antônio Villar, para instaurar no país uma “República soviética”, e relaciona-

a à chegada de Sinésio à Vila, que considera ter ocorrido a mando de Prestes (pp.

521-526).

Finalmente, no Folheto LXXXII, Lino Pedra-Verde diz que a Coluna faz parte da

Guerra do Reino assim como a Guerra de Doze e a de Juazeiro (p. 699).

Na minissérie, é feita apenas uma referência à Coluna Prestes: o Juiz

Corregedor, aos 00:44:21 do terceiro capítulo, menciona que, segundo a carta

anônima de denúncia que recebeu contra Quaderna, no bando de Sinésio estavam

vários participantes da Coluna Prestes, o que tornava a cavalgada subversiva para

as autoridades.

Dessa forma, concluímos que a inserção da Coluna Prestes no universo

ficcional do Romance e da minissérie demonstra que a população da Vila de

Taperoá cria que Sinésio estaria acompanhado de pessoas que haviam participado

da Coluna e repetiria os feitos de Luís Carlos Prestes, o que para a classe abastada

era motivo de apreensão e cautela, e para a classe pobre era motivo para apoiá-lo e

segui-lo.

No Romance são feitas várias menções à Guerra de Princesa devido ao fato de

ela ser muito importante na vida do narrador por ter desencadeado a morte de seu

tio, o desaparecimento de seu primo Sinésio e, posteriormente sua própria prisão.

As menções ocorrem em vários folhetos também devido à forma como o

narrador decide contar a história, isto é, de maneira circular, indo e voltando nos

fatos, a fim de ir revelando aos poucos os ocorridos, as participações e,

principalmente, os posicionamentos diante deles para não se comprometer perante o

Juiz-Corregedor e dos “nobres senhores e belas damas” que lerão seus escritos e

poderão se apiedar dele vindo a livrá-lo da prisão. As mais importantes menções,

contudo, são as que aparecem nos Folhetos III, XV, L, LI, LX e LXV e são as que

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descrevemos e analisamos a partir de agora.

No Folheto III, Quaderna explica no que consistiu essa revolta ao apresentar

Luís do Triângulo, que participou dela e vinha acompanhando a cavalgada de

Sinésio à Vila de Taperoá:

Nesse momento, um homem alto, magro e forte, de olhos castanhos, com a calma, a energia e a mansidão aparente dos Sertanejos mais corajosos, destacou-se do meio dos almocreves, que a essa altura também já tinham chegado, e aproximou-se do Doutor [Pedro Gouveia]. Era o Chefe e Capitão-Mor da tropa, um homem cujo nome, quando depois se espalhou pela Vila, eletrizou todo mundo: porque ele era, nem mais nem menos, que o célebre Luís Pereira de Sousa, mais conhecido como Luís do Triângulo, por causa de sua pequena fazenda pajeúzeira, “O Triângulo”. E só estranhará que esse nome de Luís do Triângulo tenha causado tanta emoção entre nós quem ignorar dois fatos: primeiro, que, pertencendo ele à grande família dos Pereiras, do Pajeú – famosa pela coragem e pelas façanhas guerreiras –, Luís do Triângulo era parente de Dom José Pereira Lima, aquele mesmo Fidalgo sertanejo que, em 1930, se rebelara contra o Governo, tornando-se Rei-guerrilheiro de Princesa, proclamando a independência do município com hino, selo, bandeira, constituição e tudo, subvertendo o Sertão da Paraíba à frente do seu exército de 2.000 homens de armas, numa guerrilha heróica que o governo do Presidente João Pessoa em vão tentou vencer com sua Polícia. Nesse Reino, ou Território Livre, de Princesa, o Rei era Dom José Pereira Lima, O Invencível, e Luís do Triângulo, então com 32 anos, era o Condestável e Chefe do Estado-Maior. (SUASSUNA, 2012, p. 57)

Ele utiliza o recurso da adjetivação a fim de criar a imagem de Luís com

grandeza devido a seu parentesco com José Pereira Lima, líder da Revolta de

Princesa, e a sua participação nessa revolta.

Percebemos essa intenção de enobrecer Luís do Triângulo quando o narrador

emprega as palavras e expressões “um homem alto, magro, forte [...] com a calma, a

energia e a mansidão aparente dos Sertanejos mais corajosos”, “célebre”,

“pertencente à grande família dos pereiras [...] famosa pela coragem e pelas

façanhas guerreiras” e “guerrilha heróica”, e conseguimos enxergar nessa intenção e

nessas palavras utilizadas seu posicionamento com relação a essa guerra: o de

concordância com sua existência.

No Folheto XV, explica que o tio e padrinho tomara o partido de José Pereira

contra o governo e revela ter participado dessa guerra juntamente com o tio, que foi

assassinado em decorrência dela:

Ora, em 1930, meu tio e Padrinho, Dom Pedro Sebastião Garcia-

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Barretto, tomara parte na “Guerra de Princesa”, ao lado de Dom José Pereira Lima, contra o Governo e a Polícia do Presidente João Pessoa. [...] Eu, recadeiro e homem de confiança de meu Padrinho, fui várias vezes a Princesa, em 1930, acompanhado por meu irmão bastardo, Malaquias Nicolau Pavão-Quaderna, em missões e embaixadas secretas de Dom Pedro Sebastião para Dom José Pereira. [...] O fato é que passou a “Guerra de Princesa”. Meu Padrinho morreu, degolado por causa dela; mas eu escapei e Luís do Triângulo também. (SUASSUNA, 2012, pp. 116-118)

No Folheto L, o narrador cita a Guerra de Princesa como sendo um dos

movimentos da revolução sertaneja do Brasil no século XX (p. 354) e, no Folheto LI,

diz que a 24 de agosto de 1930, quando seu tio foi assassinado misteriosamente, “o

nosso Reino do Sertão dos Cariris Velhos estava inteiramente conflagrado,

incendiado e devastado” devido à guerra (p. 359), com a sua fazenda, a Onça

Malhada, “fervilhando de gente armada” (p. 364).

A seguir, ainda no Folheto LI, Quaderna comenta boatos existentes de que a

morte de seu tio e o sumiço de Sinésio haviam ocorrido por motivos políticos devido

à participação veemente de Pedro Sebastião na Guerra de Princesa (p. 367) e de

que Sinésio era mantido refém por seguidores de João Pessoa como “elemento de

intimidação e trunfo para a derrota dos partidários dele” (p. 369).

No Folheto LX, Quaderna diz ao Juiz Corregedor que remanescentes da

Guerra de Princesa e da Coluna Prestes integravam a cavalgada de Sinésio em

1935 (p. 422) e, no Folheto LXV, por um deslize, acaba revelando que se considera

o rei do Brasil “por direito e por sangue”, enquanto seu tio e José Pereira Lima são,

para ele, somente “Reis vassalos e tributários” seus (p. 465). Dessa revelação o Juiz

conclui que Quaderna era a favor de revoluções para poder instaurar seu reino e,

com isso, sua situação se complica.

Na minissérie, são feitas referências à Guerra de Princesa nos quatro primeiros

capítulos. Inicialmente, aos 00:32:38 do primeiro capítulo, Quaderna encontra Luís

do Triângulo e calorosamente o apresenta ao irmão Malaquias e ao amigo Euclydes

como “guerrilheiro de Princesa”, aludindo à participação de Luís a seu lado e de seu

padrinho nesse levante.

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Figura 57: Aos 00:33:07 do primeiro capítulo, Luís do Triângulo saúda Quaderna.

A câmera que o foca em primeiro plano em ângulo contra-plongée, isto é, de

baixo para cima, contribui para criar o efeito de sentido de grandeza e superioridade

da personagem focada, que é exatamente o que Quaderna deixa transparecer por

meio das palavras utilizadas em sua narração.

Depois, aos 00:13:14 do segundo capítulo, Pedro Sebastião Garcia-Barretto

refere-se à Guerra de Princesa ao pedir que Quaderna leve Sinésio a Natal para

fugir da confusão que está prestes a se armar quando o povo de Princesa pegar em

armas contra o governo.

Posteriormente, aos 00:44:21 do terceiro capítulo, o Juiz Corregedor quer

saber de Quaderna se é verdade que participantes do Exército do “tal” Território Livre

de Princesa estavam na cavalgada de Sinésio, pois essa informação constava na

carta de denúncia recebida contra o narrador e poderia caracterizar a cavalgada

como subversiva.

Por fim, aos 00:06:16 do quarto capítulo, o Juiz Corregedor descobre que

Quaderna é descendente dos “fanáticos” da Pedra do Reino e acusa-o de ter se

juntado ao bando do Rapaz-do-Cavalo-Branco para subverter o povo sertanejo

contra as autoridades com a finalidade de restaurar seu império. Quaderna, então,

confessa ao Juiz sua intenção de juntar o movimento da Pedra do Reino e a Guerra

de Princesa à demanda novelosa de Sinésio para tornar-se imperador do sertão e do

Brasil e poder, assim, ao produzir sua epopeia, tornar-se o Gênio da Raça Brasileira.

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Notamos que a Revolta de Princesa, tanto no Romance quanto na minissérie,

tem mais importância para o narrador do que qualquer outra anterior a ela, pois foi a

causadora da morte do tio, do desaparecimento do primo Sinésio e de sua prisão.

Foi uma revolta da qual Quaderna participou ativamente e a primeira a ter

consequências graves e negativas para ele: a perda do tio, o desaparecimento de

Sinésio e, posteriormente, as suspeitas que recaem sobre ele com relação a essa

morte e a esse desaparecimento, as quais o obrigam a prestar esclarecimentos

perante o Juiz Corregedor. Pode-se atribuir a importância dada por Suassuna a esse

levante a fatores autobiográficos, uma vez que seu pai, o político João Suassuna, foi

assassinado em decorrência dela: por vingança pela morte de João Pessoa, a qual,

como já mencionamos anteriormente, foi causada por seu tio (cunhado de seu pai)

João Duarte Dantas durante essa revolta.

No Romance, a Revolução de 1930 é mencionada algumas vezes e acaba por

criar os mesmos efeitos de sentido das anteriores: demonstra que a população a

relacionava a Sinésio e que os poderosos não entravam em consenso a respeito de

seus méritos. Um novo sentido que surge com a sua menção e que se repete

quando se fala dos levantes posteriores é o de que, em decorrência dela, ocorreram

investigações acerca da morte de Pedro Sebastião e do desaparecimento de Sinésio

devido as quais Quaderna teve que prestar depoimentos.

No Folheto XLVI, o narrador revela que, quando a Revolução foi deflagrada, ele

foi chamado a depor sobre o assassinato do tio e o desaparecimento do primo

perante os Tribunais Revolucionários surgidos com ela (p. 321) e, no Folheto LI, ele

conta que o reaparecimento de Sinésio sempre era relacionado, pelo povo, às

insurreições sertanejas, das quais ele cita a Revolução de 1930 (p. 371).

Ele revela, ainda, no Folheto LXIX, que entre os poderosos de Taperoá não

havia unanimidade a respeito dos méritos da Revolução. O Comendador Basílio

Monteiro exalta-a, referindo-se a ela como “gloriosa” durante a reunião de

emergência convocada para tratar do reaparecimento de Sinésio, porém, detém-se

antes de instaurar uma polêmica, pois muitos dos demais presentes a essa reunião

tinham sido contra essa Revolução, pois eram grandes fazendeiros (pp. 522-527).

Por fim, no Folheto LXXXII, Lino Pedra-Verde menciona essa revolução como

tendo sido parte de uma revolução sertaneja maior a ser empreendida por Sinésio,

assim como as anteriores ocorridas no sertão (p. 700).

Dos 00:01:11 aos 00:02:04 do terceiro capítulo da minissérie, Quaderna,

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deitado no chão da cadeia, dá a entender que sua prisão foi decorrente do clima

político tenso e carregado que a cidade vivia no ano de 1938, o qual se devia às

diversas revoluções ocorridas no local e no Brasil, tais como a Revolução de 30, a

Revolução de 35 e o Golpe de Estado de 37. Ele condensa, nessas suas palavras

de narrador e personagem da minissérie, o discurso – bem mais longo e provido de

informações – do narrador do Romance sobre esses três fatos históricos:

Era tenso e carregado o ambiente político que estávamos vivendo. A Revolução de 30, a Revolução de 35, o Golpe do Estado Novo em 37... assim, tudo estava decidido para quando chegasse o momento. Nossa Vila de Taperoá estava subvertida por ódios, ressentimentos, ambições e invejas, endoidecida por um ambiente inquisitorial. Estávamos nesse ambiente quando mandaram uma carta anônima ao Senhor Juiz da capital e eu me enredei nas teias de um processo fatal como perigoso agente político e acusado de crime.

Assim, quando ocorre a inserção da Revolução de 30 na minissérie explicita-se

o clima de opressão em que a Vila vivia em 1938 e que justificava a abertura de um

inquérito no qual Quaderna teria que prestar depoimentos acerca de seu

posicionamento político em outras revoltas. Além disso, no Romance, a menção à

Revolução de 30 levanta a suspeita de que Sinésio estivesse por trás dela, o que a

configuraria como mais uma das diversas batalhas da “Guerra do Reino” que ele

ainda empreenderia até sair vencedor e capaz de instaurar a igualdade e a felicidade

no sertão nordestino à la Dom Sebastião.

No Romance, são feitas algumas menções a Plínio Salgado, à Guerra do Verde

e à Revolução Integralista sendo o principal efeito de sentido criado por elas o de

mostrar a oposição dos dois mestres de Quaderna, as personagens Samuel e

Clemente: Samuel é construído tendo por base a filosofia e a ideologia do

integralismo, enquanto Clemente é construído tendo por base a filosofia e a

ideologia do comunismo, e os dois discutem seus pontos de vista divergentes todo o

tempo. Dessa forma, constatamos que há um diálogo com as posições ideológicas

que predominam no contexto histórico brasileiro do início da década de 1930.

Entretanto, esse diálogo é caricaturado por Suassuna com a criação dessas

personagens porque ambas aplicam suas ideologias de modo radical a todos os

aspectos da vida, o que acaba impossibilitando a troca de ideias entre elas e a

construção de novos conhecimentos, uma vez que estão fechadas em suas crenças

e não admitem o modo de pensar do outro como alternativa ao seu próprio.

No Folheto XXVII, Samuel se crê digno da presidência da Academia de Letras

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dos Emparedados do Sertão da Paraíba por já ter recebido um cartão de Plínio

Salgado, a quem admira e denomina “Chefe dos nacionalistas brasileiros de Direita”

(p. 184).

No Folheto XXXVII, Quaderna conta que Getúlio Vargas parecera se aliar à AIB

durante certo tempo, surpreendendo a todos ao torná-la ilegal após o Golpe de 1937

(p. 246) e, no Folheto XXXIX, fala da oposição entre seus dois mestres, Clemente e

Samuel (p. 254), expressando sua opinião pessoal a respeito dela:

As relações existentes entre nós três, nobres Senhores e belas Damas, continuavam de certa forma curiosas. Como rivais, não nos suportávamos; mas como também precisássemos muito uns dos outros, não podíamos separar-nos. A rivalidade existente entre Samuel e Clemente tinha muitas causas literárias, mas, como Vossas Excelências já devem ter suspeitado, era principalmente de natureza política. [...] A partir de 1930, com a vida política brasileira se dividindo ainda mais, os dois começaram a se radicalizar. Luís Carlos Prestes já fundara o Partido Comunista do Brasil, e Plínio Salgado o partido extremado de Direita, a Ação Integralista Brasileira. Logo depois, porém, os comunistas procuraram fundar um partido que agrupasse outras pessoas, liberais, em torno deles: esse partido chamou-se Aliança Nacional Libertadora. Não é preciso dizer que Samuel entrou imediatamente para a Ação Integralista Brasileira, fundando entre nós uma seção que passou a congregar os jovens filhos de família de tudo quanto era fazendeiro e proprietário. [...] Quanto a Clemente, aderira furiosamente à Aliança Nacional Libertadora, de cujo Comitê local era Presidente. O pior, porém, é que a desgraçada dissensão que se manifestara desde o princípio entre aquelas duas personalidades geniais não se contentara em entravar somente o progresso político, literário e filosófico do Sertão, separando em divisões estéreis aqueles dois grandes homens que, de outra maneira, bem poderiam trabalhar juntos, com resultados extraordinários para o progresso de nossa Pátria. Acontece que a luta ideológica travada entre os dois estendera-se do campo puramente político até o literário, o histórico, o filosófico e até o religioso, se posso falar assim.

Quaderna crê que a dissensão entre Clemente e Samuel entravava o

progresso político, literário e filosófico do Sertão, “separando em divisões estéreis

aqueles dois grandes homens que, de outra maneira, bem poderiam trabalhar

juntos, com resultados extraordinários para o progresso de nossa Pátria”. O que ele

quer dizer com isso é que acredita, à sua maneira, num caminho alternativo às

visões polarizadas de seus mestres que possa conciliar as visões antagônicas. Esse

caminho é o que ele pretende transformar em sistema político do Brasil com a

chegada e a ajuda de Sinésio: a Monarquia de Esquerda.

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Nos Folhetos XL e LII, Quaderna menciona a participação de seu irmão

Malaquias (p. 281) e de seu primo Arésio na “Guerra do Verde” (p. 378) e, no

Folheto L, diz considerar esse episódio como mais um dos movimentos da revolução

sertaneja do Brasil (p. 354). No Folheto LI, afirma que a esse episódio também foi

associada pelo povo sertanejo a volta de Sinésio (p. 371).

No Folheto LIV, o narrador comenta a tentativa de golpe contra o governo

realizada pelos integralistas (p. 392) e, mais tarde na narrativa, no Folheto LXXVI,

diz que a passagem de Plínio Salgado pelo sertão intensificou os ideais “fidalgo-

ibéricos” de Samuel (p. 598), que consistiam na valorização de tudo que diz respeito

à elite intelectual e financeira branca e descendente de portugueses e espanhóis

que se concentravam nos engenhos do litoral do estado de Pernambuco, em

detrimento de tudo que diz respeito ao povo miscigenado e humilde do sertão da

Paraíba.

Por fim, no Folheto LXXX, Clemente, que é partidário da ANL e de Luís Carlos

Prestes e está enciumado porque Samuel recebeu um brasão de nobreza, chama-o

de “galinha-verde” por ser partidário da AIB e de Plínio Salgado (p. 664). No entanto,

o comunista critica Samuel apenas por ciúme, e não por ter ideologia realmente

diferente, uma vez que se acalma e alegra quando descobre que também receberá

um título nobre.

Na minissérie, há apenas uma menção a esse episódio da história nacional.

Aos 00:04:36 do terceiro capítulo, Samuel nega-se a defender Quaderna no

inquérito por ser integralista e “fiel partidário de Plínio Salgado”, posição política que

alega estar sendo perseguida desde 1937, e Clemente também se nega alegando

que o comunismo está sendo perseguido tanto quanto o integralismo.

Diferentemente do Romance, a minissérie não aprofunda essas questões políticas

de modo a esclarecer os motivos que fizeram o integralismo e o comunismo serem

perseguidos. Assim, é necessário que o telespectador tenha o conhecimento do

contexto social da época em que se passa a narrativa para compreender suas

implicações.

A Guerra do Verde, então, tem como principal função, na narrativa de

Quaderna, expor ao leitor e ao telespectador a ideologia de Clemente e Samuel,

contribuindo, assim, para a construção caricata dessas duas personagens, a

primeira como extremista de esquerda e a segunda, de direita, mas que são, na

verdade, militantes apenas no discurso, e não na prática, pois quando se sentem

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ameaçadas, esquecem seus ideais e suas divergências e se aliam para que possam

sair ilesas de eventuais sanções. Quaderna, tendo sido influenciado pelos dois, além

de ter influência de seu tio e do cantador João Melchíades, une em si um pouco da

ideologia de cada um deles, o que o torna um ser multifacetado e, por vezes,

contraditório, características comumente atribuídas ao povo brasileiro de modo

geral.

No Romance, a Revolução de 35 é mencionada diversas vezes principalmente

com o objetivo de explicitar a repressão que ela gerou em todo o Brasil e que foi

responsável pela prisão de Quaderna, bem como para mostrar que tanto a

população humilde quanto a classe dominante de Taperoá acreditavam que Sinésio

havia voltado para pô-la em prática.

No Folheto XXXVII, Quaderna diz que a instauração do inquérito deve-se à

forte repressão que vinha sendo violenta desde novembro de 1935, depois da

“frustrada insurreição comandada por Luís Carlos Prestes” (pp. 245-246). A seguir,

no Folheto XXXIX, Clemente utiliza o argumento de que a repressão havia se

agravado após 1935 para negar-se a defender Quaderna no processo, assim como

fez Samuel (p. 258).

No Folheto XLVI, Quaderna afirma que as revoluções de 30 foram relacionadas

com uma “missão secreta” que Sinésio “teria vindo desempenhar na Revolução

comunista de 1935” (p. 321) e, depois, no Folheto LI, diz que a volta dele foi

associada pelo povo a essa e a outras revoluções anteriores (p. 371).

No Folheto XLVII, Quaderna sai de casa mais cedo do que deveria para ir

prestar seu depoimento ao Juiz Corregedor e, por isso, em vez de ir diretamente à

cadeia, vai à fonte da cidade para passar o tempo. Lá chegando, encontra Eugênio

Monteiro, que observa alguns cachorros disputando por comida. O narrador conta

que a conversa com Eugênio lhe causou má impressão e que isso se devia não

somente ao seu teor, mas ao clima misterioso e pesado que rondava a cidade nos

últimos anos devido a crimes estranhos que estavam ocorrendo, alguns causados

por motivos políticos segundo acreditava a população.

No Folheto LIX, Quaderna diz que dias de grande agitação política

antecederam a Revolução Comunista de 1935 (pp. 420-422) e, mais adiante, no

Folheto LXII, conta no inquérito que Sinésio abordou um mendigo no dia de sua

chegada à Vila e perguntou a ele sobre Antônio Villar, fato que o Juiz considera

suspeito de ligação com Luís Carlos Prestes, que estaria secreto no Brasil

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disfarçado sob esse nome (p. 434).

No Folheto LXIV, a Revolução aparece como possivelmente estando por trás

da busca de Sinésio pelo tesouro escondido de seu pai. O Juiz Corregedor insinua

que, segundo a carta de denúncia que recebeu contra Quaderna, o objetivo de

Sinésio era encontrar todo o dinheiro do falecido Pedro Sebastião Garcia-Barretto

para financiar a Revolução. Ele insinua, ainda, que o narrador enviava “documentos

subversivos” de Antônio Villar – nome usado por Luís Carlos Prestes – a Sinésio.

Quaderna, entretanto, nega sua participação na Revolução alegando que o pacote

que enviou a Sinésio em 1º de junho de 1935 continha uma cópia manuscrita do

Caminho Místico, de “Santo Antônio Conselheiro de Canudos, o Sertanejo”, do qual

se diz devoto. Ele supõe, então, que seu delator tenha confundido Antônio

Conselheiro com Antônio Villar e causado, com isso, a confusão. Sua explicação não

parece convincente, uma vez que cita outra figura considerada subversiva, e o Juiz

Corregedor, dessa forma, não parece acreditar na explicação dada e diz que

continuará averiguando a história (p. 453).

Como Quaderna tomou parte na busca pelo tesouro montando um circo que

angariava fundos para que a expedição pudesse continuar até que a fortuna fosse

encontrada, ele foi acusado de participar ativamente da “subversão”:

[...] Primeiro, dizem que a viagem que o senhor organizou, com um Circo, em 1935, depois da chegada de Sinésio aqui, tinha como fim oculto encontrar o tesouro deixado por Dom Pedro Sebastião. [...] Ora, esse tesouro é ponto importante para a decifração do caso, porque, segundo diz a carta, quando o senhor se juntou a Sinésio, naquela viagem, o principal objetivo dos dois era encontrar o tesouro que financiaria a Revolução, em sua parte sertaneja. A segunda acusação grave que se faz aqui é que o senhor, na mesma noite em que Sinésio chegava à Vila, propiciou, na sua estalagem e casa-de-recurso, um encontro entre seu primo, Arésio Garcia-Barretto e um tal Adalberto Coura, sujeito que morava no sótão da estalagem e que não saía nunca, porque estava escondido da Polícia. Dizem que, ao mesmo tempo, o senhor enviava a Sinésio um pacote de papéis que, segundo uns, continha o roteiro do tesouro, e, segundo outros, uma porção de documentos subversivos que lhe tinham sido entregues por Adalberto Coura “da parte de um tal Antônio Villar, nome usado por Luís Carlos Prestes, chefe dos comunistas brasileiros”. (SUASSUNA, 2012, pp. 451-452)

No Folheto LXIX, a Revolução é associada à chegada de Sinésio à Vila de

Taperoá pelo Comendador Basílio Monteiro, que, assustado com essa possibilidade,

convocou os demais nobres para uma reunião de emergência após a Vila ter sido

invadida pela caravana do Rapaz-do-Cavalo-Branco e fez um pronunciamento

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veemente no qual defendia a ideia de que o rapaz estava a serviço do comunismo e

de Luís Carlos Prestes, os quais precisavam ser combatidos:

Não preciso dizer a todos que a situação do nosso País é gravíssima. O Comunismo, lobo disfarçado de ovelha, prepara seu assalto às instituições, e somente os cegos é que não viram, ainda, o perigo que nos cerca por todos os lados, ameaçando retirar Deus dos altares, a Pátria do convívio das nações e a Família de sua posição inabalável de centro da sociedade. O Chefe escolhido e confesso desta agitação é aquele mesmo homem nefasto, já conhecido de todos nós desde que, em 1926, passou pelo sertão da nossa pequenina e gloriosa Paraíba, ensangüentando o solo sagrado da nossa terra com o sangue dos mártires, dos Sacerdotes, das pessoas ordeiras e pacatas. Que o diga o sangue do Padre Aristides Ferreira Leite, degolado em Piancó pela ‘Coluna Prestes’, juntamente com outros heróicos defensores da honra sertaneja. Mas, naquele ano de 1926, o nefando Luís Carlos Prestes agitava o Brasil não ainda em nome do Comunismo, mas sim movido por um ideal de certa forma elogiável, aquele mesmo ideal que veio a se corporificar e legitimar, depois, na gloriosa e vitoriosa Revolução de 1930. [...] Depois, porém, Luís Carlos Prestes abandonou, pelo Comunismo, a trilha que tinha seguido até ali! [...] Meus senhores! Todo mundo sabe que Luís Carlos Prestes, exilado do Brasil desde 1927, foi procurado pelos revolucionários, nas vésperas de 1930, para se colocar à frente da insurreição que se preparava. Mas ele repeliu aqueles que o convidavam, porque, segundo suas próprias palavras, se convertera ao Credo vermelho e só acreditava, daí por diante, numa Revolução inspirada pelo Comunismo ateu, regime que ele faria de tudo para implantar em nossa Pátria! [...] Hoje entrou aqui, na nossa querida Vila de Taperoá, um grupo armado, que introduziu em nossa terra a desordem e o morticínio, ameaçando a vida dos Pais de família e a honra de suas filhas e esposas. Segundo os primeiros boatos, trata-se de uma tribo de Ciganos. Mas serão Ciganos, mesmo? [...] E além disso, todo esse pessoal que chefia a tribo é, perdoem-me o vigor da expressão, estranho e suspeito. Quem será esse tal Doutor Pedro Gouveia? Quem será esse Frei Simão [...]? E chego ao ponto nevrálgico da questão: quem será, na verdade, esse rapaz que se apresenta hoje, aqui, com o nome daquele moço infortunado que morreu há três anos, em 1932, coroando, sua morte, a série de infortúnios e tragédias que se abateu sobre a ilustre família Garcia-Barretto? Quem terá sido o homem que atirou nesse rapaz, morrendo logo em seguida, a tiro, de maneira tão misteriosa? A meu ver, esse atentado, ou melhor, esse simulacro de atentado, não passou de uma outra farsa, com a qual os Comunistas pretendem jogar areia e uma cortina de fumaça diante dos olhos das pessoas respeitáveis. A situação é grave, meus Senhores! (SUASSUNA, 2012, pp. 521-524)

O Comendador condena a Revolução aparentemente porque ela estaria

“ameaçando retirar Deus dos altares, a Pátria do convívio das nações e a Família de

sua posição inabalável de centro da sociedade”, deixando apenas subentendido seu

verdadeiro interesse de preservar sua condição privilegiada pelo sistema capitalista

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vigente. Ele se utiliza do processo de adjetivação negativa de Luís Carlos Prestes e

da cavalgada de Sinésio para evidenciar e convencer seus ouvintes do perigo que

acredita que estão correndo: “homem nefasto”, “ensangüentando o solo sagrado da

nossa terra com o sangue dos mártires, dos Sacerdotes, das pessoas ordeiras e

pacatas”, “o nefando Luís Carlos Prestes”, “um grupo armado, que introduziu em

nossa terra a desordem e o morticínio, ameaçando a vida dos Pais de família e a

honra de suas filhas e esposas”, “pessoal [...] estranho e suspeito” e “esse simulacro

de atentado [...] não passou de uma outra farsa, com a qual os Comunistas

pretendem jogar areia e uma cortina de fumaça diante dos olhos das pessoas

respeitáveis”.

No Folheto LXXVI, Quaderna menciona que, com a chegada de Sinésio, a vila

estava agitada e “os Burgueses e os ‘senhores feudais da Aristocracia rural’ – como

chama Clemente – certos de que a Revolução Comunista tinha começado, tinham

se trancado a sete chaves” (p. 593) e refere-se, ainda, ao medo que Samuel estava

sentindo de que a cavalgada fosse mesmo uma “Coluna comunista”, o que, para ele,

significaria seu “fuzilamento sumário pela canalha” (p. 595).

Por fim, no Folheto LXXXV, o Juiz Corregedor recusa-se a dar o caso de

Quaderna por encerrado por achar que, após todo o depoimento, a história está

ficando “realmente interessante”, principalmente pelo fato de Sinésio, “morto e

ressuscitado”, ter voltado às vésperas da Revolução comunista de 1935 (p. 734) e,

no momento do inquérito, estar desaparecido novamente.

A Revolução Comunista aparece dos 00:01:11 aos 00:02:04 do terceiro capítulo

da minissérie como responsável pelo clima político tenso e carregado pelo qual a

Vila de Taperoá passava no ano de 1938, quando o Juiz Corregedor chegou para

averiguar casos de subversão e acabou por intimar Quaderna a depor a fim de

esclarecer denúncias feitas contra ele numa carta anônima. Essa condição exposta

pelo narrador-personagem enquanto está na cadeia é corroborada pela atitude de

seus mestres Clemente e Samuel aos 00:03:31 do terceiro capítulo, quando estes se

negam a defender o réu no inquérito pelo motivo de a repressão ter se agravado

muito após a Revolução de 35, fato que poderia fazer a investigação se voltar contra

eles, que eram, aquele, comunista visado como partidário de Luís Carlos Prestes, e

este, integralista visado como partidário de Plínio Salgado.

Ainda, aos 00:03:15 do quarto capítulo, a Revolução de 35 é tida como

responsável pelo retorno de Sinésio à Taperoá: o Juiz revela que a carta anônima

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recebida denuncia que o circo fundado por Quaderna tinha a função de financiar a

busca pelo tesouro escondido por Pedro Sebastião Garcia-Barretto, o qual, por sua

vez, financiaria a Revolução, sentido também presente no Romance.

Assim, a inserção da Revolução Comunista no Romance e na minissérie cria o

mesmo efeito de sentido que a da Revolução de 30: justifica a abertura do inquérito

em que Quaderna é réu devido ao clima inquisitorial que ela suscitava e proporciona

à personagem Sinésio uma aura de mistério, uma vez que ele poderia estar voltando

à Vila de Taperoá apenas para obter a parte que lhe cabia na herança deixada pelo

pai e, assim, poder retomar sua vida ou poderia ser um aliado de Luís Carlos

Prestes e estar voltando à Vila a fim de obter a herança para financiar a revolução

comunista, o que o caracterizaria como subversivo pelas autoridades, e como um

verdadeiro “Prinspe Alumioso” por Quaderna e pela população sertaneja mais pobre

e desprovida que tomou o partido dele contra o irmão Arésio por ser incitada, pelo

narrador, a crer que ele seja a reencarnação de Dom Sebastião.

No Romance, o Golpe de 1937 é mencionado três vezes a fim de mostrar como

o ambiente ditatorial fazia com que a população se sentisse reprimida e impedia a

concretização do sonho de Quaderna de ver seu primo Sinésio empreender a

grande revolução sertaneja, finalmente “recolocando” sua família no comando do

Brasil.

No Folheto XXVI, Quaderna, ironicamente, diz orgulhar-se de que o poeta e

jurisconsulto taperoaense Raul Machado fizesse parte do Tribunal de Segurança

Nacional, instituído pelo Golpe e “encarregado de dar cor jurídica à repressão por

ele instaurada” (p. 177) e, no Folheto XXXVII, mostra-se frustrado e atribui ao Golpe

a responsabilidade pela atmosfera pesada da Vila de Taperoá e do Brasil como um

todo, devido a denúncias que criavam um clima quase inquisitorial entre os

cidadãos:

Era aquela fatídica Quarta-feira de Trevas, 13 de Abril deste nosso ano de 1938. [...] Era, como Vossas Excelências bem se lembram, um tempo fatídico e perigoso, aquele. Do meu ponto de vista pessoal, estávamos, ainda, dentro do “Século do Reino”. Desde 1935 que eu esperava que um acontecimento qualquer – uma guerra, um cometa, uma revolução, um milagre – me repusesse, de repente, no trono que minha família ocupara um século antes. Por outro lado, do ponto de vista geral do Brasil, com o tenso e carregado ambiente político que estávamos vivendo desde a Revolução comunista de 1935 e o golpe de Estado de 10 de

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Novembro do ano passado, 1937, a nossa Vila estava subvertida por muitos ódios, ressentimentos, ambições e invejas, meio endoidecida por um ambiente inquisitorial de denúncias, suspeitas, cartas anônimas, traições, às vezes as mais inesperadas. De fato, desde Novembro de 1935, depois da frustrada insurreição comandada por Luís Carlos Prestes, chefe dos comunistas brasileiros, a repressão vinha sendo violenta. Estavam presos ou exilados inúmeros comunistas e liberais-de-esquerda da Aliança Nacional Libertadora, partido que desencadeara a revolta e fora colocado fora da lei. Durante certo tempo, o Presidente Getúlio Vargas parecera se aliar ao partido de extrema-direita, a Ação Integralista Brasileira [...]. Mas, de repente, sem que ninguém esperasse por aquilo, o Presidente Vargas deu um golpe de Estado [...] colocando os integralistas fora da lei, como fizera já, dois anos antes, com os comunistas. Esperava-se, para qualquer momento, um revide dos integralistas [...]. (SUASSUNA, 2012, pp. 245-246)

No Folheto L, o Juiz Corregedor pergunta a Quaderna se é verdade que há

dois extremistas (Samuel e Clemente) escondidos em casas de sua propriedade

desde a instauração do Estado Novo e o réu lhe responde que é verdade que há

dois extremistas morando em casas suas, porém, que não estão escondidos, pois

todos sabem disso (p. 340).

Na minissérie, dos 00:01:11 aos 00:02:04 do terceiro capítulo, o Golpe de 37

aparece de forma sucinta, porém, com função similar à que exerce no Romance: ser

tido, por Quaderna, quando já se encontra preso, como um dos responsáveis pelo

clima político tenso e carregado pelo qual passava a Vila na época da chegada do

Juiz Corregedor (1938) e como o desencadeador de sua prisão.

Dessa forma, tanto no Romance quanto na minissérie, percebe-se que

Quaderna vê o Golpe com frustração, pois acredita que uma revolução poderia ter

sido concluída com sucesso para ele e seu primo, que assumiriam o trono do

império do Brasil, mas foi interrompida pela nova ordem política.

Como vimos, o Romance e a minissérie estabelecem diálogos intertextuais

com o mito de Dom Sebastião, com os movimentos messiânicos ocorridos no

nordeste no século XIX na Serra do Rodeador, na Pedra Bonita e em Canudos, e

com algumas revoltas políticas realizadas no Brasil nas quatro primeiras décadas do

século XX: a Guerra de Doze (1912), a Sedição de Juazeiro (1914), a Coluna

Prestes (1926), a Revolta de Princesa (1930), a Revolução de 1930, a Guerra do

Verde (1932), a Revolução de 1935 e o Golpe do Estado Novo (1937).

O mito de Dom Sebastião se faz presente no Romance e na minissérie quando

se supõe que os Garcia-Barretto, família materna do narrador Quaderna, descende

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diretamente do rei português. Essa possibilidade contribui para que seu primo

Sinésio tenha, aos olhos do narrador e da população sertaneja, ares de donzel

cruzado, sendo visto como o próprio rei que voltou para finalmente instaurar, no

sertão, um reino de igualdade e felicidade para todos. Dom Sebastião está presente,

ainda, no imaginário dos antepassados paternos de Quaderna que se

autoproclamaram reis na Serra do Rodeador (que aparece apenas no Romance) e

na Pedra Bonita (que aparece no Romance e na minissérie) e que diziam que o

monarca se desencantaria se seus súditos tivessem fé e devoção a ele. Esses

impérios de seus antepassados são responsáveis por desenvolver em Quaderna a

ambição de ser ele, também, um rei.

Canudos aparece no Romance, mas não na minissérie, para transmitir a ideia

de que Quaderna admira o Conselheiro por ele ter fundado uma comunidade

paralela à República e se levantado contra as autoridades. É isso que o narrador do

Romance tem a intenção de realizar para tornar-se Imperador do Brasil, mas diz não

ter a coragem necessária de fazê-lo. Na minissérie, essa ideia é transmitida apenas

pelo episódio da Pedra Bonita, desencadeado pelo bisavô de Quaderna.

A presença dos movimentos de 1912, 1914, 1926, 1930 e 1932 no Romance e

na minissérie produz três sentidos importantes: 1-) transmite a ideia de que a família

de Quaderna (mais precisamente seu tio e padrinho, Dom Pedro Sebastião Garcia-

Barretto, mas também alguns de seus irmãos, seu primo Arésio e alguns conhecidos

seus), se envolvia em questões políticas e levava-o consigo, fazendo com que ele

participasse delas ao menos de maneira indireta, o que, segundo ele, acaba por

implicá-lo no inquérito em que se vê metido em 1938 como perigoso agente político;

2-) esclarece ao leitor e ao espectador a crença de Quaderna de que ele ainda seria

rei do Brasil, como acredita que seus antepassados o foram. Ele nos dá a conhecer

essa crença quando, ao narrar a participação de sua família em cada um dos

levantes, comenta que eles eram vistos como batalhas de uma guerra maior que seu

primo Sinésio viria desencadear em 1935, quando recolocaria a família no comando

do Brasil; 3-) mostra as divergências no modo como a elite e a população humilde

taperoaense enxergavam cada um dos movimentos: a primeira, como revoltas

contra o governo que ameaçavam os poderosos porque visariam à instauração do

comunismo no Brasil; a última, como revoltas que, de maneira mística e através do

retorno de Dom Sebastião, instaurariam um mundo mais igualitário onde essa

parcela da população teria saúde, felicidade e dinheiro. Vemos, assim, que a

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147

inserção dessas revoltas permitiu que se instaurasse o plurilinguismo entre o

narrador e as personagens das diferentes camadas da sociedade presentes na

diegese e entre a obra e o contexto social brasileiro expresso por meio dos

discursos históricos, oficiais ou não, citados e referidos pelo narrador.

A Guerra do Verde é importante no Romance e na minissérie, também, para a

constituição das personagens Samuel e Clemente, como opostas e caricaturadas –

este, comunista partidário da ANL, aquele, integralista partidário da AIB.

A Revolução de 1935, por sua vez, aparece no Romance e na minissérie como

supostamente tendo a participação de Sinésio e do narrador, que monta um circo

para apoiar o primo e sobrinho. Quaderna, todavia, não assume que a busca de

Sinésio pelo tesouro escondido de seu pai tenha o intuito de financiar a Revolução

Comunista. Ele assume, porém, ter ajudado o primo e sobrinho com a esperança de

que ele fosse levar a cabo a Guerra do Reino, que recolocaria a família Quaderna no

trono do Brasil. Foi o desencadeamento dessa revolução, somado à história familiar

de Quaderna, que o fez ser considerado perigoso pelas autoridades quando ocorreu

o Golpe do Estado Novo de 1937, o qual é mencionado tanto no Romance quanto na

minissérie para justificar o ambiente inquisitorial que pairava sobre Taperoá (e todo o

Brasil) e que foi o causador da prisão de Quaderna com a abertura do inquérito pelo

Juiz Corregedor.

A seguir, estudaremos os procedimentos transformacionais utilizados na

adaptação de Luiz Fernando Carvalho ora para a manutenção de sentidos presentes

no Romance ora para a construção de novos sentidos a partir do emprego de

eventos que já apareciam no livro, e também de eventos que foram criados

especialmente para integrar a narrativa televisiva, além da priorização de certas

passagens em detrimento de outras visando à adequação do novo texto ao suporte

para o qual estava sendo produzido.

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CAPÍTULO III: PROCEDIMENTOS TRANSFORMACIONAIS DA ADAPTAÇÃO

O Prinspo do Cavalo Branco é um despropósito pra ressuscitar: o Governo facilitou, ele ressuscita!

Lino Pedra-Verde – A Pedra d’O Reino

A minissérie A Pedra d’O Reino (hipertexto) estabelece importante diálogo com

o Romance (hipotexto). Ela foi produzida e exibida pela Rede Globo em homenagem

ao octogésimo aniversário de Ariano Suassuna, no ano de 2007 e, nela, o diretor

Luiz Fernando Carvalho empreendeu sua tentativa de adaptar o complexo texto de

Suassuna realizando o que ele chamou de uma “aproximação” delicada ao universo

Armorial suassuniano, processo que, para ele, envolve a reinterpretação e a

ressignificação do texto original ao novo meio (MICHELETTI, 2007, p. 181). O

produto de seu esforço foi transmitido em cinco capítulos que foram ao ar de 12 a 16

de junho de 2007.

Muitas equivalências com o Romance são encontradas na minissérie, como

aponta Micheletti (2007, pp. 183-185): o sertão da obra de Suassuna foi

representado por Carvalho nas imagens panorâmicas presentes nas primeiras cenas

da minissérie.

Figura 58: Panorâmica do sertão, apresentada aos 00:01:14 do primeiro capítulo.

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O encontro entre o popular e o erudito ocorreu desde a concepção teatral do

programa produzido para a televisão até a preparação de atores para o desempenho

de seus papéis diante das câmeras. O olhar para a história também apareceu na

minissérie, bem como a mescla dos tempos histórico, biográfico e memorialista,

representada pela presença, às vezes simultânea, de Quaderna criança e velho, ou

jovem adulto e velho na mesma cena.

Figura 59: Aos 00:29:35 do primeiro capítulo, Quaderna menino assiste à cavalhada.

Figura 60: Aos 00:29:47 do primeiro capítulo, Quaderna velho rememora cavalhada.

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Com a fragmentação do tempo, criou-se um produto estético inovador que

fugiu aos padrões vigentes na televisão, exigindo do telespectador maior atenção e

concentração para acompanhar a narrativa e, dessa forma, “distanciando-se

daquelas produções que sempre repetem o mesmo modelo” (MICHELETTI, 2007,

pp. 182-185).

No entanto, a minissérie A Pedra d’O Reino é uma obra diferente de seu

hipotexto, pois se sustenta – embora não em todos os pontos – sem a necessidade

de que o espectador conheça o original para compreendê-la, e utiliza-se de

mecanismos próprios do meio para o qual foi produzida – a TV – para recontar uma

história que nos tinha sido dada a conhecer pela e através da literatura. Por isso,

operou algumas transformações no hipotexto visando a tornar-se uma produção

possível de ser acompanhada no novo suporte, sem, contudo, utilizar-se de todas as

suas convenções.

Assim como o Romance é dividido em cinco livros, a minissérie é dividida em

cinco capítulos, cada um recebendo título oficial idêntico ao dos livros, com uma

pequena exceção ao quinto: Capítulo 1 – A Pedra do Reino; Capítulo 2 – Os

Emparedados; Capítulo 3 – Os Três Irmãos Sertanejos; Capítulo 4 – Os Doidos;

Capítulo 5 – A Demanda do Sagral (um pouco diferente do quinto livro do Romance,

chamado “A Demanda do Sangral”), e retratando, de modo geral, os mesmos

eventos apresentados em cada livro do Romance. Extraoficialmente, os capítulos da

minissérie foram intitulados pelo diretor, respectivamente: Alma, Tronco, Cabeça,

Membros e Coração, devido ao teor dos acontecimentos apresentados neles.

No capítulo “A Pedra do Reino” ou “Alma”, dá-se ênfase aos acontecimentos

considerados mais sagrados por Quaderna: o reinado de seu bisavô na Pedra do

Reino, pelo qual se sente culpado, mas que busca restaurar; a volta de seu primo e

sobrinho Sinésio, que ele vê como uma possibilidade de atualização do rei que foi

seu bisavô; e sua infância.

A seguir, no capítulo intitulado “Os Emparedados” ou “Tronco”, a ênfase é dada

aos elementos que sustentam a vida prática, mas também o sonho do narrador: sua

educação “samuélica” e “clementina”; a criação de seu Catolicismo Tapuio-Sertanejo

possibilitada pela negação do Catolicismo Romano quando de sua estadia no

seminário; e seu relacionamento com Maria Safira.

Em “Os Três Irmãos Sertanejos” ou “Cabeça”, mostram-se os elementos que

estão no centro da narrativa: o depoimento ao Juiz Corregedor; a morte de seu tio e

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padrinho Pedro Sebastião Garcia-Barretto; e o desaparecimento – morte –

ressurgimento de Sinésio.

No capítulo “Os Doidos” ou “Membros”, somos apresentados aos rituais

litúrgicos de Quaderna, durante os quais ele se veste de rei e profeta e roga às

santidades que seu sonho se torne realidade.

Em “A Demanda do Sagral” ou “Coração”, é apresentada a decisão de

Quaderna e de seus mestres Samuel e Clemente em acompanhar Sinésio na busca

pelo tesouro escondido por seu pai em algum lugar do sertão, com um fim maior,

especial para cada um: para Clemente, realizar uma Revolução Socialista; para

Samuel, acompanhar um cavaleiro donzel e puro cujos ideais assemelham-se aos

de Dom Sebastião; para Quaderna, instaurar novamente um reinado comandado por

sua família.

O conteúdo e o título do quinto livro do Romance, “A Demanda do Sangral”,

fazem referência à novela de cavalaria do ciclo arturiano A Demanda do Santo

Graal, em que os cavaleiros da Távola Redonda saem em busca do cálice sagrado

usado por Jesus na Última Ceia e no qual, quando da crucificação, José de

Arimateia teria colhido o sangue de Cristo. No entanto, a demanda de Sinésio e

Quaderna, tanto no Romance quanto na minissérie, não é pelo Santo Graal, objeto

sagrado, e sim pela fortuna escondida por Pedro Sebastião, a qual, se encontrada

por eles, possibilitaria a instauração de um reino que, para o narrador, seria sagrado.

O nome “Sangral” seria um neologismo oriundo da aglutinação das palavras

“Santo” e “Graal” possivelmente inspirado pela oralidade da região nordeste onde se

passa a narrativa, mas ganha também uma sonoridade próxima a das palavras

“sangue” e “sangrar”, adquirindo uma conotação negativa que faz referência aos

inúmeros conflitos e às inúmeras mortes que ocorrerão nessa busca de Sinésio. O

título do quinto capítulo da minissérie, que troca a palavra “Sangral” por “Sagral”, faz

referência, também, à busca de Quaderna pela sua sagração como Gênio da Raça

Brasileira e Gênio Máximo da Humanidade com a escrita de sua obra.

Na construção de cada um dos capítulos, alguns acontecimentos do Romance

foram excluídos, outros foram antecipados e outros postergados; novos episódios

foram adicionados e episódios que no Romance eram singulativos, na minissérie

passaram a ser iterativos e vice-versa, como se pode ver de modo sucinto, e de fácil

visualização, na tabela comparativa abaixo, e de maneira mais aprofundada no

subcapítulo que segue:

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Principais acontecimentos do romance e da minissérie

Romance d’A Pedra do Reino e o

príncipe do sangue do vai-e-volta,

dividido em cinco livros

Minissérie A Pedra d’O Reino, dividida

em cinco capítulos

1-) Epítome (p. 27)

Livro I:

Prelúdio: A Pedra do Reino

2-) Apresentação do narrador, Quaderna

(Folheto I – pp. 31-35).

3-) Chegada do bando do Rapaz-do-

Cavalo-Branco (Folhetos II e III – pp. 35-

59).

4-) Morte de Pedro Sebastião Garcia-

Barretto, menção a seus três filhos e

desaparecimento do mais novo, Sinésio

(Folheto IV – pp. 59-65).

5-) Reinado dos antepassados de

Quaderna, principalmente o massacre

realizado por seu bisavô Dom João II, na

Pedra do Reino (Folhetos V a X – pp.

65-84).

6-) Descrição de Tia Filipa e da dança de

que Quaderna participou com a menina

Rosa, por quem era apaixonado, e de

outros acontecimentos da infância: as

cavalhadas e o contato com João

Melchíades (Folhetos XI a XIV – pp. 84-

116).

7-) Ida de Quaderna às Pedras do Reino

e sua autoproclamação como rei

(Folhetos XV a XXII – pp. 116-154).

Capítulo I:

A Pedra do Reino / Alma

1-) Panorâmica do sertão e dança de

roda dos personagens com Quaderna ao

centro (00:01:11 – 00:03:15).

2-) Apresentação dos três filhos de

Pedro Sebastião Garcia-Barretto

(00:03:16 – 00:05:24).

3-) Apresentação do narrador, Quaderna

(00:05:25 – 00:07:45).

4-) Chegada do bando do Rapaz-do-

Cavalo-Branco (00:07:46 – 00:14:31)

(00:14:48 – 00:15:08).

5-) Morte de Pedro Sebastião Garcia-

Barretto e desaparecimento de Sinésio

(00:14:32 – 00:14:47) (00:15:09 –

00:19:33).

6-) Massacre da Pedra do Reino pelo

bisavô de Quaderna (00:19:34 –

00:23:53) (00:24:21 – 00:26:30).

7-) Apresentação da infância de

Quaderna: episódio da dança

coordenada por Tia Filipa e do amor por

Rosa, das cavalhadas e do contato com

João Melchíades (00:23:54 – 00:24:20)

(00:26:31 – 00:30:44).

8-) Ida de Quaderna às Pedras do Reino

e sua autoproclamação como rei

(00:30:45 – 00:46:22).

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Livro II:

Chamada: Os Emparedados

1-) Apresentação da genealogia de

Quaderna e hipótese de parentesco dos

Garcia-Barrettos com Dom Sebastião e

dos Ferreira-Quadernas com Dom Dinis

(Folhetos XXIII, XXIV e XXV – pp. 157-

170).

2-) Apresentação de Clemente e Samuel

(Folheto XXIV – pp. 164-173) (Folheto

XXXIX – pp. 253-256).

3-) Ida de Quaderna ao seminário e sua

expulsão (Folheto XXV – p. 167)

(Folheto XXVI – p. 178).

4-) Descrição de Maria Safira e do

relacionamento que Quaderna mantinha

com ela (Folheto XXVI – pp. 173-174).

5-) Ingestão de cardina por Quaderna

(Folheto XXVI – p. 174).

6-) Fundação da Academia de Letras

dos Emparedados do Sertão da Paraíba

(Folhetos XXVI e XXVII – pp. 170-187).

7-) Discussão sobre o Gênio da Raça, o

Gênio Máximo da Humanidade e a

Filosofia do Penetral e revelação de que

Quaderna pretende escrever um

romance sobre a morte do padrinho

(Folhetos XXVIII a XXXII – pp. 187-206)

(Folhetos XXXIV a XXXVI – pp. 214-

242).

8-) Visagem de Lino Pedra-Verde com o

Cavaleiro Diabólico (Folheto XXXIII – pp.

207-214).

Capítulo II:

Os Emparedados / Tronco

1-) Chegada do Juiz Corregedor à Vila

dizendo que contas serão prestadas a

ele. Quaderna o vê enquanto conta que

o seu sonho era ser rei da Pedra do

Reino, como seus antepassados

(00:01:11 – 00:03:12).

2-) Apresentação da genealogia de

Quaderna e hipótese de parentesco dos

Garcia-Barrettos com Dom Sebastião

(00:03:13 – 00:06:52).

3-) Apresentação de Clemente e Samuel

(00:03:13 – 00:10:01).

4-) Ingestão de cardina por Quaderna

(00:06:53 – 00:07:29).

5-) Ida de Quaderna ao seminário e sua

expulsão (00:10:02 – 00:13:13).

6-) Ida de Quaderna e Sinésio à casa de

Edmundo Swendson e encontro de

Sinésio com Heliana Swendson

(00:13:14 – 00:17:52).

7-) Visagem de Lino Pedra-Verde com o

Cavaleiro Diabólico (00:17:53 –

00:21:30).

8-) Fundação da Academia de Letras do

Emparedados do Sertão da Paraíba

(00:21:31 – 00:23:04).

9-) Relacionamento de Maria Safira e

Quaderna (00:23:05 – 00:25:25).

10-) Discussão sobre o Gênio da Raça

Brasileira (00:25:26 – 00:31:46).

11-) Chegada do Juiz Corregedor

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(00:31:47 – 00:34:16).

Livro III:

Galope: Os Três Irmãos Sertanejos

1-) Intimação de Quaderna para depor

ao Juiz Corregedor (Folheto XXXVII –

pp. 245-247).

2-) Briga de Quaderna com um

escrevente de cartório (Folheto XXXVIII

– pp. 247-251).

3-) Discussão política e duelo entre

Clemente e Samuel (Folhetos XXXIX a

XLII – pp. 252-302).

4-) Almoço e sonho de Quaderna com a

Onça Caetana (Folhetos XLIII e XLIV –

pp. 302-306).

5-) Encontro com Pedro Beato, marido

de Maria Safira (Folheto XLV – pp. 307-

320).

6-) Quaderna se mostra com medo do

novo processo que está prestes a

enfrentar e se diz cansado das inúmeras

lutas políticas de que participou (Folheto

XLVI – pp. 320-324).

7-) Encontro com Eugênio Monteiro

(Folheto XLVII – pp. 324-331).

8-) Encontro com Maria Safira na igreja

(Folheto XLVIII – pp. 331-334).

9-) Início do depoimento de Quaderna

ao Juiz Corregedor (Folhetos XLIX e XL

– pp. 334-358).

10-) Morte de Pedro Sebastião Garcia-

Barretto, desaparecimento de Sinésio e

notícia de sua suposta morte em 1932

Capítulo III:

Os Três Irmãos Sertanejos / Cabeça

1-) Intimação de Quaderna para depor

(00:01:11 – 00:03:27).

2-) Discussão política e duelo entre

Clemente e Samuel (00:03:28 –

00:11:21).

3-) Sonho de Quaderna com a Onça

Caetana (00:11:22 – 00:13:48).

4-) Encontro com Pedro Beato (00:13:49

– 00:19:46).

5-) Encontro com Maria Safira na igreja

(00:19:47 – 00:21:02).

6-) Início do depoimento ao Juiz

Corregedor (00:21:03 – 00:28:06).

7-) Morte de Pedro Sebastião Garcia-

Barretto, desaparecimento de Sinésio e

sua suposta morte (00:28:07 –

00:39:12).

8-) Chegada do bando do Rapaz-do-

Cavalo-Branco (00:39:13 – 00:45:59).

9-) Atentado contra Sinésio e morte do

atirador (00:46:00 – 00:50:25).

10-) Reencontro de Sinésio com

Silvestre (00:50:26 – 00:52:08).

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(Folhetos LI e LII – pp. 358-380).

11-) Chegada do bando do Rapaz-do-

Cavalo-Branco (Folhetos LIII a LXI – pp.

380-431).

12-) Atentado contra a vida de Sinésio e

morte do atirador (Folheto LXII – pp.

432-439).

13-) Reencontro de Sinésio com

Silvestre (Folheto LXIII – pp. 439-443).

Livro IV:

Tocata: Os Doidos

1-) Revelação ao Juiz Corregedor de

que Quaderna descende dos “fanáticos”

da Pedra do Reino (Folhetos LXIV e LXV

– pp. 447-467).

2-) Revelação do que algumas pessoas

estavam fazendo na tarde em que o

bando do Rapaz-do-Cavalo-Branco

chegou e de que Heliana Swendson foi o

grande amor da vida de Sinésio

(Folhetos LXVI e LXVII – pp. 467-501).

3-) Reunião convocada pelo

comendador para falar sobre a chegada

do bando à Vila e ataque de Arésio ao

Bispo (Folhetos LXVIII a LXX – pp. 501-

532).

5-) Ida de Quaderna ao seminário e sua

expulsão (Folheto LXXI – pp. 532-546).

5-) Almoço de Quaderna no lajedo, sua

cegueira e seu retorno à vila com a

ajuda de Lino Pedra-Verde (Folhetos

LXXII a LXXV – pp. 546-590).

Capítulo IV:

Os Doidos / Membros

1-) Revelação ao Juiz Corregedor de

que Quaderna descende dos “fanáticos”

da Pedra do Reino (00:01:11 –

00:07:37).

2-) Revelação do que algumas pessoas

estavam fazendo na tarde em que o

bando do Rapaz-do-Cavalo-Branco

chegou (00:01:11 – 00:17:25).

3-) Reunião convocada pelo

comendador para falar sobre a chegada

do bando à Vila e ataque de Arésio ao

Bispo (00:17:26 – 00:22:25).

4-) Almoço de Quaderna no lajedo, sua

cegueira e seu retorno à vila com a

ajuda de Lino Pedra-Verde (00:22:26 –

00:42:45).

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Livro V:

Fuga: A Demanda do Sangral

1-) Ideia de Quaderna de montar um

circo e sair em expedição com Sinésio

para encontrar o tesouro escondido por

Pedro Sebastião Garcia-Barretto

(Folhetos LXXVI a LXXVIII – pp. 593-

621).

2-) Encontro de Arésio com Adalberto

Coura (Folheto LXXIX – pp. 621-653).

3-) Decisão de Quaderna, Samuel e

Clemente em acompanhar o bando de

Sinésio em busca do tesouro (Folheto

LXXX – pp. 653-688).

4-) Exaltação da figura de Sinésio como

sendo messiânica por parte do povo

(Folhetos LXXXI a LXXXIV – pp. 688-

728).

5-) Fuga do bando de Sinésio para um

tabuleiro (Folheto LXXXIV – pp. 729-

732).

6-) Fim do depoimento.

7-) Sonho de Quaderna sendo

condecorado com os títulos de

Arcebispo da Paraíba e Rei da Távola

Redonda da Literatura do Brasil (Folheto

LXXXV – pp. 732-742).

Capítulo V:

A Demanda do Sagral / Coração

1-) Exaltação da figura de Sinésio como

sendo messiânica por parte do povo

(00:01:11 – 00:03:37) (00:22:49 –

00:29:20).

2-) Encontro de Arésio com Adalberto

Coura (00:03:38 – 00:16:55).

3-) Decisão de Quaderna, Samuel e

Clemente de montar um circo e sair em

expedição com Sinésio para encontrar o

tesouro escondido por Pedro Sebastião

Garcia-Barretto (00:16:56 – 00:22:48).

4-) Elucidação da morte de Pedro

Sebastião Garcia-Barretto e do destino

de seus três filhos (00:29:21 – 00:38:18).

5-) Confissão de Quaderna de que ele

próprio escreveu a carta de denúncia

(00:38:19 – 00:42:10).

6-) Fim do depoimento.

7-) Desmaio de Quaderna e sonho dele

sendo condecorado com o título de Rei

da Távola Redonda da Literatura do

Brasil (00:42:11 – 00:47:04).

7-) Quaderna velho, no meio do sertão,

acha três moedas, vê-se menino,

declama um poema sobre um rei, vê o

tio e padrinho que foi morto e sai

tocando violino (00:47:05 – 00:50:12).

3.1 Excisões, Concisões, Extensões Temáticas e Transmodalizações Intramodais

Como já explicitado anteriormente, a excisão é o mais simples dos

procedimentos de redução: caracteriza-se pela pura supressão de alguma parte do

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157

texto, sem necessariamente acarretar uma diminuição de valor.

No primeiro capítulo da minissérie, quando da apresentação do sangue real de

Quaderna, houve a excisão da história de sua família paterna que antecedeu e que

sucedeu o reinado de seu bisavô. Assim, na minissérie, não são mencionados o

Primeiro Império, de Silvestre José dos Santos, o Segundo Império, de João Antônio

Vieira dos Santos, e o Quarto Império, de Pedro Antônio Vieira dos Santos. É-nos

mostrado apenas o Terceiro Império, de João Ferreira-Quaderna, na Pedra Bonita.

Esse procedimento não alterou significativamente o sentido do hipotexto

porque o reinado que mais impressionou, orgulhou e motivou o narrador em sua

escolha de modo de vida foi mantido e bem explorado pelo diretor, que o retratou

com grandiosidade de modo a dar a entender ao público a importância que sua

descoberta por Quaderna ainda menino teve para a construção de sua

personalidade, sonhos e realizações.

Além dessa excisão, no segundo capítulo, Luiz Fernando Carvalho optou por

não mencionar a hipótese de a família paterna do narrador, os Ferreira-Quadernas,

ser descendente do Rei Dom Dinis de Portugal. Ele manteve apenas a hipótese de a

família materna, os Garcia-Barrettos, descender do Rei Dom Sebastião de Portugal.

Essa excisão, assim como a feita no primeiro capítulo, não afeta de maneira

significativa a ideia transmitida no hipotexto, pois Quaderna, que no Romance podia

dizer-se descendente de reis tanto pelo lado de sua mãe quanto pelo lado de seu

pai, continua sendo de linhagem real na minissérie.

No terceiro capítulo, por sua vez, são feitas três excisões: da briga do narrador

com um escrevente de cartório, do seu encontro com Eugênio Monteiro antes de

dirigir-se à delegacia para dar início ao interrogatório e da revelação de que

Quaderna está com medo do interrogatório e cansado das inúmeras lutas em que se

envolveu juntamente com o tio.

A omissão dos dois primeiros acontecimentos não foi decisiva e, portanto, não

afetou a criação de sentido, pois suas mensagens puderam ser transmitidas na

minissérie em outros momentos.

A mensagem principal transmitida pela briga, no Romance, é a de que havia

pessoas que antipatizavam com Quaderna pelo fato de ele se vangloriar de ser

descendente dos reis de Pedra Bonita e vestir-se com vestimentas extravagantes a

fim de honrar essa descendência. Essa mensagem é transmitida com sucesso pelo

diálogo com Pedro Beato na minissérie.

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Já a mensagem principal do encontro com Eugênio é a de que o interrogatório

não acabaria bem para Quaderna, além de que o clima político era tenso na cidade.

A ideia de que o inquérito não acabaria bem é omitida na minissérie porque nela o

autor da carta de denúncia é o próprio narrador. A ideia de tensão política, por sua

vez, é transmitida pelo narrador quando ele começa a explicar o motivo da chegada

do Juiz Corregedor à Taperoá.

A excisão da confissão de que Quaderna está com medo do interrogatório é

coerente com o final que Luiz Fernando Carvalho escolheu para a narrativa: de que

o narrador foi seu próprio delator visando a ter uma biografia parecida à dos grandes

mestres da literatura. A excisão da enumeração das revoltas e guerras de que ele

participou ao lado de seu padrinho, por sua vez, faz parte de um procedimento

necessário para que a adaptação de um romance de mais de setecentas páginas

pudesse tornar-se uma minissérie em cinco capítulos de apenas cerca de quarenta e

cinco minutos cada: a omissão da maioria das citações de fatos históricos, de obras

da historiografia, de nomes de escritores e de obras literárias, assunto que

abordaremos mais adiante quando tratarmos das concisões e das

transmodalizações intramodais.

No quinto capítulo da minissérie, não ocorre a fuga do bando de Sinésio para

um tabuleiro por medo de que, ficando na vila, sofressem algum ataque inimigo.

Esse acontecimento marca, no Romance, a divisão da vila entre os partidários de

Arésio, que ficaram no centro, e os partidários de Sinésio, que subiram para o

tabuleiro a fim de se alistar para a luta. Na minissérie, essa divisão é marcada

apenas no nível do discurso, sem a ação que corresponde a ela, quando Quaderna,

no meio de seu depoimento, menciona-a ao Juiz, no terceiro capítulo. Contudo, ela é

ilustrada pela aparição de Arésio atrás e num nível acima de seus partidários de um

lado da sala em que se encontram o depoente, a escrivã e o Juiz, e de Sinésio e

seus partidários do outro lado:

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Figura 61: Partidários de Arésio aos 00:36:18 do terceiro capítulo.

Figura 62: Partidários de Sinésio aos 00:37:06 do terceiro capítulo.

A concisão consiste na reescrita do texto em estilo mais conciso, isto é, na

produção de um novo texto com novos recursos. Esse procedimento é aplicado à

quase todas as cenas da minissérie, que são mais curtas em relação às do

Romance, pelo motivo principal de tornar possível que a narrativa extensa do livro

pudesse ser contada em apenas cinco capítulos, e também para adequá-las ao novo

meio, que exige uma maior dinamicidade.

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A maior parte das cenas não é encurtada no que diz respeito à ação das

personagens, mas sim no que concerne às descrições, às digressões e aos

comentários do narrador. Dessa forma, o Quaderna da minissérie fala menos, e

sobre menos assuntos, obras e pessoas, que o do Romance. De modo geral, ele se

limita a contextualizar a cena que será dramatizada em seguida e a expressar seus

sentimentos – ocultos para as demais personagens – em relação a uma cena que

acabou de ser exibida. Atua, ainda, de modo concomitante com a cena, com seus

lábios se movendo exatamente como os das personagens, para dar a entender ao

telespectador que aquele episódio já ocorreu e está sendo rememorado e contado

por ele no livro que escreve na cadeia.

A principal consequência dessa forma de concisão realizada pelos roteiristas

da minissérie foi a drástica diminuição das mais de quatrocentas referências a obras

literárias (canônicas e de cordel) e historiográficas, a fatos históricos, a romancistas,

cantadores e historiadores feitas no Romance.

Essa escolha do diretor torna a narrativa televisiva mais dinâmica que a do livro

não apenas para que ela “caiba” dentro dos cinco capítulos, mas também para que

se adeque melhor ao meio televisivo, em que não é comum termos, por muito

tempo, a ausência de ação e a presença de monólogos, e sim o contrário.

A primeira cena em que a concisão se faz presente na narrativa televisiva é a

da apresentação do narrador, que ocorre aos 00:05:25 – 00:07:45 do Capítulo I e

corresponde ao Folheto I do Romance (SUASSUNA, 2012, pp. 31-35). Ela

exemplifica a maneira como o procedimento foi adotado nas demais cenas.

A fim de apresentar o narrador, a cena televisiva limita-se a mostrá-lo dentro de

uma cadeia tecendo comentários sobre a terra onde se encontra e a fazer com que

ele diga seu nome e cognome e escreva, de maneira convulsiva, o que diz. Não são

mencionados ou mostrados seus antepassados, as obras literárias e historiográficas

a que se refere no Romance para exemplificar o tipo de obra que está produzindo e

tampouco a Guerra dos Doze, da qual participou em companhia do tio e padrinho.

Isso significa que a cena da minissérie se detém aos aspectos necessários ao

entendimento da personagem e da ação, descartando fatos históricos e

obras/personalidades/correntes literárias que não afetam diretamente os

acontecimentos da narrativa.

Em todas as outras cenas do primeiro capítulo esse procedimento é adotado.

Na cena da chegada do bando do Rapaz-do-Cavalo-Branco, na da morte de Pedro

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Sebastião Garcia-Barretto, na do massacre de Pedra Bonita pelo bisavô de

Quaderna, na da apresentação de sua infância e na de sua ida à Pedra do Reino

para se autoproclamar como rei.

Entretanto, nessa última cena, além de a concisão dar-se no que diz respeito

aos comentários do narrador, é realizada também por encurtamento do tempo em

que as ações ocorrem, tendo por consequência tornar o episódio mais dinâmico,

porém não menos importante do que era no hipotexto. A visita a Luís do Triângulo e

as caçadas realizadas com ele, que no Romance duram três dias, na minissérie

duram apenas um dia, não sendo mencionadas as refeições do narrador tampouco

suas noites mal dormidas devido à ansiedade de chegar às Pedras.

No Capítulo II da minissérie, as concisões feitas alteram principalmente as falas

do narrador, não as ações.

Já no Capítulo III, pelo menos uma vez a concisão altera a ação. Na cena em

que Quaderna encontra Maria Safira na igreja antes de ir à delegacia para iniciar seu

depoimento, não aparecem todos os detalhes que aparecem no Romance e que

contribuem para que ele considere esse relacionamento um sacrilégio: não é

mostrado nem mencionado o fato de eles, mais de uma vez, terem feito sexo

próximo ao altar. É mostrada apenas a insinuação sexual de Maria Safira ao levantar

a saia e exibir as coxas e depois ao abaixar a parte de cima do vestido.

No Capítulo IV da minissérie, durante a reunião convocada às pressas para

discutir as causas políticas que estavam por trás da chegada do Rapaz-do-Cavalo-

Branco e as possíveis reações que a Vila tomaria com relação a essa invasão, o

Comendador Basílio Monteiro discursa, porém são omitidas as partes de seu

discurso que, no Romance, geram polêmica devido à divisão de opiniões com

relação às guerras e às revoltas ocorridas anteriormente na Vila. Isso ocorre porque,

na minissérie, não são mencionadas com detalhes essas revoltas todas, o que não

abriria espaço para que, nessa cena, fossem mostradas, com delongas, as

discrepâncias de posicionamentos políticos dentro da elite taperoaense.

Finalmente, no Capítulo V, na sequência em que o povo exalta Sinésio como

uma figura messiânica, aos 00:22:49 – 00:29:20, Lino Pedra-Verde não aparece

misturando inúmeros acontecimentos históricos com suas crenças como faz nos

folhetos LXXXI a LXXXIV do Romance (SUASSUNA, 2012, pp. 688-728). Essa

concisão da cena também decorre da proposta geral da minissérie em omitir as

citações feitas no Romance a fatos e textos históricos e a textos e autores literários.

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Com isso, não seria apropriado que apenas nas falas de Lino nessa sequência

fossem feitas menções a esses fatos e textos omitidos ao longo de toda a narrativa

televisiva.

A extensão temática consiste em acrescentar a uma obra um episódio

totalmente estranho a ela. Cinco episódios importantes que não existiam no

Romance foram acrescentados na adaptação.

No primeiro capítulo da minissérie, foi acrescentada uma dança de roda feita

pelos atores, caracterizados como seus personagens, na Vila de Taperoá, com

Quaderna ao centro. Essa cena apresenta para o telespectador os personagens,

transmite-lhe a ideia de que a minissérie será narrada por Quaderna, ao redor de

quem a dança é feita, e antecipa a ele a possibilidade da circularidade narrativa,

uma vez que os diversos personagens da trama se juntam de forma aleatória para

dançar, não sendo possível a manutenção da divisão por núcleos de participação.

Figura 63: Quaderna, no centro da roda, aponta para os personagens como se estivesse

convidando o espectador a conhecê-los aos 00:02:35 do primeiro capítulo.

No segundo capítulo, são mostrados a ida de Quaderna e Sinésio à casa de

Edmundo Swendson e seu encontro com Heliana Swendson. Esse acréscimo é uma

explicitação do modo como o casal se conheceu e do encantamento de Sinésio por

Heliana, que fez da moça o grande amor de sua vida e cujo rosto estampou seu

manto de guerra à maneira dos cavaleiros medievais.

No quinto capítulo, foi feita a elucidação da morte de Pedro Sebastião Garcia-

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Barretto e do destino de seus três filhos e foi acrescentada, ainda, a confissão de

Quaderna de que ele próprio escreveu a carta de denúncia ao Juiz Corregedor. Luiz

Fernando Carvalho alega ter acrescentado esses fechamentos para questões que

ficaram em aberto no Romance porque a minissérie não teria uma continuação,

diferentemente da obra suassuniana, que previa ainda mais duas partes que

poderiam vir a responder as questões deixadas pelo primeiro livro. A trilogia, no

entanto, não foi publicada por Suassuna até sua morte, em 23 de julho de 2014, e,

até o momento, não se sabe se foi concluída por ele.

A última cena da minissérie também consiste num acréscimo ao hipotexto:

Quaderna velho, no meio do sertão, acha três moedas, lembra-se do tio e padrinho

que foi morto, vê-se menino, declama um poema a respeito do assassinato de um

rei e sai tocando violino. Suassuna alegava que o diretor incluiu essa cena como

uma referência intertextual a um fato que a vida particular de ambos tinha em

comum: a perda da mãe (por Luiz Fernando) e do pai (por Suassuna) quando ainda

eram muito pequenos, com cinco e três anos de idade, respectivamente. Ele contava

que, em uma conversa entre os dois, comentou que tinha somente cinco memórias

de seu falecido pai, enquanto Luiz Fernando tinha apenas três memórias de sua

mãe. As moedas que aparecem na referida cena são, então, uma alusão a essas

poucas memórias de ambos, que, segundo Suassuna, durante a conversa pareciam

dois mendigos tentando se vangloriar de suas poucas posses (OLIVEIRA, 2009, pp.

48-49).

Conforme já mencionado no Capítulo I, a transmodalização intramodal é aquela

que transforma algumas características de um modo de representação sem

desqualificá-lo ou transformá-lo em outro.

No modo narrativo, as categorias de tempo, modo e voz são as que geralmente

são transformadas. A categoria temporal pode ser afetada em sua ordem e em sua

duração e frequência. O modo pode ser transformado no que diz respeito à distância

e à perspectiva. A vocalização pode se transformar de duas maneiras: passar da

terceira pessoa para a primeira, processo de vocalização, ou passar da terceira

pessoa para a primeira, processo de “desvocalização”.

No que diz respeito à ordem, analepses ou prolepses inexistentes no hipotexto

podem ser introduzidas no hipertexto ou, pelo contrário, as anacronias presentes no

hipotexto podem ser reorganizadas no hipertexto.

Com relação à duração e frequência, sumários podem se transformar em

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cenas e cenas em sumários; elipses podem ser completadas ou segmentos

narrativos podem ser apagados; descrições podem ser introduzidas ou retiradas;

ações singulativas podem ser transformadas em iterativas e vice-versa.

Quanto à distância, a proporção de cenas (segmentos que mostram a ação

acontecendo) e sumários (segmentos que contam resumidamente um

acontecimento ocorrido) pode ser invertida.

No que diz respeito à perspectiva, o ponto de vista – ou focalização – pode ser

modificado: uma narrativa onisciente (não-focalizada) pode passar a ser focalizada

em uma personagem; já uma narrativa focalizada poderia ser desfocalizada e tornar-

se onisciente ou poderia ser transfocalizada, ou seja, ter o ponto de vista mudado de

uma personagem para outra.

Na minissérie, a categoria de voz não é alterada com relação ao Romance: o

hipertexto é narrado em primeira pessoa assim como o hipotexto. Tampouco são

transformados o ponto de vista, que permanece sendo o de Quaderna; a ordem,

com as analepses, as prolepses e as anacronias do hipotexto permanecendo no

hipertexto; e à distância da narrativa, que continua com a prevalência de cenas em

detrimento de sumários.

As modificações introduzidas na minissérie dizem respeito à duração da

narrativa, que é alterada em relação ao número de descrições que aparecem no

Romance, o qual é bastante diminuído devido a uma necessidade de comprimir o

texto original, bastante extenso, e também de retirar dele características que não

cabem ao meio televisivo, principalmente, por não serem necessárias, uma vez que

a montagem das cenas pode dar conta de representar visualmente espaços,

pessoas e sentimentos sem a necessidade de o narrador descrevê-los com

palavras, mas, também, por não serem convenientes à mídia televisiva, por tornarem

seu ritmo muito moroso no caso de serem utilizadas em excesso como na literatura.

Um exemplo de passagem da minissérie em que foi feita a alteração da

duração da narrativa com relação ao Romance é a cena em que Quaderna se

apresenta ao telespectador, a qual vai dos 00:05:25 aos 00:07:45 do primeiro

capítulo. No Romance, essa passagem ocorre dentro do Folheto I e vai da página 31

à página 35, dividida em nove parágrafos, dos quais somente o primeiro foi mantido

na minissérie.

Os parágrafos seguintes do Romance, do segundo ao nono, trazem várias

descrições e dão conta de vários fatos da Vila de Taperoá:

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Daqui de cima, porém, o que vejo agora é a tripla face, de Paraíso, Purgatório e Inferno, do Sertão. Para os lados do poente, longe, azulada pela distância, a Serra do Pico, com a enorme e alta pedra que lhe dá nome. Perto, no leito seco do Rio Taperoá [...], grandes Cajueiros, com seus frutos vermelhos e cor de ouro. Para o outro lado, o do nascente, o da estrada de Campina Grande e Estaca-Zero, vejo pedaços esparsos e agrestes de tabuleiro, cobertos de Marmeleiros secos e Xiquexiques. Finalmente, para os lados do norte, vejo pedras, lajedos e serrotes, cercando a nossa Vila e cercados, eles mesmos por Favelas espinhentas e Urtigas, parecendo enormes Lagartos cinzentos [...] Aí, talvez por causa da situação em que me encontro, preso na Cadeia, o Sertão sob o Sol fagulhante do meio-dia, me aparece, ele todo, como uma enorme Cadeia, dentro da qual [...] estivéssemos todos nós [...].

*** É meio-dia, agora, em nossa Vila de Taperoá. Estamos a 9 de Outubro de 1938. É tempo de seca [...]. O Cabo Luís Riscão é filho daquele outro, de nome igual, que morreu, aqui mesmo na Cadeia, em 1912, na chamada “Guerra de Doze” [...]. Tem, portanto, o Cabo todos os motivos de má vontade contra mim. Mas como sou “de família de certa ordem” e lhe dou pequenas gorjetas, abranda essa má vontade de vez em quando. [...] Aproveitei, então, o fato de ter terminado logo a tarefa e deitei-me no chão de tábuas, perto da parede, pensando, procurando um modo hábil de iniciar este meu Memorial [...].

*** Para ser mais exato, preciso explicar ainda que meu “romance” é, mais, um Memorial que dirijo à Nação Brasileira, à guisa de defesa e apelo, no terrível processo em que me vejo envolvido. [...] sou, nada mais, nada menos, do que descendente, em linha masculina e direta, de Dom João Ferreira-Quaderna, mais conhecido como El-Rei Dom João II, O Execrável, homem sertanejo que, há um século, foi Rei da Pedra do Reino, no Sertão do Pajeú, na fronteira da Paraíba com Pernambuco. [...]

*** Agora, preso aqui na Cadeia, rememoro tudo quanto passei, e toda a minha vida parece-me um sonho, cheio de acontecimentos ao mesmo tempo grotescos e gloriosos. [...] É por isso também que, do fundo do cárcere onde estou trancafiado neste nosso ano de 1938 – faminto, esfarrapado, sujo, prematuramente envelhecido pelos sofrimentos aos 41 anos de idade – dirijo-me a todos os Brasileiros, sem exceção. [...] Escutem, pois, nobres Senhores e belas Damas de peitos brandos, minha terrível história [...]. (SUASSUNA, 2012, pp. 31-35)

A minissérie traz Quaderna na cadeia dizendo, na íntegra e em voz alta, o texto

do primeiro parágrafo do Folheto I do Romance. Nesse momento, ele é um homem

que parece ter entre trinta e quarenta anos de idade e chora segurando-se às grades

da janela da prisão.

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Após isso, ela mostra o Juiz Corregedor chegando à Vila de Taperoá,

encarando e interpelando Quaderna, já retratado como um idoso, que se encontra

sobre o palco montado no centro da Vila: “- Pedro? Pedro Dinis Quaderna... és rei,

de fato? Foste rei de verdade?”.

Em seguida, volta a mostrar o Quaderna mais jovem na cadeia, respondendo

exaltadamente e com uma caneta na mão, ao questionamento do Juiz: “- Eu, Dom

Pedro Dinis Ferreira Quaderna, sou o mesmo Dom Pedro IV, O Decifrador, Rei do

Quinto Império e do Quinto Naipe, profeta da Igreja Católico-Sertaneja e pretendente

ao trono do Império do Brasil”.

Todas as descrições do sertão que Quaderna realiza no Romance são omitidas

nessa passagem da minissérie, bem como as descrições que faz da cadeia, do

Cabo Riscão e de seus ancestrais. O prédio da cadeia, que, no Romance, o

narrador diz ser velho, aparenta o ser também na tela, mas por meio do cenário

produzido com essa finalidade e da iluminação empregada, e não por palavras.

Algumas dessas descrições, no entanto, são feitas em outros trechos da minissérie,

em alguns casos, por outras personagens, tal como a descrição física que Quaderna

faz de si mesmo, a qual é transferida para a voz de Olavo Bilac no final do quinto

capítulo, quando Quaderna está sendo condecorado “Rei da Távola Redonda e da

Literatura do Brasil” por grandes mestres da literatura mundial e brasileira, bem

como pelo Arcebispo da Paraíba.

Além dessas omissões ou transferências de cenas, as menções às obras que

inspiraram Quaderna a escrever seu “romance” ou “memorial” também ficaram de

fora da cena de apresentação, bem como as referências a seus possíveis

interlocutores, os “nobres Senhores e belas Damas de peitos brandos” que terão o

poder de absolvê-lo ou condená-lo.

Com isso, podemos perceber qual é a proposta geral da minissérie: manter os

programas narrativos do hipotexto, retirando apenas as passagens que resultariam

incoerentes com o novo final criado para ela bem como as citações de contextos

histórico-sociais e de obras literárias/históricas que tornariam as cenas muito longas

e morosas.

Passaremos, agora, a analisar os procedimentos de adaptação utilizados pelo

diretor para recriar a imagem de Sinésio na minissérie à semelhança, ou não, do

Sinésio que aparece no Romance.

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3.2 A Construção de Sinésio

Escolhemos analisar Sinésio, primo e sobrinho do narrador-protagonista do

Romance e da minissérie, devido ao fato de o livro que este está escrevendo de

dentro da cadeia ser a respeito dessa personagem, que é tão especial para ele que

é o centro de suas crenças e atitudes, as quais o levaram a ser preso.

Sinésio é ao mesmo tempo primo e sobrinho de Quaderna: é primo porque é

filho de Pedro Sebastião Garcia-Barretto, o qual é irmão da mãe de Quaderna, Maria

Sulpícia Garcia-Barretto, e é sobrinho porque é filho de sua irmã Joana Quaderna,

que se casou com o tio Pedro Sebastião após a morte de sua primeira esposa.

Ele é denominado de várias formas em ambas as produções: pelo primeiro

nome, Sinésio; pelo nome completo Sinésio Garcia-Barretto; pelo nome composto

de Sinésio Sebastião; pelo apelido de prinspe ou prinspo, prinspe/prinspo alumioso

ou apenas pelo adjetivo alumioso, por ser considerado uma reencarnação do rei

Dom Sebastião de Portugal que viria ao sertão a fim de iniciar uma guerra para

restaurar a monarquia e implantar um mundo de igualdade e felicidade para todos; e

pela alcunha de Rapaz-do-Cavalo-Branco, por retornar à cidade de Taperoá, após

cinco anos desaparecido, montado num cavalo de cor branca, o que também é uma

referência a Dom Sebastião, que teria lutado em Alcácer-Quibir sobre um cavalo

dessa cor.

Referências a Sinésio são feitas em 215 das 742 páginas do Romance e em

todos os capítulos da minissérie, em que aparece – direta ou indiretamente – em

vinte e sete sequências. Em ambas as obras, contudo, é mostrado ou referido mais

vezes a partir da terceira parte (do terceiro livro do Romance e do terceiro capítulo

da minissérie): no epítome, há uma menção a ele; no Livro I, há dezenove; no II,

oito; no III, sessenta e duas; no IV, cinquenta e nove e no V, sessenta e seis. No

capítulo 1 da minissérie, quatro aparições dele ocorrem; no 2, duas; no 3, cinco; no

4, nove e no 5, sete.

Aparições de Sinésio no Romance Aparições de Sinésio na Minissérie

Epítome:

- p. 27

Livro I:

- Folheto II (pp. 37, 43, 45, 46, 47, 48)

Capítulo 1:

- 00:03:18 – 00:04:22

- 00:07:46 – 00:10:57

- 00:10:58 – 00:15:08

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- Folheto III (pp. 52, 53, 54, 55, 56, 58)

- Folheto IV (pp. 59, 60, 62)

- Folheto VI (p. 69)

- Folheto VII (p. 71)

- Folheto XV (p. 117)

- Folheto XVI (p. 121)

- 00:18:47 – 00:19:33

Livro II:

- Folheto XXIII (pp. 157, 163)

- Folheto XXV (pp. 165, 170)

- Folheto XXXIII (p. 212)

- Folheto XXXIV (p. 216)

- Folheto XXXVI (pp. 240, 241)

Capítulo 2:

- 00:13:13 – 00:17:49

- 00:17:50 – 00:18:24

Livro III:

- Folheto XXXVII (pp. 245, 247)

- Folheto XXXIX (pp. 253, 257, 268, 269)

- Folheto XLI (pp. 280, 286)

- Folheto XLIII (pp. 303, 304)

- Folheto XLIV (p. 306)

- Folheto XLVI (pp. 321, 322, 323)

- Folheto XLIX (p. 336)

- Folheto L (pp. 338, 346, 347, 354, 357)

- Folheto LI (pp. 359, 366, 367, 368, 369,

371)

- Folheto LII (pp. 372, 373, 374, 375,

376, 377, 378, 379)

- Folheto LV (pp. 398, 400, 401)

- Folheto LVI (pp. 403, 411, 412)

- Folheto LVII (pp. 413, 414, 418)

- Folheto LIX (pp. 419, 420, 421)

- Folheto LX (pp. 422, 423, 425)

- Folheto LXI (p. 427)

- Folheto LXII (pp. 432, 433, 434, 435,

436, 438, 439)

Capítulo 3:

- 00:27:14 – 00:28:10

- 00:31:50 – 00:37:17

- 00:40:21 – 00:43:25

- 00:44:54 – 00:46:00

- 00:46:01 – 00:52:08

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- Folheto LXIII (pp. 439, 440, 441, 442,

443)

Livro IV:

- Folheto LXIV (pp. 449, 450, 451,

452,453, 457, 458)

- Folheto LXV (pp. 462, 463, 465, 466,

467)

- Folheto LXVI (pp. 468, 469, 471, 480)

- Folheto LXVII (pp. 483, 485, 486, 487,

488, 493, 494, 501)

- Folheto LXVIII (pp. 502, 503, 504, 506,

507, 513, 515, 516, 517)

- Folheto LXIX (pp. 523, 524, 525, 526)

- Folheto LXX (p. 531)

- Folheto LXXI (p. 532, 534, 536, 537)

- Folheto LXXII (pp. 554, 555, 557)

- Folheto LXXIII (pp. 560, 566)

- Folheto LXXIV (pp. 569, 570, 571, 577)

- Folheto LXXV (pp. 580, 584, 585, 586,

587, 588, 589, 590)

Capítulo 4:

- 00:01:11 – 00:02:31

- 00:03:15 – 00:04:13

- 00:06:53 – 00:07:38

- 00:07:39 – 00:10:07

- 00:10:08 – 00:13:45

- 00:19:44 – 00:22:24

- 00:29:37 – 00:33:20

- 00:33:21 – 00:35:00

- 00:39:01 – 00:42:45

Livro V:

- Folheto LXXVI (pp. 593, 594, 595, 596,

598, 599)

- Folheto LXXVII (pp. 603, 604, 606, 607,

608)

- Folheto LXXVIII (pp. 611, 615, 621)

- Folheto LXXX (pp. 654, 659, 660, 670,

672, 673, 674, 676, 677, 680, 681, 686,

687)

- Folheto LXXXI (pp. 690, 692, 693, 694)

- Folheto LXXXII (pp. 696, 697, 698, 699,

700, 703, 704, 705, 706, 708, 709, 710,

711, 712)

Capítulo 5:

- 00:01:11 – 00:03:38

- 00:03:39 – 00:16:55

- 00:16:56 – 00:18:37

- 00:18:38 – 00:22:07

- 00:22:50 – 00:29:21

- 00:29:22 – 00:33:19

- 00:33:20 – 00:35:51

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- Folheto LXXXIII (pp. 713, 714, 719,

721, 722)

- Folheto LXXXIV (723, 724, 725, 726,

727, 729, 730, 731, 732)

- Folheto LXXXV (pp. 734, 735, 736,

737, 738, 739, 741)

Isso ocorre porque, como já vimos, a minissérie manteve praticamente toda a

estrutura do Romance, modificando pouco a ordem dos eventos e retirando ou

acrescentando poucas ações à narrativa romanesca. Com isso, em ambas as

produções, no início Sinésio aparece pouco, o que contribui para a criação de uma

aura de mistério acerca de qual teria sido sua atuação nos eventos que

desencadearam a prisão de Quaderna, e, aos poucos, vai aparecendo mais e

deixando transparecer, ao leitor e ao telespectador, um pouco mais de sua

participação na história que nos é contada por seu tio e primo.

Analisaremos apenas algumas das passagens em que Sinésio aparece no

Romance e na minissérie porque estaria fora de nossas possibilidades com este

trabalho tentar esgotar todas elas. Privilegiamos, assim, aquelas que consideramos

principais para a construção da personagem literária e da personagem televisiva e

dividimos o estudo em partes, respeitando a divisão de ambas as obras e os

conteúdos e sentidos que cada uma delas traz com mais intensidade,

respectivamente: a apresentação de Sinésio e de sua cavalgada; o surgimento de

seu amor por Heliana; as expectativas de todas as classes sociais da Vila em torno

de Sinésio e de seu bando; as profecias que haviam sido feitas pelo narrador

envolvendo o primo e que se converteram em crenças de cunho messiânico para as

pessoas humildes; e a mobilização do povo em torno do rapaz quando de sua

chegada.

3.2.1 Apresentação do Rapaz-do-Cavalo-Branco e de sua cavalgada

Tanto no epítome e no Livro I do Romance quanto no Capítulo 1 da minissérie,

faz-se a apresentação da personagem Sinésio para o leitor e o telespectador no que

diz respeito não só à sua aparência física, mas também às suas relações familiares

presentes e passadas, ao seu amor por Heliana Swendson e à sua história de vida.

Passaremos a mostrar como é feita essa apresentação na obra literária e na

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171

produção televisiva.

A primeira aparição de Sinésio no Romance ocorre no epítome. Nele, a

personagem é referida como “misterioso Rapaz-do-Cavalo-Branco” e como “o mais

moço dos jovens Príncipes”, os quais são os “três irmãos sertanejos, Arésio,

Silvestre e Sinésio”. Diz-se, ainda, sobre ele que foi raptado pelos assassinos do pai

e sepultado “numa Masmorra onde ele penou durante dois anos” e evoca-se às

“Nobres Damas e Senhores” que ouçam o canto espantoso do narrador, o qual

abordará “a doida Desaventura/ de Sinésio, O Alumioso,/ o Cetro e sua centelha/ na

Bandeira aurivermelha/ do meu Sonho perigoso!” (SUASSUNA, 2012, p. 27).

Nessa referência feita à personagem, percebe-se um tratamento especial dado

a ela pelo narrador em detrimento de seus irmãos, pois somente ela aparece ao

longo de toda a apresentação da obra, enquanto de Arésio e Silvestre aparecem

apenas os nomes. Nota-se, também, um tratamento literário dado a ela nos versos

finais da página, pois indica-se que representou uma figural real (“o Cetro”) e uma

luz (“sua centelha” – daí ser chamado de “Alumioso”) de um sonho do narrador, o

qual ele está prestes a cantar no romance que se inicia.

No Folheto II do Romance, Quaderna descreve Sinésio no momento de sua

chegada à Taperoá em 1935:

[...] Cercava-o, efetivamente, uma atmosfera sobrenatural, uma espécie de “aura” que só mesmo o fogo da Poesia pode descrever e que, mesmo depois de sua chegada, ainda podia ser entrevista em torno da sua cabeça, pelo menos “por aqueles que tinham olhos para ver”. Tinha cerca de vinte e cinco anos. Não era simplesmente um rapaz: era um mancebo. Mais do que isso: era um Donzel. E tem gente aí pela rua, que, ainda hoje, garante que naquele tempo ele chegava, mesmo, a ser um donzelo. [...] Via-se que ele era o centro, motivo e honra da Cavalgada, porque lhe tinham destacado a maior, mais bela e melhor das montarias, um enorme e nobre animal branco, de narinas rosadas, de cauda e crinas cor de ouro, Cavalo que, como soubemos depois, tinha o nome legendário de “Tremedal”. Ele o montava, como observou mais tarde o Doutor Samuel, “com um ar ao mesmo tempo modesto e altivo de jovem Príncipe, recém coroado e que, por isso mesmo, ainda está convencido de sua realeza”. Alto, esbelto, de pele ligeiramente amorenada e de cabelos castanhos, montava com elegância, e de seus grandes olhos, também castanhos e um pouco melancólicos, espalhava-se sobre todo o seu rosto uma certa graça sonhadora que suavizava até certo ponto suas feições e sua natureza – às vezes arrebatada, enérgica, quase dura e meio enigmática, como depois viemos a notar, principalmente depois dos terríveis acontecimentos da morte de Arésio.

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[...] o Rapaz-do-Cavalo-Branco usava um gibão mais artisticamente trabalhado do que os dos outros Cavaleiros. Assemelhava-se aos “gibões de honra e boniteza” que se usam nos desfiles de Cavalhadas e puxadas-de-boi. [...] O mais notável, porém, é que, atado ao pescoço por uma fechadura de prata, caía por trás das costas do Donzel, de modo a cobrir a garupa do cavalo “Tremedal”, um manto vermelho [...] encimado por uma figura a modo de “timbre”, uma bela Dama de cabelos soltos, vestida com um manto negro semeado de contra-arminhos de prata e mantendo as mãos cobertas. Era a Dama jovem e sonhosa, de olhos verdes, de cabelos lisos, finos, compridos e castanho-claros que seria, para o Rapaz-do-Cavalo-Branco, “o grande amor de sua vida”. (SUASSUNA, 2012, pp. 45-47)

Essa descrição demonstra a intenção do narrador de caracterizar o primo como

sendo diferente dos demais cavaleiros que o acompanhavam e de atribuir a ele não

apenas maior importância que aos outros, mas principalmente, a transcendência

necessária para alguém que viria a desempenhar um papel tão importante quanto o

que estava reservado a ele. Para isso, no primeiro parágrafo, Quaderna alude ao

texto bíblico referente ao nascimento de Cristo e à chegada dos Reis Magos ao local

onde Maria e José guardavam a criança ao dizer que o primo possuía uma aura que

poderia ser vista “por aqueles que tinham olhos para ver”. Isso quer dizer que

algumas pessoas não acreditavam nessa suposta aura, e que o narrador atribui esse

fato à incapacidade delas de acreditar no que ele acreditava e tentava lhes ensinar.

A seguir, no segundo parágrafo, Quaderna menciona que o primo estava com

vinte e cinco anos e era um Donzel. A escolha desse adjetivo revela a maneira como

o narrador quer dar a conhecer Sinésio: como um nobre prestes a se tornar um

cavaleiro; pois “donzel” era o termo que se utilizava, na Idade Média, para se referir

a um nobre jovem que ainda não tinha sido adubado cavaleiro, mas que havia

recebido treinamento para isso desde criança. Ele ainda faz um trocadilho com essa

palavra ao dizer que, além de donzel, Sinésio era considerado também “donzelo”,

que seria o termo masculino da palavra “donzela” com a acepção que lhe é dada na

contemporaneidade, isto é, de “moça virgem”. Assim, o primo, tal como dizia-se de

Dom Sebastião em sua época, nunca teria tido relações afetivas e sexuais apesar

de estar numa idade em que a maioria das pessoas já teria tido relacionamentos

desse tipo. Essa característica, então, aproxima-o de Dom Sebastião.

No parágrafo seguinte mais uma vez o narrador aproxima o primo de Dom

Sebastião ao mencionar que o cavalo dele tinha o mesmo nome do cavalo do rei

português, “Tremedal”, e que, assim como o do monarca, era branco. Esse cavalo

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era o melhor de todos que vinham na cavalgada, e seu cavaleiro é visto como um

príncipe pelo Doutor Samuel. Sua descrição física é feita de modo a caracterizá-lo

com grandeza devido à sucessão de características consideradas positivas por

Quaderna atribuídas a ele: “alto, esbelto, de pele ligeiramente amorenada e de

cabelos castanhos, montava com elegância”. No entanto, Sinésio é descrito como

sendo misterioso, ou seja, aliando em si características opostas e que não são de

todo perceptíveis ao primeiro contato com ele: possui “grandes olhos, também

castanhos e um pouco melancólicos” dos quais “espalhava-se sobre todo o seu rosto

uma certa graça sonhadora que suavizava até certo ponto suas feições e sua

natureza – às vezes arrebatada, enérgica, quase dura e meio enigmática, como

depois viemos a notar” (grifo nosso).

Nos próximos parágrafos, o narrador descreve a vestimenta de Sinésio, mais

uma vez destacando-a da vestimenta dos demais cavaleiros por ser mais bem

trabalhada e elegante. O principal acessório, entretanto, é um manto vermelho que

ele leva às costas no qual aparece a imagem de uma moça. Essa imagem parece

contradizer a afirmação anterior de que o rapaz seria “donzelo”, mas Samuel adiante

defende-o alegando que os cavaleiros levavam consigo a imagem de uma dama a

quem serviriam em castidade, ou seja, que seriam um ideal pelo qual lutariam suas

batalhas. A presença desse manto, então, aproxima Sinésio, mais uma vez, dos

cavaleiros medievais.

A seguir, no Folheto III, quando Quaderna está narrando o episódio do ataque

que o bando de Sinésio sofreu de um grupo de cangaceiros ao chegar à Vila, ele

descreve a reação do rapaz e de seus companheiros:

Certos de que já tinham cumprido o objetivo principal da emboscada e matado o rapaz que lhes fora designado, queriam agora era escapar o mais depressa possível, fugindo à luta desigual com toda aquela tropa. [...] Foi a vez de soar o grito do Cigano, ordenando que a tropa de Cavaleiros saísse daquele mato perigoso, que novamente poderia favorecer os Cangaceiros, para emboscadas. A tropa, obedecendo a Praxedes, reuniu-se de novo na estrada, e todos, insensivelmente atraídos pela figura do Rapaz-do-Cavalo-Branco, fixaram os olhos nele, como a indagar até que ponto ele fora atingido pelos acontecimentos. Ele estava já de pé, segurando as rédeas de “Tremedal” e contemplando, absorto, o corpo do rapaz que morrera em seu lugar. O Doutor, depois de apanhar a importante pasta de documentos, caminhou para lá, puxando seu cavalo pela rédea: – Venha, vamos embora! – falou ele para o rapaz. – O que passou, passou! – Ele está morto? – perguntou o rapaz, sempre com expressão meio

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ausente. – Está, sim! Mas vamos! – insistiu o Doutor Pedro Gouveia. [...] O rapaz, sempre olhando o corpo de Colatino, comentou: – É a primeira vez que vejo a morte! – É assim mesmo, é a vida! – disse o Doutor, apanhando a bandeira, espanando com o lenço a poeira que a sujara e passando-a a outro, para que assumisse o posto de matinador, de Colatino. E continuou: – Hoje ou amanhã, de tiro ou de doença, de qualquer jeito um dia ele tinha de morrer! Depois, talvez não seja esta a primeira vez que você vê a morte! Talvez você esteja somente esquecido, por causa de tudo o que passou, de outras mortes que viu, antes. Mas vamos sair logo daqui, que os Cangaceiros podem voltar com mais gente! [...] Montaram. O Rapaz-do-Cavalo-Branco também montou. Naquele tempo, as forças da violência e as divindades subterrâneas ainda estavam adormecidas em seu sangue, pois não tinham sido despertadas pelo veneno do nosso convívio. De modo que, sonhoso e absorto, ele ignorava naquele instante quantas cenas e quantas mortes como sua chegada iria causar entre nós, durante os três anos que medearam entre aquela Véspera de Pentecostes de 1935 e a Semana da Paixão deste nosso ano de 1938. Foi também esta cena inicial da “Demanda Novelosa do Reino do Sertão” que terminou batendo com meus costados na Cadeia onde estou preso, à mercê do julgamento de Vossas Excelências. Naquele dia porém, e mesmo com o aviso dado pela Providência com a morte de Colatino, ainda não estava rompida a descuidosa mas culposa ignorância em que estávamos todos nós que iríamos participar da terrível Desaventura do Rapaz-do-Cavalo-Branco. (SUASSUNA, 2012, pp. 56-58 – grifos do autor)

Nesse excerto, percebe-se que a atenção de todos os homens da cavalgada

se volta para Sinésio após o ataque dos cangaceiros devido a ele ser o centro dela

(como já havia sido dito no trecho anterior), o que é um sinal indicativo de sua

importância para os outros e é corroborado pelas afirmações do Doutor Pedro

Gouveia e de Quaderna que vêm a seguir.

O Doutor, ao ouvir Sinésio dizer que a morte de Colatino foi a primeira que ele

viu, responde que talvez o rapaz já tenha visto outras mortes antes daquele

momento, mas esteja esquecido delas por conta de tudo que passou. A palavra

“antes” e a frase “por causa de tudo o que passou” aparecem grifadas em itálico, o

que faz com que tenhamos que ler esse fragmento de maneira especial.

Primeiramente, entendemos esses grifos como marcações da entonação com a qual

a personagem proferiu essas palavras e, numa segunda leitura, interpretamos que o

Doutor dá ênfase a elas para insinuar uma relação entre Sinésio e um passado mais

remoto do que ele possa se lembrar, pois diz respeito à história de seus

antepassados e mesmo de Dom Sebastião. O que o Doutor pode estar insinuando a

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Sinésio é que ele, sendo descendente dos líderes dos eventos da Serra do

Rodeador e da Pedra Bonita, já viu – se não com seus próprios olhos, pelo menos

pela herança de seu sangue – muitas mortes, ocorridas quando seus antepassados

profetizavam a volta do rei português. E se ele for mesmo, como acredita e ensina

Quaderna, o próprio Dom Sebastião ressuscitado, também já teria visto inúmeras

mortes nas batalhas das quais participou ativamente.

Quaderna também acredita na existência dessas “memórias” e, de certa forma,

admite sua “culpa” por trazê-las à tona para o primo e pelas consequências que elas

tiveram quando diz que “naquele tempo, as forças da violência e as divindades

subterrâneas ainda estavam adormecidas em seu sangue, pois não tinham sido

despertadas pelo veneno do nosso convívio” e “sonhoso e absorto, ele ignorava

naquele instante quantas cenas e quantas mortes como sua chegada iria causar

entre nós”. Assim, o narrador dá a entender que aquilo que o rapaz havia vindo

realizar não deu certo, pois sua história é uma “desaventura” na qual muitas pessoas

pereceram.

No Folheto IV, ao contar ao Juiz Corregedor sobre a morte do tio e o

desaparecimento de Sinésio, no mesmo dia, Quaderna revela o que ele e o povo

sertanejo pensavam sobre o rapaz:

Outra coisa misteriosa: no mesmo dia, Sinésio, o filho mais moço de meu Padrinho, desapareceu sem ninguém saber como. Dizia-se que fora raptado, a mando das pessoas que tinham degolado seu Pai, pessoas que odiavam o rapaz porque ele era amado pelo Povo sertanejo, que depositava nele as últimas esperanças de um enigmático Reino, semelhante àquele que meu bisavô criara. Sinésio fora raptado e, segundo se noticiou, morrera também de modo cruel e enigmático, dois anos depois, na Paraíba, o que não impedia o Povo de continuar esperando a volta e o Reino miraculoso dele. [...] Como foi que raptaram Sinésio, aquele rapaz alumioso, que concentrava em si as esperanças dos Sertanejos por um Reino de glória, de justiça, de beleza e de grandeza para todos? Bem, não posso avançar nada, porque aí é que está o nó! [...] Sim, nobres Senhores e belas Damas: porque eu, Quaderna (Quaderna, O Astrólogo, Quaderna, O Decifrador, como tantas vezes fui chamado); eu, Poeta-guerreiro e soberano de um Reino cujos súditos são, quase todos, cavalarianos, trocadores e ladrões de cavalo, desafio qualquer irônico, estrangeiro ou Brasileiro, primeiro a narrar uma história de amor mais sangrenta, terrível, cruel e delirante do que a minha; e, depois, a decifrar, antes que eu o faça, o centro enigmático de crime e sangue da minha história, isto é, a degola do meu Padrinho e a “desaparição profética” de seu filho Sinésio, O

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Alumioso, esperança e bandeira do Reino Sertanejo. (SUASSUNA, 2012, pp. 60-62 – grifo do autor)

Nesse fragmento, Quaderna conta que o povo sertanejo depositava em Sinésio

a esperança de justiça social. Essa esperança, no entanto, não era calcada na

possibilidade de luta política real, em que a participação popular poderia obter

algumas conquistas nessa direção, mas sim num misticismo que mais uma vez

aproxima a imagem de Sinésio à do Rei Dom Sebastião de Portugal, uma vez que o

povo cria que ele poderia voltar mesmo após ter sido morto por seus inimigos, e que

traria não só justiça, mas também glória, beleza e grandeza para todos ao criar um

novo reino, semelhante ao que seu trisavô (bisavô de Quaderna) havia iniciado no

século anterior.

Sabendo, pela leitura do parágrafo seguinte, que Quaderna era astrólogo e

conhecido como “O Decifrador”, podemos inferir que ele tenha incentivado o povo a

pensar dessa maneira e, somando as informações obtidas dele nesse fragmento

com as informações reveladas nos parágrafos mostrados aqui anteriormente

(pertencentes ao Folheto III, pp. 56-58 do Romance), tomamos o conhecimento de

que ele instruiu Sinésio a pensar assim, o que acabou por causar muitas mortes

entre os anos de 1935 e 1938 e a prisão do próprio narrador, mas não levou à

criação de um novo reino, tampouco à obtenção de glória, justiça, beleza e grandeza

para todos.

Dessa forma, podemos concluir que as aparições de Sinésio no livro I do

Romance servem para criar sua imagem como a de uma figura enigmática porém

sagrada, diferente das demais por estar colocada acima delas e parecer-se com um

cavaleiro medieval e com o Rei Dom Sebastião, mas que, apesar de ser depositário

da admiração e da esperança do povo – o qual foi influenciado por seu tio e primo –

não obteve êxito naquilo que se esperava que ele fosse capaz de realizar, daí sua

história ser chamada pelo narrador de “desaventura”.

A aparição de Sinésio entre os 00:03:18 e os 00:04:22 do primeiro capítulo da

minissérie é equivalente à sua aparição no epítome do Romance, uma vez que o

texto deste foi mantido em sua quase totalidade. No entanto, a teatralidade das

cenas, isto é, a maneira como o texto verbal se combina com o visual e o sonoro,

além de reforçar os sentidos já expressos verbalmente, recriam sentidos que

estavam expressos no trecho do texto literário que não foi aproveitado na minissérie

e até mesmo transmite sentidos que não existiam no trecho correspondente do

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Romance, mas sim em pontos mais avançados da narrativa.

Aos 00:03:18 do primeiro capítulo, Quaderna velho, interpretado pelo ator

Irandhir Santos, aparece no meio da Vila, em cima de seu palco móvel, e começa a

apresentar seu “Romance enigmático de crime e sangue” em tom de voz crescente,

solene, semelhante ao de um apresentador de circo ao dizer “Respeitável público!”.

Quando diz que trará indicações sobre os três irmãos sertanejos, mantém o tom

crescente e traz um sorriso ao rosto ao mencionar Arésio e Silvestre, sendo

acompanhado por uma música instrumental rápida, intitulada Maria Safira. Ao

mencionar Sinésio, contudo, modifica o tom e a expressão facial: sua voz vai se

abaixando enquanto pronuncia o nome e seu rosto se torna sério. Além disso, a

primeira música agitada é substituída por outra, um pouco mais lenta.

Em seguida, dos 00:04:02 aos 00:04:05, a câmera foca Sinésio, interpretado

por Paulo César Ferreira, em primeiríssimo plano observando algo por sobre o

ombro direito com uma expressão indecifrável por aparentar ser ao mesmo tempo de

seriedade, surpresa e introspecção.

Figura 64: Primeiríssimo plano de Sinésio observando algo com surpresa e introspecção.

A seguir, quando Quaderna fala sobre o rapto de Sinésio, aos 00:04:18, refere-

se a ele como “o mais moço dos jovens príncipes” e a imagem que é mostrada na

tela é a do rapaz em cima de seu cavalo, focado em ângulo contra-plongée contra o

Sol, o que intensifica o sentido de grandeza e luminosidade transmitido pelo apelido

de “Prinspo Alumioso” pelo qual Sinésio é tratado por uma parcela da população da

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Vila de Taperoá. Ainda, a vestimenta do rapaz, caracterizada principalmente por

manto vermelho, bem como por elmo, colete e mangas de metal, assim como a cruz

que aparece próxima a ele no enquadramento dado, antecipam o sentido de que,

para Quaderna, o primo é um verdadeiro cavaleiro medieval que viveu no sertão nos

“dias atuais”, os quais, na diegese, correspondem às primeiras décadas do século

XX.

Figura 65: Ângulo contra-plongée de Sinésio contra o Sol.

A luz incidindo diretamente sobre sua cabeça remete à aura que o narrador do

Romance afirmava haver em torno da figura de Sinésio e dialoga com a imagem de

Cristo tal como ela é representada em diversas pinturas, inclusive de Giotto (figura

18, vide p. 73), e mesmo no cinema, como podemos ver na cena do batismo de

Jesus no filme de Roger Young, de 1999:

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Figura 66: Aos 00:38:35 do filme Jesus (1999), Cristo (ao centro) é iluminado logo após ser

batizado por João Batista (à esquerda).

Logo em seguida, aos 00:04:21, Quaderna menciona que Sinésio ficou

“enterrado” numa masmorra onde “penou” durante anos após a morte do pai e a

imagem que se mostra nesse momento é a do rapaz deitado num ambiente escuro,

sem camisa, com os cabelos e a barba desgrenhados, aparentemente desmaiado

devido a maus tratos recebidos de seus raptores.

Figura 67: Sinésio “enterrado” numa masmorra.

Essa imagem opõe-se à anterior, construída de modo a demonstrar a grandeza

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de Sinésio, e contribui para a criação de sentido de que a volta dele ocorreu após

um período de reclusão e cumprimento de uma “pena”, da qual ele saiu não só

revigorado, mas ressuscitado. Nesse sentido, sua imagem assemelha-se à figura

messiânica do Rei Dom Sebastião de Portugal, cujo mito dá conta de que ele

reaparecerá após expurgar seus pecados, e, mais uma vez, à do próprio Jesus

Cristo ao passar pela morte decorrente da crucificação e ressuscitar após três dias.

Os braços abertos de Sinésio também dialogam com imagens de pinturas e de

cinema/televisão, do Cristo morto após ser retirado da cruz, como vemos na tela The

Entombment (1602-1603), de Caravaggio, e na minissérie Jesus de Nazaré (1977),

de Franco Zeffirelli:

Figura 68: The Entombment. (1602-03). Óleo sobre tela, 300 x 203 cm – Pinacoteca,

Vaticano. Disponível em: http://www.wga.hu. Acesso em: 30 mar. 2015.

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Figura 69: Às 04:39:10 da minissérie Jesus de Nazaré (1977), de Franco Zeffirelli, Maria

chora a morte de Jesus.

Mais adiante, dos 00:09:42 aos 00:10:06, Quaderna está em seu palco e

descreve Sinésio poeticamente enquanto o rapaz é filmado em primeiríssimo plano e

em ângulo contra-plongée: “Sinésio, cavaleiro puro do alto, vento fino do céu,

incauto peregrino no mundo, o cerca uma áurea que só o fogo da poesia pode

descrever”. A fala de Quaderna aqui remete à fala dele presente no fragmento entre

as páginas 45 e 47 do Romance, que engrandece o primo, e a imagem em

primeiríssimo plano e em ângulo contra-plongée, por sua vez, corrobora para a

criação desse efeito de sentido de engrandecimento da personagem.

A seguir, dos 00:10:07 aos 00:10:56, vê-se Sinésio com o olhar inquieto, frente

a cantadeiras que declamam:

Dizem que uma Sombra escura com duas Pontas na testa, por onde o Donzel caminha, ao lado, se manifesta. O Doutor, vela de sebo, sinal dos Magos errôneos, Lume lúgubre da Morte, lampadário do Demônio.

Esse poema está presente nas páginas 47 e 48 do Romance, onde é atribuído

por Quaderna ao cordelista Amador Santelmo em Vida, Aventuras e Morte de

Lampião e Maria Bonita, mas, na minissérie, apenas duas de suas sete estrofes

foram mantidas: a primeira, que sugere que uma sombra escura acompanha o

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Donzel, e a penúltima, que relaciona um Doutor à morte e ao demônio. Esses

trechos escolhidos do poema de Santelmo indicam um lado obscuro em Sinésio e no

Doutor Pedro Gouveia, advogado que o acompanhava na cavalgada de volta à

Taperoá após seu desaparecimento por cinco anos, tornando a ambos figuras

ambíguas: se por um lado o primo do narrador é tido como “alumioso” e confia-se a

ele a esperança de que seja feito algum tipo de revolução que instaure a justiça

social no sertão, por outro diz-se que anda ao lado dele “uma sombra escura com

duas pontas na testa”, bem como o acompanha o “lume lúgubre da morte,

lampadário do demônio”. Essa instauração de ambiguidade cria o sentido presente

no Romance, e até então omitido na minissérie, de que a chegada de Sinésio seria

uma “desaventura”.

Dos 00:10:57 aos 00:12:46, o olhar de Sinésio ainda está inquieto e procura

algo, quando parece encontrar a personagem Heliana – interpretada pela atriz

Mayana Neiva – que, por sua vez, parece dançar para ele ao som de uma música

instrumental, intitulada A Pedra do Reino. Ele traz às costas o manto com a imagem

da moça e vê-se que ambos estão no mesmo espaço – diante do portal de entrada

da Vila de Taperoá –, mas não ao mesmo tempo, ou seja, o encontro dos olhares

não ocorre realmente, e sim como consequência da montagem, a qual, por revelar

que eles não ocupam o mesmo espaço físico, cria o sentido de que entre eles existe

um amor casto, que não envolve a conjunção carnal.

Dos 00:18:47 aos 00:19:33, Quaderna está sobre o palco montado no centro

da Vila de Taperoá e repete um trecho do texto do Romance presente na página 60:

“Sinésio, O Alumioso, esperança dos sertanejos por um reino de glória e justiça, de

beleza e de grandeza para todos. Um reino enigmático semelhante àquele que meu

bisavô criara”. Essa sequência revela que se espera de Sinésio que ele repita os

feitos do bisavô de Quaderna, o qual era seu trisavô. Dessa vez, porém, espera-se

que ele possa levar a cabo o que seu antepassado não conseguiu por ter sido traído

por um parente e morto pela polícia.

Assim, todos esses elementos, juntos, corroboram para que seja reforçada, na

minissérie, a importância de Sinésio para o narrador, que o trata de maneira

diferente daquela como trata os outros primos e se propõe a escrever sua história

igualando-o aos cavaleiros medievais, a Dom Sebastião e a Cristo, e o mistério

acerca de qual é o papel que o rapaz terá na narrativa – de salvador do povo

humilde que acredita nele ou de responsável, ao lado do Doutor, por algo ruim

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relacionado à morte, como insinuam as mulheres em seu canto. No Romance, todos

esses sentidos já estavam presentes: Sinésio é exaltado como uma espécie de

salvador do povo sertanejo, mas tem um lado obscuro relacionado à morte que não

se pode desvendar, e que se espera que Quaderna revele.

3.2.2 Surgimento do herói e do amor por sua dama

No Livro II do Romance, Sinésio aparece muito pouco. Quaderna o menciona

duas vezes para dizer que a história de seus antepassados na Pedra Bonita era

responsável por fazê-lo acreditar que o primo estava voltando para realizar algo

grandioso, o que são reiterações do que ele já havia dito no Livro I e, em mais uma

das menções ao rapaz, ele revela que não estava na Vila no momento da chegada,

mas que sabia os detalhes dela e que, portanto, ela poderia ser o assunto do

“romance-epopéico” que pretendia escrever.

Contudo, a menção mais importante que o narrador do Romance faz a Sinésio

no Livro II, está na passagem em que ele conta sobre o relacionamento entre este, o

irmão Arésio e o pai de ambos. Quaderna explicita que Arésio e Sinésio tinham

diferenças, das quais ele marca não só as de personalidade, mas também as físicas,

a fim de contribuir com a contraposição que quer fazer entre os dois para justificar as

histórias que surgiram em torno deles. É levantada a hipótese, pelo narrador, de que

muitos dos acontecimentos sangrentos que se passaram com sua família deveram-

se a essas diferenças entre os dois irmãos e que a história da rivalidade de ambos

teria influenciado a população a criar em torno do mais novo “todas as legendas que

depois viriam aparecer”.

Muita coisa de sangrento que nos aconteceu veio das diferenças entre os dois: enquanto Arésio era um sujeito duro, solitário, violento, moreno, de barba cerrada e negros cabelos encaracolados, Sinésio era calmo, alumioso, alourado, estimado por todas as pessoas, principalmente pelos pobres, da fazenda e da Vila. Era o preferido do Pai; e talvez tenha sido tudo isso que terminou criando em torno dele todas as legendas que depois viriam aparecer. (SUASSUNA, 2012, p.163)

Assim, Arésio é caracterizado como um anti-herói “duro, solitário, violento,

moreno, de barba cerrada e negros cabelos encaracolados”, e Sinésio como um

herói “calmo, alumioso, alourado, estimado por todas as pessoas, principalmente

pelos pobres, da fazenda e da Vila” e como filho preferido de seu pai.

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Na minissérie, Sinésio também é pouco mostrado, restringindo-se a

importância de sua aparição à de dar a conhecer ao telespectador como começou

seu envolvimento com Heliana Swendson.

No capítulo II da minissérie, aos 00:13:13, vemos a chegada de Sinésio e

Quaderna à casa de Edmundo Swendson, em Natal, às vésperas da eclosão da

Guerra de Princesa, em 1930. Eles vão para a casa dos Swendson a mando de

Pedro Sebastião Garcia-Barretto, que queria proteger o filho mais novo dos conflitos

que estavam prestes a ocorrer na Paraíba. Esse fato reitera, embora não

declaradamente, o que é dito no Livro II do Romance de que este é seu filho

predileto, pois somente com ele parece se preocupar em época de grande perigo

para todos, sequer mencionando Arésio e Silvestre.

Sinésio já traz o manto com o qual chegaria à Vila em 1935. Porém, esse

manto é vermelho sem nenhuma estampa, diferentemente do que ele viria a usar na

cavalgada à Taperoá, mostrada no capítulo 1, o qual tinha estampado o rosto de

uma mulher, mais precisamente de Heliana Swendson, cujo primeiro encontro com

Sinésio essa sequência mostrará ao telespectador.

Figura 70: Sinésio e Quaderna vão à casa de Edmundo Swendson em Natal aos 00:13:37

do segundo capítulo.

Ao adentrar a casa, Quaderna cumprimenta e conversa com Edmundo

Swendson enquanto Sinésio se afasta deles e caminha em direção ao jardim, o qual

é caracterizado de forma não naturalista: por um corredor decorado com telas em

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que são pintadas flores e por um pequeno cômodo contendo vasos em que são

penduradas plantas.

Sinésio caminha pelo corredor até chegar ao pequeno cômodo em que está

Heliana. Lá, ele a observa cantar e passar mel em um dos seios e fica

impressionado com a imagem da moça enquanto ela e um grupo de mulheres

cantadeiras que estão presentes na cena reforçam o sentimento do rapaz ao cantar

a história do encontro de um cavaleiro com uma linda moça:

Uma moça de olhos claros vem num barco a navegar Bela como a garça branca no céu puro a esvoaçar Ela busca um cavaleiro que fugiu, mal pesar À fortaleza de pedra seu barco veio aportar seu barco veio aportar Sinal certo que trazia neste forte foi achar Ao bater sai uma dama Quem é ela? Quem será? Ao ver a outra que chega corpo claro de luar sente o sangue estremecer e o coração galopar pois a moça de olhos claros era linda de espantar

Assim como na sequência do capítulo 1 em que Sinésio e Heliana parecem se

olhar, mas sem que a câmera os focalize na mesma cena, aqui eles também trocam

olhares e sorrisos, mas apenas em um momento muito curto (00:17:18 ao 00:17:19)

aparecem enquadrados pela mesma câmera. Na maior parte da sequência, foi

utilizada a técnica do ponto–contraponto para indicar uma continuidade do cenário e

a presença simultânea de ambas as personagens na cena, porém, sem que o

telespectador possa confirmar visualmente essa presença. A forte sensualidade de

toda a sequência, expressa pelo seio nu da moça e pelos olhares desejosos que os

dois trocam, dessa forma, é um pouco atenuada devido aos futuros amantes não se

tocarem nem sequer chegarem próximos um ao outro. Com isso, é reiterado o

sentido de que o amor de ambos era casto como o amor do cavaleiro e da dama das

novelas de cavalaria medievais.

Dessa forma, vemos que no segundo livro do Romance e no segundo capítulo

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da minissérie, os principais sentidos gerados com as aparições de Sinésio são o de

que ele se contrapõe a seu irmão Arésio e é o filho preferido de seu pai – o que

justifica e antecipa a briga dos dois pela herança em detrimento de uma divisão

pacífica dos bens que poderia ser realizada, bem como a divisão do povo da Vila

entre os partidários de um e os partidários do outro quando Sinésio reaparece em

1935 – e de que o rapaz conheceu Heliana na casa do pai dela, Edmundo

Swendson, quando passou uma temporada por lá para sair do centro da Revolta de

Princesa a mando de Pedro Sebastião Garcia-Barretto, que queria protegê-lo. A

forma como é construída a sequência do encontro com Heliana cria o efeito de

sentido de grande sensualidade da moça, que encanta o rapaz, porém transmite a

ideia de que o amor deles é um amor como o dos cavaleiros medievais por suas

damas: puro e casto, sem o envolvimento físico e sexual que se espera de uma

relação romântica típica.

3.2.3 Expectativas em torno do Rapaz e de sua cavalgada

Sinésio é citado diversas vezes no Livro III do Romance. De modo geral, as

citações feitas a ele nesse capítulo da obra demonstram as expectativas que a

sociedade taperoaense tinha a seu respeito desde quando era jovem – antes de seu

rapto em 1930 – até o seu retorno à Vila em 1935 e a chegada do Juiz Corregedor

em 1938 para a instauração do inquérito.

As primeiras menções a ele que julgamos importantes para sua construção

como personagem são feitas por Samuel e Clemente no Folheto XXXIX e trazem a

impressão de que refletem o pensamento respectivamente da direita e da esquerda,

das quais os dois são representantes. Primeiramente, Samuel diz o que pensava do

Rapaz-do-Cavalo-Branco no momento de sua chegada:

Eu não nego a você, Quaderna: há três anos, em 1935, quando o Rapaz-do-Cavalo-Branco apareceu aqui, minha esperança era que ele fosse um iluminado, um Cavaleiro desses com que o Povo sonha e que os comunistas não são capazes de lhe oferecer, por causa do plebeísmo e da mania igualitária! Os “piolhos vermelhos” da marca de Clemente, Quaderna, só pensam em desenvolvimentos industriais e outras burguesices e engenheirices. Em vez de afidalgar o Povo, querem transformá-lo noutra Burguesia, pior ainda do que a outra! E são capazes de conseguir, ouça o que estou lhe dizendo! (SUASSUNA, 2012, p. 268 – grifo do autor)

Logo em seguida, Clemente rebate o comentário do rival:

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Pois uma coisa eu lhe digo: quando, em 1935, apareceu o Rapaz-do-Cavalo-Branco, o motivo principal de eu tê-lo seguido em sua viagem foi a convicção em que eu estava de que ele iria repetir os feitos da “Coluna Prestes” no Sertão da Paraíba, em 1926. Sim, porque apesar de não sermos fidalgos, o fato é que a única figura de Cavaleiro que o Brasil deu até agora foi da Esquerda: foi o nosso grande, o nosso heróico Luís Carlos Prestes, Cavaleiro da Esperança do Povo do Brasil! (SUASSUNA, 2012, p. 269)

Os comentários dos mestres de Quaderna são feitos durante uma discussão

dos dois e visam a marcar as diferenças ideológicas e políticas existentes entre eles

e que os teriam levado a seguir Sinésio em 1935 por motivos diversos: Samuel, com

seus ideais fidalgos, esperava que o rapaz fosse uma espécie de cavaleiro salvador,

como Dom Sebastião, enquanto Clemente esperava que ele fosse um líder

comunista, como Luís Carlos Prestes. As verdadeiras razões deles, no entanto, eram

outras e similares, e não antagônicas como parecem ser em seus discursos: 1-)

dinheiro, uma vez que Quaderna lhes ofereceu uma espécie de “participação nos

lucros” do circo organizado para financiar a busca pelo tesouro escondido por Pedro

Sebastião Garcia-Barretto e, quando encontrado o tesouro, uma parte dele para

cada um; 2-) medo de que Sinésio e seu bando fossem contrários ao

posicionamento político de um ou de outro e os atacassem. Assim, Samuel e

Clemente fazem esses comentários acerca de Sinésio apenas para reforçar as

ideologias que eles, como intelectuais de Taperoá, pregam em seus discursos, mas

que no fundo não seguem.

A menção seguinte ocorre no Folheto XLVI, quando Quaderna traça um

paralelo entre suas crenças e o poema “O Reino da Pedra Fina”, de Leandro Gomes

de Barros, ao chegar à cadeia de Taperoá para prestar depoimento ao Juiz

Corregedor. Ele identifica as pessoas de seu convívio com as personagens do

poema e os locais onde suas histórias de vida se passaram com os cenários criados

pelo poeta:

[...] “as Pedras do Reino, por outras pedras cercadas” são alusões do romance aos dois rochedos gêmeos da Pedra Bonita, de onde, há um século, meus antepassados reinaram sobre o nosso País; o Reino é o Brasil, este Sertão do mundo; o Rei, sou eu; também sou eu o Cantador cuja voz se ouvia, clamando às armas; a Serra mais alta é a Borborema; a Fortaleza que salva é esta minha Obra, este meu Castelo, Fortaleza, Marco e Catedral-soterrada que eu possuo, como todos os Cantadores e Cangaceiros possuem os seus; a Princesa encantada, é Dona Heliana, a dos Olhos Verdes; assim como o Prinspe ou Príncipe legendário de quem eu conto a legenda

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é o meu primo e sobrinho Sinésio, o Alumioso, que tanto a amou; finalmente, a busca da pedra perdida da Coroa Imperial (busca na qual o Povo mouro-cruzado do Brasil empenha seu sangue) é a “Revolução da Guerra do Reino”, que, se Deus bem me ouve, o Rapaz-do-Cavalo-Branco, enquanto eu permaneço aqui aprisionado, estará lá fora levando a bom termo, para glória do nosso sangue e da nossa Raça. (SUASSUNA, 2012, p. 323 – grifos do autor)

Nesse trecho, é revelado o que Quaderna espera de Sinésio no ano de 1938:

que ele esteja levando a cabo a Guerra do Reino, a qual colocará sua família no

trono do Brasil. Entretanto, se Sinésio estará mesmo tentando realizar essa

transformação política no Brasil ou se tudo não passa de uma confabulação de

Quaderna não nos é dado saber, uma vez que, ao identificar as personagens e os

cenários mencionados no poema de Leandro Gomes de Barros com as pessoas e

os locais de sua história de vida, o efeito de sentido gerado por sua narração é

ambíguo: Quaderna, sendo astrólogo, quer fazer crer que o poema era uma espécie

de profecia da realidade que estaria por vir, porém, ele também causa a impressão

de que, assim como o Dom Quixote de Cervantes, se envolveu tanto com a literatura

que se intoxicou dela e passou a enxergar a realidade como um desdobramento

dessa arte, criando expectativas inalcançáveis e uma realidade paralela para si

próprio e para seus seguidores. Essa identificação, todavia, nos permite perceber

claramente a forma de composição utilizada por Suassuna na escritura do Romance

e que faz parte da proposta do Movimento Armorial: ele se baseou em obras

populares existentes para criar o enredo de sua própria obra ao fazer o narrador

conhecê-las e relacionar sua história com as apresentadas nelas.

A seguir, no Folheto LI, Quaderna fala sobre a data escolhida pelo prefeito e

pelo presidente do conselho de Taperoá para a cavalhada:

Marcando a Cavalhada para essa data, parecia até que aqueles dois nobres varões já pressentiam os extraordinários acontecimentos que, por volta das quatro horas da tarde, vieram a se desencadear com a chegada do Rapaz-do-Cavalo-Branco e que trariam à nossa Vila indomável destroços sangrentos e reluzentes centelhas da minha “velha história perigosa”; história que todos julgavam “morta já e sepultada”, mas que, naquele dia, iria ressuscitar para mal das pessoas mais influentes e poderosas do lugar. É a história que formará, um dia, o “centro trágico e nó heróico” da minha Epopéia, o alicerce de pedra e cal do meu Castelo real e sertanejo. Devo, portanto, passar a narrá-la, pelo menos em seus episódios principais. (SUASSUNA, 2012, p. 359)

Nesse excerto, Quaderna novamente revela o quanto a chegada de Sinésio

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poderia ser perigosa para as pessoas “influentes e poderosas” da Vila, o que reforça

nossa interpretação da passagem citada aqui anteriormente de que Samuel e

Clemente, diferentemente do que aparentam, juntam-se ao bando do rapaz por

medo de represálias, uma vez que são, respectivamente, Promotor e Advogado em

Taperoá, ou seja, fazem parte da elite por ocuparem posições de destaque social.

Ainda nesse Folheto, Quaderna conta que o desaparecimento de Sinésio e a

morte de seu pai foram relacionados a questões políticas e diz ao Juiz que o povo

acreditava que Sinésio havia sido encarcerado debaixo da terra em um subterrâneo

cavado durante a Guerra Holandesa:

Dom Pedro Sebastião, aliado aos Dantas, da Serra do Teixeira, e ao Coronel José Pereira Lima, Senhor da Vila da Princesa Isabel – centro principal da “Guerra de Princesa” –, era uma das principais colunas sertanejas da rebelião contra o Presidente João Pessoa! Começaram, então, imediatamente, a correr boatos que atribuíam a morte do velho Rei e a desaparição de seu filho, Dom Sinésio, o Alumioso, a motivos políticos. [...] Segundo os partidários de Dom Pedro Sebastião e Sinésio, o Presidente João Pessoa, primeiro, e, depois de seu assassinato, os seus seguidores mais fanáticos – como o Interventor Antenor Navarro, por exemplo – sabiam que o Prinspe Alumioso era uma vítima e refém precioso perante os Sertanejos rebelados da gloriosa “Guerra de Princesa”. Por isso, queriam conservá-lo prisioneiro, como elemento de intimidação e trunfo para a derrota dos partidários dele! Mas as pessoas que, aqui na Vila e no resto do Sertão, eram contrárias a Sinésio, isto é, os partidários do usineiro e dono de minas Antônio Noronha de Brito Moraes, esses diziam que Sinésio estava morto e bem morto, sepultado não no subterrâneo, mas sim debaixo dos clássicos e comuns sete palmos de terra que cobrem todo mundo! Como Vossa Excelência pode ver agora, em qualquer dos casos a expressão do Almanaque Charadístico se aplica perfeitamente, porque, seja no chão ou no subterrâneo, o fato é que a terra se abriu e Sinésio foi soterrado – ficou ali, soterranho, sepultado em suas entranhas! (SUASSUNA, 2012, pp. 367-369 – grifos do autor)

As questões políticas que Quaderna alega estarem por trás da morte do tio e

do desaparecimento do primo dizem respeito à participação deles na Guerra de

Princesa, em 1930, que faz com que a volta de Sinésio, em 1935, seja vista como

comprometedora para os poderosos do lugar, porque pode significar um

desdobramento dessa guerra, com uma possível vingança do rapaz e dos partidários

de Pedro Sebastião contra a morte do líder e o sequestro de seu filho, e com a

retomada da luta então interrompida.

O rapto de Sinésio, por sua vez, é visto pelos opositores de seu pai como tendo

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desencadeado sua morte, após a qual ele teria sido enterrado “debaixo dos

clássicos e comuns sete palmos de terra que cobrem todo mundo”, o que significa,

para eles, que o Rapaz-do-Cavalo-Branco que apareceu na Vila em 1935 era um

impostor tentando se passar pelo morto a fim de mobilizar as massas para um fim

maior, temido por eles: a realização da revolução comunista. Por outro lado, o

sequestro do rapaz é retratado por Quaderna como um evento sobrenatural que o

assemelha a Dom Sebastião e a um Messias, uma vez que implica que ele pode ter

morrido enquanto era mantido preso em uma construção localizada no subterrâneo

e sido enterrado como qualquer pessoa, mas depois voltou à vida e à sua cidade

natal acompanhado de seguidores para lutar pelo povo e retomar o trono do Brasil.

Isso implica atribuir a Sinésio características sobre-humanas como as de Jesus

Cristo, atribuição essa que, nos Folhetos LV, LIX, LX, LXII e LXIII, é corroborada

quando o narrador diz crer que Sinésio era o Anjo do qual falara Álvares de Azevedo

no poema “Anima Mea”, quando revela o que o povo pensava sobre ele, quando

relata o pronunciamento do Doutor Pedro Gouveia para a população sobre a volta do

Rapaz e quando descreve/narra o reencontro deste com seu irmão Silvestre.

No Folheto LV, Quaderna diz que Álvares de Azevedo escreveu “versos

proféticos” sobre Sinésio, o que, como já dito por nós antes, é um sinal de como a

literatura determina a vida do narrador, assim como faz com Alonso Quijano, o Dom

Quixote, e é uma pista sobre a forma de composição utilizada por Suassuna – partir

de elementos das culturas popular e erudita, integrando-os, para produzir sua obra.

O narrador ainda diz que achava o primo perigoso por ser capaz de mobilizar o

povo, o que o Juiz usa como uma confissão de sua parte:

E fora talvez já pensando na aparição desse sonhoso e angélico Donzel em minha Epopéia, que o genial Bardo brasileiro, Álvares de Azevedo, escrevera aqueles versos proféticos que dizem: “Criatura de Deus, se peregrina invisível na Terra, restaurando a Justiça aos que sofrem, certamente que é um Anjo de Deus!” O Corregedor cortou, com ar incrédulo e irônico: – Quer dizer que, na sua opinião, aquele Rapaz-do-Cavalo-Branco era uma espécie de Anjo de candura, inocente e inofensivo! – Não, Sr. Corregedor! Um Anjo é uma coisa muito diferente do que as pessoas pensam! [...] – Então, o senhor acha que o Rapaz-do-Cavalo-Branco era perigoso! – Bem, Sr. Corregedor, quanto a isso estamos de pleno acordo! Não tenho a menor dúvida de que o Rapaz-do-Cavalo-Branco era perigoso, e basta ver tudo o que aconteceu depois da chegada dele

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para entender isso! – Anote essa declaração, Dona Margarida, ela é fundamental para o inquérito! (SUASSUNA, 2012, pp. 400-401)

Adiante, nos Folhetos LIX e LX, Quaderna revela ao Juiz-Corregedor o que o

povo pensava de Sinésio:

“Então” – dizia o Povo, terrivelmente abalado – “esse Rapaz-do-Cavalo-Branco é aquele mesmo Sinésio Garcia-Barretto, raptado em 1930, morto em 1932 e ressuscitado agora, milagrosamente, nesta Véspera de Pentecostes de 1935!” Lembro a Vossa Excelência que estávamos, então, naqueles dias de grande agitação política que antecederam a Revolução Comunista de 1935. O Povo acreditara, sempre, que Sinésio retornaria a qualquer momento para chefiar uma vaga Revolução Sertaneja que ninguém sabia realmente o que era. Assim não admira que estes tenham sido os acontecimentos que terminaram me obrigando a comparecer como acusado neste inquérito, aberto agora por Vossa Excelência. [...] – Como eu vinha dizendo, estávamos às vésperas da Revolução Comunista de 1935. Ora, Sinésio concentrara em torno dele, durante todos aqueles anos, as esperanças de justiça da ralé sertaneja, como o senhor chamou há pouco. O Povo nunca perdera a fé na sua volta, quando ele, ressurreto, realizaria a Restauração, ou instauração de não sei que Reino, um Reino sertanejo no qual os proprietários seriam devorados por dragões e todos os Pobres, aleijados, cegos, infelizes e doentes ficariam de repente poderosos, perfeitos, venturosos, belos e imortais. Por isso, naquele Sábado, com a chegada epopéica do Rapaz-do-Cavalo-Branco, as duas idéias logo se juntavam num boato só. Sinésio viera para instaurar o Reino, e a guarda de Ciganos que o acompanhava não era senão a guarda-avançada de uma nova Coluna que o Guerreiro e Fidalgo-brasileiro, o Capitão Prestes, enviara ao Sertão para rebelá-lo e subvertê-lo, como já tinha feito em 1926, com a célebre “Coluna Prestes”! (SUASSUNA, 2012, pp.420-422)

Quaderna dá a entender que não sabe muito bem o que o povo esperava de

Sinésio: se a instauração de um reino igualitário de felicidade para todos por meio da

Revolução Sertaneja ou se uma mudança no cenário político e econômico por meio

da Revolução Comunista, chefiada por Luís Carlos Prestes. Entretanto, nós

sabemos que ele instruía seus discípulos acerca do que seria a Revolução Sertaneja

e de como ela poderia ser realizada: pelo exército que Sinésio construiria. Dessa

forma, entendemos que, como era um homem bem informado e instruído por

Samuel e Clemente, o narrador estava ciente do que se passava no Brasil real, e

misturava elementos da realidade do período em que vivia com suas próprias

crenças baseadas na história passada de sua família a fim de explicar o que estava

ocorrendo e criar para si o futuro desejado. Com isso, vemos que Quaderna articula

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os diversos discursos vigentes – o da elite e o do povo humilde taperoaense – para

construir a história do primo e sua própria diante do Corregedor, mas manipula as

pessoas com menos instrução que ele a acreditar que o que está prestes a ocorrer é

o evento supostamente profetizado por ele da revolução sertaneja que, como num

passe de mágica, beneficiará a todos eles, vítimas das injustiças sociais.

Entretanto, podemos interpretar a intenção de Quaderna de maneira diferente

quando, no Folheto LXII, ele narra ao Juiz como teria sido a conversa que Sinésio

teve com um mendigo na noite de sua chegada à Vila:

– Seja o mais preciso que lhe for possível agora, Dom Pedro Dinis Quaderna! [...] Que foi que o Rapaz-do-Cavalo-Branco disse ao mendigo? O assunto era perigoso, de modo que procurei tergiversar e falei vagamente: – [...] Uns dizem que Sinésio apenas ofereceu uma esmola, que teria sido recusada pelo mendigo. Outros dizem que ele falou no Testamento e no Tesouro, ambos deixados por Dom Pedro Sebastião, indagando alguma coisa sobre o Roteiro perdido desse Tesouro. E, finalmente, a maioria diz que Sinésio teria feito alusões misteriosas ao Reino e à sua Missão, o que não deixa de ser estranho, diante da aparente insignificância daquele mendigo. [...] Dizem que as palavras que Sinésio proferiu foram as seguintes: “Meu Velho, posso fazer alguma coisa para ajudar você? Vim por causa do Crime, da Herança e do Reino! Você sabe alguma coisa sobre o Caminho e o Roteiro? Onde é que eu posso falar com Antônio Villar?” – Como? [...] O senhor sabia, Dom Pedro Dinis Quaderna, que Luís Carlos Prestes, o Chefe dos comunistas brasileiros, mais ou menos por esse tempo estava entrando no Brasil secretamente, vestido de Padre, e adotando exatamente esse falso nome de Antônio Villar? – Naquele momento, eu ainda não sabia disso não, Sr. Corregedor, mas soube logo mais, à noite, por intermédio do Comendador Basílio Monteiro! Mas, no caso de Sinésio, permanece uma dúvida. A maior parte das pessoas, aqui, acredita que não foi a Luís Carlos Prestes que ele se referiu, porque existe também, aqui na Vila, um Fazendeiro com esse nome, pertencente à mesma família do Contra-Almirante Frederico Villar. (SUASSUNA, 2012, pp. 433-434)

Quando Quaderna revela que procurou “tergiversar” ao responder ao

Corregedor, sua atitude nos faz pensar que possivelmente Sinésio e ele estivessem

envolvidos com a intentona comunista, e que toda a história contada por ele sobre a

restauração de sua família ao trono do Brasil seja apenas uma estratégia para

convencer o Juiz de que, com seu sonho delirante de tornar-se rei, ele estava alheio

às reais lutas políticas que ocorriam no Brasil. Podemos ainda pensar que Quaderna

instruía o povo humilde de Taperoá a pensar na vinda de um cavaleiro messiânico a

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fim de conseguir mobilizá-lo para a revolução comunista, que seria a verdadeira

revolução que ele e os seus visavam a realizar. As menções que vêm a seguir

contribuem para que essa nossa interpretação seja possível devido ao fato de as

cenas narradas parecerem ter sido ensaiadas pelo bando de Sinésio em vez de

ocorridas naturalmente.

Uma delas é feita pelo advogado de Sinésio, Doutor Pedro Gouveia, ainda

nesse Folheto, com a intenção de sensibilizar o povo para a causa de seu cliente:

O Povo, que tinha acorrido todo para a Rua da Usina, esperava, silencioso, a volta do Doutor Pedro e de Frei Simão, como que aguardando uma explicação ou uma palavra de ordem que desse sentido a todos aqueles acontecimentos. O Doutor Pedro Gouveia, que parecia homem dotado para essas situações, não se negou a isso. E, do alto de seu cavalo, falou com certa imponência: – “Povo de Taperoá! Aquele rapaz, desaparecido daqui em 1930, maltratado por cruéis inimigos, que mataram seu Pai e o raptaram no mesmo dia; aquele rapaz, tão querido por todos os Pobres do nosso Sertão, voltou hoje aqui para reivindicar seus direitos sagrados! Há interesses poderosos, aliados contra ele e contra seus direitos! Como vocês viram, mal ele vai chegando à terra que para ele se tornou sagrada por causa do sangue de seu Pai, tentam matá-lo, para impedir o Moço-do-Cavalo-Branco de fazer a felicidade da Pobreza! Sozinho contra todos, raptado, perseguido, encarcerado, maltratado, órfão, agora ameaçado de morte, com quem poderia ele contar, senão com o Povo, esse Povo bom, sofredor e pobre, do Sertão? Foi sempre ao lado desse Povo que ele esteve, foi sempre a seu lado que ele apareceu, e é isso que os seus inimigos não perdoam! Por isso, eu e Frei Simão, protetores e amigos do Rapaz-do-Cavalo-Branco, pedimos a ajuda do Povo Sertanejo para Sinésio Garcia-Barretto!” (SUASSUNA, 2012, pp. 438-439 – grifos do autor)

Nesse trecho, temos a clara percepção de que o Doutor Pedro Gouveia quer,

pelo discurso, mobilizar as pessoas que o ouvem para que fiquem do lado de

Sinésio contra os poderosos. Para isso, ele lança mão de algumas estratégias: cria

uma identificação de seu cliente com o povo e com o sagrado, “aquele rapaz, tão

querido por todos os Pobres do nosso Sertão, voltou hoje aqui para reivindicar seus

direitos sagrados!”, “Foi sempre ao lado desse Povo que ele esteve, foi sempre a

seu lado que ele apareceu”; constrói sua imagem como a de vítima indefesa e

injustiçada, quase um mártir, utilizando-se de um processo de gradação dos

adjetivos empregados, “Sozinho contra todos, raptado, perseguido, encarcerado,

maltratado, órfão, agora ameaçado de morte”; e elogia o povo como forma de

seduzi-lo e trazê-lo para a luta: “com quem poderia ele contar, senão com o Povo,

esse Povo bom, sofredor e pobre, do Sertão?”. Assim, vê-se como era importante

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a participação popular na revolução que Sinésio realizaria, fosse ela uma revolução

sertaneja ou comunista, e compreende-se por que o Doutor Pedro Gouveia, por ser

advogado e dominar com excelência a arte da retórica, tenha sido o designado para

fazer o primeiro discurso sobre o Rapaz.

A seguir, no Folheto LXIII, Quaderna narra o encontro de Sinésio com o irmão

Silvestre no dia de sua chegada à Vila, e reproduz as falas e gestos de Frei Simão e

de Silvestre que caracterizam Sinésio como um ser divino enviado ao sertão, o que

condiz com sua opinião. No entanto, a narração desse encontro inclui diferentes

versões, apresentadas pelo Juiz Corregedor, e que acabam instaurando o

plurilinguismo na cena e tornando-a ambígua:

– “Sinésio?” – indagou ele, esgazeado. – “O senhor disse Sinésio? Pelo amor de Jesus Cristo e de Nossa Senhora! Você é Sinésio? É Sinésio, mesmo? Eu sou Silvestre! Sou Silvestre, seu irmão!” – Ao ouvir essas palavras, Sr. Corregedor, dizem que Sinésio, profundamente emocionado, deu um passo para o irmão, o que foi suficiente para que os dois ficassem face a face. [...] Dizem que, colocando as duas mãos nos ombros de Silvestre, Sinésio disse algumas palavras em voz baixa e com os lábios trêmulos... O Corregedor interrompeu: – Já ouvi outra versão, segundo a qual esse Rapaz-do-Cavalo-Branco não disse nada nesse momento! Dizem que ele teria ficado imóvel, emocionado, com as mãos nos ombros do outro e olhando seus olhos, isso durante uma boa porção de tempo, até que o tal do Frei Simão interrompeu a cena! – É, tem umas pessoas por aí que contam assim! – expliquei. – Mas outras, fidedignas, me contaram que, pelo contrário, Sinésio falou, dizendo: “Então, Silvestre, ainda me conhece? Sou Sinésio! Sou eu, meu irmão!” E os dois se abraçaram, chorando. É verdade que, logo no dia seguinte, surgiram várias versões do acontecido, dizendo logo os partidários de Arésio que as palavras não tinham sido exatamente essas! – Há quem diga, mesmo, que em vez de Silvestre, o Rapaz-do-Cavalo-Branco teria chamado seu pretenso irmão de Silvério! – É, mas muita gente, também, diz que ele acertou e chamou o irmão foi de Silvestre, mesmo! E mesmo que não tivesse acertado, Sr. Corregedor, os sofrimentos podem tê-lo perturbado um pouco, causando o erro! O senhor pensa que ver o Pai assassinado, ser raptado no mesmo dia, ser preso sem culpa nenhuma, ser soterrado, morrer de fome, solidão e desespero, e, ainda por cima, ressuscitar numa estrada sertaneja é alguma brincadeira? De qualquer modo, sei que Silvestre, abraçado ao pescoço do irmão, dizia: “Meu Deus, será verdade mesmo? Será que Sinésio está vivo? Sim, é ele, meu coração me diz que é!” (SUASSUNA, 2012, pp. 439-440)

Nesse trecho, a justificativa que Quaderna dá para o possível erro cometido por

Sinésio ao confundir o nome do irmão, bem como a presença de discursos

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contraditórios na narração nos causam estranhamento e nos fazem pensar na

possibilidade de tudo ser realmente uma farsa armada para sensibilizar o povo e

conquistá-lo para a luta: Sinésio não teria morrido e ressuscitado, e sim morrido e

sido substituído por outro rapaz, que, no momento do “reencontro” com o suposto

irmão, confundiu o nome ensinado para ele por Frei Simão e pelo Doutor Pedro

Gouveia na preparação da revolução. É nisso que acredita a elite taperoaense, ao

contrário do povo mais humilde da cidade, que, como se verá em seguida, acredita

no mesmo que Quaderna por ter sido instruído por ele.

Mais adiante no Folheto LXIII, Frei Simão é apresentado a Silvestre e faz de

sua presença uma interpretação mística: a de que ele seria o Mestre Quiou, da Serra

do Rodeador, ressuscitado:

[...] Dizem que Sinésio, tomando o irmão pelo braço, apresentou-o ao Frade, dizendo: “Frei Simão, este aqui é meu irmão, o segundo, aquele que era pegado comigo e que eu lhe disse que ficaria do nosso lado, de qualquer jeito! É Silvestre!” Dando mostras de um espanto visível para todos, Frei Simão arregalou os olhos e gritou: “O quê? Como foi que você disse? Você disse, aí, Silvestre, foi, Sinésio? Rapaz, você se chama Silvestre? Pergunto porque, se você se chama, mesmo, Silvestre, o Doutor Pedro precisa saber disso imediatamente!” [...] “Doutor Pedro, chegue aqui pelo amor de Deus! Veja se o nosso Sinésio não é, de fato, uma criatura de Deus! Veja se tudo isso não é coisa divina, coisa do Divino Espírito Santo! Olhe, veja quem está aqui, ressuscitado: Silvestre, o Guia, aquele mesmo Rei e profeta da Serra do Rodeador! É o nosso Silvestre Quiou, O Enviado!” (SUASSUNA, p. 441 – grifos do autor)

Por fim, é a vez de Silvestre falar de Sinésio e tratá-lo de uma maneira que o

exalta a ponto de elevá-lo ao nível de Jesus Cristo. Pelo discurso apaixonado e pela

postura que apresenta diante do irmão, Silvestre causa comoção em todo o povo

presente na cena de seu reencontro, que toma sua fala como uma verdadeira

oração e repete-a como uma ladainha:

“Mas meu Deus, será verdade mesmo? É verdade, tudo me diz que é verdade! Sinésio ressuscitou, e ressuscitou, com ele, o sangue de meu Pai! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo! Sinésio ressuscitou, ressuscitou o Prinspe da Bandeira do Divino do Sertão! Louvado seja Nosso Senhor Jesus Cristo!” “Para sempre seja louvado!” – começavam, já, a repetir, em coro, os Sertanejos, sempre meio dispostos a uma boa ladainha. Então, Sr. Corregedor, sucedeu um outro fato mais ou menos inesperado. De repente, Silvestre, certamente impressionado com tudo o que acontecera, ajoelhou-se na poeira do chão e beijou a mão do ressuscitado, o que terminou por desgarrar, de vez, tudo quanto era fanatismo sertanejo represado. (SUASSUNA, 2012, p. 442)

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Nesse trecho, quando Silvestre se ajoelha diante do irmão e beija sua mão,

segundo Quaderna, desperta na multidão “tudo quanto era fanatismo sertanejo

represado”, o que significa que Sinésio, Frei Simão, o Doutor Pedro Gouveia,

Silvestre (este talvez sem intenção) e Quaderna tiveram êxito em convencer o povo

de que deviam ficar do seu lado e segui-los.

No terceiro capítulo da minissérie, há três menções e aparições importantes de

Sinésio, algumas das quais recriam os sentidos produzidos no Livro III do Romance.

A primeira menção que analisaremos ocorre na sequência que vai de 00:33:22

a 00:37:17. De 00:33:22 até 00:35:24, vemos Silvestre vagando pelo sertão após a

morte de seu pai e o desaparecimento de Sinésio. Ele aparece em primeiro plano

falando de si próprio como filho bastardo e menciona o sumiço do irmão com forte

pesar. A cena é cortada pelas imagens de Sinésio em primeiríssimo plano olhando

algo por sobre os ombros (figura 64, vide p. 177) e deitado em um local escuro,

aparentemente desmaiado (figura 67, vide p. 179) e, quando retorna para Silvestre,

ele está desesperado, chamando pelo irmão. Essa sequência produz o significado

de que ele soube da prisão e da morte de Sinésio e, por isso, desesperou-se. Logo

em seguida, a cena é cortada novamente para o rapaz deitado e desacordado, mas

dessa vez Arésio está ao seu lado tocando em seu rosto e fazendo sinal afirmativo

com a cabeça, o que indica que ele está fazendo o reconhecimento do corpo do

irmão, fato que é confirmado pelo narrador Quaderna na cena seguinte a essa.

De 00:35:25 a 00:37:17, Quaderna diz ao Juiz Corregedor que após o

desaparecimento de Sinésio e a morte de seu pai, Antônio Moraes foi nomeado

inventariante dos bens dos Garcia-Barretto devido à ausência de testamento. No

entanto, antes de completar essa afirmação, é interrompido pelo Juiz ao dizer que

Sinésio teria sido raptado a mando do governo do estado (da Paraíba?), o que

significa que o magistrado não estaria disposto a aceitar acusações contra o sistema

ao qual pertencia e do qual era representante. Quaderna diz, ainda, que a ausência

de testamento dividiu a população entre os que defendiam que o herdeiro da fortuna

de Pedro Sebastião deveria ser Arério e os que defendiam que era Sinésio quem

deveria herdar os bens do pai.

Os partidários de Sinésio eram as pessoas humildes da cidade. Quaderna diz

quem são eles dos 00:36:50 aos 00:37:17 (figura 62, vide p. 159): “os almocreves,

os cambiteiros, os ciganos, as lavadeiras, os vaqueiros, os cabras-do-eito, as

mulheres-damas, os fazedores-de-chapéu-de-palha, os cavalarianos, os cabras-do-

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rifle, as fateiras, os cantadores, os cangaceiros...”.

Os partidários de Arésio, por sua vez, eram as autoridades, os fazendeiros e os

ricos. Dos 00:36:15 aos 00:36:49, aparecem em cena essas pessoas (figura 61, vide

p. 159), que têm prestígio e lugar reservado num palanque durante a realização da

Cavalhada, evento público que Quaderna ajuda a organizar todos os anos. Nessa

sequência, é reiterado parcialmente o sentido já presente no Livro III do Romance de

que Samuel e Clemente no fundo não seguem as ideologias políticas que pregam,

mas aliam-se aos ricos e poderosos para obter vantagens pessoais. Aqui, o sentido

é parcialmente recriado porque Clemente mostra-se incoerente com seu

posicionamento político ao subir no palanque e assistir ao evento em meio a essas

pessoas ricas e poderosas, sendo criticado pelo esquerdista Eusébio Monteiro por

acomodar-se ao lado do Comendador Basílio Monteiro em vez de ficar ao lado do

povo.

A segunda aparição de Sinésio que analisaremos vai dos 00:42:30 aos

00:43:25. Nos três primeiros segundos da sequência, Sinésio está ao lado do Doutor

Pedro Gouveia e aparece olhando para ele de soslaio, em primeiro plano e em

ângulo contra-plongée, com uma expressão de cumplicidade, como se estivesse

esperando que o outro fizesse algo previamente combinado entre eles. A seguir, o

Doutor toma a frente e bate à porta do Doutor Manuel Viana Pais, juiz de direito de

Taperoá, para falar sobre seu cliente e diz que Sinésio foi raptado no dia da morte de

seu pai, mas que está de volta, “amparado pela caravana do povo”, para reivindicar

seu direito ao nome de sua família e à sua herança. Enquanto discorre sobre

Sinésio, este mantém o olhar sempre fixo diante de si, sendo, por duas vezes,

filmado por ângulos diferentes em que música e névoa o acompanham, mas se

mantendo tranquilo e com a mesma expressão no rosto. O Doutor Pedro, por sua

vez, mantém tom de voz altivo e o olhar com expressão de alegria e entusiasmo,

enquanto o Doutor Manuel mantém um ar de incredulidade com relação ao que está

ouvindo.

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Figura 71: Expressões faciais de Sinésio, Doutor Pedro e Doutor Manuel aos 00:42:55 e aos

00:43:14 do terceiro capítulo.

As expressões faciais das personagens em toda a sequência dão indícios da

maneira como cada uma se comporta em relação ao acontecimento que estão

vivenciando e que representará o modo como os partidários de cada um o

interpretará nas sequências seguintes: o Doutor Manuel – representante da elite

taperoaense – mostra desconfiança em relação às alegações do advogado do rapaz,

assim como farão os outros membros dessa elite; o Doutor Pedro mostra

empolgação e veemência para fazer crer que seu discurso é verdadeiro; e Sinésio

mostra-se superior a tudo que o rodeia por manter-se impassível e calado durante

toda a sequência. A música que acompanha sua aparição na tela, a qual não

conseguimos identificar na trilha sonora da minissérie, assemelha-se a um canto

religioso e ajuda a corroborar com o sentido dado ao retorno de Sinésio pelo Doutor

Pedro: o da busca por um direito sagrado. O povo humilde se manifestará em

relação ao rapaz exatamente como o Doutor Pedro e ele próprio: crerá com

veemência e empolgação que o rapaz é um ser superior e sagrado a quem deve

apoiar.

A terceira aparição de Sinésio que estudaremos aqui vai de 00:46:14 até o fim

do capítulo, aos 00:52:08.

Sua primeira parte vai de 00:46:14 a 00:48:15, e nela a multidão aparece

aglomerada e exaltada escutando Nazário, um velho tido como profeta, após a

chegada do bando de Sinésio à Vila. É noite e o homem diz, em tom de voz

exaltado, que teve uma visão profética na qual encontrava-se na furna de uma onça

e este animal conversava com ele, ordenando-o que conclamasse o povo para

encontrar a furna real, ao que ela retribuiria fazendo a felicidade de todos tornando-

os ricos, bonitos, poderosos e imortais. Após terminar sua fala, Nazário esmorece e

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senta-se, aparentando cansaço extremo e sendo amparado por uma jovem que o

acompanha, a qual, conforme mencionado no roteiro da minissérie, é sua filha Dina-

me-dói.

Nessa passagem, destacam-se as posturas assumidas pelo Doutor Pedro

Gouveia e por Sinésio ante as palavras do velho profeta. Aquele faz a multidão calar-

se para ouvir o que o homem tem a dizer e presta bastante atenção em seu

discurso. Podemos perceber que ele se interessa pelo que é dito mesmo antes de

Nazário falar e, com isso, concluir que, possivelmente, ele já soubesse de antemão

o que o homem diria porque os dois haviam conversado a sós e o conteúdo lhe

havia parecido interessante de ser divulgado ao povo com a finalidade de obter seu

auxílio à causa de Sinésio, ou, ainda, porque o discurso havia sido premeditado

entre eles para ludibriar o povo, impressionando-o e mobilizando-o para o fim

desejado.

A postura de Sinésio também causa certa estranheza, uma vez que ele presta

atenção nas palavras de Nazário, mas se mostra assustado quando o velho diz que

a onça transformará todo o povo em seres imortais. Essa apreensão que ele

aparenta não é coerente com o que alguém que há pouco ressuscitou e a quem é

atribuída a capacidade de transformar a realidade sentiria. Pelo contrário, ela parece

ser fruto da ausência dessa crença, o que poderia indicar, assim como no Romance,

a possibilidade de o rapaz ser mesmo um impostor.

Figura 72: Aos 00:47:22 do terceiro capítulo, Sinésio assusta-se ao ouvir a palavra “imortal”.

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Sua segunda parte vai de 00:48:16 a 00:52:08. Nela, primeiramente, Sinésio

afasta-se de Nazário e, ao deparar-se com um mendigo sentado no chão, agacha-se

a sua frente. Ele demonstra querer conversar com o homem, mas, quando este o

encara, aparenta sentir medo e levanta-se, virando-lhe as costas. O homem então

aponta uma arma em sua direção e dispara, mas erra o tiro e sai correndo. No

entanto, ele próprio é alvejado poucos metros adiante e morre, enquanto Sinésio fica

a um canto, recuperando-se do susto.

Em seguida, o Doutor Pedro clama à multidão de maneira parecida como faz a

personagem do Romance nas página 438 e 439: identifica Sinésio com o povo e

com o sagrado ao chamá-lo de “nosso prinspo” e dizer que ele voltou para “reclamar

seus direitos sagrados”, e seduz o povo para a luta ao dizer que “ele sabe que pode

contar com o povo sofrido do nosso sertão” e que “vai começar uma guerra grande e

dolorosa, mas vai ser uma guerra de libertação”.

Por fim, Silvestre, que está em meio à multidão, aparece junto do Doutor Pedro

gritando pelo irmão. O Doutor, então, aponta para o rapaz e os dois se aproximam,

emocionados. Silvestre chora dizendo que acredita realmente que seu irmão não

morreu e que é ele quem está na sua frente. Sinésio afirma ser o irmão de Silvestre

e chora convulsivamente ao abraçá-lo, enquanto as pessoas presentes ajoelham-se

diante da cena. Seu choro é filmado em primeiríssimo plano, o que aumenta a

intensidade do acontecimento, e vemos Sinésio tremer bastante, o que faz parecer

que seu choro é forçado.

Figura 73: Sinésio chora ao reencontrar Silvestre aos 00:52:02 do terceiro capítulo.

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Essa interpretação da sequência torna-a análoga à do Romance, em que há

ambiguidade devido a haver duas versões do fato: a de que Sinésio teria falado com

o irmão assim que se aproximou dele e acertado seu nome, e a de que não teria

falado nada com ele a princípio, errando seu nome (chamando-o de Silvério)

quando, depois de alguns momentos de silêncio, começou uma conversa. Isso

significa que tanto Ariano Suassuna quanto Luiz Fernando Carvalho criam Sinésio e

os homens de seu bando, principalmente o Doutor Pedro Gouveia, com

ambiguidade: ao mesmo tempo fazendo com que o leitor/telespectador creia na

possibilidade de que eles tenham ido à Taperoá por uma causa sobrenatural, ou

acredite que eles sejam impostores que apenas têm a intenção fazer o povo crer

que a causa é sagrada a fim de manipulá-lo a dar apoio incondicional a ela.

3.2.4 Profecias de Quaderna e crenças em Sinésio

No quarto Livro do Romance, bem como no quarto capítulo de minissérie, o

número de menções e aparições de Sinésio é bastante grande. Escolhemos estudar

aquelas que se referem às profecias que Quaderna faz e à esperança de salvação

que o povo simples do sertão tem em Sinésio.

No Folheto LXIV, o Juiz Corregedor revela a Quaderna acusações que foram

feitas contra ele:

A carta que recebi é extensa e faz cerca de sessenta acusações contra o senhor. Entre estas, duas muito importantes! A primeira, diz que o senhor descende daqueles fanáticos execráveis que, na Pedra do Reino, de 1835 a 1838, subverteram o Sertão com uma “seita” sanguinária, degolando mulheres, crianças e cachorros. Diz a carta que o senhor mesmo se encarregou de lembrar isso à ralé sertaneja daqui, conseguindo, assim, por mais estranho que pareça, assumir uma certa ascendência sobre ela. Dizem que o senhor fez isso, a princípio, apenas para explorar o Povo, inclusive em dinheiro; mas que, depois, com a chegada de Sinésio, foi por causa disso que pôde aliciar tanta gente para a expedição do tal Rapaz-do-Cavalo-Branco. Segundo a carta, o fato de pertencer àquela família sanguinária e subversiva é o motivo da sua ascendência sobre os Cangaceiros, Cantadores, Vaqueiros e mais toda essa ralé sertaneja de fateiras, prostitutas, tangerinos e contrabandistas de cachaça. [...] – Por que não me contou nada sobre as ligações que estabeleceu, no espírito dos Sertanejos ignorantes, entre a seita da Pedra do Reino e a expedição sediciosa de seu primo e sobrinho, Sinésio, O Alumioso? (SUASSUNA, 2012, pp. 457-458)

Nessa passagem, o Juiz acusa Quaderna de ter se utilizado da história do

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bisavô para explorar as pessoas simples de Taperoá até a chegada de Sinésio e,

quando da chegada dele, para persuadi-las a apoiar sua causa e, por meio do

processo de adjetivação que o magistrado utiliza, é possível ver seu posicionamento

negativo com relação à comunidade, o qual corresponde ao posicionamento das

pessoas de sua classe social: “fanáticos execráveis”, “seita sanguinária”, “família

sanguinária e subversiva”.

Com isso, podemos perceber que a forma como a população humilde vê

Sinésio – como um ser puro, sagrado, redentor, que estaria prestes a desencadear

uma grande transformação social ao dar aos pobres riqueza, beleza, felicidade e até

mesmo a imortalidade – é contrária à forma como o Juiz e a elite taperoaense o vê,

e lhe foi incutida por Quaderna. Logo, o narrador foi o mentor da crença messiânica

desenvolvida em torno de seu primo, a qual propagava em sua coluna astrológica no

Almanaque do Cariri, e que perpassava inclusive sua crença religiosa, como vemos

no Folheto LXXII, em que ele realiza seu ritual litúrgico sobre um tabuleiro e reza, no

dia da chegada de Sinésio e de seu bando à Vila:

“Ó Adonai! Ó Onça Tapuia, Negra e Malhada do Divino do Sertão! [...] O Príncipe é o verdadeiro dono do Brasil! Das ondas do Mar, Dom Sinésio Sebastião sairá com todo o seu Exército. Tira a todos, no fio da Espada, desse papel da República, e o sangue há de ir até a junta grossa. Quem for Republicano, mude-se para os Estados Unidos! O Tempo está chegando, o Século vem vindo! É preciso que Deus e o Povo não deixem em silêncio a causa verdadeira e a origem de todos os obstáculos que o Presidente da República e seus cupinchas levantam, para impedir que a Família imperial dos Quadernas chegue de novo ao Trono do Brasil: é o medo, é o horror de que todos ficaram possuídos, ao saber que, na Pedra do Reino, há um século, Dom João II, O Execrável, mandou sacrificar sete mil Cachorros que, se o Reino tivesse continuado, teriam ressuscitado como indômitos Dragões, para devorar os poderosos e confirmar o Império, acabando a escravidão do Povo, a traição ao Brasil, e instaurando, de uma vez para sempre, a justiça e a monarquia do Povo, através da Coroa de couro e prata da Onça Malhada do Sertão!” [...] “Quando Quaderna estender sua mão, quando o Rei brandir o seu Cetro e o Profeta seu Báculo, o Príncipe do Povo, o Moço-do-Cavalo-Branco será suscitado e o Mar fará soçobrar os traidores, refluindo depois, ao amanhecer, para o lugar que ocupava. Naqueles dias, o Rei escreverá um Canto para o ensinar ao Povo do Brasil, aos filhos do Sertão do Mundo. E depois de suscitado o Príncipe pelo Canto, o Senhor do Fogo ordenará a Sinésio, filho de Dom Pedro Sebastião, dizendo: ‘Anima-te, sê forte e tem coragem, porque tu farás entrar os filhos do Sertão no Reino que lhes prometi; e Eu estarei com o Povo.’[...]” (SUASSUNA, 2012, pp. 553-557)

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Quaderna está sozinho e reza para que as divindades de seu catolicismo

sertanejo possibilitem que seu primo acabe com a república e instaure a monarquia

no Brasil. Ele até cria uma oração em que essa divindade fala diretamente com

Sinésio, encorajando-o a ir em frente para fazer entrar os “filhos do Sertão” no reino

prometido. Essa passagem explicita a crença do narrador em seu primo bem como a

maneira pela qual ela era transmitida às demais pessoas de Taperoá: pelo discurso

(pseudo)religioso de Quaderna.

No Folheto LXXV, Lino Pedra-Verde reitera essa crença ao encontrar-se com

Quaderna, que ficou cego logo após a realização de seu ritual litúrgico no tabuleiro,

na tarde da chegada de Sinésio e seu bando, e contar para ele as últimas notícias,

atribuindo a volta do rapaz às profecias do narrador no Almanaque:

– “[...] Sei é que, de repente, meus olhos começaram a esquentar, senti aquela dor desadorada, eles chocaram, estalaram, e eu ceguei!” – “Meu Jesus, minha Nossa Senhora! Então você ouviu essas coisas passando na estrada, foi? Era ele, não era?” – indagou Lino, em delírio, sem ligar muito para o que me acontecera e pensando, só, no Rapaz-do-Cavalo-Branco. – “Ele, quem?” – perguntei espantado, porque, com os olhos daquele jeito, a lembrança de Sinésio não me ocorrera, absolutamente, depois do aparecimento dos Gaviões. – “Era o nosso Prinspe, Dom Sinésio, O Alumioso, que voltou, Dinis!” – gritou Lino, como se tivesse sido atingido pelo raio. – “O que, Lino? Que é que você está dizendo?” – perguntei, incrédulo, e atribuindo sua exaltação a uma doideira causada pelo Vinho da Pedra do Reino. – “Bem que você nos dizia, meu Rei Dom Pedro Dinis Quaderna!” – continuou Lino, exaltando-se cada vez mais. – “Bem que você profetizou, para a era entre 35 e 38, o aparecimento do Rapaz-do-Cavalo-Branco, no Almanaque do Cariri! Venha, venha comigo! Vamos pra Taperoá, porque o Prinspe-do-Cavalo-Branco ressuscitou e vai começar a tribuzana, o boi-de-fogo da Guerra do Reino do Sertão!” [...] – “[...] Me disseram que tinha passado uma Cavalhada, toda luzida, com um Frade e uma bandeira na frente, e com um Rapaz no meio, montado num cavalo branco! Aí, Dinis, fui eu que fiquei feito doido! E não era para menos, porque isso era o que você e o Profeta Nazário tinham profetizado todo ano, desde 1930, no Almanaque do Cariri, desde que roubaram e mataram o filho mais moço do nosso Rei Degolado, Dom Pedro Sebastião! É o nosso Prinspe Alumioso do Cavalo Branco, que voltou ressuscitado, para fazer a desgraça dos ricos e a felicidade dos pobres aqui do Sertão! (SUASSUNA, 2012, pp. 584-587 – grifos do autor)

Essa declaração de Lino torna clara a responsabilidade do narrador quanto à

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construção e disseminação, por todo o sertão, da crença messiânica que tem

Sinésio como figura central. O cantador, que crê veementemente nas profecias de

Quaderna apesar de não vê-lo como santo, finaliza sua fala deixando transparecer

qual papel seu mestre devia desempenhar agora que os acontecimentos

profetizados por ele começavam a se desenrolar:

– “Sabe duma coisa, Dinis? É bem possível que não tenha sido estoporamento! Vá ver que foi a Visão da Pantasmagoria do Prinspe que cegou você! Você, Dinis, apesar de Rei e Profeta, é homem safado e pecador! Talvez esteja com algum pecado cabeludo nessa sua consciência preta, e foi por isso que não teve o direito de avistar o nosso Prinspe Alumioso da Bandeira do Divino! Você mesmo escreveu na sua Profecia deste ano que o nosso rapaz santo teria que voltar como Criatura pura e limpa de toda mancha! Ora, é claro, claríssimo, que uma Criatura assim não pode ser avistada por um sacana como você! Mas, por outro lado, pecador ou não pecador, de consciência limpa ou podre, está escrito que o Reino só vai para o Prinspe pela mão daquele que é o Rei e o Profeta da Pedra do Reino! É por isso que, se você não foi capaz de ver o Prinspe, pode, pelo menos, ver o Cosmorama dele! E basta! Tendo visto isso, sua obrigação, Dinis, é reunir o Povo lá em Taperoá, contando para todos como vai começar a Guerra do Reino do Sertão do Brasil! Vamos embora, Dom Pedro Dinis Quaderna! Vamos que o Sol está se chegando para o poente, e eu quero chegar na Vila com ele ainda de fora, com luz que dê para eu ver a cara alumiada do nosso Prinspe!” (SUASSUNA, 2012, pp. 589-590)

Nesse trecho, vemos que Lino crê em Quaderna, considerando-o, de fato,

como rei e profeta, e, portanto, acreditando no que ele havia escrito a respeito da

volta de Sinésio e da guerra que ele iria empreender a fim de transformar a realidade

social do sertão. Ele representa o povo e, devido a seu ofício de cantador, ajuda a

propagar essas ideias para mais pessoas.

Analisaremos três menções e aparições de Sinésio no quarto capítulo da

minissérie: de 00:06:53 a 00:07:38, de 00:30:38 a 00:32:49 e de 00:39:55 a

00:42:25.

Dos 00:06:53 aos 00:07:38, Quaderna encontra-se na cadeia prestando

depoimento ao Juiz-Corregedor. Este acaba de descobrir que o narrador é

descendente de João Ferreira, da Pedra Bonita, e o acusa de unir os sertanejos

contra as autoridades quando do reaparecimento de Sinésio na Vila com o intuito de

restaurar o império de sua família, o qual, naquele momento, teria o próprio

Quaderna como imperador. O narrador então confessa que queria mesmo ser

imperador do sertão e do Brasil para poder se tornar o Gênio da Raça Brasileira,

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mas que também tinha a intenção de juntar o movimento da Pedra do Reino com a

Guerra de Princesa e com a “demanda novelosa de Sinésio”, segundo ele, porque

“isso é uma saga literária da mulesta”. O Juiz, então, visivelmente alterado, pede

para que a escrevente Dona Margarida anote a confissão de Quaderna e esse é o

primeiro momento em que sabemos sem ser por fazer conjecturas, mas sim por

ouvi-lo dizer, que ele deliberadamente engendrou a história de Sinésio na da Guerra

de Princesa e na da Pedra Bonita com o objetivo de conquistar apoio para subir ao

trono do Brasil.

Dos 00:30:38 aos 00:32:49, vemos Quaderna realizando o ritual litúrgico de seu

catolicismo sertanejo no alto de um lajedo. Ele se encontra caracterizado como rei e

como autoridade religiosa, ambas posições que ocupa nessa religião inventada por

ele: usa uma coroa e um manto, e segura um cetro na mão esquerda e um báculo

na mão direita.

Figura 74: Quaderna em ritual do catolicismo sertanejo aos 00:31:06 do quarto capítulo.

Ele profere palavras semelhantes às que a personagem do Romance diz entre

as páginas 553 e 557, e o que mais se destaca nessa sequência é que ele se

encontra em estado de consciência alterado devido ao seu vinho da Pedra do Reino,

que tem propriedades alucinógenas e que, diz-se, foi utilizado por seu bisavô na

Pedra Bonita a fim de tornar as pessoas mais propensas a acreditar no que ele dizia

e sacrificar-se em prol da volta de Dom Sebastião.

Na passagem do Romance, também podemos inferir que Quaderna esteja sob

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efeito de seu vinho porque ele afirma tê-lo bebido durante a execução de seu ritual.

Aqui, porém, podemos ver em seus olhos e em seu comportamento exaltado o efeito

do alucinógeno: seus olhos ficam esbugalhados e seu olhar fixo, sua voz torna-se

mais alta e sua fala com ritmo mais acelerado, e seus movimentos corporais tornam-

se mais intensos.

Figura 75: Quaderna sob efeito do vinho da Pedra do Reino aos 00:32:11 do quarto capítulo.

Dos 00:39:55 aos 00:42:25, Lino encontra Quaderna de joelhos na beira da

estrada do lajedo e estranha o fato até saber por que o narrador está ali. Ao tomar

conhecimento da forma como se deu a cegueira de seu mestre, Lino se exalta e

levanta as mãos ao céu dirigindo-se a Jesus Cristo e à Nossa Senhora, pois, como a

cegueira ocorreu exatamente no momento em que Quaderna escutava esturros de

onça, batidas de casco de cavalos, chiados de roda de carreta e piados de gaviões –

todos presentes na cavalgada de Sinésio segundo Lino provavelmente ouvira falar –,

ele crê que a profecia feita pelo narrador de que naquele ano o rapaz voltaria para

dar início à Guerra do Reino está acontecendo.

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Figura 76: Lino Pedra-Verde agradece pela volta de Sinésio aos 00:41:09 do quarto capítulo.

Lino tem a mesma reação que a da personagem do Romance, porém seu

discurso para Quaderna é mais curto. Ele não descreve a cavalgada e não menciona

em que veículo de comunicação o mestre havia profetizado, junto com Nazário, a

volta de Sinésio (o Almanaque do Cariri) desde 1930. Além disso, ele não diz que o

reino só será de Sinésio pela intervenção do “Rei e Profeta”, que é como considera

Quaderna, nem o exorta a ir à Vila para falar com o povo e orientá-lo sobre a guerra.

Ele apenas diz que quer chegar à Taperoá ainda com a luz do sol para ver melhor o

rosto do “Prinspo” e que Quaderna acertou ao profetizar a volta dele.

Essas omissões feitas na minissérie em relação ao Romance tornam a cena

mais curta e ágil, e fazem com que Lino pareça menos fanático pela ideia da guerra

e mais curioso em verificar se o rapaz é Sinésio mesmo e o que vai ocorrer em caso

afirmativo. Seu fanatismo, contudo, será mostrado adiante, no quinto e último

capítulo da minissérie.

3.2.5 Milagres do Prinspo e mobilização do povo

No quinto Livro do Romance bem como no quinto capítulo da minissérie, as

menções e aparições de Sinésio são também bastante numerosas. As que

consideramos como mais importantes para analisar, todavia, são apenas aquelas

que dizem respeito ao comportamento da população no dia da chegada do rapaz e

de seu bando à Vila, no sábado, 1º de junho de 1935, véspera de Pentecostes.

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No Folheto LXXXI, a população humilde está reunida na praça após a

chegada de Sinésio à Vila e um homem que estava no meio da multidão pergunta a

Quaderna a respeito do rapaz:

– “Seu Quaderna, é verdade que esse Rapaz-do-Cavalo-Branco veio para começar a Guerra do Reino? Ele é, mesmo, Dom Sinésio Sebastião, O Alumioso que apareceu de novo pra fazer a felicidade de nós?” – “Não sei!” – respondi com a voz soturna que a cegueira agora me emprestava. – “Como é que eu posso saber isso, se estou cego? [...] De repente, passou pela estrada a tropa de Cavaleiros e carretas que vinha com o Rapaz-do-Cavalo-Branco: na mesma hora, dois Gaviões desceram do Sol e me cegaram! Estou cego, cego de guia!” – “Valha-me Deus! Ave Maria! Nossa Senhora!” – gritou a mesma voz que tinha falado antes. – “Já vi que o Rapaz-do-Cavalo-Branco é Ele mesmo! Vocês estão vendo o que eu dizia? É verdade ou não é? Cadê aquele cego que estava aqui, ainda agora? – “Estão dizendo, por aí, que ele foi curado da cegueira, por milagre!” – explicou outra voz. – “Depois que atiraram no Rapaz-do-Cavalo-Branco, dizem que o cego chegou pra perto do Prinspe, tocou na roupa dele e ficou bom da vista!” – “Pois ele ficou bom na mesma hora em que eu ceguei!” – disse eu, assombrado. – “[...] Na certa, tem sempre a mesma conta de cegos, no mundo: como o daqui foi curado por ter tocado na roupa do Prinspe, Seu Quaderna ficou cego no lugar dele!” – “[...] De repente, Lino Pedra-Verde, enervado pela erva-moura e pelo vinho sagrado da Pedra do Reino, gritou para o Povo: – “Minha gente, vamos cantar o nosso sagrado Hino da Santa Pedra do Reino!”. [...] – Anote a senhora aí, Dona Margarida, que o nosso Dom Pedro Dinis Quaderna confessa que, naquele ano de 1935, os seus adeptos já eram inumeráveis, e que, no dia da chegada do Rapaz-do-Cavalo-Branco, todo o Povo cantava o tal Hino da Pedra do Reino! (SUASSUNA, 2012, pp. 692-694)

Quaderna é tido pelo povo humilde como profeta e sábio, daí o motivo para o

homem se dirigir a ele a fim de sanar suas dúvidas com relação aos acontecimentos

e tratá-lo como “Seu Quaderna”. Ao saber que o narrador ficou cego devido a dois

gaviões que o atacaram no mesmo momento em que a cavalgada chegava à Vila, o

homem fica impressionado e adquire a certeza de que o rapaz é mesmo Sinésio.

Ele, então, afirma sua crença ao povo, que, também acreditando, atribui ao rapaz o

mesmo milagre conhecido pelos cristãos como tendo sido um dos realizados por

Jesus: a cura de um cego.

Nesse trecho, percebe-se a que ponto chegou a exacerbação do povo frente

ao reaparecimento de Sinésio e compreende-se a importância que Quaderna teve

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em engendrar essas ideias em suas mentes durante cinco anos para que, nesse

momento, elas se caracterizassem como mais que uma crença no rapaz: como uma

verdadeira fé em seus poderes de cura tanto no que diz respeito ao indivíduo cego

que readquiriu a visão, quanto no que diz respeito à situação precária de toda a

população pobre do sertão.

A seguir, no Folheto LXXXII, Lino Pedra-Verde confirma essa participação de

Quaderna para a conversão de Sinésio em figura sagrada ao explicar a Samuel qual

é a importância do rapaz em sua concepção aprendida no Almanaque do Cariri,

onde o narrador mantinha uma coluna:

– “Nosso Prinspe apareceu na Serra do Rodeador, no tempo do ronca, no tempo de Dom João Pamparra e de Dom Pedro Cipó-Pau. Estava escondido na Casa da Pedra de onde a Santa falava, no soterranho! O nome do nosso Prinspe varia, ora é Dom Sebastião, ora é São Sebastião, conforme a necessidade! Ali, na Serra do Rodeador, mataram o nosso Prinspe e mataram também o Profeta dele, Silvestre José dos Santos, o homem dos santos, também chamado de Mestre Quiou, O Enviado. Era o Profeta montado em seu alazão, e o Prinspe no cavalo branco! Mas o Prinspe ressuscitou, e apareceu de novo, na Pedra do Reino do Pajeú, sustentado pelos quatro Reis, os bisavós, aqui, do nosso Rei e Profeta, Dom Pedro Dinis Quaderna. [...] – “[...] Por exemplo: eu sei, de fonte segura, que, na Pedra do Reino, mataram de novo o nosso Prinspe, que estava no Sacrário, trancado, escondido e encoberto pelo encantamento! O folheto que o nosso Quaderna, aqui, publicou sobre o assunto explica tudo [...]. Aí, o nosso Prinspe morreu de novo. Mas ressuscitou outra vez, agora no Império do Belo-Monte de Canudos, em 1897, já no tempo do reinado do nosso Dom Pedro III, mais conhecido como Pedro Justino Quaderna, pai aqui do nosso Dom Pedro IV! [...] é sempre assim que as coisas se passam: é um Rei castanho, no seu alazão, servindo de Profeta e sustança para o Prinspe-do-Cavalo-Branco! [...] Toda aquela guerra, foi porque o Governo de turcos tem medo e raiva do nosso Prinspe, do Príncipe do Povo! Sim, porque ele estava lá, como sempre, trancado no Sacrário. O pessoal de fora, cego, só via Aquele-que-aparecia, o Descoberto, o nosso Santo Antônio Peregrino, Antônio Conselheiro. [...] O certo é que, ganha aqui, fode-se ali, terminaram matando de novo o nosso Prinspe! Mas aí chegava o nosso tempo e a vez desse Cariri velho do inferno das pedras! E apareceu o nosso velho Rei, Dom Pedro Sebastião, e lá ele mandava chamar para morar com ele o nosso Dom Pedro III! E lá Dom Pedro Justino se casava com Dona Maria Sulpícia, e lá nascia o nosso Dinis, o nosso Dom Pedro IV! E era tudo esperando o nascimento do Prinspe, porque, como Dom Pedro III tinha explicado no Almanaque do Cariri, Dom Pedro Sebastião Garcia-Barretto era o mesmo Dom Sebastião da Pedra do Reino, era o mesmo que matou o Porco para libertar a Onça, na África! [...] Aí, Dom Pedro Sebastião casou com Joana, filha de Dom Pedro III, porque era preciso que o

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Prinspe tivesse o sangue do pessoal Quaderna, da Pedra do Reino! Tudo isso foi sendo explicado aos poucos, no Almanaque! E aí, em 1910, nascia o nosso Prinspe, vindo do Sol, montado num cavalo de asas e trazido pelo cometa! Era, afinal, o nosso Dom Sinésio Sebastião, filho de São Sebastião, o Santo-do-Cavalo-Branco. E lá começou, de novo, a tribuzana da Guerra do Reino! (SUASSUNA, 2012, pp. 696-699)

Segundo Lino – e, portanto, segundo o narrador – Sinésio seria Dom Sebastião

ressuscitado diversas vezes. Assim, vê-se que o cantador acredita num poder

sobrenatural de Sinésio para realizar uma revolução social porque crê no mito de

Dom Sebastião como uma verdade, da qual tomou conhecimento por meio de

Quaderna. Este, por sua vez, conheceu o mito por meio de seu mestre Samuel, e

adequou-o para que fosse aceito em meio à realidade sertaneja de sua época e o

levasse a sobressair-se com relação ao restante do povo.

A seguir, no Folheto LXXXIII, o Doutor Pedro Gouveia fala sobre Sinésio da

mesma maneira como Lino e Quaderna, e seu modo de falar faz com que este

perceba sua astúcia e confesse ao Juiz que, antes da chegada do Doutor, ele era o

único na Vila que tinha grande poder de persuasão sobre o povo:

– “Meu Povo, meus filhos! Vão embora, por favor! O nosso Sinésio está cansado e não pode mais aparecer a vocês hoje, de jeito nenhum! Fiquem descansados em suas casas, porque a nossa causa será vitoriosa! Ainda existem juízes em nossa terra, e confiamos em Deus e no nosso Direito. Mas não causem confusões com as autoridades não, porque isso pode, inclusive, nos prejudicar! Digo isso em benefício do nosso Sinésio, do Rapaz-do-Cavalo-Branco, desse Esperado, tão querido, tão amado pelo Povo do Sertão do Cariri!” – [...] O que sei é que, quando ele falou nisso e disse que Sinésio era O Esperado, eu vi, mais uma vez, que aquele Doutor Pedro era um homem com quem eu iria aprender muita coisa, num campo em que, até aquele dia, eu tinha sido o único, aqui na Vila. (SUASSUNA, 2012, p. 714)

Essa passagem dá a entender que Quaderna sabe reconhecer no Doutor

Pedro uma estratégia de manipulação porque ele próprio era um manipulador e sua

revelação transmite o sentido de ambiguidade de toda a crença do narrador:

sabemos claramente que ele a articula de modo a fazer com que o povo acredite

que seu primo e ele próprio são de família real e os venerem como ele crê que

merecem, dando-lhes prestígio e até mesmo dinheiro. Além disso, ele incita o povo a

uma guerra que transformaria o Brasil novamente em um império e o colocaria no

trono exatamente no momento em que se arma a revolução comunista. Assim, fica a

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dúvida se ele apenas concebeu a crença para benefício próprio, ou seja, para

explorar o povo – caso em que o Doutor Pedro, Frei Simão e Sinésio (seja ele o

verdadeiro ou um impostor) teriam se aproveitado dela para obterem, eles também,

benefícios – ou se ele e o bando de Sinésio tinham alguma relação com a Intentona

Comunista e elaboraram toda a profecia visando a conquistar adeptos para ela.

A seguir, Quaderna relata a conversa do Doutor Pedro Gouveia com um

popular e que corrobora a visão que ele tem do advogado de que é muito esperto e

teria muito a lhe ensinar sobre a arte da persuasão pela palavra:

– “Doutor Pedro, é verdade que o senhor encontrou o Rapaz-do-Cavalo-Branco, nuzinho, andando por uma estrada, sem se lembrar de ninguém, sem saber de onde tinha vindo e sem saber até mesmo como era o nome dele?” – “Por que você pergunta isso, meu filho?” – indagou o Doutor Pedro, que não batia prego sem estopa nem andava sem saber onde estava pisando. – “Pergunto, Doutor, porque a discussão sobre isso, aqui na rua, está a maior do mundo! Uns dizem que o rapaz foi encontrado nu, e, outros, que ele vinha vestido numa espécie de camisolão branco, tendo na mão esquerda duas flores – uma amarela e outra encarnada – e segurando, na mão direita, uma bandeira! Qual é a história verdadeira, Doutor?” – “Todas duas, meu filho!” – explicou solenemente o Doutor, e eu, mais uma vez, vi que tinha muito a aprender com aquele homem. – “As duas versões são verdadeiras, não criem divisões entre os nossos! Eu encontrei Sinésio perdido, extraviado, nu como Deus o criou, coitado, e trazendo, como você disse, numa mão as duas flores – a amarela e a vermelha – e na outra mão a bandeira do Divino! Sem uma roupa para dar a ele naquela hora, improvisamos, com um lençol, a túnica branca da qual vocês ouviram falar! Ele estava, além disso, um pouco perturbado pelos sofrimentos que passou. Mas, com todo cuidado, nós tratamos de reeducá-lo e de lembrar a ele os fatos mais importantes de sua vida, de modo que ele, hoje, já está quase inteiramente recuperado! Mas amanhã é que tudo isso será melhor esclarecido, para conhecimento de todos! Vão embora, saiam, vão para suas casas! Dispersem-se, que, amanhã, eu prometo que o nosso Sinésio falará com todos vocês e até os olhos dos cegos se esclarecerão!” – concluiu ele. (SUASSUNA, 2012, p. 722)

O Doutor Pedro procura aliar as duas versões existentes sobre seu encontro

com Sinésio a fim de evitar que haja discórdias entre as pessoas que ele deseja que

fiquem a seu lado e Quaderna vê nisso uma estratégia de manipulação inteligente

com a qual diz que poderá aprender. Nota-se, ainda nessa passagem, a

identificação de Sinésio com Jesus Cristo feita pelo povo quando se diz que ele foi

encontrado vestindo um “camisolão branco”, e corroborada pelo Doutor, quando diz

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que o “camisolão” seria, na verdade, um lençol branco improvisado como túnica para

cobrir o rapaz, que vinha nu na estrada, e quando afirma que Sinésio falará com o

povo no dia seguinte e, então, “até os olhos dos cegos se esclarecerão”.

Em seguida, no Folheto LXXXIV, é o Frade que também dá mostras de

perspicácia quando Lino Pedra-Verde lhe pergunta se ele esteve presente na Serra

do Rodeador, como o povo está pensando que esteve:

– “O senhor é Frei Simão, o frade santo da Serra do Rodeador e da Pedra do Reino? O rapaz que veio com o senhor é o nosso Prinspe, o Santo-do-cavalo-branco, que vem comandar os Sertanejos para a nossa Guerra do Reino? É verdade que ele veio para vingar o Pai, provar que é o Filho e, ao mesmo tempo, trazer o fogo do Espírito Santo para acabar com as injustiças e os sofrimentos do mundo?” O Frade vendo que o momento era bom, pegou a bandeira vermelha do Divino e aprestou-se para descer do Palanque. Já na escada, falou, respondendo à pergunta de Lino: – “Vocês perguntam se o rapaz é o Príncipe... Quem sou eu para responder? Pode ser e pode não ser! Tudo se esclarecerá, e a Justiça é quem dará a palavra definitiva e final! Será que esse rapaz é Sinésio, filho do fazendeiro degolado aqui, em 1930? Pode ser e pode não ser, e vocês mesmos avaliarão, pelo que acontecer daqui por diante, se ele é ou não é o que vocês esperam. Uma coisa, porém, eu digo e garanto a vocês, meus filhos: é que o muito tem vergonha de dar pouco e, se a justiça humana falhar, a Justiça divina absolutamente não falhará!” – concluiu ele com ar majestoso e começando a descer os degraus. – “É Frei Simão, meu Povo, é Frei Simão! Só pode ser Frei Simão!” – gritou Lino Pedra-Verde com ar de doido, escumando pela boca e revirando os olhos. [...] – “Que é isso, meus filhos? Que doidice é essa? Guardem seus respeitos para Deus e para aquela criatura limpa e santa que veio conosco, montado em seu cavalo branco! Guardem seus respeitos para ele, porque eu, eu sou um pecador! (SUASSUNA, 2012, p. 726)

O Frade parece não querer responder à pergunta de Lino. Ele aparentemente

quer que a própria população julgue se Sinésio é quem eles pensam que é. No

entanto, ao dizer a frase “se a justiça humana falhar, a Justiça divina absolutamente

não falhará”, ele demonstra que acredita que o rapaz é Sinésio e que, se o povo não

acreditar nele, estará cometendo uma injustiça. Esse sentido é intensificado ainda

por sua frase final, em que diz para o povo guardar seus respeitos para Deus e para

Sinésio: “aquela criatura limpa e santa que veio conosco, montado em seu cavalo

branco! Guardem seus respeitos para ele, porque eu, eu sou um pecador!”. Dessa

forma, vemos em seu discurso uma estratégia bem elaborada para convencer a

população a enxergar o rapaz como uma figura sagrada e apoiar sua causa, e

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grande semelhança com o discurso de Quaderna e do Doutor Pedro Gouveia.

Esses três líderes, então, alcançam seus objetivos ao conseguirem criar uma

divisão entre os partidários de Arésio, que permaneceram na Vila, e os de Sinésio,

que subiram o tabuleiro para se alistar no exército do rapaz:

Estavam já delimitados os dois campos, com os partidários de Arésio na rua, e os de Sinésio no alto Tabuleiro que dominava a Vila. Ia se travar a luta. Houvera a primeira fase, cuja crispação mais sangrenta fora o assassinato do velho e austero Rei, morto por degola. Surgia, agora, outra fase, a daquele enigmático Valete de Copas brotado do sangue dele e que abria a nova rodada do jogo. Encerrava-se a fase do Crime, ia começar a da Vingança implacável. (SUASSUNA, 2012, p. 732)

Há uma elipse na narrativa a partir do momento em que a população se junta

no tabuleiro para apoiar Sinésio em 1935 até o momento da narração de Quaderna,

em 1938. Sabe-se que algumas pessoas saíram em expedição pelo sertão, com um

circo, para buscar o tesouro escondido por Pedro Sebastião, sabe-se que Arésio

morreu, que Sinésio e Silvestre desapareceram novamente, e sabe-se que essa

história do rapaz mereceu o título de “desaventura”. O que de fato ocorreu entre o

momento em que o povo “se alistou” para lutar pelo rapaz e o momento da narração

é omitido por Quaderna. Isso provavelmente se deve ao fato de Ariano Suassuna ter

a intenção de continuar a narrativa em mais dois volumes, o que acabou não

fazendo.

No quinto capítulo da minissérie, Sinésio é mencionado e mostrado em

praticamente todas as sequências, entretanto, escolhemos apenas duas delas para

estudar a mobilização do povo ao redor do rapaz. A primeira delas vai de 00:01:11 a

00:03:13 e a segunda, de 00:22:50 a 00:28:47.

De 00:01:11 a 00:03:13, vemos o povo reunido e exaltado na rua e Lino

chegando ao centro da Vila acompanhado de Quaderna, que está cego e ainda

vestido com o manto e a coroa usada no ritual litúrgico do catolicismo sertanejo. O

cantador exclama “Eita, que o mundo virou nos eixos e o mando mudou de mão!” e

se refere a Quaderna como “meu rei” enquanto cantadeiras entoam cantos sagrados

e ele conduz o narrador até sua casa, onde se encontram com Samuel e Clemente.

Clemente está eufórico e diz: “Ao que parece, começou a revolução que vai

estabelecer a República Popular do Brasil, a primeira da América Latina. O povo é

imprevisível!”. Enquanto isso, Samuel está visivelmente amedrontado e responde:

“Mas aí eu poderei ser sumariamente fuzilado pela canalha, pelo populacho”.

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Quaderna então intercede: “Vocês deviam era atentar para a revelação mais

importante desta noite. [...] O principal problema da disputa entre Arésio e Sinésio,

irmão contra irmão, é o tesouro que o pai deles deixou. O tesouro! E eu tenho uma

proposta a fazer”. A proposta que ele fará é de os três montarem um circo e

seguirem o bando de Sinésio em busca do tesouro. O circo financiaria as buscas.

Vemos aqui que o povo está bastante eufórico acreditando que o que está se

passando é uma revolução que transformará as relações de poder existentes na

sociedade. Lino expressa isso ao dizer que “o mundo virou nos eixos e o mando

mudou de mão”, enquanto Clemente comemora o fato de que “começou a revolução

que vai estabelecer a República Popular do Brasil, a primeira da América Latina”,

referindo-se à revolução comunista. Samuel está amedrontado com a possibilidade

de essa revolução estar começando por sempre ter se posicionado contra ela, e

Quaderna está mais focado na questão familiar que se desenrolará – a briga entre

seus primos Arésio e Sinésio pela herança de Pedro Sebastião.

De 00:22:50 a 00:28:47, vemos Lino entoando o hino da Pedra do Reino e

liderando um grupo de pessoas que estão na praça e acompanham a letra, e

Quaderna chegando, já sem as vestes litúrgicas, acompanhado de Samuel e

Clemente.

Samuel diz a Lino para parar de incitar o povo, que já está ficando exaltado

com os “hinos malucos” do cantador e tem uma discussão com ele quando o ouve

dizer que o motivo da exaltação é a volta de Dom Sebastião, o qual, para ele, é

Sinésio.

Quaderna interrompe e diz que Samuel e Clemente são “mais incrédulos que

São Tomé”, mas que ele próprio, mesmo estando cego, acredita que o rapaz é

Sinésio e se dispõe a escrever a epopeia dele. Lino, então, serve o vinho da Pedra

do Reino para Quaderna para que ele volte a enxergar, sob a alegação de que ele

mesmo sempre diz que a receita é milagrosa.

Há então um corte para o Frade, que sobe no palanque das cavalhadas para

falar ao povo. Podemos ver muitas pessoas segurando velas, o que indica um

envolvimento religioso delas com o acontecimento que estão prestigiando, como se

fosse uma procissão. O Frade diz que aconteceu um milagre: quando ocorreu a

emboscada, ele foi alvo de vários disparos, mas não foi atingido por nenhum, pois

todos os projéteis acabavam apenas encostando no seu hábito e caindo dentro de

suas botas e dos bolsos de sua batina. Ele inicia um sermão afirmando que o maior

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milagre do dia é o aparecimento do Rapaz-do-Cavalo-Branco e que o fogo de

Pentecostes está prestes a iluminar o sertão e queimar aqueles que forem

pecadores. Então, ele pergunta a multidão se ela está disposta a se alistar debaixo

da bandeira de Sinésio, que é a bandeira do Divino Espírito Santo, e o povo,

exaltado, grita em resposta “Estamos, Santo Pai, estamos!”.

Figura 77: Povo escuta Frei Simão falar sobre Sinésio aos 00:26:43 do quinto capítulo.

A seguir, ocorre um novo corte de volta para Quaderna e Lino, que beberam o

vinho da Pedra do Reino e estão tendo visões delirantes enquanto o povo os

observa curioso e exaltado. Eles veem: fogo, raios, onças, gaviões, cavalos, uma

corça, sangue, um cálice de ouro, ataúdes, mouros, freis e combates; visões que

dizem ser “antecessoras da Pedra do Reino”.

Percebemos, assim, que essa sequência traz mostras de que a população

estava tomada de um furor de cunho messiânico com o reaparecimento de Sinésio.

As pessoas traziam velas para a rua como se estivessem louvando algum santo ou

mesmo a Deus e estavam emocionadas, dispostas a lutar pelo rapaz que acabara

de chegar porque acreditavam que ele era uma criatura santa capaz de transformar

a vida de todos aqueles que estivessem a seu lado.

Nessa sequência, os responsáveis por exacerbar a fé das pessoas foram o

Frade, com sua pregação, Lino e Quaderna, com suas cantorias e visões de

elementos considerados sagrados para aqueles que conheciam as profecias feitas

pelo narrador. Os três contribuem para que a massa reunida no centro da Vila

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experimente de forma coletiva os mesmos sentimentos que eles expressam de

respeito e adoração por Sinésio como por uma divindade e de fé em que ele seja

capaz de melhorar suas vidas.

Lino Pedra-Verde pode ser visto como ingênuo, sendo apenas um crente que,

por ser cantador, tem voz e, por isso, influência sobre os outros. Quaderna e o

Frade, contudo, devem ser analisados como personagens ambíguas, que podem

realmente crer que Sinésio seja Dom Sebastião ressuscitado para instaurar o

“Quinto Império de Jesus Cristo na Terra” ou podem ser agentes da revolução

comunista que apenas se utilizam do mito do rei português para conseguir adeptos.

O Frade mesmo prova para nós telespectadores sua intenção de impressionar as

pessoas quando mente: ele diz para o povo que as balas dirigidas a ele paravam

quando o tocavam e caíam dentro de suas botas quando, na verdade, a câmera nos

mostrou que ele não foi alvo de nenhum tiro, mas que saiu recolhendo os projéteis

do chão após o término do tiroteio justamente para, mais tarde, usá-los em seu

sermão.

Dessa forma, não só Quaderna, o Frade e o Doutor Pedro Gouveia nos são

mostrados com ambiguidade, como também – e principalmente – Sinésio, que é a

figura central dos discursos desses três líderes que o acompanham e cuja imagem é

construída mais pelo que os três dizem e fazem do que por suas próprias palavras e

ações.

Contudo, a finalidade da luta que pretendem empreender juntos e a favor de

Sinésio não fica clara, provavelmente porque Ariano Suassuna deixaria para

esclarecê-la no segundo ou no terceiro volume que pretendia escrever para

completar a obra, concebida como uma trilogia, mas que depois não quis continuar.

Porém, existe a possibilidade de que, mesmo concluindo a trilogia, Suassuna não

tivesse dado respostas a essas questões. Seu grande propósito com a escrita do

Romance, e que teria sido mantido por Carvalho na adaptação, pode ter sido

representar os vários discursos vigentes na sociedade não só da época da diegese,

mas também da época da criação do Romance, por meio da inserção do

plurilinguismo na narrativa, articulando “verdade” e “mentira”, “verdade” e

“manipulação”, dentro dos posicionamentos das personagens e, principalmente, do

narrador.

Dessa forma, a princípio, a finalidade da luta de Sinésio parece ser apenas o

encontro da fortuna escondida pelo pai do rapaz, pois ele tinha direito a reivindicar

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parte dos bens de Pedro Sebastião para poder retomar sua vida. No entanto, para

ele ir atrás dos bens supostamente enterrados por seu pai, não precisaria invocar

todo um exército. Menos ainda, criar em torno de si histórias fantásticas que dão

conta de que ele havia ressuscitado e sido capaz de curar um homem cego e que o

assemelham a um messias. Assim, se todas essas estratégias foram utilizadas, é

porque a finalidade da luta era maior: seria o desenvolvimento de um novo

movimento messiânico semelhante ao que João Ferreira criara na Pedra do Reino,

caso em que Quaderna se tornaria imperador do Brasil, ou a realização da revolução

comunista, comandada por Luís Carlos Prestes. De qualquer maneira, sabemos que

os objetivos não foram alcançados devido ao Golpe de 1937, que reprimiu qualquer

tipo de revolta ou revolução transformando a luta em uma “desaventura” e levando o

narrador à cadeia, o qual, no entanto, apesar de estar preso no ano de 1938, não

perdeu a esperança de que Sinésio pudesse estar dando continuidade à Guerra e

conta sua história para tornar-se o Gênio da Raça Brasileira já que, até o momento,

não pode tornar-se rei. Com isso, percebemos que todos os relatos que temos no

Romance consistem em representações discursivas dos anseios de diferentes

camadas da sociedade, e não em uma “verdade” ou em uma “mentira” narrada por

Quaderna.

A minissérie constrói, à sua maneira, os mesmos sentidos do Romance. O

autor desta optou por concluir alguns aspectos deixados em aberto por Suassuna e

também contou muitos dos episódios de modo mais conciso bem como omitiu várias

citações de escritores e de obras literárias, históricas, sociológicas etc., a fim de

tornar possível a reconstrução da narrativa do Romance em um formato tão curto

quanto uma microssérie, e também porque não seria necessário manter todas essas

citações, uma vez que com a inserção de apenas algumas delas seria possível

recriar os sentidos visados.

Com isso, atingiu o objetivo da equipe ao produzir a minissérie: homenagear

Ariano Suassuna por seus oitenta anos, completados em 16 de junho de 2007.

Entretanto, podemos dizer que reverenciou a obra suassuniana não por tê-la

adaptado de modo a reconstruir muitos dos sentidos de forma consensual – ou seja,

por ter sido “fiel” –, mas por ter produzido a minissérie com cuidado: não

subestimando o telespectador ao simplificar a linguagem, empregando toda a mão

de obra da região onde se passa a narrativa e saindo do padrão óbvio empregado

na maioria das produções televisivas ao recorrer a fontes ricas com as quais

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dialogar para construir desde as cores e formas dos cenários, do figurino e da

maquiagem, até as técnicas de preparação dos atores, de filmagem e de narração.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ariano Suassuna mostrou-se um observador sagaz quando, percebendo uma

mesma tendência apresentada por vários artistas nordestinos da cerâmica, pintura,

tapeçaria, gravura, teatro, escultura, romance, poesia e música, reuniu-os no ano de

1970 e fundou o Movimento Armorial, que consistia em criar, de maneira

sistematizada, uma arte erudita original a partir de elementos da cultura popular

nordestina, mesclando heranças culturais aprendidas com os povos indígenas e

negros com influências ibéricas.

Segundo Santos, a arte armorial resultou em trabalhos que se percebem como

cultos devido à multiplicidade de referências culturais que apresentam bem como à

reflexão teórica desenvolvida paralelamente à criação (2000, p. 98) e assim é o

Romance d’A Pedra do Reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta, considerado por

Suassuna como sua mais importante obra e na qual trabalhou durante treze anos.

No Romance, Pedro Dinis Ferreira Quaderna é o narrador que, através de um

depoimento que presta ao Juiz Corregedor que aparece em Taperoá no ano de 1938

para investigar vários levantes ocorridos entre 1930 e 1935, escreve sua epopeia, a

qual gira em torno da história pregressa de suas famílias materna – os Garcia-

Barretto – e paterna – os Ferreira-Quaderna – bem como de seu primo e sobrinho

Sinésio, também descendente dessas duas famílias.

Quaderna considera seus antepassados especiais: a família materna por ser

abastada e por haver sobre ela a versão apresentada, por seu mestre Samuel, de

que teria se iniciado no Brasil com a chegada aqui de Dom Sebastião de Portugal

após ter desaparecido na África, e a paterna por ter sido responsável pelo

desenvolvimento de crenças messiânicas envolvendo a figura do monarca

português, tendo seu bisavô, João Ferreira Quaderna, se autoproclamado rei em

Pedra Bonita e levado multidões a segui-lo. Talvez seja por isso que acredita que

Sinésio seja Dom Sebastião e que ele próprio seja o profeta que tornará possível a

realização da profecia sobre a qual se construiu o mito sebastianista: a de que o rei

desaparecido em Alcácer-Quibir voltaria para instaurar o Quinto e último Império de

Jesus Cristo na Terra, quando todas as injustiças do mundo seriam desfeitas e as

mazelas curadas, e quando Quaderna poderia ser o Imperador do Brasil, uma vez

que a república estaria desfeita.

No entanto, vemos que Quaderna demonstra claramente que a narrativa que

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está nos contando é fruto de sua articulação e intervém para explicitar suas opiniões,

as quais, às vezes, são contraditas por outras personagens e nos deixam na dúvida

a respeito do teor do que ele está dizendo – como na questão do motivo dele para

apoiar Sinésio –, pois nós sabemos menos que as personagens e que ele próprio.

Isso ocorre porque ele assume que seu saber tem limites, e até exagera esses

limites ao fingir não ter conhecimento de algumas coisas, as quais depois deixa

escapar – como no momento em que revela ao Juiz Corregedor, depois de ter dito

que não acreditava ser visto com superioridade pelo povo, que era ele mesmo quem

fazia questão de evidenciar sua descendência de João Ferreira Quaderna, “rei” da

Pedra Bonita, para as pessoas humildes a fim de se sobressair em relação a elas.

Todo esse sonho grandioso do narrador se passa em um período conturbado

da história do Brasil: as quatro primeiras décadas do século XX, época em que a

república era recente e houve diversos levantes contra a ordem vigente dos quais

sua família e ele próprio participaram, como a Guerra de Doze (1912), a Revolta de

Juazeiro (1914), a Coluna Prestes (1926) e a Guerra de Princesa (1930). Por isso,

Quaderna é considerado suspeito de envolvimento político com essas revoltas pelo

Juiz Corregedor que chega à Taperoá após o Golpe de 1937 ter sido dado por

Getúlio Vargas e, portanto, após a repressão ter aumentado. Também é considerado

suspeito porque, entre 1930 e 1935, transmitia para o povo humilde do sertão suas

ideias acerca de seu direito ao trono do Brasil e de Sinésio ser um donzel que

estaria prestes a voltar para transformar a vida de todos – fazendo a alegria dos

pobres e a desgraça dos ricos – e, com isso, quando a chegada do primo e sobrinho

realmente ocorre, é visto, assim como ele, como um possível aliado de Luís Carlos

Prestes que quer implantar o comunismo no Brasil.

Suassuna constrói essa história através de Quaderna utilizando-se de

elementos presentes na cultura popular brasileira – mais especificamente nordestina

–, como a literatura de cordel, na concepção da forma e do conteúdo do Romance.

Desde o título da obra e o desenho da capa, às gravuras e divisões internas, vê-se

uma construção inspirada na forma dos folhetos de cordel: o título se inicia com a

palavra “romance”, que é um subgênero da literatura de cordel, a capa traz uma

gravura feita pelo próprio autor usando o método de xilogravura e as divisões

internas não são chamadas de capítulos ou subcapítulos, mas sim de Livros e

Folhetos. Desde a referência que a segunda parte do título “o príncipe do sangue do

vai-e-volta” faz ao folheto História do Príncipe do Barro Branco e a Princesa do

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Reino do Vai Não Torna, de Severino Milanês, às menções a poetas e cantadores

reais nos quais Quaderna se inspira, como Leandro Gomes de Barros, João

Melchíades – que inclusive é ficcionalizado e aparece na narrativa como padrinho de

crisma do narrador –, e Lino Pedra Azul – também ficcionalizado, mas com o nome

de Lino Pedra-Verde, vê-se que o conteúdo do Romance envolve diretamente essa

literatura.

A minissérie reconstrói basicamente os mesmos sentidos do Romance, pois

respeita os preceitos do Movimento Armorial por ter sido concebida à luz do Projeto

Quadrante, que visa a produzir adaptações televisivas de obras literárias a partir da

região em que se passam as narrativas de origem, utilizando-se de mão de obra

local em todas as etapas e esferas da produção: desde a escolha do pessoal que

prestaria o serviço de catering até a escolha dos atores que interpretariam as

personagens principais.

Assim, a minissérie foi gravada em Taperoá e, similarmente ao Romance,

dialogou com a literatura de cordel quando manteve algumas das gravuras de

Suassuna nas bandeiras e no manto de Sinésio, e apresentou os cantadores João

Melchíades e Lino Pedra-Verde atuando em cena. No entanto, diferentemente do

Romance, que em seu principal paratexto – a capa – dialogava intensamente com o

cordel, em seu principal paratexto – a vinheta de abertura –, buscou dialogar de

forma discreta com o cordel, e de modo intenso com os elementos internos à

narrativa do Romance que foram mantidos na minissérie, tais como as

características das personagens, a presença da heráldica, o ponto de vista da

narração e a circularidade narrativa, antecipando-os ao telespectador.

Com relação ao processo de adaptação propriamente dito, o diretor Luiz

Fernando Carvalho utilizou expressivamente apenas quatro dos procedimentos

transformacionais apresentados por Genette para transpor a narrativa do Romance

para o formato audiovisual: três que são essenciais para possibilitar qualquer

adaptação fílmica ou televisiva – a excisão, a concisão e a transmodalização

intramodal, e um que foi necessário para possibilitar essa adaptação em particular, a

extensão temática. Ele retirou algumas cenas cujos sentidos não eram

particularmente importantes ou que poderiam ser transmitidos por outras passagens,

contou muitos dos episódios de maneira mais concisa, isto é, em que o tempo em

que ocorreram foi encurtado, assim como omitiu várias das citações que Quaderna

faz a escritores e a obras literárias, históricas, sociológicas etc. que tornariam a

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narrativa televisiva muito morosa e optou por incluir um desfecho a alguns pontos

deixados em aberto por Suassuna devido ao fato de que já sabia, de antemão, que

sua adaptação não teria continuação – diferentemente do escritor, que previa mais

duas partes para complementar a narrativa do livro, mas que, posteriormente,

desistiu da ideia.

Em Conjunções, Disjunções, Transmutações: da Literatura ao Cinema e à TV

(2005, p. 39), Anna Maria Balogh afirma que, segundo Roman Jakobson e os

formalistas russos de modo geral, pode ser considerada artística toda obra que

manifesta na sua constituição a preponderância hierárquica da função poética da

linguagem e que causa o efeito de estranhamento no enunciatário, processo que

exige um enunciador com conhecimento suficiente acerca da série cultural na qual

atua e sobre as que lhe são correlatas para poder inovar, fazer rupturas e apresentar

desvios, bem como um enunciatário com uma competência similar para poder

classificá-los como tais. Para a autora, são considerados objetos artísticos as obras

literárias e fílmicas em geral, excluídos a literatura de massa, na qual se incluem os

best-sellers, e o cinema dito comercial.

Quanto à televisão, a autora aponta alguns elementos que tornam problemática

a sua inclusão na categoria “arte”: a baixa definição de sua imagem (algo que está

mudando com a chegada da HDTV – TV de alta definição); a recepção de sua

produção, que se dá no ambiente doméstico, com luz e grandes possibilidades de

dispersão da atenção; a serialidade de sua programação, que se caracteriza como

uma “estética da repetição”; e sua comercialidade explícita, que possibilita ao

espectador apenas a opção de apreciar os programas televisivos de modo

fragmentado (BALOGH, 2005, p. 46).

Para pagar as inúmeras horas no ar, passou-se a veicular a mensagem de

modo fragmentado – em que ocorre um número de interrupções no fluxo de cada

programa para dar lugar aos intervalos comerciais – e para alimentar a voracidade

da televisão, criou-se uma forma industrial de produção: a serialidade, que se tornou

característica da TV, e que a torna mais próxima da produção em série da indústria

do que obras artísticas em geral, conforme observou Omar Clabrese em seu artigo

“Los Replicantes” (Análisi, 1984, pp. 71-90): “há uma oposição entre a serialidade e

os conceitos de artisticidade consagrados, baseados no caráter único, singular e

irrepetível da obra de arte” (apud BALOGH, 2005, p. 144).

Entretanto, o crítico é de opinião que tais conceitos devam ser revistos

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precisamente à luz do poderoso alcance da televisão, que, no Brasil, segundo Hélio

Guimarães, possui uma capacidade única de mobilização nacional, de agrupamento

em torno da ficção televisual de grupos e segmentos da população que não

compartilham repertório ficcional algum a não ser aquele oferecido pela TV

(PELLEGRINI et al, 2003, p. 104), mas que sofre o preconceito de uma visão

mistificada e mistificadora, sendo pensada como algo homogêneo, de qualidade

inequivocamente mais baixa do que qualquer livro, o que nem sempre corresponde

à verdade, já que há livros e programas de todos os padrões de qualidade

(PELLEGRINI et al, 2003, pp. 95-96).

Acreditamos que, ao se assistir à minissérie A Pedra d’O Reino, tenhamos que

repensar esse preconceito contra os produtos televisivos, uma vez que o trabalho de

Luiz Fernando Carvalho, por ser fruto do Projeto Quadrante, que visa a deslocar a

produção do eixo Rio-São Paulo de modo a aproximar as obras dos locais onde se

passam as narrativas, mostrou-se inovador na maneira de contar a história: não a

contou de forma naturalista, em que a narrativa tenta ser uma mimese da vida real,

mas evidenciou seu status de construto ficcional ao utilizar painéis para representar

as pedras onde o bisavô de Quaderna dizia que Dom Sebastião apareceria se o

povo se sacrificasse, ao apresentar em várias cenas, no lugar de animais reais,

bonecos feitos por artesãos do nordeste e ao manter um narrador que se intromete

na história que está contando em vez de criar a narrativa de modo a gerar o efeito de

sentido de que ela transcorre “como se fosse observada de uma janela

transparente”, na expressão de Ismail Xavier (2003, p. 69).

Diferenciou-se, ainda, da maioria das produções televisivas por dialogar com o

teatro no que diz respeito à preparação de atores e à incorporação de elementos da

commedia dell’arte, como as personagens Arlecchino (Quaderna), Colombina (Dona

Margarida), Brighella (Clemente) e Dottore (Samuel), e com a pintura de Giotto para

a composição das cores “terrosas”, as quais, para Carvalho, eram as ideais para

retratar o sertão suassuniano.

Com isso, o trabalho de Luiz Fernando Carvalho conseguiu um grande êxito,

tendo sido muito aclamado pela crítica, mas não obteve sucesso de público. Então,

nos resta o questionamento: o que justifica a baixa audiência de um programa

produzido com tanto cuidado? Terá sido a ambiguidade de seu herói, que já no

primeiro capítulo é tido como um cavaleiro salvador do povo sertanejo, mas tem um

lado obscuro que não é desvendado pelo narrador? Ou o seu amor por Heliana

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Swendson, que é mostrado somente através dos olhares que ambos trocam, porém

não é concretizado de imediato, mas só no final do quinto capítulo, quando ele vai

ao encontro dela, beija-lhe a mão e a leva embora de Taperoá em seu cavalo

branco? Ou terá sido a falta de esclarecimento, logo nos primeiros minutos da

minissérie, quanto a Sinésio ser mesmo Dom Sebastião ou, pelo contrário, ser um

impostor (o que nunca chega a ser revelado)? Enfim, a justificativa para a baixa

audiência seria o fato de o discurso não ter sido construído numa linguagem

convencional para o meio televisão – e mesmo para o gênero minissérie, apesar de

esse gênero já ser reconhecido pela inovação e não banalização da linguagem – e

ter dificultado a compreensão por parte do telespectador, que se desmotivou de

continuar acompanhando a história?

Provavelmente, a resposta para todas essas perguntas seja sim, embora não

se possa afirmar, mas atribuir somente à complexidade da linguagem a culpa pela

não conquista de público pode ser perigoso caso a emissora de TV em questão opte

por podar a criação a fim de evitar novos “fracassos”, pois, como afirma Pierre

Bordieu, “há, hoje, uma ‘mentalidade-índice-de-audiência’ nas salas de redação, nas

editoras etc. Por toda parte, pensa-se em termos de sucesso comercial” (1997, p.

37). Para o autor, isso significa que “cada vez mais o mercado é reconhecido como

instância legítima de legitimação”, o que pode ser preocupante, pois pode colocar

em questão as condições mesmas da produção de obras que podem parecer

esotéricas porque não vão ao encontro das expectativas do público geral, mas que,

com o tempo, seriam capazes de criar seu próprio público (BORDIEU, 1997, p. 38).

Isso pode estar por trás da não realização, até hoje, das outras duas

adaptações previstas quando do início do Projeto Quadrante: “Dois Irmãos”, de

Milton Hatoum (que apenas agora está “saindo da gaveta”, prevista para ir ao ar no

segundo semestre de 2015, e que traz alguns atores da região sudeste e

conhecidos do grande público para interpretar as personagens principais, como

Cauã Reymond, Juliana Paes e Eliane Giardini) e “Dançar Tango em Porto Alegre”,

de Érico Veríssimo? Esperamos que não, mas acreditamos ser possível que sim,

pois Luiz Fernando produziu A Pedra d’o Reino em 2007 e já no ano seguinte Capitu

(cuja materialidade da linguagem é tão ousada quanto à de sua antecessora no que

diz respeito aos diálogos com outros gêneros discursivos, mas que, diferentemente

dela, tem sua narrativa contada de forma linear), o que nos faria esperar que as

duas últimas produções do Projeto Quadrante não fossem levar tanto tempo para

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serem apresentadas.

No entanto, cremos que sejam necessárias mais pesquisas para tentar

descobrir se o que diferenciou Hoje é Dia de Maria – primeira e segunda jornadas –,

por exemplo, de A Pedra d’O Reino, em termos de sucesso de público, teria sido o

fato de que aquela apresentava inúmeras inovações, mas não tantas quanto esta, e

qual (ou quais) das inovações afastou o telespectador, ou se outros fatores externos

ao texto podem ter influenciado o resultado, tais como estratégia de divulgação

utilizada para cada uma, o elenco empregado, o horário e a época do ano em que

foram transmitidas, os demais programas de outras emissoras com os quais

disputavam a audiência e os programas da própria Rede Globo após os quais se

iniciavam a aos quais antecediam. Assim, consideramos interessante que se faça

um estudo comparativo entre esta e outra(s) minissérie(s) inovadora(s) e que se

estude, além da questão da adaptação, como fizemos aqui, questões referentes à

estética da recepção desse gênero do discurso, analisando a história do gênero em

si bem como sua história dentro da televisão brasileira.

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235

ANEXO I – ÁRVORE GENEALÓGICA DE QUADERNA

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236

ANEXO II - TRILHAS SONORAS DA MINISSÉRIE7

TRILHA SONORA 1

Disco 1:

1-) Quaderna;

2-) Canto Gregoriano;

3-) Ser-Tão;

4-) Taperoá;

5-) Maria Safira;

6-) Colibri;

7-) Circorama;

8-) Phantasmagoria;

9-) Transfigurada;

10-) Medieval;

11-) Onça Caetana;

12-) A Pedra do Reino;

13-) Viginal;

14-) Catitu com Cascavel;

15-) Silvestre

Disco 2:

1-) Revoada – Quinteto Armorial;

2-) Romance da Bela Infanta – Quinteto Armorial;

3-) Mourão – Quinteto Armorial;

4-) Ponteio Acutilado – Quinteto Armorial;

5-) Toré – Quinteto Armorial;

6-) Rasga – Quinteto Armorial;

7-) Toque dos Caboclinhos – Quinteto Armorial;

8-) Entremeio para uma Rabeca… – Quinteto Armonial;

9-) Lancinante – Quinteto Armorial;

10-) Xincuan – Quinteto Armorial;

7 Disponíveis em: http://www.teledramaturgia.com.br/tele/pedradoreinot.asp. Acesso em: 20 jan. 2015.

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237

11-) Cantiga – Quinteto Armorial;

12-) Toque dos Encantados – Quinteto Armorial;

13-) Toque dos Degradados – Quarteto Romançal;

14-) Toque dos Orixás – Quarteto Romançal

TRILHA SONORA 2

1-) Alvorada – Os Inácios

2-) Perguntinha Cabulosa – Jessier Quirino

3-) Menina Bonita – Maria de Lurdes Augisto

4-) Matinas – Banda Cabaçal São Jão Batista

5-) Mineiro Pau – Grupo de Côco Ciranda da Caiana

6-) Côco Verde – Josildo Sá

7-) Toada do Cavalo – Luiz Paixão

8-) Assentei Praça – Renata Rosa

9-) Vento Corredor – Tiné e Caçapa

10-) Tema dum Brinquedo Chamado Viver – Sandra Belê

11-) As Obras da Natureza – Zé de Teté

12-) Machadeiro – João e Chinelo

13-) Guerreia, São Jorge – Alessandra Leão

14-) Terra de Reis – Siba

15-) 50 Anos de Cultura Popular – Mestre Salustiano

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ANEXO III – EXTRAS DO DVD

1-) Nossa carroça:

Contém 47 fotografias dos ensaios preparatórios.

2-) Taperoá:

Vídeo com 48 minutos de duração contendo depoimentos de Ariano Suassuna, dos

autores e atores da minissérie e de outros participantes da produção, tais como

cenógrafos, artistas plásticos, editores e preparadores corporais. Escolhemos cinco

trechos para reproduzir aqui:

a-) Ariano Suassuna: Taperoá, pra mim, não é – não era até hoje – uma cidade

comum. Quando comecei a escrever, comecei a fazer de Taperoá o centro de tudo o

que eu escrevia, de maneira que a cidade foi tomando um sentido literário e mítico

até. Poderia ser uma tentativa de reinvenção literária da cidade que o menino Ariano

conheceu. Taperoá é a base física da cidade literária que eu construí com toda

minha obra de escritor. Então é uma alegria muito grande ver essa que eu considero

a obra mais complexa de todas as que eu escrevi até hoje ser filmada aqui em

Taperoá.

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b-) Irandhir Santos: Quando soube que ia ser algo beirando o Expressionismo, ali

colado ao teatro, ao teatro na tevê, eu achei fantástico, porque o leque de

possibilidades em relação à expressão física, vocal e tudo mais aumenta.

c-) Marcio Hashimoto Soares (editor): A proposta que eu acho que o Luiz faz que é

exatamente nessa narrativa... dessa estrutura circular, foi a de criar tempos

diferentes. Você tem sempre uma passagem de cetro do Quaderna velho pro

Quaderna, do Quaderna criança que passa pro Quaderna adolescente, que são

esses quatro narradores. E a gente tem todos esses Quadernas convivendo no

mesmo espaço, dialogando entre si.

d-) Luiz Fernando Carvalho: Se eu tivesse que resumir esse projeto em uma única

palavra, diria “encontros”. A referência maior e certamente a qual devemos nos

agarrar diariamente é a vida. Não há nada que possa nos interessar mais do que a

vida. Tudo começa e termina com a experiência de estarmos vivos, com os nossos

sentidos e as nossas observações sobre este mundo que nos cerca. A linguagem é

a vida, tudo que você viu, leu, ouviu, viveu e sentiu desde que nasceu ou muito

antes, sabe-se lá, até o momento em que vamos rodar as cenas. Vida, criar um

processo de trabalho a partir dos atores locais foi minha grande alegria. Foi o que

naquele momento se tornou cada vez mais necessário e imprescindível para mim.

Soaria tristemente imitativo falar de um Brasil tão profundo através de

representantes oficiais.

e-) Braúlio Tavares: O sangue do vai-e-volta aí se refere ao mito de Dom Sebastião,

que é aquele rei que morre e ressuscita. O Sinésio é, num certo sentido, a volta de

Dom Sebastião de Portugal, até pela semelhança física, de ser um donzel, também

é uma figura meio crística. É um prinspe, ou prinspo, como dizem os cordelistas, e

Ariano gosta de dizer também, que morre e que ressuscita. Ele vai e volta, ele vai e

volta, toda hora ele está voltando.

3-) Ficha técnica:

Disponível na vinheta de abertura:

TÍTULO: A Pedra d’O Reino

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BASEADO EM: Romance d’A Pedra do reino e o príncipe do sangue do vai-e-volta

(1971), de Ariano Suassuna

ELENCO: Irandhir Santos como Quaderna, Cacá Carvalho como Juiz Corregedor,

Abdias Campos, Alyyne Pereira, Américo Oliveira, Anthero Montenegro, Beatriz

Lelis, Claudete Andrade, Everaldo Pontes, Flávio Rocha, Germano Haiut, Hilda

Torres, Iziane Mascarenhas, João Ferreira, Jones Melo, Júlio Rocha, Jyokonda

Rocha, Lázaro Machado, Manoel Constantino, Márcio Tadeu, Mayana Neiva, Mestre

Salustiano, Millene Ramalho, Moisés Gonçalves, Nelson Lima, Nill De Pádua, Paulo

César Ferreira, Pedro Henrique, Pedro Salustiano, Prazeres Barbosa, Sandra Belê,

Servílio De Holanda, Sôia Lira, Tavinho Teixeira, Tay Lopez

ATORES CONVIDADOS: Frank Menezes, Jackyson Costa, Jessier Quirino e Luiz

Carlos Vasconcelos

ATRIZES CONVIDADAS: Marcélia Cartaxo e Renata Rosa

AS CRIANÇAS: Felipe Rodrigues, Jéssica Araújo e Vanderson Taveira

MÚSICA ORIGINAL: Marco Antônio Guimarães

MÚSICA ADICIONAL: Antônio Madureira

ESCRITO POR: Bráulio Tavares, Luis Alberto de Abreu e Luiz Fernando Carvalho

DIREÇÃO GERAL: Luiz Fernando Carvalho

Disponível no final do DVD 2:

ELENCO – PARTICIPAÇÕES ESPECIAIS: Cléber Pereira, Elias Mendonça, Frank

Santos, Grupo de Cultura Os Cariris – PB, Henrique Albuquerque, Humberto Lopes,

João Saturnino de Oliveira, Marina Pereira Dantas, Vanderléia Pimenta, Walbert

Mattos, Cavalo Marinho de Biu Roque – PE (Boi Brasileiro de Itaquitinga), Jorge

Alves Ferreira (Dô), Jorge Borba da Silva (Zé Borba), José Francisco de Barros Filho

(Cidrak), Josefa Ribeiro Rodrigues (Zefinha), Luis Alves Ferreira (Mestre Luiz

Paixão), Luiz Carneiro do Nascimento (Luiz Carneiro), Maria Soares da Silva

(Maíca), Severino Alexandre da Silva (Mestre Biu Alexandre), Severino Augusto

Armírio Filho (Mina). As crianças: Alan Farias de Souza, Aline Almeida da S.

Gouveia, Allane de Oliveira Garcia, Amanda da Silva Gouveia, Edvânia Sabrina

Costa, Flavia Luzia Brasil de Moura, Igor Marcelino D. dos Santos, José Henrique da

Costa, Larissa Lopes, Maria Dantas Nunes Bezerra, Pedro Luiz da Silva Filho,

Renato Alfredo de O. Garcia, Silvia Avelino da Costa, população de Taperoá – PB

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AUTORIZAÇÕES ESPECIAIS: SATED RJ

PALESTRANTES (OFICINAS DE PREPARAÇÃO): Ariano Suassuna, Fernanda

Montenegro, Dr. Carlos Byington, Dr.ª Maria Helena Guerra, Joana D’Arc e equipe,

Instituto Ricardo Brennand

DIRETORA ASSISTENTE: Raquel Couto

ASSISTENTES DE DIREÇÃO: Gizella Werneck e Manuel Dantas Vilar Suassuna

CONTINUIDADE: Adelina Pontual

ASSISTENTE DE CONTINUIDADE: Juliana Moreira Alves

PREPARAÇÃO DE ELENCO: Ricardo Blat

PREPARAÇÃO CORPORAL: Tiche Vianna, Lúcia Cordeiro e Mônica Nassif

PREPARAÇÃO VOCAL: Fátima França e Salvador Alcântara

1ª ASSISTENTE DE CÂMERA: Júlia Equi

2º ASSISTENTE DE CÂMERA: Tiago Rivaldo

ASSISTENTE DE CÂMERA / 2ª UNIDADE: Fernando Young

VÍDEO ASSISTENTE: Antonio Holanda

PROJETO E OPERAÇÃO DE BUTTERFLY: José “Jamelão” Medeiros

OPERAÇÃO DO BUTTERFLY: Álvaro Brito e Francisco Uchôa

CHEFE DE MAQUINÁRIA: “Cesinha” Coelho

CHEFE DE ELÉTRICA: Warley “Miquéias”

1º ASSISTENTE DE MAQUINÁRIA: Djalma Reis de Carvalho

1º ASSISTENTE DE ELÉTRICA: Alexandre Vaz

MAQUINÁRIA E ELÉTRICA: Antonio Augusto Filho, Israel Basso, Jorge Feliciano da

Silva, Manoel Barnete Júnior, Anísio Pacheco Alquezar

MIXAGEM: Armando Torres Jr. e Paulo Gama

SOM DIRETO: Geraldo Ribeiro

MICROFONISTAS: Alexandre Dumbra e Fernando Duca

EDIÇÃO DE SOM, RUÍDOS E EFEITOS: Beto Ferraz

EDITORES DE SOM: Paulo Gama, Cauê Custódio e Malú Souza

ESTÚDIO DE MIXAGEM: Estúdios Mega SP

GERÊNCIA ESTÚDIOS MEGA: Guilherme Reis

ASSISTENTES DE MIXAGEM: André Tadeu, Diego Fragoso e Rodrigo Ferrante

PRODUÇÃO DA TRILHA ORIGINAL: Cláudio Costa

ENG. GRAVAÇÃO / ACÚSTICO ESTÚDIO MG: Elias Issa

ASSISTENTE DE GRAVAÇÃO: Leandro Calazans

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242

MIXAGEM / REC ESTÚDIO MG: Alexandre Martins

COORDENAÇÃO DE ARTE: Isabel Gouvêa

ARTISTAS PLÁSTICOS: Clécio Régis, Maritônio Portela, Maurício Castro e Mestre

Mamulengueiro Zé Lopes

ASSISTENTE DE DIREÇÃO DE ARTE: Vladimir Carvalho

PRODUTOR DE ARTE: Ricardo Cerqueira

PRODUTOR DE OBJETOS: Joãomiguel Pinheiro

ASSISTENTE DE ARTE: Francelícia Pereira

ASSISTENTE DE MAMULENGUEIRA: Marinês Silva

ARTESÃOS: Bado, Dittoluz, Fernandes Soares, Hemerson de Souza, José

Arimatéia, Júlio Alexandre, Inês da Silva, Ivaneide Oliveira, João Joaquim da Silva,

Maria Aparecida Oliveira, Maria das Graças Galdino, Maria Lúcia Alves de Lima,

Marinês Silva, Sebastião de Oliveira Borges

EFEITOS VISUAIS DE CENA: Petrúcio Linhares e Wellen Guerra

CONTRA-REGRA DE CENA: Genilson dos Santos

APOIO À ARTE: Alliny Tarcianny Medeiros Silva, Andrea Maria de Farias, Breno da

Silva Campos, David Chernenko P. Marques, Diego Diago Aires da Silva, Elizângela

Hilário da Silva, Fabiana Araújo da Silva Diniz, Geovane da Silva, Ismael de Melo

Oliveira, Joacil de Oliveira da Silva, João Batista da Silva, José Adriano Neves Diniz,

José David da Silva, Jucoene Gouveia dos Santos, Juliana Estevam de Farias, Júlio

Cezar Tomaz de Farias, Kerla Rodrigues, Márcio Charles da Silva Cariri, Maria das

Graças G. Santos, Maria José G. dos Santos, Moisés Neves Diniz, Salomão

Lourenço, Severino Celestino de Sousa

FIGURINISTA ASSISTENTE: Maribel Espinoza

MODELISTA: Maria Madalena de Oliveira

PRODUTORA DE FIGURINO: Ingrid Mata

ARTESÃOS: Alex Porto, Ana Lúcia Queiroz, Felipe Vilar, Júnior Saboga, Mairla

Sobral, Lorena Cavalcante, Jobson Pereira, Joelson Gomes, Jádiê Ramos Vilar,

Renata Pimenta, Sérgio Nascimento, Simone Cavalcante

COSTUREIRAS: Clara Pimenta, Gabriela Vilar, Jaqueline Ramos Vilar, Maria

Aparecida Cavalcante, Fátima da Silva, Fátima Lima, Mazé Ramos Vilar, Robeli

Vicente, Vera Vilar

CENÓGRAFA ASSISTENTE: Flávia Suzue

CHEFIA DE CENOTÉCNICA: Emildonício Lima “Neno”

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243

PRODUTOR DE CENOGRAFIA: Diogo Balbino

PRODUTORA DE OBJETOS: Leila Bastos

ENGENHEIRO: Paulo Lobo

CONSULTORIA DE ARTE CENOGRÁFICA: Gilmar Crisóstomo

ARTISTA PLÁSTICO: Renato dos Santos Pereira

SERRALHEIROS: Ronaldo Paes de M. Sobrinho, Romero Paes de Melo, Francisco

Abel Moreira

MARCENEIRO: Maurício Cassemiro da Silva

MESTRES CENOTÉCNICOS: José Ivan Moreira Marques, Jober Torres

CENOTÉCNICOS: David de Oliveira Cândido, Claudio Souza Campos, Gilson

Marcos Gonçalves, Rogério de Lima Lemos, Nivaldo Freitas dos S. Junior, José

Remédios, Sebastião Vitorino, Antonio Lima, Silvio Elias, Décio José Junior, Luciano

Gomes do Santos, Agnaldo Alves Coutinho, José Tibúrcio da Silva, Isak Alves da

Silva

PINTURA DE ARTE CENOGRÁFICA: Bruno Costa, Vicente Silva, Maximiliano Silva,

André Evangelista

CONTROLE DE ACERVO CENOGRÁFICO: Rosivaldo José de Araújo, Damião

Teles Alves, Willames Nascimento

OBRAS DA CIDADE CENOGRÁFICA: Aderson Soares, Adnilson Pereira Batista,

Adriano José da Silva, Aguinaldo Lopes da Silva, Alexandre Sandro A. de Lima,

Alexandro Soares, Aline Alves da Silva Farias, Antônio de Assis Dias, Antônio de

Oliveira Silva, Antônio Marcelino Gouveia, Antônio Pedro da Silva, Antônio Pereira

dos Santos, Carlos Eduardo dos Santos, Cícero Gomes dos Santos, Cleodon Lima

da Silva, Damião Francisco Bulcão, Damião Teles Alves, Douglas Michel R. de

Souza, Edigar Pereira da Silva, Edileuza Pereira da Silva, Edilson Batista dos

Santos, Edinaldo José Xavier, Edinaldo R. do Nascimento, Edneide Gouveia

Correia, Fabio Cícero Serafim, Fábio Júnior Alves Ferreira, Felipe Adelino dos

Santos, Fernando Vilar de A. Francioli, Francisco de Assis de Oliveira, Francisco de

Assis Justino, Francisco de Assis Santos, Francisco Gonzaga de Lima, Francisco

Pereira dos Santos, Francisco Roberto de Oliveira, Gabriel Fonseca de Araújo,

Gilberto dos Santos, Gilmar Bezerra Carlos, Giovany Soares Monteiro, Gival Lopes

dos Santos, Gonçalo José da Silva, Ivaldete Neves Diniz Ramos, João Paulo

Gouveia Martins, João Paulo Levino da Silva, Jones Monteiro Soares, Josafá

Guedes, José Alipio Ananias, José Amaro das Neves, José Cleiton dos Santos

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244

Gomes, José Diniz Cordeiro, José Edinaldo da Silva Freitas, José Eliton F. Santos

Gomes, José Fransueldo de Farias, José Galdino da Silva, José Jacinto dos Santos,

José Marcelo de Queiroz Lima, José Maria dos Santos, José Pereira de Farias, José

Roberes Gomes da Silva, José Ronaldo de Souza, José Tomaz de Oliveira, Joselino

Ferreira de Lima, Joselino Pequeno da Silva, Julio Laurindo da Silva, Leandro

Bezerra da Silva, Luis dos Santos Besserra, Luiz Alves de Lima, Luiz Mendes,

Marcelo Delmiro, Marcelo Gouveia da Silva, Marcos Alves Pequeno, Marcos Antonio

M. Levino, Maria José G. dos Santos, Nelson Andrade dos Santos, Nilton Alves de

Souza, Othoniel Ângelo de Sousa, Patricio Benedito dos Santos, Paulo Cezar de

Oliveira, Pedro Gabriel dos Santos, Perazo José da Silva, Reginaldo da Silva,

Ricellio Fabrício F. Brasilino, Robson Ferreira, Romualdo de Souza, Sebatião José

da Conceição, Sebastião Martins, Sebastião Rufino de Andrade, Sergio Valentim

Costa, Severino Celestino de Sousa, Tomaz Ananias, Valdemar Cristino, Valdir

Marinho Barbosa, Vinicius W. do Nascimento, Wagner Bruno de Costa Silva,

Wagner Soares Alves

CABELEIREIROS: Márcia Elias, Bob Paulino

MAQUIADORES: Marcos Freire, Jéssica Menezes

APOIO À CARACTERIZAÇÃO: Flávia Farias Campos, Maria Mônica de Oliveira,

Bertiza de Lima, Cíntia Matias Rodrigues, Edivânia de Farias Lima

DIREÇÃO DE PRODUÇÃO: Alcir Lacerda Filho

GERÊNCIA DE PRODUÇÃO: Fábio Zavala

PLATÔ: Eudes Santos

PRODUÇÃO E LOGÍSTICA: Kika Latache

PRODUÇÃO: Márcio Guerra, Stefanie Korb, Manuel Dantas Vilar, Antonio Carlos

Accioly, Bianca Marques, Tais Caetano, Thais Freire

TECNOLOGIA E INFORMÁTICA: Alexandre Q. Xavier

PRODUÇÃO INFRA-ESTRUTURA: Paula D’Emery

EQUIPE DE PRODUÇÃO INFRA-ESTRUTURA: Maria Suely Farias Diniz, Maria

Solange Alves Diniz, Valdir de Lima Vieira, José Batista de Lima, Lúcia Betânia

Gomes

ASSISTENTE DE PLATÔ: Alexandre “Dinho” Carvalho

DEPARTAMENTO JURÍDICO: Dr.ª Luna Oksman

DEPARTAMENTO ADM. FINANCEIRO: Milene Bastos

ASSESSORIA DE COMUNICAÇÃO: Roberta Frederico

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245

PESQUISA: Selma Siqueira

SECRETARIA DE ELENCO: Ana Suely V. Gomes

EQUIPE MÉDICA: Dr. Gilberto da Silva Filho, Dr. Hiarles Sampaio Brito, Enfa.

Elizete Oliveira Andrade

PESQUISA DE LOCAÇÃO: Manuel Dantas Suassuna, Joãomiguel Pinheiro, Eudes

Santos

PESQUISA DE ELENCO: Rutílio Oliveira, Manoel Constantino

PESQUISA DE FIGURAÇÃO: Alluana Jane Brasilina de Faria, Jarbas de Souza

Alves, José Batista de Lima “Canhoto”

ESTAGIÁRIOS: Janna Sâmara Ramos, Semirames Villar de Araújo, Vinicius de

Ferreira Campos

COORDENAÇÃO DE PÓS-PRODUÇÃO: Maria Clara Fernandez

MONTAGEM: Marcio Hashimoto Soares

MONTAGEM ADICIONAL: Pedro Duran

ASSISTENTE DE MONTAGEM: Renato Briano

PÓS-PRODUTORES: Gustavo Gaiarsa, Helô Lopes, Paulo Saias, Renato Tilhe

ABERTURAS E EFEITOS DIGITAIS HD: Vetor / Lobo

DIREÇÃO DE CRIAÇÃO (ABERTURA E EFEITOS): Mateus de Paula Santos,

Carlos Bêla

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Alberto Lopes

COORDENAÇÃO GERAL: João Tenório

ABERTURA: Carlos Bêla

DESIGN E ANIMAÇÃO 2D: Gabriel Dietrich, Roger Marmo

COORDENAÇÃO 2D: Dudi Ciampolini

ILUSTRAÇÕES: Cadu Macedo, Fernanda Heynen, João Paulo Ruas

ANIMAÇÃO ADICIONAL: Adrianus Cafeu, Chico Jofilsan, Francisco de Assis

Sanches, Janaína Bonacelli, Marcos Felix, Mao Ambrósio, Michel Vênus, Paulo

Nobre, Rodrigo Ribeiro, Sergio Rocha

ASSISTENTES DE FINALIZAÇÃO: Diego Ruiz, Gabriela Scorza, Renan Teixeira

Azevedo

SUPERVISÃO 3D: Frederic Palácio

COORDENAÇÃO 3D: André Sernaglia, Cristiane Santos

MODELAGEM 3D: Danilo Enoki

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246

TRACKING / ROTOSCOPIA 3D: Felipe Mattos, Guga Certain, Henrique de Freitas

Júnior

ROTOSCOPIA 2D: Gassan Abd Abdouni

MAP: Domingos Ferreira de Aquino, Vanderlei Zafalon Junior

RIG: Guilherme Gonçalves Rizzo, Tiago Dias

ANIMAÇÃO: Alexandre Martins, Michel Bidart

RENDER: Cleverson Martins Leal, Felipe Bauer, Franck Falgueyrac, Gustavo Yamin

PESQUISA E DESENVOLVIMENTO: Luiz Garrido

COMPOSIÇÃO: Carlos “Bodão” Campos

PÓS-PRODUÇÃO DE IMAGEM HD: Teleimage

COLORISTA SÊNIOR: Sérgio Pasqualino

SUPERVISÃO DE IMAGEM: Marcelo Siqueira, ABC

COORDENAÇÃO DE RECONSTRUÇÃO DE IMAGEM: Robson Sartori

GENERAL MANAGER: Patrick Siaretta

DIREÇÃO COMERCIAL: Jerome Merle

CONSULTORIA: Alex Pimentel

ATENDIMENTO: Ariadne Mazzetti

COORDENAÇÃO: Karina Vanes, Mariana Zdravca

SUPERVISÃO LABORATÓRIO: José A. de Blasiis, ABC

REVELAÇÃO: Emerson R. da Silva, Ernani Nula Max, Francisco G. Pereira,

Josevaldo Ribeiro de Faria

PREPARAÇÃO DE NEGATIVOS: Fernanda Rosa, Luciana Valério da Silva, Priscila

Cavichioli, Vera Lúcia Machado

QUÍMICOS: José Roberto de Oliveira, Rinaldo Piagerini

ASSISTENTE DE EDIÇÃO: Alex Ferreira

TELECINE OFF LINE: Luan Montmart

SCAN HD: Carolina Sasse, João Theodoro, Luciano Guimarães, Manuel Junior,

Ricardo Herling

RECONSTRUÇÃO DE IMAGEM: Aruan Santos, Benedito de Jesus Bertholi, Carlos

Eduardo Couto, Carlos Focca, Daniel Klump Cortez, David, Danielle Divardin,

Eduardo Monte Alegre, Emerson Bonadias, Fabíola Fernanda Caetano, Gabriel

Ferreira, J. Cambé, Jefferson Ietto Novo, Julio Luiz Valizi Lima, Lucas, Luiz Tella

Neto, Marcelo Ferreira “PJ”, Marcelo Martins, Marcelo Finotti, Maurício “Cabelo”,

Michel Zigaib, Omar Colocci, Renata B. Borges, Renata Ferreira Pinto, Renato

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247

Battaglia, Ricardo Alvarez Filho, Ricardo Filho, Rodrigo Aben, Rodrigo Aananias

Barros, Rodrigo Brinco, Rogério Marinho, Rogério Merlino, Thiago Dantas, Valdo

Caetando, Vanderson

PÓS-PRODUÇÃO HD: Equipe Academia de Filmes

SUPERVISÃO: Francisco Ruiz

CONSUTORIA: Alexandre Q. Xavier

COMPOSIÇÃO E EFEITOS: Marcell Hernandis

FINALIZAÇÃO: Cristiano Meira, Mario Abirajara, Tais Orsioli, Thais Barcelos, Diego

Roque, Jorge Luis, Tadeu Carraca, Leonard Araújo

RECONSTRUÇÃO DE IMAGEM: Alex Ferreira, Edson Costa, Fabio Fatorelli, Gabriel

Alves Lobato, Gilberto Caldas, João Nathan

CÂMERA: Murilo Azevedo

PRODUÇÃO DE ELENCO: Léo Gama

WEB DESIGN: André Luiz Machado, Fabrício Bianchi

ASSISTENTE WEB DESIGN: Andre Luiz Ignacio de Lima

WEB CONTEÚDO “A PEDRA DO REINO”: Bráulio Tavares

EDITORA DE WEB: Bárbara Duflles

PRODUTOR DE VÍDEO WEB: Douglas Fairbanks

GERÊNCIA DE DIREITOS AUTORAIS: Berenice Sofiete

GERÊNCIA DE OPERAÇÕES: Celso Araújo

ASSISTENTE ADMINISTRATIVO: Carla Madeira

COORDENAÇÃO DE PLANEJAMENTO E CONTROLE: Lissandra Mattos

ASSISTENTE EXECUTIVA: Ângela Rocha

CATERING: João Luis “Nunes” Costa, Arte e Magia

EQUIPE DE INFRA-ESTRUTURA: Adriana Rodrigues, Ana Cristina do Nascimento,

Ana Lúcia da S. B. dos Santos, Ana Paula Ferreira da Silva, Auricélia Levino,

Edineuza da Silva Pereira, Edjane Santos da S. Fernandes, Elba dos Santos, Elcio

Silva, Francisca Alves Ananias, Francisca Pereira dos Anjos, Geana Maria Bezerra,

Genilda Teófilo da Silva, Inês de Lima Lourenço Correia, Jacinta Campina do

Nascimento, José Batista de Lima, José Humberto Sales, Juraneide Oliveira Silva,

Luzia de Fátima V. Marinho, Luzia Regina de Farias, Maria das Graças dos Santos,

Maria do Socorro, Maria do Socorro L. Silva, Maria do Socorro Souza Silva, Maria

Ednalda Bezerra Pereira, Maria José dos Santos, Maria Selma F. dos Santos, Maria

Socorro Drielly S. Farias, Matilde de Lucena Lopes, Mônica Valéria Aires de Souza,

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248

Regina Patrícia A. Nascimento, Regina Silva dos Santos, Rosilda Maria de Oliveira,

Rosilda Vidal da Silva, Tânia Maria Rufino da Silva, Valdir de Lima Vieira, Vera Lucia

Ramos

MOTORISTAS: Alberto Souza Ramos, Aldemir Sousa Ramos, Alexandre Nobre

Herculano, Clemildo Lucena Amorim, Edílson André Barbosa, Edson Gomes,

Francisco André B. de Oliveira, Grênio Santos de Araújo, Hemerson Costa de

Oliveira, Jaciro Santos, Joabe Saraiva Filho, João Batista Solto, João José da Silva

Filho, João Tomaz de Farias, Judivan Rodrigues, Marco Lopes, Moisés José

Ferreira, Nivaldo Fraga Brito, Noé Santos Silva, Paulo Carlos Costa Pereira,

Reginaldo F. dos Santos, Roberto de Moura Porfírio, Rosimeri Amorim, Willame de

Campos

VIGILÂNCIA: Carlos A. de Araújo (Chefia), Ademar dos Santos, André Luiz Ramos,

Anselmo Hilário Gouveia, Carlos Antonio Diniz, Carlos Martins G. dos Santos, Elaildo

Oliveira Andrade, Geraldo Alexandre da Silva, João Batista Oliveira Andrade, João

Souza Meira Junior, José Ademilson de Gouveia, José Alyson de Lucena Lopes,

José Augusto Oliveira Silva, José Carlos Paulo dos Santos, José Vital Duarte,

Reginaldo da Silva, Roberto Amaro, Ronieri Lourenço de Moraes, Wilder Guedes

Diniz

NEGATIVOS: 16 mm / Kodak

AGRADECIMENTOS ESPECIAIS: Governo do Estado da Paraíba, SAELPA – PB,

Antonio Luiz Mendes, Edna Palatnik, Quanta Lighting, Rain Network, Teleimage,

Vetor Zero / Lobo Filmes, Vox Mundi

AGRADECIMENTOS: Adroaldo Carneiro, Adston Mantovani Jr., Aion

Cinematográfica, Alberto Lopes, Alceu Batistão, Alexandre Tan, Alice Monteiro Lima,

Antiquário Nota Dez, Balduíno Lelis de Farias, Carlos “Cacá” Carvalho, Câmera

Dois, Carmen Mello, Cartório Único de Taperoá, Casa Cult. Mem. Severino Cabral,

CHESF, Chico Assis, Cine – Cidade, Cine – Pró, Cláudio Lira (CHESF),

Comandante Albert (CHESF), Comandante Góes (CHESF), Coronel Beltrão, Coronel

Lima Irmão, Cristina Fantato, Cuco Cine Vídeo, Danieli Turolla, Dr. João Pinto, Dr.ª

Telma Rocha, Edina Fujii, Eduardo Ferrão, Eduardo Goldenstein, Elias Santeiro,

Elias Sultanum, Fábio Lima, Fábrica Brasileira de Imagens, Fernando Vilela,

Francisco José Tavares, Frederic Murilo Breyton, Fundação Roberto Marinho,

Helena Reuza de Queiros Dinis, Hotel Pedra do Reino, Jandira Tavares de Oliveira,

Janete Rodrigues, JKL Cine, João de Oliveira Chaves, João Pedro Albuquerque,

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João Pereira da Silva “Joãozinho”, Jonilson Vieira Santos “Nenen”, José Ferreira,

Lúcia Basto, Luciana Queroga, Luciano Campos Mendes, Luis Monteiro, Lunetterie –

RJ, Major Marcelo Bezerra e Equipe, Marcelo Oliveira, Márcio Langeani, Maria Dulce

de M. de Farias, Maria J. A. de Vasconcelos (MUFP), Marily Raphul, Marly de Assis

Pimenta, Mazinho Guinchos, Mitra Diocesana de Patos – PB, Motion, Museu da

Cidade de S. Luzia – PB, Museu de S. João do Cariri – PB, Museu Univ. Federal

Paraíba, Nestor Cavalcante Bezerra, NETO – Campina Grande, Paróquia N. S. da

Conceição – PB, Paróquia N. S. dos Milagres – PB, Patrícia Hockensmith, Patrick

Siaretta, Peta e Adonias (Massame e Areia), Pol. Civil do Estado da Paraíba, Pol.

Mil. do Estado da Paraíba, Prefeitura de Santa Luzia – PB, Prefeitura de Taperoá –

PB, Prof. Daniel Duarte Ferreira, Raimunda Ferreira, Ricardo Grandi, Roberto

Bicudo, Roberto Piquet, Rômulo Errico, Salomão Barreto Villar, Saulo Souza Gondin,

Sec. Adm. Penit. da Paraíba, Sec. Educ. e Esporte de S. Luzia, Sec. Planejamento

da Paraíba, 2º Grup. Bombeiros – Campina Grande, Sérgio Gallo, Silvia Alves,

Simone Lamosa, Tadeu Jungle, Universidade Federal da Paraíba, Valter Onishi,

Vilma Guimarães

PRODUÇÃO EXECUTIVA: Academia de Filmes

DIREÇÃO DE NÚCLEO / TV GLOBO: Luiz Fernando Carvalho

CRÉDITOS DE AUTORAÇÃO:

Coordenação: Cleber Tumasonis

Supervisão: Rodrigo Garcia

Designers: Alexandre Madugu, Flávia Marcato

Autoração: Ariel Bertelo, Stefano Pashalidis, Thiago Dell’Orti

Assistente: André Godoi