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Composto e Impresso na Deambular de Letras, Lda. - Figueira da Foz — Tiragem 250 ex. — Depósito legal n.º 2030/83 Condições de Assinatura: Publicação Quadrimestral. Assinatura Anual: Instituições 30; Pessoal 20Número avulso: 10Correspondência: Redacção da Revista Psiquiatria Clínica - Serviço de Psiquiatria dos H.U.C.. Apartado 9001 - 3001-301 Coimbra — Telef. 239 400 494 — Fax 239 828 291 E-mail: [email protected] — Site: www.revistapsiquiatriaclinica.com DIRECTOR: Adriano Vaz Serra EDITOR: António Reis Marques EDITOR ASSOCIADO: Horácio Firmino CONSELHO EDITORIAL: Américo Baptista Graça Santos Margarida Figueiredo António Macedo Santos Ilda Murta Maria Helena Azevedo António Silva Marques Joaquim Ramos Maria Luísa Figueira António Pissarra da Costa José Morgado Pereira Mário Rodrigues Simões Carlos Braz Saraiva José Pio de Abreu Óscar Gonçalves Carlos Leitão José Pinto Gouveia Paulo Abrantes Emília Albuquerque João Amílcar Teixeira Rui Coelho Fernando Pocinho João Santos Relvas Zulmira Santos Francisco Allen Gomes Luiz Cortez Pinto Graça Cardoso Manuel João Quartilho A Psiquiatria Clínica é uma publicação quadrimestral versando temas psiquiátricos e psicológicos de índole essencialmente clínica, voltada para a actualização dos técnicos de saúde interessados nestas matérias. PORTE PAGO MAI./AGO. 2011, Vol. 32 n.º 2

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Composto e Impresso na Deambular de Letras, Lda. - Figueira da Foz — Tiragem 250 ex. — Depósito legal n.º 2030/83

Condições de Assinatura: Publicação Quadrimestral. Assinatura Anual: Instituições 30€; Pessoal 20€

Número avulso: 10€

Correspondência: Redacção da Revista Psiquiatria Clínica - Serviço de Psiquiatria dos H.U.C.. Apartado 9001 - 3001-301 Coimbra — Telef. 239 400 494 — Fax 239 828 291 E-mail: [email protected] — Site: www.revistapsiquiatriaclinica.com

DIRECTOR:

Adriano Vaz Serra

EDITOR:

António Reis Marques

EDITOR ASSOCIADO:

Horácio Firmino

CONSELHO EDITORIAL:

Américo Baptista Graça Santos Margarida Figueiredo

António Macedo Santos Ilda Murta Maria Helena Azevedo

António Silva Marques Joaquim Ramos Maria Luísa Figueira

António Pissarra da Costa José Morgado Pereira Mário Rodrigues Simões

Carlos Braz Saraiva José Pio de Abreu Óscar Gonçalves

Carlos Leitão José Pinto Gouveia Paulo Abrantes

Emília Albuquerque João Amílcar Teixeira Rui Coelho

Fernando Pocinho João Santos Relvas Zulmira Santos

Francisco Allen Gomes Luiz Cortez Pinto

Graça Cardoso Manuel João Quartilho

A Psiquiatria Clínica é uma publicação quadrimestral versando temas psiquiátricos e psicológicos de índole essencialmente clínica, voltada para a actualização dos técnicos de saúde interessados nestas matérias.

PORTEPAGO

MAI./AGO. 2011, Vol. 32 n.º 2

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Sumário

Experiência Clínica do Hospital de Dia de Psiquiatria dos HUC (2005-2010) — Paula Garrido, Carlos Braz Saraiva 65

Síndrome Pós-Concussional — Nuno Madeira, João Alcafache, Tiago Santos, Máximo Colón, Graça Santos Costa 73

Teste de Atitudes Alimentares – 25: Validade para o rastreio das perturbação do comportamento alimentar — A.T. Pereira, M.J. Soares, M. Marques, B. Maia, S. Bos, J. Valente, V. Nogueira, M.H. Azevedo, A. Macedo 89

Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sono em estudantes do sexo feminino — Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos 105

AlucinaçõesdeComandoeAuto-Mutilação:Reflexõesapropósitodeumcasoclínico — Emanuel Filipe Santos, Carlos Leitão, Victor Sainhas Oliveira 119

Depressão nos Idosos Institucionalizados — Ferreira, Joana Sá, Barbosa, José Carlos 127

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INDICAÇÕES AOS AUTORES

1 — A revista “PSIQUIATRIA CLÍNICA” aceita artigos originais não submetidos a outras publicações e avalia-os previamente, não garantindo, porém, a publicação de todos os artigos que lhe sejam entregues, devolvendo-os neste caso aos autores;

2—OsoriginaisdevemserenviadosemformatoWordeosgráficosemJPGouExel;

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4 — As referências aos autores e obras devem obedecer ao seguinte esquema: (Júlio de Matos, 1910), (Elysio deMoura,1947)aquecorresponderánasreferênciasbibliográficas:

— Mattos, J. (1910) – elementos.— Moura, E. (1947) – Anorexia Mental – Acta Universitatis Conimbrigensis.Ouentãoasreferênciassãonumeradasnotextoedepoislistadasnabibliografiapelasuaordemdeaparecimento:(1) Cebola, L. (1931) – Psiquiatria Social – Livraria Central, Lisboa.(2) Bombarda, M. (1891) — Physiologia Geral — Typographia da Academia Real das Sciencias.

5 — Os vocábulos estrangeiros devem, nos originais, ser apresentados em sublinhado (indicação de itálico) e não entre aspas, salvo quando se tratar de citações de textos;

6 — Os artigos devem ser acompanhados de um resumo em português e obrigatoriamente um resumo em inglês;

7 — Os autores têm o direito a dez separatas do artigo, gratuitamente. Se desejarem pode ser obtido um número de separatas superior ao mencionado, recaindo neste caso sobre os autores as despesas inerentes que ultrapassem o estabelecido;

8 — Os artigos publicados são da exclusiva responsabilidade dos autores;

9—ApósasuaaceitaçãoepublicaçãonaRevistaosartigosficamaserpropriedadedesta.Asuareprodução,total ou parcial, só pode ser feita após prévia autorização do Editor. Excluem-se desta obrigação apenas os casos de brevescitaçõesdetextoemartigoscientíficos;

10 — Os originais devem ser enviados para: Editor da Revista Psiquiatria Clínica – Serviço de Psiquiatria – 9001 – 301-301 COIMBRA.

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Experiência Clínica do Hospital de Dia de Psiquiatria dos HUC (2005-2010)*

PORPAULA GARRIDO(1), CARLOS BRAZ SARAIVA(2)

Resumo

O papel tradicionalmente atribuído aos Hospitais de Dia psiquiátricos é de prevenção e tratamento da doença mental, visando a integração/ reintegração familiar, social e profissional dos doentes sem recurso ao internamento completo. Esta função tem-se mantido, acrescida nas últimas décadas da valorização económica e social desta modalidade de internamento, e os Hospitais de Dia são actualmente considerados componente fundamental da Psiquiatria Comunitária.

O objectivo principal do presente trabalho é apresentar, na forma de um estudo descritivo, os resultados mais expressivos da experiência do Hospital de Dia de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra referentes aos últimos seis anos de funcionamento.

Pretende-se ainda fazer uma revisão do contexto histórico-psiquiátrico e dos princípios fundamentais subjacentes à criação e desenvolvimento dos Hospitais de Dia, compreender o seu papel actual e antever os desafios futuros deste tipo de internamento.

Palavras-chave: Psiquiatria, Hospital de Dia, serviços comunitários, história, papéis

Abstract

The role traditionally assigned to the Psychiatric Day Hospitals is prevention and treatment of mental illness, looking for family, social and professional integration/ reintegration of patients, without recourse to full admission. This function has been maintained, increased in recent decades of economic and social value of this type of admission, and Day Hospitals are now considered a key component of Community Psychiatry.

The main goal of this paper is to present, in the form of a descriptive study, the most important results of the experience of the Psychiatric Day Hospital of Coimbra University Hospitals, for the last six years.

The aim is also to review the historical-psychiatric context and the fundamental principles underlying the creation and development of Day Hospitals, understand its current role and anticipate future challenges of this type of admission.

Key-words: Psychiatry, Day Hospital, community services, history, roles

Psiquiatria Clínica, 32, (2), pp. 65-72, 2011

(1) Interna de Psiquiatria dos HUC(2) Chefe de Serviço dos HUC, Director do Hospital de Dia de Psiquiatria dos HUC, Professor da FMUC* Trabalho apresentado em Reunião do Hospital de Dia de Psiquiatria dos HUC, Fevereiro de 2011

Artigo de Investigação

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Paula Garrido, Carlos Braz Saraiva66

INTRODUÇÃO

A história dos Hospitais de Dia psiquiátricos remonta ao segundo quartel do século XX, concre-tamente ao ano de 1933 (Dzhagarov, 1937), com a abertura na cidade de Moscovo da primeira unidade de internamento parcial para doentes mentais graves - Hospital ou Serviço de Dia - como resposta à di-minuição do número de camas e dificuldades de fi-nanciamento das clínicas psiquiátricas destinadas ao tratamento dos estados agudos, e aos fracos resulta-dos terapêuticos obtidos nos grandes estabelecimen-tos asilares. O programa inicialmente concebido tinha uma duração de dois meses, abrangia cerca de 80 do-entes e consistia essencialmente em ergoterapia. De facto, manter os doentes mentais ocupados era uma ideia antiquíssima e os primeiros relatos de “terapia ocupacional” remontam ao antigo Egipto, onde os do-entes melancólicos eram ocupados com tarefas agra-dáveis à sombra dos templos.

A partir da década de quarenta surgem na ex--União Soviética os chamados “Centros de Dia”, departamentos autónomos dos dispensários neuropsi-quátricos que constituiram uma tentativa embrionária para deslocar os serviços de saúde mental dos hospi-tais psiquiátricos para as comunidades, lançando as-sim as primeiras bases da moderna psiquiatria social.

No entanto, só depois da 2ª Guerra Mundial se começa a verificar, lentamente, o recurso ao tratamen-to em Hospital de Dia como fórmula experimental de hospitalização para doentes mentais. O primeiro Hospital de Dia de Psiquiatria oficialmente reconhe-cido como uma unidade funcional foi fundado em 1947 em Montréal, por Ewen Cameron, no hospital universitário Allen Memorial Institute of Psychiatry, com o objectivo de estimular a vida em comunidade, “permitindo que os doentes frequentassem os trata-mentos apenas durante o dia, como se fossem para o trabalho” (Cameron, 1947). Desde então um número crescente de programas de hospitalização parcial foi criado um pouco por todo o mundo: no Reino Unido, Joshua Bierer fundou em 1948 o Malbourough Day Hospital e no ano seguinte assistiu-se à criação na Menninger Clinic em Nova Iorque, por William Men-ninger, do primeiro Hospital de Dia de psiquiatria em solo americano.

Segundo Ey (1974), esta evolução foi enquadra-da por novas orientações de psicosocioterapia insti-tucionais ou colectivas que transformaram a atmos-fera médico-social das instituições. A psicoterapia de inspiração psicanalítica, o psicodrama de Moreno e

as contribuições da pedagogia e da psicoterapia de grupo, todas convergiram para a transformação do modelo institucional tradicional num novo modelo de serviços psiquiátricos.

Este processo foi catalisado pelos movimentos de desinstitucionalização florescentes nos finais dos anos 50 nos EUA, decorrentes dos avanços sociais e científicos nos campos dos direitos e tratamento dos doentes mentais e, posteriormente, pela criação dos cuidados mentais comunitários a partir de 1980. A promulgação nos EUA do Community Mental Heal-th Centers Act em 1963, durante o governo de Ken-nedy, constitui um ponto de viragem no movimento da psiquiatria comunitária, pelo desvio dos cuidados do internamento nos grandes estabelecimentos (state asylums), para os cuidados ambulatórios em estrutu-ras de pequena e média dimensão, mais próximos fí-sica e funcionalmente de outros hospitais e da própria comunidade. Do outro lado do Atlântico, também o sistema de saúde britânico (Health Authorities) vai impulsionar os Hospitais de Dia, num processo con-temporâneo e de inter-influência com o seu congéne-re norte-americano, mas que diverge deste numa fase posterior, ao dotar os Hospitais de Dia de um papel único e independente durante a extinção dos grandes hospitais psiquiátricos (DHSS, 1962).

No panorama da psiquiatria em Portugal, não podemos deixar de referir o papel pioneiro de Mi-guel Bombarda que, na linha dos alienistas europeus, considerava já a ocupação dos doentes mentais nos trabalhos agrícolas e nas oficinas de trabalho como factor de estabilidade emocional e vector de encami-nhamento das suas aptidões (Oliveira, 2003).

Em 1928 escreve Sobral Cid na Lisboa Médica (V Volume), a continuação do artigo “Reforma e actu-alização da assistência psiquiátrica em Portugal”, em cujo ANEXO se encontra a “Súmula dos princípios fundamentais da assistência aos psycopatas”, da qual transcrevemos um excerto relacionado com a ocupa-ção dos doentes: “A assistência manicomial moderna assenta fundamentalmente na ocupação dos aliena-dos; em primeiro logar como meio terapêutico e de readaptação social (Trabalho-tratamento); em se-gundo logar como uma possível fonte de receita, sus-ceptível de aliviar as despesas gerais de assistência (Trabalho-rendimento). ( ) Não deixar ninguém inac-tivo; proporcionar uma ocupação a todos os doentes, salvo nas fases agudas e nos casos de impossibilidade física, deve ser a primeira preocupação do director do manicómio moderno”. Considerava assim que a

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terapêutica pela ocupação (“trabalho e distracções”) é de capital importância nos doentes crónicos, colo-cando-a, senão em igualdade de valor com as terapêu-ticas biológicas, pelo menos como complemento in-dispensável daquelas. O seu fim seria o de “melhorar o rapport do doente com o ambiente, estabelecendo novos pontos de contacto com o mundo real e opon-do-se eficazmente à misteriosa força centrípeta que os impele ao ensimesmamento e ao autismo”, através da criação de um ritmo de vida mais próximo da vida exterior e animado pelas relações sociais.

Não podemos deixar de relevar a actualidade destes novos conceitos terapêuticos à época, sintóni-cos com o movimento de transformação asilar para fora dos “muros dos hospitais” (Redondo, 2005), de-sencadeado na Alemanha por Herman Simon. Ape-nas alguns anos antes, em 1923, Edouard Toulouse fundava dentro dos muros do hospital psiquiátrico de Sainte-Anne o “Hospital aberto” Henri-Rousselle, vocacionado para assistir doentes psicóticos agudos e com patologias neuróticas nas modalidades de inter-namento e ambulatório.

Seriam no entanto necessários cerca de vinte anos para que em Portugal fosse inaugurado no Hospital Júlio de Matos o primeiro Hospital de Dia de psiquia-tria, sob a égide de Barahona Fernandes que a partir de 1942 assume funções como membro da Comissão Instaladora e posteriormente como Director da Clí-nica Psiquiátrica daquele hospital. Sob a direcção do Prof. António Flores, Barahona Fernandes foi ainda responsável pela instituição da Terapia Ocupacional e de outras inovações terapêuticas no Hospital Júlio de Matos, catalizadoras do movimento de abertura ra-dical da assistência psiquiátrica aos doentes mentais, que culminou precisamente com a abertura do primei-ro Hospital de Dia e a instituição de um Dispensário de Saúde Mental e do Serviço Social.

Ao longo das últimas décadas assistiu-se à evolu-ção gradual das funções dos Hospitais de Dia, adap-tando-os às mudanças das políticas de saúde mental emergentes a partir da década de 60. De mero serviço alternativo aos cuidados de saúde mental tradicio-nais (internamento hospitalar, consulta ou cuidados domiciliários), estas unidades assumiram o lugar ac-tual como pedra angular dos cuidados comunitários (Bennett, 1981). Os tratamentos psiquiátricos são hoje mais humanizados, os internamentos ocorrem tendencialmente nos hospitais distritais (menos lo-tados) e querem-se de curta duração, privilegiando o regresso do doente à comunidade.

Astrachan e colaboradores (1970) definiram os objectivos de um Hospital de Dia de Psiquiatria, uma proposta que se mantém actual apesar das sucessivas políticas de saúde mental. Consideraram como prin-cipais funções:1. Apresentar uma alternativa à hospitalização com-

pleta; 2. Oferecer continuação de cuidados aos doentes

previamente internados em enfermarias de agu-dos, num ambiente de transição, facilitador da reentrada na comunidade;

3. Ser um serviço de tratamento e reabilitação para os doentes mentais crónicos;

4. Prestação de serviços de saúde mental considera-dos pela comunidade como “necessidade públi-ca”.

Em funcionamento desde 1986, o Hospital de Dia de Psiquiatria é uma unidade funcional do Ser-viço de Psiquiatria dos Hospitais da Universidade de Coimbra (HUC), cujo espaço físico se situa no edi-fício central dos HUC, em área própria, contígua à Enfermaria de Homens. A lotação prevista é actual-mente de 15 doentes. Trata-se de um serviço concebi-do para a prestação de cuidados psiquiátricos, como alternativa ao internamento em tempo total, quando as condições clínicas do doente o permitem, evitando o seu afastamento total do meio familiar e social e permitindo uma intervenção integrada e multidisci-plinar. O seu objectivo centra-se no acompanhamen-to terapêutico do doente, favorecendo a manutenção do contacto com a realidade exterior e o processo de reintegração social.

Através de intervenções terapêuticas múltiplas e integradas, o Hospital de Dia de Psiquiatria propõe-se prestar cuidados globais aos doentes para aí referen-ciados, que incluem o diagnóstico e tratamento médi-co (numa dupla perspectiva, psiquiátrica e somática), psicossocial e de reabilitação.

O Serviço dispõe de uma equipa multidisciplinar constituída por cinco Psiquiatras, duas Enfermeiras de Saúde Mental, uma Terapeuta Ocupacional, uma Assistente Social (a tempo parcial), e ainda uma Assistente Operacional e uma Secretária Clínica. O acompanhamento psicoterapêutico, de orientação cognitivo-comportamental, é efectuado pelos Psicó-logos afectos ao Serviço de Psiquiatria. Ao longo dos últimos anos tem-se afirmado também como um dis-positivo de formação pré e pós-graduada.

Para além dos procedimentos clínicos individu-alizados, existe um plano semanal de actividades de

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grupo que inclui treino de relaxamento e ginástica, actividades artesanais, clube de leitura, compras e culinária, treino de aptidões sociais, psicoeducação, educação para a saúde, reunião comunitária, saídas ao exterior com visitas programadas a locais recreativos e culturais da cidade de Coimbra.

OBJETIVOS

O objectivo do presente trabalho é apresentar, na forma de um estudo descritivo, os resultados mais expressivos da experiência do Hospital de Dia de Psi-quiatria dos HUC referentes aos últimos seis anos de funcionamento, entre 01 de Janeiro de 2010 e 31 de Dezembro de 2010.

Secundariamente, pretende-se fazer uma revisão do contexto histórico-psiquiátrico e dos princípios fundamentais subjacentes ao processo de desenvolvi-mento dos Hospitais de Dia de Psiquiatria, compre-ender o seu papel actual e antever os desafios futuros desta modalidade de internamento.

MATERIAL E MÉTODOS

Procedeu-se à selecção e análise dos relatórios de alta, ou do processo clínico na ausência deste, de todos os doentes internados no Hospital de Dia de Psiquiatria dos HUC entre 01 de Janeiro de 2005 e 31 de Dezembro de 2010, pesquisando para cada um os seguintes itens:

1. Idade 2. Género3. Origem da referenciação4. Motivo de internamento5. Duração do período de internamento6. Diagnóstico psiquiátrico7. Existência de co-morbilidades (psiquiátricas

ou médicas)8. Evolução do estado clínico9. Orientação após a alta hospitalar

Os diagnósticos psiquiátricos foram recolhidos e classificados de acordo com a Classificação Estatísti-ca Internacional de Doenças e Problemas Relaciona-dos com a Saúde – 9ª Edição (CID-9), por se tratar do último sistema classificativo utilizado na amostra de doentes recolhida.

RESULTADOS

A nossa amostra é constituída por um total de 354

doentes, a que corresponderam 378 internamentos e uma taxa de 63 internamentos/ano. 2009 e 2010 fo-ram os anos em que se registou o maior número de internamentos no Hospital de Dia, respectivamente 18,5% e 18,3% da amostra total. Durante o período estudado, verificaram-se 24 re-internamentos (6,3%).

A idade média encontrada foi de 44,3 anos, sen-do a idade mínima de 13 e a máxima de 79; 50.5% da amostra encontra-se compreendida entre os 40 e os 59 anos. De salientar ainda que somente 11.9% dos doentes tinham menos de 25 anos e 6.1% estavam no escalão etário acima dos 70 anos.

Em relação à distribuição por género, existe uma preponderância de doentes do sexo feminino (n=262; 74%) em relação aos do sexo masculino (n=92; 26%).

No que respeita à origem da referenciação, a Consulta Externa de Psiquiatria foi responsável pelo envio da maioria dos doentes para internamento em Hospital de Dia (67.8%). Os doentes acompanhados em Consulta de Psiquiatria privada (exterior) repre-sentaram 14.8% dos pedidos de internamento. Segui-ram-se, por ordem decrescente, o Serviço de Urgên-cia (9.1%), Serviço de Internamento de Psiquiatria (2.6%), Consulta de Psiquiatria de Ligação (2.3%), outros Serviços de Internamento dos HUC (1.9%) e Consulta de Psicoterapia (1.1%). É de salientar que durante o período analisado, apenas um internamento foi solicitado directamente pelo Médico de Família.

Os principais motivos indicados para fundamen-tar o pedido de internamento foram: estabilização clí-nica de um quadro psiquiátrico já conhecido (59.9%), necessidade de clarificação diagnóstica (21.6%), op-timização da terapêutica psicofarmacológica (6.9%), estudo orgânico (5.5%), realização de psicoterapia (1.7%) ou terapia ocupacional (1.4%), reabilitação psicossocial (1.4%) e continuação de terapêutica in-travenosa iniciada no internamento de agudos (0.9%) (figura 1).

Os diagnósticos psiquiátricos encontrados estão representados na figura 2.

As patologias mais frequentes no internamen-to em Hospital de Dia foram: Psicoses Afectivas (40.7%), Transtornos Neuróticos (22.5%), Reacções de Ajustamento (13.0%) e Psicoses Esquizofrénicas (7.8%), seguindo-se os Transtornos da Personalidade (5.7%) e um conjunto muito menos expressivo de outros diagnósticos psiquiátricos constituído por Es-tados Paranóides (2.5%), Síndromes de Dependência do Álcool (2.0%), Factores Psíquicos Associados a Doenças (2.0%), Oligofrenia (1.6%), Psicoses Não Orgânicas NCOP/ Psicose SOE (0.8%), Síndromes

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e Sintomas Especiais NCOP correspondentes a situa-ções de Anorexia Nervosa e Bulimia (0,8%). Final-mente, há a referir um número residual de doentes (0,5% do total) que apresentaram outras patologias não enquadráveis nos grupos de diagnóstico descri-tos.

Dos quadros que preenchiam critérios para Psi-coses Afectivas e que constituiram a maioria das en-tidades nosológicas identificadas, 45.4% cumpriam critérios para Perturbação Depressiva Major Episódio Simples, Moderado, 16.6% para Perturbação Afec-tiva Bipolar (PAB), Fase Depressiva, 8.1% para PAB, Fase Mista, e 8.1% para Perturbação Depressiva Ma-

jor Episódio Recorrente. As restantes perturbações do humor encontradas foram: PAB, Fase Maníaca (6.1%), Perturbação Depressiva Major Episódio Sim-ples, Severo sem Componente Psicótico (5.1%), Per-turbação Depressiva Major com Componente Psicóti-co (4.0%), Psicose Afectiva SOE (4.0%), e PAB em Remissão (3.0%).

Os Trasntornos Neuróticos representam o se-gundo grupo diagnóstico mais frequente no período estudado (22.5%) e merecem também, pela sua het-erogeneidade, uma breve descrição. Cerca de metade destes doentes (46%) apresentavam psicopatologia compatível com Depressão Neurótica e outros 30%

Figura 1

Figura 2

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preenchiam critérios para “depressão dupla”, 12% foram orientados para Hospital de Dia por uma situa-ção clínica de Transtorno Obsessivo-Compulsivo e 12% por Trasntorno Generalizado de Ansiedade.

Uma pequena percentagem de doentes apre-sentou critérios para o diagnóstico de uma ou mais co-morbilidades psiquiátricas. Encontrámos como diagnósticos secundários mais frequentes, por ordem decrescente: Transtorno da Personalidade (não espe-cificado, histérico, borderline, anacástico, evitante e explosivo), Oligofrenia Ligeira e Síndrome de De-pendência do Álcool. Nos últimos anos verificámos a existência de um número crescente de doentes a quem foi realizado o diagnóstico co-mórbido de De-feito Cognitivo Ligeiro, reflectindo a evolução dos próprios sistemas classificativos em Psiquiatria.

Em relação às co-morbilidades médicas veri-ficámos a sua presença em cerca de metade dos doentes internados em Hospital de Dia (156 de um total de 354 doentes), tratando-se na maioria das situações de dislipidémia e HTA. No gráfico se-guinte apresentamos a distribuição das patologias orgânicas identificadas, por número absoluto de doentes (figura 3).

O tempo médio de internamento no período em apreço foi de 46,9 dias e situou-se entre o limite mí-nimo de 1 dia e máximo de 190 dias. Na figura 4 en-contra-se representada a distribuição do tempo médio de internamento.

No que diz respeito à orientação dos doentes após a alta do Hospital de Dia, a grande maioria regressou ao acompanhamento ambulatório pelo

Figura 4

Figura 3

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Psiquiatra Assistente após estabilização clínica (83%), 10% foram encaminhados para realização de psicoterapia mais específica e estruturada e em 12.5% dos casos foi necessária orientação por ou-tra especialidade médica, sobretudo Neurologia e Endocrinologia. 8.5% dos doentes foram orienta-dos para formação sócio-profissional e em 5% dos casos foi necessária a intervenção e apoio do Ser-viço Social. 4% dos doentes foram orientados para o seu Médico de Família. Um número muito resi-dual de doentes foi referenciado para consultas de sub-especialidade (Prevenção do Suicídio e Stress Pós-Traumático).

A avaliação global da evolução do estado clínico à entrada no internamento e à data da alta, permitiu--nos concluir que 82.5% dos doentes tiveram uma evolução clínica favorável, 10.4% agravaram a sua situação clínica, tendo sido necessário o recurso ao internamento na enfermaria de agudos, e em 7.1% dos casos não se verificou evolução significativa da psico-patologia apresentada.

O cruzamento das três últimas variáveis apre-sentadas (duração do período de internamento, orientação após a alta hospitalar e evolução do es-tado clínico), revela que os doentes cujo estado clínico evoluiu desfavoravelmente apresentavam diagnósticos mais graves, geralmente esquizofrenia, PAB e depressão com características melancólicas, algumas das quais com componente psicótico. Em média estes doentes estiveram internados menos de uma semana, tendo sido orientados para internamen-to completo devido à gravidade da psicopatologia apresentada, que tornava inviável a compensação clínica no contexto de internamento parcial no Hos-pital de Dia de Psiquiatria.

Nos casos em que não se verificou qualquer evo-lução da condição clínica de base, constatámos que o diagnóstico psiquiátrico em causa correspondia geral-mente a um Transtorno da Personalidade. Estes doen-tes foram os que mais frequentemente abandonaram o Hospital de Dia ou tiveram alta precocemente, contra parecer médico.

Períodos de internamento superiores a 90 dias implicaram quase sempre o diagnóstico de Psicose Esquizofrénica ou, em menor proporção, Oligofre-nia, Transtorno Obsessivo-Compulsivo, PAB em Fase Depressiva, com recurso a orientação por parte do Serviço Social por grave disrupção sócio-fami-liar, integração em programas de formação sócio--profissional ou realização de psicoterapia cogniti-vo-comportamental.

DISCUSSÃO E CONCLUSÕES

Os Hospitais de Dia de Psiquiatria têm um longo percurso, iniciado na Europa do início do século XX com os movimentos de transformação asilar levados a cabo por psiquiatras na Alemanha, França e ex-URSS. Consistiam inicialmente em simples programas con-cebidos para organizar e intensificar a socialização dos doentes mentais, propondo a actividade laboral como um meio terapêutico e promovendo a participa-ção destes na própria recuperação através da inserção num grupo de trabalho e de produção. Esta possibili-dade foi seguida por psiquiatras um pouco por todo o mundo, como forma de contornar a tradição custodial dos asilos e as legislações vigentes para o tratamento dos doentes mentais. O papel destas unidades foi for-temente impulsionado pelos movimentos de desinsti-tucionalização florescentes nos EUA no final dos anos 50 e pela criação dos cuidados mentais comunitários a partir de 1980.

O movimento da Psiquiatria Comunitária des-viou progressivamente os cuidados de saúde mental prestados em contexto de internamento nos grandes hospitais psiquiátricos, para serviços ambulatórios em estruturas de pequena e média dimensão, mais próximos física e funcionalmente de outros hospitais e da própria comunidade. Não é portanto de surpre-ender que nos últimos anos os Hospitais de Dia se tenham constituído como um dos componentes nu-cleares da Psiquiatria Comunitária, situando-se hoje na confluência dos principais tributários da moderna corrente da Psiquiatria Social.

As vantagens sociais e económicas deste tipo de internamento têm sido amplamente ventiladas. Em re-lação aos aspectos económicos, actualmente tão privi-legiados, há estudos que concluem que os gastos tidos com o internamento parcial se situam em cerca de um terço relativamente ao internamento completo, para o mesmo número de doentes ao longo de períodos de internamento semelhantes.

No horizonte encontram-se novos papéis para os Hospitais de Dia psiquiátricos: tratamento de doentes agudos, criação de sub-unidades especiais (psicoge-rátricas, para tratamento de alcoolismo ou distúrbios da personalidade), articulação com os serviços comu-nitários permitindo a referenciação e suporte mútuos, “hospitais nocturnos” (Mak, 1994) para doentes com ocupação profissional, possibilidade de integrar uten-tes em regime privado

De certa forma, podemos perspectivar a criação no futuro de “distintos” Hospitais de Dia, servindo

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Paula Garrido, Carlos Braz Saraiva72

funções igualmente distintas: uns orientados para situações de crise com internamentos curtos, já de-monstrado por Creed (1989) como uma alternativa válida e eficaz, enquanto outros estariam vocacio-nados para doentes ditos “crónicos”, possibilitando tratamentos intensivos por períodos de tempo longos.

A principal missão do Hospital de Dia do Ser-viço de Psiquiatria dos HUC centra-se na prevenção e tratamento da doença mental, numa perspectiva in-tegradora do doente (bio-psico-social), visando a sua integração/ reintegração social, familiar e profissio-nal, sem recurso a internamento em tempo total. Os objectivos deste Hospital de Dia passam ainda pela redução do tempo médio de internamento a tempo completo, através da continuidade dos cuidados pres-tados aos doentes previamente internados na enfer-maria, diversificação das respostas terapêuticas, bem como a implementação de Programas de Reabilitação

Psicossocial. Terminaríamos este trabalho apresentando o

perfil do doente-tipo admitido no Hospital de Dia de Psiquiatria dos HUC, salvaguardando que se trata da média das características dos 354 doentes observados num período de tempo limitado (6 anos), não incluin-do por isso as frequentes excepções com que nos de-paramos na prática clínica. Trata-se de uma mulher com idade compreendida entre os 40 e os 59 anos, referenciada a partir da Consulta Externa pelo Psi-quiatra Assistente. O diagnóstico psiquiátrico é o de uma perturbação afectiva, habitualmente um episódio depressivo de gravidade moderada, e o internamen-to visa a estabilização clínica. Em média permanece nesta unidade de internamento parcial por um perío-do de 47 dias, evoluindo favoravelmente do ponto de vista clínico. Após a alta regressa ao acompanhamen-to pelo Psiquiatra Assistente.

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Síndrome Pós-Concussional

PORNuNO MadeiRa(1), JOãO alCafaChe(2), TiagO SaNTOS(3), MáxiMO COlóN(4), gRaça SaNTOS COSTa(5)

Resumo

Muitos indivíduos que tenham sofrido um traumatismo crâneo-encefálico ligeiro reportam uma constelação de sintomas físicos, psicológicos e cognitivos descritos na nosologia médica como o Síndrome Pós-Concussional (SPC). Embora a resolução clínica destes quadros ocorra com frequência após poucas semanas, alguns doentes evidenciam persistência sintomática que se pode revelar permanente e causadora de incapacidade funcional. Historicamente têm sido consideradas variáveis fisiológicas e psicológicas como contribuintes para a patogénese do SPC. No presente artigo os autores realizam uma revisão histórica de aspectos conceptuais e nosológicos deste síndrome e actualizam o estado da arte quanto à sua epidemiologia, fisiopatologia, manifestações clínicas, diagnóstico e tratamento, sendo ainda considerados aspectos médico-legais.

Palavras-chave: Síndrome Pós-Concussional, Traumatismo Crânio-Encefálico, Psiquiatria Forense

Abstract

Many of those who have suffered a mild traumatic brain injury report a constellation of physical, psycho-logical and cognitive symptoms described in medical nosology as Post-Concussion Syndrome (PCS). Although clinical remission of these cases occurs frequently after a few weeks, some patients report persistent symptoms that might become permanent and cause functional impairment. Historically, physiological and psychological

Psiquiatria Clínica, 32, (2), pp. 73-88, 2011

(1) assistente eventual de Psiquiatria, Serviço de Psiquiatria dos hospitais da universidade de Coimbra.(2) Médico do internato Complementar de Psiquiatria, departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do hospital

infante d. Pedro – aveiro.(3) assistente eventual de Psiquiatria, departamento de Psiquiatria e Saúde Mental do hospital infante d. Pedro

– aveiro.(4) assistente hospitalar de Psiquiatria da delegação do Centro do instituto Nacional de Medicina legal, i.P.

(iNMl).(5) Chefe de Serviço de Medicina legal, directora do Serviço de Clínica forense de delegação do Centro do

iNMl Contacto do autor: Nuno Madeira hospitais da universidade de Coimbra Praceta Mota Pinto 3000-075 Coimbra Portugal Phone: +351 239 400 650 fax: +351 239 403 950 e-mail: [email protected]

Artigo de Revisão

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Nuno Madeira, João Alcafache, Tiago Santos, Máximo Colón, Graça Santos Costa74

1) Introdução

O primórdio conceptual do Síndrome Pós-Con-cussional (SPC) remonta ao período da Primeira guerra Mundial, quando em 1915 surge a expressão Shell Shock, inicialmente concebida como uma con-dição decorrente de lesão neurológica, uma forma de commotio cerebri consequência de impactos ou compressões de grande energia (1,2,3). Contudo, cedo surgiram dúvidas quanto à contribuição directa do impacto cerebral para a origem dos sintomas, ten-do sido sugerido por alguns autores que estes teriam uma origem primordialmente psicogénica e não neu-rológica, denominando o quadro por Neurose Trau-mática (3,4).

Nessa perspectiva de uma neurose de guerra, che-gou a ser proposto que tal condição seria determinada pelas circunstâncias ambientais ou contextuais, sendo que os cuidados médicos e as compensações subse-quentes funcionariam como um factor de reforço quer dos sintomas quer da incapacidade consequente. a re-percussão socioeconómica deste quadro clínico que, à data, assumiu características de quase epidemia, e os crescentes pedidos de pensões de invalidez promo-veram o debate entre as diversas escolas, bem como a implementação de limites diagnósticos para modular a sua disseminação (3). apesar das medidas tomadas, o Shell Shock representou em 1917 um sétimo das baixas de guerra do exército britânico (5). durante a Segunda guerra Mundial, para evitar uma nova epi-demia de Shell Shock, as autoridades britânicas bani-ram o termo (6). No entanto, apesar desta restrição, os soldados expostos a explosões e traumatismos crania-nos continuaram a apresentar uma série de sintomas comuns de “distress”, anteriormente descritos e en-quadrados nessa entidade (3).

ainda que Myers já o houvesse esboçado, ao propor uma origem “emocional” por oposição à pu-ramente “comocional”, apenas em 1934 surge a clas-sificação como entidade nosológica individualizada de “Síndrome Pós-Concussional”, por Strauss e Sa-vitsky, que verificaram a existência concomitante de

sintomas reconhecidos como decorrentes de lesões neurológicas cerebrais e sintomas reconhecidos como de origem psicogénica (7). Esta definição surge num contexto epistemológico de dicotomia corpo-mente, agora reunidos por um único evento, que poderia provocar ou promover sintomas neurológicos orgâni-cos objectiváveis e sintomas psíquicos, de percepção e avaliação subjectiva (8). Cinco anos volvidos, em 1939, Schaller propôs o termo “Concussão Pós-Trau-ma” para definir um estado de perturbação momentâ-nea da consciência sem alterações cerebrais patológi-cas evidentes (9).

em 1941 o “Síndrome Pós-Concussional” foi re-conhecido e caracterizado pela presença de tonturas, cefaleias, fadiga, zumbido, perda de memória, dificul-dade de concentração e irritabilidade, em consequên-cia de um traumatismo craniano (10). diversas teorias explicativas surgiram, tendo sido proposto por Mira que a amnésia seria um forte indicador de patologia cerebral subjacente e decorrente do traumatismo cere-bral, em indivíduos expostos a raides aéreos durante a guerra Civil espanhola (11).

No entanto, de forma antagónica e baseado na sua experiência no tratamento de pacientes com “Choque Pós-Guerra” durante a Primeira guerra Mundial, Culpin argumentou que para muitos indivíduos a am-nésia seria produto de um processo inconsciente pro-jectado para bloquear memórias desagradáveis, que poderiam ser recuperadas por hipnose ou sugestão (12). Hadfield relatou um caso de um piloto que, no rescaldo de um ataque aéreo em londres, sofreu de amnésia, deambulando num estado de fuga durante 4 dias, aos quais se seguiram 18 meses de dores de cabeça, insónia e cervicalgias. após psicoterapia, o indivíduo foi capaz de recordar detalhadamente a ex-periência de ter sido alvejado no ar bem como todo o percurso que teria feito durante os 4 dias de fuga (13). estas, entre outras descrições baseadas nas ex-periências de diferentes escolas e em relatos de casos, porque difusas e pouco sistematizadas, nem sempre contribuíram para uma melhor delimitação nosoló-gica desta entidade. ainda assim, ao introduzirem

contributing factors have been considered as contributing towards the pathogenesis of PCS. In this article, the authors have undertaken an historical review of the concept and nosology of this syndrome, and updated the present state of the art concerning its epidemiology, pathophysiology, clinical manifestations, diagnosis and treatment, as well as considering forensic aspects.

Key-words: Post-concussion syndrome, Traumatic brain injury, Forensic Psychiatry

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Síndrome Pós-Concussional 75

associações sintomáticas com quadros conhecidos, contribuíram para o seu enquadramento.

desta forma, se considerados sob uma perspec-tiva dimensional, SPC, reacção de adaptação e per-turbação de stress pós-traumático, sem co-habitarem o mesmo território nosológico, partilham característi-cas clínicas que poderão gerar dificuldades diagnósti-cas, especialmente em casos que ocupam a periferia sindromática de cada um dos quadros.

Resultados pouco concordantes em relação à duração dos sintomas, a ausência de achados neuro-lógicos objectivos, inconsistências na forma de apre-sentação, etiologia mal compreendida e problemas metodológicos significativos na literatura, fazem com que o SPC permaneça ainda hoje envolto em relevan-te controvérsia (14).

Perante esta atribulada evolução conceptual, e considerando as inerentes dificuldades face a diag-nósticos-fronteira, concentrar-nos-emos neste artigo nas suas diferenças, mais do que nas suas semelhan-ças, para nos aproximarmos do consenso, suas reper-cussões clínicas e, portanto, médico-legais.

2) Epidemiologia

dependendo dos critérios diagnósticos utiliza-dos, cerca de 20-90% dos pacientes vítimas de trau-matismo crânio-encefálico (TCe) desenvolvem pelo menos uma manifestação de SPC no primeiro mês, e cerca de 40% apresentam pelo menos três sintomas durante 3 meses. a incidência de SPC é maior nas mulheres (14).

Os TCe ligeiros representam cerca de 82% de todos os traumatismos cranianos (15). em países industrializados as causas de traumatismo craniano incluem acidentes de viação (45%), quedas (30%), acidentes ocupacionais (10%) e assaltos (5%). Os acidentes em jovens e as quedas nos idosos ocupam uma posição de maior destaque. São mais frequentes no sexo masculino numa relação de 2:1, e cerca de 50% dos doentes com TCe ligeiros têm entre os 15 e os 34 anos (15,16).

em 1988, Kraus e Nourjah estimaram que os TCe ligeiros tenham tido nos eua um custo anual superior a 1 bilião de dólares, considerando apenas os custos inerentes à hospitalização (15).

3) Fisiopatologia

O conhecimento pleno dos mecanismos fisio-patológicos subjacentes ao SPC seria a chave para

a controvérsia em que este síndrome se encontra en-volvido. Naturalmente, também neste âmbito se ve-rifica manifesta indefinição. Assume-se, no entanto, e à semelhança do inicialmente proposto por Strauss e Savitsky, a participação simultânea, em proporções variáveis, de factores orgânicos e psicogénicos.

3.1) Factores OrgânicosContusões são áreas de lesão cortical focal que

resultam do contacto directo das forças externas ou do movimento do cérebro contra a superfície intracrania-na atribuível à aceleração e desaceleração provocadas pelo trauma. Os locais mais comummente envolvidos incluem as bases dos lobos frontal e temporal ante-rior, podendo ainda ocorrer, menos frequentemente, contusões parassagitais provocadas por movimentos em “chicote”, sem a ocorrência de impacto directo (17,18).

foi demonstrada evidência de envolvimento de processos orgânicos ou quasi-orgânicos em pelo me-nos alguns casos de SPC, entre os quais se destacam (19):

1) estudos post-mortem que demonstraram lesão axonal difusa microscópica após TCe em seres huma-nos e animais (20);

2) lesões cerebrais macroscópicas evidentes em cerca de 8-10% dos indivíduos aos quais foi realizada uma Tomografia axial computorizada crânio-encefáli-ca (TaC-Ce) ou uma Ressonância magnética cerebral (RMN-Ce) de rotina nas primeiras semanas após a le-são (21,22); tais lesões predominam na região frontal, temporal e substância branca profunda. embora a sua existência não se correlacione bem com os sintomas do SPC, observa-se uma resolução substancial das mesmas ao fim de 3 meses (23);

3) dano celular e alterações metabólicas locali-zadas na substância branca frontal em pacientes com TCe ligeiro e RMN-Ce normal nas primeiras sema-nas de lesão (24);

4) alterações no fluxo sanguíneo cerebral regio-nal observado dentro das primeiras semanas após TCe ligeiro (25); referência também a alterações no fluxo sanguíneo cerebral a par com redução do me-tabolismo da glicose nas regiões temporal anterior e posterior em pacientes com SPC persistente e incapa-citante até 5 anos após a lesão (26).

5) alterações electroencefalográficas subtis, bem como dos potenciais de resposta evocados do tron-co cerebral nas 48h seguintes ao TCe ligeiro; estes, porém, não estavam relacionados com sintomas pós--concussão ou sequelas neuropsicológicas (27).

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De uma forma global, podemos verificar evidên-cias sugestivas do envolvimento de factores orgâni-cos, em circunstâncias nas quais se verifica um com-promisso da homeostasia. dentro destas foi demons-trada uma recuperação mais lenta com o aumento da idade (cut-off aos 40 anos) (28); pior prognóstico e efeito cumulativo de TCe anteriores (29) ou história de abuso de álcool ou substâncias (30).

a relevância destes factores foi reforçada por Rao e lyketsos, ao referirem que os principais fac-tores de risco para o desenvolvimento de SPC serão a idade avançada, arteriosclerose e alcoolismo. Tais factores influenciam negativamente os processos re-generativos do sistema nervoso central (31).

Lesão Axonal DifusaO volume e consistência da massa encefálica tor-

nam o cérebro vulnerável a forças rotacionais abrup-tas. estas são consideradas mais importantes que a aceleração ou desaceleração translaccionais.

Quando o crânio sofre uma rotação brusca, a inércia do cérebro faz com que continue parado por fracções de segundo, quando o crânio já se encon-tra em movimento. Ocorre o oposto se o crânio em movimento se imobiliza subitamente. Neste caso, as camadas superficiais do cérebro são travadas antes das profundas, produzindo uma deformação intra-parenquimatosa chamada cisalhamento. O impacto por torção produz forças não uniformes, provocando tracção e ruptura axonal e de vasos em várias regiões cerebrais, verificando-se relativa proporcionalidade em relação à direcção e magnitude da força aplicada. grandes forças resultam em lesão estrutural e perda permanente da função axonal, enquanto as forças de menor energia provocam lesões fisiológicas poten-cialmente reversíveis. a extensão da lesão axonal é sugerida pela duração da perda de consciência ou da amnésia pós-traumática e pelo score de glasgow (32).

São mais vulneráveis a estes mecanismos lesio-nais os longos tractos que associam áreas corticais distantes (por ex., fronto-occipital, fronto-temporal e comissuras inter-hemisféricas). enquanto um trato pode ser muito lesado pelas forças de cisalhamento, um outro que lhe seja perpendicular pode não ser atin-gido (33,34).

Anatomia Patológica a lesão axonal em cisalhamento constitui a alte-

ração patológica primária da lesão cerebral traumá-tica de todos os tipos (35,36). É um achado consis-tente em lesões ditas ligeiras, moderadas e severas,

encontrando-se uma relação directa entre a gravidade do traumatismo e o número e distribuição de axónios envolvidos (20,36). as lesões axonais, na sua fase ini-cial, não são visíveis no exame macroscópico do cé-rebro. Microscopicamente tornam-se perceptíveis na substância branca após alguns dias, como pequenos focos de células microgliais activadas que se asse-melham aos nódulos gliais de origem inflamatória. A impregnação pela prata dos axónios pode demonstrar as bolas de retracção de Cajal, pequenas formações arredondadas ou ovais nas extremidades dos axónios fendidos. Com o tempo, os axónios rompidos degene-ram (degeneração walleriana) e a substância branca sofre atrofia, que se reflecte na redução de volume do encéfalo e dilatação ex-vacuo dos ventrículos laterais; os nódulos gliais desaparecem, restando apenas gliose difusa (32,37).

govindaraju e colegas realizaram um estudo de análise de espectroscopia volumétrica de protões nos cérebros de pacientes vítimas de TCe ligeiro, 1 mês após o traumatismo (38). este método permite de-tectar alterações bioquímicas provocadas pela lesão, habitualmente não detectáveis na imagiologia con-vencional. Os autores encontraram “(…)alterações metabólicas generalizadas consequentes ao TCE, em regiões que parecem normais(…)” na RMN conven-cional. Estes achados confirmam a hipótese da ocor-rência de efeitos nocivos inespecíficos do TCE ligeiro que ocorrem a nível subtil e microscópico, sendo que pode pois existir lesão cerebral importante sem evi-dência de alterações imagiológicas estruturais (39). estes dados foram corroborados por gaetz e colegas (40).

3.2) Factores PsicogénicosComo afirmou Symonds em 1937, “a reacção ao

TCE depende do tipo da cabeça traumatizada” (41). Quarenta anos depois, Whitlock atribui um papel de maior relevância às perturbações de personalidade, à instabilidade conjugal, rede sócio-familiar, desempre-go e instabilidade financeira (42).

Se nos concentrarmos na evidência existente no que concerne à influência dos factores psicogénicos, na etiopatogenia do SPC, alguns trabalhos são incon-tornáveis.

lishman refere que se observa um pior prog-nóstico nos casos com psicopatologia pré-existente à concussão (30).

Binder e Rohling verificaram a existência de uma associação entre a gravidade dos sintomas ou tempo

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Síndrome Pós-Concussional 77

de incapacidade laboral pós-concussão e os pedidos de reparação do dano ou invalidez (43). deve notar--se no entanto que, considerando apenas doentes sin-tomáticos, os pacientes que procuram compensação representam o dobro daqueles que não a procuram, sendo poucos os que evidenciam uma melhoria sig-nificativa após a liquidação, um ano depois. Também King e colegas (44) concluíram que: 1) os melhores indicadores iniciais de persistência dos sintomas pós--concussão são factores psicológicos; 2) existem altas taxas de comorbilidade de sintomas de ansiedade e depressão com sintomas pós-concussão e muitos des-ses sintomas são idênticos; 3) o stress agrava o SPC; 4) existe uma maior prevalência do SPC em mulheres, que está em consonância com uma maior prevalência de apresentações psicopatológicas em mulheres.

Trabalhos recentes, entre os quais o de lange e colegas (45), têm enfatizado a influência da depres-são no desenvolvimento e persistência de síndromas pós-concussionais após TCe ligeiros; estudando uma amostra de 60 indivíduos com SPC, o subgrupo de doentes cuja evolução pós-trauma teve como compli-cação um quadro depressivo reportou maior intensi-dade e número de sintomas pós-concussionais.

4) Clínica

4.1) GeneralidadesO desenvolvimento de um SPC implica, por ra-

zões óbvias, uma concussão, pelo que se torna neces-sário defini-la. Assinale-se que também a definição de concussão tem tido difícil consolidação em termos nosográficos.

Alexander propôs em 1995 uma definição de TCe ligeiro composta por cinco características (32):

1) existência de um período de inconsciência breve (segundos a minutos), não se encontrando na maior parte dos casos perda de consciência, mas sim um breve período de confusão;

2) quando o doente é observado imediatamente ou logo após o TCe, o score da escala de glasgow está en-tre 13 e 15. Possivelmente apenas o grupo que tem um score de 15 corresponde a verdadeiros TCe ligeiros. O score de 13 a 14 é devido a confusão e desorientação e está associado a um período maior de amnésia;

3) a amnésia pós-traumática dura, por definição, menos de 24h e é geralmente de minutos a horas;

4) o doente não apresenta sinais neurológicos focais, embora logo após o TCe possa estar pálido, diaforético, nauseado e atáxico;

5) por definição, os exames neuroradiológicos

não apresentariam alterações; no entanto, esta carac-terística nem sempre se verifica.

Porém, a definição que tem reunido maior con-senso, pela sua maior simplicidade, é a formulada pela associação americana de Neurologia em 1997 por Kelly e Rosenberg: “Concussão é uma alteração do estado mental induzida por trauma que pode ou não envolver perda da consciência” (46).

4.2) Particularidadesem 1942, já após o reconhecimento e individua-

lização do SPC como entidade clínica, fulton alertou que “a distinção entre os casos pós-concussionais e os orgânicos resultantes da explosão é delicado e muitas vezes difícil” (47).

lewis no mesmo ano e guttman em 1946, num estudo realizado em unidades psiquiátricas do exér-cito, salientaram as semelhanças nas apresentações clínicas de soldados com traumatismo craniano e soldados sem traumatismo craniano. Os dois grupos de soldados pareciam equivalentes em termos de contexto e antecedentes familiares, história pessoal de distúrbio psicológico e até mesmo no conjunto de sintomas apresentado (48,49).

estas atentas descrições enquadrariam o SPC algures entre uma condição primariamente orgânica, hoje denominada como Síndrome Psico-orgânico, e uma condição primariamente psicogénica, como a Perturbação de Pós-Stress Traumático (PPST), tam-bém descrita inicialmente em soldados.

O SPC conquistou a sua autonomia nosológica diferenciando-se do síndrome psico-orgânico cerebral pois, embora ocorressem sinais ou sintomas neuroló-gicos, os mesmos não se correlacionavam com uma lesão objectivável. Por oposição à PPST, embora se registasse em comum sintomatologia do espectro ango-depressivo decorrente de um acontecimento marcante, no SPC existiria um traumatismo craniano físico que a PPST dispensa (50,51). uma comparação exaustiva entre os sintomas de SPC e PPST pode ser consultada na Tabela 1.

O distanciamento do primeiro, síndrome psico--orgânico, parece-nos mais natural e intuitivo com o aparecimento dos sofisticados exames de imagem, a par com a evidência, se presentes, de sinais neurológi-cos focais e alterações neurocognitivas. a previsibili-dade sintomática nos Síndromes Cerebrais Orgânicos (SCO) é agora cada vez mais fiável e precisa com a individualização e mapeamento sistemático das estru-turas cerebrais responsáveis pelas diversas funções cognitivas e/ou motoras.

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Embora não exista uma definição universalmente aceite de SPC, a maioria da literatura define o síndro-me segundo a existência de pelo menos 3 dos seguin-tes sintomas: cefaleias, tonturas, fadiga, irritabilidade, prejuízo da memória e concentração, insónia, e redu-zida tolerância para ruído e luz. Menor consenso na literatura existe quanto à duração dos mesmos, sendo que alguns autores definem o síndrome por uma du-ração mínima de 3 meses dos sintomas, enquanto ou-tros objectivam os sintomas que aparecem na primei-ra semana após TCe. O Síndrome Pós-Concussional Persistente (SPCP) é geralmente reconhecido quando os sintomas duram mais de 6 meses, embora alguns autores exijam apenas 3 meses (14).

Os critérios da Cid-10 (53) incluem uma histó-ria de TCe e a presença de três ou mais dos seguintes oito sintomas: (1) dor (2), tontura (3), fadiga (4), irri-tabilidade (5) insónia (6), dificuldades de concentração ou (7), dificuldades de memória, e (8) intolerância ao stress, emoções ou álcool. há referência ainda a que os sintomas possam ser acompanhados de sentimentos de depressão ou ansiedade, resultantes de perda de auto--estima e receio de lesão cerebral permanente. Tais sen-timentos reverberam os sintomas originais, resultando num círculo vicioso. as queixas não estão necessaria-mente associadas à procura de compensação.

Já o dSM-iV (54) propõe como critérios: (a) história de TCe provocando “concussão cerebral

Sintomas SPC PPSTCefaleia Sim NãoTontura Sim Simfadiga Sim Simirritabilidade Sim Simestreitamento do campo da consciência Sim SimDificuldade de concentração Sim SimDificuldade para executar tarefas mentais Sim SimComprometimento de memória e atenção Sim Simdesorientação Sim Siminsónia Sim SimBaixa tolerância ao stress Sim Simhipervigilância Sim Simabuso de álcool ou drogas Sim Simdepressão Sim Simansiedade Sim SimManifestações hipocondríacas Sim NãoRevivescências do trauma (memórias intrusivas ou sonhos) Não Simentorpecimento ou embotamento emocional Sim Simisolamento Sim Simanedonia Sim Simevitação de indicativos que relembrem o trauma Não Simalterações de personalidade Sim SimSurtos dramáticos e agudos de medo, pânico ou agressão desencadeados por estímulos que despertam uma recordação do trauma, com sinais autonómicos de ansiedade (taquicardia, sudorese, rubor)

Não Sim

Tabela 1. Quadro comparativo dos sintomas do Síndrome Pós-Concussional (SPC) e da Perturbação de Pós-Stress Traumático (PPST), de acordo com a Cid-10 (52).

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significativa”; (B) défice cognitivo da atenção e/ ou memória; (C) presença de pelo menos 3 dos 8 sin-tomas (fadiga, distúrbios do sono, cefaleia, tontura, irritabilidade, distúrbios afectivos, mudança de perso-nalidade, apatia) que aparecem após a lesão e persis-tem por 3 meses; (d) que têm inicio ou agravam sig-nificativamente após a lesão; (E) ocorre interferência com o funcionamento social e (f) exclui-se demência devido a traumatismo craniano e outras doenças que melhor representam os sintomas. Os sintomas de SPC consagrados no dSM-iV podem ser revistos na Ta-bela 2.

4.3) Evoluçãoa história habitual de um SPC engloba um TCe

ligeiro, que habitualmente condiciona o recurso ao serviço de urgência. frequentemente ocorre o regres-so ao mesmo pela manutenção dos sintomas. a queixa mais comum é a cefaleia, sem se observar um subtipo com maior prevalência. São também frequentes si-nais ou sintomas relativos ao compromisso dos pares cranianos, tais como tonturas (segundo sintoma mais comum), vertigem, náusea, zumbido, visão enevoada, perda de audição, diplopia, anosmia, ageusia, foto e fonofobia (55).

Para além destes, são também comuns queixas do foro psicossomático e neurovegetativo, como a ansie-dade, irritabilidade, depressão, distúrbios do sono, alteração do apetite, diminuição da libido, fadiga, al-terações de personalidade, amnésia, falta de concen-tração e atenção, e lentificação no processamento de informações e do tempo de reacção (55).

O exame físico é habitualmente normal, ainda que o doente possa exibir achados neurológicos sub-tis, como neurastenia ou hiperestesia (distribuição não dermatomal). a presença de sinais neurológicos focais deve reforçar a pesquisa de possíveis eventos vasculares não diagnosticados (55).

decorridos, como referido, pelo menos 3 meses, grande parte destes sintomas pode não ter remitido. Tende a observar-se especial ênfase da manutenção ou aparecimento de queixas do foro cognitivo em do-entes nos quais os sintomas iniciais persistiram. Tais défices cognitivos incluem dificuldades de linguagem (prejuízo de vocabulário), compromisso da memória de curto e médio prazo, atenção, flexibilidade cogniti-va, processamento de informação, função visuoespa-cial e cálculo (55,56).

um estudo prospectivo de 2784 doentes com TCe ligeiro identificou como mais significativos factores preditores de uma evolução desfavorável a idade, a

presença de lesões extracranianas e uma intoxicação etílica peritrauma. a presença de fracturas faciais e o número de contusões hemorrágicas emergiram como variáveis relevantes identificáveis na TAC em fase aguda. Não obstante, as variáveis clínicas revelaram maior influência quanto à evolução após 6 meses, por comparação com as alterações imagiológicas, resul-tando estas como um preditor imperfeito do prognós-tico após TCe ligeiros (57).

Sintomas somáticos:CefaleiaTonturafadigainsóniaNáuseasdor crónicaDificuldades na coordenação motoraConvulsõesParalisiasSensibilização a novas concussõesSíndromes demenciaisestados vegetativos

Sintomas cognitivos:Dificuldades de memóriaDificuldades na concentração e na atençãodecréscimo no processamento da informaçãoDificuldades na comunicaçãoDificuldades no funcionamento executivo

Sintomas sensoperceptivos:ZumbidosSensibilidade aos ruídosSensibilidade à luminosidadeVisão turvadiplopiaalterações da convergênciaalterações do gosto e/ou olfacto

Sintomas emocionais ou psíquicos: labilidade emocionalapatiafalta de espontaneidadedecréscimo de energiaPerda da libidoPerda do apetiteSíndromes de ansiedadeTranstornos de humor (depressão ou mania)Sintomas hipocondríacosalterações na personalidade com comprometimento no funcionamento social e/ou sexualSíndromes pseudo-demenciaisSintomas psicóticos Tabela 2. Sintomas do Síndrome Pós-Concussional

de acordo com o dSM-iV (8).

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5) Exames Complementares de Diagnóstico

5.1) Exames imagiológicosde uma forma geral, os exames imagiológicos

estruturais têm um papel eminentemente diagnóstico na fase aguda do TCe ligeiro, enquanto que a imagio-logia funcional poderá suportar a futura clarificação da fisiopatologia destes processos (Tabela 3).

Na fase aguda, de forma a avaliar potenciais complicações graves de um TCE ligeiro, a tomografia axial computorizada crânio-encefálica (TaC-Ce) re-presenta a modalidade de escolha na prática clínica, pela sua maioria acessibilidade, a um custo relativa-mente baixo.

Três estudos recentes (58, 59, 60), avaliando mais de 4000 indivíduos com TCe ligeiro (glasgow de 15) documentaram alterações evidentes em TaC-Ce em 5-10% dos doentes, registando-se como factores pre-ditores de tais anomalias a presença de cefaleias, vómi-tos, idade avançada, intoxicação com álcool ou drogas, amnésia anterógrada ou convulsões (61). as altera-ções imagiológicas em TaC-Ce são mais frequentes (20-35%) em pacientes cujo TCe ligeiro cursou com pontuações de 14 ou 15 na escala de glasgow; o prog-nóstico do TCe ligeiro com alterações imagiológicas parece assemelhar-se, sobretudo em termos cognitivos, ao ocorrido em TCe moderados (62).

Vários estudos demonstraram que a RMN-Ce é mais sensível na identificação de lesões, particularmen-te em TCe ligeiros e se realizada precocemente após o trauma (63). as lesões encontradas são tipicamente contusões corticais ou pequenas áreas de intensidade anormal de sinal a nível da substância branca subcorti-cal; alterações corticais são mais características de dano ligeiro, enquanto que a lesão de zonas mais profundas parece associar-se a TCe mais graves, com períodos de inconsciência mais prolongados (63, 64, 65). alguns au-tores documentaram correspondência entre localização e dimensão das lesões na RMN-Ce e o desempenho em provas neurocognitivas, sugerindo ainda que a resolução das lesões estruturais se associada a melhoria do funcio-namento cognitivo (63, 64, 66, 67).

O estudo imagiológico dos TCe ligeiros tem consagrado, nos últimos anos, novas modalidades técnicas com base na RMN. É exemplo o recurso a imagens por tensor de difusão: a chamada tractografia por RM parece particularmente interessante no estudo de alterações axonais nas vias da substância branca que ocorrem após TCe (68). Também a espectrosco-pia por RMN tem demonstrado significativa sensibi-lidade na detecção de alterações precoces após TCe

ligeiros, embora as anomalias documentadas sejam inconsistentes nos diversos estudos realizados (69).

No que concerne a técnicas de imagiologia fun-cional para investigação de queixas clínicas persisten-tes após TCe ligeiros, o maior número de investiga-ções recorreu ao uso da SPeCT (‘single photon emis-sion cerebral tomography’). a maioria dos estudos revelaram hipoperfusão cerebral na fase aguda após TCe ligeiro, bem como em doentes com queixas per-sistentes (>6 meses); a correlação destas alterações com variáveis clínicas ou com testes neuropsicológi-cos nem sempre se revelou consistente (69). embora as alterações documentadas em fase aguda não se as-sociem a uma evolução posterior desfavorável, pro-vavelmente por uma elevada taxa de falsos positivos, alguns autores têm sugerido que um SPeCT normal na fase aguda após TCe ligeiro possa ser altamente sugestivo de uma evolução favorável.

um estudo com outra técnica de neuroimagem funcional em doentes com sintomas pós-concussio-nais persistentes - a PeT (‘positron emission tomo-graphy’), documentou menor aumento de perfusão a nível do córtex pré-frontal direito durante a realização de tarefas envolvendo a memória de trabalho espa-cial; o metabolismo de base parecia inalterado quan-do comparado com o de indivíduos-controlo (70). Outros estudos têm sido conduzidos com recurso à PeT na fase crónica após TCe ligeiros, sendo os re-sultados em regra inconsistentes (69).

a RMN funcional, uma técnica inovadora que permite avaliar a função cerebral mediante altera-ções imagiológicas relacionadas com o consumo lo-cal de oxigénio, tem também sido empregue na ava-liação após TCe ligeiros (71). Sendo considerada uma das mais promissoras técnicas neste contexto, padece de limitações como a elevada susceptibilida-de ao aparecimento de artefactos em regiões impor-tantes na patogenia do SPC, como é o caso do lobo frontal (69).

5.2) Exames electrofisiológicos

Vários métodos de investigação electrofisioló-gica têm sido empregues no estudo de doentes com TCe ligeiro (72), sendo possível a sua sistematização segundo 3 categorias:

1) Electroencefalografia convencional2) Electroencefalografia computorizada ou quan-

titativa3) Potenciais evocados ou relacionados com es-

tímulos

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Schoenhuber e gentilini (27) sugeriram que 10% dos doentes com TCe ligeiros evidenciam alterações persistentes na electroencefalografia (EEG) conven-cional, sendo tais números contestados por outros au-tores (gaetz 72). independemente da sua frequência, tais anomalias são inespecíficas, sendo exemplo um aumento discreto da frequência de ondas lentas ou de-sorganização ligeira dos ritmos de base (62).

A electroencefalografia quantitativa ou compu-torizada pode demonstrar alterações em doentes com eeg convencionais normais. Thatcher e colegas (73) utilizaram técnicas quantitativas de eeg em doentes com TCe, vindo a propôr um ‘índice de severidade por eeg’, potencialmente discriminador de TCe li-geiros de formas mais graves. a utilização destas téc-nicas permanece experimental, não sendo recomen-dadas na prática clínica (72).

Semelhante panorama ocorre quanto à evidência disponível sobre a utilização em doentes com TCe ligeiro de potenciais evocados ou relacionados com estímulos.

estudos de potenciais evocados auditivos a ní-vel cerebral têm documentado anomalias em doentes após TCe ligeiros, não havendo correlação aparente com a existência de sintomas pós-concussionais (74, 75, 76). Outros paradigmas têm sido investigados, no-meadamente potenciais evocados relacionados com o processamento subcortical e talamocortical (77,78) e potenciais visuais evocados (79,80). arciniegas e colaboradores (2000) conduziram uma investigação em indivíduos com queixas de inatenção após TCe, documentando maior frequência de não supressão do 2º estímulo utilizando o paradigma da onda P50 (81). Os mesmos autores reportaram ainda alterações imagiológicas nesta população (menor volume do hi-pocampo) e melhoria sintomática após introdução de donepezil, sugerindo que o défice colinérgico possar mediar algumas das queixas atencionais nestes doen-tes (82,83).

Em resumo, embora a investigação neurofisio-lógica dos potenciais evocados ou relacionados com estímulos possa contribuir para clarificar a fisiopato-

Exame Utilidade no TCE ligeiro Evidência disponívelTAC-CE Identificação de hemorragias e

alterações estruturais abordáveis cirurgicamente

3 estudos prospectivos confirmaram anteriores evidências: TAC com alterações em 5-10% do TCe com escala de glasgow =15.

RMN Maior sensibilidade face à TaC- T1,T2: hemorragias- T2: lesões axonais difusas- Recuperação invertida de atenuação por fluidos: ‘shearing’, hemorragias subaracnoideiasT2 e gradiente-eco: lesões hemorrágicas antigas por ‘shearing’

Numerosos e robustos estudos comparando RM com TaC.

Espectroscopia por RMN

avaliação da integridade neuronalIdentificação de tecidos disfuncionais, normais em outros exames

estudos em TCe evidenciaram diferente rácio N-acetilaspartato/creatinina.

RMN por tensor de difusão

avaliação da integridade dos tractos na substância branca

dados limitados a relatos de casos e pequenas séries.

SPECT (tomografia computadorizada por emissão de fotão único)

Avaliação de défices localizados de perfusão, em caso de sintomas persistentes

7 estudos evidenciaram alterações da perfusão, com alguma correlação com défices cognitivos, perante exames estruturais normais.

PET (tomografia por emissão de positrões)

avaliação do metabolismo regional, em caso de sintomas persistentes

4 pequenas séries de casos sugerindo alterações da perfusão em doentes sintomáticos com TaC e RM normais.

RMN funcional Avaliação da neurofisiologia dos sintomas e défices cognitivos

estudos prospectivos após TCe ligeiros evidenciaram alterações na activação cerebral em tarefas relacionadas com memória.

Tabela 3. alterações imagiológicas após TCe ligeiros (62).

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logia do SPC, não há ainda indicação para que seja incluída na prática clínica quotidiana.

6) Tratamento

King introduziu em 2003 o conceito de “janelas de vulnerabilidade” no SPC (19), relacionando as ma-nifestações sintomáticas com o tempo decorrido após traumatismo (Tabela 4).

O tratamento deverá desta forma prever um pa-drão idêntico, acompanhando as necessidades espe-cíficas de cada caso, reconhecendo no entanto uma mesma janela de oportunidades, ainda que de am-plitude mais estreita. este dado decorre do facto da possibilidade de evolução do SPC para um SPC per-sistente, consequente a um período de consolidação da doença, a seguir à qual a intervenção terapêutica tem demonstrado resultados menos expressivos (19).

este autor salienta ainda que a combinação de di-ferentes intervenções e testes de avaliação psicométri-ca e neuropsicológica podem melhorar significativa-mente a capacidade preditiva de SPC persistente. Para o efeito preconizou o recurso a instrumentos como: Hospital Anxiety and Depression Scale (hadS), Post-traumatic Amnesia, Short Orientation Memory

and Concentration Test (SOMC), Paced Auditory Se-rial Addition Test (PaSaT), e Rivermead Postconcus-sion Symptoms Questionnaire (RPQ), salientando no entanto a necessidade de um maior número de estudos transversais de validação independente, para a aplica-ção generalizada dos mesmos (44).

6.1) Tratamento farmacológicoa utilização de psicofármacos em doentes com

história de TCe deve ser prudente, recorrendo a ti-tulações mais prolongadas e doses porventura infe-riores à população em geral. estes doentes exibem maior sensibilidade aos efeitos secundários típicos de alguns fármacos como sedação, lentificação psicomo-tora ou alterações cognitivas (62).

a intervenção farmacológica pode sistematizar--se segundo 2 vertentes: abordagem sintomática (por ex. queixas cognitivas) e intervenção sobre complica-ções psiquiátricas (por ex. depressão).

Psicoestimulantes como o metilfenidato têm evi-denciado resultados favoráveis em doentes com quei-xas de inatenção após TCe (84).

alguns estudos têm sugerido que a utilização de anticolinesterásicos (por ex. donepezil) pode melho-rar défices mnésicos pós-TCE (82, 85, 86).

Tempo pós traumatismo Possíveis factores emergentes

0- 24h (sintomas imediatos) - factores orgânicos primordiais

1 dia – 4 semanas (sintomas recentes)

- fracasso nas tarefas - aumento de exigências de vida atribuição dos sintomas a causas malignas não detectadas - Dificuldades em lidar com sintomas cognitivos - Preocupação sobre a duração dos sintomas e incapacidade- dissonância entre a gravidade do ferimento e gravidade dos sintomas

1 a 6 meses (sintomas a médio prazo)

- funcionamento pré-mórbido e recursos de ‘coping’ ineficazes relacionados com o manuseamento dos acontecimentos de vida anormais; incapacidade de completar tarefas e frustração- Preocupação quanto à potencial permanência dos sintomas - Ineficácia das estratégias para lidar com a incerteza (sobretudo a etiologia incerta dos sintomas) - Percepção errada de ter sofrido uma lesão cerebral grave

Mais de 6 meses (sintomas a longo prazo, possivemente permanentes)

- falta de compreensão pelos outros- factores relacionados com compensação - Questões relacionadas com a adaptação à incapacidade de longo-prazo - falência das estratégias secundárias de ‘coping’ ineficazes (em curso após fracasso das estratégias iniciais)

Tabela 4 - “Janelas de vulnerabilidade” no Síndrome Pós-Concussional (19).

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Síndrome Pós-Concussional 83

desta forma, a evidência disponível sugere como possível uma utilização prudente de agentes anticolines-terásicos ou psicoestimulantes em doentes com queixas crónicas de memória ou atenção após um TCe (62).

6.2) PsicoeducaçãoUma explicação cuidadosa da fisiopatologia, con-

sequências típicas e recuperação habitual de um TCe ligeiro aos doentes com manifestações neurocompor-tamentais após um TCe ligeiro será provavelmente a intervenção mais eficaz (62). Sintomas como lenti-ficação psicomotora, problemas mnésicos e atencio-nais nos primeiros 3 a 6 meses devem ser descritos. Haverá que definir objectivos realistas tendo em vista a reintegração sócio-ocupacional do indivíduo. deve-rão mencionar-se possíveis sequelas a longo prazo, preferencialmente na presença de um acompanhante de referência (87).

Psiquiatras e peritos médico-legais participam por regra nas fases tardias deste processo, altura em que frequentemente se instalaram dinâmicas disfun-cionais envolvendo familiares, entidades patronais, seguradoras e profissionais de saúde, que tendem a questionar a validade das queixas com base numa na-tureza do traumatismo presumida como menor e na condição aparentemente saudável do indivíduo (62).

7) Incapacidade

Rimel e colegas acompanharam uma população de 310 doentes com TCe ligeiro: após 3 meses, 34% encontravam-se desempregados, sendo os sintomas pós-concussionais mais frequentes cefaleias persis-tentes e queixas mnésicas (88).

Outros estudos têm documentado uma evolução de tipologia mais favorável. englander e colabora-dores, acompanhando uma população de indivíduos com seguro de trabalho e sem história prévia de TCe, registaram que 88% dos doentes voltaram à sua fun-ção laboral em menos de 3 meses (89).

uma revisão de vários estudos relativos à incapa-cidade laboral associada a TCe ligeiros obteve uma taxa estimada em 14% (90).

8) Aspectos médico-legais

O trabalho pioneiro de Miller publicado em 1961 é frequentemente citado a propósito do papel da liti-gância na patogenia dos sintomas pós-concussionais (91). Não obstante, muitas das citações e interpreta-ções efectuadas serão porventura descontextualiza-

das: o autor descreveu uma amostra de 47 doentes, do contexto forense, com “queixas indubitavelmente psiconeuróticas”. a maioria vivenciara traumatismos cranianos de escasso significado, registando-se no en-tanto queixas e sequelas intensas, que frequentemente melhoravam após resolução da contenda legal.

ao investigar uma amostra de 73 doentes com história de TCe ligeiro, Cook reportou maior fre-quência de absentismo laboral (3 vezes superior) nos doentes com processos indemnizatórios em curso (92); várias limitações metodológicas prejudicam a validade deste resultado.

alguns estudos posteriores não demonstraram uma associação entre litigância ou procura de com-pensação e evolução desfavorável após TCe ligeiro (93, 94). Não obstante, uma meta-análise de 18 es-tudos envolvendo 2353 casos com história de TCe (com gravidade variável) concluiu que a procura de compensação financeira justificaria 20 a 25% dos sin-tomas e sinais anormais após a concussão (43).

foi sugerido que a circunstância médico-forense inerente a uma litigância em curso possa, enquanto factor de stress psicossocial, modular o eixo hipotála-mo-hipófise-adrenal de forma a prolongar ou perpetu-ar os ditos ‘sintomas pós-concussionais’ (95).

Várias razões poderão justificar uma aparente má colaboração ou insuficiente esforço de um indi-víduo sujeito a testes cognitivos e neuropsicológicos neste contexto, pelo que o perito não deve presumir de imediato pela existência de simulação. factores como a fadiga, efeitos secundários de medicação ou perturbação psiquiátrica comórbida (por ex. depres-são, perturbação somatoforme ou perturbação factí-cia) deverão ser considerados (62). Não obstante, a influência de uma colaboração insuficiente deve ser considerada, se possível com recurso a uma avaliação objectiva, como é o caso do instrumento psicométrico TOMM – ‘Test of Memory Malingering’ (96). Num estudo neuropsicológico de 63 doentes com queixas compatíveis com SPC conduzido por lange e cola-boradores, o subgrupo de doentes com colaboração insuficiente segundo o TOMM revelou performance claramente inferior em termos de atenção, memória e funções executivas (97). Referência também ao Rey 15-item Memory Test (15-iMT), um instrumento psi-cométrico para avaliação da simulação ou esforço in-suficiente em queixas relacionadas com memória, que tem como vantagens a administração fácil e rápida e bons níveis de especificade (98).

investigações neuropsicológicas recentes têm su-gerido que os doentes com queixas persistentes após

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Nuno Madeira, João Alcafache, Tiago Santos, Máximo Colón, Graça Santos Costa84

TCe ligeiros, quando comparados com controlos, tendem a subestimar problemas pré-mórbidos e a so-brestimar o seu funcionamento prévio ao traumatis-mo, podendo esta percepção enviesada prejudicar a sua recuperação sociolaboral (99).

O perito médico-legal deve reconhecer vulne-rabilidades pré-mórbidas que possam influenciar a

evolução clínica, como a personalidade prévia, TCe prévio, idade e sistema de suporte social, entre ou-tros (100). Tais factores, ditos “psicológicos”, seriam particularmente relevantes em doentes com sintomas pós-concussionais persistentes (>3 meses), por oposi-ção aos factores ditos ‘orgânicos’, determinantes na patogénese inicial do SPC (62).

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Nuno Madeira, João Alcafache, Tiago Santos, Máximo Colón, Graça Santos Costa88

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Teste de Atitudes Alimentares – 25:Validade para o rastreio das perturbação do comportamento alimentar

PORA.T. PeReiRA(1), M.J. SOAReS(2), M. MARqueS(3), B. MAiA(4), S. BOS(5), J. VAlenTe(6), V. nOgueiRA(7), M.H. AzeVedO(8), A. MAcedO(9)

Resumo

Objectivos: O Teste de Atitudes Alimentares (TAA) é um dos mais utilizados para a avaliação dos sintomas das perturbações do comportamento alimentar (PCA). Há alguns anos desenvolvemos a versão portuguesa reduzida do TAA-40, utilizando a mesma metodologia da versão reduzida original, o que resultou no TAA-25 (Pereira et al, 2006, 2008), que revelou as suas boas propriedades psicométricas. Os objectivos do presente estudo consistem em continuar o estudo das propriedades psicométricas do TAA-25 e analisar as propriedades operativas, ou seja, estudar a sua validade para o rastreio de PCA, utilizando a metodologia das curvas ROC (Receiver Operating Characteristics) para obter os pontos de corte mais válidos e as proba-bilidades condicionais associadas.

Método: O TAA-25 foi administrado a 555 estudantes universitárias das Universidades de Coimbra e de Aveiro e a uma amostra de mulheres com PCA em seguimento no HUC, que foram entrevistadas com a Entrevista Diagnóstica para Estudos Genéticos (DIGS) e a Anxiety Disorders Interview Schedule (ADIS) para obtenção do diagnóstico segundo o DSM-IV.

Resultados: O TAA-25 revelou boa fidelidade e validade de construto e discriminante. O ponto de corte (PC) de 25 revelou ser aquele que fornecia a melhor combinação de sensibilidade e especificidade (ambas >95%); o valor preditivo positivo (VPP) e o valor preditivo negativo (VPN) associados foram respectivamente de 66.6% e 99.8%. O PC ajustado para a prevalência de PCA de 4% foi de 19, com o qual a sensibilidade e especificidade eram também de @ 95%; o VPP e o VPN eram respectivamente de 44.0% e de 98.1%.

Conclusão: Utilizando uma metodologia adequada, este estudo mostrou que o TAA-25 é um instru-mento válido para o rastreio de PCA, que pode ser muito útil tanto na prática clínica como na investigação epidemiológica.

Psiquiatria Clínica, 32, (2), pp. 89-104, 2011

(1) Psicóloga. doutorada. investigadora Auxiliar. instituto de Psicologia Médica, FMuc(2) Psicóloga. Mestre. Técnica Superior Principal. instituto de Psicologia Médica, FMuc.(3) Psicóloga. Bolseira de doutoramento da FcT. instituto de Psicologia Médica, FMuc.(4) Psicóloga. doutorada. instituto de Psicologia Médica, FMuc.(5) Psicóloga. doutorada. investigadora Auxiliar. instituto de Psicologia Médica, FMuc(6) Psiquiatra. Mestre. Assistente convidado. instituto de Psicologia Médica, FMuc(7) interno do internato complementar, clínica universitária de Psiquiatria dos Hospitais da universidade de

coimbra. Assistente convidado. instituto de Psicologia Médica, FMuc(8) Psiquiatra. doutorada. Professora catedrática. instituto de Psicologia Médica, FMuc(9) Psiquiatra. doutorado. Professor Auxiliar com Agregação. instituto de Psicologia Médica, FMuc. Contacto da autora: Ana Telma Fernandes Pereira instituto de Psicologia Médica, Faculdade de Medicina da universidade de coimbra,

Rua larga, 3004-504 coimbra, Portugal. Telefone: 239 857 759; Fax: 239 823 170, e-mail: [email protected]

Artigo de Investigação

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A.T. Pereira, M.J. Soares, M. Marques, B. Maia, S. Bos,J. Valente, V. Nogueira, M.H. Azevedo, A. Macedo

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INTRODUÇÃO

Apesar da versão original do Teste de Atitudes Alimentares – TAA (Eating Attitudes Test-40; eAT-40; garner et al, 1979) ter sido desenvolvida há mais de trinta anos, continua a ser o questionário de ava-liação dos sintomas das Perturbações do comporta-mento Alimentar (PcA) mais utilizado a nível mun-dial (Garfinkel & Newman, 2001; Jacobi et al, 2004), tendo resistido às provas do tempo e do espaço.

no início dos anos oitenta do século passado, o TAA-40 (garner et al, 1979) suscitou tal interesse que os autores desenvolveram uma forma abreviada, atra-vés da selecção dos vinte e seis itens que apresenta-vam pesos factoriais consideráveis (>.40) nos respec-tivos factores (eAT-26; garner et al, 1982). Ambas as versões (TAA-40 e TAA-26) têm sido utilizadas com sucesso na clínica e na investigação das PcA, sempre evidenciando “utilidade e excelentes qualida-des psicométricas” (Garfinkel & Newman, 2001, p.4). No final dos anos noventa, o TAA-26 foi seleccionado como o instrumento de referência do programa nacio-nal de rastreio dos euA (National Eating Disorders Screening Program; National Mental Illness Scree-ning Project, 1999). Mais recentemente, um trabalho de revisão sobre a qualidade dos instrumentos de ras-treio das PcA para utilização nos cuidados de saúde

primários (Jacobi et al, 2004), concluiu que apenas o TAA cumpria os critérios estipulados: (1) utilidade/relevância, (2) desenvolvimento e propriedades psi-cométricas e (3) validade para o rastreio (sensibilida-de, especificidade e valor preditivo).

A relevância do TAA, como se conclui do que atrás foi exposto, levou-nos a desenvolver a sua ver-são portuguesa e a seleccioná-la como um dos ins-trumentos de referência de um projecto de investiga-ção desenvolvido, na década passada, pela equipa do instituto de Psicologia Médica - “O Perfeccionismo e as Perturbações do Espectro Obsessivo-Compulsivo” (Macedo et al, 2002). começámos por nos debruçar sobre a versão de 40 itens, sendo que as análises qua-litativas e quantitativas dos itens revelaram as boas qualidades psicométricas da versão portuguesa (Soa-res et al, 2004). com base neste instrumento e cons-cientes da importância de utilizar instrumentos tão breves quanto possível (Loewenthal, 2001), procurá-mos depois desenvolver uma versão portuguesa abre-viada. Para isso partimos de um critério semelhante ao utilizado por garner et al (1982) para seleccionar os itens, ou seja, eliminámos aqueles que apresenta-vam saturações factoriais <.30. O instrumento ficou constituído por 25 itens, em vez de 26, sendo 22 de-les comuns às duas versões. O procedimento utiliza-do para a selecção dos itens constitui um ponto forte

Abstract

Background and aims: The Eating Attitudes Test (EAT) is one of the most used self-report instruments to assess eating disorders symptoms. Our team developed a Portuguese short form of the EAT-40, the EAT-25 (Pereira et al, 2006, 2008), using the same methodology as the authors from the original EAT-40, which has good psychometric properties. The aims of the present study were to continue studying its psychometric char-acteristics and to determine the EAT-25 cut-off points and associated conditional probabilities to screen for eating disorders and analyze its screening accuracy, using the Areas under the ROC Curve (AUCs) methodology.

Methods: 555 female students from the University of Coimbra and Aveiro and 23 female patients with an Eating Disorder from the University of Coimbra Hospital completed the EAT-25. The clinical sample was diagnosed using the Portuguese version of the Diagnostic Interview for Genetic Studies and the Anxiety Disor-ders Interview Schedule for DSM-IV-Lifetime version (ADIS-IV-L), to obtain DSM-IV diagnoses.

Results: The TAA-25 showed good reliability, construct validity and discriminant validity. The cut-off point which guaranteed the most balanced combination of sensitivity and specificity (both >95%) was of 25; positive predictive value (PPV) was of 66.6% and negative predictive value of 99.8%. With the adjusted cut-off point for a prevalence of 4% (PC>19), the sensitivity and specificity of the EAT-25 were also @ 95%; the PPV was of 44.0% and the NPV of 98.1%.

Conclusion: Using a soundly methodology our study showed that the EAT-25 is an accurate screening instrument for eating disorders. It can be very useful for clinical practice and epidemiological studies.

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Teste de Atitudes Alimentares – 25:Validade para o rastreio das perturbação do comportamento alimentar

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do instrumento, pois, ao contrário de vários autores oriundos de distintas culturas do mundo que partiram desde logo dos 26 itens seleccionados por garner et al (1982), estudando apenas o modo como estes se comportavam nas suas amostras (e.g. Dotti & Lazza-ri, 1998; Koslowsky et al, 1992; nasser, 1994), nós procurámos seguir uma estratégia que nos permitis-se obter uma colecção de itens mais representativa da nossa cultura e população, o que se nos afigurou mais válido e adequado. com efeito, os estudos de validação do TAA-25 revelaram a sua excelente con-sistência interna (inclusivamente superior à do TAA-40, apesar do menor número de itens) e validade dis-criminante (Pereira et al, 2006; Pereira et al, 2008). quando realizámos estes primeiros estudos do instru-mento, considerámos que, enquanto instrumento de rastreio, o TAA poderia vir a ser muito útil se usado como a primeira fase de um processo de identifica-ção composto por duas fases, no qual os sujeitos que obtêm resultados elevados no questionário passam a uma fase de entrevista diagnóstica, de modo a deter-minar se os critérios de diagnóstico estão ou não pre-sentes (garner, 1993). Faltava-nos, portanto, estudar a sua validade para o rastreio de PcA.

nos últimos anos, o TAA-25 tem sido solicita-do por diversos investigadores e estudantes de pré e pós-graduação de diversas instituições de saúde e de ensino universitário e politécnico, de norte a sul de Portugal, para ser utilizado nomeadamente em teses de mestrado em Medicina, Psicologia, nutrição, en-fermagem e desporto. Motivados pela atenção que a escala tem merecido e seguindo a recomendação dos peritos em psicometria que sublinham a importân-cia de continuar a analisar as propriedades dos ins-trumentos, mesmo depois da sua validação original, como por exemplo Nunnally, quando refere no seu Psychometric Theory (1978, p. 87), “measures must be kept under constant surveillance to see if they are behaving as they should”, decidimos aprofundar o es-tudo do TAA-25. Assim, os objectivos deste trabalho foram: (1) analisar as características psicométricas do instrumento, nomeadamente fidelidade, validade de construto (análise factorial) e validade discriminante; (2) analisar as propriedades operativas, ou seja, estu-dar a sua validade para o rastreio de PcA, utilizando a metodologia das curvas ROc (Receiver Operating Characteristics) para obter os pontos de corte mais válidos e as probabilidades condicionais associadas (sensibilidade, especificidade e valor preditivo).

A necessidade de um instrumento de rastreio das PcA simples e válido prende-se com o facto destas

serem doenças graves e potencialmente fatais (Aze-vedo et al, 2002). de acordo com estudos de base po-pulacional, a prevalência pontual de PcA é de cerca de 1% e a prevalência em toda a vida ultrapassa os 4% (Hudson et al, 2007). Se considerarmos os comporta-mentos alimentares perturbados, no sentido lato, en-tão estes valores excedem os 10% (Neumark-Sztainer et al, 2000).

Os poucos estudos epidemiológicos desenvol-vidos em Portugal indicam que a prevalência parece menor do que noutros países da europa e dos euA; contudo, à semelhança do que acontece na generali-dade dos países desenvolvidos (Fairburn & Harrison, 2003), tem vindo a aumentar. com efeito, no início dos anos 90, na ilha de S. Miguel, Açores, não foi encontrado nenhum caso de Anorexia nervosa (An); a prevalência de Bulimia nervosa (Bn) foi de 0.3% e a de PcA, incluindo as síndromes parciais, foi de 0.65% (Azevedo & Ferreira, 1992). Num estudo mais recente em que participaram mais de 2000 raparigas de diversas regiões de Portugal continental, a preva-lência de PcA foi de 3.06%, sendo 0.39% casos de An, 0.30% casos de Bn e 2.37% casos de Perturba-ções do comportamento Alimentar Sem Outra espe-cificação (PCASOE) (Machado et al, 2007).

Apesar das trágicas consequências para a saúde, que colocam as PcA no topo das perturbações psiqui-átricas com mais complicações médicas associadas (Mitchell & Crow, 2006), a maioria das pessoas de-tectadas nestes estudos da comunidade não procuram tratamento (Hoek, 2003; Hudson et al, 2007). A per-tinência dos rastreios é ainda suportada pelos resulta-dos que mostram que a detecção e tratamento preco-ces das PCA melhoram significativamente as taxas de recuperação (Schoemaker, 1997)

METODOLOGIA

SujeitosO TAA-25 (Pereira et al, 2008), juntamente com

outros questionários, incluindo dados demográficos, peso e altura corporais, foi administrado a uma amos-tra de 555 raparigas que frequentavam os cursos de licenciatura/Mestrado integrado, respectivamente nos anos lectivos de 2007-2008 e 2008-2009, nas universidades de coimbra (uc) e de Aveiro (uA). As distribuições da idade, curso e ano do curso apre-senta-se no quadro 1.

Para a realização deste estudo também utilizámos as respostas de vinte e três raparigas com Perturba-ções do comportamento Alimentar, que se encontra-

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A.T. Pereira, M.J. Soares, M. Marques, B. Maia, S. Bos,J. Valente, V. Nogueira, M.H. Azevedo, A. Macedo

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vam na fase inicial do tratamento na consulta externa ou no internamento do Hospital de dia da clínica Psi-quiátrica dos Hospitais da universidade de coimbra, diagnosticadas através da administração de entrevis-tas diagnósticas (ver secção Avaliação diagnóstica). esta amostra incluía casos de An (n=9; 39.1%), Bn (n=4; 17.4%) e de PcASOe (n=10; 43.5%).

A idade média nas duas amostras (estudantes vs. doentes) não foi significativamente diferente [19.46 ± 1.647 vs. 19.70 ± 4.497; t (22.265) = -.247, p=.807]. Já a média de Índice de Massa corporal (iMc) apre-sentou uma diferença estatisticamente significativa entre as duas amostras [21.41 Kg/m2 ± 3.059 vs 19.42 ± 2.910; t (554) = 2.272, p=.007]. Em ambas as amos-tras todas as raparigas eram solteiras (100%).

Quadro 1: distribuição das variáveissócio-demográficas (estudantes)

n (%)Idade (anos)17-181920≥.21Sem informação

159 (28.8)142 (25.6)112 (20.2)101 (18.2)41 (7.4)

CursoMedicina (uc)Medicina dentária (uc)Psicologia (uA)educação infância (uA)ensino Básico (uA)

385 (69.4)69 (12.4)45 (8.1)25 (4.5)31 (5.6)

Ano1º2º3º5º-6º

211 (38.0)185 (33.3)142 (25.6)17 (3.1)

InstrumentoOs 25 itens do TAA-25 têm um formato de res-

posta de tipo Likert, com 6 opções de resposta. As opções “nunca”, “raras vezes” e “algumas vezes”, são cotadas com 0 pontos; “muitas vezes” com 1 ponto; “muitíssimas vezes” com 2 pontos e “sempre” com 3 pontos. não há itens invertidos. quanto à tipologia, os itens referem-se a um conjunto de afirmações que definem de forma clara, curta e inteligível apenas um comportamento ou atitude. A pontuação total é calcu-lada somando as pontuações de cada item, sendo que, quanto maior é a pontuação global, mais disfuncio-nais serão as atitudes e comportamentos alimentares.

A versão original do instrumento foi traduzida para português por uma psiquiatra com larga experi-ência na tradução de instrumentos de avaliação psico-patológica (M.H.A.). no estudo da análise qualitativa da primeira amostra dos itens, os autores da versão portuguesa adoptaram os métodos da reflexão falada com grupos de destinatários, da análise das instruções e da apreciação da adequabilidade do conteúdo e for-mato dos itens (Almeida & Freire, 2003).

Procedimentoexplicou-se a todos os participantes a natureza

e objectivo do estudo, solicitou-se a sua participação voluntária e obteve-se o consentimento informado. Todos os sujeitos convidados aceitaram participar, não recebendo por isso qualquer gratificação. O pre-enchimento do questionário teve lugar no início ou no fim da aula (estudantes) / consultas (doentes).

de modo a calcularmos a correlação teste-reteste do TAA-25, 94 estudantes foram solicitadas a respon-der uma segunda vez ao questionário, com um inter-valo de aproximadamente 6 semanas entre as duas administrações.

Os dados relativos à amostra de doentes com PcA foram obtidos no âmbito de um projecto de investiga-ção intitulado “O Perfeccionismo e as Perturbações do Espectro Obsessivo-Compulsivo” (FcT/ 37569/PSi/ 2001), cujas metodologias foram revistas e apro-vadas pela comissão de Ética para a Saúde dos Hos-pitais da universidade de coimbra (Macedo, 2002).

Avaliação DiagnósticaPara efeitos de avaliação diagnóstica foram utili-

zadas as versão portuguesas da Diagnostic Interview for Genetic Studies (digS; Azevedo et al, 1993; nur-nberger et al, 1994) e da Anxiety Disorders Interview Schedule for DSM-IV- Lifetime version (AdiS-iV-l; dinardo et al, 1994). A digS é uma entrevista es-tandardizada, desenvolvida pelos Diagnostic Cen-ters for Psychiatric Linkage Studies dos e.u.A, que tem como objectivo registar informação respeitante ao funcionamento e psicopatologia de um indivíduo com ênfase primária em informação relevante para o estudo das perturbações psiquiátricas major. enquan-to instrumento polidiagnóstico, a digS cobre vários sistemas de classificação (Azevedo et al, 1993); para este estudo foi seleccionado o dSM-iV (APA, 1994). A AdiS é uma entrevista estruturada, desenhada para avaliar as perturbações de ansiedade, somatoformes e relacionadas com o stresse, de acordo com os cri-térios diagnósticos do dSM-iV. As entrevistas foram

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Teste de Atitudes Alimentares – 25:Validade para o rastreio das perturbação do comportamento alimentar

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administradas por um psiquiatra com vasta experiên-cia, tanto na clínica, como na administração de instru-mentos de polidiagnóstico (AM).

Análise estatísticaPara a execução deste trabalho foram utilizados

os programa SPSS 16.0 e STATA 6.0. Foram deter-minadas estatísticas descritivas, medidas de tendência central e de dispersão e as medidas de assimetria e achatamento. uma distribuição foi considerada nor-mal quando se encontraram valores semelhantes nas medidas de tendência central (média, moda e media-na), bem como índices de simetria e de curtose não superiores à unidade, ou seja, entre -1 e 1 (Almeida & Freire, 2003). Os somatórios de variáveis ordinais (totais de escalas e factores) foram tratados como variáveis intervalares (Kiess & Bloomquist, 1985); utilizando um procedimento comum nos estudos em Psicologia o mesmo foi feito para outras variáveis que em rigor são medidas numa escala ordinal (como por exemplo a escala de resposta aos itens).

Realizou-se uma análise factorial através da aná-lise de componentes principais seguida de rotação ortogonal de tipo Varimax para componentes com ei-genvalues iguais ou superiores a 1 e procedeu-se a um conjunto de cálculos relacionados com a fidelidade dos instrumentos de avaliação psicológica: coeficien-tes alpha de Cronbach (a) de consistência interna; a excluindo os itens e coeficientes de correlação entre cada item e o total (excluindo o item). Os valores do a foram interpretados de acordo com o critério de de-Vellis (1991): 0.65-0.70, aceitável; 0.70-0.80, bom; 0.80-0.90, muito bom. Para classificar a magnitude das correlações seguimos o critério de cohen (1992): .01, baixa; .30, moderada, and.50, elevada.

Foram também utilizados coeficientes de corre-lação de Spearman, teste t de Student para medidas repetidas, teste t de Student para amostras indepen-dentes e teste U de Mann-Whitney.

Procedeu-se à análise das curvas ROc para ob-ter a estatística Area Under the Curve (Auc), esta-belecer um conjunto de pontos de corte (Pcs) para o TAA-25 e determinar as respectivas propriedades operativas associadas – sensibilidade, especificidade, valor preditivo positivo (VPP) e valor preditivo nega-tivo (VPn). Seleccionado o Pc que melhor optimiza as probabilidades condicionais, foram calculados ou-tros parâmetros associados à validade de instrumen-tos para o rastreio de doenças, como as taxas de falsos positivos (FP) e de falsos negativos (Fn) e as percen-tagens de participantes correctamente classificadas

(cc). uma vez que a sensibilidade e o VPP dependem não apenas das características psicométricas dos ins-trumentos, mas também da prevalência da doença na população em estudo (Smits et al, 2007), calculámos também os Pcs e respectivas probabilidades condi-cionais ajustadas para a prevalência, de modo a remo-ver o efeito da classificação artificial por assimetria entre os grupos. Para a interpretação das Aucs como medida global da acuidade de um instrumento de ras-treio seguimos o critério de Swets (1988): AUC=.5, não-informativa; .5<Auc<.7, baixa; .7<Auc<.9, moderada; .9<Auc<1, elevada.

Para as análises relativas à distribuição das res-postas aos itens, fidelidade e validade de construto (análise factorial) utilizámos as respostas da amostra de estudantes. no estudo da validade de critério e da validade para o rastreio de PcA (propriedades opera-tivas), recorremos também aos dados fornecidos pela amostra de doentes.

RESULTADOS

Distribuição das respostas aos itensO quadro 2 apresenta as frequências de resposta

aos itens do TAA-25. como seria de esperar, uma vez que se trata de uma amostra da população geral, a op-ção de resposta mais assinalada foi 0 (“nunca, Raras vezes, Algumas vezes”). Os itens que apresentaram as frequências de resposta mais elevadas à opção 1 “muitas vezes”, com percentagens em redor dos 20%, relacionam-se com restrição alimentar e evitamento da gordura: itens 3 Preocupo-me com a comida, 12 Penso em queimar calorias quando faço exercício, 14 Preocupo-me com a ideia de ter gordura no corpo e 19 Controlo-me em relação à comida. Alguns des-tes itens, nomeadamente o 12 e o 14, foram também dos que apresentaram as frequências mais elevadas (>5.0%) na opção de resposta mais extremada, a 3 (“Sempre”). O mesmo se verificou com o item 2 Ter peso a mais aterroriza-me, que foi o que apresentou a maior frequência de resposta a esta opção (8.1%).

FidelidadeO coeficiente a de consistência interna foi de

.880, o qual pode ser considerado “muito bom”, apon-tando para a uniformidade e coerência entre as res-postas dos sujeitos a cada um dos itens.

O poder discriminativo ou validade interna dos itens, ou seja, o grau em que o item diferencia no mes-mo sentido do teste global (Almeida & Freire, 2003), dado pelas correlações entre cada item e o total corri-

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A.T. Pereira, M.J. Soares, M. Marques, B. Maia, S. Bos,J. Valente, V. Nogueira, M.H. Azevedo, A. Macedo

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gido (excluindo o item), assim como os coeficientes a excluindo um a um os itens, indicam-se no quadro 3. este mostra que todos os itens podem ser consi-derados “bons” itens, pois todos se correlacionam acima de .20 com o total (quando este não contém o item) (e.g. Pasquali, 2003), com coeficientes a varia-rem de .213 (item 15 Tomo laxantes) a .679 (item 14 Preocupo-me com a ideia de ter gordura no corpo); a maioria dos itens (21) cumpre mesmo o critério mais exigente, com coeficientes >.30 (e.g. Kline, 2000), sendo que mais de metade dos itens apresenta cor-relações elevadas (>.50) com o total corrigido. Além disso, todos os itens contribuem para a consistência interna, ou seja, se fossem retirados, fariam diminuir, ou pelo menos manter (item 8 Vomito depois de co-mer), o α global.

quanto à estabilidade temporal, obteve-se um coeficiente de correlação de Spearman entre as pon-tuações totais no teste e no reteste de .870 (p<.01), bastante abonatório deste parâmetro. considerando cada item isoladamente, verificamos que as correla-ções são, de um modo geral, elevadas (≥.50), excepto para os itens 9, 16, 22 e 23 e altamente significativas (p<.01). O único item em que a correlação não é esta-tisticamente significativa é o 1 (Fico nervosa antes de comer); em três itens, relacionados com os compor-tamentos bulímicos (8, 24 e 25), a correlação chega mesmo a ser perfeita (=1).

A comparação das pontuações totais médias no teste (5.11 ± 6.728) e no reteste (3.72 ± 6.118) reve-la que a diferença não é estatisticamente significativa [t(93)=4.059, p<.064)].

Quadro 2: distribuição das respostas aos itens (estudantes)Frequências de resposta / n (%)

Itens nunca,

Raras vezes, Algumas vezes

Muitas vezes

Muitíssimas vezes Sempre

1. Fico nervosa antes de comer 542 (97.7) 7 (1.3) 5 (.9) 1 (.2)2. Ter peso a mais aterroriza-me 393 (70.8) 87 (15.7) 30 (5.4) 45 (8.1)3. Preocupo-me com a comida 327 (58.9) 159 (28.6) 43 (7.7) 26 (4.7)4. Tenho tido episódios de comer de mais (…) 477 (85.9) 47 (8.5) 28 (5.0) 3 (.5)5. conheço o valor calórico das comidas que como 437 (78.7) 83 (15.0) 24 (4.3) 11 (2.0)6. evito especialmente comidas ricas em hidratos 507 (91.4) 34 (6.1) 9 (1.6) 5 (.9)7. os outros gostariam que eu comesse mais 494 (89.0) 35 (6.3) 16 (2.9) 10 (1.8)8. Vomito depois de comer 552 (99.5) 1 (.2) 2 (.4) 09. culpada depois de comer 520 (93.7) 15 (2.7) 16 (2.9) 4 (.7)10. preocupada com desejo de ser mais magra 456 (82.2) 43 (7.7) 31 (5.6) 25 (4.5)11. exercício energicamente para queimar calorias 502 (90.5) 34 (6.1) 12 (2.2) 7 (1.3)12. queimar calorias quando faço exercício 391 (70.5) 105 (18.9) 26 (4.7) 33 (5.9)13. outras pessoas acham que estou magra 509 (91.7) 27 (4.9) 15 (2.7) 4 (.7)14. Preocupo-me com a ideia de ter gordura 378 (68.1) 108 (19.5) 38 (6.8) 31 (5.6)15. Tomo laxantes 551 (99.3) 3 (.5) 1 (.2) 016. evito comidas que tenham açúcar 483 (87.0) 53 (9.5) 17 (3.1) 2 (.4)17. como comida de dieta 510 (91.9) 30 (5.4) 14 (2.5) 1 (.2)18. Sinto que a comida controla a minha vida 527 (95.0) 16 (2.9) 7 (1.3) 5 (.9)19. controlo-me em relação à comida 413 (74.4) 99 (17.8) 33 (5.9) 10 (1.8)20. Sinto que os outros me pressionam para comer 518 (93.3) 24 (4.3) 11 (2.0) 2 (.4)21. dedico tempo e preocupação demais à comida 532 (95.9) 13 (2.3) 7 (1.3) 3 (.5)22. Sinto-me desconfortável depois de comer doces 475 (85.6) 56 (10.1) 11 (2.0) 13 (2.3)23. Ocupo-me em coisas de fazer dieta 520 (93.7) 23 (4.1) 9 (1.6) 3 (.5)24. gosto de sentir o estômago vazio 537 (96.8) 11 (2.0) 4 (.7) 3 (.5)25. Tenho vontade de vomitar depois das refeições 542 (97.7) 11 (2.0) 1 (.2) 1 (.2)

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Teste de Atitudes Alimentares – 25:Validade para o rastreio das perturbação do comportamento alimentar

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Validade de construto A metodologia mais recomendada para a aprecia-

ção da validade de construto dos resultados é a análise factorial (AF), pois um dos sentidos deste tipo de va-lidade é “o conhecimento que possuímos daquilo que o teste está a medir” (Loewenthal, 2001).

Para a extracção dos factores guiámo-nos pelos critério de Kaiser (1958) e do scree test de cattell (cattel, 1966) e tentámos procurar um compromis-so entre o número de factores (que, em princípio, deve ser o menor possível) e a sua interpretabilidade (Artes, 1998). Seguindo a sugestão de Kline (2000), considerámos que os “pesos” (loadings) com valores

>.40 estavam associados com o factor e que podería-mos ignorar os restantes “pesos”.

Antes de prosseguirmos com a análise factorial, realizámos o teste KMO (Kaiser-Meyer-Olkin) e o teste de esfericidade de Bartlett, para averiguar acerca da adequação dos dados para realizar a AF (Pestana & gageiro, 2003). Para o podermos fazer com seguran-ça, o primeiro deve aproximar-se de 1, sendo “bom” se for >. 80, o que se verificou com a nossa amostra (KMO=.873); o segundo deve levar a rejeitar a hi-pótese nula, o que também aconteceu com os nossos dados (p <.001).

Perante a observação do scree plot e a interpreta-

Quadro 3: Coeficientes de correlações item-total excluindo o item e coeficientes alpha de cronbach excluindo o item.

Itens correlação item-Total corrigido

Alfa excluindoo item

1. Fico nervosa antes de comer .401b .878c

2. Ter peso a mais aterroriza-me .663a .869c

3. Preocupo-me com a comida .553a .873c

4. Tenho tido episódios de comer de mais (…) .369b .877c

5. conheço o valor calórico das comidas que como .503a .874c

6. evito especialmente comidas ricas em hidratos .467b .875c

7. os outros gostariam que eu comesse mais .293c .879c

8. Vomito depois de comer .290c .880c

9. Sinto-me muitíssimo culpado/a depois de comer .549a .873c

10. preocupada com desejo de ser mais magra .631a .869c

11. exercício energicamente para queimar calorias .326b .878c

12. queimar calorias quando faço exercício .538a .873c

13. outras pessoas acham que estou magra .154c .882c

14. Preocupo-me com a ideia de ter gordura .679a .868c

15. Tomo laxantes .213b .880c

16. evito comidas que tenham açúcar .400c .876c

17. como comida de dieta .536a .874c

18. Sinto que a comida controla a minha vida .538a .874c

19. controlo-me em relação à comida .356b .879c

20. Sinto que os outros me pressionam para comer .356b .878c

21. dedico tempo e preocupação demais à comida .590a .874c

22. desconfortável depois de comer doces .657a .869c

23. Ocupo-me em coisas de fazer dieta .621a .873c

24. gosto de sentir o estômago vazio .504a .876c

25. Tenho vontade de vomitar depois das refeições .328b .879ca≥.500; b≥.300; c≥.200; c≤.880 (alpha de Cronbach para 25 itens)

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A.T. Pereira, M.J. Soares, M. Marques, B. Maia, S. Bos,J. Valente, V. Nogueira, M.H. Azevedo, A. Macedo

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bilidade dos factores, considerámos que a estrutura de três factores seria a mais compreensível. esta explica 46.65% da variância, sendo que os factores 1, 2 e 3 explicam respectivamente 19.33%, 16.73% e 10.58% desta.

O quadro 4 corresponde à matriz factorial ob-tida com os itens dispostos por ordem decrescente dos respectivos pesos no factor. considerando os itens que apresentam o seu peso máximo no factor em causa (>.40), obteve-se a seguinte estrutura: o fac-tor 1, composto por 11 itens (a=.88), foi denomina-do de Comportamentos Bulímicos, pois agrupa itens relacionados com episódios de ingestão compulsiva e comportamentos compensatórios (vómito), bem como sentimentos de culpa, desconforto e ansiedade em relação à comida e preocupações com o peso e

forma corporais; os 9 itens do factor 2 (a=.78) reme-tem para o controlo alimentar, restrição calórica, evi-tamento de comidas gordas e doces, prática de exercí-cio físico para queimar calorias e preocupações com a comida, pelo que foi denominado de Dieta; o factor 3 é composto por 3 itens (a=.79), cujo tema comum é a percepção de que as outras pessoas exercem pressão para comer mais/aumentar o peso, daí ser chamado Pressão Social para Comer. Os itens 15 Tomo laxan-tes e 24 Gosto de sentir o estômago vazio ficaram fora da estrutura factorial.

Sendo todos os coeficientes a superiores a .70, e tendo em conta o reduzido número de itens de cada factor, podemos afirmar que é muito boa a sua consis-tência interna, o que permite a adição dos respectivos itens para a constituição de subescalas.

Quadro 4: Matriz factorial e respectivos pesos no TAA-25Itens F1 F2 F3

9. culpado/a depois de comer .79522. desconfortável depois de comer doces .70718. a comida controla a minha vida .70610. preocupada com desejo de ser mais magra .6964. episódios de comer de mais (…) .6582. Ter peso a mais aterroriza-me .59121. dedico tempo e preocupação demais à comida .57614. Preocupo-me com a ideia de ter gordura .53925. vontade de vomitar depois das refeições .5281. Fico nervosa antes de comer .4268. Vomito depois de comer .40417. como comida de dieta. .75916. evito comidas que tenham açúcar .67719. controlo-me em relação à comida .6426. evito comidas ricas em hidratos de carbono .62512. Penso em queimar calorias quando faço exercício .5443. Preocupo-me com a comida .53923. Ocupo-me em coisas de fazer dieta .4945. conheço o valor calórico das comidas que como .47411. Faço exercício para queimar calorias .42115. Tomo laxantes .23120. os outros pressionam para comer .7777. os outros gostariam que eu comesse mais .76313. outras pessoas acham que estou demasiado magra .75324. gosto de sentir o estômago vazio .387

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Teste de Atitudes Alimentares – 25:Validade para o rastreio das perturbação do comportamento alimentar

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As correlações entre estas e o total do TAA-25 apresenta-se de seguida (Quadro 5).Verifica-se que todos os coeficientes são positivos e altamente signi-ficativos. Os coeficientes de correlação entre o total e os factores 1 e 2 são de magnitude muito elevada (>.80) e com o factor 3 a correlação é moderada. quanto às correlações inter-factoriais, as magnitudes variam de .155, entre os Comportamentos Bulímicos (F1) e a Pressão Social para Comer (F3), a .611, entre os Comportamentos Bulímicos (F1) e a Dieta (F2).

Validade discriminamteutilizámos o teste U de MannWhitney para a com-

paração das pontuações entre a amostra de estudantes e a amostra de doentes (quadro 6). Apesar das vari-áveis não apresentarem distribuições normais, consi-derámos informativo apresentar também as médias e desvios padrões das pontuações nos dois grupos, para além das medianas. Verifica-se que as pontuações em todas as medidas diferem com elevada significância estatística entre os dois grupos, o que abona a favor da validade concorrente do TAA-25.

Validade do TAA-25 para o rastreio de PCA: AUC, pontos de corte e características operativas

A Auc é o equivalente da probabilidade de um

indivíduo aleatoriamente seleccionado da amostra de positivos ter uma pontuação no teste superior a um indivíduo aleatoriamente seleccionado da amostra de negativos (Hanley & McNeil, 1982). Este parâmetro é usado como medida da capacidade de discrimina-ção do instrumento de rastreio, pois fornece-nos um sumário estatístico global (isto é, baseado em todas as possíveis pontuações de corte) da sua acuidade diag-nóstica (Farmer et al, 2002). Se um instrumento de rastreio faz uma discriminação perfeita entre casos negativos e casos positivos (isto é, não há sobrepo-sição de valores entre os dois grupos), a curva passa nas coordenadas (0;1), o que representa sensibilidade e especificidade de 100%; neste caso, a AUC seria igual a um (=1) (Smits et al, 2007).

com o TAA-25 a Auc foi de .99 (erro Pa-drão=.005; p<.001, ic 95%, .98-1.00), valor indicati-vo de precisão elevada. no quadro 7, apresentam-se a sensibilidade, especificidade, valor preditivo positi-vo e valor preditivo negativo associados a diferentes Pcs do TAA-25.

A sensibilidade de um instrumento de rastreio diz respeito ao número de doentes com um teste positivo em função do número total de doentes; a especifici-dade traduz o número de indivíduos não doentes com teste negativo em função do número total de não do-

Quadro 5: Coeficientes de correlação de Spearman entre as pontuações total e factoriaisFactores TAA-25 F1 F2

F1 Comportamentos Bulímicos .892**F2 Dieta .872** .611**F3 Pressão Social para Comer .385** .155** .234**

**p<.001

Quadro 6: comparação das pontuações total e dimensionais no TAA-25 por grupos de diagnóstico/dSM-iVEstudantes

M (dP);Md (P25lP75)

PCA/DSM-IVM (dP);

Md (P25lP75) U pn= 555 (96.0%) n= 23 (4.0%)

Total TAA-25 4.84 (6.894);3.00 (.00 l 6.00)

38.76 (10.363); 39.00 (31.00 l 46.00) 133.500 <.001**

F1Comportamentos Bulímicos

2.07 (3.836);0.00 (.00 l 3.00)

19.54 (6.544); 20.00 (15.00 l 25.00) 260.500 <.001**

F2Dieta

.39 (1.188);.00 (.00 l .00)

4.41 (3.157); 4.00 (1.75 l 7.00) 1564.000 <.001**

F3 Pressão Social para Comer

.34(.315);.00 (.00 l .00)

3.87 (2.651); 4.00 (2.00 l 6.00) 1325.500 <.001**

**p<.001. legenda: M, Média; dP, desvio padrão; Md, Mediana; P25lP75, Percentil 25lPercentil 75.

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entes. quer uma quer outra são medidas de probabili-dade condicional e podem igualmente ser designadas por taxa de verdadeiros positivos e taxa de verdadei-ros negativos, respectivamente (Massano cardoso, 2004). Outras características operativas muito impor-tantes são o valor preditivo positivo (VPP, proporção de pessoas identificadas positivamente pelo teste e que realmente têm a doença) e o valor preditivo nega-tivo (VPN, proporção de pessoas identificadas negati-vamente pelo teste e que realmente não têm a doença) (Smits et al, 2007).

da análise do quadro 7 retira-se que o Pc que parece equilibrar melhor a sensibilidade e a especifi-cidade é o 25. com este, estes parâmetros são respec-tivamente de 95.7% e 98.0%; o VPP é de 66.6% e o VPn é de 99.8%. A percentagem geral de participan-tes correctamente classificadas (CC) é de 97.9%. A taxa de FP é de 2.0% e a de Fn é de 4.3%.

A base de cálculo para estes valores associados ao Pc 25 foi a tabela seguinte:

PCA/ DSM-IVTAA-25 Sim Não Total

≥ 25 22 11 33< 25 1 544 545Total 23 555 578

O Pc ajustado para a prevalência de 4.0% (23/578) é o 19. As probabilidades condicionais as-sociadas a este Pc ajustado são as seguintes: sensi-bilidade, 95.6%; especificidade, 94.9%. O VPP é de 44.0% e o VPn é de 98.1%. A taxa de cc é de 94.9%; a taxa de FP é de 5.1% e a taxa de Fn é de 4.3%.

DISCUSSÃO

neste trabalho tivemos como objectivo analisar as propriedades psicométricas e operativas do TAA-25. Quanto às primeiras, ou seja, fidelidade e vali-

dade, eram de esperar os resultados favoráveis que obtivemos, na linha de estudos psicométricos prévios com o TAA (Bento et al, 2010; Soares et al, 2004; Pereira et al, 2006, 2008). Já o estudo da validade do TAA-25 para o rastreio de PcA, através da metodo-logia das Curvas ROC, representou algo de inovador, não só porque, como já referimos, este instrumento foi especificamente desenvolvido para a nossa popu-lação (Pereira et al, 2006, 2008), mas também porque são muito poucos os estudos que procuraram estabe-lecer os melhores pontos de corte da versão original, o TAA-26 (garner et al, 1982), recorrendo a esta me-todologia que é a mais rigorosa e recomendada para o efeito (Krzanowski & Hand, 2009).

Optámos por incluir apenas raparigas, não só porque o sexo feminino representa cerca de noven-ta por cento das pessoas afectadas (APA, 2002), mas também porque verificámos, preliminarmente, que a maioria das variáveis implicadas distinguiam-se sig-nificativamente entre os sexos. Além disso, a própria estrutura factorial era consideravelmente diferente para as raparigas e para os rapazes, à semelhança do que verificámos em trabalhos anteriores levados a cabo com o TAA (Pereira, 2005). Mais acresce que, devido à baixa prevalência das PcA no sexo masculi-no, toda a amostra clínica era composta por raparigas. no entanto, o TAA pode também ser utilizado com rapazes e as suas propriedades psicométricas no sexo masculino já foram estudadas, resultando em parâme-tros ligeiramente inferiores aos encontrados para o sexo feminino (Pereira, 2005).

Comecemos por reflectir brevemente acerca dos resultados relativos às características psicométricas.

Quadro 7: Pontos de corte e probabilidades condicionais do TAA-25Ponto de corte1 Sensibilidade (%) Especificidade (%) VPP (%) VPN (%)

12 100 87.9 24.4 10016 95.7 92.6 31.7 99.819 95.7 95.0 42.0 99.820 95.7 95.7 47.8 96.623 95.7 97.3 59.4 99.825 95.7 98.0 66.6 99.830 91.3 99.1 80.7 99.631 87.0 99.3 79.1 99.5

legenda: VPP, Valor preditivo positivo; VPn, Valor preditivo negativo.

1 Seleccionados por resultarem em valores de sensi-bilidade e especificidade diferentes (outros pontos de corte entre os seleccionados resultariam em sensibilidade e/ou especificidade iguais ou muito aproximadas ao anterior).

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A análise da distribuição das respostas aos itens permitiu-nos constatar que os sintomas mais preva-lentes são os que se relacionam com o controlo ali-mentar e evitamento da gordura corporal. Somando as percentagens de respostas sintomáticas a estes itens (“muitas vezes” + “muitíssimas vezes” + “sempre”), obtêm-se percentagens alarmantes a variarem entre os 25.5% (item 19) e os 41.1% (item 3). estes resultados estão em consonância com os obtidos por Bento et al (2010) e Soares et al (2007) - em ambos os trabalhos foram precisamente estes os itens mais respondidos pelas respectivas amostras, a primeira composta por mil adolescentes de ambos os sexos e a segunda por quatrocentas estudantes universitárias. A replicação destes resultados é um sinal de alerta que merece a nossa máxima atenção, pois segundo o modelo cog-nitivo-comportamental das PcA (Fairburn, 2011) a sobreavaliação e controlo da forma e peso corporais são factores de risco para o seu desenvolvimento e manutenção, sendo que a maioria dos restantes aspec-tos clínicos podem ser entendidos como resultados directos daqueles.

O valor do coeficiente α do TAA-25 obtido neste estudo (.88) vem confirmar a excelente consistência interna do teste, evidência que já havíamos constata-do através da da sua administração a outras amostras de jovens portuguesas (Pereira et al, 2006, 2008; Ben-to, 2010).

A estrutura factorial, composta por três factores – F1 Comportamentos Bulímicos, F2 Dieta e F3 Pres-são Social para Comer – com bons parâmetros psi-cométricos, revelou-se bastante distinta da publicada por Bento et al (2010), a partir de uma amostra de alunas do ensino secundário com idades compreen-dias entre os 14 e os 20 anos, provenientes de zonas urbanas e rurais da zona centro. neste estudo não só a ordem dos dois primeiros factores, denominados respectivamente Motivação para a Magreza e Com-portamentos Bulímicos foi inversa à que obtivemos, como também a distribuição dos itens pelos factores foi díspar. Também em comparação com trabalhos de outros países em que os investigadores optaram por partir desde logo dos 26 itens seleccionados por garner et al (1982) e estudar apenas o modo como estes se comportavam nas suas amostras, pese embora a disparidade deste e de outros aspectos metodológi-cos, verificamos que, de um modo geral, o primeiro factor é também mais relacionado com dieta do que com comportamentos bulímicos (e.g. Bighetti, 2003; Dotti & Lazzari, 1998; Elal et al, 2000; Koslowsky et al 1992; Mukay et al, 1994; Mumford et al, 1991;

Nasser 1994; Rutt & Colemann, 2001). Já o F3 Pres-são Social para Comer ficou composto exactamente pelos mesmos itens que no de Bento et al (2010) e, mesmo em comparação com as validações referidas no parágrafo anterior, parece ser o factor que apre-senta menos variações em função da idade, cultura e grau de psicopatologia das amostras, bem como dos critérios metodológicos utilizados.

Ao diferenciarem-se significativamente entre o grupo de estudantes e o grupo de doentes, as várias medidas do TAA-25 revelam boa validade discrimi-nante. Vários autores consideram que o diagnóstico psiquiátrico é o critério mais adequado para validar instrumentos que avaliam sintomatologia psiquiátrica (e.g. Loewenthal, 2001; Pasquali, 2003). Não obstan-te as estudantes não terem sido formalmente diagnos-ticadas, o que pode representar uma limitação desta análise, ainda assim foi cumprido o que os peritos consideram ser o método mais indicado, que consiste na comparação dos resultados no instrumento entre dois (ou mais) grupos de pessoas, partindo da hipóte-se teórica de que aqueles serão diferentes. Foi preci-samente isso que se verificou.

debrucemo-nos agora sobre a discussão dos re-sultados relativos às características operativas do TAA-25, cujo estudo foi o principal objectivo deste trabalho.

Para a selecção dos pontos de corte (Pc) utilizá-mos duas estratégias, ambas baseadas na metodolo-gia das curvas ROc. Primeiro, de entre os vários Pcs fornecidos pelo programa informático, seleccionámos aquele que melhor revelou optimizar a sensibilidade e a especificidade. Assim, com um PC>25 aqueles pa-râmetros são muito bons, ambos superiores a 95%. utilizando este ponto de corte, apenas 2.0% das ra-parigas identificadas como sendo potenciais casos, não preencham os critérios para PcA; por outro lado, menos de 5% das raparigas com uma PcA não serão identificadas. Estas taxas de FP e de FN correspon-dem a uma taxa de participantes correctamente classi-ficadas muito animadora, de 97.9%.

dispomos de pouca informação para poder efec-tuar comparações válidas entre os nossos resultados e os obtidos por outros investigadores. não só “são escassos os estudos acerca da validade para o rastreio de instrumentos para a avaliação das PcA” (Jacobi et al, 2004, p. 285), como a grande maioria dos autores (e.g. Al-Subaie et al, 1996; Mann et al, 1983; Mintz & O’Halloran, 2000) tem partido desde logo dos PC definidos por Garner et al (1982). Ainda assim, pode-mos referir que a combinação de sensibilidade, espe-

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cificidade, valor preditivo e taxas de FP e FN associa-das ao nosso Pc>25 para o TAA-25 é bastante mais favorável do que as que têm sido publicadas para o TAA-26 em diversos países. não obstante este resul-tado optimista, há uma ressalva a fazer, que corres-ponde à principal limitação deste trabalho. em termos ideais, quando pretendemos estabelecer os melhores pontos de corte para um instrumento que avalia psi-copatologia, toda a amostra deve ser proveniente da comunidade e todos os participantes devem ser entre-vistados com recurso a entrevistas diagnósticas, o que não nos foi possível efectuar neste trabalho. Assim, a metodologia alternativa que utilizámos poderá ter aumentado artificialmente o valor preditivo associa-do ao Pc seleccionado, pois a prevalência da amostra influencia este parâmetro (Massano Cardoso, 2004). no sentido de atenuar os potenciais efeitos desta limi-tação, procedemos também ao cálculo do Pc ajustado à prevalência, tendo verificado que uma pontuação de 19 pontos no TAA-25 também garante valores de sen-sibilidade e especificidade muito favoráveis, em redor dos 95%. Também com este Pc ajustado à prevalên-cia a taxa de erros rondará os 5%, valor mais baixo do que o aceite em diversos tipos de rastreios (Gaynes et al, 2005). O valor preditivo, de 44.0%, apresenta-se naturalmente mais baixo do que o associado ao Pc seleccionado empiricamente, mas, tendo sido objec-tivamente calculado tendo em conta a prevalência da perturbação, representa melhor o que se passará na realidade da população alvo.

O facto da categoria diagnóstica mais prevalen-te na nossa amostra de doentes ser a Perturbação do Comportamento Alimentar Sem outra Especificação (PcASOe; n=10, 43.5%) é representativo do que se passa na realidade, pois sabe-se que menos de um ter-

ço dos casos são quadros completos de An ou Bn (Behar et al, 2008; Machado et al, 2007). considerá-mos relevante integrar as PcASOe na nossa amostra de doentes não só devido à sua elevada prevalência, mas também ao sofrimento psicológico e complica-ções médicas que acarretam, pois toda a psicopato-logia é muito semelhante à da AN e BN (Fairburn & Bohn, 2005) e mais de metade dos casos evoluem para quadros completos (Dancyger & Garfinkel, 1995). A importância da identificação precoce destes quadros, nomeadamente através de programas de ras-treio, parece-nos, pois, altamente justificável.

num trabalho anterior sobre o TAA-25 (Pereira et al, 2006) concluímos que este era um instrumento promissor para a despistagem das PcA, dado tratar--se de uma escala curta, de fácil preenchimento, com boa fidelidade e com capacidade para discriminar entre sujeitos da população clínica e da população normal. neste trabalho replicámos esses resultados. nesse mesmo artigo, antecipávamos também que o TAA-25 poderia permitir a concretização de uma plu-ralidade de futuros projectos de investigação na área da patologia alimentar e esta expectativa tem vindo a confirmar-se. Apresentávamos como projecto para estudos futuros a determinação dos pontos de corte válidos para o rastreio de PcA na nossa população. Pensamos que este estudo veio responder satisfatoria-mente a essa necessidade.

AgradecimentosÀ Fundação para a ciência e Tecnologia (FcT-

Projecto 37569/PSi/2001) que financiou o projecto no âmbito do qual este trabalho foi realizado. Aos alunos, professores e doentes que aceitaram cola-borar.

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sono em estudantes do sexo feminino*

PORJOana QuinTal(1), MaRia Helena azevedO(2) & SandRa BOS(3)

Resumo

Introdução: Um sono de boa qualidade é fundamental para o nosso bem-estar e funcionamento diurno. Existem diferenças individuais nos padrões de sono, conhecendo-se ainda pouco sobre os factores que concor-rem para essas diferenças, particularmente em jovens do sexo feminino.

Objectivo: Explorar a associação entre Traços de Personalidade (Extroversão, Neuroticismo), Estilos de Coping (Reavaliação, Inibição), Afecto (Positivo, Negativo), Activação Cognitiva à noite e o Padrão de Sono (Duração habitual, Profundidade, Qualidade, Necessidade, Flexibilidade, Latência, Acordares nocturnos, Inércia).

Metodologia: A amostra incluiu 303 estudantes universitárias (Média de idades, M=18.80 anos, Desvio Padrão, dp=1.13, Variação=17-24) do Mestrado Integrado em Medicina da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra, que aceitou responder voluntariamente à versão reduzida do Inventário de Personalidade de Eysenck (Eysenck & Eysenck, 1964; Silva, 1994; Barton et al., 1995), ao Questionário de Regulação Emocional (Gross & John, 2003), ao Perfil de Estados de Humor (McNair et al., 1971; Azevedo et al., 1991), a um item sobre Activação Cognitiva à noite e a um Questionário do Sono previamente validado.

Resultados: A Extroversão e o Afecto Positivo permitiram explicar uma boa Qualidade de Sono [R2=.023, F(2,264)=3.12, p<.046] e menor duração de Sono Necessário [R2=.04, F(2,263)=5.49, p=.005]. Em contraste, o Neuroticismo, o Afecto Negativo e a Activação Cognitiva à noite contribuíram para pior Qualidade do Sono [R2=.11, F(3,261)=10.91, p<.001], enquanto que Neuroticismo, Inibição e Activação Cognitiva à noite con-tribuíram para maior duração de Sono Necessário [R2=.08, F(3,268)=7.82, p<.001]. Contrariamente ao que seria esperado os Estilos de Coping não se associaram de forma consistente com as variáveis de Sono.

Conclusões: Este estudo permitiu confirmar a importância dos Traços de Personalidade (Extroversão, Neuroticismo), do Afecto (Positivo, Negativo) e da Activação Cognitiva à noite enquanto factores psicológicos a ter em conta no estudo da Qualidade e Necessidade de Sono em estudantes universitárias.

Palavras-Chave: Extroversão, Neuroticismo, Reavaliação, Inibição, Afecto Positivo, Afecto Negativo, Activação Cognitiva, Sono, Estudantes Universitárias..

Psiquiatria Clínica, 32, (2), pp. 105-118, 2011

(1)aluna do 6º ano do Mestrado integrado em Medicina. instituto de Psicologia Médica, FMuC.(2) Psiquiatra. doutorada. Professora Catedrática. instituto de Psicologia Médica, FMuC.(2) Psicóloga. doutorada. investigadora auxiliar. instituto de Psicologia Médica, FMuC.* Parte deste trabalho foi apresentado no 20th Congress of the European Sleep Research Society . lisboa, 14-18

de Setembro de 2010 Quintal J, Marques M, Soares MJ, Rosmaninho J, lopes M, Maia B, Pereira aT, Macedo a, Gomes a, Bos S,

azevedo MH (2010) neuroticism, coping styles and sleep quality in female students. Journal of Sleep Research, 19 (suppl.2):212.

Contacto do autor: Joana Catarina Gonçalves Quintal instituto de Psicologia Médica, Faculdade de Medicina da universidade de Coimbra, Rua larga, 3004-504

Coimbra, Portugal. Telefone: 00351 239 857 759; Fax: 00351 239 823 170; endereço electrónico: [email protected]

Artigo de Investigação

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos106

INTRODUÇÃOum sono de boa qualidade é de importância

fundamental para o nosso bem-estar e funciona-mento diurno, contudo, existem enormes diferenças individuais nos padrões de sono. Conhece-se pouco acerca dos factores que concorrem para essas dife-renças, particularmente em jovens do sexo feminino, com maiores taxas de problemas em dormir (Gomes, 2005), sendo provável que contribuam múltiplos fac-tores, inclusive psicológicos.

Relativamente ao papel da Personalidade, a maioria dos estudos realizaram-se com amostras relativamente pequenas de indivíduos com insónia (van de laar et al., 2010). alguns estudos em po-pulações não clínicas examinaram a relação entre Traços de Personalidade (extroversão, neuroticismo) (eysenck. & eysenck, 1964) e aspectos relacionados com o sono (Tsoi & Tay, 1986; Gau, 2000; Maia et al., 2009). a extroversão refere-se à tendência para apreciar interacções humanas (socialização), ser entu-siástico, assertivo, comunicativo, gregário e ter níveis mais elevados de afecto Positivo (van de laar et al., 2010). O neuroticismo caracteriza-se por uma ten-dência permanente para vivenciar estados emocionais

negativos (depressão, ansiedade) (eysenk & eysenck, 1964; van de laar et al., 2010).

no trabalho de Maia et al. (2009) em jovens estu-dantes portugueses do 3º ano de Medicina (mulheres 62.6%) a extroversão correlacionava-se somente com os horários de dormir, estando o Neuroticismo signifi-cativamente associado a problemas em dormir, uso de hipnóticos, duração insuficiente do sono e dificulda-des de concentração de manhã ao levantar.

Conhece-se abundante evidência da existência de uma ligação entre preocupações e falta de sono/insónia (Harvey, 2002), mas ignora-se em que medida essa relação se deve à tendência de algumas pessoas em preocupar-se à hora de deitar/durante a noite, o que pela activação Cognitiva originada, pode preju-dicar o sono (azevedo et al., 2010).

uma das primeiras teorias sobre insónia consi-derava a internalização das emoções como factor importante para o desenvolvimento e manutenção da insónia crónica, mas até agora esta hipótese não foi testada empiricamente (van de laar et al., 2010). dois dos estilos de Coping mais utilizados, a Reavaliação (Reavaliação Cognitiva) e a inibição (Supressão emocional) foram considerados no presente estudo.

Abstract

Introduction: A good sleep quality is extremely important for our well being and appropriate function during the day. There are individual differences in sleep patterns, yet the factors that contribute to these differ-ences are still not completely known, particularly in young females.

Objective: To explore the association between Personality Traits (Extraversion, Neuroticism), Coping Styles (Reappraisal, Suppression), Affect (Positive, Negative), Cognitive Arousal at bed time and Sleep patterns (Duration, Depth, Quality, Needs, Flexibility, Latency, Nocturnal Awakenings, Inertia).

Methods: The sample comprised 303 female students from de Medical Course of the Faculty of Medi-cine of Coimbra University (Mean age, M=18.80 years, Standard Deviation, sd=1.13, Range=17-24) who voluntarily filled in a short version of the Eysenck Personality Inventory (Eysenck & Eysenck, 1964; Silva, 1994, Barton et al., 1995), the Emotion Regulation Questionnaire (Gross & John, 2003), the Profile of Mood States (McNair et al., 1971; Azevedo et al., 1991), one item about Cognitive Arousal at bedtime and a Sleep Questionnaire previously validated.

Results: Extroversion and Positive Affect were predictors for good Sleep Quality [R2=.023, F(2,264)=3.12, p<.046] and less Sleep Needs [R2=.04, F(2,263)=5.49, p=.005]. By contrast, Neuroticism, Negative Affect and Cognitive Arousal at bedtime predicted poor Sleep Quality [R2=.11, F(3,261)=10.91, p<.001], while Neuroticism, Inhibition and Cognitive Arousal at bedtime were predictors for increased Sleep Needs [R2=.08, F(3,268)=7.82, p<.001]. Contrary to expected Coping Styles were not consistently associated with Sleep variables.

Conclusions: Results from the current study confirm that Personality Traits (Extroversion, Neuroti-cism), Affect (Positive, Negative) and Cognitive Arousal at bedtime are important psychological factors to be considered when exploring Sleep Quality and Sleep Needs in female university students.

Key-Words: Extraversion, Neuroticism, Reappraisal, Suppression, Positive Affect, Negative Affect, Cognitive Arousal, Sleep, Female University Students.

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sonoem estudantes do sexo feminino

107

Os estilos de Coping constituem um conjunto de es-forços cognitivos, emocionais e comportamentais ela-borados para lidar com exigências externas e internas percepcionadas pelo indivíduo como excedendo os recursos do próprio (Serra, 1988).

a Reavaliação envolve a reinterpretação de uma situação potencialmente geradora de emoções para outra com um impacto emocional diferente (Gross & John, 2003). O uso deste mecanismo associa-se a me-nos sintomas de depressão, auto-estima mais elevada, maior optimismo e bem-estar. Pode também decres-cer efectivamente a intensidade do afecto negativo (Ray et al., 2008). indivíduos que usam a Reavaliação vivenciam e expressam mais emoções positivas e me-nos emoções negativas, os que recorrem à inibição vi-venciam e expressam menos emoções positivas, mas mais emoções negativas (Gross & John, 2003).

a inibição (guardar as emoções para si) é uma forma de modulação da resposta emocional envol-vendo a supressão do comportamento de expressão/manifestação externa das emoções (Gross, 1998). esta condiciona positivamente a activação simpática do sistema cardiovascular, mesmo com níveis baixos de actividade somática, criando maior vulnerabilida-de para doenças cardiovasculares (Gross, 1998; Ray et al., 2008).

assim, o objectivo do presente estudo é investi-gar a associação entre as dimensões de Personalidade (extroversão, neuroticismo), afecto (Positivo, negativo), estilos de Coping (Reavaliação, inibição), activação Cognitiva (preocupações tiram o sono) e avaliação subjectiva do padrão do sono (duração habitual, Profundidade, Qualidade, necessidade, Flexibilidade, latência, acordares nocturnos, inércia), em jovens estudantes do sexo feminino. Especificamente as hipóteses colocadas foram: (1) níveis elevados de extroversão, afecto Positivo e uso predominante da Reavaliação, associam-se a um sono de melhor qualidade; (2) níveis elevados de neuroticismo, afecto negativo, activação Cognitiva e utilização preferencial da inibição, relacionam-se com maiores dificuldades em dormir.

MATERIAIS E MÉTODOS

AmostraConstituída por 303 estudantes do sexo feminino,

solteiras, com a média de idades de M=18.8 (desvio padrão, dp=1.13; variação=17-24) e com média de iMC de M=20.1 (dp=20.55, variação=14.48-31.12), a frequentarem o 1º ano (n=162, 53.5%) e 2º ano (n=141,

46.5%) do Mestrado integrado em Medicina, da Faculdade de Medicina, da universidade de Coimbra.

Procedimentoapós ter sido obtida a aprovação da Comissão

de Ética e do Conselho Científico da Faculdade de Medicina da universidade de Coimbra, contactaram--se os docentes das aulas práticas do 1º e 2º ano do Mestrado integrado em Medicina de forma a solicitar a participação dos alunos no preenchimento de um conjunto de questionários sobre atitudes, comporta-mentos e maneiras de ser das pessoas. Foi explicado o objectivo deste trabalho de investigação e garantida a confidencialidade dos dados. Todos os alunos acei-taram participar voluntariamente respondendo aos questionários no início das aulas práticas, demoran-do cerca de 30 minutos no seu preenchimento (tempo previamente acordado com os respectivos docentes). Os dados foram recolhidos em Outubro de 2008.

InstrumentosQuestionário do SonoPara avaliar o sono das estudantes utilizou-se um

questionário que incluía questões sobre variados as-pectos do sono/vigília, nomeadamente, a sua duração habitual, Profundidade, Qualidade, necessidades, Flexibilidade, latência, acordares nocturnos e inércia. as questões colocadas foram: “Habitualmente, quan-tas horas dorme por noite?” com respostas que varia-vam desde “5h ou menos” até “11h ou mais” (cotação de 1 a 9); “desde que se lembra, como tem sido a pro-fundidade do seu sono?” cuja resposta podia variar desde “Muito profundo” até “Tão leve que qualquer coisa me acorda” (1-5); “desde que se lembra como tem sido a qualidade do seu sono?” com respostas que iam desde “Muito bom” até “Muito mau” (1-5); “as necessidades de sono variam de pessoa para pessoa. no seu caso quantas horas precisa de dormir para se sentir bem e funcionar bem durante o dia?” com pos-sibilidade de resposta desde “5h ou menos” até “11h ou mais” (1-9); “acha que é o tipo de pessoa para quem é muito fácil adormecer a qualquer hora do dia e em qualquer sítio?” cuja resposta podia variar desde “nunca/quase nunca” até “Sempre/quase sempre” (1-4); “Quanto tempo demora para começar a dormir?” com respostas desde “1-14min” até “mais de 60min” (1-5); “Quantas vezes acorda durante a noite?” com respostas que variavam desde “0 vezes” até “6 ou mais vezes” (0-6); “Quanto tempo demora para se le-vantar depois de acordar?” com hipóteses de resposta de “1-14min” até “mais de 60min” (1-5).

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos108

Questionário Worry-Rumination (MH-6)Foi incluído, da escala MH-6, o item 2 “as pre-

ocupações tiram-me o sono” para avaliar de que for-ma a activação Cognitiva à noite, enquanto Traço, ou seja, a propensão para as preocupações tirarem o sono, poderia influenciar o sono. As opções de res-posta variaram desde 1 (Quase nunca) a 4 (Quase sempre).

Inventário de Personalidade de Eysenck (IPE - Eysenck & Eysenck, 1964)

Para medir os Traços de Personalidade, neuroticismo e extroversão, foi utilizada a ver-são portuguesa do inventário de Personalidade de eysenck, na sua versão reduzida de 12 itens com 4 opções de resposta: 1, quase nunca; 2, poucas vezes; 3, muitas vezes; 4, quase sempre (Silva et al., 1994, 1995; Barton et al., 1995). Foi realizada uma análise Factorial com Rotação Ortogonal do tipo varimax dos componentes principais, de forma a explorar as carac-terísticas psicométricas do inventário para a presente amostra. Com base na análise de componentes princi-pais para raízes latentes (eigenvalues superiores a 1) e no scree plot de Catell (Green et al., 1999), foram identificados dois factores que explicaram 37.2% da variância total: Factor 1 designado por extroversão (variância explicada, ve=18.8%) e o Factor 2 inti-tulado de neuroticismo (ve=18.5%). embora a con-sistência interna de cada factor não tenha sido eleva-da pois foi obtido um Alpha de Chronbach de α=.65 para o factor Extroversão e de α=.64 para o factor

neuroticismo (almeida & Freire, 2003), a estrutura factorial encontrada para a presente amostra é idêntica à original com excepção do item 6 “Quando me abor-reço preciso de alguém amigo para conversar”, que na versão original pertencia ao factor neuroticismo e que na presente estrutura passou a pertencer ao factor extroversão. as duas dimensões de Personalidade, extroversão (e) e neuroticismo (n), passaram a ser compostas por 7 e 5 itens respectivamente (Tabela 1). Contudo, deve ser referido que para o presente estu-do foi retirado o item “Sofro de insónias” do factor “neuroticismo” de forma a evitar resultados redun-dantes, pois foram efectuadas várias análises de asso-ciação e de regressão entre este factor e as variáveis de sono.

Questionário de Regulação Emocional (QRE)O QRe desenvolvido por Gross & John (2003)

avalia dois estilos de Coping: Reavaliação (exemplo: “Controlo as minhas emoções mudando a forma como penso sobre a situação em que estou”) e inibição (ex: “Controlo as minhas emoções não as mostrando”). O Questionário inclui 10 itens, 6 que correspondem à dimensão Reavaliação e 4 que pertencem ao factor inibição. as opções de resposta variam de 1 (discordo completamente) até 7 (Concordo completamente). a análise Factorial com rotação varimax para a presen-te amostra, mostrou uma estrutura idêntica à original de Gross & John (2003). Mais uma vez, com base na análise de componentes principais para raízes latentes (eigenvalues superiores a 1 ) e no scree plot de Catell

Tabela 1: estrutura factorial do iPe-12 em estudantes universitárias (n=303)

F1 F209. vou e divirto-me numa festa animada (e) ,764 -,12905. Gosto muito de me misturar com as pessoas (e) ,679 -,24901. Gosto de excitação e alarido à minha volta (e) ,649 ,00406. Quando me aborreço preciso de alguém amigo para conversar (n) ,573 ,30303. Sou uma pessoa cheia de vida (e) ,572 -,35607. Considero-me uma pessoa que confia na sorte (E) ,425 ,00711. Gosto de pregar partidas (e) ,287 -,06902. O meu humor tem altos e baixos (n) -,079 ,70704. Sinto-me infeliz sem ter motivos para isso (n) -,256 ,65308. Sou perturbada por sentimentos de culpa (n) ,066 ,63210. Considero-me uma pessoa tensa, muito nervosa (n) -,034 ,56312. Sofro de insónias (n) -,076 ,561

(e): item pertencente à dimensão extroversão (versão original de Silva et al., 1994)(n): item pertencente à dimensão neuroticismo (versão original de Silva et al., 1994)F1: extroversão; F2: neuroticismo

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sonoem estudantes do sexo feminino

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(Green et al., 1999) foram identificados 2 factores. O Factor 1 (Reavaliação) explicou 22.6% da variância total enquanto o Factor 2 (inibição) contribuiu com 22.0% da variância. a consistência interna dos facto-res foi boa (almeida & Freire, 2003), tal como indi-cada pelo Alpha de Chronbach de α=.78 para o Factor 1 e de α=.72 para o Factor 2 (Tabela 2).

Perfil de Estados de Humor (POMS - McNair et al., 1971)

utilizou-se a versão portuguesa de azevedo et al. (1991) do Perfil de Estados de Humor para ava-liar duas dimensões de afectividade: afecto Positivo e afecto negativo. este inventário é constituído por 65 adjectivos que descrevem sentimentos e estados de humor, representando 7 dimensões: tensão-ansie-dade, depressão-rejeição, cólera-hostilidade, vigor--actividade, fadiga-inércia, confusão-desorientação e afabilidade. a cada adjectivo corresponde uma escala de resposta tipo likert cujas opções variam de 0 = de maneira nenhuma a 4 = muitíssimo. as estudantes tinham que assinalar com o círculo a resposta que me-lhor descrevia o modo como se tinham sentido duran-te o último mês. a opção de considerar o último mês e não a última semana, como originalmente estava definido, relacionou-se com o facto de se pretender avaliar Traços associados ao afecto, em vez de esta-dos flutuantes e transitórios de humor. Agruparam-se as dimensões tensão-ansiedade, depressão-rejeição, cólera-hostilidade, para formar o afecto negativo e

conjugaram-se as dimensões vigor-actividade e afabi-lidade para formar o afecto Positivo.

Análise estatística:utilizou-se o SPSS-Statistics versão 17.0 para re-

alizar as análises estatísticas. em primeiro lugar, como já foi referido, realizaram-se análises Factoriais para o iPe (eysenck & eysenck, 1964; Silva et al., 1994, Barton et al., 1995) e QRe (Gross & John, 2003). Posteriormente efectuaram-se análises descritivas para as variáveis Sócio-demográficas, Sono, Personalidade, estilos de Coping, afecto (Positivo, negativo) e activação Cognitiva. Para estudar as di-ferenças entre os grupos de estudantes com duração de sono curto, médio e longo relativamente às médias nas variáveis Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva, realizou-se uma aná-lise de variância “anOva”. O pressuposto referido por Green et al (1999) relativo à dimensão dos grupos (mínimo de 15 casos por grupo para garantir valores de significância, p, fidedignos) foi cumprido. Ao serem encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, o Post-hoc teste dunnett´s C foi apli-cado (uma vez que o teste de homogeneidade de vari-âncias foi significativo) de forma a identificar em que grupos residiam as diferenças.

Realizaram-se ainda análises Correlacionais, mais especificamente Correlações de Pearson para variáveis com distribuição normal, ou seja, com va-lores de assimetria e achatamento da curva próximos

Tabela 2: estrutura factorial do QRe em estudantes universitárias (n=303)

F1 F210. Quando quero sentir emoções menos negativas, mudo a forma como estou a pensar acerca dessa situação

,816 ,055

07. Quando quero sentir uma emoção mais positiva, mudo a forma como estou a pensar acerca da situação

,814 ,010

08. Controlo as minhas emoções mudando a forma como penso sobre a situação em que estou ,724 ,06901. Quando quero sentir uma emoção mais positiva (tal como alegria ou contentamento) mudo aquilo em que estou a pensar

,680 -,013

03. Quando quero sentir uma emoção menos negativa (tal como tristeza ou raiva) mudo aquilo em que estou a pensar

,616 ,087

05. Quando estou perante uma situação stressante, forço-me a pensar na situação de uma forma que me ajude a ficar calma(o)

,475 -,127

06. Controlo as minhas emoções não as mostrando ,043 ,83502. Guardo as minhas emoções para mim -,051 ,78909. Quando sinto emoções negativas, certifico-me que não as mostro ,145 ,66904.Quando estou a sentir emoções positivas, faço por não as mostrar -,085 ,633

F1: Reavaliação; F2: inibição

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos110

da unidade (almeida e Freire, 2001) e Correlações de Spearman para as restantes. Por fim, foi aplica-da a Regressão Múltipla de forma a avaliar o efeito preditor das variáveis de Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva na Qualidade e necessidade de Sono.

RESULTADOS

Análise Descritiva:na Tabela 3 mostra-se a distribuição das fre-

quências relativas à duração habitual do sono, necessidades do sono, número de acordares noctur-nos, latência e inércia. a média (M) da duração ha-bitual de sono é de 7.2 horas (dp=.93) e variação ≤5 a ≥10 horas. Em relação às Necessidades de sono, estas

foram de 8.06 horas (dp=.91) e variação ≤5 a ≥11. No que se refere à média dos acordares nocturnos esta foi de M=0.1 (dp=1.1) e variação 0 a 5. Para a latência de sono foi obtida a média de M=1.7 (dp=.84) e varia-ção 1 a +60. Relativamente à Inércia verificou-se uma média de M=1.67 (dp=.57) e variação 1 a 60.

na Tabela 4 encontra-se a distribuição das fre-quências em relação à Profundidade, Qualidade e Flexibilidade do sono.

a média da Profundidade do sono foi de M=2.3, Profundo (dp=.72), variação de 1 a 5 (Muito Profundo a Tão leve); a média da Qualidade do Sono foi de M=2.3, Bom (dp=.72), variação de 1 a 4 (Muito Bom a Mau); a média da Flexibilidade do Sono foi de M= 2.1, Poucas vezes (dp=.88), variação de 1 a 4 (nunca/Quase nunca a Sempre/Quase sempre).

Tabela 3: duração habitual do sono, necessidade de Sono, acordares nocturnos,latência, inércia – Frequências

Sono

Horas duração necessidade número acordares Minutos latência inércian (%) n (%) n (%) n (%) n (%)

≤ 5 6 (2.0) 1 (0.3) 0 140 (46.2) 1-14 122 (40.3) 216 (71.3)

5-6 27 (8.9) 7 (2.3) 1 70 (23.1) 15-30 132 (43.6) 70 (23.1)

6-7 84 (27.7) 20 (6.6) 1-2 56 (18.5) 31-45 32 (10.6) 12 (4.0)

7-8 117 (38.6) 67 (22.1) 2-3 25 (8.3) 46-60 8 (2.6) 1 (.3)

± 8 42 (13.9) 93 (30.7) 3-4 5 (1.7) + 60 4 (1.3) -

8-9 17 (5.6) 69 (22.8) 4-5 3 (1.0)

9-10 4 (1.3) 35 (11.6)

10-11 2 (0.7) 3 (1.0)

≥ 11 0 (0.0) 2 (0.7)

nR 4 (1.3) 6 (2.0)

Tabela 4: Profundidade, Qualidade e Flexibilidade do sono –Frequências

SonoProfundidade n (%) Qualidade n (%) Flexibilidade n (%)Muito Profundo 28 (9.4) Muito Bom 34 (11.2) nunca/Quase nunca 75 (24.8)Profundo 184 (61.5) Bom 169 (55.8) Poucas vezes 135 (44.6)leve 73 (24.4) Satisfatório 80 (26.4) Muitas vezes 67 (22.1)Muito leve 11 (3.7) Mau 15 (5.0) Sempre/Quase Sempre 22 (7.3)Tão leve 3 (1.0)

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sonoem estudantes do sexo feminino

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na Tabela 5 mostram-se as médias e desvios padrões das dimensões de Personalidade, estilos de Coping, afecto e do item “as preocupações tiram-me o sono” (activação Cognitiva).

Duração habitual do sono, Traços de Personalidade, Estilos de Coping, Afecto e Activação Cognitiva:

explorou-se, mais detalhadamente, a variável duração habitual do sono, uma vez que, foi equacio-nada a possibilidade, de que os grupos de indivíduos com variações extremas na duração de sono, menor duração de sono (menos de 6h) ou maior duração de sono (mais de 8h), pudessem apresentar diferenças em relação aos Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto e sono perturbado devido a preocupa-ções (activação Cognitiva). Conforme se mostra na Tabela 6 as estudantes que relataram dormir menos de 6h apresentaram níveis de afecto negativo mais elevados do que aquelas que referiram dormir entre 6-8h ou mais de 8h.

Associações entre as variáveis Traços de Perso-na lidade, Estilos de Coping, Afecto, Activação Cognitiva e as variáveis de Sono:

Na tabela 7 mostram-se as correlações significati-vas entre Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto, “Preocupações tiram o sono” (activação Cognitiva) e as variáveis do sono. Verificou-se que as variáveis Qualidade e necessidade de sono são as variáveis do sono que mais se associam às restantes variáveis. Observou-se ainda que quase todas as va-riáveis do sono se associaram à variável activação Cognitiva (“Preocupações tiram-me o sono”).

Como é possível verificar na Tabela 8, encontram--se as correlações entre os Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva.

Factores Preditivos da Qualidade e Necessidade de Sono:

Para a realização das Regressões foram tidos em consideração dois pressupostos. Por um lado o tama-

Tabela 5: Traços Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva – Médias

M (dp)Traços de Personalidadeextroversão 19.1 (2.89)neuroticismo 8.73 (2.10)estilos de CopingReavaliação 28.4 (5.21)inibição 13.7 (3.94)afectoafecto Positivo 33.1 (8.84)afecto negativo 34.4 (21.21)activação Cognitiva 2.33 (.81)

M= Média; dp = desvio padrão

Tabela 6: Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitivapor grupos de duração do sono

<6 horas 6-8 horas > 8 horasn=33 n=243 n=231 2 3 anOva Post Hoc Test

extroversão 19.1 (4.20) 19.0 (2.62) 19.5 (3.31) .747 -neuroticismo 9.0 (2.71) 8.8 (1.98) 8.2 (2.04) .350 -Reavaliação 29.0 (6.86) 28.5 (5.07) 26.1 (3.45) .106 -inibição 14.8 (4.17) 13.6 (3.90) 13.0 (3.77) .185 -afecto Positivo 33.8 (11.38) 32.8 (8.32) 35.3 (9.61) .412 -afecto negativo 46.7 (26.60) 33.0 (20.04) 30.3 (19.68) .002 1<2, 3activação Cognitiva 2.3 (1.03) 2.4 (0.78) 2.3 (0.85) .932 -

- Resultado estatisticamente não significativo

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos112

nho da amostra que deveria ter pelo menos 15 sujeitos por preditor, por outro lado, a multicolinearidade, que pressupõe, que não exista uma associação elevada (r ≥.9) entre as variáveis independentes. Para obedecer a este pressuposto são também referidas duas outras medidas estatísticas: tolerância (que não deve ser <.10) e VIF (“variance inflaction factor” - que não deve ter valores >10) (Pallant, 2007).

Foi calculada a contribuição de cada variá-vel independente (Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva) para a Qualidade e necessidade do Sono (variáveis depen-dentes). Constatou-se que contribuíam para a quali-dade do sono as seguintes variáveis: neuroticismo (3.9%, p=.001), afecto Positivo (2.3%, p=.012),

afecto negativo (4.6%, p<.001) e activação Cognitiva (8.5%, p<.001). em seguida foi explora-da a contribuição conjunta da extroversão e afecto Positivo para a Qualidade do Sono. este mode-lo explicou 2.3% da Qualidade do Sono (p=.046). Posteriormente foi analisada a contribuição da di-mensão neuroticismo, afecto negativo e activação Cognitiva à noite para a variável dependente já referi-da. este modelo explicou 11.1% (p<.001). Sendo que a contribuição da activação Cognitiva foi superior às restantes variáveis independentes (r=.21) (Tabelas 9.1, 9.2, 9.3).

Foram realizadas, ainda, análises semelhantes para as necessidades de Sono. as variáveis inde-pendentes que influenciaram esta variável de Sono

Tabela 7: Correlações significativas entre as variáveis do Sono, Traços de Personalidade,estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva&

Sono

duração Profun-didade Qualidade neces-

sidadeFlexibi-lidade latência§ acordares inércia§

Traços de Personalidadeextroversão - - -.15* -.18** - - - -neuroticismo - - .19** .20** - .13* - -estilos de CopingReavaliação - - - - - - - -inibição - - - .13* - - - -afectoafecto Positivo - - -.15* -.19** - - - -afecto negativo - - .22** - - - - -activação Cognitiva - .36** .29** .22** -.23** .24** .26** -**p<.01, *p<.05, -NS (não significativo)§ Correlações não paramétricas&Critérios de Cohen (1992): r=.1, coeficiente pobre; r=.3, coeficiente moderado; r=.5, coeficiente elevado

Tabela 8: Correlações entre Traços de Personalidade, estilos de Coping, afecto e activação Cognitiva&

1 2 3 4 5 6 71.extroversão 1 -.14* - -.29** .54** -.23** -.15*2.neuroticismo -.14* 1 - - -.25** .56** .33**3.Reavaliação - - 1 - - - -4.inibição -.29** - - 1 -.35** .19** -5.afecto Positivo .54** -.25** - -.35** 1 -.44** -.15*6.afecto negativo -.23** .56** - .19** -.44** 1 .26**7.activação Cognitiva -.15* .33** - - -.15* .26** 1

**p<.01, *p<.05, -NS (não significativo)&Critérios de Cohen (1992): r=.1, coeficiente pobre; r=.3, coeficiente moderado; r=.5, coeficiente elevado

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sonoem estudantes do sexo feminino

113

foram a extroversão (2.1%, p=.015), o neuroticismo (4.6%, p<.001), a inibição (1.6%, p=.037), o afecto Positivo (3.7%, p=.001) e a activação Cognitiva (4.6%, p<.001). explorou-se em que medida o mo-delo combinando a extroversão e o afecto Positivo poderia explicar as necessidades de Sono, observan-do-se que este modelo contribuía com 4% (p=.005). Por seu turno, ao considerarmos um modelo que reunia o neuroticismo, a inibição e a activação Cognitiva, como variáveis independentes, verificou--se que este modelo explicou 8% (p<.001) da variá-vel necessidade de Sono. Contudo, mais uma vez, é a activação Cognitiva que se encontra mais associada a esta variável (r=.18) (Tabelas 10.1, 10.2, 10.3).

DISCUSSÃO

neste estudo pretendia-se avaliar se os Traços de Personalidade (extroversão, neuroticismo), estilos de Coping (Reavaliação, inibição), afecto (Positivo, negativo) e activação Cognitiva à noite contribuíam para as características do padrão de sono.

Relativamente às hipóteses que foram inicial-mente colocadas, verificou-se que estas foram par-cialmente confirmadas. De facto, no que diz respeito à primeira hipótese, embora não se tenha verificado que o estilo de Coping, Reavaliação, estivesse associado a qualquer variável de sono como inicialmente estaria previsto, observou-se que a extroversão e o afecto

Tabela 9.1: Preditores da Qualidade de Sono

Model Summary CoefficientsCollinearity Statistics

Rsquare F Change Sig. F Change β Partial Correlations Tolerance viFextroversão .014 3,840 .051 -.03 -.118 1,0 1,0neuroticismo .039 11,280 .001 .068 .198 1,0 1,0Reavaliação .004 .979 .323 .008 .060 1,0 1,0inibição .007 2,063 .152 .016 .087 1,0 1,0afecto Positivo .023 6,431 .012 -.012 -.152 1,0 1,0afecto negativo .046 12,839 <.001 .007 .215 1,0 1,0activação Cognitiva .085 26,013 <.001 .260 .291 1,0 1,0

Tabela 9.2: extroversão e afecto Positivo como preditores da Qualidade de Sono

Model Summary CoefficientsCollinearity Statistics

Rsquare F Change Sig. F Change β Partial Correlations Tolerance viFextroversão -.017 - .059 .751 1,331afecto Positivo .023 3,115 .046 -.009 - .093 .751 1,331

Tabela 9.3: neuroticismo, afecto negativo e activação Cognitiva como preditores da Qualidade de Sono

Model Summary Coefficients Collinearity Statistics

Rsquare F Change Sig. F Change β Partial Correlations Tolerance viFneuroticismo .028 .074 .566 1,766afecto negativo .004 .096 .647 1,546activação Cognitiva .111 10,905 <.001 .197 .205 .817 1,225

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos114

Positivo permitiram explicar a boa Qualidade do Sono e menor duração de sono necessário (necessidade de Sono). LeBlanc et al. (2007) também verificaram que os níveis de extroversão eram mais elevados no grupo de indivíduos que dormiam bem (n=493) do que no grupo de indivíduos com sintomas de insónia (n=308) ou com síndroma de insónia (n=147). a re-lação entre afecto Positivo e Qualidade de Sono en-contrada está de acordo com o estudo de Streptoe et al. (2008) realizado numa amostra de 736 indivíduos (250 mulheres) com idades entre os 58 e os 72 anos. Estes autores verificaram que o Afecto Positivo e os problemas em dormir estavam inversamente associa-dos, mesmo quando controlados os efeitos da idade e do sexo. O afecto Positivo permitia ainda atenuar

os efeitos psico-sociais negativos (isolamento social, etc.) diminuindo as dificuldades em dormir.

Em relação à segunda hipótese, verificou-se que o neuroticismo e a activação Cognitiva à noite per-mitiam explicar uma pior Qualidade de Sono e maior necessidade de horas de Sono. este resultado já seria esperado com base na literatura anterior. Resultados obtidos em estudantes adolescentes entre os 12 e os 15 anos de idade revelaram que, após ajustamen-to do efeito da idade e do sexo, o grupo com níveis mais elevados de neuroticismo (n=183) mostrou mais problemas relacionados com o sono, nomeada-mente, menor duração do sono, ir para a cama mais tarde, funcionamento diurno afectado negativamen-te (maior percepção de sono insuficiente, cansaço,

Tabelas 10.1: Preditores para a necessidade de Sono

Model Summary Coefficients Collinearity Statistics

Rsquare F Change Sig. F Change β Partial Correlations Tolerance viFextroversão .021 5,954 .015 -.066 -.146 1,0 1,0neuroticismo .046 13,257 <.001 .132 .214 1,0 1,0Reavaliação .006 1,665 .198 -.019 -.078 1,0 1,0inibição .016 4,396 .037 .041 .126 1,0 1,0afecto Positivo .037 10,365 .001 -.028 -.192 1,0 1,0afecto negativo .005 1,332 .249 .004 .071 1,0 1,0activação Cognitiva .046 13,522 <.001 .342 .215 1,0 1,0

Tabelas 10.2: extroversão e afecto Positivo como preditores da necessidade de Sono

Model Summary Coefficients Collinearity Statistics

Rsquare F Change Sig. F Change β Partial Correlations Tolerance viFextroversão -.030 -.059 .751 1,331afecto Positivo .040 5,485 .005 -.023 -.138 .751 1,331

Tabelas 10.3: neuroticismo, inibição e activação Cognitiva como preditores da necessidade de Sono

Model Summary Coefficients Collinearity Statistics

Rsquare F Change Sig. F Change β Partial Correlations Tolerance viFneuroticismo .085 .134 .874 1,145inibição .028 .089 .986 1,014activação Cognitiva .080 7,815 <.001 .288 .176 .885 1,130

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sonoem estudantes do sexo feminino

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maior dificuldade em acordar/levantar-se de manhã, pior humor matinal, diminuição do estado de alerta, maior probabilidade de adormecer inadvertidamen-te durante o dia), insónia, pesadelos e bruxismo, do que, o grupo com níveis mais baixos de neuroticismo (n=162) (Gau, 2000). em relação ao factor preditivo da activação Cognitiva à noite para pior Qualidade de Sono e maior necessidade de horas de Sono, Thomsen et al. (2003) também verificaram numa amostra de 126 estudantes (idade média M=23.32 anos, dp=3.40, variação 19-40) associações significa-tivas entre Ruminação (processo repetitivo e passivo do indivíduo, focalizando-se nos sintomas individuais de stress e nas circunstâncias envolventes dos mes-mos) afecto negativo e percepção de má Qualidade de Sono. esta relação permanecia mesmo quando controlado o efeito do afecto negativo.

neste estudo a inibição esteve associada a maior afecto negativo, menor afecto Positivo, níveis mais elevados de neuroticismo e menor extroversão. O que está de acordo com os estudos de Gross & John (2003) que referem que os indivíduos que utilizam a inibição como um estilo de Coping habitual apre-sentam menos emoções positivas e mais emoções negativas. Contudo, a inibição não foi um factor pre-ditivo para a Qualidade do Sono, ainda que para as necessidades de Sono tenha tido uma pequena con-tribuição.

O motivo de não serem encontradas associações consistentes entre os estilos de Coping e as variáveis do Sono pode dever-se ao facto de este ser um estudo feito numa amostra saudável e não numa amostra clí-nica com patologia psiquiátrica associada. uma outra possível explicação para esta falta de associação pode estar relacionada com o facto de terem sido apenas es-tudados especificamente dois processos de regulação emocional (Reavaliação e Inibição), o que não signifi-ca que não exista uma associação eventual com outros estilos de Coping que não foram aqui considerados.

um dos resultados mais consistentes neste estu-do foi a associação positiva da activação Cognitiva à noite com maiores dificuldades de sono (sono mais leve, mais acordares nocturnos, pior qualidade, maior necessidade, maior latência e menor flexibilidade). de salientar que o item “as preocupações tiram--me o sono” teve um efeito preditivo para uma pior Qualidade e maior necessidade de Sono. este resul-tado reforça a hipótese de que as pessoas com preocu-pações na hora de deitar ou durante a noite têm maio-res alterações de sono (Harvey, 2002). Por sua vez, estas dificuldades em dormir, podem elas próprias le-

var, cada vez mais, a uma maior activação Cognitiva, gerando assim, uma espécie de ciclo vicioso.

De salientar ainda que neste estudo verificou-se que um padrão de sono curto associava-se a níveis de afecto negativo mais elevados. vincent et al. (2009) também verificaram, numa grande amostra com 5877 indivíduos de ambos os sexos com idades entre os 15-54 anos, que aqueles que dormiam 6 ou me-nos horas por dia (short sleepers) apresentavam com maior frequência história prévia de depressão Major, distimia e níveis mais elevados de neuroticismo do que os indivíduos com duração média de sono (mo-derate sleepers). Relativamente à duração do sono a média de horas de sono encontrada no presente es-tudo, M=7.2 horas (dp=.93), foi semelhante à média encontrada no estudo de Gomes (2005) numa amostra de 912 estudantes universitárias (não incluía estudan-tes de Medicina) com média de idades de M=19.9 (dp=1.62), ou seja, M=7.0 horas (dp=.91).

O presente estudo é original na medida em que explora a relação entre estilos de Coping e Sono, tema ainda pouco investigado (voss & Tuin, 2008). É também inovador na medida em que as análises realizadas reportam-se exclusivamente ao sexo fe-minino, facto de extrema importância, uma vez que, há diferenças entre géneros, permitindo assim evitar que este fosse um factor a interferir nos resultados. de facto, o género feminino é aquele que apresenta pior qualidade de sono (dzaja et al., 2005) e maior prevalência de depressão e ansiedade (li et al., 2002). a amostra utilizada neste estudo apresenta dimen-sões consideráveis (n=303) permitindo assim, que se tirem conclusões mais fiáveis. Foram cumpridos os pressupostos de tamanho da amostra e de multicoline-aridade (tolerância e viF) nas análises das Regressões o que reiterou a possibilidade de conclusões mais fi-dedignas. Houve a preocupação de fazer uma análise psicométrica dos questionários utilizados, obtendo-se estruturas factoriais idênticas às escalas originais, o que permite, uma vez mais, maior fiabilidade dos re-sultados encontrados.

Podem ser referidas como limitações, o facto de este ser um estudo transversal e não longitudinal. Resultados de estudos anteriores feitos com amostras de diferentes tamanhos, indivíduos de ambos os se-xos, com diferentes médias de idades e com indivídu-os que sofrem de insónias limitam, em certa medida, as comparações que podem ser feitas com os resulta-dos do presente estudo. uma vez que não existem in-formações acerca das características do sono antes da entrada na faculdade, não pode ser determinado se os

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos116

resultados actuais estão, de alguma forma, influencia-dos por distúrbios de sono pré-existentes. além disso os resultados podem ter sido influenciados pelo facto de terem sido utilizadas medidas subjectivas (“Self-report”). a utilização de instrumentos de avaliação objectiva do sono (ex: actigrafos) poderia ter contri-buído para confirmar os dados obtidos.

Como recomendações para o futuro salienta-se a necessidade de serem realizados estudos longitudinais para que se possam tirar conclusões que clarifiquem a natureza da relação de causalidade entre Traços de Personalidade e Qualidade do Sono. a realização de estudos com amostras de outras faixas etárias poderá também ser uma mais-valia.

em conclusão, este estudo sugere que os estilos de Coping considerados não exercem uma influên-cia consistente no padrão/características do sono. no entanto, a extroversão e o afecto Positivo con-tribuem para uma melhor Qualidade de Sono e me-nor necessidade de duração do Sono, enquanto o Neuroticismo e a Activação Cognitiva significativa ao deitar/durante a noite contribuem para uma pior

Qualidade de Sono e maior necessidade de horas de Sono. Com base nos resultados deste estudo pode-se eventualmente sugerir que as pessoas extrovertidas e com afecto Positivo elevado estão mais protegidas a desenvolver problemas de sono (insónia ou ou-tras), enquanto pessoas com neuroticismo elevado e activação Cognitiva à noite estão mais vulneráveis a desenvolver estes problemas. estas hipóteses só po-derão ser testadas em estudos longitudinais a serem realizados no futuro.

AGRADECIMENTOSaos docentes que permitiram a recolha dos da-

dos nas aulas práticas e aos alunos que participaram no estudo.

À Professora doutora Maria Helena Pinto de azevedo e à doutora Sandra Maria Rodrigues de Carvalho Bos pela disponibilidade, pelo conhecimen-to transmitido e orientação dada na realização deste Artigo Científico.

À minha família pelo apoio incondicional.

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Traços de personalidade, estilos de coping e qualidade do sonoem estudantes do sexo feminino

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Joana Quintal, Maria Helena Azevedo & Sandra Bos118

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Alucinações de Comando e Auto-Mutilação: Reflexões a propósito de um caso clínico

POREmanuEl FiliPE SantOS(1), CaRlOS lEitãO(2), ViCtOR SainhaS OliVEiRa(2)

Resumo

As alucinações de comando (AC) com conteúdo de auto-lesão são um fenómeno comum em pessoas com Esquizofrenia – 18 a 50%. Apesar de tradicionalmente se pensar que estas constituem um factor de risco independente de suicídio, os estudos realizados ainda não o comprovaram. No entanto, esses estudos sugerem que a sua presença adicional em indivíduos susceptíveis pode de facto aumentar o risco.

Os autores apresentam o caso clínico de uma doente com Esquizofrenia Paranóide e história prévia de tentativas de suicídio, que se tem apresentado psicopatologicamente estável desde há vários anos fazendo um neuroléptico de acção prolongada, e que foi admitida no Internamento devido a uma descompensação da sua doença de base, apresentando comportamentos de auto-mutilação (bateu com um banco na cabeça várias vezes) em resposta a uma voz de comando percepcionada como desagradável e ameaçadora - “Bate com a cabeça só mais um bocadinho”, mas negando intenção suicidária activa.

É ainda apresentada uma revisão da evidência disponível sobre o papel das AC nos comportamentos suicidários, e sublinhada a importância da Terapia Cognitiva nestes casos.

Pretende-se com este artigo sensibilizar e convidar os colegas à reflexão, enfatizando a importância de investigar o carácter e as crenças/receios dos pacientes relativamente às AC, com o objectivo de melhor estimar/prevenir estes fenómenos auto-lesivos que se poderão revelar fatais.

Abstract

Command hallucinations (CA) for self-harm are a relatively common phenomena in people with Schizo-phrenia ranging from 18 to 50%. In spite of traditionally being considered an independent risk factor for suicide the studies available failed to demonstrate it. However, these studies also suggest that their presence can indeed increase suicide risk in certain vulnerable schizophrenic patients.

The authors report a clinical case of a schizophrenic female patient with past suicide attempts who has been psychopathological stable for many years doing an antipsychotic depot formulation. She is admitted to inpatient care because of self-mutilation behaviours (she knocked on the head with a chair several times) in response to a voice of command perceived by the patient as cruel and dangerous – “Hit with your head just a little more”, but denying suicidal intent.

We also present a review of the evidence about the role of CA in suicide behaviour, and highlight the importance of Cognitive Therapy in these patients.

This article pretends to sensitize and invite fellowship colleagues to reflexion, highlighting the importance

Psiquiatria Clínica, 32, (2), pp. 119-126, 2011

(1)Médico Interno Complementar de Psiquiatria (2º ano) do Departamento de Psiquiatria e Saúde Mental (DPSM) do Centro Hospitalar Cova da Beira (CHCB), Assistente Convidado da Universidade da Beira Interior (UBI), Covilhã, [email protected]

(2) Chefe de Serviço DPSM-CHCB, Professor Convidado UBI

Caso Clínico

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Emanuel Filipe Santos, Carlos Leitão, Victor Sainhas Oliveira120

Introdução

Sabemos que a maioria dos comportamentos sui-cidários na Esquizofrenia ocorrem nos primeiros 10 anos após o início da doença no contexto de sintomas depressivos e muitas vezes de maior insight, e não em resposta à sintomatologia positiva alucinatório-deli-rante (Montross et al, 2005). No entanto, não podemos ignorar aqueles que, embora sejam a minoria, ocorrem em resposta aos sintomas positivos, e no caso particular de que trata este artigo, às alucinações auditivo-verbais de comando (AC). As AC com conteúdo de auto-lesão, englobando os vários comportamentos suicidários, são um fenómeno comum entre doentes com Esquizofre-nia, variando entre 18 a 50% conforme as amostras seleccionadas. De facto, os dados retrospectivos, suge-rem que 4 a 10% dos comportamentos suicidários na Esquizofrenia ocorrem em resposta a AC, e que, dada a dificuldade da colheita da informação no processo da autópsia psicológica, esta percentagem poderá ser su-bestimada (Harkavy-Friedman et al, 2003). Apesar de tradicionalmente existir tendência para se pensar que a presença de AC com conteúdo suicidário constitui um factor de risco para o suicídio nestes doentes, muitas vezes causando ansiedade entre os clínicos e levan-do a uma escalada terapêutica excessiva, a verdade é que vários estudos efectuados em diferentes contextos (internamento, ambulatório), incluindo o forense, não conseguiram até à data encontrar evidência estatística que o demonstrasse (Harkavy-Friedman et al, 2003; Makara-Studzinska et al, 2009; Zisook et al, 1995). No entanto, apesar de não estarem comprovadas como factor de risco independente para o suicídio, os estudos realizados sugerem que a presença adicional de AC em indivíduos com Esquizofrenia susceptíveis, pode de facto aumentar o seu risco suicidário, nomeadamente naqueles que têm antecedentes de: tentativas de suicí-dio principalmente em resposta a AC, impulsividade, e abuso de substâncias e álcool que podem levar a uma maior desinibição comportamental (Harkavy-Fried-man et al, 2003; Hellerstein et al, 1987; Makara-Stu-dzinska et al, 2009; Zisook et al, 1995). Além disso, os doentes com Esquizofrenia, relativamente a outros doentes que também apresentam AC têm uma maior

probabilidade de lhes obedecer (Junginger, 1990).Auto-mutilação é definida como qualquer com-

portamento intencional envolvendo agressão directa ao próprio corpo sem intenção consciente de suicí-dio. Há autores que englobam as auto-mutilações nos comportamentos suicidários, mais precisamente no parassuicídio. De acordo com Braz Saraiva (2006) elas podem dividir-se em: iniciáticas quando há uma identificação com o grupo de pares (ex: piercings), religiosas quando se pretende a purificação da alma pela mortificação do corpo (ex: cilício), compulsivas quando associadas a impulsividade nomeadamente nos borderline (ex: corte superficial do pulso), e psi-cóticas que normalmente são as mais graves (ex: enu-cleação, castração, amputação…). Uma vez que não foram encontrados estudos que investiguem especifi-camente o papel das AC e auto-mutilação, os autores apresentam evidência científica ao longo do artigo no que diz respeito às AC e aos comportamentos suici-dários em geral.

Seguidamente, apresentamos um caso clínico ilustrativo de uma doente que sofre de Esquizofrenia com comportamentos de auto-mutilação em reposta a AC, revemos mais extensivamente o papel das AC nos comportamentos suicidários, nomeadamente os factores associados à compliance, e destacamos a im-portância da Terapia Cognitiva nestes casos.

Caso Clínico

Identificação:N.S.L, sexo feminino, 60 anos, raça caucasiana,

natural e residente numa pequena aldeia, solteira, sem filhos, pensionista.

Motivo de Internamento: Descompensação aguda de Esquizofrenia Para-

nóide com alucinações auditivo-verbais de comando e comportamentos de auto-mutilação com objecto contundente na cabeça (figura 1).

antecedentes: Opta-se por enunciar primeiro os antecedentes, e

depois o episódio actual, para melhor compreensão do caso clínico.

- Biografia: Nasceu no seio de uma família rural

of investigating the character and beliefs of the patients about their CA in order to best predict and prevent these self-destructive behaviours that can become fatal.

Key Words: Command hallucinations, Schizophrenia, Suicide, Cognitive Therapy

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Alucinações de Comando e Auto-Mutilação: Reflexões a propósito de um caso clínico 121

e humilde, 3ª filha de uma fratria de 3 irmãos, gra-videz desejada, parto eutócico sem intercorrências, desenvolvimento psicomotor normal, sem referência a fobias, enurese, ou pesadelos. Inicialmente era uma criança extrovertida e sociável. Aos 9 anos foi abusa-da sexualmente por “3 malandros” sic. Completou a 4ª classe aos 12 anos, reprovou 2 anos, a professora primária batia-lhe, a doente não gostava de ir à esco-la. Trabalhou sempre na Agricultura ajudando os pais até estes falecerem. A relação com os pais não era muito próxima, descreve o pai como um homem rude pouco amável que lhe batia muito por vezes, mas que nunca lhe faltou com nada; a mãe era mais carinho-sa. O pai também era agressivo com a mãe. A doente quanto à sua sexualidade é heterossexual, nunca teve nenhum relacionamento afectivo sério e estável com um homem embora tenha tido alguns namorados. Ac-tualmente mora na casa que era dos pais, e não tem familiares próximos, frequenta o Centro de Dia onde faz as principais refeições, canta no coro da Igreja, convive pouco.

- Personalidade prévia: após o abuso sexual tornou-se muito reservada e introvertida, um pouco desconfiada, pouco sociável, e com poucos amigos, ocupava o seu tempo trabalhando no campo, fazendo a lide da casa; nos seus tempos livres fazia renda e cantava no rancho folclórico.

- História Psiquiátrica Anterior: a sua doença iniciou-se aos 22 anos, o pai levou-a a Coimbra ao Psiquiatra, ouvia vozes, e tinha ideias estranhas, fu-

gia de casa, a doente tem dificuldade em especificar, não gosta de falar no assunto. Esteve internada 3 ve-zes no Lorvão. Nos primeiros anos da doença fez 3 tentativas de suicídio, “tentei-me atirar de uma janela mas a minha mãe agarrou-me ainda os pés no último instante” sic, espetou uma tesoura na perna, e tomou comprimidos a mais; as consequências nunca foram sérias, já não se recorda do grau de intenção suici-da e se foi no contexto de alucinações de comando, mas refere que foram actos impulsivos de desespero e angústia. O último internamento ocorreu no nosso Serviço há cerca de 12 anos por descompensação com agitação psicomotora. Desde então, tem-se apresenta-do psicopatologicamente estável embora sem remis-são completa da sintomatologia positiva, tendo sido possível o seu tratamento em ambulatório sem recur-so ao Internamento. Encontra-se medicada desde en-tão com Flupentixol retard 40 mg IM 4/4 semanas e Levomepromazina 25 mg 1 cp. via oral ao deitar.

- Antecedentes médico-cirúrgicos: teve sarampo e papeira na infância sem complicações; actualmente tem Diabetes tipo 2, mas as glicemias encontram-se controladas com a administração de insulina. Sem alergias conhecidas.

- Hábitos: não apresenta hábitos tabágicos ou etí-licos; nunca consumiu qualquer tipo de estupefacien-te incluindo canabinóides; bebe um café por dia ao pequeno almoço; a sua vida é um pouco sedentária, não caminha muito, isolando-se em casa.

- História familiar: o pai era carpinteiro e agricul-tor, faleceu com 90 anos há 4 anos de “velhice” sic, era saudável, não era alcoólico; a mãe era doméstica e trabalhava na Agricultura, faleceu com 89 anos há 12 anos também de “velhice”, era saudável. Os seus irmão e irmã faleceram muito cedo, aos 2 e 6 anos respectivamente, de encefalite sic. Referência a uma tia paterna que “atira pedras da janela às pessoas que passam na rua” sic; sem outras referências familiares no que diz respeito a alcoolismo, suicídio, ou patolo-gia mental grave.

Episódio Actual:A doente foi internada no final do mês de Ja-

neiro do ano corrente no nosso Serviço, nesse dia não abriu a porta para receber a refeição entregue ao domicílio pelo Centro de Dia; uma vez que as empregadas possuíam a chave de sua casa abriram a porta e encontraram a doente agitada, hostil e nega-tivista, apresentava ainda pequena contusão frontal e hematomas periorbitários tendo sido trazida pelos bombeiros ao Serviço de Urgência. Não foi apurada história de perda do conhecimento ou convulsões.

Figura 1 – pequena ferida frontal e hematomas pe-riorbitários devido a migração da colecção hemática dos tecidos frontais tensos para os tecidos laxos pe-riorbitários

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Desde o início de Janeiro que a doente se passou a isolar cada vez mais e se tornou menos comunicativa no Centro de Dia que frequentava, faltando mesmo durante alguns dias; acabou por passar ao regime de apoio domiciliário alegando que uma utente do Centro de Dia tinha falado mal dela “és suja, vai-te embora”; deixou também de cantar no coro da Igre-ja. Desde a mesma altura as alucinações auditivo--verbais agravaram-se, existindo uma voz dominan-te que aumentou de intensidade e frequência, é uma voz do género masculino que vem de fora e é ouvida nos ouvidos, critica os seus comportamentos, fala mal dela e ameaça-a; é uma voz que sempre ouviu “é de um tal Pedro Mariano que é jornalista na tele-visão” sic. No dia anterior ao Internamento, a voz tornou-se muito frequente e impertinente repetindo incessantemente em tom imperativo e ameaçador para a doente bater com um banco na cabeça “bate um bocadinho…só mais um bocadinho…mais um bocadinho!”; a doente ficou extremamente ansiosa e acabou por obedecer à voz batendo várias vezes com um banco na cabeça sem perda do conhecimen-to, não tinha intenção suicida activa, refere que a voz fala mal dela se não lhe faz as vontades e tem medo que lhe faça mal; a voz é percepcionada como algo que tem grande poder sobre ela. A injecção do depot era administrada regularmente; não foi identificado precipitante óbvio. Foi medicada no Internamento actual com Haloperidol 5 mg 1 cp. via oral ao peq. almoço, Levomepromazina 25 mg 1 cp. via oral ao deitar, e o Flupentixol substituído pelo Haloperidol depot 100 mg 4/4 semanas; foram pedidas análises gerais e TAC craneoencefálico (CE). Em entrevista no 2º dia de Internamento a doente apresentava-se vigil, consciente, e orientada auto e alopsiquicamen-te, no espaço e no tempo, postura curvada evitan-do o contacto visual, atitude calma, parcialmente colaborante, discurso pouco espontâneo e lacónico respondendo apenas quando solicitado, fácies pouco expressivo, com aplanamento afectivo; refere que as vozes a deixam triste, e que por vezes pede a Deus que a leve para junto dos pais sic, mas não tem inten-ção nem plano suicidários, diz que a voz a ameaça “quando fores para casa é que vai ser!”, quando a doente se ri a voz implica logo com ela “porque te ris?”, apresenta alguma difusão do pensamento, na TV falam dos seus pensamentos sic, insight empo-brecido. Nos primeiros dias do internamento a do-ente isolava-se no quarto e era pouco comunicativa com os profissionais de saúde e os outros utentes, também motivado por se sentir embaraçada com a

sua auto-imagem, mas assistiu-se a uma melhoria progressiva do quadro psicopatológico e da socia-bilidade, por vezes com algumas flutuações. Entre-tanto pelas 3 semanas (figura 2) foi ajustada a tera-pêutica: o Haloperidol 5 mg cp. via oral passou a ser dado bidiariamente; além disso, adicionou-se Bi-perideno 4 mg retard cp. via oral 1 ao peq. almoço, pelo facto de a doente ter apresentado alguns efeitos extra-piramidais (tremor em repouso do membro in-ferior esquerdo e também cefálico), com eficácia na sua resolução. As análises pedidas não mostraram alterações relevantes e o TAC CE mostrava apenas alterações ligeiras: hematoma epicraneano frontal e peri-orbitário direito, sem alterações da densidade ou morfologia do parênquima cerebral sugestivas de lesão traumática endocraneana, vias de circulação de líquor um pouco amplas mas não patológicas para a idade. No Mini Mental State Examination efectu-ado, a doente pontuou um resultado normal para a sua idade e nível de escolaridade – 28 pontos. Du-rante o Internamento, para além da terapêutica psi-cofarmacológica foi ainda realizada psicoeducação no sentido de dar mais controlo à doente sobre as AC, reduzir a compliance e aumentar o insight so-bre a sua doença. A doente teve alta às 5 semanas de internamento (figura 3) com diminuição signifi-cativa da frequência e intensidade das alucinações auditivo-verbais, apresentava já fácies expressivo, com ressonância afectiva, e sentia-se menos triste, com melhoria do insight “é uma doença como ou-tra qualquer” sic; consentiu mesmo em cantar uma

Figura 2 – hematomas em resolução parcial, fácies pouco expressivo

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canção tradicional da sua terra (ver caixa). Aceitou voltar a frequentar o Centro de Dia e a cantar no coro da Igreja, e foi contactada a assistente social no sen-tido de se providenciar uma vaga em Lar onde possa estar mais acompanhada.

Discussão

a Compliance com as AC tem sido relatada numa prevalência que varia entre 39 a 88% em amostras de

doentes na sua maioria com Esquizofrenia, sendo que a prevalência encontrada para a compliance com as AC com conteúdo suicidário anda à volta dos 35% em alguns estudos (Barrowcliff et al, 2010; Harkavy--Friedman et al, 2003; Mackinnon et al, 2004). A lite-ratura mostra-nos que os doentes com Esquizofrenia tendem a ouvir tanto comandos benignos como ma-lignos e que, apesar de encontrarmos uma compliance relativamente elevada com as AC auto-destrutivas a maioria dos doentes obedece mais facilmente aos co-mandos benignos, havendo uma tendência geral para resistir aos malignos (Kasper et al, 1996). Barrowcliff et al (2010) chegam aos seguintes resultados na sua amostra no que diz respeito à compliance com os di-ferentes tipos de comandos: 77% para os benignos, 35% para os auto-destrutivos, e 40% para os hetero--agressivos; resultados estes comparáveis com outros encontrados na literatura (Junginger, 1995; Harkavy--Friedman et al, 2003; Rogers et al, 1990).

Factores associados a maior Compliance com as AC:

No que diz respeito aos factores relacionados com uma maior compliance às AC os estudos encon-traram evidência para os seguintes: carácter malevo-lente, intrusivo, e ameaçador da voz; crença delirante de que haverá represálias em caso de desobediência; sentimentos de inferioridade e de menor poder rela-tivamente à voz dominante (de acordo com os prin-cípios da social rank theory), uso de menos estra-tégias de coping com as AC (ex: ouvir música com auscultadores para diminuir angústia); e uma Pertur-bação da Actividade Volitiva, também uma caracte-rística da Esquizofrenia, obedecendo o doente a um comando mesmo quando não concorda com as suas implicações éticas e morais (Barrowcliff et al 2010, Mackinon et al, 2004). De referir ainda que os doen-tes com Esquizofrenia que experienciam alucinações auditivo-verbais têm maiores níveis de desesperança, pensando-se que no caso das AC a desesperança será maior (Birchwood et al, 2000; Simms et al, 2007). Assim, a avaliação rigorosa da forma e conteúdo das alucinações auditivo-verbais pode melhorar a nossa estimativa do risco de suicídio com implicações im-portantes na sua prevenção.

O papel da Terapia Cognitiva (TC):Trower et al, em 2004, publicam um ensaio ran-

domizado controlado interessante em que avaliam o papel psicoterapêutico da TC em doentes maioritaria-mente com Esquizofrenia que tinham um alto risco de compliance com AC malignas (sendo que as AC auto-destrutivas eram as mais frequentes). O foco de

Figura 3 – resolução total dos hematomas e fácies expressivo sorridente com ressonância afectiva

Ó meu querido SobralMinha terra tão queridaSempre te hei-de amar Toda a minha vida - RefrãoViva quem agora veioMais quem agora chegouEstava para me ir emboraMas agora já me não vouRefrãoSobral de S. MiguelAi ao fundo passa a ribeiraNão há gente mais bonitaNem gente mais verdadeiraRefrão

(Canção Tradicional)

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intervenção psicoterapêutica baseava-se em 4 crenças nucleares disfuncionais: a voz tem poder absoluto e controlo sobre o doente; o doente tem de obedecer à voz senão será severamente punido (ou um familiar seu); a identidade da voz (ex: se o doente acredita que a voz pertence ao Diabo); o significado associado à experiência da voz (ex: se o doente acredita que está a ser punido por comportamentos passados). O método cognitivo usado foi principalmente o Diálogo Socrá-tico: questionar as crenças dos doentes e depois usar testes comportamentais que não confirmem os receios dos doentes; tentar perceber porque e como desenvol-veram determinada crença, construir crenças alterna-tivas com os doentes; percebe-se assim que o doente tem um papel activo no seu tratamento. O grupo de pacientes que recebeu psicofármacos mais TC apre-sentou melhores resultados relativamente ao grupo que só recebeu psicofármacos: redução nos compor-tamentos de compliance (effect size 1.1); diminuição do grau de convicção no poder e superioridade das AC; redução dos níveis de angústia associados à ex-periência das AC; diminuição do evitamento social; os ganhos terapêuticos mantiveram-se após 12 meses decorridos da TC.

Conclusão

Haverá casos de suicídio na Esquizofrenia em que o suicídio (acto deliberado de auto-destruição) estará ausente, e o que está sim presente, é uma inibi-ção da actividade psíquica voluntária e uma submis-são dos impulsos volitivos a forças desconhecidas e omnipotentes. Cabe aos profissionais de saúde mental mostrar aos doentes que o desconhecido se pode tor-nar conhecido e o omnipotente se pode tornar frágil e controlável.

Ideias Chave:

- Alucinações de Comando com conteúdo suicida não são incomuns na Esquizofrenia

- Podem aumentar o risco de suicídio em indiví-duos vulneráveis

- O Exame do Estado Mental rigoroso não é um preciosismo mas sim muito importante para estimar o risco suicida

- A Terapia Cognitiva em associação com os psi-cofármacos pode desempenhar um papel importante nestes casos

Bibliografia

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Depressão nos Idosos Institucionalizados

PORFeRReIRa, JOana Sá(1), BaRBOSa, JOSé CaRlOS(2)

Resumo

Depressão nos Idosos InstitucionalizadosNo âmbito da perspectiva holística, conceitos como o de qualidade de vida assumem hoje particular

importância. As dificuldades que o processo de envelhecimento acarreta, associadas às alterações profundas na es-

trutura sócio-cultural das sociedades actuais, implicam frequentemente a utilização de recursos institucionais (lares, centros de dia).

Os estudos nacionais e internacionais realizados na área da Saúde Mental e da Depressão em particular junto dos idosos residentes em lares revelam prevalências de Depressão Major da ordem dos 20%. Os mesmos estudos apontam o status residencial como o principal factor preditivo, fazendo obviamente variar os resultados.

O problema é talvez mais profundo quando se reconhece cada vez mais que a depressão nos idosos pelas suas características clínicas é frequentemente sub-diagnosticada ou mal diagnosticada.

Uma relação ajustada entre a equipe cuidadora e o idoso é a chave na sua adaptação a esta reali-dade. A institucionalização não pode ser um mero “depósito de velhos”. Neste sentido, nenhum dos modelos individualmente (biológico, social ou psicológico) responderá às necessidades dos senescentes, mas sim em convergência e complementaridade.

Ao Médico de Medicina Geral e Familiar, clínico não especialista, que o idoso ou familiares procuram ou desenvolvendo a sua actividade nestas instituições, cabe o relevante papel de primeira linha na prevenção, detecção e tratamento.

Palavras-chave: Idoso, Depressão, Institucionalização

Abstract

Depression in the Institutionalised ElderlyFrom a holistic perspective, today, concepts such as quality of life take on particular importance. The difficulties that the aging process entails, associated with profound socio-cultural changes in the

structure of contemporary societies, frequently require the use of institutional resources (nursing homes, day centres, etc.)

Psiquiatria Clínica, 32, (2), pp. 127-134, 2011

(1) Interna de Psiquiatria Centro Hospitalar Psiquiátrico de Coimbra(2) Instituto de Bioética do Centro Regional do Porto da Universidade Católica Portuguesa Director do Centro Social de Castelões, IPSS Contacto: Maria Joana de Sá Ferreira 96 323 90 40/ 256 083828 Rua nova, nº 833, 3885-597 esmoriz [email protected].

Artigo de Revisão

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Ferreira, Joana Sá, Barbosa, José Carlos128

Introdução

“a referência à Personalidade em situação e em evolução é fundamental. não se trata porém apenas, como diz H. ey, de um “corpo psíquico” em desin-tegração mas de uma muito complexa organização estrutural do indivíduo no seu Mundo.”1

no âmbito da perspectiva holística, conceitos como o de qualidade de vida assumem hoje particular importância. assim, a forma clássica de conceptuali-zar a saúde como ausência de doença mostra-se clara-mente incompleta. é também importante valorizar o funcionamento e bem-estar do indivíduo e a sua pos-sibilidade de realização pessoal.

O aumento da longevidade que se observa no Ocidente preocupa actualmente médicos, psicólogos, sociólogos, economistas, políticos e outros, dadas as especificidades que caracterizam a faixa etária ido-sa. Um terreno biológico desfavorecido como é o da involução, com menor possibilidade de adaptação e homeostase e com défice orgânico a todos os níveis, principalmente cerebral, e sendo a existência do velho rica de acontecimentos sócio-psicológicos potencial-mente patogénicos, podem desencadear, manter ou agravar os estados psicopatológicos.2

Uma das constatações mais preocupantes dos tempos actuais é de que a depressão está a aumen-tar significativamente na nossa crescente população de idosos. na etiopatogenia das depressões tardias o factor hereditário não parece ter o peso que tem na idade adulta; de facto, vários estudos mostram que os antecedentes familiares de perturbações afectivas são pouco frequentes. Inversamente, os factores desen-

cadeantes exógenos, como a mudança de residência para um lar, por exemplo, desempenham um papel muito importante.

O Impacto da Institucionalização

As dificuldades que o processo de envelhecimen-to acarreta, obrigam frequentemente à utilização de recursos institucionais e dizemos obriga, pois este tipo de soluções é ainda actualmente conotado com uma imagem negativa. De facto, são poucos os ido-sos que aceitam a institucionalização de uma forma pacífica. Desde que as mulheres deixaram de exercer exclusivamente o papel de “donas de casa” que a so-ciedade se vê obrigada a adaptar-se às novas dificul-dades. estes idosos têm como modelo uma geração em que o velho, quando debilitado, se via amparado por todos os membros da família, em especial pelas “mulheres da família”. Por outro lado, as vicissitudes da organização social actual tende a marginalizar a população mais idosa e assim há necessidade de re-correr a apoios sociais: serviços domiciliários, centros de dia e lares.

este apoio médico institucional à 3ª idade é ba-sicamente fornecido por instituições privadas ou semi-privadas em especial misericórdias e institui-ções religiosas. Recentemente alguns “hospitais de rectaguarda”, designados por Unidades de Cuidados Continuados, dispõem de serviços especializados à patologia desta faixa etária.

Com este suporte procura-se alcançar efeitos benéficos a nível da qualidade de vida dos idosos, mas será mesmo assim? Os estudos nacionais sobre o assunto, apontam para níveis de qualidade de vida

National and international studies conducted in the area of Mental Health and Depression, in particular with elderly residents in nursing homes, show rates of Major Depression in the order of 20%. The same studies indicate residential status as the main predictive factor, clearly causing the results to vary.

Perhaps the problem is more deeply rooted when we increasingly recognise that, due to its clinical characteristics, depression among the elderly is often under-diagnosed or wrongly diagnosed.

A well-adjusted relationship between the care team and the elderly person is the key to adapting to this situation. Institutionalisation cannot merely be a “depository of old people”. In this sense, none of the models (biological, social or psychological) can individually meet the needs of the senescents, but they must converge and complement each other.

The General Practitioners, non-clinical specialists, to whom the elderly or their relatives turn, or who work in these institutions, play the leading role in prevention, detection and treatment.

Key words: Elderly, Depression, Institutionalization

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Depressão nos Idosos Institucionalizados 129

baixos nos idosos institucionalizados3. Já em 1982, numa investigação conduzida por Paes de Sousa e seus colaboradores, foram encontradas altas percen-tagens de doenças psiquiátricas em idosos residentes em instituições asilares. Investigações mais recentes, apontam para uma prevalência de 20% de Depressão Major e de 29,5% de Depressão Minor na população considerada4.

noutros países, a realidade também não parece ser diferente. a depressão surge como um factor in-dependente muito significativo (para além das condi-ções clínicas crónicas, dependência funcional e nível educacional) na quantificação do estado de saúde pe-los idosos institucionalizados.5

De facto, a literatura chama particular atenção para as manifestações de sintomatologia depressiva nesta população institucionalizada, com percentagens que chegam a rondar em alguns casos os 60%. Quan-do se comparam lares e centros de dia, não se encon-tram diferenças estatisticamente significativas em re-lação aos grupos etários ou ao tempo de permanência/frequência na instituição. no entanto, relativamente ao sexo, assinala-se maior presença de sintomatologia depressiva no sexo feminino.6 este desequilíbrio de género parece desaparecer depois dos 65 anos.7

as prevalências elevadas de depressão à entra-da parecem estar relacionadas com os factores pré--admissão (maiores se os idosos transitam das suas casas e não de instituições hospitalares para o lar) e mantendo-se com que estes valores ao fim de 6 meses quando coexistem situações clínicas de dor e limita-ção funcional8. a duração da institucionalização, o número de condições crónicas, a percepção do estado de saúde e o suporte social por parte de familiares e outros significativos, são os factores mais implica-dos.9

Barlow et al referem que cerca de 18% a 20% dos idosos que residem em lares sofrem de episódios depressivos major, com muita probabilidade destes se tornarem crónicos se aparecem pela primeira vez depois dos 60 anos. Por outro lado, vários estudos apontam para uma maior prevalência de quadros de deterioração cognitiva nos idosos institucionalizados comparativamente aos que vivem na comunidade. entre outros aspectos, discute-se se a disfunção cog-nitiva nestes idosos está relacionada com a patologia orgânica subjacente e/ou se é a própria instituciona-lização que é profundamente desorganizante, acele-rando o desenvolvimento de um quadro demencial. além das complicações orgânicas, tais como as afec-ções cardio-vasculares ou as quedas, mais frequentes

nos velhos deprimidos, a evolução aparece-nos domi-nada pelo risco de desaferentação, de desmotivação e de “dessocialização” consequente à depressão não tratada, tendo por corolário, a menor ou maior prazo, o agravamento de um síndrome demencial cortical ou de disfunção sub-cortical.10

este cenário, no mínimo preocupante, tem levado ao desenvolvimento de planos de intervenção dirigi-dos à depressão nos contextos institucionais os quais têm apresentado resultados muito satisfatórios.2 Pa-recem ser muito importantes a promoção de activida-des sociais para os gerontes institucionalizados e um maior investimento na formação dos cuidadores so-bre a psicopatologia da depressão e sua abordagem.11

estes aspectos explicam provavelmente os achados, aparentemente surpreendentes, encontrados por ou-tros estudos comparativos da depressão nos idosos institucionalizados e nos que vivem em comunidade: prevalências mais elevadas de depressão na comuni-dade. Os mesmos estudos apontam o status residen-cial como o principal factor preditivo.5

A Depressão nos Idosos

entre os idosos, a depressão frequentemente é sub-diagnosticada ou mal diagnosticada. Semiologi-camente tem sido constatada a presença dos sintomas depressivos mais atenuados e uma certa constância de agitação ansiosa, de ideias hipocondríacas e de activi-dade delirante com temas melancólicos (perseguição, pobreza, ruína, culpa-castigo, niilismo). Há uma certa dificuldade em precisar o tipo nosológico de depres-são em causa, isto porque na velhice há um nítido apagamento da distinção psicótico-neurótico, endó-geno-reactivo, pois a presença de factores exógenos desencadeantes e o colorido ansioso-hipocondríaco da sintomatologia alia-se a uma tendência à vitaliza-ção.2

atenção, pois que na psicopatologia dos idosos nem sempre se dá a “senescência” das doenças, o seu apagamento; certos casos oferecem sintomas floridos (confabulações, delírios de prejuízo nos estados para-nóides, excitações maniformes e estados confusionais agitados, etc.).1

Quatro factores que podem ofuscar o reconheci-mento da depressão são: as outras doenças somáticas associadas, perturbações e deterioração cognitiva, ên-fase nos sintomas somáticos (frequente neurotização e hipocondrização) e cognitivos e múltiplos aconteci-mentos de vida adversos.12

as doenças neurodegenerativas apresentam uma

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Ferreira, Joana Sá, Barbosa, José Carlos130

prevalência elevada nesta população, ora acontece que estas doenças frequentemente provocam sinto-mas que se sobrepõem aos da depressão (por exem-plo: fadiga, perturbações do sono, dificuldades de concentração, inibição psicomotora). a distinção en-tre os sintomas da depressão e os sintomas de outras doenças médicas no idoso doente é difícil de se fazer. no entanto, enquanto o medo ou a desmoralização são uma resposta normal à deterioração física ou à doença grave, a depressão major não é.12 é preciso também não esquecer os fármacos utilizados para tra-tar as patologias médicas, os quais podem provocar sintomatologia depressiva. Para além disso, a dis-tinção entre uma perturbação cognitiva secundária a depressão e uma doença demencial, em fase precoce, constitui um desafio clínico.

O ênfase que o idoso doente coloca nas queixas somáticas e nas alterações cognitivas, em detrimen-to dos sintomas psicológicos contribui para que a doença depressiva subjacente passe frequentemente despercebida ao médico não especialista. O mesmo acontece com a ideacção suicida que é menos verbali-zada do que nos indivíduos deprimidos de idade mais jovem.

Os acontecimentos de vida adversos que atingem os idosos são sobretudo perdas: morte de familiares e amigos, especialmente do cônjuge, perda de esta-tuto sócio-profissional, com ou sem reforma, perda de prestígio, incapacidades físicas, etc. São compre-ensíveis os sentimentos de desmoralização, medo e solidão e a diminuição da auto-estima daí resultantes. Porém, ao se entender os sintomas depressivos como expectáveis, perdemos a possibilidade de tratar efi-cazmente estas alterações do humor.

na idade avançada as perturbações da ansiedade acompanham frequentemente a depressão, especial-mente a perturbação da ansiedade generalizada e a perturbação de pânico e, quando isto ocorre, os doen-tes estão mais gravemente deprimidos.

Outras dificuldades que se colocam a um diag-nóstico e tratamento adequados são: auto-medicação oculta de fármacos e consumo de álcool; isolamen-to social e falta de apoio da família; aceso restrito a cuidados médicos, devido a pobreza e nível sócio--económico baixo; o efeito dos constrangimentos de custos e tempo na prestação de cuidados e os estigmas associados com as doenças mentais.9

esta problemática começa porventura nos pró-prios profissionais de saúde: convencidos de que a depressão é parte normal do envelhecimento, asso-berbados pelos problemas médicos concomitantes e

confusos com a falta de coordenação entre os dife-rentes cuidados de saúde, têm baixas as expectativas relativamente à sua intervenção e ao que esperar dos doentes idosos deprimidos. é preciso que todos os intervenientes percebam que, para além de reduzir a qualidade de vida, a ausência de tratamento aumenta o risco de suicídio, da utlização dos serviços de saú-de, de compromisso social e cognitivo, má adesão ao tratamento de doenças físicas e agravamento da pato-logia associada. note-se que a sua importância como factor de risco para morte ultrapassa a da viuvez, iso-lamento e privação financeira.6 Um dos factores de risco mais importantes de morte, pós enfarte do mio-cárdio ou de acidente vascular cerebral, é a depressão. Os doentes deprimidos residentes em lares têm uma taxa de mortalidade quase dupla, da dos não deprimi-dos aí residentes.12

A Importância do Médico de Medicina Geral e Fa-miliar

Por outro lado, os próprios doentes idosos quan-do recorrem aos serviços de saúde, preferem o seu clínico geral. Resistência ao profissional de saúde mental? Ou puro desconhecimento quanto à actuação da psiquiatria? Dificuldades no acesso ao especialis-ta? Talvez porque a existência de múltiplas doenças do foro médico nos doentes idosos desvie a atenção dos cuidadores dos sinais e sintomas psiquiátricos e/ou porque a depressão e a ansiedade são consideradas normais em pessoas idosas com doenças graves do foro médico. neste sentido, é importante a formação contínua de todo o pessoal destas instituições envol-vido, directa ou indirectamente, nos cuidados aos ido-sos.

as próprias taxas de reconhecimento da depres-são clínica pelos clínicos gerais não são muito anima-doras, isto porque médicos sem formação psiquiátrica ou geriátrica podem ter dificuldade em distinguir as alterações devidas ao envelhecimento normal dos si-nais de perturbação mental.

Verifica-se que uma percentagem significativa de pessoas idosas, que se suicidam, procuraram o seu clínico geral não muito tempo antes. a taxa de sui-cídio nos idosos é cerca do dobro da que se observa no conjunto dos outros grupos etários. Os factores de risco do suicídio nos idosos deprimidos incluem a história anterior de tentativas de suicídio, a existência de problemas médicos associados, abuso de bebidas alcoólicas, ansiedade, pânico, agitação, sentimentos de desesperança ou de inutilidade e ausência de trata-

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mento adequado da depressão. 12

ao médico de medicina geral e familiar, clínico não especialista, cabe o relevante papel de primeira linha na prevenção e na Saúde. a atitude do clínico reveste-se de importância fundamental porque o do-ente, fragilizado, tem tendência em fixar-se afectiva-mente sobre o médico em que verá, quer uma figura “paterna” ou “materna”, quer o “filho” ou a “filha” em que possa confiar ( e isto sejam quais forem as diferenças de idade).

Com a consciência da senescência, instala-se a noção do irreparável que pode bloquear todo o esfor-ço de adaptação. O “para quê?” do velho soa de modo totalmente diferente do do jovem romântico. a sua depressão significa, quer a aceitação passiva da “mor-te próxima” (objectivamente mais próxima do que aos vinte anos), quer a recusa de uma certa degene-rescência, também objectiva, mas irremediável. este quadro complica-se se está mais ou menos dependen-te da sociedade. no mínimo “já não serve para nada nem faz falta a ninguém”. Já não tem esperanças!13

Quer se trate de um episódio depressivo vulgar (integrado ou não numa psicose maníaco-depressiva), de uma forma mono ou paucissintomática, ansiosa, delirante, confusional, pseudodemencial ou se expri-mindo através de queixas hipocondríacas, a atitude do clínico deve ser enérgica e liberta do preconceito de que as perturbações depressivas do indivíduo idoso não têm recurso. O médico não se deve deixar conta-minar pela passividade e resignação do doente – ou da família e/ou de outros cuidadores.

O Idoso no Lar e a Necessidade de Aconchego

Uma relação ajustada entre a equipa cuidadora e o idoso é a chave na sua adaptação a esta nova realidade.

O idoso que é integrado num lar defronta-se como uma série de perdas significativas: distanciamento da família, dos vizinhos e amigos, do lar, do seu bairro ou da sua aldeia, dos seus gostos, dos hábitos e, inclu-sivamente, muitas vezes da sua intimidade. a liberda-de individual é, pelo menos aparentemente, ameaçada perante um estilo de vida mais regrado, condicionado por horários previamente estabelecidos e pelos outros moradores.14

a própria identidade do idoso é posta em causa quando se torna “mais um” recebendo cuidados indi-ferenciados e mecanizados e raptado do seu contexto psico-social. Deve haver sensibilidade para o trabalho a desenvolver, procurando o bem-estar do doente e, sem-pre que possível, levando em conta as suas preferências.

À equipe de cuidadores das instituições não bas-ta a satisfação das necessidades básicas dos idosos, é também fundamental fazer parte da sua vida afectiva. esta satisfação afectiva é ainda mais premente quan-do o papel da família, quando existe, é praticamente nulo, limitando-se a visitas de rotina ou a telefonemas esporádicos. Tão importante como a comunicação verbal é a não verbal mediante expressões faciais, olhar os olhos, o tom suave e pausado da voz, pegar na mão, acariciar, os matizes do humor, etc.

não raras as vezes a relação com a pessoa idosa não é de escuta, respeito e confiança, mas antes de ocultação, mentira e falsas esperanças. Quando estão doentes e intuem que o seu fim está próximo, a obri-gação é proporcionar-lhes a informação que desejam. as lições de vida aprendidas fazem com que na maio-ria dos casos enfrentem a morte com uma naturali-dade surpreendente. e que dizer quando estes cuida-dores decidem ser interlocutores do doente e tomar decisões que não lhes cabem?

a comunicação adequada com o doente implica não ter pressa, aspecto muitas vezes invulgar na ro-tina diária das instituições. nos idosos, e mais ainda nos que vivem em instituições, existem limitações e dificuldades para alcançar uma comunicação eficaz, devido a problemas com uma elevada prevalência neste grupo de população, como a deterioração cog-nitiva, os défices visuais e auditivos, as afasias sensi-tivas ou motoras, as próprias síndromas depressivas, o analfabetismo, o baixo nível cultural, etc.; situações que obrigam a investir mais tempo e a mobilizar mais recursos. não dar tempo e a atenção devida pode re-presentar perder uma oportunidade de captar as ne-cessidades e conduzir à deterioração da relação com o idoso, aumentando o sentimento de abandono.

não se devem esquecer também os aspectos es-pirituais que adquirem, sobretudo nesta etapa da vida, um valor especial.

é certo que o próprio processo de envelhecimen-to determina uma deterioração funcional e/ou mental, no entanto, a necessidade de reabilitação impõe-se, quer para benefício do próprio indivíduo como, de um ponto de vista económico, para a comunidade, ao re-duzir as necessidades de recursos sociais e de saúde.

a institucionalização não pode ser um mero “de-pósito de velhos”. Se os queremos saudáveis, não é possível impôr em absoluto um novo estilo de vida aos idosos. neste sentido, as abordagens psicosso-ciais são fundamentais: restaurar o controlo, a segu-rança e a auto-confiança (nomeadamente através da percepção do médico como uma figura forte e pro-

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tectora), estimular a actividade física e as actividades sociais. no que concerne a este último ponto, é pre-ciso combater a “morte social”, a identificação com a própria inactividade, retraimento e indiferença, até à regressão e um mero vegetar biológico.1

não se pode quebrar a ligação do idoso com a comunidade, nem “despersonalizá-lo”, quem “foi”, a sua história, também se deve reflectir no presente.

Os próprios aspectos arquitectónicos nas residên-cias para idosos começaram agora a ganhar relevân-cia. O sentimento de desenquadramento perante a sua vida – e que é legítimo nomeadamente nas pessoas mais velhas, normalmente mais avessas à mudança e abandono do seu ambiente familiar e íntimo – pode ser amenizado por esta aproximação ao espaço do-méstico, alheando os edifícios da impessoalidade da generalidade dos lares e da sua afinidade com o espa-ço hospitalar.14

Já Barahona Fernandes na separata do livro “Gerontopsiquiatria” (1978), reflectia sobre a formu-lação de vários modelos unidimensionais, parcelares e unilaterais. Um modelo biológico (ex. mudança das moléculas do D.n.a. das células nervosas, da sua actividade enzimática, das informações genéticas, auto-imunidade, etc.); um modelo psicológico (ex. os velhos defendem-se da angústia ante o seu empobre-cimento mental pessoal, de modo semelhante ao que utilizavam para outras dificuldades da sua vida social, desde a infância e a juventude, tornam-se “narcisis-tas”, etc.) e um modelo sociológico (ex. o comporta-mento do envelhecer resulta de um “descomprome-timento” das suas ligações interpessoais e sócio-cul-turais, do isolamento a abandono dos grupos, da sua eficiência económica, etc.). Dizia ainda que nenhum destes modelos, por si só, pode satisfazer, face à reali-dade concreta das perturbações da senescência. e que embora a um modelo se peça muito menos do que a uma teoria, a complexidade efectiva das situações é tal que somos obrigados a uma visão mais diversifica-da e estruturada.1

esta e outras constatações mostram não só como os cuidados prestados em lares devem e podem ser melhorados, mas também como os cuidados domicili-ários devem ser potenciados com a formação e treino de equipas específicas organizadas a partir de diferen-tes instituições de saúde.

Notas Finais

assistimos nas últimas décadas a um envelhe-cimento progressivo da população, motivado funda-

mentalmente por um aumento da esperança média de vida e por uma diminuição progressiva nas taxas de natalidade e de fertilidade. Tendo em conta as ten-dências actuais, a necessidade de aprender sobre o envelhecimento e os idosos é extensível a todos os profissionais de saúde, incluindo os da saúde mental. é frequente atribuir-se determinados processos pato-lógicos ao processo de envelhecimento, quer por par-te dos familiares, quer por parte do pessoal de saúde e levando a que o idoso não receba uma assistência atempada e adequada. Apesar de se verificar que as depressões desta faixa etária recaiem frequentemente e são propensas à cronicidade e com elevado risco de suicídio, o prognóstico não é totalmente desfavorável quando o diagnóstico é correcto e atempado.

Infelizmente, o estilo de vida actual em que os filhos dos nossos idosos são autênticas “gerações san-duíche”, praticamente impossibilita que os cuidados que lhes são prestados sejam basicamente informais. À medida que o grau de dependência aumenta, o sis-tema de suporte familiar do idoso pode ficar sobrecar-regado e até entrar em falência, por vezes com senti-mentos de angústia, ressentimento ou recriminação de parte a parte. Recorre-se então aos Serviços de Saúde. a escassez de apoio geriátrico domiciliário por um lado, e a precipitação dos profissionais de saúde que não fazem uma avaliação integral e detalhada da situ-ação, determina a institucionalização do idoso.

a prevenção, tratamento e recuperação das do-enças psiquiátricas dos idosos exigem métodos e téc-nicas especializadas e uma colaboração íntima entre várias disciplinas (psiquiatria, psicologia, enferma-gem, serviço social, etc.). Quando se desenvolve um programa de cuidados, a abordagem optimizada da doença física e a atenção aos factores psicossociais devem ser duas metas sempre presentes.

Devem estabelecer-se alianças com as famílias e com outras formas naturais de apoio para garantir a continuidade dos cuidados. Para além disso, as “for-ças” dos doentes idosos devem ser ordenadas de for-ma que estes lidem com a doença e interajam de modo eficaz no sistema de cuidados de saúde.15

a sensibilidade e humanidade que se espera dos profissionais de saúde é muito posta à prova em tudo aquilo que se refere à assistência geriátrica. aquilo que de melhor podemos oferecer aos nossos idosos depende, em grande parte, de uma completa integra-ção de todas as nuances sociais, económicas, familia-res e médicas.

é possível, em muitos casos, evitar a evolução maligna dos senescentes para a decadência senil.1

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Declaramos não possuir qualquer tipo de conflito de interesses e o trabalho relatado neste manuscrito não foi objecto de qualquer tipo de financiamento externo (incluindo bolsas de investigação).

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