Pós Modernidade

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA “JULIO DE MESQUITA FILHO” PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS SOCIAIS Trabalho de conclusão da disciplina Cultura, Poder e Processos Identitários. 2º Semestre de 2012 AFIRMAÇÃO CULTURAL NA PÓS-MODERNIDADE Discente: Rogério Pereira de Campos Docente: Profa. Dra. Renata Medeiros Paoliello Araraquara, 2013

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Trabalho envolvendo autores clássicos em temáticas atuais sobre Pós Modernidade

Transcript of Pós Modernidade

  • UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JULIO DE MESQUITA FILHO

    PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM CINCIAS SOCIAIS

    Trabalho de concluso da disciplina Cultura, Poder e Processos Identitrios.

    2 Semestre de 2012

    AFIRMAO CULTURAL NA PS-MODERNIDADE

    Discente: Rogrio Pereira de Campos

    Docente: Profa. Dra. Renata Medeiros Paoliello

    Araraquara, 2013

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    RESUMO

    Um dos grandes dilemas e preocupaes das sociedades no mundo a questo de

    identidade cultural dos grupos, sejam eles constitutivos de uma nica nao ou de etnias

    que se espalham pelo territrio sem obedecer diretamente a convenes polticas. A

    globalizao e o processo de abertura poltica, cultural e social nas mais diversas formas

    poderiam ser agentes catalizadores para acelerar um processo de fragilizao de culturas

    consideradas menores, ou de populaes que vivem sob o julgo de outras culturas, nos

    mais diversos casos presentes na atualidade.

    Porm, o caminho que se demonstrou com o avana tecnolgico e de

    comunicao em massa foi reverso ao temido pelos estudiosos, criando novas formas de

    interao e fortalecimento ou mesmo renascimento de culturas antigas e/ou reclusas em

    regies as quais foram suprimidas. Em um cenrio de busca de contatos cada vez mais

    generalizados entre as naes e as culturas, grupos tnicos, religiosos e minorias

    conseguem se fortalecer e criar novas resistncias a essa permeabilidade corrosiva das

    culturas diferenciadas. Este estudo visa debater tais mudanas comportamentais, tanto na

    esfera do comportamento pessoal como na questo dos grupos e os impactos para o futuro

    dessa estrutura globalizada.

    Palavras-chave: Cultura; Ps Modernidade; Sociedade; Globalizao.

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    EXIGNCIAS DO SCULO XX

    O despertar do sculo XX trouxe mudanas significativas para a humanidade e as

    relaes sociais derivadas em geral, em todas as esferas e em todos os nveis que possam

    ter surgido. O que Hobsbawn (1994) caracterizou como o breve sculo em seu trabalho A

    era dos extremos, tambm deixou a ressalva de no subestimarmos tal titulao, pois ao

    mesmo tempo em que se coloca em um paradoxo de tempo inferior a 100 anos, constitui o

    maior avano tecnolgico, cientfico, social e cultural que a humanidade no teria

    assimilado em 10 sculos.

    Tratar neste trabalho da questo cultural poderia ser considerado pouco diante dos

    inmeros temas do perodo, porm para um breve artigo a ser explanado em poucas

    pginas transforma-se em uma arte de sntese em mais alto nvel, deixando ainda de tratar

    de diversos temas correlacionados com a problemtica da limitao de espao. Ainda

    destacando a questo cronolgica, podemos criar uma delimitao clara de dois perodos

    no sculo XX para analisar a questo cultural: Da primeira guerra mundial (1914-1918) at

    o fim da guerra fria (1989) e deste momento em diante. Trata-se somente de um recorte

    para comparao e no perfeitamente delineado, como tudo que ocorre envolvendo cultura.

    O primeiro momento do desenvolvimento do texto perpassa por um perodo de

    confrontos, imposies, choques de poder e principalmente de intolerncia. Na primeira

    grande guerra, o choque entre as potncias europeias buscava traar qual seria a liderana

    da economia e poltica mundiais, ainda vivendo um perodo do final do sculo XIX sobre a

    preponderncia europeia e esquecendo-se do adormecido Estados Unidos. Este um

    momento de delineamento claro das diferenas culturais, assim como tambm da

    resistncia ou tolerncia insero dessas culturas entre os pases. Esse estado blico criou

    o cenrio de inimizades que iria perdurar at 1945, com o final da segunda grande guerra.

    Como destaque histrico deste perodo, podemos destacar alguns eventos de

    grande importncia que iro influir diretamente no decorrer do sculo. Em primeiro lugar,

    o despertar do socialismo na figura da Unio Sovitica em 1917, que se tornaria o

    interlocutor dos Estados Unidos em um debate sobre guerra fria at o final do sculo e

    traaria o comportamento e a cultura bipolarizadas no mundo; Os Estados Unidos tornam-

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    se os grandes vencedores do confronto e transfere o eixo de referncia mundial de uma

    Europa devastada para uma Amrica do Norte resplandecente e com a economia a pleno

    vapor; A derrota vexatria e massacrante da Alemanha e posterior despertar do radicalismo

    poltico e social que assolariam toda a Europa; O despreparo diplomtico dos europeus em

    resolver suas desavenas, que viria a ser um acrscimo para a segunda guerra mundial.

    Sem aprofundar sobre um tema exaustivamente discutido por historiadores e

    pesquisadores, uma breve anlise sobre a segunda grande guerra se faz necessria, por

    diversos problemas e ideias geminando no perodo. Se por um lado temos o despertar da

    intolerncia, do xenofobismo, do antisionismo e tantas outras atrocidades, vemos tambm

    o surgimento da Escola de Frankfurt, da Fsica nuclear, dos automveis eficientes, dos

    direitos trabalhistas e outros. No se trata de prmios compensatrios, os crimes cometidos

    durante esse perodo no devem ser jamais esquecidos ou minimizados, e sim sempre

    relembrados como um dos piores eventos da humanidade.

    A nfase nesse debate sobre intolerncia desperta grande interesse na questo

    cultural que viria a ser construda posteriormente, como herana e feridas latentes que as

    sociedades ainda tentam remediar na atualidade. Como foi analisado por Goldhagen (1997)

    no caso da Alemanha nazista, a questo da xenofobia no imposta na sociedade e sim

    despertada, por demandas e questes histricas adormecidas em cada sociedade. No caso

    nazista, diretamente ligado comunidade judaica daquele pas, colocados como os

    verdadeiros culpados pela misria do povo alemo, detentores da riqueza da nao,

    usurpadores do direito supremo do povo ariano.

    Somente esse alicerce possibilitou a ascenso e permanncia de Hitler no poder

    por tantos anos e criou os soldados sanguinrios que ele tanto necessitava para levar

    adiante seus projetos tenebrosos de uma sociedade superior. Somente a herana guerreira e

    orgulhosa da nao alem do perodo poderia possibilitar a plataforma ideal para o

    surgimento do nazismo. Mas mesmo no cerne deste evento traumtico, temos o despertar

    da Teoria Crtica por Horkheimer, Adorno, Pollock, Marcuse e tantos outros, analisando a

    formao desse sistema poltico repressivo e manipulador e as ferramentas desenvolvidas

    para tal feito.

    A simples lembrana que o modelo de marketing e propaganda disseminados pelo

    mundo ainda hoje so os modelos bsicos elaborados por Goebbels e seu Ministrio da

    Propaganda do partido nazista deve despertar no mnimo o medo da sociedade, se for

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    esclarecido a estes a dinmica manipulativa, mentirosa e leviana sobre questes de real

    importncia. As questes da intersubjetividade ainda no estavam em discusso no perodo

    da segunda guerra, o que cria um atenuante a uma populao submissa ao modelo de

    propaganda aqui colocado. No momento presente, essa construo de interlocuo das

    pessoas e a construo de uma personalidade independente de pensamento, emancipada

    ficam submetidas falta de anlise e reflexo, sem trazer o despertar coletivo

    comprometido. Mais adiante aprofundaremos essa questo.

    Ao fim da segunda guerra mundial, temos um novo foco de domnio mundial,

    deslocado para a Amrica do Norte, especificamente os Estados Unidos. Porm, um

    antagonista tambm se faz presente no momento de ausncia de liderana mundial, com

    metas completamente antagnicas e conflitantes, a Unio Sovitica. Este choque entre duas

    grandes potncias ir criar um novo cenrio de conflitos e delimitaes das esferas

    culturais, mais uma vez com interferncias diretas de um sistema de propaganda massivo e

    manipulador. A construo de imagens positivas e negativas relativa em funo da regio

    ao qual cada pessoa convive, no caso da Europa (principal cenrio deste embate virtual)

    entre a Europa Oriental e a Ocidental.

    Neste momento, as resistncias a essa linha de pensamento conformista e

    acomodado despertam e ganham fora em diversas regies. Os movimentos da

    contracultura criam novas bases contraditrias ao modelo proposto, causam rupturas e mal

    estar em uma sociedade moldada e engessada. Esse processo de pulverizao cultural

    possibilitar os movimentos de reafirmao e ascenso de grupos minoritrios e o

    multiculturalismo, como veremos adiante. Paralelo a isso, aumentam os movimentos

    emancipatrios e as ondas migratrias para os pases do primeiro mundo, gerando uma

    diversidade cultural indireta e a mudana de cenrio desta guerra, trazendo para dentro das

    metrpoles conflitos que somente existiam em suas colnias. Tal embate no pode ser

    vencido somente com armas neste momento, no sem ferir diretamente as prprias

    convices desses pases liberais.

    Algumas observaes devem ser colocadas sobre esse perodo da guerra fria, para

    no deixar o enfoque sobre a cultura desprendida no texto. Se politicamente Estados

    Unidos e Unio Sovitica divergem completamente, no aspecto cultural proposto pelo

    Estado e vendido sociedade notam-se semelhanas. Da mesma forma que o Estado

    sovitico buscava ditar as normas de conduta e o comportamento do trabalhador no seu dia

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    a dia, os Estados Unidos supostamente considerado o defensor da liberdade de igualdade

    e expresso vivia sob o regime do sistema fordista, ditando diretamente tambm a funo

    do trabalhador dentro e fora da fbrica, influenciando mesmo em seu lazer e momentos de

    folga.

    A diferenciao que pode ser notada a forma como a divulgao dessas

    informaes foi realizada por cada potncia. Enquanto que os norte-americanos presavam

    por divulgar abertamente as vantagens de um sistema capitalista liberal poderia

    proporcionar a vida das pessoas, os soviticos preferiam criar tal tipo de propaganda

    somente internamente, tornando a expresso cortina de ferro um cone do mistrio da

    sociedade socialista no perodo. Porm as dvidas, incertezas e busca de afirmao de cada

    indivduo, em qualquer sistema que vivesse naquele momento, eram as mesmas. A ruptura

    desse mundo bipolarizado coloca os Estados Unidos em uma posio de liderana, mas

    com uma complexidade cultural a qual impossvel a ele administrar e subjugar

    diretamente.

    Mesmo antes desse momento de ruptura, durante a dcada de 1970, quando

    comeam a surgir os primeiros movimentos de flexibilizao das relaes de trabalho, e

    como consequncia, das relaes sociais, j tiram das mos de qualquer pas a capacidade

    de controlar de forma efetiva a direo desejada sem percalos. Como discute Harvey

    (1993), surge uma incapacidade do fordismo e do keynesianismo para conter as

    contradies do capitalismo, como o aumento do desemprego, a diminuio do poder

    reivindicatrio da classe operria e outros problemas. Cria-se neste momento, alm do

    despertar da crise econmica mundial na forma de reao em cadeia, a direta interferncia

    na questo cultural. O indivduo ter que limitar ou delimitar seu campo de escolhas para

    usufruir diretamente ligando ao seu poder aquisitivo e de consumo, em uma esfera de

    escolhas cada vez menor ou criando condies de desejo e de compra que o tornem um

    refm do sistema econmico, miditico, consumista e de trabalho subdimensionado.

    O aumento da necessidade de consumo acompanha diretamente o avano

    cronolgico proposto na diviso deste trabalho, e ir culminar em seu momento mais

    grandioso aps o evento da bipolarizao mundial e o pleno domnio do neoliberalismo.

    Assim como as questes culturais, sociais e polticas iro se ampliar neste mesmo perodo,

    um consumismo desenfreado ir alimentar alguns anseios sociais, em uma espcie de

    suborno para silenciar tais demandas. Expandiremos tal debate a seguir.

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    OS NOVOS MOMENTOS CULTURAIS

    A construo de novos referenciais para a cultura um dilema sem explicaes

    racionais por envolver diferentes sociedades, etnias, comportamentos e indivduos, assim

    como a modificao de cada um destes quesitos exige um esforo enorme. Transformar

    toda uma sociedade como a ex-URSS em uma Rssia capitalista neoliberal gerou um custo

    alto tanto social como cultural, econmico e poltico. No se trata to somente de

    modificar as estruturas fsicas, a dinmica burocrtica ou a marca de um produto no

    supermercado, mas sim de gerar aceitao do indivduo. A transio de uma pessoa que

    reside na Rssia e passou por todo esse processo muito mais traumtica do que uma

    pessoa no mesmo perodo na Frana, por exemplo.

    Essas rupturas culturais ocorrem juntamente com o despertar de novos grupos

    afirmativos, elevao das minorias, representao efetiva das demandas, criando ento um

    mosaico cada vez mais diverso. Apesar de sua beleza aumentar, tambm se acresce a

    dificuldade de conseguir alocar corretamente todas as peas no tabuleiro e este o

    momento que o mundo globalizado passa hoje. Como evidencia Harvey (1993), temos uma

    sociedade fragmentada em grupos de interesse, gerando movimentos sociais assentados

    sobre novas bases (gnero, etnia, minoria, etc.). Este o paradoxo da sociedade ps-

    moderna para o autor.

    Outro fator de relevncia que deve ser exposto aqui o fator da individualizao

    do homem, da construo do cidado permeado pelo objetivo de defender unicamente seus

    interesses e desarticulado do grupo. Essa deformidade social um dos fatores chave para a

    concretizao do neoliberalismo e sua manuteno. Elias (1994) discorre sobre esse

    assunto, valendo-se da psicologia para buscar compreender a sociedade e o indivduo e

    sustentando a tese de que o processo de individualizao para a formao da sociedade

    moldado pela prpria sociedade.

    Na situao presente, pode-se dizer que Norbert Elias acertou no alvo, pois em

    uma sociedade do descarte temos a manipulao do gosto e da opinio atravs de

    publicidades e imagens da mdia com papel integrador das prticas culturais. O simbolismo

    toma um fator poderoso demais para ser abatido e a prpria imagem vendida como

    mercadoria. No se trata de um processo recente, porm os valores de troca sempre foram

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    simblicos em outros exemplos de sociedades menos complexas. No neoliberalismo, o

    imaginrio, o imaterial, o ilusrio e o smbolo todos so comercializados como

    mercadorias comuns, vendidos e no mais trocados, e com isso o empobrecimento das

    relaes culturais pode acontecer.

    Seguindo esse tipo de processo, uma problemtica que ir surgir justamente a

    integrao social, a relao indivduo-sociedade e a prpria constituio de uma nao.

    Justamente desta anomia social advm diversas mazelas da sociedade atual como a

    violncia, a depresso e o stress. Nesse ponto, a prpria biologia do indivduo acaba por

    refletir todo esse processo errneo de construo da pessoa. Uma imposio do habitus

    para a integrao no grupo, ou a condenao marginalizao social, como ocorre com

    diversos grupos, entre eles indgenas, nativos e minorias tnicas e culturais. Esse processo

    de deformao social reflete diretamente na cultura.

    Simmel (2006) busca uma teoria diferente da linha de Bourdieu, divergindo do

    pensador francs, onde analisa que a cultura objetiva (de fora do sujeito) em conflito com a

    cultura subjetiva geram os dilemas e as exigncias sociais e que tal interao permanente

    gera a sociedade. Para Simmel pensador que segue a escola alem sociolgica para qual

    individuo e sociedade esto no mesmo nvel de realidade o conflito o ordenador social,

    sendo que os homens possuem o instinto para se sociar. Bourdieu sempre busca a

    ordenao por grupos em harmonia e com objetivos comuns, fato que no efetiva troca de

    conhecimento para Simmel. A principal inquietao na contemporaneidade seria

    justamente o fato de cultura objetiva e subjetiva estarem to prximas em idealizao e

    com isso, a troca de experincias no se efetivar.

    Honneth (2003) tambm explora o lado conflitivo e emprico do ser para buscar

    uma explicao para o surgimento e desenvolvimento do indivduo. A troca de

    experincias so os meios necessrios e seminais na constituio de um ser social. A troca

    de informaes e simbolismos entre indivduo e sociedade torna-se a base para o despertar,

    amadurecimento e reconhecimento de um pelo outro. A valorao dessa troca de

    informaes danosa sociedade como escrito anteriormente, alterando o valor simblico

    e tambm o valor pessoal. Para Honneth (2003), que utilizou a anlise precisa do assunto

    de Hegel, a simples consolidao de um cdigo de direito que garanta ao indivduo seu

    reconhecimento e tambm sua insero na sociedade, pode explicar como essa sociedade

    evoluiu ao ponto atual. Sem tal reconhecimento, a individualidade no possvel e a

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    inventividade e heterogeneidade que a cincia necessita para seu avano no estariam

    presentes.

    Habermas criou uma separao entre experincias que Honneth ir abandonar

    na busca de uma explicao unificada o instrumental, que possibilita a reproduo

    material da sociedade e a comunicativa, que efetiva a reproduo simblica. Porm, a

    degenerao dessas duas esferas criou um impasse no trabalho de Habermas, na questo

    instrumental pela falta de racionalidade aplicada a uma sociedade que vive sob o julgo do

    capitalismo e com isso, da ausncia de reflexo do trabalho, e tambm na questo

    comunicativa em um sistema de indstria cultural manipulativa e corroda pelos interesses

    de seus controladores. A assimilao desse tipo de experincia proposta por Habermas

    passa a ser danosa e no positiva como o autor elaborou no incio de sua carreira. Acima

    deste pensador, um consenso da Escola de Frankfurt critica gravemente o que se

    convencionou denominar de cultura popular, como exemplificou Johnson (1997, p. 60):

    Membros da Escola de Frankfurt, por exemplo, argumentaram que a

    cultura popular banal, homogeneizada e comercializada e que entorpece

    a mente das pessoas, tornando-as passivas e fceis de controlar. Um

    argumento correlato diz que uma vez que controlada principalmente

    pelas elites (atravs da propriedade dos meios de divulgao de massa,

    por exemplo), a cultura popular tende a refletir seus interesses.

    Essa argumentao no mais vlida, principalmente pela mudana de definio

    das terminologias utilizadas, a cultura popular est representando uma viso diferenciada

    sobre a sociedade e sendo produzida diretamente pela populao, ou seja, no se trata mais

    de controle da mdia neste ponto. Evidente, o controle sobre informao e manipulao da

    mdia ainda presente, com novas frmulas e sob novas fachadas so de grande valia.

    Outro autor que deve ser considerado, principalmente por seu grande enfoque em

    temas correlatos cultura Benjamin (2000), por sua contribuio a esse debate. Sua

    crtica ao modelo de indstria cultural e o debate sobre a linguagem (grande preocupao

    do autor, pelo poder exercido por esse elemento nas sociedades).

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    O cerne da indstria cultural traz cdigos e modos de conduta normativos,

    direcionados a um controle social e auto coero do indivduo. A anlise crtica devia ser

    combatida para a prosperidade da estrutura vigente e como tal, a linguagem ser absorvida e

    aceita pela sociedade. Para Benjamin (2000) a importncia da linguagem na construo das

    relaes sociais, consumo, controle e da prpria formao de personalidade perpassam

    necessariamente pela imerso da linguagem nessas estruturas, ponto de partida e

    consolidadora.

    Esse um dos pontos centrais do trabalho do autor, ponto de inflexo com os

    demais estudiosos do tema e que traz a originalidade de sua obra. A busca pelo significado,

    o estudo meticuloso da linguagem e sua significncia, a importncia de transmitir uma

    mensagem e a compreenso e apreenso desta mensagem. Sua obra O Narrador (1994)

    traz a relevncia com que o autor tratava o assunto, assim como a relevncia da experincia

    narrativa.

    O entendimento no somente limitado pelas fronteiras lingusticas criadas pelo

    mundo moderno, como tambm pela apreenso da experincia vivida, o acmulo de

    sabedoria e a capacidade de retransmitir essa vivncia acrescida do seu prprio acmulo. A

    perda dessa narrativa no perodo moderno considerada por Benjamin (1994) como uma

    irreparvel perda no desenvolvimento humano e o consequente isolacionismo individual ao

    qual presenciamos.

    O prprio autor explicita a relevncia dessa construo humana, quando diz que

    experincias que deixam de ser comunicveis levam a um empobrecimento da prxima

    gerao. Para Benjamin (1994), as foras produtivas agem como o catalisador dessa

    extino. Sendo a narrativa um elemento diretamente ligado sabedoria, uma tendncia

    das sociedades alienadas aprofundar sua falta de anlise e estar submetido s condies

    impostas.

    Citando Valry (p. 206) 1 ... o homem de hoje no cultiva o que no pode ser

    abreviado.. Apesar da escrita no perodo da obra, tal afirmativa ainda mais vlida no

    sculo XXI. A abundncia de informaes, porm sem aprofundamento ou anlise objetiva

    da realidade, junto ao estrangulamento do tempo livre da sociedade, causaram essa

    limitao do discurso sobre a sociedade. A falta de detalhismo empobreceu o texto e

    1 Valry apub Benjamin, O Narrador (Ob. Cit.).

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    eliminou a criatividade e o estmulo do indivduo. Tal passividade coletiva facilita a

    coero auto imposta pelo capitalismo e mantm a estrutura da desigualdade levando ao

    pice da expropriao intelectual, laboral, de gnero e tnico. Torna-se tal desconstrutivo

    socialmente a ponto de rebelar conflitos internos a membros de uma mesma causa.

    Benjamin dialoga diretamente com o nosso tempo presente, o que demonstra que

    mudanas nos padres culturais da indstria de entretenimento pouco se modificaram para

    suprir as exigncias da sociedade, invertendo a frase em busca de explicitao, a sociedade

    no exigiu mudanas no padro de comportamento da indstria cultural ao longo de quase

    um sculo, em uma total ausncia de senso crtico ou de evoluo da prpria sociedade. A

    tecnicizao pelo qual o planeta passou no sculo XX no foi acompanhado por mudanas

    sociais e culturais, acarretando maior alienao da realidade e dos direitos e deveres aos

    quais o indivduo deveria participar. O isolacionismo de uma pessoa, em esferas de

    convvio cada vez menores traz grande interesse a um sistema consolidado no poder. Para

    Bourdieu (1989), somente atores sociais instveis e dissidentes so capazes de criar

    rupturas em estruturas consolidadas as quais o autor denomina campos de interesse, ou

    seja, atores sociais inertes proporcionam estabilidade ao campo presente.

    Konder (2003) aprofunda a viso de Benjamin no perodo presente, ligando-o

    tambm ao marxismo, citando que o autor possui influncia direta de Marx em sua obra,

    no entanto sem fontes claramente definidas. Seu pensamento dinmico e o afastamento

    linha tradicional da teoria crtica demonstram sua pluralidade. Busca ainda demonstrar o

    capitalismo como modelador de comportamento, persuasivo na realidade das sociedades

    atuais e de certa forma autossustentvel. O estudo desse organismo vivo que gerencia a

    realidade do mundo ocidental visa trazer alternativas a uma situao opressora e

    maquiadora do cenrio global, perpassando pela comunicao.

    Do pargrafo acima, a frase mais preocupante e complexa para mudanas o

    autossustentvel. Konder est definindo o padro de comportamento entre estes temos as

    culturas em todas as formas da realidade e observa que a estrutura de controle pode se

    manter no mesmo patamar, pois est assentado justamente sobre a base da sociedade,

    consolidado, apoiado e perpetuado. Este um fenmeno mundial, reflexo direto do sistema

    neoliberal instalado e da mdia de massa desinformativa. Esse analfabetismo social

    presente no indivduo amortece seu senso crtico objetivo sobre a realidade.

  • 12

    Acima disso, como coloca Camus (2001) em seu romance, a falta de identidade

    ganha novos dilemas ao tratarmos tambm da questo geopoltica, a ruptura de fronteiras

    polticas, a facilidade de deslocamento fsico, a miscigenao global e a mescla cultural

    disseminada para alm das resistncias, xenofobias e preconceitos. A necessidade de aes

    reafirmativas colocado como meta principal entre os pases, na busca de resgatar o senso

    de patriotismo, a elevao do Estado ao nvel de poder que presenciou em sculos

    anteriores e a restrio e controle que eram possveis em estruturas mais fechadas. No h

    presente uma ruptura nas esferas de influncia, como bourdiesianos gostariam de observar,

    mas sim uma permissividade em suas bordas, um processo osmtico que vem ocorrendo ao

    longo dos anos. A cultura no desaparece neste processo, pelo contrrio, ela migra

    juntamente com os indivduos e ganham novos territrios de interao.

    A ttulo de ilustrao, coloquemos o caso dos imigrantes ilegais mexicanos que

    residem e trabalham nos Estados Unidos. Este um caso emblemtico por no possuir

    respostas nos pensadores clssicos da sociologia e de outras reas do pensamento. Essa

    mo de obra irregular presente ilegalmente nos EUA seriam um problema ou uma

    necessidade? At mesmo responder essa pergunta no simples, pois existem aspectos

    positivos e negativos nesse trabalhador, tornando-se mesmo um embate entre os candidatos

    a presidncia do pas.

    Se por um lado cria-se o argumento negativo da vinda dos mexicanos ilegais,

    como por exemplo, usurpar postos de trabalho dos estadunidenses, no contribuir com os

    impostos e outros tributos ou mesmo criar regies de baixa renda e alto ndice de violncia;

    por outro lado, no se analisa claramente nenhuma das acusaes acima. O principal

    motivo da ida de mexicanos para trabalhar em solo norte americano justamente a falta de

    mo de obra pouco qualificada na regio e justamente por serem ilegais, recebem salrios

    bem abaixo dos outros trabalhadores, gerando uma crise de consumo, decorrente disso

    aumentando a chance de criar ncleos de violncia. Quanto aos gastos, da mesma forma

    que qualquer comprador, os ilegais esto pagando os impostos nas mercadorias que

    consomem e no possuem direitos sociais, ou seja, no h gastos com sade.

    Esse confuso dilogo acima mostra o quo intrincado o debate e a interconexo

    existente entre a necessidade e a negatividade do imigrante mexicano. Essa permissividade

    na sociedade norte americana no somente aceita como se faz necessria, para suprir

    carncias da estrutura produtiva. O contraponto a esse modelo corrupto de assimilao leva

  • 13

    como compensao a migrao cultural, a insero latina na sociedade estrangeira,

    costumes e crenas. Em estados como Califrnia e Flrida, o idioma espanhol representa

    quase 40% da fluncia e uso da lngua, assim como toda uma estrutura de bairros e cidades

    com influencia direta mexicana, cultos religiosos, datas festivas e outros. De uma forma

    minimalista, a cultura mexicana est inserida e faz parte da cultura dos EUA hoje.

    A busca de identificao cultural remete a estruturas no mais presentes, como os

    galeses no Reino Unido, os bascos na Espanha, os curdos no Iraque e os chechenos na

    Rssia e tambm gera atritos pela no aceitao ou mesmo pela necessidade de afirmao.

    Da mesma forma, a supresso desses movimentos tambm uma violncia contra a busca

    de identidade dessas sociedades, a fixao histrica com a regio e o confronto entre

    costumes to diversos. A expanso virtual do territrio para a internet funciona como

    alento para grupos sob a represso de naes consolidadas e ao contrrio do que poderia

    ser calculado, o fenmeno da globalizao serviu para fortificar tais movimentos.

    No caso brasileiro, ocorreu todo um processo de amortecimento e conformismo

    com situaes graves e relevadas pela histria e que passam hoje por um processo de

    reformulao e reafirmao cultural. O caso dos negros emblemtico, porm no nico,

    na tortuosa sociedade mestia que foi construda. Desprovidos de sua liberdade no incio

    do Brasil, sem direitos mesmo existncia ou reconhecimento de humanidade, tornaram-se

    as mquinas, as bestas responsveis por movimentar durante sculos a economia colonial,

    sob o consentimento direto da igreja catlica. Por outro lado, trazem consigo o seu

    territrio, sua frica dentro de cada indivduo e suas crenas, cultivadas em segredo,

    armazenadas em cada senzala.

    O processo histrico no consegue extirpar tais simbolismos e culturas, inverso a

    isso, torna agudo esse campo de influncia, aumenta o interesse dos mais prximos e

    consegue aclitos para a mesma causa e por fim, se expande de forma a no poder ser mais

    contido, por chibata, excomunho ou mesmo morte dessas pessoas. A raiz, que no traz tal

    nome em vo, sedimenta sua base em solo e no facilmente retirada sem causar grandes

    danos a toda regio em volta. De tal forma que, mesmo a igreja catlica no aceitando os

    cultos tradicionais africanos e seus costumes, traz elementos do mesmo para sua religio

    para atuar em um pas miscigenado e de maioria com ascendncia negra.

    A heresia existe pelas normativas ditadas pelo Vaticano, desde que a resistncia

    das regies no seja danosa a sua esfera de poder, como ocorreu no Brasil e tambm em

  • 14

    outras regies do mundo como ndia, China, Japo e outros. A corroso de estruturas

    estticas e inflexveis acelerada, cada vez mais em uma sociedade global com acesso

    irrestrito a informao, comunicao e independncia. Da mesma forma que a busca por

    controle da cultura de massa tenta se expandir, assim o faz tambm a resistncia contra

    esses grupos e o conflito ser acirrado no campo da cultura e dos simbolismos. Comprar

    um chocolate Hersheys um prazer que muitas pessoas pelo globo fazem todos os dias,

    desde que no saibam que a produo dessa guloseima se vale de trabalho escravo de

    crianas na frica para a produo de parte do cacau que consome. Exemplos so

    inmeros para ilustrar o conflito velado que os indivduos tero em futuro prximo.

    As cincias sociais, por muitas vezes, so colocadas como relutantes a mudanas,

    avanos, melhorias ou fatores que modifiquem drasticamente as estruturas funcionais da

    sociedade e das pessoas. No se trata exatamente disso e sim uma questo de avaliao

    crtica sobre as propostas apresentadas e o preo a se pagar por cada uma dessas mudanas.

    Qualquer indivduo ir agradecer por comprar uma camiseta de boa qualidade por um

    preo menor, mas ficar satisfeito ao descobrir que fora elaborada por mo de obra

    explorada em condies sub-humanas? Se continuar ainda sim avaliando como positiva

    sua aquisio, este um cenrio de uma sociedade enferma e carente de mudanas

    urgentes.

    A degenerao cultural, social e poltica em detrimento de uma economia

    diversificada, globalizada e dinmica j demonstra seus erros, a busca por homogeneizao

    traz um risco que alguns pases j comeam a repensar. Em um cenrio de total

    competio, de total ausncia de diferenciao, de normalizao e padronizao, uma

    nao como a Frana, com seu padro cultural e estilo de vida dever se igualar a China

    para competir com suas mercadorias, com salrios menores, direitos restritos e

    oportunidades limitadas. Esse o preo econmico a se imaginar, por outro lado e o custo

    social de tal deciso? O bero das grandes diretrizes da sociedade moderna poderia vir a

    ser o crcere da razo.

    A resistncia desses ncleos culturais traz um mnimo de esperana para a

    construo de reformulaes sociais, sobre aceitao, mudana, reestruturao ou mesmo

    assimilao, no como forma de negao e sim como incorporao, acrscimo em um

    cenrio cinzento da realidade.

  • 15

    CONSIDERAES FINAIS

    O despertar cultural que ocorreu no mundo aps o perodo da guerra fria deve ser

    considerado um dos maiores avanos das sociedades ps-modernas ou contemporneas,

    dependendo da anlise do leitor. Expanso, diversificao e avanos significativos nas

    melhorias de direitos das minorias antes excludas. No se trata do pice e nem de uma

    regra homognea em todos os pases, mas o desenrolar deve avanar nesta direo.

    A busca por identidade e reconhecimento perpassa por um conjunto de fatores a

    serem elaborados e assimilados por cada indivduo relativo ao grupo em que convive. Nem

    sempre esse mesmo grupo consegue expressar claramente seus anseios para os outros

    grupos, como etnias e minorias dentro de outras naes, contudo essa realidade teve grande

    mudana no sculo XXI e at mesmo os mais tradicionalistas como o Oriente Mdio passa

    por transformaes sociais nunca imaginadas.

    Independentes dos modelos tericos a serem utilizados para criar uma nova

    perspectiva da cultura e sua divulgao pelo mundo alguns fatores em comum devem ser

    considerados: cicatrizes como a extino de sociedades inteiras, como ocorrido nos

    processos de colonizao europeia, no so mais aceitas pela sociedade, independente do

    tipo de organizao poltica e cultural que possa existir; preconceitos, xenofobias e crimes

    raciais de qualquer tipo so passveis de punio legal na maior parte do planeta, na

    tentativa de proteger comunidades que j viverem sob a gide da submisso; a divulgao

    de informaes um processo instantneo, o que dificulta qualquer tentativa de ocultar

    aes que sejam de interesse sociedade; entre inmeros outros casos.

    As mudanas sociais ocorridas no decorrer do sculo XXI tentam adequar

    estruturas e costumes a um novo projeto de desenvolvimento humano, mais rpido e com

    maior acesso a informao. No um processo uniforme, como j dito, mas tenta alcanar

    patamares que no seriam cogitados anteriormente. Um fator relevante para isso a

    cultura, onde a adequao e aceitao mtua sero necessrias para a afirmao e

    reafirmao de todas as sociedades.

  • 16

    BIBLIOGRAFIA

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