Pós-positivismo- A Versão Pragmática de Posner

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  • 117 Revista Direito e Liberdade-RDL - ESMARN - v. 15, n. 3, p. 117140 set/dez. 2013.

    ISSN Impresso 1809-3280 | ISSN Eletrnico 2177-1758 www.esmarn.tjrn.jus.br/revistas

    PS-POSITIVISMO: A VERSO PRAGMTICA DE POSNER

    POST-POSITIVISM: POSNER'S PRAGMATIC VERSION

    Orlando Luiz Zanon Jnior*

    RESUMO: O referente deste texto consiste em apresentar as contribuies da proposta ps-positivista chamada Direito e Economia ou Anlise Econmica do Direito, desenvolvida por Richard Allen Posner, com perfil pragmatista, para superao dos problemas do paradigma do Positivismo Jurdico. A referida proposio tem vis cotidiano (e no filosfico), com suporte em elementos extrados do evolucionismo de Charles Robert Darwin, do realismo jurdico norte-americano e das teorias comportamental (behaviorismo) e econmica (dentre outros estudos interdisciplinares). Sua pretenso demonstrar como realmente so (e mesmo devem ser) as prticas jurdicas dos Estados Unidos da Amrica. Palavras-chave: Ps-positivismo. Teoria do Direito. Cincia Jurdica.

    ABSTRACT: The main theme of this text is to present the contributions of the post-positivist theory called Law and Economics or Economic Analysis of Law, developed by Richard Allen Posner, with a pragmatic view, to overcome the problems of the paradigm of legal positivism. This teoric proposition is not philosophical, and takes it's support from Darwin's Evolucionism, north american realism, behaviorist theories and the economic schools. It's objetive is to show how the United State's legal practices function. Keywords: Post-positivism. Legal Theory. Legal Science.

    SUMRIO: 1 INTRODUO; 2 CONSIDERAES PROPEDUTICAS; 3 CARACTERSTICAS DO PRAGMATISMO JURDICO; 4 CONCLUSO; REFERNCIAS.

    1 INTRODUO

    O objetivo deste texto apresentar as principais contribuies de Richard Allen Posner quanto proposio de uma nova matriz disciplinar para Cincia Jurdica, para superao dos modelos juspositivistas de Norma, Ordenamento, Fontes e Deciso Judicial.

    Com efeito, j pode ser considerado lugar comum o argumento de que o modelo do Positivismo Jurdico se encontra em crise, quanto s suas principais caractersticas. Tal assunto, inclusive, j foi abordado em uma trade de artigos anteriormente publicados, consistente nos textos A Revoluo na Teoria do Direito1, A Centralidade Material da

    * Doutor em Direito pela Universidade do Vale do Itaja Univali. Dupla titulao de Doutorado pela Universit

    Degli Studi di Perugia Unipg/Itlia. Mestre pela Universidade Estcio de S Unesa. Juiz de Direito. Porto Unio Santa Catariana Brasil.

    1 ZANON JNIOR, Orlando Luiz. A revoluo na teoria do direito. mbito Jurdico, Rio Grande, n. 103,

    2012. Disponvel em: . Acesso em: 15 out. 2012.

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    Constituio2 e A Complexidade da Norma Jurdica3, nos quais se analisou os principais problemas do modelo juspositivista. Naqueles artigos, foi argumentado no sentido da necessidade de retificao da matriz disciplinar da Cincia Jurdica, com o escopo de superar os cinco principais vcios do paradigma juspositivista, consistentes na separao entre Direito e Moral, na formao do Ordenamento Jurdico exclusivamente (ou prevalecentemente) por Regras positivadas, na construo de um sistema jurdico escalonado s pelo critrio de validade formal, na aplicao do Direito posto mediante subsuno e na discricionariedade judicial (judicial discretion ou interstitial legislation) para resoluo dos chamados casos difceis (hard cases).

    Prosseguindo nesta linha de pesquisa, cabe apreciar as proposies dos estudiosos que esto dispostos a desenvolver uma alternativa para a Teoria do Direito, coletivamente chamados de ps-positivistas. Dentre eles, figura o jurista cuja obra objeto de anlise neste artigo cientfico, que se empenhou em apresentar uma teoria pragmtica de adjudicao jurisdicional, chamada de Direito e Economia (Law and Economics) ou de Anlise Econmica do Direito (Economic Analysis of Law).

    Assim, na primeira seo, sero traadas algumas consideraes preliminares acerca dos estudos do autor. Na segunda parte, mais substancial, efetua-se a apresentao das principais caractersticas da teoria de Posner, com vista ao esclarecimento das peculiaridades que identificam esta proposio de base disciplinar, nos aspectos mais importantes para o cientista jurdico. Em sede de concluso, por fim, sero sintetizadas as contribuies do autor quanto s teorias da Norma, do Ordenamento, das Fontes se da Deciso.

    Quanto metodologia empregada, registra-se que, na fase de investigao foi utilizado o mtodo indutivo, na fase de tratamento de dados o cartesiano, e, o texto final foi composto na base lgica dedutiva. Nas diversas fases da pesquisa, foram acionadas as tcnicas do referente, da categoria, do conceito operacional e da pesquisa bibliogrfica4. Ademais, muito importante destacar que as referncias ao modelo juspositivista partem do estudo previamente elaborado acerca das proposies teorticas de Kelsen e de Hart, exposta nos textos antes mencionados nesta Introduo.

    2 ZANON JNIOR, Orlando Luiz. A centralidade material da constituio. mbito Jurdico, Rio Grande, n. 95,

    2011. Disponvel em: . Acesso em: 01 dez. 2011 3 ZANON JNIOR, Orlando Luiz. A complexidade da norma jurdica. mbito Jurdico, Rio Grande, n. 101,

    2012. Disponvel em: . Acesso em: 02 jun. 2012. 4 PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. 12. ed. So Paulo: Conceito, 2011.

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    2 CONSIDERAES PROPEDUTICAS

    Richard Allen Posner, professor da University of Chicago Law School e juiz-presidente do Tribunal de Apelaes do Stimo Circuito da justia federal norte-americana, desenvolveu uma teoria pragmtica de adjudicao jurisdicional chamada de Direito e Economia (Law and Economics) ou de Anlise Econmica do Direito (Economic Analysis of Law), de vis cotidiano (e no filosfico), com suporte em elementos extrados do evolucionismo de Charles Robert Darwin, do realismo jurdico norte-americano e das teorias comportamental (behaviorismo) e econmica (dentre outros estudos interdisciplinares), para demonstrar como realmente so (e mesmo devem ser) as prticas jurdicas dos Estados Unidos da Amrica5.

    O contedo nuclear do pensamento de Posner, quanto s teorias da Norma, das Fontes e da Deciso Jurdicas pode ser extrado, no que importa para o referente da presente pesquisa, dos livros Direito, Pragmatismo e Democracia6, Problemas de Filosofia do Direito7, Fronteiras da Teoria do Direito8, A Economia da Justia9 e Para Alm do Direito10. Entretanto, antes de inaugurar a anlise das principais caractersticas de sua teoria jurdica, interessa assinalar preliminarmente alguns aspectos de sua posio poltica, apenas nos pontos em que relevantes para auxiliar a compreenso da estrutura lgica de seu pensamento acerca do Direito.

    Assim, inicialmente, cabe assinalar que Posner produziu o seu modelo focado no sistema jurdico consuetudinrio norte-americano (common law ou judge made law), no qual os precedentes judiciais possuem elevada importncia, porquanto os argumentos que deles podem ser extrados determinam a atividade jurisdicional (stare decisis ou case law), de modo que devem ser levados em considerao quando se apresentarem novos casos estreitamente similares (precisely similar) aos anteriores. Segundo a doutrina estrita dos precedentes, a fora gravitacional das decises anteriores vinculante, mesmo quando o magistrado entende que esto equivocadas, e, de outro lado, a verso atenuada admite a possibilidade de a

    5 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 38-39: Essa argumentao, acrescento, ao mesmo tempo positiva e normativa isto , ao mesmo tempo descritiva e valorativa. Argumento que o direito norte-americano realmente , e deve ser, pragmtico, e que pode ser aperfeioado por uma maior conscincia de sua natureza pragmtica.

    6 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b.

    7 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007.

    8 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011.

    9 POSNER, Richard Allen. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, 2010a.

    10 POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009.

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    jurisdio suplantar a orientao pretrita, acaso seja suficientemente errada11. De qualquer modo, independentemente da doutrina adotada (estrita ou atenuada), os fundamentos adotados pela Jurisprudncia so to relevantes no padro jurisdicional norte-americano que, para alguns, os dispositivos normativos produzidos pelo legislador so considerados anormais ao sistema, sendo melhor assimilados somente depois de interpretados pelo tribunais12. Tais peculiaridades do common law discrepam das caractersticas mais comumente compartilhadas pelos sistemas enquadrados no padro europeu continental (civil law ou code based legal system), a exemplo do alemo e do brasileiro, principalmente quanto ao aspecto preponderante da legislao escrita e ausncia de fora vinculante da generalidade das Decises judiciais. Por isto, ao se analisar a teoria jurdica do autor ora sob foco, preciso ter em mente que, no sistema jurdico que ele toma em considerao para suas proposies, os argumentos que fundamentam os precedentes judiciais figuram como Fontes Jurdicas determinantes, em paralelo ao Direito legislado (statutes) produzido pelo parlamento13.

    Quanto ao sistema jurdico norte-americano, cabe acrescentar o esforo de leitura realista de Posner, no sentido de descrev-lo como um ambiente caracterizado pela impetuosidade, competitividade e objetividade comercial, notadamente marcado pelo materialismo filistino (expresso provavelmente empregada pelo autor no sentido figurado, como sociedade majoritariamente inculta e vulgar, com interesses econmicos despidos de vocao intelectual)14. Em tal cenrio, as capacidades de raciocnio adaptativo assumem

    11 DWORKIN, Ronald. O imprio do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 30-31: Os juristas britnicos e norte-americanos falam da doutrina do procedente; referem-se doutrina segundo a qual decises de casos anteriores muito semelhantes a novos casos devem ser repetidas nestes ltimos. Estabelecem, contudo, uma distino entre aquilo que poderamos chamar de doutrina estrita e doutrina atenuada do precedente. A doutrina estrita obriga os juzes a seguirem as decises anteriores de alguns outros tribunais (em geral de tribunais superiores, mas s vezes no mesmo nvel de hierarquia dos tribunais de sua jurisdio), mesmo acreditando que essas decises foram erradas. [] Por outro lado, a doutrina atenuada do precedente exige apenas que o juiz atribua algum peso a decises anteriores sobre o mesmo problema, e que ele deve segui-las a menos que as considere erradas o bastante para suplantar a presuno inicial em seu favor.

    12 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdio constitucional e hermenutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 320.

    13 STRECK, Lenio Luiz. Jurisdio constitucional e hermenutica. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2003, p. 298-301; DWORKIN, Ronald. O imprio do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 123: O precedente tambm ocupa um lugar importante em nossas prticas: as decises passadas de tribunais contam como fontes de direito. Assim, toda concepo competente deve oferecer alguma resposta questo de por que uma deciso judicial do passado deve, em si mesma, oferecer uma razo para um uso semelhante do poder de Estado por parte de outras autoridades no futuro.

    14 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 38-39; POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 206: Vivemos na era da 'poltica ordinria', uma atividade srdida ou na melhor das hipteses inspida, dominada por grupos de interesse e marcada pela troca de favores, pelo lobismo, pelo suborno indireto, pela falsidade ideolgica e pelo egosmo em geral.

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    preponderncia, como a inteligncia calcada na astcia, na trapaa e na fraude inequvoca, sem reflexo tica15. Sem embargo, tais qualidades so imprescindveis para o sucesso num contexto jurisdicional cnico e quase teatral, onde o importante convencer para fazer prevalecer determinadas teses, mediante o emprego de mtodos retricos, em detrimento da sincera busca pela verdade16, a exemplo daqueles expedientes conversacionais inicialmente desenvolvidos pelos sofistas gregos, os quais considera os precursores dos pragmatistas17. Sob esta tica, o pragmatismo legal simptico concepo sofista e aristotlica de retrica como modo de raciocnio jurdico18. Neste contexto, os lderes norte-americanos, principalmente democratas, assumem uma postura mais assemelhada a um corretor ou empresrio do que a um pensador acadmico, haja vista que se destacam como experientes manipuladores, estrategistas, mentirosos e aduladores, capazes de fazer negociaes sujas de pacote fechado com desprendimento de princpios de vis moral19. E, mesmo quando possuem notvel formao acadmica (o que certamente coloca novas ferramentas argumentativas sua disposio), ainda assim no garantida uma mudana comportamental, pois a educao uma coisa boa, mas no melhora o carter20. Diante deste quadro, ainda que alguns otimistas possam se sentir chocados com a mencionada descrio da realidade (em que pese a preciso em muitos pontos), ou mesmo ressentidos com a postura do autor em

    15 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 21: Um outra coisa que estranha sobre o protagonista, e os valores implcitos, da Odisseia, do ponto de vista ortodoxo que Odisseu no um heri convencional, do tipo descrito na Ilada. Ele forte, corajoso e habilidoso na luta, mas no nenhum Aquiles (que tinha uma me divina) ou mesmo Ajax, e se apoia na astcia, na trapaa e na fraude inequvoca num nvel incomparvel com o que concebemos como herosmo ou com a descrio de herosmo na Ilada. Seu trao dominante a habilidade para se adaptar ao ambiente e no se impor pela fora bruta. Ele o personagem mais inteligente na Odisseia, mas sua inteligncia totalmente prtica, adaptativa. Diferentemente de Aquiles na Ilada, que dado reflexo, principalmente pela prpria tica heroica, Odisseu pragmtico.

    16 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 22: O tom pragmtico comeou a assumir uma forma filosfica com os filsofos pr-socrticos e uma forma demtica na prtica da democracia ateniense. [] Os sofistas, cujo papel, como o dos advogados modernos, era o de persuadir os cidados a escolher um lado ou o outro das disputas polticas e legais, no estavam interessados em descobrir a verdade. Estavam interessados em escrever recursos persuasivos para a compreenso imperfeita, as opinies e at os prejuzos, de plateias especficas.

    17 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 9: Para o pragmatista cotidiano, assim como para os sofistas da Grcia Antiga, com quem se parece (eles fazem parte de seus ancestrais), teorias morais, polticas e jurdicas tm valor s como retrica, no como filosofia.

    18 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 47.

    19 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 129-130: As qualidades necessrias num estadista ou outro lder esto mais prximas das de um corretor, vendedor, ator ou empresrio do que das de um acadmico. [] Eles so estratgicos e interpessoais manipuladores, coercitivos psicolgicos e at mesmo teatrais. [] A tica da responsabilidade poltica exige uma vontade de se comprometer, de sujar as mos, adular, lisonjear, iludir e mentir, fazer negociaes inescrupulosas de pacote fechado e, assim, abrir mo da autossatisfao altiva que decorre da pureza e devoo consciente aos princpios. Essas so as qualidades de todos os polticos, mas particularmente dos democratas.

    20 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 86.

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    exame ao tratar do tema, relembra-se que, como ele prprio afirmou, motivaes ou carter no desmerecem a anlise, de modo que rejeitar uma boa ideia por causa de sua origem prejudicar a si prprio para vingar-se de algum21.

    Tambm preliminarmente, importa assinalar a contrariedade de Posner com relao aos estudos puramente acadmicos, despreocupados de sua aplicabilidade prtica, os quais classifica como inteis, haja vista seu posicionamento no sentido de que a academia tem a funo social de produzir material terico efetivamente til Sociedade22. O autor no desmerece a filosofia jurdica, que considera o ramo de estudo das questes mais basilares do Direito23, porm, entende que ela deveria estar focada na anlise da realidade24. Segundo ele, os pragmatistas querem um direito mais emprico, mais realista, mais sintonizado com as necessidades reais de pessoas reais, porm, de outro lado, seria um erro afirmar, como corolrio, que os estudiosos do direito deveriam rejeitar toda teoria, devendo apenas evitar as investigaes empricas de m qualidade25. Com efeito, para ele, os Juristas acadmicos deveriam deixar de procurar verdades objetivas sabidamente inatingveis, relacionadas com as definies de categorias altamente abstratas como Moral, justia, igualdade e liberdade, para, ao invs disto, dedicarem-se a produzir o conhecimento necessrio para que os juzes,

    21 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 140.

    22 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b. p. 61-62.Os tipos de teoria de que os pragmatistas legais desgostam no esto limitados teoria filosfica abstrata. Eles incluem a teorizao no nvel mais baixo, mas ainda abstrata que os professores de direito constitucional adoram, na qual as decises so avaliadas por referncias a abstraes comuns no discurso sobre direito, como imparcialidade, justia, autonomia e igualdade. Os pragmatistas pensam que se a questo constitucional , digamos, se os filhos de imigrantes no naturalizados devem ter direito educao gratuita, ou se o gasto por aluno na educao pblica deve ser igualado em todos os distritos escolares ou se deve ser permitido rezar nas escolas pblicas, o advogado constitucional deve estudar educao, imigrao, finanas e religio em vez de inalar os vapores intoxicantes da teoria constitucional para melhor manipular slogans vazios (como 'o muro da separao [entre Igreja e Estado]) e vcuos que imploram pelo questionamento (como 'igualdade' e 'direitos fundamentais'). Que pessoa sensvel seria guiada em tais assuntos difceis, contenciosos e ligados a fatos por um filsofo ou por seu professor de direito? Em suma, a objeo do pragmatista no teoria, mas m teoria, teoria intil, e concesso do ttulo honorfico de 'teoria' retrica formalista.

    23 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. XI: 'Filosofia do Direito significa, para mim, o plano de anlise mais fundamental, geral e terico do fenmeno social chamado direito.

    24 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. XIII: Defendo uma filosofia do direito que seja crtica do formalismo (menos pejorativamente, do legalismo tradicional) e tenha afinidades com o realismo jurdico, desde que despojado da poltica de centro-esquerda que caracterstica desse movimento e de sua descendncia. Refiro-me a uma filosofia do direito que, como o realismo jurdico, faz uso da filosofia do pragmatismo (ainda que no apenas desta filosofia) mas que, ao contrrio de algumas verses do realismo jurdico, procura desmistificar o direito sem denegri-lo ou sataniza-lo. E, tambm, POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009. p. 468-492, especialmente p. 469: No pretendo desacreditar os clssicos da filosofia. Nestes, podemos encontrar intuies extraordinrias sobre a personalidade e o dilema humanos. Eles desafiam os dogmas estabelecidos, atravs da afirmao insistente de que buscamos justificar at nossas crenas pessoais mais profundas.

    25 POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 20.

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    advogados e legisladores possam operar um sistema jurdico moderno26. um problema o fato de que, nos ltimos anos, esses professores, sobretudo nas universidades de maior prestgio, vm se distanciando cada vez mais do lado prtico da profisso27. Para ele, acaso os cientistas do Direito no se dedicarem a tal tarefa, pesquisadores de outras reas de estudo no podero faz-lo de forma completa e adequada, inviabilizando o aperfeioamento da Cincia Jurdica28.

    Entre os focos de estudos que Posner classifica como inteis, encontram-se justamente as pesquisas sobre moralidade poltica, mormente de cunho formalista, sob o argumento de que se trata de material terico irrelevante para a funo retrica e decisria dos juzes, advogados e legisladores norte-americanos29. Tal crtica, inclusive, j lhe rendeu um intenso (e acalorado) debate com Dworkin, bem ilustrado na obra A Justia de Toga (e esparsamente nos livros ora em anlise)30. Para Posner, os mtodos da filosofia moral e poltica no so poderosos o bastante para solucionar os debates morais que afetam profundamente as pessoas, nem para oferecer bases slidas para os julgamentos legais depois de t-los resolvido31. Assim, segundo ele, o terico moral ou poltico pertence classe dos intelectuais, que tendem a ficar alienados da vida e do pensamento cotidiano americanos32. O escritor prefere, alternativamente, uma filosofia de vertente pragmtica, envolta em pesquisas com virtudes cientficas, que visa a investigao experimental de temas com importncia prtica, de modo a ser capaz de dar forma ao futuro33.

    26 POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 9: O pragmatista duvida sobretudo da capacidade da filosofia analtica e de seu irmo gmeo, o raciocnio jurdico, para a determinao de deveres morais e direitos legais.

    27 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 242. Ver tambm: POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 96-109

    28 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 626: A academia no produz o conhecimento de que juzes, advogados e legisladores necessitam a fim de operar um sistema jurdico moderno, e no existe outra instituio capaz de produzi-lo. A menos que essas graves deficincias do direito acadmico sejam sanadas, os programas ambiciosos de se aperfeioar o direito esto condenados ao fracasso.

    29 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 466: Como j deve estar claro a esta altura, vejo com ceticismo a possibilidade de que a filosofia moral tenha muito a oferecer ao direito em termos de respostas a questes jurdicas especficas, ou mesmo de suporte em geral.

    30 DWORKIN, Ronald. A justia de toga. So Paulo: Martins Fontes, 2010.

    31 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 472.

    32 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 110.

    33 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 40: A vertente pragmtica que adota enfatiza as virtudes cientficas (a pesquisa feita com imparcialidade e seriedade), coloca o processo de investigao acima dos resultados das pesquisas, prefere a efervescncia imobilidade, rejeita as distines que no fazem diferena prtica em outras palavras, rejeita a 'metafsica' v com olhar duvidoso a descoberta de 'verdades objetivas' em qualquer campo de pesquisa, no tem interesse em criar uma base filosfica adequada para seu pensamento e ao, aprecia a experimentao, gosta de desafiar as vacas sagradas e nos limites da prudncia prefere dar forma ao futuro a manter-se em

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    Como ltima considerao propedutica, importa apresentar o conceito de democracia adotado por Posner, o qual expressamente baseado na construo terica do economista Joseph Alois Schumpeter34. O autor sustenta que h dois conceitos bsicos de democracia, sendo que o primeiro (Democracia no Conceito 1) se refere s verses da chamada espcie deliberativa, caracterizada por ser idealista e terica, enquanto o segundo (Democracia no Conceito 2) diz respeito a uma aproximao com a modalidade elitista, que descreve um sistema de busca pelo poder poltico como uma competio por votos, de forma cnica e pragmtica35. O escritor em tela entende que a primeira verso meramente utpica36, enquanto a segunda descritiva e normativamente superior, ou seja, melhor representa a realidade e mais adequadamente expressa os anseios democrticos dos norte-americanos.

    Segundo a leitura de Posner da democracia de elites de Schumpeter, a populao no governa, mas tem a prerrogativa de escolher quem ir governar37. Em razo de tal poder de escolha estar nas mos do povo, as pessoas com maior capacidade e melhor aptido para governar38, ao invs de se imporem pela fora (como seria da natureza humana, haja vista que

    continuidade com o passado. 34

    POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 138: A democracia no Conceito 2 essencialmente um conceito de Schumpeter, apresentado em 1942 em seu livro Capitalismo, socialismo e democracia.

    35 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 101: O primeiro, que chamo de 'Democracia no Conceito 1', um termo que pretende denotar as verses mais grandiosas de 'democracia deliberativa' e foco desde captulo, pode ser descrito de forma variada como idealista, terico e com uma viso de cima para baixo. O segundo, 'Democracia no Conceito 2', uma aproximao teoria da 'democracia de elites' de Joseph Schumpeter, realista, cnico e com uma viso de baixo para cima. Meu termo preferido para o Conceito 2 , sem dvida, pragmtico. [] O Conceito 2 assume o papel central no prximo captulo, onde defendo que no apenas uma descrio mais exata da democracia americana do que o Conceito 1, como muitos defensores do Conceito 1 reconheceriam, mas que tambm normativamente superior.

    36 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 128: O Conceito 1 , em suma, utpico. E, p. 82: Com metade da populao tendo um QI abaixo de 100 (no entanto, um ponto que o prprio Dewey, um liberal, um 'wet', no se sentiria confortvel em tocar), com as questes confrontando o governo moderno altamente complexo, com pessoas comuns tendo to pouco interesse em questes polticas complexas quanto aptido para elas, e com os candidatos que as pessoas elegem fustigados por grupos de interesses e as presses por eleies competitivas, seria irrealista esperar que boas ideias e polticas sensveis emerjam da desordem intelectual que a poltica democrtica por um processo adequadamente expressado como sendo deliberativo.

    37 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b. p. 137: A democracia no conceito 2 tem a ver com escolher lderes em vez de escolher polticas.

    38 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 84: Na democracia representativa, as pessoas no governam, apesar de decidirem que governar. Os governantes so representantes polticos selecionados numa competio eleitoral entre concorrentes que no so, de forma alguma, homens e mulheres comuns, mas pertencentes a uma elite de inteligncia, sagacidade, conexes, carisma e outros atributos que os capacita para se apresentarem ao pblico de maneira plausvel como sendo 'os melhores'. Por seu lado, eles nomeiam subordinados que ficam ainda mais distanciados em valores e pontos de vista do pblico em geral.

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    os lobos sobrepem os cordeiros em todas as sociedades)39, embrenham-se em uma competio poltica pela maioria dos votos. Aps assumirem o poder, os polticos vencedores procuram adequar seu governo opinio pblica40, embora seu impulso natural seja de satisfazer seus prprios interesses, haja vista que tm o objetivo de serem reeleitos ou de no perderem seus mandatos por alguma forma de impedimento41. Em geral, a populao se encontra satisfeita com tal modelo poltico (de quase representao), haja vista que pode se dedicar tarefa produtiva e ao lazer, de modo a promover o desenvolvimento econmico do pas, sem ter que se preocupar em obter grandes esclarecimentos sobre polticas pblicas, as quais so delegadas para os polticos profissionais42.

    Tal teoria de democracia de elites, ou simplesmente pragmtica, expressamente endossada por Posner, por entender que, a um, descreve melhor a realidade norte-americana e, a dois, trata-se de um modelo voltado para tomada de aes com bases em consequncias reais, com a participao (dentro da medida do possvel) da grande maioria da populao, evitando que o governo esteja lastreado em conceitualismos, crenas ou slogans43. Alis, cabe

    39 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 142: Em particular, h em toda sociedade uma classe de (na maioria) homens, que esto bem acima da mdia em ambio, coragem, energia, obstinao, ambio, magnetismo pessoal e inteligncia (ou sagacidade). Em outras palavras, a sociedade composta por lobos e cordeiros. Os lobos so lderes naturais. Eles chegam ao topo em todas as sociedades. O desafio para poltica apresentar caminhos para o topo que impeam que os lobos escorreguem para a violncia, a usurpao, a conquista e a opresso, para ganhar seu lugar ao sol.

    40 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 141: A democracia americana possibilita que a populao adulta, a um pequeno custo de tempo, dinheiro ou distrao de ocupaes particulares, comerciais ou outras, puna pelo menos os erros flagrantes e abusos de autoridade do funcionalismo, para garantir uma sucesso ordenada de funcionrios e representantes pblicos ao menos minimamente competentes, para gerar feedback para estes em relao s consequncias de suas polticas, para evitar que ignorem (ou puni-los por ignorar) inteiramente os interesses dos governados e evitar srios alinhamentos errneos entra a ao do governo e a opinio pblica.

    41 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 111: Desta histria e de suas observaes da natureza humana e das instituies sociais, esses pragmatistas inferem que a democracia no Conceito 1 inopervel. [] Os democratas no Conceito 2 rejeitam 'a idealizao pueril da 'conversao infinita'' juntamente com a concepo do interesse pblico do estado. Eles vem a poltica como uma competio entre polticos que buscam o interesse prprio, constituindo uma classe dirigente, para o apoio do povo, que tambm se pressupe buscar seus prprios interesses, no estando nem um pouco interessados na poltica ou bem informados a respeito dela. A democracia conforme retratada pelos democratas no Conceito 2 no autogoverno. o governo por representantes oficiais que so, no entanto, escolhidos pelo povo e que, se no atenderem s expectativas, so afastados pelo povo no final de um mandato curto fixo e limitado.

    42 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 87: Um forte interesse pela poltica, principalmente numa sociedade heterognea, fomenta conflitos de vises de mundo e valores fundamentais, que so dolorosos, divisivos e consomem tempo e energia, conflitos que valem mais ser deixados latentes e inarticulados. [] Uma outra razo para no querer elevar a conscincia poltica da populao norte-americana que mesmo as pessoas educadas e cultas acham difcil analisar profundamente questes distantes de suas preocupaes imediatas. As pessoas que votam com base em seu prprio interesse esto pelo menos votando em algo que sabem de primeira mo, suas prprias necessidades e preferncias. Tenha cuidado com os eleitores com preocupao muito elevadas.

    43 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 2: A

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    anotar que, para o autor em tela, a democracia dos Estados Unidos da Amrica o mais bem-sucedido exemplo de sistema poltico j concebido, desde o antigo Imprio Romano44.

    2 CARACTERSTICAS DO PRAGMATISMO JURDICO

    Feitas essas observaes iniciais, o primeiro ponto de destaque da teoria sob foco diz respeito justamente sua clara vinculao com a vertente pragmatista (ou pragmtica, haja vista que o autor no diferencia os termos), porm, num sentido cotidiano (e, assim, no filosfico). Alis, as caractersticas peculiares do Pragmatismo Jurdico recomendam que seja enquadrada como uma corrente autnoma do Ps-positivismo, ao lado das propostas procedimentalistas e substancialistas.

    Sobre esse ponto, esclarece-se, a um, que os adjetivos pragmtico e prtico indicam qualidades diferentes, haja vista que o primeiro se refere a algo vinculado corrente de pensamento do pragmatismo, a qual voltada anlise das consequncias na tomada de decises e na efetiva ao (ainda que no de forma puramente utilitarista, segundo o autor em tela), enquanto o segundo termo, de outro lado, diz respeito funcionalidade de determinada coisa para atingimento de resultados. Assim, as mencionadas duas palavras so geralmente empregadas no mesmo contexto, haja vista que a apreciao das consequncias geralmente envolve tambm a discusso acerca dos meios mais prticos de obteno de efeitos reais. Porm, a distino necessria para compreenso mais precisa da corrente de pensamento pragmtica.

    A dois, cabe ainda observar que o Pragmatismo Jurdico de corte cotidiano proposto por Posner no se confunde com a verso filosfica desenvolvida pelo esforo, principalmente, de pensadores como Charles Sanders Pierce, William James, John Dewey e Richard Rorty, embora se possa perceber as influncias que recebeu desta tradio de pensamento45. Ainda que ambas as linhas de desenvolvimento estejam voltadas anlise das

    teoria democrtica que este livro defende pragmtica. No devemos ter medo do pragmatismo ou confundi-lo com cinismo ou desdm pela legalidade ou pela democracia. Seu mago meramente uma tendncia em basear aes em fatos e consequncias, em vez de conceitualismos, generalidades, crenas e slogans.

    44 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 141.

    45 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 75: Vimos que o pragmatismo legal independente do pragmatismo filosfico. E, p. 8: Uma razo para desconectar o pragmatismo filosfico da prtica jurdica e da poltica que as proposies que definem o pragmatismo so proposies de filosofia acadmica, um campo que essencialmente no tem pblico entre juzes e advogados que dir entre polticos mesmo quando a filosofia tratada por professores de direito (alguns dos quais fizeram Doutorado em filosofia) que acham que ele deveria influenciar o direito. Esta

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    consequncias, o autor defende que apelos ao pragmatismo para guiar a adjudicao e outros atos governamentais devem ter suas amarras cortadas da filosofia46.

    E, a trs, importa assinalar a independncia da corrente pragmtica quanto s construes tericas antes examinadas, tanto aquelas de cunho positivista quanto as de vis procedimentalista ou substancialista, franqueando a possibilidade de ser classificada como uma terceira modalidade do Ps-positivismo. Notadamente, o Pragmatismo Jurdico no um suplemento ao formalismo e , pois, distinto do positivismo de H. L. A. Hart, diferente tanto do realismo legal quanto dos estudos jurdicos crticos e, tambm, hostil ideia de usar a teoria moral e poltica abstrata para orientar o processo de tomada de deciso47. Outrossim, alm de ser caracterizada pelo antiformalismo, rejeita a possibilidade de confirmao procedimental ou substancial quanto correo do resultado.

    Em sede conclusiva deste ponto, pode-se afirmar que Posner trata o Pragmatismo Jurdico sob um vis cotidiano, como uma corrente de estudos que visa auxiliar os operadores do Direito (juzes, advogados e legisladores) na tomada de decises sobre polticas pblicas, no sentido de promover a maximizao da riqueza (em sentido no puramente financeiro) para Sociedade, atravs de mecanismos efetivamente teis no auxlio para ponderao das consequncias futuras de seus atos, segundo uma perspectiva de experimentao real (emprica), orientada para o futuro e desprovida de iluses filosficas quanto possibilidade de confirmao quanto correo dos resultados48. Segundo o escritor em anlise, ser adepto

    lacuna entre teoria e prtica pode ser considerada como implicando que os juzes deveriam ter formao em filosofia com nfase em pragmatismo! Tenho dvidas de que esta seja uma boa ideia, mesmo que os juzes fossem considerados, como os polticos no seriam, capazes de se interessar por estudar filosofia.

    46 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 3.

    47 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 47.

    48 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 621-622: No sentido que considero apropriado, o pragmatismo significa olhar para os problemas concretamente, experimentalmente, sem iluses, com plena conscincia das limitaes da razo humana, como conscincia do 'carter local' do conhecimento humano, da dificuldade das tradues entre culturas, da inalcanabilidade da 'verdade', da consequente importncia de manter abertos diferentes caminhos de investigao, do fato de esta ltima depender da cultura e das instituies sociais e, acima de tudo, da insistncia em que o pensamento e a ao sociais sejam avaliados como instrumentos a servio de objetivos humanos tidos em alto apreo, e no como fins em si mesmos. E, POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 65: Num resumo brutalmente breve, o pragmatismo legal no est preocupado apenas com consequncias imediatas, no uma forma de consequencialismo, no hostil cincia social, no um positivismo hartiniano, no realismo legal, no estudos jurdicos crticos, no sem princpios e no rejeita a norma jurdica. Ele resolutamente antiformalista, nega que o raciocnio jurdico difira de forma substancial do raciocnio prtico comum, favorece fundamentos estreitos em vez de amplos para as decises no incio do desenvolvimento de uma rea do direito, simpatiza com a retrica e antipatiza com a teoria moral, emprico, historicista, mas no reconhece 'dever' em relao ao passado, desconfia da norma jurdica que no abre excees e se pergunta se os juzes no poderiam fazer melhor em casos difceis do que chegar a resultados razoveis (em oposio a resultados demonstravelmente corretos).

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    do pragmatismo implica possuir a atitude mental denotada pelo uso popular da palavra 'pragmtico', significando uma viso prtica, do tipo usada nos negcios, direta e desdenhosa da teoria abstrata e da pretenso intelectual, desprezando os moralizadores e os sonhadores utpicos49. Seguindo tal linha de raciocnio, o Pragmatismo Jurdico fortemente caracterizado por negar o formalismo forte tpico das vertentes juspositivistas50, por defender o uso extensivo do mtodo experimental (emprico)51, e, por ser voltado para a busca de solues futuras, ainda que sem desprezar as informaes deixadas pelo passado (o qual, todavia, no pode exigir nada no presente)52.

    Segundo, a proposio pragmtica em tela ressalta a existncia de uma inegvel e complexa correlao entre juridicidade e moralidade, ao ponto de negar a possibilidade de cisso entre os Direitos positivo e natural53. Neste particular, inclusive, verifica-se uma

    declarada correlao entre os conceitos de Direito de Posner e de Dworkin, pois ambos sustentam que a Moral um insumo inafastvel da prtica jurdica54.

    Entretanto, com base nos ensinamentos de Friedrich Nietzsche, o autor entende que a moralidade relativa (e no absoluta), somente sendo perceptvel atravs da manifestao da opinio pblica55, de modo que a busca por leis morais universais , aos

    49 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 38.

    50 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 46: Tambm no sou um positivista jurdico 'forte', como era Holmes; na verdade, resisto a tentativa de dicotomizar direito positivo e direito natural. [] Repito que os positivistas jurdicos para os quais fcil interpretar os comandos do soberano so formalistas, ao menos no sentido de que acreditam em respostas certa para todas, ou quase todas questes jurdicas. No me alinho entre os formalistas.

    51 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 7: Como a inteligncia adaptativa ao ambiente em vez de um meio pelo qual podemos encontrar, pela razo, um caminho at verdades ltimas, os pragmatistas acreditam que o mtodo experimental de investigao o melhor. Isso significa tentar uma coisa e depois uma outra num esforo de descobrir meios de melhorar a previso e o controle do nosso ambiente, tanto fsico como social. O modelo seleo natural, um processo essencialmente de tentativa e erro, de experimentalismo amplo.

    52 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 5: E isso implica em que os pragmatistas sejam antitradicionalistas e voltados para o futuro. O passado um repositrio de informaes teis, mas no pode reivindicar nada de ns.

    53 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 312: Pode influenciar, ainda que ligeiramente, o desenvolvimento do 'direito moral', enquanto, por sua vez, as crticas moralistas das decises judiciais podem levar os juzes a alterar a doutrina jurdica; portanto, h um complexo entrelaamento de direito positivo e natural ou, se assim se preferir, de direito e moralidade.

    54 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 320: Enquanto fonte de deveres, direitos e poderes, parece melhor ver o direito como uma atividade de profissionais autorizados (juzes e advogados) unidos por noes vagas, porm poderosas, de decoro profissional, enraizadas basicamente na convenincia social ou, de modo equivalente, na opinio pblica estvel. Os materiais do direito positivo e do direito natural so insumos acrescidos atividade que chamamos de 'direito'. Nesse nvel de generalidade, o conceito de Ronald Dworkin converge com o meu (grifo nosso).

    55 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 321: Em outras palavras, a moral relativa e no absoluta; na verdade, moral opinio pblica.

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    olhos dos pragmatistas, um empreendimento desesperanado56. Terceiro, importa acentuar que o autor no se dedica especificamente

    proposio de uma teoria da Norma Jurdica, preferindo enfocar com especial afinco o tema da Deciso judicial, o qual ser explicitado adiante. Notadamente, o autor apenas refere que existem Regras Jurdicas, consistentes em elementos com maior grau de determinabilidade do resultado, e outros padres decisrios mais abertos, os quais conferem maior amplitude discricionria ao intrprete e aplicador57. Inclusive, o autor nega a diferenciao lgica (ou analtica) entre os diversos padres de deliberao aberta, ou seja, rejeita a classificao deles como polticas ou Princpios Jurdicos, proposta por Dworkin58.

    Quarto, cabe anotar que o principal objeto de anlise de Posner, no tocante ao referente deste estudo, diz respeito ao desenvolvimento de uma teoria pragmtica da Deciso judicial, segundo a qual os juzes so agentes polticos encarregados de adjudicar direitos mediante uma reconstruo imaginativa (imaginative reconstruction), guiada por uma anlise de maximizao de riquezas (wealth maximization) e focada nas consequncias para atingimento de um resultado razovel (reasonebleness).

    Esmiuando tal breve apresentao, cabe acentuar o entendimento de Posner no sentido de que os juzes so inegavelmente agentes polticos, haja vista que integram um dos poderes estatais e, nesta posio, cabe-lhes participar da ampla atribuio de bem governar o pas59, ainda que geralmente (e adequadamente) no tenham sido eleitos, mas recrutados de acordo com a projeo de seu conhecimento jurdico60. Esta faceta poltica da funo

    56 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 6.

    57 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 429: Um padro geral em termos, como uma regra (na verdade, mais geral), e no h nada de contraditrio na ideia de aplicao imparcial de um padro, ainda que na prtica um padro possa no ser aplicado to imparcialmente quanto uma regra, tendo em vista o alcance que o padro concede ao exerccio da discricionariedade.

    58 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 321: Fazer distino entre diretrizes para polticas pblicas e princpios, e associar os direitos a estes, mas no quelas, arbitrrio. No h fundamento para excluir os objetivos coletivos da determinao dos escopos dos direitos subjetivos.

    59 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 363: Eles [os juzes] so parte de uma atividade viva a atividade de governar os Estados Unidos , e quando as ordens de seus superiores no so claras isso no os exime da responsabilidade de contribuir para o xito da atividade.

    60 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 21: Muitos Estados norte-americanos enfrentaram corajosamente essa possibilidade, fazendo com que os membros de seus judicirios fossem eleitos. Contudo, essa experincia serviu apenas para enfraquecer a independncia dos juzes e estimular a percepo deles (em alguns momentos, autopercepo) como nada alm de legisladores togados (se tanto, pois at fins do sculo XIX a maioria dos juzes norte-americanos no usava toga). Apesar de sua persistncia, o conceito de um judicirio eleito considerado, geral e corretamente, como um fracasso.

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    jurisdicional bem destacada no cenrio do common law, no qual a atribuio de criao jurdica da magistratura acentuada, porquanto lhe cabe apreciar sobre a continuidade dos direitos expressos em precedentes e, tambm, atuar discricionariamente nas margens cognitivas dos enunciados legislativos e, principalmente, constitucionais61. Tal tarefa reconhecidamente rdua, porquanto os juzes tm uma carga de trabalho excessiva e, assim, acabam se inserindo em uma espiral de produo de decises em srie, sem dispor do tempo e dos meios necessrios para receber informaes slidas sobre o efetivo resultado de seu ofcio (feedback)62.

    Ao exercer tal mister, os juzes devem levar em conta, principalmente, as consequncias de suas decises, no sentido de tentar produzir a melhor soluo possvel para o progresso do Direito e, assim, contribuir na construo de um pas melhor. Conforme Posner, o importante que os juzes e outros tomadores de decises pensem em termos de consequncias sem levar a srio a retrica do formalismo legal e sem esquentar a cabea com a filosofia pragmtica; que eles sejam, em suma, pragmatistas cotidianos63. Isto porque as consequncias nunca so irrelevantes em direito64. Porm, tal anlise de efeitos futuros no um mero consequencialismo puro, focado apenas na soluo de um caso especfico, mas sim reflete a necessidade da anlise sistmica do resultado para o futuro do pas em sentido amplo, devendo abranger todas as consideraes possveis acerca dos proveitos da deliberao. Com efeito, o pragmatismo legal no s um termo na moda para adjudicao ad hoc, ele envolve a considerao de consequncias sistmicas e no apenas especficas ao caso65.

    importante ressaltar que, ao efetuar da anlise das consequncias sistmicas da Deciso Jurdica, o magistrado no est voltado somente para o futuro, embora este seja o caminho natural do raciocnio. Ele tambm deve ponderar a importncia de preservar as tradies jurdicas constitudas, expressas em precedentes anteriores, na legislao e na Constituio, as quais entram na balana como elementos altamente relevantes, haja vista que eventual modificao de orientaes passadas pode quebrar slidas expectativas das pessoas,

    61 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 41: O juiz no apenas um intrprete de materiais jurdicos. No apenas um descobridor, mas tambm um criador do direito.

    62 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 257: Alm disso, a atividade essencial do juiz a tomada de um grande nmero de decises em rpida sucesso, com um escasso feedback sobre a solidez ou as consequncias delas. [] O juiz que se sente confortvel em seu papel toma a melhor deciso possvel, e o faz sem arrependimentos.

    63 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 42.

    64 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 199.

    65 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 47.

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    cujo valor para a ordem social e para o bom desenvolvimento das atividades produtivas no pode ser jamais desprezado66. Todavia, tal olhar para o passado no reflete uma vinculao estrita e intransponvel, cabendo ao rgo aplicador rejeitar justificadamente a manuteno de elementos normativos que no mais atendam aos fins sociais e econmicos para os quais foram estabelecidos, de modo a ser possvel um avano adaptativo no Ordenamento Jurdico. Nas palavras de Posner, o pragmatista valoriza a continuidade com promulgaes e decises passadas, mas porque tal continuidade de fato um valor social, mas no porque tenha um senso de dever para com o passado67, ou seja, o juiz pragmtico usa a histria como um recurso, mas no venera o passado nem acredita que este deva exercer um 'poder singular' sobre o presente68. Outrossim, os elementos jurdicos deixados pelo passado (precedentes e textos legislativos) devem ser ponderados juntadamente como parte dos argumentos que compem a anlise sistmica das consequncias69.

    A atividade interpretativa dos magistrados deve ser concebida sob uma forma flexvel, como uma reconstruo imaginativa (imaginative reconstruction), segundo a qual lhes cabe elaborar a Deciso judicial mais razovel possvel, mediante um esforo de tentar imaginar o problema com o qual os juzes pretritos (em se tratando de precedentes) ou legisladores (no caso de textos legislativos) estiveram envolvidos e, segundo tal ponto de vista, considerar as consequncias sistmicas e as peculiaridades do caso ao definir o futuro da poltica pblica em questo70. Tal tarefa de criao normativa deve ter como norte a

    66 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 132: A deciso sobre quanto importncia se deve atribuir ao precedente anterior se deve, afinal, ser aplicado, e, se assim o for, quo amplamente uma deciso pragmtica na qual a incerteza que ser criada por uma atitude demasiada casual diante das decises anteriores e o trabalho adicional que tal atitude ir engendrar para os tribunais ao exigir mais tempo em cada caso e, em decorrncia da maior incerteza, ao gerar mais casos comparada com o risco de erros que uma concepo acrtica de decises passadas ir criar.

    67 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 55.

    68 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 196.

    69 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 176: As circunstncias que determinam a razoabilidade das decises judiciais incluem os termos da lei, os precedentes e todos os outros materiais convencionais da deciso judicial, inclusive aquelas virtudes prudenciais familiares aos advogados, como a sensibilidade aos limites do conhecimento judicial e convenincia da estabilidade no direito. E, POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 189: Rejeitar a devoo histria no significa endossar uma atitude de experimentao incansvel com as instituies polticas e jurdicas; significa apenas rejeitar o excesso de zelo.

    70 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 367: O ponto crucial da analogia militar sobrevive a todas essas crticas: mesmo num sistema mais hierrquico e homogneo que o judicial, a interpretao criativa, no mecnica. uma tentativa de dar sentido a uma situao (compare-se com a interpretao de sonhos), e no somente a um texto ou a outra forma de comunicao. Quando diante de leis pouco claras os juzes, como oficiais subalternos diante de comandos pouco claros, tm de invocar toda a sua capacidade de imaginao e empatia, numa tentativa quase sempre condenada ao fracasso de colocar-se na posio dos legisladores que promulgaram a lei que eles devem agora interpretar. Eles no podem somente estudar o significado evidente; devem tentar entender o problema

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    razoabilidade (reasonableness), que o critrio final para anlise da adequao de uma determinao soluo e, alis, o mximo que se pode exigir de um intrprete e aplicador, considerando a inafastvel discricionariedade inerente ao seu ofcio71. Segundo o autor, a adjudicao pragmtica consiste essencialmente em que o juiz pragmtico objetiva alcanar a deciso que seja mais razovel, levando em considerao todas as coisas, em que 'todas as coisas' incluem tanto consequncias especficas ao caso quanto sistmicas, em seu sentido mais amplo, talvez, como veremos, ainda mais72.

    Em se tratando especificamente do direito legislado e constitucional, o autor invoca ensinamentos da filosofia da linguagem, com especial enfoque na teoria hermenutica de Hans-Georg Gadamer, para concluir que o significado dos preceitos normativos depende no s das propriedades formais e semnticas da construo lingustica, mas tambm das experincias acumuladas pelo intrprete e das peculiaridades do contexto73. A chamada reconstruo imaginativa, ento, perpassa pela atribuio de significados de acordo com as amarras impostas pelo contexto, que fixam alguns limites ao resultado da interpretao74. Cabe acentuar, todavia, que a teoria hermenutica apenas explica o fenmeno da compreenso, sem oferecer respostas ou critrios para limitar a margem de atuao discricionria do rgo aplicador, que sofre apenas parcial circunscrio textual75. Assim, em resultado, os tribunais desfrutam de uma enorme discricionariedade no que diz respeito s leis

    com o qual os legisladores estiveram s voltas. 71

    POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 174: A razoabilidade como norte judicial. Onde fica o juiz em tudo isso? No me ocorre nenhuma abordagem melhor, para os juzes, do que conceberem sua tarefa, em cada caso, como a de empenhar-se para chegar ao resultado mais razovel nas circunstncias que incluem, embora no estejam a eles limitados, os fatos do caso, as doutrinas jurdicas, os precedentes e virtudes do Estado de Direito como o stare decisis. E, p. 37: Vou mostrar-me favorvel a uma teoria do direito como 'atividade' a teoria que fundamenta a teoria da previso de Holmes; favorvel ao behaviorismo e, portanto, contrrio s 'frteis' concepes do mentalismo, da intencionalidade e do livre-arbtrio; favorvel ao uso crtico da lgica, por oposio a seu uso construtivo; favorvel ideia de que, nos casos difceis, o objetivo apropriado do juiz um resultado razovel, e no um resultado demonstravelmente certo; e favorvel a uma concepo do juiz como um agente responsvel, e no como um canal de decises tomadas em outras instncias do sistema poltico (grifo nosso).

    72 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 10.

    73 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 397-398: Repetindo a objeo central regra do significado evidente: o significado no reside simplesmente nas palavras de um texto, pois as palavras esto sempre apontando para alguma coisa que lhes extrnseca. O significado aquilo que emerge quando os critrios e as experincias lingusticas e culturais so aplicados ao texto. A diversidade da cultura jurdica moderna torna inevitvel a existncia de uma vasta rea de indeterminabilidade na interpretao, como parte do fenmeno mais amplo da indeterminabilidade jurdica que discuti anteriormente sem referir-me especificamente legislao.

    74 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 361: O significado depende tanto do contexto quanto das propriedades semnticas de outras propriedades formais dos enunciados lingusticos.

    75 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 399: A hermenutica coloca o problema, mas no oferece soluo.

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    e Constituio; so eles os principais criadores do direito legislado e constitucional76 no padro jurdico norte-americano.

    Posner tambm sustenta que a sua proposta de interpretao e aplicao do Direito, consistente em uma anlise de consequncias segundo uma reconstruo imaginativa focada na razoabilidade, no pode prescindir de uma aproximao interdisciplinar com outros ramos do saber77. Segundo ele, outras disciplinas tm muito com que contribuir para a compreenso e o aperfeioamento do direito78. Nesta linha de pensamento, a anlise econmica do direito, quase por definio, nega a autonomia do direito79.

    Dentre todos os ramos do conhecimento, o autor destaca a economia como o que merece maior ateno dos Juristas, porquanto a estrutura implcita de quase todo raciocnio jurdico econmica80. A teoria pragmtica chamada de Direito e Economia (Law and Economics) ou de Anlise Econmica do Direito (Economic Analysis of Law) procura, na sua modalidade descritiva, identificar a lgica e as consequncias econmicas das doutrinas e instituies, bem como as causas econmicas das transformaes jurdicas, e, de outro lado, no aspecto normativo, visa orientar os juzes e outros defensores do interesse pblico quanto aos mtodos mais eficientes de regulamentao da conduta atravs do direito81. Mediante o emprego dos mecanismos que tal doutrina proporciona, o rgo deliberativo pode simular (mimetizar) um cenrio mercadolgico em que transaes de custo proibitivo seriam viveis e, desta forma, oferecer solues que permitam tais operaes, facilitando o livre-mercado82.

    Notadamente, a opo entre os vrios resultados possvel implica uma anlise de

    76 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 405.

    77 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 587: A teoria jurdica interdisciplinar inevitvel.

    78 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. VIII.

    79 POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 19.

    80 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 144; POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 3: O mais importante campo interdisciplinar dos estudos jurdicos a anlise econmica do direito, ou, em sua definio mais comumente conhecida, 'teoria econmica do direito'.

    81 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. XII.

    82 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. XIII-XIV: O aspecto terico mais ambicioso da abordagem econmica do direito a proposta de uma teoria econmica unificada do direito, no mbito da qual se considera que a funo desta a de facilitar a operao do livre-mercado e, nas reas em que os custos das transaes mercadolgicas so proibitivos, a de 'mimetizar o mercado' por meio de determinaes, mediante deciso judicial, do desfecho que seria mais provvel caso as transaes do mercado fossem viveis. E, p. 18: [Teorema de Coase:] A segunda tarefa insere-se num contexto em que os custos de transao so proibitivos e consiste na tentativa de produzir o esquema de alocao de recursos que teria existido se os custos de transao fossem nulos, pois este o esquema de alocao mais eficiente.

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    custos e benefcios quanto ao futuro econmico do pas83. Outrossim, segundo ele, a Deciso Jurdica deve promover a maximizao da riqueza (wealth maximization), no sentido de estimular a otimizao de valores e expectativas financeiras e no-financeiras, servindo a atribuio de preos apenas como parmetro de anlise84. O mais poderoso critrio para avaliao da eficincia na maximizao da riqueza o chamado teorema de Pareto, segundo o qual um estado de coisas ideal se no puder ser alterado sem deixar pelo menos uma pessoa em pior situao, e superior a outro estado de coisas se deixar pelo menos uma pessoa em melhor situao e nenhuma em m situao85. Contudo, a anlise pragmtica de custo e benefcio voltada eficincia na maximizao da riqueza no deve funcionar como um dogma, mas sim como um mecanismo que permite mais adequadamente identificar as consequncias das decises judiciais, no sentido de viabilizar uma soluo mais razovel86.

    Cabe assinalar, neste particular, o entendimento do autor no sentido de que a maximizao da riqueza no apenas um guia para decises no cenrio do Direito consuetudinrio ou jurisprudencial (common law ou judge made law), mas tambm um valor social, ou seja, um conceito tico, haja vista que serve como referencial para orientao crtica das condutas a serem estimuladas em Sociedade87. Sob este ngulo, denota-se que se trata de

    83 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 142: Esse tipo de anlise, chamada de anlise de custo-benefcio pelos economistas e de racionalidade de meio-fim (s vezes, de deliberao) pelos filsofos da razo prtica, importante em todos os nveis do pensamento e, com certeza, no raciocnio jurdico.

    84 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 473-474: O pressuposto bsico da economia que orienta a verso da anlise econmica do direito que apresentarei aqui o de que as pessoas so maximizadores racionais de suas satisfaes todas as pessoas (com exceo de crianas bem novas e das que sofrem de graves distrbios mentais), em todas as suas atividades (exceto quando sob influncia de transtornos psicticos ou perturbaes semelhantes que decorrem do abuso de lcool e drogas) que implicam uma escolha. Tambm, p. 474: Deve ficar subentendido que tanto as satisfaes no-monetrias quanto as monetrias entram no clculo individual de maximizao (de fato, para a maioria das pessoas o dinheiro um meio, e no um fim), e que as decises, para serem racionais, no precisam ser bem pensadas no nvel consciente na verdade, no precisam ser de modo algum conscientes. No nos esqueamos de que 'racional' denota adequao de meios a fins, e no meditao sobre as coisas, e que boa parte de nosso conhecimento tcita. E, p. 477: A 'riqueza' em 'maximizao da riqueza' refere-se soma de todos os bens e servios tangveis e intangveis, ponderados por dois tipos de preos: preos ofertados (o que as pessoas se predispem a pagar por bens que ainda no possuem) e preos solicitados (o que as pessoas pedem para vender o que possuem).

    85 POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011, p. 105.

    86 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010b, p. 60: A importncia da economia para o direito que os economistas esto preocupados em mapear muitas das consequncias que so centrais para a anlise legal pragmtica, como os efeitos econmicos ('econmico' num sentido amplo ou estreito) de sindicatos, cartis, divrcio, incapacidade, discriminao, indenizao punitiva, regulamentaes de segurana e sade, penas de priso e por a infinitamente. E, p. 281: O juiz pragmtico no incorpora a anlise custo-benefcio ou qualquer outro aspecto da economia como dogma ('economia do bem-estar, derivada por exemplo do utilitarismo). Ele s a usa se ela o ajudar a identificar e pesar as consequncias de decises alternativas.

    87 POSNER, Richard Allen. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, 2010, p. 17: O que talvez seja

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    uma abordagem distinta do utilitarismo, porque no est voltada ao atingimento da obteno da maior vantagem pessoal, mas sim direcionada otimizao das riquezas de forma sistmica para todos88.

    Assim, Posner concebe a Deciso Jurdica como uma reconstruo imaginativa, guiada por uma anlise de parmetros econmicos e focada nas consequncias para atingimento de um resultado razovel. Para alcanar tal objetivo, o autor sustenta que no existe um mtodo de raciocnio jurdico diferente daquele que cotidianamente as pessoas empregam para tomada de decises89. Entretanto, ele desenvolveu um breve roteiro de quatro etapas para descrever como os juzes deliberam os casos difceis (hard cases) no padro consuetudinrio ou jurisprudencial (common law ou judge made law). O primeiro passo consiste em obter um conceito geral que sirva de guia para deciso, dentro da rea do Direito pertinente, com lastro no material jurdico tradicional, consistente nos textos legislativos, na histria, nas caractersticas dos tribunais e dos legisladores. Nesta primeira fase, o autor sustenta que tal linha mestra deve efetivamente ser a maximizao da riqueza. A segunda etapa, por sua vez, consiste em examinar os precedentes relevantes e outras fontes de informao que possam ajudar na formulao da deliberao. Em um terceiro momento, o magistrado deve efetuar uma anlise das polticas pblicas referentes ao caso em questo, em busca de uma proposio resolutria plausvel. E, por fim, em quarto, o juiz deve cotejar tal proposta de soluo com os precedentes (novamente), desta vez para verificar se eles no a anulam, de modo a atingir o resultado decisrio final90.

    novidade que eu no apenas compartilho com Bentham a certeza de que os indivduos so maximizadores racionais de sua prpria satisfao em todos os setores da vida, mas tambm acredito na eficincia econmica como conceito tanto tico quanto cientfico. E, POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007. p. 484. Uma vez que a maximizao da riqueza no apenas um guia para o julgamento com base no common law, mas tambm um valor social genuno, e o nico que os juzes tm condies favorveis de promover, ela oferece no somente a chave para uma descrio exata do que cabe aos juzes fazer, mas tambm o referencial perfeito para a crtica e a reformulao.

    88 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 526: Uma vez que a utilidade mais difcil de avaliar do que a riqueza, um sistema de maximizao da riqueza pode parecer um substituto de um sistema utilitarista, mas mais do que isso; seu esprito diferente. A maximizao da riqueza uma tica de produtividade e cooperao social para ter direitos sobre os bens e servios da sociedade, voc deve poder oferecer alguma coisa que as pessoas valorizem enquanto o utilitarismo uma tica hedonista e anti-social, como demonstrou o ltimo exemplo. E, POSNER, Richard Allen. Fronteiras da teoria do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2011. p. 99-102.

    89 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 179: [...] a deciso dos casos jurdicos difceis , muito frequentemente, uma forma de anlise de polticas pblicas, e no o produto de uma metodologia especfica.

    90 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 177-178. Vou ilustrar o que entendo por deciso judicial bem fundada com um exemplo de direito concorrencial. O primeiro passo para se decidir um caso concorrencial difcil, um caso no controlado por precedentes ou, em outros aspectos, no suscetvel a um julgamento seguro em primeira instncia, consiste em extrair (no

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    Quinto, como se pode perceber do que antes foi dito acerca do modelo deliberativo do Pragmatismo Jurdico, esta proposta ps-positivista no apresenta critrios adicionais para limitar a discricionariedade decisria dos juzes91. Ao contrrio, admite que as orientaes do passado, como precedentes e textos legislativos, no podem exigir nada do rgo aplicador no presente, muito embora sejam de elevada importncia para preservao das expectativas das pessoas, de modo que possam conduzir seus negcios com segurana92. Para Posner, o interesse social na continuidade e na constncia da lei, que importante para possibilitar que as pessoas planejem seus assuntos, deve ser compensado pelo interesse social na adaptabilidade da lei mudana, que importante para elaborar normas jurdicas slidas e decises sensveis s circunstncias particulares do caso individual93. Ou seja, entre casos sucessivos, no h interesse social pela continuidade ou pelo ajuste harmonioso enquanto tais. Estabilidade e previsibilidade so meramente duas das consideraes que vo determinar se o caso seguinte segue o anterior ou dele se afasta talvez as duas mais importantes, mas que no influenciam o argumento94. Outrossim, o modelo terico do autor em nada contribui para

    desnecessrio diz-lo atravs de um processo dedutivo), da histria e dos textos legislativos relevantes, das caractersticas institucionais dos tribunais e do poder legislativo e, na falta de uma diretriz definitiva procedente dessas fontes, tambm de uma concepo social, um conceito geral de direito concorrencial que sirva de guia para a deciso. Atualmente, um popular candidato a tal conceito a maximizao da riqueza, ainda que se trate, como nem preciso dizer, de uma opo contestvel. Tendo feito essa opo (a Suprema Corte atual quase a fez por ele, mas no inteiramente), o juiz querer ento examinar os precedentes relevantes e outras fontes de informao que possam ajudar a decidir o caso em pauta. Esse o segundo passo. O terceiro passo um juzo sobre polticas pblicas em alguns casos, contudo, pode assemelhar-se a uma deduo lgica que decida o caso de acordo com os princpios da maximizao da riqueza. O quarto passo retorna aos precedentes, mas estes agora so vistos como autoridades, e no como simples dados; o juiz vai querer certificar-se de que o juzo sobre polticas pblicas feito no terceiro passo no anulado por nenhum precedente vinculante.

    91 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 312: Para conferir regularidade e previsibilidade ao processo, o poder legislativo cria regras que sero aplicadas pelos juzes, e estes criam suas prprias regras para preencher as lacunas (s vezes enormes) do produto legislativo; se no houver poder legislativo, eles criam todas as regras. [] Em geral, porm, a coisa mais importante resolver a disputa.

    92 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 63: A abordagem pragmtica permite ao juiz arrombar a rea fechada, apesar de com cuidado, mediante um exame minucioso das consequncias de fazer isto, de, de certa forma, desconsiderar a lei para alcanar algum objetivo prtico imediato. E, p. 73: Alm disso, o pragmatismo no deixa os juzes se movimentarem livremente. O juiz pragmtico fica menos restringido pela doutrina, pela teoria, do que o juiz formalista pensa estar. Mas as restries materiais, psicolgicas e institucionais sobre juzes pragmticos e outros so considerveis e limitam o arbtrio mesmo do juiz pragmtico perfeitamente consciente de suas aes. [] A doutrina cria expectativas nas pessoas subordinadas lei e o valor social de proteger essas expectativas, de facilitar o comrcio por exemplo, algo que um juiz pragmtico precisa levar em considerao ao decidir quando, se e como se desviar dos princpios existentes. DIMOULIS, Dimitri. Positivismo jurdico: introduo a uma teoria do direito e defesa do pragmatismo jurdico-poltico. So Paulo: Mtodo, 2006. p. 160: O pragmatismo de Posner no leva a srio os imperativos contidos nas proposies normativas, sendo adepto de uma flexibilizao a critrio do aplicador.

    93 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 89.

    94 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 349.

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    reduzir a margem de discricionariedade dos rgos julgadores, salvo a apresentao da linha mestra da maximizao de riquezas como critrio decisrio uniforme.

    Em que pese do autor adjetivar de desejvel a reduo da amplitude decisria dos magistrados ao deliberar acerca de polticas pblicas, sua viso realista entende que se trata de uma caracterstica tpica e inafastvel95. No seu entender, assim como os legisladores, os juzes tambm legislam, apenas o fazem com mais cautela, menos velocidade, mais princpios e menos partidarismo96.

    Alm disto, a produo de diversas decises sobre o tema, com caractersticas diversas, apesar de indesejvel, pode promover os aspectos empricos e adaptativos do Pragmatismo Jurdico, na medida em que ocorre uma seleo natural daquela que apresenta as melhores consequncias sistmicas, na medida em que os diversos processos seguem rumo ao pice da estrutura recursal97. Sob esta tica, os juzes pragmticos que decidem abraar uma nova ideologia suplantaro a doutrina estabelecida, 'de significado sem nuances', baseada em decises judiciais e outros obstculos formalistas mudana legal, como os juzes alemes

    95 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 81: desejvel minimizar a discricionariedade das autoridades, inclusive a dos juzes, mas indesejvel e tambm impossvel eliminar totalmente a discricionariedade oficial. E, POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 47-48: Para um pragmatista, isso no significa formalismo legal no sentido de uma conformao cega a norma preexistentes ruat caelum ut fiat iustitia (deixe que os cus caiam desde que a justia se faa) e assim, uma renncia de toda flexibilidade, criatividade e adaptabilidade judicial. Significa uma devida considerao (no exclusiva, no obstando as escolhas) pelo valor poltico e social da continuidade, coerncia, generalidade, imparcialidade e previsibilidade na definio e administrao de direitos e deveres legais. Reconhece a desejabilidade de no extinguir, mas de circunscrever o arbtrio judicial.

    96 POSNER, Richard Allen. Para alm do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2009, p. 250.

    97 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 93: Assim, o destino de um litigante pode ser determinado pela ocasionalidade com a qual um juiz ou juzes calham de se pronunciar nos sucessivos estgios do seu processo, conforme este vai seguindo seu caminho pelo sistema judicial. Isso lamentvel e at mesmo aterrorizante. Porm, as nicas solues inimaginveis um Judicirio homogneo, no qual juzes sendo parecidos, tenderiam a exercer seu arbtrio da mesma forma ou um corpo de doutrina legal to detalhado e rgido que juzes no teriam arbtrio so to indesejveis quanto inatingveis. E mesmo que fosse factvel, o que no , ter um nico supremo tribunal nacional estabelecido em tribunal pleno para revisar cada deciso de um juiz de instncia inferior, seja ele estadual ou federal, isso seria indesejvel, porque centralizaria o poder judicial de forma indevida, esmagando a diversidade e experimentao saudveis. Isso no parece ser uma soluo feliz. Parece inescapvel que o povo americano continue a ser cobaia numa experincia nacional realizada pelos tribunais. E, p. 50: A miscelnea de virtudes sistmicas que venho descrevendo implica numa atitude respeitosa pelos juzes no apenas em relao ao texto da constituio ou das leis, mas tambm em relao s decises anteriores. De fato, ela exige dos juzes, via de regra, tratarem o texto e decises anteriores como o material mais importante da deciso judicial, pois so o material no qual a comunidade necessariamente coloca sua confiana principal ao tentar descobrir o que a 'lei', isto , o que os juzes faro com uma controvrsia legal se ela surgir. Um bom juiz pragmtico tentar pesar as boas consequncias da pronta adeso s virtudes da norma jurdica, que defendem a firmeza, em detrimento das ms consequncias de serem tentados a inovar quando deparam com controvrsias que as decises judiciais anteriores e textos cannicos no esto bem adaptados para solucionar. Esta perspectiva adaptacionista, que encontra eco no pensamento darwinista, enfatizada no ensaio de Dewey sobre direito, discutido no prximo captulo.

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    fizeram na era Hitler, mormente porque o pragmatismo no tem alma; no tem razes nos

    conceitos de justia ou direito natural; no tem nada para se contrapor opinio pblica98. Um ponto correlato inafastabilidade da discricionariedade judicial diz respeito

    inexistncia de critrios slidos e objetivos que permitam reduzir a margem de manobra do rgo aplicador, apesar dos esforos de tericos neste particular99. Logo, no h como se verificar a correo material de uma deciso judicial de forma objetiva e indiscutvel, mas to somente vivel apontar se a concluso do magistrado foi razovel ou no100.

    E, sexto, considerando o que foi dito acima, verifica-se que h uma incompatibilidade entre a teoria decisria de Posner e a tese da nica resposta correta (the one right answer) de Dworkin, haja vista o seu entendimento de que a discricionariedade das decises judiciais inafastvel e implica a possibilidade de diversas solues razoveis para o mesmo caso, sem que se possa determinar objetivamente se a nica certa ou no101.

    Para o autor, o principal bice possibilidade de se cogitar da existncia de apenas um resultado escorreito para cada caso reside na heterogeneidade das atuais sociedades, a exemplo da norte-americana, em que as pessoas divergem sobre uma mirade de temas. Mesmo magistrados com formao acadmica similar e integrantes do mesmo grupo social podem, eventualmente, ter opinies diversas acerca da melhor soluo para determinada controvrsia jurdica. Por esta razo, impossvel determinar objetivamente se uma resposta efetivamente a nica correta102.

    98 POSNER, Richard Allen. Direito, pragmatismo e democracia. Rio de Janeiro: Forense, 2010, p. 72.

    99 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 419: A busca da objetividade no direito, que at aqui consumiu boa parte de nossa ateno, ainda est por revelar o Santo Graal que permitir que os juzes decidam os casos mais complicados em bases mais slidas, 'profissionais' e imperativas, e menos subjetivas, 'polticas' e (frequentemente) idiossincrticas do que seus valores pessoais e suas preferncias ticas relativas a polticas pblicas.

    100 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 406: Como ocorre to comumente nas decises jurdicas, sua correo [do caso Brown vs. Board of Education] poltica e no epistmica, pragmtica e no apodctica (problemas, 406). E, p. 611: Se a epistemologia e a ontologia no sero capazes de preservar a objetividade e a autonomia do direito, tampouco o far a hermenutica. Nem a teoria interpretativa em geral, nem a rica literatura sobre a interpretao jurdica (uma verdadeira confuso de riquezas) iro subscrever as interpretaes objetivas do common law, das leis ou da Constituio.

    101 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 263-269. Especialmente, p. 270-271: Em segundo lugar, pessoas com formao educacional, poltica e religiosa semelhante tendero a interpretar uma obra literria de modo convergente, enquanto pessoas com formao diferente tendero a interpret-la de modo divergente; o mesmo acontece no direito. E, p. 615: A essncia da tomada de decises interpretativa est em considerar as consequncias das decises alternativas. No h interpretaes 'logicamente' corretas; a interpretao no um processo lgico.

    102 POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 269: A ideia de que existem respostas corretas para todas ou para a maioria das questes morais, chamada de 'realismo moral', e numa sociedade heterognea isso tende a parecer ainda menos plausvel do que uma crena de que existem respostas corretas inclusive POSNER, Richard Allen. Problemas de filosofia do direito. So

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    3 CONCLUSO

    Em breve sntese, possvel apontar que as caractersticas da proposio ps-positivista de Posner, com relao s quatro plataformas centrais da Teoria do Direito, so as seguintes:

    a) as Fontes Jurdicas so compostas por todos os argumentos empregados pelos magistrados para resoluo dos problemas cotidianos, na consecuo da tarefa de governar a comunidade, incluindo as orientaes deixadas pelo passado e as opinies acerca das melhores consequncias para o futuro;

    b) as Normas Jurdicas so concebidas pragmaticamente, como uma construo baseada em todos os argumentos que os juzes empregam para resolver os problemas concretos, includo Regras Jurdicas e outros padres decisrios menos densos, extrados de todos os ramos do saber relevantes (interdisciplinariedade);

    c) no atinente ao Ordenamento Jurdico, o autor no apresenta uma variao com relao ao modelo da pirmide hierrquica juspositivista, salvo quanto necessria assimilao dos demais padres normativos menos densos, em razo das demais peculiaridades de sua formulao terica; e,

    d) a Deciso Jurdica tomada politicamente pelos juzes, na qualidade de agentes encarregados de adjudicar direitos, mediante uma reconstruo imaginativa (imaginative reconstruction), guiada por uma anlise de maximizao de riquezas (wealth maximization) e focada nas consequncias para atingimento de um resultado razovel (reasonebleness).

    REFERNCIAS

    DWORKIN, Ronald. O imprio do direito. So Paulo: Martins Fontes, 2007.

    PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurdica: teoria e prtica. 12. ed. So Paulo: Conceito, 2011.

    POSNER, Richard Allen. A economia da justia. So Paulo: Martins Fontes, 2010a.

    Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 269: A ideia de que existem respostas corretas para todas ou para a maioria das questes morais, chamada de 'realismo moral', e numa sociedade heterognea isso tende a parecer ainda menos plausvel do que uma crena de que existem respostas corretas inclusive.

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    Correspondncia | Correspondence:

    Orlando Luiz Zanon Jnior Tribunal de Justia de Santa Catarina, Comarca de Porto Unio, Rua Voluntrios da Ptria, 365, Centro, CEP 89.400-000. Porto Unio, SC, Brasil. Fone: (42) 3521-3700. Email: [email protected]

    Recebido: 19/07/2013. Aprovado: 23/09/2013.

    Nota referencial:

    ZANON JNIOR, Orlando Luiz. Ps-positivismo 4: a verso pragmtica de Posner. Revista Direito e Liberdade, Natal, v. 15, n. 3, p. 96-119, set./dez. 2013. Quadrimestral.