POSSE NA PRESIDÊNCIA DO SUPREMO … do Professor JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, hoje seu Colega, nesta...

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POSSE NA PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL MINISTRO JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO – PRESIDENTE MINISTRO CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO – VICE-PRESIDENTE SESSÃO SOLENE REALIZADA EM 22 DE MAIO DE 1997 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL BRASÍLIA – 1999

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POSSE NA PRESIDÊNCIADO SUPREMO TRIBUNALFEDERAL

MINISTRO JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO – PRESIDENTE

MINISTRO CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO – VICE-PRESIDENTE

SESSÃO SOLENE REALIZADA EM 22 DE MAIO DE 1997

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

BRASÍLIA – 1999

SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

SOLENIDADE DE POSSE DOS MINISTROS JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, NA PRESIDÊNCIA,

E CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, NA VICE-PRESIDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Sessão Solene realizada em 22-5-97

Diretoria-Geral Diretora: Marlene Freitas Rodrigues Alves

Secretaria de Documentação Secretária: A lta ir Maria Damiani Costa

Coordenadoria de Divulgação de Jurisprudência: Coordenadora: Ranuzia Braz dos Santos

Capa: Flávio Castro

Composição Plenária do STF - Biênio 199711999

Da esquerda para a direita, sentados: Mimstros Sydney Sanches. Moreira Ahcs. Celso de Mello (Presidente), Nén da Sil\'eira c Octavio Gallotti. Na

mesma ordem. de pé: Ministros Mauric1o Corrca. \1arco Aurélio. Scpúh cda Pcncnce. Carlos Velloso (Vice-Presidente). limar Gahào. :-Jclson Jobim c

Dr. Geraldo Brindeiro (Procurador-Geral da República).

Palavras do Senhor Ministro SEPÚL VEDA PERTENCE,

Presidente

O SR. MINISTRO SEPÚL VEDA PERTENCE (Presidente) - Declaro aberta a sessão solene destinada à posse dos novos Presidente e Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal.

Convido o Senhor Ministro Celso de Mello para prestar o compromisso de posse na Presidência do Tribunal, para o próximo biênio.

(O Sr. Ministro Celso de Mello presta compromisso)

O SR. MINISTRO SEPÚLVEDA PERTENCE - Honra-me declarar em­possado Presidente do Supremo Tribunal Federal o eminente Ministro Celso de Mel­lo.

O Sr. Diretor-Geral procederá à leitura do termo de posse.

(O Sr. Diretor-Geral lê o termo de posse)

Palavras do Senhor Ministro CELSO DE MELLO,

Presidente

- Convido o eminente Ministro Carlos Velloso para prestar o compromisso de posse na Vice-Presidência do Supremo Tribunal Federal.

(O Sr. Ministro Carlos Velloso presta compromisso)

O SR. MINISTRO CELSO DE MELLO (Presidente) - O Sr. Diretor-Geral lerá o termo de posse.

(O Sr. Diretor-Geral lê o termo de posse)

O SR. MINISTRO CELSO DE MELLO (Presidente) - Tenho a honra de declarar empossado no cargo de Vice-Presidente do Supremo Tribunal Federal o eminente Ministro Carlos Velloso.

Registro e agradeço a honrosa presença do Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso; do Excelentíssimo Senhor Vi­ce-Presidente da República, Marco Maciel; do Excelentíssirno Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Michel Temer; do Excelentíssimo Senhor Presidente do Se­nado da República e do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães; dos Exce­lentíssimos Senhores Ministros Aposentados do Supremo Tribunal Federal; do Excelentíssirno Senhor Procurador-Geral da República, Pro f. Geraldo Brindeiro; do Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Doutor Luiz Antônio Guimarães Marrey; dos Excelentíssimos Senhores Deputados Fe­derais e Senadores da República; dos Excelentíssimos Senhores Presidentes dos egrégios Tribunais Superiores da União e dos Tribunais Regionais Federais e Eleito­rais; do eminente Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados doBra­sil, Dr. Emando Uchôa Lima; do Excelentíssirno Senhor Governador do Estado de São Paulo, Engenheiro Mário Covas; dos Excelentíssirnos Senhores Governadores de Estado; dos Excelentíssirnos Senhores Ministros de Estado; dos Excelentíssimos Senhores Secretários de Estado do Governo do Estado de São Paulo; do eminente Procurador-Geral do Estado de São Paulo; do eminente Advogado-Geral da União; do eminente Defensor Público-Geral da União; dos Senhores Magistrados, Mem­bros do Ministério Público e Advogados; dos Excelentíssimos Senhores Chefes de Missões Diplomáticas; dos meus Amigos de Tatuí/SP e dos ilustres representantes de minha terra natal.

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Concedo a palavra ao eminente Ministro Sydney Sanches, que falará em nome do Supremo Tribunal Federal.

Discurso do Senhor Ministro SYDNEY SANCHES

Excelentíssimo Senhor Presidente do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, Ministro CELSO DE MELLO, Excelentíssimo Senhor Presidente da República, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, MARCO MACIEL, Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado MICHEL TEMER, Excelentíssimo Senhor Presidente do Se­nado Federal, Senador ANTONIO CARLOS MAGALHÃES, em cujas pessoas saú­do, em nome do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a todas as autoridades presentes, representativas dos Poderes Executivo, Legislativo e Judiciário da União, dos Estados e do Distrito Federal.

Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Professor GERALDO BRINDEIRO, na pessoa de quem dirijo saudação a todos os ilustres re­presentantes do Ministério Público da União e dos Estados.

Excelentíssimo Senhor Dr. ERNANDO UCHÔA LIMA, DD. Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados em quem homenageio a todos os Advo­gados brasileiros.

Excelentíssimo Senhor Núncio Apostólico Dom ALFIO RAPISARDA, em cuja pessoa cumprimento todos os Senhores Embaixadores de Países Amigos e de­mais integrantes do Corpo Diplomático.

Excelentíssimas autoridades civis, militares e eclesiásticas.

Dignos Servidores da Justiça.

Senhoras e Senhores.

1. Vossa Excelência, Senhor Ministro CELSO DE MELLO, e o eminente Ministro CARLOS VELLOSO acabam de prestar o compromisso solene de cumprir os deveres de PRESIDENTE e VICE-PRESIDENTE do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, de acordo com a Constituição Federal e as Leis da República.

Eleitos que foram pela Corte, numa tradição que a cada biênio se renova, de escolher, para administrá-la, os Juízes mais antigos que ainda não a tenham presidi­do ou exercido a Vice-Presidência.

Pode surpreender que Juízes ainda jovens sejam os mais antigos do Tribunal, nessa condição.

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Há uma explicação: cinco Juízes mais antigos na Casa, que nela ainda perma­necem, são ex-Presidentes, a saber, pela ordem: os Ministros MOREIRA ALVES, NÉRI DA SILVEIRA, este modesto Juiz que lhes fala, OCTAVIO GALLOTTI e SEPÚL VEDA PERTENCE.

O critério adotado permite, de um lado, que a sucessão se opere, a cada biê­nio, com a maior tranqüilidade, ensejando, por outro, a cada um de seus Juízes, a oportunidade de exercer os cargos administrativos em questão, numa periódica, ra­cional e proveitosa divisão de tarefas, que, assim, oneram a todos e a todos dignifi­cam. Somente os limites constitucionais de permanência na judicatura por imple­mento de idade, ou os desígnios superiores da Providência, é que podem obstar a chegada de cada um dos Membros da Corte a seus postos de direção. Nada, porém, retira, de posses, como as de hoje, seu altíssimo significado para o Poder Judiciário e para o País.

É por isso que aqui acorrem, em momentos como o presente, as mais altas e representativas personalidades da vida pública nacional.

2. É, portanto, com encantamento de alma e com a mesma emoção vivida em ocasiões como esta, que, sumamente honrado pela incumbência recebida, passo a saudar os empossandos, em nome do Tribunal.

3. A 1 o de novembro de 1945, nasceu na histórica Tatui, Estado de São Pau­lo, JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, filho do Professor JOSÉ CELSO DE MELLO e da Professora MARIA ZENAIDE ALMEIDA MELLO.

O local de nascimento e a origem familiar já explicam sua incontida vocação para as coisas da Cultura.

Sim porque Tatuí tem significativa participação na História do Bra­sil-Império. PAULO SETÚBAL, por exemplo, foi uma de suas grandes expressões culturais. E a formação dos pais de nosso Presidente concorreu, sobremaneira, para sua paixão pela leitura, pelos estudos e pelo trabalho.

4. Tanto que, entre os 18 e 19 anos de idade, antes mesmo de ingressar na Fa­culdade de Direito da Universidade de São Paulo, valendo-se de uma Bolsa de Estu­dos concedida pela «American Field Service», diplomou-se, nos Estados Unidos da América, na «Robert E. Lee Senior High School», em Jacksonville, Flórida, nos anos acadêmicos de 1963 e 1964, havendo já no primeiro ano, ou seja, aos 18 anos de idade, obtido o título de «Cidadão Honorário de Jacksonville», por deliberação unâ­nime do «City Council» (1963).

5. Sempre estudando em Escolas públicas, nos anos de 1965 a 1969 gradu­ou-se em Ciências Jurídicas e Sociais, pelas tradicionais «Arcadas» do Largo de São Francisco, que tanto falam aos corações paulistas e brasileiros. E onde, aliás, foi alu­no do Professor JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES, hoje seu Colega, nesta Corte e nosso Decano.

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6. Na Universidade de Roma («Facoltà di Giurisprudenza») perfez curso de extensão universitária em Direito Penal, sob orientação do Professor GIULIANO V ASSALLI, ministrado em convênio com a Universidade Mackenzie.

7. Outro freqüentou e completou, sobre «Instituições jurídicas e políticas norte-americanas», pela Universidade da Califórnia (U.C.L.A.).

8. Participou ativamente do Seminário Regional para a América Latina e Ca­ribe sobre Direitos Autorais e Conexos, promovido pela UNESCO, na cidade do México, D, F, em 1975.

9. No período de 1970 a 1989 foi membro do Ministério Público do Estado de São Paulo, em cuja carreira ingressou, mediante concurso público de provas e tí­tulos, classificado em 1° lugar, dentre 1. 11 8 candidatos inscritos.

I O. Naquela exemplar instituição exerceu os cargos de Promotor de Justiça e Curador-Geral nas comarcas de Santos, Osasco, São José dos Campos, Cândido Mota, Palmital, Garça e São Paulo.

Foi Curador Fiscal de Massas Falidas, de Resíduos, de Ausentes e Incapazes, de Fundações, de Registros Públicos, de Casamentos, de Menores, de Família e Su­cessões, de Acidentes do Trabalho, e Promotor de Justiça Criminal, inclusive junto ao Tribunal do Júri.

11. Chegou à 2" Instância do Ministério Público, como Procurador de Justi­ça, atuando junto aos Tribunais de São Paulo.

12. Com o imenso cabedal de conhecimentos que adquiriu, ao longo de sua vida de leitor insaciável, pesquisador contumaz e estudioso inveterado, foi chamado a colaborar, fora do Ministério Público, para inúmeras funções, nos Poderes Execu­tivo e Legislativo, de São Paulo ou da União.

Assim é que, nos anos de 1975/ 1976, atuou como Assistente Jurídico do Se­cretário da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo, Dr. JOSÉ E. MINDLIN.

Ainda em 1976, integrou o Grupo de Trabalho, constituído pelo Procura­dor-Geral da Justiça do Estado de São Paulo, que apresentou conclusões sobre a nova lei de acidentes do trabalho.

Em 1979 e 1980 foi Assessor, para assuntos constitucionais, do Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo (Deputado FLÁVIO FLORES DA CUNHA BlERRENBACH).

No mesmo período assessorou o Grupo de Trabalho de Reforma da Constitu­ição Paulista, constituído pela Mesa da Assembléia.

Por designação do Presidente da República JOSÉ SARNEY, compôs, entre 1985 e 1986, o Conselho de Administração da «Fundação Petrônio Portela», com sede no Distrito Federal.

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Ainda em 1985 e 1986, integrou Grupo de Trabalho constituído pelo Procu­rador-Geral da República, Professor JOSÉ PAULO SEPúLVEDA PERTENCE (hoje ilustre Juiz e seu antecessor na Presidência desta Corte), na condição de mem­bro representante do Gabinete Civil da Presidência da República, para elaborar o Anteprojeto de Lei Orgânica do Ministério Público da União.

Em 1989 coordenou Grupo de Trabalho, constituído pelo Presidente da Re­pública, e que elaborou o anteprojeto de lei sobre normas gerais de organização dos Ministérios Públicos dos Estados, Distrito Federal e Territórios.

13. Encontrou e separou tempo, ainda, para profícua atividade no Magisté­rio, tendo sido Professor de Direito Constitucional, no Curso de Extensão e Prepara­ção à Magistratura e ao Ministério Público de São Paulo, coordenado pelo insigne Professor DAMÁSIO EVANGELISTA DE JESUS, nos anos de 1976 a 1985.

Nos anos de 1977 e 1978, foi Professor, também, de Direito Civil, na Facul­dade de Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.

14. Na Administração Pública federal, foi Membro do Gabinete Civil da Presidência da República, na condição de Assessor Jurídico, em nível de Subchefía, do Ministro de Estado Chefe daquela Pasta, o saudoso Dr. JOSÉ HUGO CASTELO BRANCO, nos anos de 1985 e 1986; Secretário-Geral da Consultoria-Geral daRe­pública, ao tempo da gestão do ilustre Advogado paulista SAULO RAMOS. E, em alguns períodos, Consultor-Geral da República interino (julho/agosto/ 1986, setem­bro/outubro/ 1986, outubro/novembro/ 1987, e maio/junho/ 1988).

Em todos os postos, por nomeação do Presidente da República JOSÉ SARNEY.

15. É filiado à «National Honour Society» (Lee High School Chapter­Jacksonville, Flórida), à «American Field Service», à «Associação Paulista do Mi­nistério Público» e Membro efetivo do Instituto dos Advogados Brasileiros (Rio de Janeiro).

16. Autor da preciosíssima «Constituição Federal Anotada», com duas edi­ções pela Saraiva, São Paulo, encontrando-se, em fase de elaboração, a 33 edição, já referente à Constituição de 1988. E, em fase de conclusão, «0 Controle de Constitu­cionalidade na Nova Constituição Brasileira», a ser editado, também, pela Saraiva.

17. Inúmeros trabalhos doutrinários de JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO encontram-se publicados em Revistas jurídicas especializadas, de âmbito nacional, tais como a «Revista dos Tribunais», a «Revista Forense», a Revista <dustitia» (do Ministério Público de São Paulo), a <<Revista de Jurisprudência do Tribunal de Justi­ça do Estado de São Paulo», a Revista «Julgados dos Tribunais de Alçada de São Paulo», «Revista de Direito Imobiliário»; ou sob a forma de artigos publicados pelo Jornal «0 Estado de São Paulo». E sobre os temas mais variados de Direito Constitu­cional, Penal, Civil, Comercial e Processual Civil, como, por exemplo, «Notas sobre as Fundações» (<<Revista dos Tribunais», vol. 537 /29); «A tutela judicial da liberda-

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de» (<<Revista dos Tribunais», vol. 526/291 ); «0 direito do acusado à publicação do edital pela imprensa» (<<Revista dos Tribunais», vol. 489/290); «Apontamentos so­bre o novo Código de Processo Civil» («Revista dos Tribunais», vol. 474/238); «0 embargo extrajudicial de obra nova no Código de Processo Civil» («Revista dos Tri­bunais», vol. 460/74; «0 direito constitucional de reunião» («Revista de Jurispru­dência do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo», vol. 54/ 19); «Aspectos da escritura pública» (<<RJTJSP», vol. 45/13), em co-autoria com o Juiz SEBASTIÃO LUIZ AMORIM; <<Apontamentos sobre a penhora no Código de Processo Civib> («Revista Forense», vol. 247/419); «A Ementa Constitucional n° I e a extinção do Júri de economia popular» («Justitia», vol. 7217, em co-autoria com o Promotor MARCOS RIBEIRO DE FREITAS; <<A questão da eficácia executiva do cheque» («Justitia», vol. 81/63); «0 depósito judicial na concordata preventiva (natureza e objeto)» («Justitia», vol. 109/98); «Aspectos da elaboração legislativa» («Justitia», vol. I 08/58); «A liberdade de associação e a extinção dos partidos políticos» ( «Justi­tia», vol. 107/27); «0 Ministério Público e a legalidade democrática»; «As crises do Ministério Público»; «0 Ministério Público nos Estados Unidos da América»;«O Ministério Público e sua entidade de classe»; «A questão da prorrogação dos manda­tos municipais»; («Justitia», vol. 43, p. 165/ 169).

18. JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO, além de tudo isso, participou do I e do VI Congressos do Ministério Público, realizados em São Paulo, em 1971 e 1985.

19. E tem merecido muitas homenagens, dentre as quais muito lhe tocaram os sentimentos as do recebimento dos títulos de CIDADÃO HONORÁRIO DE CÂNDIDO MOT A e de OS ASCO, cidades onde atuou como Promotor de Justiça.

20. Recebeu a «MEDALHA DO MÉRITO TAMANDARÉ», outorgada pelo Ministro da Marinha, mediante proposta do Conselho da Ordem do Mérito Na­val, em 1986; a «ORDEM DO MÉRITO JUDICIÁRIO DO TRABALHO», no grau de Grande Oficial, por decisão do Tribunal Superior do Trabalho ( 1988); a «INSÍGNIA DO MÉRITO DA MAGISTRATURA>>, outorgada pela Associação dos Magistrados Brasileiros ( 1989); a «ORDEM DO MÉRITO JUDICIÁRIO MILITAR» (Superior Tribunal Militar), no grau de Alta Distinção ( 1989).

21. Do Tribunal de Justiça de São Paulo um reconhecimento e uma homena-gem.

O primeiro, quando o incluiu, por três vezes, na lista do quinto constitucional, para efeito de preenchimento de vaga reservada à classe do Ministério Público (anos de 1988 e 1989).

E a segunda, quando, em 1996, lhe outorgou o «COLAR DO MÉRITO JUDICIÁRIO», instituído por aquela Egrégia Corte Judiciária, que também tive a honra de integrar.

22. Preenchendo, assim, sobejamente, os requisitos constitucionais do notá­vel saber jurídico e de ilibada reputação, JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO empos­sou-se no cargo de Ministro do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a 17 de agosto

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de 1989 (com 43 anos de idade), indicado e nomeado, que foi, pelo Presidente daRe­pública JOSÉ SARNEY, com aprovação do Senado Federal, por voto secreto, após memorável argüição pública, prevista na Constituição de 1988 (alínea «a>> do inc. III do art. 52).

23. É o sexto paulista a assumir a Presidência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. Precederam-no os Ministros OLEGÁRIO HERCULANO DE AQUINO E CASTRO, JOAQUIM DE TOLEDO PIZA E ALMEIDA, LAUDO FERREIRA DE CAMARGO, JOSÉ CARLOS MOREIRA ALVES e este humilde orador de hoje.

24. É o segundo Promotor de Justiça, que se encontrava ainda na carreira do Ministério Público, quando foi nomeado para esta Corte, e chegou à Presidência do Tribunal.

O primeiro foi o saudoso Ministro CORDEIRO GUERRA, oriundo do Mi­nistério Público do antigo Distrito Federal, com sede no Rio de Janeiro, depois, do Estado da Guanabara. Outros ex-representantes do Ministério Público chegaram a esta Corte, mas não se encontravam na carreira, quando isso aconteceu.

25. De todos os Juízes do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ao tempo do Brasil-Império, e do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, sob a República, é o que chega mais jovem à Presidência da Corte, ou seja: com 51 anos de idade. Não se equivocou a Comunidade de Jacksonville, na Flórida, quando lhe conferiu, aos 18 anos de idade, o título de cidadão, pois lhe anteviu um futuro brilhante, que hoje, sob todos os títulos, se confirma e se consagra.

26. Nas decisões monocráticas e nos votos que tem proferido, mesmo não como Relator, e nos acórdãos que relata, sempre minuciosos, escorreitos e substan­ciosos, JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO tem aprofundado o estudo dos institutos que examina, colocando sua imensa cultura jurídica e visão humanística à busca de uma solução condizente com os princípios constitucionais pelos quais deve zelar esta Casa.

27. Seu talento e erudição, a clareza de idéias, a elegância da forma nas ma­nifestações orais e escritas, a profundidade do conteúdo e o grande poder de conven­cimento são freqüentemente aqui exaltados por todos os Juízes da Corte, freqüentíssimas as citações de seu nome e de seus trabalhos pela doutrina e pela ju­risprudência de todo o País.

28. A invejável capacidade de trabalho e a notável disposição para suscitar e debater questões novas não lhe retiram a irradiante simpatia, a lhaneza do trato, a ele­gância dos gestos, o entusiasmo contagiante no exercício da função.

29. Uma particularidade: é estimadíssimo pelos funcionários do Gabinete, apesar do sacrificio que, de certa forma, lhes exigem suas habituais horas noturnas de trabalho, ainda no próprio recinto do Anexo I.

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30. Em discurso que proferiu, em nome desta Corte, ao saudar Chefe de Estado sul-americano que a visitava, CELSO DE MELLO salientou que via como intransigente defensor do sistema democrático «aquele que respeita a soberania do povo, fonte de emanação de todo o poder do Estado; que estimula o pluralismo polí­tico; que preserva a independência da comunhão nacional; que renega todas as espé­cies de intolerância; que tutela as liberdades públicas e confere dimensão extraordinária aos direitos da pessoa humana.»

31. Em julgamento da Corte, foi crítico ferrenho do uso de provas ilícitas, que lhe pareceram contaminar todas as outras licitamente obtidas, concorrendo deci­sivamente para o respectivo desfecho, que depois a Corte amainou, em outros julga­dos.

Noutro, ainda, recente, foi eloqüente e sumamente severo, ao denegar pedido de Extradição, requerido por Estado, que não lhe pareceu respeitador de direitos hu­manos, embora a maioria se haja valido apenas de argumentos técnicos para o inde­ferimento.

32. No dia em que eleito para a Presidência do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, disse o Ministro CELSO DE MELLO:

«Desejo registrar a honra insigne, que, para mim, oriundo do Ministério Público paulista, representa, após quase 29 anos de integral dedicação ao Direito e à causa da Justiça, a elevada investidura que me é outorgada pelos eminentes magistrados desta Suprema Corte, seguin­do e observando uma tradição que reflete o equilíbrio e a serenidade que qualificam as decisões deste Alto Tribunal.

O Brasil sofre, hoje, um processo de expressiva transformação que se projeta, por efeito de imperiosa necessidade de atualização do Estado, no plano da reorganização institucional dos Poderes da Repú­blica.

Sabemos todos que, no contexto das reformas do Estado, a ques­tão do Poder Judiciário constitui um dos tópicos mais significativos e importantes que compõem a presente agenda política nacional.

A reforma do Poder Judiciário, menos do que um fun em si pró­prio, representa um decisivo movimento em favor da cidadania e do respeito à ordem democrática. A reforma judiciária, por isso mesmo, deve constituir um fator de ruptura com antigas concepções que, ao prestigiarem uma inaceitável abordagem estritamente corporativa e marcadamente estamental da questão concernente à administração da justiça, sempre neutralizaram, de maneira grave e irreversível, qual­quer tendência positiva em favor de uma necessária abertura do Poder Judiciário em relação à sociedade civil.

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Também entendo que a reforma do Poder Judiciário, para viabi­lizar-se segundo os padrões éticos, jurídicos, políticos e sociais recla­mados pela coletividade, supõe a adoção de uma nova atitude cultural dos magistrados em relação ao problema da reorganização do Estado.

A reforma do aparelho judiciário e do sistema processual se im­põe como providência essencial à busca de maior eficácia social para a prestação jurisdicional, à racionalização do modelo de administração da justiça, à celeridade na solução responsável dos conflitos individuais e sociais e à obtenção de transparência e visibilidade em relação aos atos de administração praticados por magistrados e Tribunais, quais­quer que sejam, pois nenhum órgão do Estado pode dispor, numa socie­dade realmente democrática, de imunidade à fiscalização da cidadania e do corpo social.

É certo, no entanto, que todas as reformas necessárias ao aper­feiçoamento do processo de administração da justiça não podem pres­cindir do respeito devido à independência dos corpos judiciários, pois é na independência integral dos juízes que reside, de maneira particular­mente significativa, o próprio fundamento de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e de conservação integral das franquias de­mocráticas do cidadão.

Nunca é demasiado relembrar que, sem juízes independentes, não há sociedades livres.

Os Poderes da República são independentes. Mas devem manter convívio harmonioso em suas relações institucionais, para que, do respeito recíproco entre as diversas instâncias do Poder, possa resultar uma prática governamental que tenha como paradigma constante o respeito consciente aos grandes postulados proclamados pela Consti­tuição.

Uma última palavra, Senhor Presidente.

É preciso ampliar, ainda mais, a agenda institucional do Poder Judiciário, para que, no contexto da discussão social sobre a reforma ju­diciária, possam nela ser incluídos outros temas de inegável importân­cia para a sociedade civil.

Um desses tópicos de ampliação democrática da agenda do Po­der Judiciário consiste em debater a questão essencial dos direitos bási­cos da pessoa humana.

O Poder Judiciário tem um compromisso histórico e moral com a preservação dos valores fundamentais que protegem a dignidade da pessoa humana. Os juízes, em sua atuação institucional, não podem

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desconhecer a realidade insuprimível dos direitos essenciais da pessoa, trate-se de direitos de primeira, de segunda ou de terceira gerações.

O Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das franquias constitucionais. Essa alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribunais pelo povo, qualifica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Poder Judiciário.

Daí a conclusão a que, recentemente, chegaram os magistrados latino-americanos, reunidos em São Paulo no II Seminário Internacio­nal sobre a Independência Judicial na América Latina: «A legitimação material do juiz no Estado Democrático de Direito se dá pela aplicação e defesa dos Direitos Humanos que realiza no exercício de suas funções jurisdicionais».

Em uma palavra: o juiz é, e sempre deve ser, o instrumento da Constituição na defesa incondicional e na garantia efetiva dos direitos fundam entais da pessoa humana. Essa é uma das missões irrenunciá­veis do juiz digno e consciente de seus deveres éticos, políticos e jurídi­cos, no desempenho da atividade jurisdicional.

Em suma, Senhor Presidente, os desafios são muitos e vários são os dilemas. Mas amplos, também, são os caminhos já abertos de manei­ra superior por Vossa Excelência, que, com notável dedicação e reco­nhecido talento, lançou os fundamentos que nos devem inspirar a todos no processo de reconstrução institucional do Poder Judiciário e de re­modelação da própria face da Justiça.»

33. Para bem se compreender a alma de nosso Presidente, é preciso rememo­rar alguns episódios recentes, como a declaração que fez, à Imprensa, sobre o doloro­so episódio de Diadema:

«0 gesto criminoso atribuído aos PMs, na chacina de Diadema, fere, profundamente, o sentimento de decência das pessoas e transgri­de, frontalmente, valores essenciais consagrados pela Constituição da República, cujo texto- ao conferir prevalência aos direitos humanos - privilegia a irrecusável dignidade da pessoa humana.

Os episódios de Diadema - além de conferirem atualidade ao debate em tomo da necessidade da unificação dos organismos policiais, sob estrito controle institucional do Ministério Público e fiscalização social da coletividade - evidenciam, dramaticamente, que se impõe repudiar e reprimir, com integral respeito ao princípio do devido pro­cesso legal, os atos de prepotência, de abuso de poder e de humilhação, cometidos por maus policiais militares, que demonstraram, no exercí­cio anormal de suas funções, uma sombria vocação para a prática crimi­nosa da violência arbitrária.

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É preciso advertir esses setores marginais que atuam na perife­ria das corporações policiais que ninguém - inclusive a Polícia Mili­tar - está acima das leis.

Vivemos sob o império de uma Constituição cuja notável decla­ração de direitos confere garantias reais ao cidadão em face de com­portamentos abusivos, protegendo-o contra condutas criminosas dos agentes do Estado.

É intolerável que agentes policiais tomem a lei em suas mãos, para, com abuso de seu poder, desprezarem direitos essenciais que per­tencem aos cidadãos.

É inaceitável que a Polícia se converta em um instrumento de suplício das pessoas, mesmo daquelas que figuram como suspeitas ou acusadas da prática de qualquer ato criminoso».

34. A indignação cívica do Ministro CELSO DE MELLO, valorizada, às ve­zes, até por algumas circunstâncias ocasionais, vem encontrando ressonância, inclu­sive no âmbito do Congresso Nacional, seja com relação ao tema da competência da Justiça Militar, seja com o Projeto de Emenda Constitucional, em andamento, que al­tera normas da Constituição Federal, relativas às Medidas Provisórias.

35. CELSO DE MELLO não costuma silenciar sobre temas de interesse para o País, por mais polêmicos que possam ser.

Assim é que se manifesta, claramente, pela instituição de um controle externo do Poder Judiciário, não apenas o que é efetuado, atualmente, pelos Tribunais de Contas e pelo Poder Legislativo, mas, mais amplamente, por segmentos da socieda­de civil, indicados inclusive pelo Parlamento, que, como se sabe, necessariamente, tem origem partidária e se elege sob a fiscalização e atuação jurisdicional dos Juízes.

Manifesta-se, também, abertamente, pela unificação das Polícias, colocadas sob o controle externo do Ministério Público, pela extinção da Justiça Militar estadu­al e pela exclusão dos civis da competência da Justiça Militar federal, ao menos em tempos de paz.

Pela extensão do processo de «impeachment>>, por crime de responsabilida­de, previsto, na legislação atual, no âmbito do Judiciário, apenas para Ministros do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, a todos os integrantes da Magistratura Nacio­nal; pela não adoção das Súmulas vinculantes, pelas quais tanto lutou seu antecessor; pela inadmissão da pena de morte; pela limitação da imunidade parlamentar aos atos praticados no estrito exercício do mandato; pela admissão da eutanásia, em certas circunstâncias; pela não responsabilização criminal do simples usuário de drogas; pela fixação, por lei, de efeitos jurídicos para a união homossexual.

Também não esconde sua simpatia pela idéia da nomeação de uma mulher para o SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, como representante das ilustres juristas brasileiras.

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36. Sabe o digno Presidente que, em alguns desses temas, não conta com a unanimidade, ou mesmo, com a maioria do Tribunal.

E democrata que é, saberá comunicar ao Congresso Nacional esse entendi­mento da Corte, por via oficial, se for preciso, já que a seu antecessor, o ilustre Minis­tro SEPÚL VEDA PERTENCE não foi dado, apesar de seus ingentes esforços, ver votada e aprovada a reforma do Poder Judiciário, pela qual tanto se empenhou.

3 7. Abordo agora, de passagem, alguns desses temas, sobre os quais o Tribu­nal já firmou entendimento.

38. Um deles é o do controle administrativo dos órgãos do Poder Judiciário e o controle disciplinar de seus membros.

Para se conhecer o ponto de vista da Corte, a respeito do tema, basta a leitura dos artigos 81 a 85 de seu Projeto de Lei Complementar, destinado à elaboração do Estatuto da Magistratura Nacional, enviado pelo SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL ao Congresso Nacional, e por mim entregue, como seu Presidente, ao en­tão Presidente da Câmara dos Deputados, IBSEN PINHEIRO, em data de 23 de de­zembro de 1991.

Projeto de Lei que não pôde ser votado até hoje, passados mais de cinco anos, em face dos inúmeros percalços, decorrentes, inicialmente, de um Projeto de Revi­são da Constituição e ultimamente de Propostas de Emendas Constitucionais, envol­ventes, também, do Poder Judiciário.

Está ali o que a Corte considera viável em termos de Controle do Poder Judi­ciário, sem lesão à Carta Magna: seu Conselho Nacional de Administração da Justi­ça, que tem tudo para prestar grandes serviços à Nação brasileira, em termos de uniformidade e moralidade administrativa, sem sacrificar a independência do Poder, que é uma das linhas mestras da Constituição.

É bom, por isso, que todos procurem conhecer aquele texto, para debatê-lo, aprimorá-lo e votá-lo, sem o risco de incidência em inconstitucionalidades insuperá­veis, como serão as que vierem a consubstanciar violação a cláusulas intocáveis da Constituição, dentre elas a relativa ao princípio da separação dos Poderes, que se­quer admite Emendas Constitucionais tendentes a aboli-lo.

39. Outro ponto, este não cogitado no Projeto de Estatuto da Magistratura Nacional, porque de estatura constitucional, exigente, por isso mesmo, de reforma da Constituição, é o das chamadas Súmulas vinculantes.

Trata-se de solução que não conta com a unanimidade do Tribunal, mas que foi aprovada pela maioria, em mera avaliação administrativa do Projeto de Emenda Constitucional.

É um remédio amargo que a Corte considerou necessário para manutenção da sua própria subsistência como guardiã da Constituição no País, e como órgão de cúpula do Poder Judiciário Nacional, sob pena de se inviabilizar definitivamente, com milhares e dezenas de milhares de processos, que repetem teses idênticas às já

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decididas anos antes por seu Plenário, atingindo mais de 85% dos trabalhos que rea­liza dia a dia, mês a mês, ano a ano, quase que inutilmente para o País. Súmulas que seriam elaboradas apenas depois de colhidas, em inúmeros processos, as manifesta­ções dos mais diferenciados segmentos das instâncias ordinárias e superiores, sob o influxo da formação de cada Juiz, do debate doutrinário e jurisprudencial. Sempre aprovadas por maioria de 3/5 dos votos do Plenário da Corte. E perfeitamente revisí­veis, a qualquer tempo, por proposta de qualquer Tribunal, do Ministério Público da União e dos Estados; da própria União, dos próprios Estados e do Distrito Federal, e, ainda, do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil.

Tentativa de racionalização de trabalho, que não haverá de servir de pretexto ã Corte, para cometer desatinos e imprudências históricas, que nunca se animou a co­meter, guiada pela experiência de seus membros, oriundos dos mais diversos seg­mentos da vida jurídica brasileira.

É preciso confiar um pouco mais na SUPREMA CORTE JUDICIÁRIA DO BRASIL.

40. Mas, sabidamente, não bastam as Súmulas vinculantes para aliviar a car­ga de competências do SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL e até do SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA e do TRIBUNAL SUPERIOR DO TRABALHO.

É preciso pensar na limitação de certas causas a instância única, ou no máxi­mo dupla, pois não é possível imaginar-se um Tribunal Superior ou Supremo capaz de julgar, com qualidade e no tempo devido, todas as causas de um País, de continen­tais dimensões, que tem mais de 150 milhões de habitantes, de origens as mais varia­das, mergulhados, como é notório, num grande conflito econômico, político, jurídico, social e moral, e cuja solução buscam cada dia mais, no âmbito do Poder Ju­diciário. Poder que se afirma desacreditado e que, no entanto, recebe, movimenta, decide e executa decisões em dezenas de milhões de processos, com pouco mais de 7.000 Magistrados. Como seria, então, se o Judiciário gozasse da credibilidade dese­jável?

Sem dúvida, permaneceria com a mesma estrutura pequena, insuficiente, in­satisfatória, inadequada, obsoleta, porque não tem sido a Justiça prioridade nacional, ao longo de toda a História do País.

Na verdade, só a prioriza mesmo o injustiçado sem alternativas. Porque este quer Justiça rápida, eficaz, barata, de fácil acesso. E injustiçado é sempre o jurisdi­cionado que não a obtém a tempo e a hora, ainda que vença um dia.

41. Além da redução de instâncias de recurso, no processo de conhecimento e de execução, nas causas cíveis e criminais, de menor complexidade e de maior in­formalismo nas demais causas, é preciso pensar-se, também, na solução encontrada pelo pragmatismo norte-americano, que instituiu uma Comissão de Juízes, na Su­prema Corte, para selecionar os processos que esta deve julgar, porque de interesse de todo o País e não apenas das partes que os envolvem.

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Solução que possibilitou àquela Corte Suprema julgar de 100 a 200 proces­sos, por ano, com a maior rapidez e eficiência, quando estejam envolvidos os interes­ses da Nação, de forma direta ou indireta. E que lhe deram o imenso prestígio de que gozam seus Juízes entre os compatriotas.

Tema igualmente relevante para uma reforma do Poder Judiciário Nacional, de um modo geral, e do Supremo Tribunal Federal, em particular, que tem julgado nos últimos anos, mais de trinta mil processos e a esse número deve chegar no cor­rente.

Mas que conta, nesse ponto, com a conhecida resistência de grande parte dos Advogados brasileiros, aos quais também interessa- e muito- uma Justiça de fá­cil acesso, mais rápida, eficiente e acreditada.

42. Como se vê, são muitos os desafios apresentados pela História antiga e atual do Brasil ao nosso Presidente, que, aliás, se não se houvesse encaminhado para as coisas do Direito e da Justiça, seria um Professor de História, tal seu entusiasmo por esse grande segmento da cultura humanística.

43. Seu perfil, que, mãos inábeis, de aprendiz desajeitado, procuraram traçar aqui, é, pelo menos, uma garantia de que saberá lutar por boas causas, ouvindo sem­pre o Tribunal, sem, em momento algum, colocar em risco os princípios da indepen­dência e da harmonia que deve reinar entre os Poderes.

44. Mas não são apenas esses os desafios.

Outro terá o Ministro CELSO DE MELLO: o de suceder, na Presidência, a um vulto impressionante de magistrado e administrador, como JOSÉ PAULO SEPÚL VEDA PERTENCE.

Não é hora de homenagem a S. Exa. , pois o Regimento da Corte a reserva para outras oportunidades.

Algumas referências, porém, ainda que breves, precisam ser feitas.

Em sua gestão e com seu decisivo empenho, foi aprovada pelo Congresso Na­cional e sancionada pelo Presidente da República a Lei que regula os Juizados Especiais Cíveis e Criminais, previstos na Constituição e que, implantados em vá­rios Estados da Federação, vêm possibilitando maior rapidez e eficiência da Justiça Civil e Criminal na grande maioria dos processos que lhe são submetidos.

Também sob sua administração foram aprovadas e sancionadas Leis impor­tantíssimas, como a que define o cr ime de tortura e a que regula a quebra de sigilo telefônico , nas hipóteses permitidas pela Constituição Federal.

Tornou-se Lei e está em fase de implantação, o Plano de Carreiras dos Ser­vidores do Poder Judiciá rio da União.

Procedeu-se a ampla reorganização administrativa da Secretaria do Tribunal, havendo sido encaminhado ao Congresso Nacional projeto de lei a esse respeito.

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Emprestou-se decisivo apoio à informatização, facilitando-se, sobremaneira, o acesso dos interessados aos registros e arquivos da Corte, pelos mais variados e modernos sistemas de comunicação.

O Poder Judiciário Nacional, de um modo geral, e o Supremo Tribunal Fe­deral, em particular, tiveram razoável espaço no programa oficial da Imprensa Na­cional, «A Voz do Brasil».

E os desencontros de informações foram sanados a tempo e a hora. Assim como expressamente acatadas as críticas justas e, de pronto, respondidas as eventu­almente injustas.

E está em fase adiantada a construção do Anexo n, imprescindível para o bom andamento dos trabalhos do Tribunal, sua Secretaria, Divisões, Departamentos e Órgãos. E até para o funcionamento da Escola da Magistratura Nacional e do Ban­co Nacional de Dados, sobre o Poder Judiciário, tudo igualmente previsto no Projeto de Estatuto da Magistratura, enviado ao Congresso.

45. Para esses desafios todos, o Ministro CELSO DE MELLO não contará apenas com seu talento, com seu tirocínio, com sua invejável capacidade de trabalho, mas, também, mais de perto, com a colaboração valiosíssima do Ministro CARLOS MÁRIO DA SILVA VELLOSO, nosso Vice-Presidente, homem formado no Direi­to, na Justiça e no Magistério universitário. Que foi Juiz Federal de I 0 grau, Ministro do Tribunal Federal de Recursos, Ministro do Superior Tribunal de Justiça, Ministro do Tribunal Superior Eleitoral e seu Presidente. Enfrm, homem, também, do estudo, do trabalho, da cultura e do civismo.

46. Contará, também, com a colaboração e a experiência de seus Colegas mais antigos, cinco ex-Presidentes da Corte, e, ainda, com a cooperação de Magis­trados como os Ministros MARCO AURÉLIO e ILMAR GAL VÃO, aquele atual e este futuro Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, ambos com invulgar biografia. E, ainda, com homens que, além de Advogados, na origem, já prestaram relevantes serviços aos Poderes Legislativo e Executivo, e hoje os prestam a esta Corte, como são os Ministros MAURíCIO CORRÊA e NELSON JOBIM.

47. Mais importante que tudo isso, contará, com o apoio e a dedicação de sempre da Professora MARIA DE LOURDES .CAMPOS DE MELLO, sua querida Esposa, amiga e companheira, e o carinho das filhas: ANA LAURA CAMPOS DE MELLO e SÍLVIA RENATA CAMPOS DE MELLO, alegrias permanentes do lar.

48. Com todo seu valor pessoal, com toda a ajuda com que poderá contar, JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO honrará, sem dúvida, a Presidência do SUPREMO TRlBUNAL FEDERAL. E os desafios de hoje não passarão de estímu­lo à realização de um grande trabalho, a bem do Poder Judiciário Nacional, e, enfim, de todo o Povo brasileiro, do qual somos todos e apenas humildes servidores.

Muito obrigado a todos pela atenção.

Palavras do Senhor Ministro CELSO DE MELLO,

Presidente

Tenho a honra de conceder a palavra ao eminente Procurador-Geral da Repú­blica, Doutor Geraldo Brindeiro.

Discurso do Doutor GERALDO BRINDEIRO,

Procurador-Geral da República

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro Celso de Mello; Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Professor Fernan­do Henrique Cardoso; Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, Marco Maciel; Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal e do Congresso Na­cional, Senador Antônio Carlos Magalhães; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Temer; Excelentíssimos Senhores Minis­tros do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimos Senhores Ministros aposenta­dos desta Corte; Excelentíssimos Senhores Ministros de Estado; Excelentíssimos Senhores Senadores; Excelentíssimos Senhores Deputados Federais; Excelentíssi­mos Senhores Embaixadores; Excelentíssimo Senhor Núncio Apostólico; Excelen­tíssimos Senhores Governadores de Estado e o do Distrito Federal; Excelentíssimos Senhores Presidentes dos Tribunais Superiores da União; Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União; Excelentíssimos Senhores Ministros dos Tribunais Su­periores; Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil; Excelentíssimos Senhores Magistrados; Membros do Minis­tério Público; Advogados; Senhoras e Senhores.

O embrião histórico do Supremo Tribunal Federal, ainda no período colonial, fora a Casa da Suplicação do Brasil, surgida da elevação do Tribunal da Relação do Rio de Janeiro, quando da chegada de D. João VI com a Corte em 1808. Com o retor­no de D. João VI para Portugal, em 1821, o Tribunal da Relação do Rio de Janeiro de­veria voltar à sua posição anterior, sendo restabelecidas as atribuições da Casa da Suplicação de Lisboa que julgava em última instância as demandas do Brasil. Mas com o advento da independência menos de um ano depois, a Casa da Suplicação do Brasil continuou funcionando como a mais alta Corte de Justiça do País até 1828, quando foi instituído por lei o Supremo Tribunal de Justiça, em cumprimento ao es­tabelecido na Constituição do Império de 1824.

O Supremo Tribunal Federal foi criado no Brasil nos primórdios da Repú­blica, com a adoção, na primeira Constituição Republicana de 1891, da forma federativa de Estado e do sistema presidencialista de Governo, segundo o modelo nor­te-americano. A criação da Corte inspirou-se na Suprema Corte dos Estados Unidos da América, instalada um século antes, em 1790, em cumprimento à Constituição Americana de 1787 e nos termos do JudiciaryAct de 1789. Na exposição de motivos que acompanhou o Decreto n° 848, de 1890, do então Ministro da Justiça do Governo

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Provisório CAMPOS SALES, destacam-se «a nova índole do Judiciário como Poder no regime republicano, calcado sobre os moldes democráticos do sistema federal».

A evolução histórica do Supremo Tribunal Federal é registrada nas Constitui­ções Republicanas Brasileiras até a Constituição Federal de 1988. Nelas desta­cam-se os papéis do Supremo Tribunal Federal de guard ião máximo da Constituição, das liberdades públicas e da Unidade do Direito Nacional.

O saudoso Ministro ALIO MAR BALEEIRO - ex-Presidente desta Casa ­destacava que o Supremo Tribunal Federal, no exercício de sua jurisdição constitu­cional, tem uma dimensão política de suas altas responsabilidades, no sentido mais puramente helênico, que o distingue de quaisquer outros Tribunais do País.

E, como observa o Professor MAURO CAPPELLETTI na sua obra «0 Con­trole Judicial de Constitucionalidade das Leis no Direito Comparado», expandiu-se por todo o mundo, inclusive no Brasil, a influência do Direito Constitucional Ameri­cano e da Suprema Corte, especialmente quanto à judicial review e à garantia dos di­reitos civis e das liberdades públicas. Além do chamado controle «difuso» de constitucionalidade, segundo o modelo original americano, todavia, surgiram de­pois, na Europa Continental, o controle «concentrado», como o exercido pelas Cor­tes Constitucionais na Alemanha e na Itália, e o controle «político», como o realizado preventivamente pelo Conseil Constitutionnel na França.

A missão constitucional dos Supremos Tribunais e das Cortes Constitucio­nais, contudo, não se realiza sem atender às peculiaridades históricas, políticas e cul­turais de cada País e considerando as raízes dos seus sistemas juridicos. Nesse sentido, é importante ter em mente as lúcidas observações do Professor RENÊ DAVID na sua obra <<Les Grands Systemes de Droit Contemporains» , especialmen­te quanto aos sistemas do «common /aw», originário da Inglaterra, de que fazem par­te os Estados Unidos da América e os Países da Commonwealth , e do «civillaw» ou de tradição romanística, de que fazem parte os Países da Europa Continental e da América Latina, entre os quais o Brasil.

O Direito Comparado como método de comparação de sistemas juridicos tem utilidade, enquanto método, na medida em que pemúte a cada País usufruir das ex­periências bem sucedidas de outros Países nas soluções de seus problemas jurídicos análogos, com as adaptações necessárias à sua cultura e às suas tradições, preservan­do a identidade nacional.

As peculiaridades da Federação brasileira, fruto das contingências históricas de sua formação, partindo da descentralização de um Estado unitário, revelam a existência - ao contrário do que ocorre nos Estados Unidos da América - de uma Constituição Federal analítica e de leis federais que regulam todas as matérias rele­vantes.

Os sistemas juridicos, no entanto, interagem e há cada vez mais influências recíprocas. E, assim como cada vez mais se enfatizam os códigos e as leis escritas como fontes do Direito nos Países de «common laW>>, nos Países de tradição roma-

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nística adotam-se cada vez com maior ênfase os precedentes judiciais e a jurispru­dência como fontes do Direito, destacl.}ndo-se a importância das Súmulas. No Brasil, a experiência bem sucedida das Súmulas, iniciada há quase quarenta anos neste Co­lendo Supremo Tribunal Federal, introduzida pelo Saudoso Ministro VICTOR NUNES LEAL,e inspirada na Doutrina do stare decisis e nos restatements oflaws do Direito Norte-Americano, demonstra a necessidade de lhes dar caráter vinculante a fun de assegurar maior credibilidade ao sistema jurídico pátrio, em consonância com os princípios da legalidade e da igualdade perante a lei.

Esta solenidade, realizada segundo a melhor tradição da Casa, é momento também para refletir sobre a evolução doutrinária e jurisprudencial no decorrer da História deste Colendo Supremo Tribunal Federal. O Judiciário, pela natureza de suas funções, atuando no campo próprio de sua competência constitucional, garante a serenidade inerente à força moral de suas decisões, como já observara ALEXANDER HAMILTON, no FederalistPapers, n° 78, escrito antes mesmo da Convenção de Filadélfia que criou a Constituição Americana de 1787. «Equal Justi­ce under Law», Justiça igual para todos segundo o Direito, é a frase no frontispício da Suprema Corte dos Estados Unidos da América que inspirou a criação no Brasil, nos primórdios da República, do Supremo Tribunal Federal. As cláusulas do «due processo f Law» (devido processo legal) e da «equal protection ofthe laws» (igual proteção das leis) complementam-se reciprocamente como garantias fundamentais da Constituição. A garantia da prestação jurisdicional, com a devida presteza e sem procrastinações, é corolário do devido processo legal. Penso, então, na necessidade de reformas a fim de tornar o processo mais moderno e funcional, atendendo aos an­seios da sociedade.

As modernas teorias do processo demonstram seu caráter instrumental, apro­ximando os mecanismos processuais dos anseios práticos da sociedade. Não se po­dem aceitar hodiernamente velhos procedimentos formais, por mero apego a oneroso e complicado tecnicismo, em detrimento do exame da substância do direito. É preciso que, ao lado das garantias da forma, disponha o processo judicial de efi­ciência e funcionalidade. Nesse sentido, os processualistas brasileiros, têm dado sig­nificativas contribuições à moderna Doutrina.

A modernização do processo, todavia, não deve significar a redução pura e simples de formalidades e a diminuição de recursos, a qualquer custo, em nome de suposta eficácia da prestação jurisdicional, sem a prudente e cautelosa análise de sua essencialidade. É preciso todo o cuidado para não incidir no grave erro das soluções simplistas em prejuízo de princípios constitucionais do Estado Democrático de Di­reito.

A Constituição Federal de 1988 consagra o princípio do devido processo legal, no seu art. 5°, inciso LIV. Este princípio, originado da cláusula do doe process o f law do Direito Anglo-Americano, deve ser associado aos princípios constitucio­nais do controle judiciário - que não permite à lei excluir da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito - e das garantias do contraditório e da ampla

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defesa, com os meios e recursos a ela inerentes, segundo o disposto nos incisos XXXV e L V do mesmo artigo da Constituição.

A reforma constitucional do Judiciário é necessária para evitar a lentidão na prestação jurisdicional, o acúmulo de processos repetitivos e o abuso de recursos protelatórios. O acesso ao Judiciário e o due process oflaw, garantidos pela Consti­tuição Federal, asseguram o duplo grau de jurisdição mas não recursos interminá­veis. Os recursos extraordinários ou especiais no Supremo Tribunal Federal e nos Tribunais Superiores - que não tratam de questões de fato mas apenas de questões hermenêuticas de direito no campo constitucional e infraconstitucional - têm, no entanto, se tomado os mais comuns, e de «extraordinários» ou «especiais » só têm mesmo o nome. Creio que a adoção de Súmulas vinculantes do Supremo Tribunal Federal e outras medidas poderão trazer importantes benefícios para a maior credibi­lidade do sistema jurídico e para a Unidade do Direito Nacional. A fixação do duplo grau de jurisdição como regra inerente ao devido processo legal e o não cabimento de recursos extraordinários ou especiais se a decisão recorrida for baseada em Súmula do Supremo Tribunal Federal ou de Tribunal Superior parecem-nos igualmente im­portantes. E a adoção de norma expressa na Constituição da República sobre a ad­missibilidade de tais Recursos somente se acolhida argüição de relevância da questão federal, segundo o modelo do writ o f certiorari da Suprema Corte dos Esta­dos Unidos da América, será medida capaz de diminuir a crise que há décadas atinge o Supremo Tribunal Federal, com o seu congestionamento crônico e crescente, colo­cando-o na iminência de sua inviabilização.

A jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal Federal, cúpula do Poder Judiciário pátrio no exercício de sua jurisdição constitucional é fundamental para o desenvolvimento das relações jurídicas e a consolidação definitiva do Estado Demo­crático de Direito no Pais. E é essencial para assegurar o pleno êxito na difícil tarefa de conciliar a tradição com a mudança, necessária ao progresso, e na incumbência dos juristas, de garantir a estabilidade jurídica e, ao mesmo tempo, a realização da justiça e a renovação do direito, indispensável ao aprimoramento das relações so­ciais e humanas.

Lembro-me, então, de HOLMES e de CARDOZO, Justices da Suprema Cor­te Americana, o primeiro assinalando como o Juiz «deve olhar ao seu redor», olhar o mundo em que se encontra para julgar; e o segundo destacando os biases, as prefe­rências de valores dos Juízes, sua formação moral e ética, decorrente de suas origens e do ambiente em que vivem e viveram, devendo deles se desvencilhar, tanto quanto possível, para decidir de acordo com os valores da ordem jurídica constitucional. Lembro-me ainda da frase lapidar de HOLMES, segundo a qual «o Direito não é apenas lógica, mas experiência». E da lógica do razoável de RECASÉNS SICHES, e ainda da dialética de implicação polaridade do Professor MIGUEL REALE, de­monstrando a complementariedade dos valores justiça, segurança e bem-estar, e a li­berdade humana como valor-fonte das normas destinadas a assegurar sua dignidade como pessoas.

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Esta Egrégia Corte é extremamente enriquecida com a diversidade do perfil dos seus Eminentes Juízes, prestigiando os valores essenciais exigidos pela ordem jurídica constitucional. E hoje, em momento histórico de reflexão sobre as necessá­rias reformas constitucionais do Poder Judiciário, que estão sendo examinadas pelo Congresso Nacional, assume a Presidência deste Colendo Supremo Tribunal Fe­deral o Eminente Ministro CELSO DE MELLO. S. Exa. é o trigésimo quinto Presi­dente da Corte desde a sua instalação, ocorrida, segundo consta de Ata, na sessão extraordinária realizada pelo Tribunal no velho edificio da Relação, à Rua do Lavra­dio, no Rio de Janeiro, em 28 de fevereiro de 1891. Naquela ocasião foi eleito seu pri­meiro Presidente, João Antônio de Araújo FREITAS HENRIQUES, baiano, da cidade de Salvador. E hoje, dos onze Ministros que compõem no presente este Co­lendo Supremo Tribunal Federal, cinco já exerceram a presidência da Casa: os Emi­nentes Ministros MOREIRA ALVES, decano da Corte, NÉRI DA SILVEIRA, SYDNEY SANCHES, OCTA VIO GALLOTTI e SEPÚL VEDA PERTENCE, cujo mandato de dois anos nesta data se encerrou, após grandes realizações, com tanto brilhantismo e empenho no sentido de levar a efeito a necessária reforma constitu­cional do Poder Judiciário.

Nascido na cidade de Tatuí, no Estado de São Paulo, o Eminente Ministro CELSO DE MELLO faz parte de uma nova geração de juristas da melhor estirpe, provenientes da Universidade de São Paulo e do Ministério Público naquele Estado. Personalidade cordial, com a simplicidade das grandes inteligências, e gentileza e polidez impecáveis, o Ministro CELSO DE MELLO é conhecido sobretudo pela sua erudição, operosidade e inteligência, e pelo trabalho intelectual incansável que tanto tem enriquecido as discussões jurídicas e a jurisprudência deste Colendo Supremo Tribunal Federal.

Formado pela Faculdade de Direito do Largo de São Francisco, da Universi­dade de São Paulo-a mais antiga e tradicional do País juntamente com a F acuidade de Direito do Recife, ambas protagonistas da fundação dos Cursos Jurídicos no Bra­sil em 1827 -JOSÉ CELSO DE MELLO FILHO obteve o título de Bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais em 1969. Realizou ainda curso de Direito Penal na Fa­coltà di Giurisprudenza, na Universidade de Roma, e curso sobre as instituições ju­rídicas e politicas norte-americanas na Universidade da Califórnia - U.C.L.A., nos Estados Unidos da América.

Logo após sua formatura, ingressou na carreira do Ministério Público do Estado de São Paulo, mediante concurso público de provas e títulos, sendo classificado em primeiro lugar. Foi membro do Ministério Público Paulista durante dezenove anos, de 1970 a 1989, tendo exercido os cargos de Promotor de Justiça e Cura­dor-Geral em várias Comarcas do Interior do Estado. Na Capital, atuou como Cura­dor em várias matérias de Direito Comercial e de Direito Civil e ainda como Promotor de Justiça Criminal, inclusive junto ao Tribunal do Júri. Promovido a Procurador de Justiça, ápice da carreira do Ministério Público estadual, atuou junto

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aos Tribunais de Alçada e de Justiça. Participou ainda de Congressos do Ministério Público em São Paulo. E foi membro da Associação Paulista do Ministério Público.

No magistério, destacou-se como Professor de Direito Constitucional em Curso de Extensão e Preparação à Magistratura e ao Ministério Público de São Pau­lo, de 1976 a 1985. E foi Professor de Direito Civil na Faculdade de Direito da Ponti­fícia Universidade Católica de São Paulo, em 1977 e 1978.

É autor de inúmeros artigos jurídicos, publicados em revistas especializadas, de âmbito nacional, dentre os quais destacamos <<A Tutela Judicial da Liberdade», «Apontamentos sobre o novo Código de Processo Civil», «0 Direito Constitucional de Reunião», <<Aspectos da Elaboração Legislativa», <<A Liberdade de Associação e a Extinção dos Partidos Políticos», e «0 Ministério Público e a Legalidade Demo­crática». Publicou livro de sua autoria intitulado <<A Constituição Federal Anotada>>, editado em 1986, agora na 3• edição atualizada referente à Constituição de 1988 em fase de elaboração. Está para ser editada nova e importante obra de sua autoria, em fase de conclusão, intitulada «0 Controle de Constitucionalidade na Nova Constitui­ção Brasileira».

Tendo se destacado pelos seus estudos e pelo seu talento intelectual na vida acadêmica, primeiro como estudante e depois como Professor, e na vida profissional como Membro do Ministério Público, CELSO DE MELLO adquiriu excelente repu­tação como jurista, tendo sido convidado para exercer outras funções, como a de Assistente Jurídico do Secretário da Cultura, Ciência e Tecnologia do Estado de São Paulo em 1975 e 1976. Integrou grupo de trabalho para a realização de estudos sobre a nova Lei de Acidentes de Trabalho em 1976. Foi Assessor, para assuntos jurídi­co-constitucionais, do Presidente da Comissão de Constituição e Justiça da Assem­bléia Legislativa do Estado de São Paulo, no período de 1979-1980, e ainda Assessor do Grupo de Trabalho para a Reforma da Constituição Paulista, constituído pela Assembléia Legislativa no mesmo período.

Nos anos de 1985 e 1986, foi nomeado Assessor Jurídico, em nível de Sub­chefia, do Ministro de Estado Chefe do Gabinete Civil da Presidência da República. No mesmo período, foi Membro do Conselho de Administração da Fundação «Pe­trônio Portela», com sede no Ministério da Justiça, e integrou Grupo de Trabalho constituído pelo então Procurador-Geral da República, Ministro SEPÚL VEDA PERTENCE, para elaborar o anteprojeto da Lei Orgânica do Ministério Público da União.

No período de 1986 a 1989, foi Secretário-Geral da Consultoria-Geral daRe­pública, tendo exercido o cargo de Consultor-Geral da República, nomeado ad inte­rim pelo Presidente da República, em alguns meses dos anos de 1986, 1987 e 1988. Coordenou ainda, em 1989, o Grupo de Trabalho instituído para a elaboração do an­teprojeto de Lei sobre normas gerais de organização dos Ministérios Públicos dos Estados, do Distrito Federal e Territórios.

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Finalmente, em 1989, foi nomeado Ministro do Supremo Tribunal Federal pelo então Presidente da República JOSÉ SARNE Y, tendo tomado posse no cargo em 17 de agosto daquele ano. Desde então, o Eminente Ministro CELSO DE MELLO, com o seu talento de grande jurista, proficiência e discernimento, e admirá­vel trabalho intelectual, tem pontificado nesta Colenda Corte contribuindo para o seu prestígio e engrandecimento em beneficio da Justiça e do Direito.

Jurista contemporâneo da melhor formação intelectual, vivendo os desafios do seu tempo, o Eminente Ministro CELSO DE MELLO dedica especial atenção como Magistrado à consolidação do Estado Democrático de Direito no País, às ga­rantias constitucionais das liberdades e ao devido respeito aos direitos humanos. S. Exa. observa ainda que os Poderes da República são independentes e harmônicos, segundo a Constituição. E preconiza, com equilíbrio e sabedoria, a necessidade da reforma do Poder Judiciário, visando à sua modernização e à celeridade na solução dos conflitos, o que implica, para sua viabilização, como pondera, nas suas próprias palavras «a adoção de uma nova atitude cultural dos magistrados».

Senhor Presidente, Ministro CELSO DE MELLO, em discurso pronunciado por V. Exa. por ocasião de sua eleição para a Presidência desta Casa, V. Exa. enfati­zou a necessidade e a importância da reforma do Poder Judiciário. Disse então, V. Exa.:

«0 Brasil sofre, hoje, um processo de expressiva transformação que se projeta, por efeito de imperiosa necessidade de atualização do Estado, no plano da reorganização institucional dos Poderes da Repú­blica.

Sabemos todos que, no contexto das reformas do Estado, a ques­tão do Poder Judiciário constitui um dos tópicos mais significativos e importantes que compõem a presente agenda política nacional.

A reforma do Poder Judiciário, menos do que um fim em si pró­prio, representa um decisivo movimento em favor da cidadania e do respeito à ordem democrática. A reforma judiciária, por isso mesmo, deve constituir um fator de ruptura com antigas concepções que, ao prestigiarem uma inaceitável abordagem estritamente corporativa e marcadamente estamental da questão concernente à administração da justiça, sempre neutralizaram, de maneira grave e irreversível, qual­quer tendência positiva em favor de uma necessária abertura do Poder Judiciário em relação à sociedade civil>>.

E, mais adiante, acrescentou, V. Exa.:

<<A reforma do aparelho judiciário e do sistema processual se impõe como providência essencial à busca de maior eficácia social para a prestação jurisdicional, à racionalização do modelo de administração da justiça, à celeridade na solução responsável dos conflitos individuais e sociais e à obtenção de transparência e visibilidade em relação aos

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atos de administração praticados por magistrados e Tribunais, quais­quer que sejam, pois nenhum órgão do Estado pode dispor, numa socie­dade realmente democrática, de imunidade à fiscalização da cidadania e do corpo social>>.

Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal, Ministro CELSO DE MELLO, as atenções do País voltam-se nesta data para esta Co lenda Corte, na certe­za de que V. Exa., como sempre o fez em toda sua vida pública, cumprirá com bri­lhantismo esta nova e relevantíssima missão para beneficio da Nação brasileira.

E esta certeza se fortalece com a presença ao lado de V. Exa., como Vi­ce-Presidente da Corte, do Eminente Ministro CARLOS VELLOSO. Constitucio­nalista e publicista emérito, Professor Universitário do mais alto nível, figura humana admirável, o Eminente Ministro CARLOS VELLOSO é um dos mais expe­rientes magistrados da Corte, há cerca de trinta anos no exercício continuo da Magis­tratura. Ex-Ministro do Tribunal Federal de Recursos e do Superior Tribunal de Justiça, Ministro deste Colendo Supremo Tribunal Federal desde 1990, ex-Presidente do Tribunal Superior Eleitoral, o Eminente Ministro CARLOS VELLOSO tem proferido nesta Colenda Corte verdadeiras lições de sabedoria e equilíbrio, caracteristicas de sua condição de grande Magistrado, o que assegura o pleno êxito na nova direção da Casa.

O Ministério Público Brasileiro, com muito orgulho, admiração e respeito, cumprimenta V. Exa., Senhor Presidente, Ministro CELSO DE MELLO, pela as­censão à Chefia do Poder Judiciário Nacional. E tem plena confiança de que V. Exa., com a segurança tranqüila, a serenidade moral, o talento e a competência inerentes à sua personalidade de grande jurista, conduzirá os destinos da Magistratura Brasileira para seus melhores e mais nobres fins, visando ao aprimoramento do Sistema Jurídi­co pátrio e à plena realização do Direito e da Justiça.

Receba, pois, V. Exa., Senhor Presidente, Ministro CELSO DE MELLO, bem como o Eminente Ministro CARLOS VELLOSO, suas esposas D. Maria de Lourdes Campos de Mello e D. Maria Ângela Penna Velloso, e respectivos familia­res e amigos presentes nesta solenidade, as melhores homenagens do Ministério Pú­blico Brasileiro e meus sinceros votos de uma feliz e proficua gestão.

Muito obrigado.

Palavras do Senhor Ministro CELSO DE MELLO,

Presidente

- Tenho a honra de conceder a palavra ao eminente Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Dr. Emando Uchôa Lima.

Discurso do Doutor ERNANDO UCHÔA LIMA,

Presidente do Conselho Federal dos Advogados do Brasil

Excelentíssimo Senhor Presidente do Supremo Tribunal Federal; Excelentís­simo Senhor Presidente da República; Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal e do Congresso Nacional; Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da Repú­blica; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República; Excelentíssimos Se­nhores Presidentes dos Tribunais Superiores, dos Tribunais Regionais e Estaduais; Excelentíssimo Senhor Senador José Sarney, ex-Presidente da República; Excelen­tíssimos Senhores Governadores de Estado e do Distrito Federal; Excelentíssimos Senhores Parlamentares; Excelentíssimas Autoridades civis, militares e eclesiásti­cas; Excelentíssimos Senhores Magistrados; Excelentíssimos Senhores Diploma­tas; Excelentíssimos Senhores Ministros do Supremo Tribunal Federal ; Excelentíssimos Senhores Ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Advogado-Geral da União; Excelentíssimas Autoridades, eminentes Colegas Advogados e Advogadas; Excelentíssimos Senhores Membros do Ministério Público; Excelentíssimas Senhoras e Excelentíssimos Senhores.

Cabe-me representar, nesta solenidade, o Egrégio Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, o que faço com particular contentamento.

Falo, portanto, em nome dos trezentos e setenta mil advogados brasileiros, espalhados por todos os cantões da Pátria, no cumprimento de seu árduo e sagrado oficio de missionários do Direito.

Se, uma vez mais, tenho a grande honra de assomar à mais alta tribuna da Na­ção é porque a presença do Advogado é sempre saudável e necessária nos aconteci­mentos mais significativos da vida judiciária, tal como acontece nesta solene ocasião de mudança da Chefia do venerando Supremo Tribunal Federal.

Sabem Vossas Excelências, Senhor Presidente e Senhores Minjstros, que em todos os tempos, e em toda parte, a palavra do advogado - invariavelmente em de­fesa da liberdade e dos direitos da pessoa humana - tem sido a arma poderosa para destruir os governos desmandados e restaurar a ordem jurídica. Por isso, somos, os profissionais do Direito, temidos e odiados por aqueles que não sabem conviver com a Democracia.

Compreendemos, os advogados, esse profundo e duradouro rancor dos tira­nos, pois sabemos, no dizer de Rui, que «os hábitos de liberdade comuns à nossa classe e essenciais à nossa profissão colidem com a natureza, a moral e a segurança do poder irresponsável».

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E acrescenta o mestre da liberdade no Brasil: «Os governos arbitrários não se acomodam com a autonomia da toga, nem com a independência dos juristas, porque esses governos vivem rasteiramente da mediocridade, da adulação e da mentira, da injustiça, da crueldade e da desonra. A palavra os aborrece; porque a palavra é o ins­trumento irresistível da conquista da liberdade. Deixai-a livre, onde quer que seja, e o despotismo está morto».

Eis o motivo pelo qual os déspotas, de ontem e destes tempos, são ferrenhos inimigos da nossa classe. E, por temerem a nossa palavra, chegam até a pretender, como Napoleão, cortar a nossa língua.

E porque permanecemos fiéis aos nossos inarredáveis compromissos com o Direito, a Justiça e os interesses nacionais, ainda hoje enfrentamos a fúria de estra­nhos magarefes de certa espécie de açougues, a que aludia Rui, os quais investem, com a lâmina afiada da língua viperina, contra honra de eminentes e bravos advo­gados, que dignificam a cátedra, enobrecem a advocacia e engrandecem a cultura jurídica de nosso país, por isso mesmo merecedores do respeito e da admiração do povo brasileiro.

Mas aqui, neste santuário da Justiça, dá-se exatamente o inverso: a palavra do Advogado não irrita, não aborrece, não incomoda. Ao contrário, é recebida com sa­tisfação e calor fraternal , pois está em harmonia com as caras tradições, os elevados propósitos e a nobre fmalidade desta augusta Suprema Corte, guardiã da Constitui­ção e último abrigo de todas as vítimas da prepotência e da injustiça.

Em realidade, Advogados, Magistrados e membros do Ministério Público, movidos pelos mesmos ideais e obedientes às mesmas regras de comportamento, se­guem pelo mesmo caminho-o do Direito - e perseguem o mesmo e supremo ob­jetivo: a realização da justiça.

Essa comunhão de idéias e desígnios, fundada em princípios éticos comuns e em valores ontologicamente inseparáveis, gera uma vinculação indissolúvel, tor­nando essa tríade- Advocacia, Magistratura e Ministério Público- uma unidade espiritual a serviço da justiça.

Assim, porque somos instrumentos de uma causa comum, professamos o mesmo credo, falamos a mesma linguagem e empregamos a Razão e a Verdade na luta pelo primado do Direito.

Temos caminhado juntos, principalmente nos momentos mais dificeis, con­soante a incontrastávellição da História. E ligados pelos mesmos laços inquebrantá­veis, continuaremos unidos porque esse é o nosso destino.

Não há negar que algumas vezes divergimos. E é natural que assim aconteça, porque somos independentes, esclarecidos, ciosos da nossa missão e inflexíveis na defesa de nossas convicções jurídicas, como convém aos que fazemos a justiça. Mas essas divergências ocasionais, no campo das idéias e no debate sobre o Poder Judi­ciário, sempre foram manifestadas pela Ordem dos Advogados do Brasil de modo ci-

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vilizado e respeitoso, de sorte que nunca comprometeram a cordialidade que caracteriza o relacionamento entre advogados, magistrados e integrantes do Minis­tério Público.

Demais disso, como bem o sabem Vossas Excelências, Senhor Presidente e Senhores Ministros, as discordâncias da OAB quanto a certos aspectos distorcidos e deficientes da prestação jurisdicional - honesta e corajosamente reconhecidos e proclamados pelos próprios magistrados - não se originam de qualquer prevenção - que nunca existiu - contra a honrada magistratura brasileira, mas, ao revés, nas­cem da vontade férrea e do dever indeclinável da nossa Instituição de contribuir para o crescente aperfeiçoamento e a grandeza cada vez maior do Judiciário, até porque quanto mais vigoroso for este Poder tanto mais fortalecida será a advocacia.

Cônscia da responsabilidade que lhe incumbe como parte indispensável à ad­ministração da Justiça, a classe dos advogados sempre teve a preocupação de bem servir, prestigiar e enobrecer o Poder Judiciário.

Por isso, a Ordem jamais deixou de pugnar por um Judiciário forte e indepen­dente, como garantia da preservação da Democracia e da Liberdade, as quais não so­breviveriam sem uma Justiça livre, altiva e respeitada.

Em verdade, uma Justiça que não pudesse julgar e aplicar a lei livremente, so­beranamente, pouco importando a natureza e a força dos protagonistas da demanda, nem enfrentar sobranceira a arrogância do poder arbitrário, não passaria de uma far­sa, de um simulacro de justiça.

Evidentemente, quando propugnamos, os advogados, por um Judiciário for­talecido e acatado em suas decisões, não estamos defendendo o silêncio ou a omissão da sociedade em relação às falhas de seus juízes, pois sabemos das limitações da jus­tiça dos homens, decorrentes da falibilidade do próprio homem.

Assim, sem que o diga, porque está dito por si mesmo, a crítica do exercício da função judicante, desde que seja feita de maneira honesta e construtiva, tal como tem procedido a Ordem dos Advogados do Brasil, deve ser recebida como valiosa e salutar contribuição para o aprimoramento do serviço judiciário.

A liberdade de pensamento e de expressão - em defesa da qual sempre se ba­teram os advogados- é direito inalienável da pessoa humana.

Infeliz e desgraçado de um povo que não tem liberdade de manifestar o que pensa.

O que se não admite, consoante tenho afirmado em diversas oportunidades, é a crítica irresponsável, leviana, maldosa, fruto de interesses contrariados.

Sem jamais abdicar de sua postura crítica, nem se afastar das posições adota­das pelo Conselho Federal com vistas ao aperfeiçoamento da administração da justi­ça, a Ordem dos Advogados do Brasil reitera, ao ensejo desta hora feliz, sua solidariedade ao Poder Judiciário, ao tempo em que renova seu veemente repúdio às

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insinuações malévolas daqueles que, insensatamente, procuram atingir e desacredi­tar o que há de mais sagrado na vida de uma nação: a sua Justiça.

Ignoram, ou fingem ignorar esses maldizentes, que se arvoram em censores da Justiça, que sem um Judiciário legítimo não há ordemjuridica possível, e sem or­dem jurídica o que teríamos seria o descalabro social, a anarquia institucional e o desmoronamento do edifício democrático.

É obvio que os advogados - paladinos da democracia e da liberdade- nun­ca admitiríamos qualquer forma de autoritarismo ou de ditadura do Judiciário. Ao contrário, o que desejamos, os operários do Direito, é um Judiciário moderno, demo­crático, transparente, aberto ao corpo social, ajustado à realidade de nossos dias, marcados pelas reivindicações de uma cidadania cada vez mais consciente de seus direitos, gerando essa saudável explosão de demanda judicial.

Daí a necessidade e urgência da reforma do Poder Judiciário, sem a qual não terá solução sua crise de funcionalidade, em detrimento dos cidadãos e da sociedade como um todo.

Naturalmente, essa reforma - que é do interesse não apenas de magistrados, advogados e membros do Ministério Público, mas sobretudo da cidadania - deve ser discutida e decidida através de um debate amplo, elevado, democrático, sempre­conceitos e sentimentos revanchistas, de modo que tenhamos uma Justiça eficiente, rápida e preparada para os grandes desafios do próximo século, mas sem jamais cer­cear a liberdade do juiz de dar pronta e eficaz proteção aos direitos ameaçados ou violados, nem tampouco restringir a garantia constitucional da ampla defesa ou obstaculizar o acesso à jurisdição.

Lamentavelmente, o projeto de reforma do Judiciário continua paralisado na Câmara dos Deputados, não obstante os sucessivos apelos no sentido de sua tramita­ção, formulados pelo ínclito Ministro Sepúlveda Pertence, quando Presidente desta Suprema Corte, secundados pela Ordem dos Advogados do Brasil.

Relevai-me, Excelentíssimas Autoridades, Senhoras e Senhores, a repetição de pensamentos cediços, que não pude evitar, pois a importância e a grandeza doPo­der Judiciário, de tão evidentes, tomam-se um inafastável truísmo quando proclama­dos e exalçados.

Seja como for, conforta-me a certeza de que estas palavras, brotadas da mais absoluta sinceridade, expressam o pensar e o sentir dos advogados brasileiros.

Com estes sentimentos de profundo respeito à função judiciária, a Ordem dos Advogados do Brasil, de modo amoroso e fraterno, saúda os novos dirigentes do Co­lendo Supremo Tribunal Federal, figuras representativas da inteligência do País, de sólida cultura juridica e de extensa folha de serviços prestados à Justiça e à Pátria.

A eleição dos eminentes Ministros José Celso de Mello Filho e Carlos Mário da Silva Velloso, respectivamente para os cargos de Presidente e Vice-Presidente, é

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a garantia da continuidade das gloriosas tradições de independência desta Excelsa Corte de Justiça.

Estamos plenamente convictos, os advogados, de que Vossa Excelência, no­bre Presidente Celso de Mello, mercê de seus excepcionais méritos de cidadão, de jurista, magistrado e professor, que todos admiramos, conduzirá com equilíbrio, sa­bedoria e altivez a direção do Egrégio Supremo Tribunal Federal, coadjuvado pela proficiência, pela dedicação e o destemor do insigne Ministro Carlos Mário da Silva Velloso, exemplo vivo de verdadeiro magistrado.

Por isso, a Ordem dos Advogados do Brasil sente-se tranqüila e confiante quanto a administração de Vossa Excelência, Senhor Presidente, que por certo será marcada pelo dinamismo e pela defesa intransigente da soberania do Poder Judiciá­rio.

Doutra parte, sentimo-nos, os advogados, felizes e alegres diante da coinci­dência de pensamento de Vossa Excelência e da OAB, no que conceme às polêmicas questões da súmula vinculante e da fiscalização do Judiciário pelo corpo social, sem prejuízo, obviamente, da independência deste Poder para desempenhar com liberda­de a sua insubstituível atividade decisória - alicerce do Estado de Direito.

Não traduziria inteiramente o pensamento e a vontade da classe dos advoga­dos, se não tributasse, em seu nome, nesta festa da Justiça, merecida homenagem ao ilustre Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, cuja gestão, que hoje fmda, inse­re-se no rol das mais proficuas de toda a luminosa existência deste Sodalício.

Com efeito, as medidas adotadas em favor do exercicio da advocacia, a inten­sa exposição aos veículos de divulgação acerca das atividades deste Egrégio Tribu­nal, a incansável participação, em todos os recantos do País, nos debates sobre os problemas que afligem a Justiça e, conseqüentemente, a cidadania, tudo isso contri­buiu para democratizar e tomar transparente o Supremo Tribunal Federal e o Poder Judiciário.

As posições corajosas assumidas por Vossa Excelência, eminente Ministro Sepúlveda Pertence, em defesa da legalidade, da prevalência do Direito e da sobera­nia do Judiciário, não causaram surpresa aos seus antigos colegas do Conselho Fe­deral da OAB, nem aos advogados brasileiros, porque todos conhecemos de peno o caráter adamantino, a bravura cívica e o espírito democrático e libertário de Vossa Excelência.

Por tudo isso, no momento em que a Ordem dos Advogados do Brasil saúda e aplaude os novos dirigentes do Supremo Tribunal Federal, também louva e agradece a Vossa Excelência, brilhante e culto Ministro Sepúlveda Pertence, pelo trabalho meritório que desenvolveu em busca da melhoria da administração e distribuição da justiça, finalidade precípua do Estado Democrático de Direito.

Muito obrigado.

Palavras do Senhor Ministro CELSO DE MELLO,

Presidente

- Tenho a honra de conceder a palavra ao eminente Procurador-Geral de Justiça do Estado de São Paulo, Chefe do Ministério Público paulista, Dr. Luiz Antô­nio Guimarães Marrey.

Discurso do Doutor LUIZ ANTÓNIO GUIMARÃES

MARREY, Procurador-Geral da Justiça

do Estado de São Paulo

- Excelentíssimo Senhor Presidente do Co lendo Supremo Tribunal Fe­deral, Ministro Celso de Mello; Excelentíssimo Senhor Presidente da República Federativa do Brasil, Professor Fernando Henrique Cardoso; Excelentíssimo Se­nhor Vice-Presidente da República Federativa do Brasil, Doutor Marco Maciel; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Deputados, Deputado Michel Te­mer; Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado Federal, Senador Antônio Carlos Magalhães; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República, Doutor Geral­do Brindeiro; Excelentíssimo Senhor Presidente do Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil, Doutor Emando Uchôa Lima; Senhores Ministros deste Colendo Supremo Tribunal Federal; Senhores Ministros de Estado; Senhores Depu­tados e Senadores; Senhores Governadores de Estado; Senhores Presidentes e Mi­nistros dos Tribunais Superiores; Senhores Magistrados, Membros do Ministério Público e Advogados; demais ilustres Autoridades, Senhoras e Senhores.

Esta cerimônia é de inegável importância não somente para o mundo jurídico e político do País mas também para o brasileiro comum, em especial aquele que não tem acesso a mecanismos que garantam seus direitos de maneira inequívoca.

Num país que tem a felicidade de viver a plenitude do regime democrático após ter experimentado na sua história longos períodos de ditadura, ressalta cada vez mais o papel do Poder Judiciário e em particular deste Supremo Tribunal como a mais importante instância de solução de conflitos, de intérprete e guardião da Consti­tuição.

Portanto a tranqüila sucessão dos dirigentes do órgão de cúpula da Justiça atrai merecida atenção de todos e a renovada esperança no aperfeiçoamento das ins­tituições democráticas.

Deixa a presidência desta Casa o eminente Ministro José Paulo Sepúlveda Pertence, que bem soube exercer o seu mister, consciente da responsabilidade e do significado da Chefia de um dos Poderes do Estado em momento agitado na vida na­cional, com a discussão de reformas constitucionais e as incertezas geradas por tal debate.

Homem de formação democrática, o ilustre Ministro jamais deixou de deba­ter em público os problemas relacionados à causa da justiça, aos direitos fundamen­tais, fazendo com que todos ouvissem a voz do Judiciário nos meios de comunicação

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de massa, única forma viável de qualquer mensagem atingir os mais distantes espa­ços do nosso enorme território geográfico e os mais significativos espaços da cida­dania.

É portanto Sua Excelência merecedor da homenagem de todos os seus com­patriotas.

Assumem nesta data os novos dirigentes desta Corte, ilustres Ministros Celso de Mello e Carlos Velloso, respectivamente nos cargos de Presidente e Vi­ce-Presidente.

O Ministro Carlos Velloso ascende à Vice-Presidência do Supremo Tribunal com a larga experiência de magistrado de carreira e professor de Direito, reconheci­do internacionalmente como emérito publicista e de brilhante carreira como homem público e juiz independente, tendo exercido até recentemente a Presidência do Co­lendo Tribunal Superior Eleitoral, devendo ser registrada a notória credibilidade da Justiça Eleitoral no Brasil, para o que colaborou a segura direção de Sua Excelência.

A presença de Sua Excelência no honroso cargo que agora assume traz a toda a sociedade a segurança de seu exercício da forma mais elevada, à altura do padrão de seriedade, independência e conhecimento jurídico das Minas Gerais.

Peço licença no entanto para saudar de modo especial o ilustre Presidente desta Corte, o Ministro Celso de Mello, sendo esta a razão que justifica a minha ma­nifestação nesta oportunidade.

Sua Excelência, como sabido, é oriundo do Ministério Público paulista, insti­tuição que primeiro tomou contato com seu brilho, com sua dedicação, com sua ex­cepcional capacidade de trabalho e que viu se desenvolver e aprofundar seu imenso conhecimento jurídico.

Paulista de Tatuí, exerceu ainda estudante a função de estagiário do Ministé­rio Público, quando já se podia vislumbrar o grande Promotor que seria.

Classificado em 1 o lugar em concurso que era e ainda é um dos mais rigorosos do País, o então Promotor Público substituto demonstrou desde logo outras de suas conhecidas qualidades de independência, coragem, conhecimento jurídico e com­promisso com o regime democrático.

Assim é que no dia 3 de novembro de 1970, no auge do período de restrição às liberdades públicas no Brasil, tomando posse no cargo e falando em nome dos novos Promotores, Sua Excelência se expressou nos seguintes termos:

«0 Direito não pode identificar-se com a ordem jurídica injusta. São conceitos antitéticos e que se repelem. Aquele que resiste, ativa ou passivamente, à consolidação de um ordenamento jurídico assim estru­turado, contrário aos princípios básicos do Direito, não pode e não deve ser equiparado a um rebelde. Tem, muitas vezes, como diz Machado Paupério, o sentido mais elevado da ordem. Não desobedece por deso­bedecer. Desobedece para alcançar o respeito e a harmonia da ordem

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que vê violada. Desobedece para evitar que se continue a desrespeitar a ordem jurídica verdadeira que é o fundamento da própria vida coleti­va.»

Prosseguiu Sua Excelência:

«Surge, no entanto, de modo inevitável, o choque entre dois conceitos irredutíveis- o princípio da autoridade, fator de segurança social, e o direito de resistência às leis injustas, critério inspirado na no­ção do justo. A luta pela idéia da justiça, sem ferir o princípio da autori­dade, imprescindível à ordem jurídica e social, toma-se questão delicadíssima (. .. )».

«A resistência às leis injustas», escreve Machado Paupério, «é uma sanção necessária da obrigação que cabe ao legislador de fazer leis justas. O direito de resistência se impõe como um postulado da Justiça, em face da obra arbitrária do legislador.»

Concluiu o jovem Promotor:

«Não há, porém, contradição entre o direito de resistência às leis injustas e o princípio da autoridade, pois o que existe é o combate entre a autoridade exercida «contra jus» e a pretensão de legalidade e justiça demonstrada por quem resiste. O princípio da autoridade cessa no ins­tante em que viola ou desrespeita a ordem jurídica orientada no sentido do bem-comum.»

A carreira do ilustre Ministro continuou a ser marcada pelo seu compromisso com a democracia e com a defesa dos direitos humanos.

Marcou época discurso que o então Promotor Público de Osasco,já então em 3a entrância, proferiu em solenidade de inauguração do novo Fórum, ainda na década de 70, quando defendeu o Estado democrático de Direito e bradou contra as condi­ções desumanas de tratamento a que eram submetidos os presos da Cadeia Pública local.

Ao terminar, segundo publicou a imprensa, foi aplaudido de pé pelas seiscen­tas pessoas presentes.

Em palavras que nunca perdem a atualidade disse então:

«a nossa Constituição e a Declaração Universal dos Direitos Humanos dispõem que nenhuma lesão pode ser subtraída ao Poder Ju­diciário e os atos normativos que restringem a eficácia desse princípio universal não podem sensibilizar a consciência daqueles que acreditam e sonham com o Estado de Direito.»

Tal pronunciamento irritou bastante as autoridades estaduais da época, que chegaram a pleitear, sem sucesso, medidas contra o jovem membro do Ministério Público.

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O ilustre Ministro nunca se omitiu diante da arbitrariedade e violência de agentes do Estado, deixando clara sua posição em artigo denominado «A tutela judi­cial da liberdade», onde afirmou:

« ... a denominada prisão para averiguações, que constitui práti­ca policial comum, além de configurar o delito de abuso de autoridade, representa a mais típica manifestação de arbitrariedade contra a liber­dade física ou direito de ir e vir e permanecem.

Ao longo dos anos Sua Excelência foi um dos expoentes do pensamento do Ministério Público que defendia a independência da instituição em face do Poder Executivo.

Sendo alguém que via além de seu tempo, já em 1981 defendia publicamente o conceito de Ministério Público como defensor da legalidade democrática, precur­sor da idéia que o constituinte de 1988 consagrou, conceituando o «parqueb> como defensor do regime democrático.

Como coordenador do Grupo de Trabalho que elaborou projeto que foi a base para a atual Lei Orgânica do Ministério Público dos Estados, Sua Excelência se preo­cupou sempre em reforçar as garantias de independência dos Promotores e da Insti­tuição, para que pudessem cumprir o seu papel de bem representar a sociedade.

Como juiz desta Corte, o Ministro Celso de Mello logo alcançou o reconheci­mento nacional pelos seus votos solidamente fundamentados, sendo relator de deci­sões que marcarão a história deste Tribunal, das quais me permito lembrar aquela na qual se decidiu que o Estado que não respeita os direitos humanos não tem direito a pleitear extradição ao Brasil.

O Ministério Público do Estado de São Paulo se orgulha muito de ter contado em suas fileiras com o extraordinário jurista e cidadão que hoje assume a grave e difí­cil missão de chefiar o Poder Judiciário.

Mais do que nunca o País necessita da Justiça.

Uma importante agenda institucional se coloca aos olhos de todos, sendo fun­damental o papel do Colendo Supremo Tribunal Federal.

Há a necessidade de se discutir a reforma do Judiciário, a fim de fazê-lo mais acessível e eficaz na garantia de direitos.

Tal reforma no entanto não pode significar o ataque à independência de jul­gar, sem o que não há democracia.

Por outro lado, há de se buscar mecanismos que tomem possível a fiscaliza­ção do próprio Judiciário pela sociedade, uma vez que não pode haver qualquer insti­tuição pública isenta da obrigação de prestar contas.

Essencial que se tome cada vez mais clara a defesa dos direitos humanos e isso só será possível pelo real compromisso da magistratura, do Ministério Público e dos advogados com essa idéia.

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Urgente é a necessidade da sociedade brasileira e suas instituições encontrem meios legais eficazes de combate à violência e à corrupção.

A reforma do Estado ora em curso no Congresso Nacional, necessária para modernizá-lo e corrigir distorções e abusos, não pode ser feita sem meditação quanto a seu efeito nas condições mínimas de recrutamento e exercício independente da ma­gistratura e Ministério Público.

Se isso ocorrer, tem-se o risco de serem solapados pressupostos indispensá­veis à defesa do interesse público e não de meros interesses corporativos como que­rem alguns, acusação esta que não faz justiça a milhares de profissionais admitidos por concurso público e que cumprem sua obrigação corretamente, ainda que em situ­ações dificeis.

Há de se encontrar a forma adequada de evitar que o principal tribunal do País receba milhares de processos de menor importância, tomando quase sobre-humana a tarefa de ser juiz desta alta Corte.

Todos esses desafios encontrarão na Presidência do Supremo Tribunal o mesmo homem entusiasmado e idealista da juventude de Promotor de Justiça, que atingindo o mais alto cargo a que um aplicador do Direito pode almejar, continua fiel às palavras que disse na já longínqua inauguração do Fórum de Osasco, assim se ex­pressando:

«Sinta-se neste Fórum a presença fisica da Lei e do Direito, sin­ta-se nele o abrigo seguro de todos os que são perseguidos pela violên­cia. Entendemos viver esta Casa sob o princípio de que todos são iguais perante a Lei. Iguais governantes como governados, iguais ricos como pobres, iguais fortes como fracos».

Honrado pela possibilidade de assumir esta alta tribuna em nome do Ministé­rio Público do Estado de São Paulo, desejo finalmente que esta cerimônia solene re­presente a renovação da nossa fé na Justiça e na democracia no Brasil.

Obrigado pela atenção.

Discurso do Senhor Ministro CELSO DE MELLO,

Presidente

Egrégio Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Presidente da República, Fernando Henrique Cardoso; Excelentíssimo Senhor Vice-Presidente da República, Marco Maciel; Excelentíssimo Senhor Presidente da Câmara dos Depu­tados, Michel Temer; Excelentíssimo Senhor Presidente do Senado e do Congresso Nacional, Antônio Carlos Magalhães; Eminente Senador José Sarney, cuja atuação como Presidente da República permitiu que se consolidasse, em nosso País, o pro­cesso democrático; Excelentíssimos Senhores Ministros aposentados do Supremo Tribunal Federal; Excelentíssimo Senhor Procurador-Geral da República; Excelen­tíssimos Senhores Governadores de Estado; Excelentíssimo Senhor Governador do meu Estado de São Paulo; Excelentíssimos Senhores Ministros de Estado; Excelen­tissimo Senhor Advogado-Geral da União; Excelentíssimo Senhor Defensor Públi­co-Geral da União; Excelentíssimos Senhores Secretários de Estado; Dignas Autoridades e queridos Amigos da minha cidade de Tatuí/SP; eminentes Presidentes dos egrégios Tribunais Superiores da União; Excelentíssimos Senhores Presidentes dos Tribunais Regionais Federais e dos Tribunais Regionais Eleitorais; Excelentís­simos Senhores Presidentes dos egrégios Tribunais do Estado de São Paulo; Exce­lentíssimos Senhores Presidentes de Tribunais Estaduais; eminentes Magistrados, Advogados e Membros do Ministério Público; Senhores Servidores do Supremo Tribunal Federal; minhas Senhoras e meus Senhores.

Tive o ensejo de destacar, neste Supremo Tribunal Federal, que o Brasil, hoje, experimenta um processo de expressiva transformação social, política e jurídi­ca, que se projeta, por efeito da imperiosa necessidade de atualização do Estado, tan­to no plano da reorganização institucional dos Poderes da República quanto no âmbito da redefinição das próprias atribuições da comunidade estatal, em face dos anseios e das legítimas necessidades do corpo social.

Sem transformações substanciais, que privilegiem ajusta solução das graves questões sociais, o Estado, certamente, terá falhado à sua própria missão institucio­nal, que consiste na realização e promoção do bem comum.

É preciso, neste momento especial, em que o Brasil se situa entre o seu passa­do e o seu futuro, estar atento à advertência de que o Estado, como instituição, deve, necessariamente, adaptar-se às novas situações sociais e históricas, para não ser im­pulsionado, cegamente, pelas forças de seu tempo.

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Sabemos todos que, no contexto das reformas do Estado, a questão do Poder Judiciário constitui um dos tópicos mais significativos e importantes que compõem a presente agenda política nacional.

A reforma do Poder Judiciário não constitui um fim em si próprio. Ela, antes, representa um decisivo movimento de atualização do Estado, comprometido com a prevalência da cidadania e, também, com o respeito incondicional à integridade da ordem democrática.

É por esse preponderante motivo que a reformulação da ordem estatal con­cernente ao sistema judiciário - que se revela tão necessária e tão essencial à pró­pria legitimação do Poder Judiciário como instituição fundada na vontade do Povo, fonte e origem de todo poder político no âmbito das formações sociais democráticas - deve refletir os justos anseios sociais que exigem, de maneira legítima, uma clara ruptura com antigas concepções estamentais e corporativas que sempre neutraliza­ram, em tema de administração da justiça, de maneira grave e perturbadora, qualquer medida ou tendência em favor de uma positiva e necessária abertura do Poder Judi­ciário em relação à sociedade civil.

A reforma do Poder Judiciário tomou-se irreversível e, para viabilizar-se se­gundo os padrões éticos, jurídicos, políticos e sociais reclamados pela coletividade, supõe uma nova atitude cultural dos próprios magistrados em relação ao problema da reorganização do Estado e à redefinição do papel da Magistratura no âmbito de uma sociedade que emergiu, após longos anos de arbítrio e opressão governamen­tais, para a experiência concreta da vida social em regime de plena normalidade de­mocrática.

A reforma do aparelho judiciário e a do sistema processual se impõem como providências essenciais à busca de maior eficácia social para a prestação jurisdicio­nal, à racionalização do modelo de administração da justiça, à celeridade na solução responsável dos conflitos individuais e sociais e à obtenção de transparência e visibi­lidade em relação aos atos de administração praticados por magistrados e Tribunais, quaisquer que estes seja m, pois - consoante tenho acentuado - nenhum órgão do Estado pode dispor, numa sociedad e realmente d emocrática, d e imunidade à fiscalização da cidadania e do corpo social.

A administração da justiça, para realizar plenamente os fins a que se destina, deve ser processualmente célere, tecnicam ente efetiva, socialmente eficaz e poli­ticamente independente.

É por isso que todas as reformas necessárias ao aperfeiçoamento do processo de administração da justiça não podem prescindir do respeito devido à independên­cia dos corpos judiciários, pois - torna-se essencial relembrar - é na indepen­dência integral dos juízes que reside, de maneira particularmente significativa, o próprio fundamento de preservação dos direitos fundamentais das pessoas e de con­servação integral das franquias democráticas do cidadão.

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Não são outros, por isso mesmo, os motivos que já me levaram a relembrar que, sem juízes independentes, não há sociedades livres.

A independência dos juízes e tribunais, mais do que uma categoria de nature­za jurídica, representa decisiva conquista histórica da própria coletividade, pois sig­nifica fator essencial de legitimação ética e política da própria ordem democrática.

A independência judicial, no contexto das relações entre o cidadão e o Esta­do, representa elemento assegurador das liberdades civis e dos direitos e prerrogati­vas de que as pessoas e as instituições se acham investidas.

Os magistrados, por isso mesmo, devem obediência exclusiva à Constitui­ção. Cabe-lhes resolver, com independência, todas as controvérsias que envolvam os cidadãos, as instituições e as próprias instâncias governamentais.

O Brasil não mais aceita modelos políticos de inspiração autoritária, qualquer que seja a denominação que se lhes dê: regime cívico-militar, ou regime de arbítrio, ou regime de exceção, eis que todos, sem distinção, constituindo sistemas margi­nais de poder, igualam-se nos gestos de atrevimento, de insolência e de sistemático desrespeito às liberdades e ao postulado essencial da legitimidade democrática.

As crises políticas e sociais, quando eventualmente ocorrentes, devem solu­cionar-se dentro do quadro normativo delineado pelo ordenamento constitucional, com os instrumentos jurídicos nele previstos e com fundamento exclusivo no predo­mínio da Constituição e das leis.

O respeito à supremacia da Constituição: eis o ponto delicado sobre o qual se estrutura o complexo edifício institucional do Estado democrático e no qual se apóia todo o sistema organizado de proteção das liberdades públicas.

Uma Constituição escrita - e assim tenho enfatizado em diversas decisões proferidas nesta Suprema Corte - não configura mera peça jurídica, nem representa simples estrutura de normatividade e nem pode caracterizar um irrelevante acidente histórico na vida dos Povos e das Nações. A Constituição reflete um documento polí­tico-jurídico da maior importância, sob cujo império protegem-se as liberdades e im­pede-se a opressão governamental.

A Constituição é a lei fundamental do Estado. Nela repousam os fundamen­tos da ordem normativa instaurada pela comunidade estatal. A norrnatividade subor­dinante que dela emerge atua como pressuposto de validade e de eficácia de todas as decisões emanadas do Poder Público. O estatuto constitucional, na pluralidade dos fins a que se acha vocacionado, reflete o momento culminante da instauração de uma ordem normativa revestida do mais elevado grau de positividade jurídica.

A supremacia da Constituição traduz, desse modo, na experiência concreta das sociedades civilizadas, um fator referencial da mais significativa importância. Enquanto peça fundamental no processo de edificação do Estado e no de preserva­ção das liberdades públicas, a Constituição não é - e nem deve ser vista - como simples obra de circunstância, destinada a ser manipulada, de modo irresponsável e

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inconseqüente, pelos detentores do Poder, sejam estes magistrados, legisladores ou administradores.

Projeta-se, hoje, de maneira irresistível, a tendência universal de inviabilizar, por todos os meios possíveis, o inaceitável processo de desrespeito sistemático à Constituição, que, pela deformação da vontade soberana do poder constituinte, conduz à erosão da própria consciência constitucional. Daí a observação lapidar de RAUL MACHADO HORTA, para quem «0 acatamento à Constituição ultrapassa a imperatividadejurídica de seu comando supremo. Decorre, também, da adesão à Constituição, que se espraia na alma coletiva da Nação, gerando formas difusas de obediência constitucional. É o domínio do sentimento constitucional.» (in <<Revista Brasileira de Estudos Políticos», n° 74/75, p. 237, jan/jul-1992, UFMG).

Revela-se ínsito à Carta Política, por isso mesmo- e tendo-se presente esse novo contexto histórico-cultural - um sentido de permanência que se destina a con­ferir à Lei Fundamental do Estado o necessário grau de estabilidade normativa, a fim de que, em tais condições, concretizem-se, em toda a sua plenitude, os aspectos que ressaltam a multifuncionalidade que qualifica o documento constitucional: (a) ser uni instrumento básico de regulação normativa do Poder; (b) evidenciar-se como um elemento decisivo na estruturação orgânica e na definição programática dos fins do Estado e (c) qualificar-se, enquanto meio de solene afirmação da pessoa e da cole­tividade social perante o Poder, como o estatuto jurídico das liberdades públicas.

Dentro desse contexto, emerge, com nitidez, a função institucional politica­mente mais expressiva que compete ao Poder Judiciário: o de efetuar o controle de constitucionalidade de todas as leis e atos estatais editados pelo Poder Público.

É essa magna atribuição político-institucional que faz do Supremo Tribunal Federal o depositário da gravíssima incumbência que lhe delegou, por soberana de­cisão, a própria Assembléia Nacional Constituinte: velar pela supremacia incondi­cional da Carta Política e zelar, permanentemente, pela preservação da integridade da ordem jurídica que emerge do texto democrático da Constituição da República.

O grande desafio que hoje incumbe ao Poder Judiciário, por isso mesmo, consiste em preservar a supremacia da ordem constitucional e, também, passados quase nove anos de sua vigência, em viabilizar a própria Constituição da República, para que esta, deixando de qualificar-se como simples repositório de proclamações retóricas, converta-se - pela ação conseqüente e realizadora dos magistrados - em peça essencial de estabilidade institucional, em documento fundamental de seguran­ça jurídica e em instrumento básico de defesa das liberdades civis e de proteção das franquias democráticas, consoante ressaltou, em memorável discurso, o eminente Senador JOSÉ SARNEY, na sessão em que o Senado da República prestou signifi­cativa homenagem ao Supremo Tribunal Federal.

O texto constitucional não deve expor-se a manipulações exegéticas que so­mente visem a propiciar interpretações destinadas a frustrar o alcance dos grandes postulados ético-jurídicos que informam, em nosso sistema político, a própria con-

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cepção do Estado Democrático de Direito. A Constituição não é mera I ex priva ta. O Estado não pode interpretá-la somente pro domo sua. Ela representa, na abrangên­cia do seu subordinante domínio normativo, o instrumento de definição das rela­ções institucionais entre os Poderes da República e o manto protetor das liberdades públicas em face do caráter expansivo - e muitas vezes arbitrário - da atuação do poder estatal.

Interpretações da Constituição, que somente considerem, como perspectiva única do intérprete, a visão dos interesses isolados de qualquer instância de poder, deslegitimam-se por si próprias, em face da natureza de que se reveste o texto cons­titucional, vocacionado - enquanto obra de compromisso resultante do consenso da comunhão nacional - a tomar efetivos, na prática concreta das instituições, os pos­tulados do pluralismo político, da livre circulação de idéias, das liberdades públicas e da divisão funcional do Poder.

Recusar a supremacia da Constituição, para, sobre ela, fazer prevalecer o di­reito ordinário, significa romper a normalidade jurídica do Estado Democrático de Direito.

A Constituição e as leis também não podem converter-se em fontes de privi­légios estamentais ou de beneficios e favores de ordem corporativa. A visão demo­crática do sistema constitucional somente pode legitimar-se, eticamente, ante a preponderância de valores básicos representados pelos princípios da igualdade, da impessoalidade e da moralidade administrativa.

Há, ainda, uma outra realidade que não se pode desconhecer. A Constituição da República, ao dispor sobre a configuração institucional do Estado, proclama que os poderes da República são independentes. Não obstante esse grau de autonomia, os Poderes do Estado - que, na realidade, são interindependentes - devem manter convívio harmonioso em suas relações institucionais, para que, do respeito recípro­co entre as diversas instâncias de poder, possa resultar, como normalmente tem ocor­rido neste momento histórico, uma prática governamental que tenha como paradigma constante o respeito consciente aos grandes princípios proclamados pela Constituição.

Em uma palavra: a harmonia entre os poderes da República qualifica-se como valor constitucional a ser permanentemente preservado e cultivado. Mais do que mero rito institucional, o convívio harmonioso - e reciprocamente respeitoso -entre os Poderes do Estado traduz indeclinável obrigação constitucional que a to­dos se impõe.

Toma-se necessário enfatizar, neste ponto - e é o que tenho reconhecido pu­blicamente - que os Poderes desta República são chefiados por pessoas sérias, conscientes de suas altas responsabilidades institucionais e investidas de plena legi­timidade constitucional para o desempenho de suas graves funções.

O Presidente da República, o Presidente do Senado, o Presidente da Câmara dos Deputados e o Presidente do Supremo Tribunal Federal têm consciência de que

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nenhum dos Poderes situa-se acima da Constituição. E sabem que o justo equilí­brio político entre os Poderes do Estado decorre do convívio harmonioso que deve pautar as suas relações institucionais.

Cumpre ressaltar, no entanto, por necessário, que o Poder Judiciário, quando intervém para assegurar as franquias constitucionais, exerce, de maneira plenamente legítima, as atribuições que lhe conferiu a própria Carta da República. O regular exercício da função jurisdicional, desde que pautado pelo respeito à Constituição, não transgride o princípio da separação de poderes.

A submissão incondicional de todos ao império da Constituição representa, na real verdade, o fator essencial de preservação da ordem democrática, por cuja in­tegridade devemos todos velar, enquanto legisladores, magistrados ou membros do Poder Executivo.

De outro lado, a fiscalização da atividade estatal, pela opinião pública - qual­quer que seja a dimensão institucional em que se projete o exercício do poder- cons­titui uma das expressões mais significativas do Estado regrado por uma ordem democrática.

A motivação, a adequação das deliberações emanadas das instâncias de po­der aos fins reputados socialmente legítimos e a exigência de publicidade dos atos que se formam no âmbito do aparelho de Estado traduzem princípios essenciais a que a nova ordem jurídico-constitucional não permaneceu indiferente.

A necessidade de fiscalizar o poder- inclusive o Poder Judiciário - cons­titui exigência essencial para a preservação da ordem democrática, que não se revela compatível com deliberações administrativas, que, embora afetando a vida instituci­onal ou repercutindo sobre o interesse público, são, muitas vezes, tomadas e adota­das na intimidade do poder, não se expondo à critica social.

O novo estatuto político brasileiro consagrou a publicidade dos atos e das atividades estatais como valor de extração constitucional a ser permanentemente respeitado pelo Poder Público.

A Carta Federal enunciou preceitos básicos, cuja compreensão é essencial à caracterização da ordem democrática como um regime do poder visível.

NORBERTO BOBBIO (v. «Ü Futuro da Democracia», p. 86, 1986, Paz e Terra), ao definir o governo democrático como «o modelo ideal do governo públi­co em público», salienta a tipicidade político-jurídica do Estado constitucional e de­mocrático, assinalando que, nele, «o caráter público é a regra e o segredo, a exceção, e, mesmo assim, é uma exceção que não deve fazer a regra valer menos ... ».

O modelo político-jurídico, plasmado na nova ordem constitucional- con­soante já pude acentuar em decisões que anteriormente proferi nesta Corte-, rejei­ta o poder que oculta e não tolera o poder que se oculta. Com essa vedação, pretendeu o constituinte tomar efetivamente legítima, em face dos destinatários do poder, a prática visível e transparente das instituições do Estado.

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Esse dogma do regime constitucional democrático configura requisito inde­clinável de sua própria caracterização e sobrevivência, traduzindo, por isso mesmo, um dos meios mais significativos do conhecimento e do controle do poder estatal pelo conjunto da sociedade. É que, conforme adverte NORBERTO BOBBIO, não há - e nem pode haver-, nos modelos políticos que consagram a democracia, es­paço possível reservado ao mistério.

A responsabilidade dos que exercem qualquer função pública - notada­mente daqueles que se qualificam como agentes políticos (magistrados, legisladores e membros do Poder Executivo) - , num sistema constitucional de poderes limita­dos, tipifica-se como uma das cláusulas essenciais inerentes à configuração mesma do primado da idéia republicana, que se opõe- em função de seu próprio conteúdo - às formulações teóricas ou juridico-positivas que proclamam, em regimes de na­tureza diversa, a absoluta irresponsabilidade pessoal dos governantes.

Impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência necessária do princí­pio republicano, a possibilidade de responsabilizar todos os detentores de poder pe­los atos ilícitos que eventualmente venham a praticar no desempenho de suas funções.

Daí a plena compatibilidade, com o texto inscrito na Carta Política, do siste­ma de fiscalização dos Poderes da República pelo corpo social.

Mesmo naqueles Países, cujo ordenamento político revela uma primazia de determinada instância de poder, derivada do crescimento das atividades do Estado, ainda assim- e tal como salienta o sempre douto JOSAPHA T MARTNHO (ROA 156/11)-essa posição hegemônica no plano juridico-institucional «não equivale a domínio ilimitado e absorvente», basicamente porque a expansão do arbítrio deve ser contida por um sistema que permita a aferição do grau de responsabilidade da­queles que exercem o poder.

A consagração do princípio da responsabilidade dos agentes estatais- aqui incluídos juízes, legisladores e membros do Poder Executivo - configura «uma conquista fundamental da democracia e, como tal, é elemento essencial da formare­publicana democrática que a Constituição brasileira adotou ... » (PAULO DE LACERDA, «Princípios de Direito Constitucional Brasileiro», p. 459, item n. 621, vol. I).

Não obstante a posição eminente que detêm na estrutura políti­co-institucional do Estado, os juízes, os legisladores e os membros do Poder Execu­tivo, como qualquer outro cidadão deste País, são também súditos das leis e da Constituição, não se exonerando da responsabilidade emergente dos atos ilícitos que tenham praticado.

A forma republicana de Governo, analisada em seus aspectos conceituais, faz instaurar, desse modo, um regime de responsabilidade a que se devem submeter, de modo pleno e visível, os magistrados, os membros do Poder Executivo e os parla­mentares.

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O princípio republicano, que outrora constituiu um dos núcleos imutáveis das Cartas Políticas promulgadas a partir de 1891 , não obstante a sua plurissignificação conceitual, consagra, a partir da idéia central que lhe é subjacente, o dogma de que todos os agentes públicos- inclusive os Juízes - são responsáveis perante a lei e a Constituição (WILSON ACCIOLI, «Instituições de Direito Constit ucional», p. 408-428, itens 166/ 170, 2• ed., 1981, Forense; JOSÉ AFONSO DA SILVA, «Curso de Direito Constitucional Positivo», p. 472, 5" ed., 1989, RT; MARCELO CAETANO, «Direito Constitucional», vol. II/239, item n. 90, 1978, Forense).

Cumpre destacar, nesse contexto a advertência do saudoso GERALDO ATALIBA, para quem: <<A simples menção ao termo república já evoca um univer­so de conceitos, intimamente relacionados entre si, sugerindo a noção do princípio jurídico que a expressão quer designar. Dentre tais conceitos, o de responsabilida­de é essencial.» («República e Constituição», p. 38, itemn. 9, 1985, RT - grifei).

A idéia de responsabilidade, portanto, ao refletir um conceito intimamente vinculado à noção republicana, permite justificar a essencial necessidade de fiscali­zação social sobre todo e qualquer agente estatal- inclusive os magistrados - no desempenho da função pública.

É preciso reconhecer, por necessário, que o exercício do poder, sem limita­ções ou sem possibilidade de fiscalização, desfavorece a prática efetiva das liberda­des públicas.

Nesse contexto, a sujeição do Judiciário à fiscalização institucionalizada da sociedade civil traduz, a meu juízo pessoa l, conseqüência necessária do regime de­mocrático e republicano, cujos valores buscam inibir qualquer comportamento abu­sivo no desempenho administrativo do cargo judicial.

A discussão em tomo da reforma judiciária deve enfrentar, sem qualquer pre­conceito, sem qualquer exclusão e sem qualquer restrição - até mesmo para efeito de legitimar-se, politicamente, perante o consenso social -, o exame das diversas propostas que buscam viabilizar, sempre com respeito incondiciona l à indepen­dência do magistrado para o exercício da função j ur isdicional, a institucionali­zação de meios de fiscalização do corpo social sobre as atividades de natureza administrativa e de caráter financeiro e orçamentário desenvolvidas pelos Tribunais e magistrados em geral.

O Judiciário, que exerce as suas funções por delegação soberana do Povo, não perderá a sua independência política pelo fato de expor-se à fiscalização social. É que a fiscalização dos juízes e tribunais, nos estritos limites de sua atividade admi­nistrativa, deve ser vista como garantia das formações sociais.

Na realidade - e aqui continuo a expor posição meramente pessoa l -essa atividade de fiscalização constitui ineliminável necessidade da cidadania, quer como requisito de legitimação da atividade administrativa do Judiciário, quer como forma de concretização da idéia republicana, que não admite e nem tolera regimes de governo sem a correspondente noção de fiscalização e de responsabilidade.

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Neste ponto- e ao menos para efeito de reflexão sobre o tema-, é preci­so ter presente a própria experiência constitucional republicana vigente no Brasil desde 1891, que toma possível, mediante livre iniciativa popular de qualquer cida­dão, a submissão dos juízes do Supremo Tribunal Federal, nas infrações políti­co-administrativas previamente definidas em lei, à jurisdição de outro Poder da República, representado pelo Senado Federal, que, enquanto verdadeiro tribunal de processo e julgamento, dispõe do efetivo poder de destituir funcionalmente os Mi­nistros da Suprema Corte, com a conseqüente inabilitação do magistrado punido para o exercício, durante oito (08) anos, de qualquer outra função pública, eletiva ou de nomeação.

Esse sistema - que vigora nos EUA desde 1787 e que também se estende, naquele País, a todos os juízes federais - é aplicado, no Brasil, apenas aos Minis­tros da Suprema Corte, os quais, nem por isso, têm sofrido qualquer interferência no legítimo desempenho do seu oficio jurisdicional, precisamente em face da extrema responsabilidade institucional com que age e procede o Senado da República.

A idéia da fiscalização externa, na realidade - considerada a particular situ­ação a que se acham sujeitos os juízes do Supremo Tribunal Federal - acha-se ple­namente consagrada no próprio sistema constitucional republicano vigente em nosso País. Cabe, portanto, discuti-la e, uma vez superados eventuais limites mate­riais que possam derivar do núcleo irreformável de nosso texto constitucional, im­plementá-la, resguardando-se, sempre, a absoluta independência do magistrado para o desempenho do oficio jurisdicional.

Tenho enfatizado, de outro lado, sempre em caráter pessoal - e com o má­ximo respeito às posições dignamente sustentadas por aqueles que pensam em senti­do oposto - que a reformulação institucional do Poder Judiciário, embora essencial e indispensável, não pode conduzir à criação de mecanismos que busquem, a partir de formulações interpretativas subordinantes, fixadas em instância jurisdicional di­versa, imobilizar o poder inovador da jurisprudência, gerando, a pa r tir de verda­deira hermenêutica de submissão, uma grave interdição ao direito de o magistrado refletir criticamente e de decidir livremente, segundo convicções fundadas em exe­gese criteriosa do sistema normativo e com observância responsável dos limites fi­xados pelo ordenamento positivo.

Se o juiz não tiver liberdade para decidir, e se também não dispuser do neces­sário grau de autonomia funcional e de independência intelectua l para dirimir, se­gundo a Constituição e as leis com ela compatíveis, os conflitos de interesses, notadamente aqueles que se estabelecem em função de comportamentos abusivos do Poder Público, tomar-se-á nulo, em nossa organização política, o sistema das fran­quias individuais, permitindo, como efeito conseqüencial, que o regime das liberda­des públicas venha a transformar-se, eventualmente, num conceito vão, abstrato e inútil.

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Tenho para mim - e novamente insisto que se trata de posição de ordem pes­soal - que o juiz não pode ser despojado de sua independência. O Estado não pode pretender impor ao magistrado o veto da censura intelectual, que o impeça de pensar, de refletir e de decidir com liberdade.

É preciso não perder jamais de perspectiva o fato de que os Tribunais e juízos constituem, por excelência, o espaço institucional de defesa das liberdades.

O direito de o magistrado proferir decisões com independência e liberdade, observados os parâmetros delineados pelo sistema de direito positivo, sem qualquer tipo de imposição exegética ou de definição interpretativa condicionante, constitui o pressuposto indeclinável ao exercício responsável e legítimo da jurisdição e o requi­sito essencial à preservação dos direitos fundamentais e das franquias democráticas, pois - vale a pena insistir na asserção - , sem juízes independentes, não há socie­dades livres.

O magistrado - para legitimar-se em sua função essencial de arbitrar os con­flitos, dirimindo-os em caráter definitivo - deve ser essencialmente livre no desem­penho de seu oficio jurisdicional.

Agindo com liberdade, sem restrições que lhe possam inibir a consciência crítica e dispondo de plena autonomia para julgar, o magistrado converter-se-á no in­térprete fiel e no guardião escrupuloso dos princípios que dão ã Constituição da Re­pública- e ao ordenamento jurídico que com ela seja compatível -o sentido de instrumentos verdadeiramente democráticos, porque essencialmente fiéis à vontade que reflete os anseios supremos do Povo.

A independência do juiz, para decidir com autonomia e responsabilidade as controvérsias, não se qualifica como atributo funcional destinado a ensejar ao ma­gistrado a possibilidade teórica de simples especulações acadêmicas. Essa indepen­dência traduz, na realidade, uma prerrogativa destinada a proteger a própria coletividade de eventuais interferências ilegítimas do poder estatal na esfera jurídica de cada cidadão ou instituição.

À medida em que o juiz perde autonomia decisória, limitado em sua indepen­dência intelectual, diminui, com notável e preocupante extensão, o coeficiente de li­berdade dos cidadãos e dos grupos sociais.

Há, ainda, como questão essencial a merecer reflexão permanente do Poder Judiciário, o tema concernente ã defesa dos direitos da pessoa humana.

Trata-se de matéria da maior importância política, jurídica e social, especial­mente se considerarmos que, pela primeira vez, o Estado brasileiro - a partir desse notável e histórico Program a Nacional de Direitos H umanos, elaborado pelo Go­verno do eminente Presidente Fernando Henrique Cardoso - assume compromis­sos graves e necessários no plano da tutela e proteção contra os abusos, as iniqüidades e as exclusões sociais.

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A Declaração de Direitos constituí, no âmbito de nosso sistema normativo, o instrumento básico de preservação das liberdades públicas.

Trata-se, em realidade, de peça essencial na definição das relações políti­co-jurídicas que se estabelecem entre a pessoa e o Estado.

A compreensão exata das múltiplas dimensões em que se projetam as liberda­des públicas em nosso ordenamento jurídico permitirá defmir, com precisão, o âmbi­to de incidência do poder estatal, afastando a possibilidade de o Estado, ao agir abusivamente ou com desvio de suas prerrogativas institucionais, comprometer o re­gime constitucional sob o qual florescem as liberdades e os instrumentos de proteção organizada dos direitos e garantias de caráter individual ou de ordem coletiva.

A essencialidade das liberdades públicas, enquanto expressão concreta das conquistas individuais e sociais obtidas ao longo do desenvolvimento de nosso pro­cesso histórico e político, traduz o reconhecimento de que o poder do Estado não deve ser absoluto e de que a dignidade da pessoa humana, a importância da cidadania e a necessidade da prevalência do pluralismo político constituem valores fundantes e intangíveis da própria ordem democrática.

A proclamação constitucional dos direitos da pessoa humana reveste-se, na perspectiva daqueles que sofrem a ação institucional do poder , de um significa­do político, filosófico e jurídico que não deve ser ignorado pelos dirigentes da comu­nidade estatal, pois nela repousa o princípio fundamental de que o Estado, não obstante a realidade complexa das formações sociais contemporâneas, foi concebido para satisfazer os interesses e as necessidades das pessoas e das coletividades, nada justificando, em conseqüência, a inversão desses papéis na vida das Nações e dos po­vos.

A Constituição brasileira de 1988, refletindo generosamente as modernas tendências que orientam a formulação da Carta de Direitos, proclama, com funda­mento numa visão global, contemporânea e sistêmica do tema - e, sobretudo, a par­tir da perspectiva ex parte populi, que é, sempre, a perspectiva da liberdade -,os direitos de primeira geração (ou as liberdades clássicas ou negativas), os direitos de segunda geração (ou as liberdades reais, concretas ou positivas) e os direitos de terceira e de quarta gerações, cuja titularidade, transcendendo a esfera dos indiví­duos considerados em sua expressão singular, repousa, exclusivamente, nos grupos primários e nas grandes formações sociais (CELSO LAFER, «A Reconstrução dos Direitos Humanos», 1988, Companhia das Letras).

A Lei Fundamental do Brasil consagra, hoje, um sistema devidamente insti­tucionalizado de proteção aos direitos do Homem, viabilizando, desse modo, conso­ante ressalta NORBERTO BOBBIO («A Era dos Direitos», 1992, Editora Campus), a consolidação da ordem democrática e a edificação de um sistema em que predomine, na abordagem da relação política, com uma radical inversão de perspec­tivas, não mais o ângulo do soberano, mas, essencialmente, a visão e as concepções do súdito, do cidadão, da pessoa social e da própria coletividade.

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Dentro desse contexto, toma-se imperioso que o Poder Judiciário, no exercí­cio de suas funções institucionais, atue, de maneira decisiva, como o órgão protetor dos direitos da pessoa humana, permitindo, desse modo, que se forje, no espírito das pessoas, a necessária consciência crítica sobre a importância vital da Constituição como instrumento de limitação do poder e de salvaguarda das liberdades públicas.

A análise dos aspectos centrais pertinentes ao exame dos direitos e garantias individuais e coletivos toma perceptível a situação de tensão dialética gerada pelo conflito histórico entre o princípio da liberdade e o postulado da autoridade, que, en­quanto idéias nucleares de qualquer formulação doutrinária em tomo da teoria do Estado, têm se antagonizado ao longo do processo de desenvolvimento político das sociedades humanas.

E é, precisamente, a emergência dessa situação de antagonismo - que faz periclitar o princípio da liberdade - que toma essencial a intervenção tutelar do Po­der Judiciário.

É preciso enfatizar que o Poder Judiciário tem um compromisso histórico e moral com a preservação dos valores fundamentais que protegem a dignidade da pessoa humana. Os magistrados não podem prescindir , na sua atuação institucio­nal, da necessária observância de um dado essencial que se exterioriza na preponde­rância do valor ético fundamental do Homem.

Essa visão do tema, que deriva de uma perspectiva ex pa r te populi, busca consagrar o postulado da liberdade e a primazia da pessoa humana, no campo delica­do e complexo das relações tão estruturalmente desiguais entre o Estado e o indiví­duo.

A problematização da liberdade individual na sociedade contemporânea não pode prescindir desse dado axiológico essencial que se traduz na prevalência do va­lor ético fundamental da pessoa humana.

Esta é uma verdade que não se pode desconhecer : a emergência das socie­dades totalitárias está causalmente vinculada, de modo rigido e inseparável, à des­consideração das liberdades públicas e ao desprezo, pelo Estado, dos direitos da pessoa humana, que constituem valores fundantes e condicionantes da própria or­dem político-jurídica instaurada no âmbito da comunidade estatal.

Por isso mesmo, e atenta a esse fenômeno, a Assembléia Nacional Constitu­inte, ao promulgar a Constituição do Brasil em 1988, nela fez inscrever, como prin­cípios fundamenta is da nova ordem j urídica:

a) a dignidade da pessoa humana (artigo 1°, n° III);

b) a prevalência dos direitos humanos (artigo 4°, n° 11);

c) a punibilidade de qualquer comportamento atentatório aos direitos e liber­dades fundamentais (artigo 5°, n° XLI);

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d) a inafiançabilidade e a inagraciabilidade do crime de tortura (artigo 5°, n° XLIIl);

e) a proscrição de penas cruéis, desumanas e degradantes (artigo 5°, n° XLVII, e);

f) a intangibilidade fisica e a incolumidade moral de pessoas sujeitas à custó­dia do Estado (artigo 5°, n° XLIX);

g) a decretabilidade de intervenção federal, por desrespeito aos direitos da pessoa humana, nos Estados-membros e no Distrito Federal (artigo 34, n° VII, b);

h) a impossibilidade de revisão constitucional que objetive a supressão do regime formal e material das liberdades públicas (artigo 60, § 4°, n° IV);

i) o repúdio à tortura ou a qualquer outro tratamento desumano ou degradan­te (artigo 5°, n° UI).

Aos magistrados incumbe defender a supremacia da Constituição e a intangi­bilidade dos direitos fundamentais da pessoa humana, repelindo, no desempenho do oficio jurisdicional, práticas atentatórias às liberdades essenciais e neutralizando qualquer ensaio de opressão estatal.

É por tais razões que se toma necessário ampliar, ainda mais, a agenda insti­tucional concernente ao Poder Judiciário, para que, no contexto da discussão social sobre a reforma judiciária, possam nela ser incluídos outros temas de inegável im­portância para a sociedade civil.

Um desses tópicos de ampliação democrática da agenda do Poder Judiciário consiste, precisamente - tal como já acentuei nesta Corte, quando de minha eleição para a Presidência do Supremo Tribunal Federal - em debater a questão essencial dos direitos básicos da pessoa humana.

Os juízes, em sua atuação institucional, não podem desconhecer a realidade insuprimível dos direitos essenciais da pessoa, trate-se de direitos de primeira, de se­gunda ou de terceira gerações.

O Poder Judiciário constitui o instrumento concretizador das liberdades civis e das franquias constitucionais. Essa alta missão, que foi confiada aos juízes e Tribu­nais pelo povo, qual i fica-se como uma das mais expressivas funções políticas do Po­der Judiciário, cabendo enfatizar, no contexto do regime político sob o qual vivemos, que <<A legitimação material do juiz no Estado Democrático de Direito se dá pela aplicação e defesa dos Direitos Humanos que realiza no exercício de suasfimções jurisdicionais».

Em uma palavra: o juiz é, e sempre deve ser, o instrumento da Constituição na defesa incondicional e na garantia efetiva dos direitos fundamentais da pessoa hu­mana. Essa é uma das missões irrenunciáveis do juiz digno e consciente de seus de­veres éticos, políticos e jurídicos, no desempenho da atividade jurisdicional.

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No entanto, de nada valerão os direitos e de nada significarão as liberdades, se os fundamentos em que eles se apóiam não forem preservados e não forem respei­tados pelo Poder Público.

A questão dos direitos fundamentais da pessoa humana coloca-se, hoje, mais do que nunca, como um processo solidário que impõe a atuação comum dos Poderes da República, ao lado dos grupos sociais.

Pesa, desse modo, sobre magistrados, legisladores e membros do Poder Exe­cutivo, o encargo irrenunciável de se colocarem, em ação conjunta e convergente, como instrumentos de realização do compromisso constitucional que deles exige a adoção de uma clara e inequívoca posição como agentes impulsionadores dos direi­tos essenciais da pessoa humana em nosso País.

É preciso construir a cidadania, a partir do reconhecimento de que assiste a toda e qualquer pessoa uma prerrogativa básica que se qualifica como fator de gera­ção dos demais direitos e liberdades.

Refiro-me a essa categoria fundamental que se traduz no reconhecimento de que toda pessoa tem direito a ter direitos.

Se as formações sociais e o próprio Estado não proclamarem essa asserção fundamental, tomar-se-á inviável o acesso às demais categorias de direitos e liberda­des.

Sem que se reconheça a toda e qualquer pessoa o direito que ela tem de possu­ir e titularizar outros direitos, frustrar-se-á - como conquista verdadeiramente inú­til - o acesso ao regime das liberdades públicas.

E, desse modo, o rol de excluídos, marginalizados pela iniqüidade da exclu­são social, será dramaticamente ampliado pelo surgimento daqueles afetados por uma perversa exclusão jurídica, estigmatizados pela impossibilidade de sequer postularem a proteção jurisdicional do Estado.

Sem se reconhecer a realidade de que a cidadania impõe ao Estado o dever de atribuir aos desprivilegiados - verdadeiros marginais do sistema jurídico nacional - a condição essencial de titulares do direito de serem reconhecidos como pessoas investidas de dignidade e merecedoras do respeito social, não se tomará possível construir o sonho da igualdade e nem de realizar a edificação de uma sociedade justa e fraterna.

O fato grave e dramático que atinge os socialmente excluídos - e que, por efeito causal, tomam-se, também eles, vítimas injustas dessa perversa exclusão de ordem jurídica-reside na circunstância de que a condição de despossuídos acaba gerando a perda de um essencial elemento de conexão que lhes garanta uma exata e bem definida posição em nosso sistema político e jurídico.

Aquele que é juridicamente excluído não tem vinculação com o sistema de direito, perdendo, em função dessa injusta condição social, qualquer referência que lhe permita o exercício e a fruição dos demais direitos e liberdades.

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Com os socialmente excluídos está em causa, portanto, o próprio reconheci­mento - tão essencial à preservação da dignidade individual - de que à pessoa hu­mana assiste o direito a ter direitos.

A exclusão jurídica, nesse contexto, representa um sub-produto perverso da exclusão social, que cumpre ser neutralizada e extirpada em nome da essencial dig­nidade da pessoa humana, que é um dos grandes valores proclamados pela Constitui­ção da República, fundamento verdadeiro do Estado Democrático de Direito.

Desse modo, a exclusão de ordem jurídica, gerada e impulsionada pela injus­ta condição social que tão gravemente afeta os que nada têm, acaba por frustrar a possibilidade de defesa jurisdicional das prerrogativas jurídicas que competem, de maneira indisponível, a cada ser humano.

Não se pode desconhecer, por isso mesmo, que o povo brasileiro ainda não tem acesso pleno ao Poder Judiciá rio. Essa é uma realidade inquietante, cujo reco­nhecimento, no entanto, importa fazer, pois, no seio de uma sociedade fundada em bases democráticas e regida por importantes postulados de ordem republicana, nada pode justificar a exclusão de multidões de pessoas do acesso essencial à jurisdição do Estado.

Preocupa-me, enquanto magistrado - mas, sobretudo, como cidadão - que os grandes princípios generosamente proclamados pela Constituição da República revelem-se, para contingentes expressivos de nossa população, valores ainda reves­tidos de caráter meramente abstrato, destituídos de significação real na experiência concreta de vida de cada brasileiro.

Cumpre, desse modo, dotar o Estado de uma organização institucional que lhe permita realizar, na expressão concreta de sua atuação, o dever que lhe impôs a própria Constituição da República: proporcionar, efetiva mente, aos necessitados, plena e integral assistência jurídica, para que os direitos e as liberdades não se con­vertam em proclamações inúteis, destituídas de fundamento real.

É preciso, por isso mesmo, instituir, consolidar e aparelhar, em todo o País, as Defensorias Públicas, cuja importância, nesse processo de construção da cidada­nia, reveste-se de relevo indiscutível.

A democratização do acesso à Justiça revela-se, desse modo, um inadiável programa estatal, cuja implementação terá a virtude de iniciar o processo de reinser­ção e reincorporação dos despossuídos ao sistema de direito do qual se acham injus­tamente excluídos, permitindo que o postulado da igualdade - fundamento verdadeiro do processo de construção da cidadania- tenha, fmalmente, plena, con­seqüente e definitiva realização.

Concluo as minhas palavras, acentuando - como já pude fazê-lo, quando de minha eleição para a Presidência desta Suprema Corte-, que os desafios são muitos e vários são os dilemas. Mas amplos, também, são os caminhos já abertos, de manei­ra superior, pelo eminente Ministro SEPÚL VEDA PERTENCE, que, com notável

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dedicação e reconhecido talento, lançou, de maneira que sempre perpetuará o brilho com que dirigiu esta Corte e coordenou o debate nacional em torno da reforma judi­ciária, os fundamentos que nos devem inspirar a todos no processo de reconstrução institucional do Poder Judiciário e de remodelação da própria face da Justiça.

Toma-se para mim motivo de honra suceder, na Presidência do Supremo Tri­bunal Federal, a alguém, como o ilustre Ministro SEPÚLVEDA PERTENCE, que tem o respeito desta Nação, pelo notável trabalho que desenvolveu, animado, sem­pre, por um espírito de plena dedicação aos interesses de nosso País.

Registro, com alegria e satisfação, o fato de poder contar com o apoio seguro e competente do eminente Ministro CARLOS VELLOSO - ilustre Magistrado e notável Professor - , que, para honra minha e desta Corte, exercerá o cargo de Vi­ce-Presidente do Supremo Tribunal Federal. Tenho a convicção de que, a meu lado, está um juiz dotado de elevada qualificação e de irrecusável fidelidade à causa da Justiça.

Desejo registrar, em meu nome e no do ilustre Ministro CARLOS VELLOSO, os nossos agradecimentos pelas palavras com que nos distinguiram os eminentes oradores desta Sessão - Ministro SYDNEY SANCHES, Prof. GERALDO BRINDEIRO, Dr. ERNANDO UCHÓA LIMA e Dr. LUIZ ANTONIO GUIMARÃES MARREY - , cabendo-me salientar que as reflexões contidas em seus pronunciamentos representam, para todos nós, e também para este Supremo Tribunal Federal, um poderoso fator de estímulo na jornada de que participamos na busca incessante do aperfeiçoamento institucional do Poder Judiciário, visando a conferir ao Povo deste País uma Justiça digna, ágil e eficiente, sempre sob o amparo e a autoridade normativa da Constituição.

Invoco, finalmente, para o desempenho de minhas novas funções, o apoio, a sabedoria, a prudência e a experiência de meus eminentes colegas do Supremo Tri­bunal Federal, cujo suporte - fundado no princípio da colegialidade - reve­lar-se-á elemento de importância fundamental para a execução dos graves encargos e para a superação dos grandes desafios que se apresentam neste momento de trans­formação e modernização do Estado e de seu aparelho judiciário.

Agradeço a todos aqueles a cuja presença se devem o brilho e o significado desta solenidade e convido os presentes a que se desloquem ao salão contíguo a este Plenário, solicitando-lhes o obséquio de permanecerem em seus lugares, até que a Corte possa retirar-se.

Muito obrigado. Está encerrada a sessão.