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Paredes divisórias: Passado, presente e futuro, P.B. Lourenço et al. (eds.) 129 POTENCIALIDADES DAS DIVISÓRIAS LEVES E MÓVEIS PARA A FLEXIBILIZAÇÃO DO ESPAÇO Cláudio VILARINHO Arquitecto Cláudio Vilarinho – Arquitectura e Design, Lda. Porto Catarina CAMPOS Arquitecta estagiária Cláudio Vilarinho – Arquitectura e Design, Lda. Porto SUMÁRIO No âmbito da temática proposta, procurou-se perceber a divisão do espaço através dos seus elementos estáticos e flexíveis. Sem qualquer definição impositiva, viu-se na evolução constante e dinâmica da sociedade, grande parte do presente da arquitetura. Assim, a reflexão centrou-se no carácter flexível de um espaço, combinando exemplos práticos e teóricos onde se realça, fundamentalmente, a potencialidade das paredes divisórias móveis na (in)definição de muitas dualidades inerentes a um qualquer espaço arquitetónico. Em formato conclusivo deixam-se algumas intenções meditativas que pretendem questionar sobre qual o próximo passo da flexibilidade e, acima de tudo, qual o futuro reservado à arquitetura. 1. INTRODUÇÃO Como primeira reação às palavras “paredes divisórias”, surgem de forma instintiva duas vertentes. Uma primeira que remete para a divisão do espaço de uma forma estável, sólida e que pretende definir claramente os compartimentos interiores ou mesmo as áreas exteriores de um determinado edifício ou zona urbana – esta dualidade interior/exterior revela a possibilidade da temática em ir para além da ideia de espaço fechado. Por outro lado, não oposto mas possivelmente complementar, situa-se a vertente da flexibilidade. Vertente esta que nos encaminha para um pensamento mais contemporâneo, onde existe a necessidade constante de adaptação ao mundo e à sociedade em que vivemos. Neste sentido, sendo a arquitetura focada no homem e no desenho dos espaços que o envolvem, deve movimentar-se de acordo com a sua evolução.

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POTENCIALIDADES DAS DIVISÓRIAS LEVES E MÓVEIS PARA A FLEXIBILIZAÇÃO DO ESPAÇO

Cláudio VILARINHO Arquitecto

Cláudio Vilarinho – Arquitectura e Design, Lda.

Porto

Catarina CAMPOS Arquitecta estagiária

Cláudio Vilarinho – Arquitectura e Design, Lda.

Porto

SUMÁRIO

No âmbito da temática proposta, procurou-se perceber a divisão do espaço através dos seus elementos estáticos e flexíveis. Sem qualquer definição impositiva, viu-se na evolução constante e dinâmica da sociedade, grande parte do presente da arquitetura. Assim, a reflexão centrou-se no carácter flexível de um espaço, combinando exemplos práticos e teóricos onde se realça, fundamentalmente, a potencialidade das paredes divisórias móveis na (in)definição de muitas dualidades inerentes a um qualquer espaço arquitetónico. Em formato conclusivo deixam-se algumas intenções meditativas que pretendem questionar sobre qual o próximo passo da flexibilidade e, acima de tudo, qual o futuro reservado à arquitetura.

1. INTRODUÇÃO

Como primeira reação às palavras “paredes divisórias”, surgem de forma instintiva duas vertentes. Uma primeira que remete para a divisão do espaço de uma forma estável, sólida e que pretende definir claramente os compartimentos interiores ou mesmo as áreas exteriores de um determinado edifício ou zona urbana – esta dualidade interior/exterior revela a possibilidade da temática em ir para além da ideia de espaço fechado. Por outro lado, não oposto mas possivelmente complementar, situa-se a vertente da flexibilidade. Vertente esta que nos encaminha para um pensamento mais contemporâneo, onde existe a necessidade constante de adaptação ao mundo e à sociedade em que vivemos. Neste sentido, sendo a arquitetura focada no homem e no desenho dos espaços que o envolvem, deve movimentar-se de acordo com a sua evolução.

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2. A FLEXIBILIDADE COMO POSSÍVEL SOLUÇÃO

Numa breve noção Histórica, ao longo de milhares de anos, o Homem foi erguendo obras imensamente estáveis que se destinavam a determinado tipo de pessoas e funções. Obras essas que se prolongaram no tempo, sendo que muitas delas ainda subsistem hoje. Naturalmente, as sociedades atuais são, em muito, díspares das populações antigas, o que altera significativamente as necessidades das mesmas e consecutivamente os edifícios. Exemplo prático disso encontra-se na quantidade de construções de séculos passados que albergam, atualmente, funções diferentes. Desta forma, conclui-se que o utilizador, a função e a forma arquitetónica coexistem numa relação muito próxima e direta, sendo que uma ligeira alteração num destes elementos pode inviabilizar o sentido dos restantes, facto que obriga o arquiteto a pensar incessantemente em como dar uma resposta eficaz e intemporal a esta questão. Foi na época Modernista que muitos dos grandes arquitetos da História puderam intervir e marcar vincadamente o momento em que se viu na flexibilidade, a solução positiva para a durabilidade e qualidade da relação utilizador/função/forma. Desde então, e com plena consciência que no último século a evolução das sociedades, das pessoas, das culturas e das suas necessidades foi totalmente dinâmica, o tema da flexibilidade e da adaptabilidade tem sido um dos grandes focos da arquitetura. Ao procurar o significado da palavra flexibilidade, obtém-se respostas como maleabilidade, elasticidade, destreza, agilidade, capacidade de se moldar a diferentes situações, qualquer um destes termos transmite a ideia de que flexibilidade é uma espécie de carácter adaptável a situações diversas e que, especificamente na arquitetura, se revela pela possibilidade de alterar a função, o uso de algum espaço sem que se modifiquem os elementos de estrutura e construção principais. Algo flexível também deve ser algo capaz de se adaptar a situações novas que podem surdir a qualquer momento - Versatilidade. Com esta ideia, apresenta-se um projeto de concurso em que foram desenhados 78 apartamentos em Vallecas, Madrid (2005). Como ponto de partida usou-se uma referência pessoal sobre uma experiência habitacional em apartamento, “Não

podíamos dar uma festa porque não tínhamos uma zona com uma boa área para o fazer. Tão

pouco tínhamos espaço para aquilo que fazíamos enquanto adolescentes: 15 amigos a dormir

no chão do mesmo quarto. Pelo menos por um dia, eu gostava de dormir como um rei, num

quarto de 60m2”[1]. A vontade de potenciar novas soluções como esta, ou até outras que

pudessem surgir, conduziu à criação de um carácter versátil para o espaço interior, de forma a dar uma melhor resposta aos seus utilizadores e respetivos usos. Assim, esta proposta (que tem como referência um projecto dos arquitetos espanhóis Aranguren y Gallegos) centrou-se na procura de soluções flexíveis no dimensionamento dos espaços. A partir da problemática de uma possível compartimentação fixa com áreas reduzidas, a ideia foi introduzir um sistema de painéis móveis que permitisse a transformação de pequenos espaços noutros de maior dimensão – uma flexibilidade espacial que conduz a uma flexibilidade de usos (Figura 1). A aliar a esse sistema, procurou-se também que o mobiliário fosse funcional sendo que as camas podem ser embutidas no pavimento para maior usufruto do espaço. Desta forma, as paredes e planos divisórios podem encerrar os quartos ou abri-los ao espaço comum, deixando margem para que a “casa” respire, varie e se redesenhe a cada momento – sendo até possível uma variação espacial na relação temporal dia/noite (Figura 2) – em função de uma mutabilidade adaptável às necessidades do utilizador.

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Figura 1: Planta do piso tipo com diversas tipologias.

Figura 2: Planta da tipologia T1 – mutação dia/noite.

Numa breve referência a Rem Koolhas, este arquiteto sugere-nos que “La flexibilidade no es la

anticipación exhaustiva a todos los cambios posibles. Muchos cambios son impredicibles (…)

La flexibilidade es la créacion de una capacidad de amplio margem que permita diferentes e

incluso opuestas interpretaciones y usos”[2] remetendo-nos para a noção de que a flexibilidade não pretende dar resposta a todos os possíveis usos e alterações que devem existir num determinado espaço, mas sim criar uma margem para que muitos desses passos, aconteçam naturalmente. O projeto com que o atelier participou no concurso do Europan 10, em Cascais, procura criar uma amplitude e liberdade espacial em prol de dar maior margem a comportamentos não

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conhecidos, visto ser um estudo em que o utilizador da futura habitação é anónimo. Do ponto de vista das paredes divisórias interiores, esta intervenção assume a ideia de flexibilidade como o conceito que, uma vez mais, vai criar o sistema de planos móveis. A permeabilidade entre cozinha, sala e quartos enriquece as possibilidades de utilização e usufruto dos diferentes espaços (Figura 3). Através de um simples processo de mobilidade das paredes divisórias, passa-se do encerramento normal de cada compartimento para um espaço mais contínuo que une quase toda a habitação tornando-a num (quase) total open space (Figura 4). Salvaguarda-se também a mobilidade e neutralidade do sistema de fachadas no aspeto exterior do edifício. Através de painéis modulares, conseguiu-se uma fachada neutra em que o utilizador de cada habitação é o autor do movimento da mesma através da abertura, encerramento ou alteração da posição dos painéis que a compõe, alcançando-se assim uma dinâmica constante que confere flexibilidade ao edifício por dentro e por fora (Figura 5).

Figura 3: Tipologias - diagramas de ocupação de espaço.

Figura 4: Tipologias – duas variantes.

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Figura 5: Imagem exterior - habitação coletiva/fachada. Acredita-se, embora numa ótica mais pessoal mas não pioneira, que além das três dimensões físicas da arquitetura, podem eventualmente definir-se outras duas que se associam à flexibilidade e se caracterizam pelo Movimento – quer do utilizador, quer dos elementos arquitetónicos – e pelo Tempo, que inevitavelmente confere transformações ao edifício ou ao espaço. No âmbito da importância do movimento do utilizador para a perceção e funcionamento de determinado espaço, apresenta-se como exemplo a proposta para um edifício de habitação coletiva destinado à população sénior e à qual lhe foi atribuído o Prémio Mobilidade 2007. Neste projeto em que vemos a mobilidade não só no sentido da acessibilidade do espaço, como no aspeto social, a questão das paredes divisórias reveste-se de significado. Procurou-se uma solução que respondesse ao programa, bem como às necessidades dos utilizadores – neste caso, idosos. Definiram-se alguns exemplos sociológicos, nomeadamente um casal típico (Figura 6), um senhor solteiro (Figura 7), uma senhora que precisa de cuidados permanentes e por isso vive com uma enfermeira (Figura 8) e uma senhora que vive só e arrenda quartos a jovens (Figura 9). Partindo desta definição, procurou-se desenhar o espaço de forma adaptável a cada caso definido, como também a novos casos que pudessem surgir, mostrando a capacidade flexível do projeto. Na prática, os planos que separam os compartimentos entre si podem ser rapidamente e funcionalmente corridos para o interior de paredes que são fixas. Esta flexibilidade, apenas possível pelas possibilidades e ambiguidades criadas em torno das paredes divisórias, trouxe uma grande riqueza à intervenção (Figura. 10). Este sistema teve um papel essencial no desenho do projeto, tendo como base a ideia de convívio social que era proposta, bem como a adaptabilidade dos espaços a diferentes usos.

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Figura 6: Tipologia – casal típico (apartamento corrente).

Figura 7: Tipologia – senhor solteiro (grande espaço social).

Figura 8: Tipologia – senhora + enfermeira (apoio imediato entre quartos).

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Figura 9: Tipologia – senhora + jovens (divisão temporária).

Figura 10: Diagramas de ocupação espacial. A durabilidade da arquitetura é um tema em muito paralelo a este – a flexibilidade – e claramente discutido principalmente entre arquitetos, estudiosos e críticos da área – quanto tempo dura ou deve durar uma determinada obra? Não sabemos a resposta, pois ela não é mensurável, ou clara, depende de muitos fatores e intenções. No entanto, uma coisa será certa, tendo a consciência de que o tempo é contínuo e não tem um fim à vista, os edifícios nunca serão definitivos e a metamorfose da arquitetura é um acontecimento inevitável. Se não existir essa transformação, existe então a sua destruição.

3. ADAPTAR A ARQUITECTURA

Como meio arquitetónico para resolver as mudanças necessárias à adaptabilidade dos edifícios existentes, surge a reconversão ou, usando o seu termo mais corrente, a reabilitação. Uma área em que se encontram três vertentes praticadas atualmente, a Inclusão, a Alteração e a Adição. Tendo em conta a quantidade de edifícios nos centros urbanos ou também de edifícios rurais a necessitar de recuperação, estas vertentes têm dado trabalho a muitos arquitetos e originado,

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muitas vezes, grandes melhorias nos espaços antigos que agora se usam contemporaneamente e que geram novos lugares de estar e de viver. Numa breve explicação do conceito de cada uma das vertentes, encontramos na Inclusão o respeito pela envolvente e pelas fachadas sendo que a transformação se instala apenas no seu interior; na Alteração uma transformação mais radical que ocorre quer no interior quer no exterior do edifício; por último, na Adição há uma clara união entre passado e presente, em que o existente passa a assumir-se como a primeira parte da História e a adição de novos elementos volumétricos criam novos espaços e um novo conjunto edificado. No âmbito destas vertentes, apresenta-se o projeto de um apartamento em Braga (2002-2007) no qual tomou lugar um processo de alteração de interiores – Inclusão. Esta intervenção passou por trazer a já referida flexibilidade a um apartamento existente (Figura 11). Gestos como a redução do número de quartos – alteração na compartimentação – e a eliminação de paredes divisórias que definiam uma barreira física entre a cozinha e sala, foram determinantes para aumentar a versatilidade e a abertura espacial deste apartamento. Numa fase posterior, (Figura 12) decidiu-se utilizar um volume central que pudesse contribuir para uma melhor transição público/privado, que contivesse em si as instalações sanitárias e que ao mesmo tempo fosse capaz de englobar elementos deslizantes passíveis de alterar as utilizações do espaço – quatro portas de correr nas extremidades. É de salientar que estes elementos móveis conferem às instalações sanitárias a possibilidade de servirem tanto a zona pública – sala de estar e cozinha – como a zona privada – quartos. Esta solução foi fundamental pois trouxe a flexibilidade pretendida para o apartamento, baseando-se no constante encerramento vs abertura espacial (Figura 12 e 14) sempre em função da versatilidade das divisórias e do uso dinâmico dos compartimentos.

Figura 11: Planta existente.

Figura 12: Planta da proposta/construída – ligações directas.

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Figura 13: Imagem interior – painéis fechados. Figura 14: Imagem interior – painéis abertos.

Dos vários exemplos que podem ser considerados num processo de reabilitação/adaptação, importa referir um dos que se tornou mais reconhecido, sendo atualmente uma tipologia com características muito próprias – o Loft. A importância deste exemplo remete para o entendimento de como uma ação de apropriação a um espaço alterando-lhe o seu uso, se pode tornar posteriormente em algo de grande funcionalidade e capaz de revitalizar imensas zonas urbanas. O surgimento desta tipologia aconteceu perto dos anos sessenta quando artistas começaram a apropriar-se dos grandes espaços vazios industriais e os transformaram nos seus ateliers de trabalho e, muitas vezes também, nos seus locais de habitação. Características como grande amplitude, liberdade espacial ou bastante profundidade deram margem a uma adaptação que veio posteriormente a originar o conceito semelhante ao que conhecemos atualmente. Em suma, o que é claramente interessante a retirar deste elemento conceptual – Loft – é o seu processo cuja liberdade espacial permitiu uma flexibilidade e uma adaptabilidade muito própria e que deu resposta às necessidades das pessoas naquela altura. Através deste processo de referência, percebemos que adaptar a arquitetura existente também pode ser vantajoso e, quem sabe, dar origem a outras investigações, intervenções e, como no exemplo dado, até à criação de novos conceitos.

4. PAREDES DIVISÓRIAS FIXAS VS PAINÉIS DIVISÓRIOS MÓVEIS

Numa reação inicial ao tema de Paredes Divisórias, perspetivou-se uma bifurcação em duas vertentes aparentemente distintas e opostas. No entanto, a análise de alguns dos projetos apresentados bem como a própria evolução da investigação fizeram-nos concluir que paredes fixas e móveis podem e devem ser coadunadas de forma a produzir uma noção de estabilidade e solidez a que o edifício deve responder mas também a uma adaptabilidade e flexibilidade que é necessária no quotidiano de muitas sociedades atuais. A realidade é que paredes divisórias fixas levam a uma maior restrição do espaço, à sua inalterabilidade arquitetónica, deixando para os elementos decorativos todo o papel da mudança e da adaptação. No entanto, a intenção do próprio arquiteto – e muitas vezes do próprio cliente – pode claramente ser a de marcar uma área e defini-la o melhor possível, organizando o espaço para que ele se fixe naquele lugar e no tempo. Por outro lado, e como já foi referido e descrito neste artigo, a flexibilidade revela cada vez mais um papel essencial, sendo portanto, consequentemente, fundamental que existam elementos amovíveis, dinâmicos e flexíveis capazes de permitir que determinada arquitetura funcione e resulte positivamente o máximo de tempo possível. Neste sentido é também importante que o arquiteto investigue novas formas de aplicar a flexibilidade, pois realisticamente ela não se restringe apenas à fixidez ou não de paredes divisórias, pode encontrar-se no material de acabamento, na cor, na textura ou no jogo de luz, todos estes elementos podem contribuir para um espaço mutante que se adapte à disposição do seu utilizador ou a diferentes ambientes. Um exemplo de flexibilidade noutros elementos, visto as paredes divisórias serem totalmente fixas, é a Casa 1 em Penafiel (2005…). Este projeto mostra uma variante em que a constituição

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das paredes divisórias pode ser um tema e objeto de trabalho. A sua estrutura metálica leve (Light Steel Frame), tanto nas paredes divisórias interiores como exteriores (Figura 15), traz “leveza” e consequente flexibilidade ao projecto. Deste modo, o interesse deste exemplo está essencialmente na versatilidade que a constituição das paredes divisórias pode permitir. Numa ótica muito própria e também realista, pensa-se ser na ponte entre as duas vertentes – paredes fixas e móveis – que reside uma boa conjugação arquitetónica. Esta filosofia constata-se não só nos projetos apresentados até aqui, mas também e particularmente na proposta a concurso realizado para o Centro Escolar em Gafanha da Boa-Hora (2008). O trabalho com paredes divisórias realizado para este programa, embora na sua maioria bastante “tradicional”, apresenta uma nuance do entendimento do plano como forma de introduzir versatilidade nos usos e na forma de apreender um espaço de diferentes modos. A forte intenção de criar grandes espaços de distribuição e/ou abertura ao público, diáfanos e transparentes, bem como a indispensável necessidade de pontualmente encerrar esses mesmos espaços, introduziram um fator de adaptabilidade ao espaço. Concretamente, conseguiu-se que os grandes planos separatórios que possibilitam compartimentar usos públicos (entrada, auditório, salas polivalentes), possam também retrair-se ou movimentar-se para dar lugar à profundidade e continuidade espacial (Figura 16, 17, 18 e 19). Num entendimento mais amplo, a vontade de abranger novos usos tais como a abertura do espaço escolar à comunidade, remeteu para que a mobilidade dos planos permitisse também a criação de zonas para este fim. Através desta conjugação funcional entre paredes fixas e móveis, espera-se atingir a estabilidade flexível, a solidez versátil e a evolução enraizada que tanto caracteriza o ser humano, e por conseguinte, os espaços que o rodeiam.

Figura 15: Pátio - paredes exteriores.

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Figura 16: Imagem interior - plano encerrado. Figura 17: Imagem interior - plano aberto.

Figura 18: Imagem interior - plano encerrado. Figura 19: Imagem interior - plano aberto.

5. CONCLUSÕES

As paredes divisórias, à semelhança de outros elementos arquitetónicos, são essenciais para a organização do espaço que rodeia o Homem. No entanto, por vezes estes elementos podem ser vistos como barreiras físicas ou objetos que dificultam a dinâmica e evolução natural dos utilizadores e dos usos. Como forma de facultar uma melhor resposta a este facto, surge a ideia de flexibilidade e adaptabilidade. Se aplicarmos estas noções às paredes divisórias de determinado espaço, certamente que este se irá caracterizar como dinâmico e condizer de uma forma mais positiva à vida das pessoas que o utilizam. No entanto, a conclusão principal da junção de todos estes factos é a harmonia equilibrada entre estabilidade e flexibilidade, resultando na prática num desenho que alia paredes divisórias fixas e móveis. Como evolução natural desta pesquisa, permanece a ideia de que não é apenas nas paredes divisórias que a flexibilidade encontra expressão, mas também em outros elementos fundamentais como as fachadas, os materiais ou o mobiliário. No entanto, depois de reter as conclusões pragmáticas sobre este tema, ficam no ar questões como qual o limite da flexibilidade? Ou, até onde poderá ir o seu campo de ação? E no que toca a Arquitetura, deixará ela de continuar a ser um valor de permanência no tempo e na existência do Homem? Então, porque não desenhar os edifícios elevados à máxima flexibilidade desde o inicio? Poderá a flexibilidade ser aplicada não só ao interior de um espaço, mas também às suas fachadas, à sua implantação no solo, ao seu espaço exterior tornando-se numa arquitetura que respira, que se movimenta constantemente? Se a flexibilidade deve ou não ser levada ao extremo, ninguém pode saber ao certo mas real é que à arquitetura foi deixado – e é deixado continuamente – um legado valioso na procura do próximo passo no edificado, já que “(…)todo quedará en manos de la arquitectura para

mantener vivo el sueño moderno del edifício flexible”[3].

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6. AGRADECIMENTOS

A toda a equipa que constitui este atelier nomeadamente aos colaboradores que participaram nos projectos apresentados – Filipe Lemos, Gil Soares, João Pereira de Sousa, Sofia Araújo, Tânia Lopes e Vasco Silva.

7. REFERÊNCIAS

[1] Vilarinho, Cláudio – “Memória Descritiva 78 apartamentos em Vallecas”, disponível em http://claudiovilarinho.com/projects/vallecas/, 2005

[2] Koolhas, Rem – “Vivienda y flexibilidad”, Revista a+t, nº12, 1998, pág.5 [3] Gonzalez, Xavier – “Vivienda y flexibilidad”, Revista a+t, nº12, 1998, pág.3