Potencialidades e limites da lei: os paradoxos de · NASCIMENTO, E. O. Os novos institucionalismos...

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5Potencialidades e limites da lei: os paradoxos de nossa produção legislativa

José Alcione Bernardes Júnior1

Resumo: As potencialidades e os limites da legislação são examinados a par-tir de uma perspectiva sistêmica, que busca identificar e superar os parado-xos que marcam nossa produção legislativa. Sob esse prisma, a lei, embora importante, é apenas um dos elementos operativos do sistema jurídico, cuja funcionalidade, para além da boa qualidade das leis, depende do fortaleci-mento da intrincada rede institucional de que se compõe tal sistema.

Palavras-chave: Legislação. Estado democrático de Direito. Processo legisla-tivo. Paradoxos. Hiperinflação legislativa.

Abstract: The potential and limitation of the law are examined from a systemic perspective with the purpose of identifying and overcoming the paradoxes of our legal system. No matter how important the law, it is but one of the many elements of the legal system, the functionality of which, beyond the quality of the legal text, depends on the strenghtening of the intricate institucional net it constitutes.

Keywords: Legislation. Democratic rule of law. Legislative process. Paradoxes. Legislation surfeit.

1 – IntroduçãoToda exposição sobre qualquer assunto deve empreender umcorte temático, a fimde se selecionaremângulos preferenciaisdeanálise,sobretudoquandosetratadeumtemaabertocomoeste,relativoaos limitesepotencialidadesda lei.Faremosumaabordagemsistêmica,partindodaconsideraçãodequeopadrão

1 Mestre em Direito Constitucional pela UFMG, consultor legislativo da Assem-bleia Legislativa de Minas Gerais, Professor da Faculdade Arnaldo Janssen.

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5 defuncionamentodequalquersistemaconsisteemsuaorgani-zaçãoemrede.Osistemajurídiconãofogeaestaregra,demodoquealei,conquantoimportante,éapenasumdeseuselementosoperativos,e sua funcionalidadedepende,emgrandemedida,daintrincadaredeinstitucionaldequesecompõetalsistema.Assim,aleidevealmejaralcançarumpadrãodeuniformidadeinterpretativa,que,paraalémdaqualidadetécnicadeseutexto,dependefundamentalmentedohipertextoemqueelaseinsere,representativodomundodavida,comtodososcondicionamen-toshistórico-sociaisqueomodelam.

Nocursodaexposição,buscaremosprocederàidentificaçãodealgunsparadoxosquerepresentam óbice aquea lei cumpraasua funçãoordenadoradasociedade,e tentaremos,natural-mente, apontar alguns caminhospara a superaçãodessespa-radoxos. Será tambémexaminada todaa complexa rede insti-tucional envolvida noprocessode produção e reproduçãododireito,quandoentãoprocuraremostrabalharalgunsexemplospráticosquetornemmaisclaraaexposição.Defato,umaabor-dagemcríticadoslimitesedaspotencialidadesdaleidevecogi-tardoórgãoqueaedita,oLegislativo,edaquelesqueaaplicam:aadministraçãopública,queagedeofício;oJudiciário,queageporprovocação,emsituaçõesdeconflitodeinteresses,eatéoscidadãos,nocumprimentoespontâneodasleis.Deve-secogitartambémdeinstituiçõescomooMinistérioPúblico,aDefensoriaPública,oTribunaldeContas.Objetiva-sedemonstrarquenos-sograndeproblemaconsistenãonumasupostafragilidadenor-mativa,masnumagrande fragilidade institucional, noçãoquebuscaremosclarearmaisadiante.

2 – A lei como fator de estabilização de expectativas comportamentais

Numaprimeiraaproximaçãoconceitual,pode-sedizerquealeiéoatoestatalrevestidodeimperatividade,degeneralidadeedeabs-tração,quetemporobjetivoregularavidaemsociedade.Ocará-tercogente,imperativodaleitraduz-senapossibilidadedecoaçãoestatalparafazercumprirosseusditames.Assim,aleiseimpõe

àobservânciacompulsóriadetodos.Anotadegeneralidadecon-sistenofatodequealeiirradiaosseusefeitosdemododifusonasociedade,alcançandoindistintamenteatodosqueseenquadremnasuahipótesedeincidêncianormativa.Quantoàabstração,estadecorredofatodequealeiseexteriorizapormeiodeumapropo-siçãohipotética,queprevê,emtermosabstratos,umadeterminadaconsequênciajurídicasemprequeahipóteselegalseverifiquenoplanodarealidadeempírica.Éprecisamenteemvirtudedaabstra-çãoqueanormalegalsetornasuscetíveldeaplicaçõesrecorrentes,desdeque,comovisto,ocorramnoplanofáticosituaçõesqueguar-demcorrespondênciacomomodelolegal.

Esse conjunto de características lógico-semânticas da leipermiteque ela cumpra sua funçãodepacificação social, decontrole social, demodoquepodemosafirmarquea funçãoessencialda leiéaestabilizaçãodeexpectativasdecompor-tamento.2Não fosse a existência de instrumentos legais quedisciplinamacondutahumana,nósteríamosabarbárieouoarbítrio,comaopressãodosmaisfortessobreosmaisfracos.Faz-senecessário,pois,quehajaummínimodeprevisibilida-de,desegurançajurídica,nasrelaçõeshavidasnoseiodaso-ciedade.Éimportantequeaspessoaspossamsaberantecipa-damentequeconsequênciasadvirãodeseusatos.Apardessafunçãodecunhomaisgenérico,aleicumpretambémumpapelmaisespecífico,tendoemvistaosetordarealidadesocialqueelavisaadisciplinar.Assim,umaleiqueinstituiumtributoob-jetivacarrearparaoscofrespúblicososrecursosnecessáriosaocumprimentodosváriosencargosquetocamaoEstado;aleiqueregulaalicitaçãotemumaduplafinalidade:asseguraromelhorcontratoparaopoderpúblicoeproporcionarigual-dade de oportunidades a todos os particulares que queiramcontratarcomaadministração;a leiqueinstituioCódigodeTrânsitoBrasileiroobjetivadisciplinarotrânsitoeotranspor-te.Portanto,paraalémdeumafinalidadegenéricaecomumatodasasnormas,háfinalidadesespecíficasquevariamconfor-meanaturezaeoconteúdodanormaemquestão.

2 LUHMANN,1983.

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5 3 – Hiperinflação legislativa e o paradoxo da insegurança jurídica

Conforme visto, não há como prescindir da lei para que hajacondiçõesmínimasde segurançapara a coexistência entre aspessoas.Porém,éprecisoalertartambémparaoriscodesepro-penderparaoextremooposto:odasuperabundânciadeleis.Eaquichegamosaoprimeiroparadoxo.Aleifoifeitaparagerarsegurançajurídica,paratrazerprevisibilidade.Porém,emmeioàverdadeirabarafundadenormasjurídicasexistentes,osope-radoresdodireito, bem como os cidadãos, acabam se per-dendo, sem saber ao certo em que sentidoapontaodireito.Naprofusãode leisordinárias, leis complementares,medidasprovisórias,decretos,resoluções,instruçõesequejandos,tem--se,paradoxalmente,umasensaçãodeanomia,deausênciadenormas,sobretudoaquinoBrasil,ondeamedidaprovisóriasetornauminstrumentonormativodeusocorrente,sendoedita-daaosmilhares,numritmoalucinante.

Naturalmente,háváriosfatoresquegeramesseparadoxo,queestáintimamenteassociadoàquestãodoslimitesdodireitooudalei,conformedissemosanteriormente.Merececríticasavi-sãosimplistaquesetemdaleicomopanaceiaparatodososma-les,cuidando-sedeeditarsempreumaleiparafazerfaceaumproblemaqualquer,quemuitasvezesdemandaoutrasinterven-çõesestatais,quenãonoplanolegiferante.Tome-secomoexem-plooprojetodeleiquepretendiaproibiro usodeexpressõesestrangeiras,apresentadonoCongressoNacional.Umaproposi-çãocomoessadesconheceoslimiteseaspossibilidadesdeumatonormativo,principalmenteportentarintervirnocampodalinguagem,queseguramentenãosedeixaregularporlei.

Nemmesmoasconstituiçõessãopoupadasdessesdevaneiosle-gislativos.NoBrasil, asemendasconstitucionaissãoaprovadasaosborbotões.A títulocomparativo,vejamosoexemplonorte--americano:aconstituiçãoamericana,quedatade1787–tendo,pois,maisdeduzentosanos–,malchegouareceber30emen-das.Láexisteoquenóspodemoschamarde internalizaçãodosentimentodeconstituição.JáaConstituiçãoBrasileira,quedata

de1988,járecebeumaisde90emendas,sendoquetramitamnoCongressocercademilpropostasdeemendasconstitucionais(eessenúmeronãoéforçadeexpressão!).Dequeadiantaaprovarumaemendaconstitucionalqueprevejaodireitoàmoradia,senossarealidadeeconômicanegademodoperemptórioqualquerpossibilidadedeaplicaçãopráticadessanorma?AConstituiçãodoPerucontémumadisposiçãoquevedaogolpedeestado,comoseameraexistênciadetaldispositivopudessefuncionarcomoimpeditivoàocorrênciadeumgolpemilitardiantedecondiçõeshistórico-sociaisquelhefossemfavoráveis.

Aproliferaçãodenormasconstitucionaisinexequíveissófazau-mentarosentimentogeneralizado de desestima à Constitui-ção. Aqui, nós identificamos um outro paradoxo. O poderdeemendaraLeiMaiorfoiconcebidoprecisamenteparaassegurarasuapermanência,permitindoqueelapudesseadaptar-seàsconstantesmudançassociaiseàsnovasdemandasdasocieda-de.Naprática,asemendasàConstituiçãosótêmfeitoocontrá-rio.Transformaramotextoconstitucionalemverdadeiroperió-dicoecontribuíramparaadisseminaçãodeumsentimentodedesprezopelaConstituição. Isso sedeve, emgrandeparte, aofatodequenossosgovernantes,nãoraro,sãoacometidosdaqui-loqueoprofessorLuísRobertoBarrosochamadenarcisismoconstitucional,pois,aoinvésdeadequaremosseusgovernosàConstituição,buscamexatamenteocontrário,isto,é,adequaraConstituiçãoaosseusgovernos.

Portanto,aoelaborarumanorma,deve-seatentarparaograudeexequibilidadedesuasdisposições.Háqueseterummínimode eficácia. Neste ponto, cabe uma observação importante: onãodireitoécondiçãodeexistênciadoprópriodireito.Defato,se todas as leis fossem rigorosamente cumpridas por todos,nãohaveriasequeranecessidadedepreceitossancionatórios.Anotadecoercibilidadedodireitoexisteexatamenteparacoi-bircondutasdesviantes.Poroutrolado,seodireitonãofosseminimamentecumprido,elenãoterianenhumpréstimo.Assim,semprevaihaverumcoeficientedeinobservânciadasnormasjurídicas,oqualdevevariarentreummínimoeummáximo,quenãopodemserultrapassados.

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5 Éimportantedizertambémquecontribuiparaessaenxurradade leis a inobservância dos limites constitucionais, de ordemformalematerial,quandodaelaboraçãolegislativa.Ouseja,sãoeditadasvárias leisqueapresentamvíciosdeinconstituciona-lidade.

Tambémpodeserapontadocomocausadessainflaçãolegisla-tivaoapegoaumaconcepçãoestritamentelegalistadodireito,oqueimpeleolegisladoratudodisciplinar,comoselhefossepossívelpreverenormatizar todasas relações sociais.Assim,váriassituaçõesdemandantes de solução jurídica, que pode-riam muito bem ser resolvidas com base numavisãoprin-cipiológicadodireito,acabamensejandoaediçãode leispararesolvê-las,quasesemprecomresultadosbempiores.Veja-seoexemplodoinstitutodarenúncia,quenoBrasilacabouvirandosinônimodeimpunidade.Oquefazerdiantedeumpolíticoquerenunciacomopropósitodeevadir-sedacondenaçãoemumprocessodecassação?Ora,oprocessonãopodeserextinto,sejáiniciado,oudeixardeserinstaurado,seaindanãotiverprin-cipiado,sobpenadeviolaçãodeumprincípiojurídicodamaiorrelevância, segundooqual ninguémpodevaler-sedaprópriatorpezaembenefíciopróprio.Emvezdeseacolheressaorien-taçãointerpretativa,bemmaiscondizentecomosentimentodejustiçadequalquer cidadão, prefere-se alterar aConstituição,nela fazendoconstarumdispositivodeclarezameridiana,se-gundooqual opolíticonãopode renunciar se for instauradoprocessocontraele.Comoconsequência,tem-se um festival derenúncias diante de denúncias de corrupção, as quais severificamantesdeiniciadoorespectivoprocessodecassação.Trata-sedeumainterpretaçãomíope,queprivilegiaaliteralida-dedanormaemdetrimentodoespíritoqueaanima.

Entãoénecessáriaumalegislaçãodebaseprincipiológicacomnormasabertas,diretivas,atéporqueoprincípiojurídicoévo-cacionadoaadaptar-secommaisfacilidadeàsconstanteseine-vitáveismudançassociais.Avãtentativadolegisladordeabar-cartodaarealidadecomasucessivaediçãoderegrasjurídicasassemelha-seàtentativadenosaproximarmosdalinhadohori-zontedandosempreumpassoadiante.

4 – O devido processo legislativo como condição de legitimidade das leis

Éprecisoquehajaboas leis, umarcabouço legislativodeboaqualidade,normas jurídicasqueefetivamentebusquemsalva-guardarfinalidadespúblicas.Sealeiobjetivaregularacondutahumana,esenóspensarmosqueoserhumanoageorientadoa fins, que na verdade refletem valores a serem perseguidos,comodeterminarosvaloresquedevemreceberaproteçãojurí-dicadoEstado,atutelajurídicadoEstado?Naturalmenteesseobjetivodeveseralcançadopormeiodomaisamplodebatepú-blico,demodoquetodasascorrentespolítico-ideológicaspos-sammanifestar-sedemaneira igualitáriaepluralista.De fato,todadecisãolegislativaédecunhoaxiológico, finalístico.Umaproposição legislativa,namedidaemqueprescreveumacon-duta,nãosesujeitaaumjuízodefalsoouverdadeiro,massimaumjuízodeplausibilidade,derazoabilidade,quedeveresultardeumprocedimentodiscursivoracionalmenteestruturado.Daíanecessidadedeumprocessolegislativoformal.

Nessepasso,nóspodemosidentificarumnovoparadoxo:costu-mamosdargrandeimportânciaàleiemenosprezaroprocessodesuaformação.Trata-sedeumgrandeparadoxo,poistodooprestígiodequegozaaleinosistemadefontesdodireitodecor-reprecisamentedofatodequealeideveresultardeumproce-dimentoidealmenteconcebidoparaquehajaamaiordiscussãopública possível a respeito da matéria legislada. No entanto,poucaatençãoédispensadaaoprocessolegislativo.

Logicamente que oórgãoquefaráemanar aleideve revestir-sedelegitimidadepopularparaempreenderessasescolhasvalo-rativas,ouseja,paraescolherosvaloresqueasociedadereputamaisimportantese,porissomesmo,merecedoresdeproteçãojurídica.Daí anecessidadedeumprocesso legislativo formal,deumaviademocrática,discursiva,dialética.Dessaperspectiva,épossívelvera importânciadaexigênciaconstitucionaldeleiparaquealguémsejaprivadodeseusbensoudesualiberda-de.Infelizmente,nossapráticapolíticatemdemonstradoqueo

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5 processolegislativo,nãoraro,temsidoumameraformalidade,aserdiligentementeprovidenciadaàcustademensalõeseoutraspráticasnadaabonadoras...

Nestepontodaexposição,deve-sechamaraatençãoparaumadistinçãoimportantíssimaentreigualdadeperante aleieigual-dade na lei.Háumamáximasegundoaqualtodossãoiguaispe-rantealei.Issosignifica,obviamente,quealeideveseraplicadaigualmenteatodos.Mas,alémdessaigualdadedetodosperante a lei,nãopodemosesquecerdaigualdadedetodosna lei.Comessaúltimaexpressão,quer-sedizerquea lei,nassuasdisposições,nãopodeincorreremdiscriminaçõesinjustificadas.Éimportanteressaltarqueépróprioda leidiscriminar.Porém,aoselecionardeterminadashipótesessituacionaisàsquaiselaligadetermina-dasconsequênciasjurídicas,éprecisoprocedercomisonomia,demodoanãotratardiferentementesituaçõesque,naessência,seequivalem.Daíanecessidadedequeosdestinatáriosdanormapossamsentir-seseusautores,participandodesuaformação.

Foiditoanteriormentequeascaracterísticaslógico-semânticasda lei (generalidade, imperatividade, abstração) são relevan-tes,maséprecisodizerquenãosãosuficientesparaassegurarumalegislaçãojusta.Essaéarazãopelaqual,noBrasil,nãoháapossibilidade jurídicadeumregulamentocriarouextinguirdireitos de forma autônoma. Embora tenha as característicasdageneralidade,daimperatividadeedaabstração,umregula-mentodependedeumaleiquelhedêrespaldojurídico.Eessapreeminênciadaleidecorredofatodeelaresultarde umpro-cedimento de discussão pública, diversamente do que ocorrecomoregulamento.

CelsoAntônioBandeiradeMello3ressaltaasvantagensda leiemfacedeumatonormativo infralegal:maiorconfiabilidade,maior controlabilidade, maior publicidade emaior qualidadenormativa,entreoutras.Ébemverdadequeessaparticipaçãonaformaçãodasleissedáentreosrepresentantesdopovo,in-tegrantesdasdiversascorrentespolítico-partidárias.Portanto,

3 BANDEIRADEMELLO,1995.

odireitonãopodefundar-seapenasnoseucaráterimpositivo,funcional.Háqueseteraaceitabilidaderacionaldasdecisõeslegislativas, o que é possível pela via democrática, discursiva,dialética.A leideveostentarumapretensãodecorreção,parausarmosumaexpressãodeRobertAlexy.4Muitasleisquenão“pegam”sãoumreflexodessaausênciadepretensãodecorre-ção,deaceitabilidaderacionaldesuasdisposições.Dissodecor-reaausênciadeinternalizaçãodoconteúdodaleiporpartedasociedade,queéasuaprincipaldestinatária.Nãofaltamexem-plosdeleisdesprovidasderazoabilidade,delegitimidade.Issosó fazdemonstrarqueoLegislativo tantopodeapresentar-secomo uma instância de construção de cidadania, como podedegenerar-se em um espaço de exclusão de cidadania, espa-çoquesedeixaprivatizar,atendendoainteressesdepoucosedistanciando-sedointeressepúblico.Cite-seoexemplodaLein°1.996,de20005,quedispõesobreaanistiademultasapli-cadaspelaJustiçaEleitoralem1996e1998.Éotípicocasodelegislaçãoemcausaprópria.Nacampanhaeleitoral,ospolíticosabusamdapráticadetransgressõesàlegislaçãoeleitoral.Umavezchamadosaresponderjudicialmenteporisso,aprovamumaleiquelhesconcedeanistia.Projetosdessetipocostumamseraprovadosemtemporecorde.

NoestadodoAmazonas,houveumaleiqueconcediaadicionalde1/3de fériasparaservidoresaposentados!Erauma leideumaimoralidadeaberrante,quetevesuainconstitucionalidadedeclaradapormotivosóbvios.Mas,setemosessescontraexem-plos,poroutroladotemosleis,comoaLeideDiretrizeseBasesdaEducação,queresultoudeamplodebatepúblico,comarea-lizaçãodeseminárioscomossegmentosdasociedadecivilinte-ressadosnamatéria,comaudiênciascomespecialistas;temosoEstatutodoIdoso,oCódigodeDefesadoConsumidor,oEstatu-todaCriançaedoAdolescente.AprópriaConstituiçãoFederal

4 ALEXY,2001.

5 Tal lei chegoua ter suaeficácia suspensaemrazãode liminar expedidapeloSTFnaAçãoDiretadeInconstitucionalidaden°2.306,ajuizadapelaOAB,porém,nojulgamentodemérito,infelizmente,pormaioriadevotos,areferidaaçãofoijulgadaimprocedente,restaurando-seaeficáciadalei.

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5 etambémaCartaEstadualrefletiramummomentodeintensamobilizaçãodasociedadeparaaelaboraçãodostextosconsti-tucionais.Temostambém,noplanoestadual,aleideincentivoàcultura,ocódigodeáguas,aleideelaboraçãoeconsolidaçãolegislativas.Duranteatramitaçãodesta lei,houveumseminá-riodealtíssimonívelnaAssembleiaLegislativadeMinasGerais,comapresençaderenomadosjuristas,demodoasubsidiaraelaboraçãolegislativa.

Diante desses exemplos e contraexemplos é possível ver comnitidezadistinçãoconceitual,empreendidapeloeminente ju-ristaportuguêsCanotilho6, entre representação e representa-tividade. Representação nadamais é do que um esquema deseleçãofundamentalmentebaseadonaeleiçãodosgovernantes,indispensávelparaainstitucionalizaçãodoexercíciodopoderpolítico.Jáarepresentatividadetraduzaefetivaoureal corres-pondência entre a composição de um órgão representativoe os indivíduos ougrupossociaisdosquaiseleéexpressão.Obviamente,umasituaçãoidealdeveriaexpressaracorrespon-dênciasemânticadessesconceitos.

Umaoutraobservaçãopertinenteéqueessesexemplosecon-traexemplos bem demonstram que a lei tanto pode exprimiruma grande força emancipatória, em sintonia com a justiça,comopode,aocontrário,expressarumaforçaopressora,con-tráriaaosprincípiosevalorescontidosnaordemjurídico-cons-titucional, o que torna aindamais evidente a importância docontroledeconstitucionalidadedasleis.

5 – A insuficiência de um bom arcabouço legislativo: da elaboração das leis à sua efetiva aplicação

Aestaalturadaexposição,podemosafirmarqueénecessáriaaexistênciadeleis,masnãodeexcessodeleis.Énecessáriaumaboaqualidadenormativa.Mas tambémsó issoevidentementenãobasta.Asleistêmquesercumpridas.Nósacabamosdecitar

6CANOTILHO,1998.

boasleisemnossoordenamentojurídico,inclusiveaConstitui-çãoFederal,que,dopontodevistaformal,éconsideradabemavançada.Masessasnormasdevemsercumpridas,oumelhor,bemcumpridas.OministroCarlosAyresdeBritto,noIVCon-gressoBrasileirodeDireitoAdministrativo,utilizouuma ima-gembastanteexpressivadaideiadequeéprecisoimplementarosdireitosconsignadosnostextosnormativos,demodoaelimi-naradistânciaabissalquevaidacriaçãodaleiàsuaimplemen-tação.Segundoele,nóstemosvigência normativa,falta-nosvi-vência normativa.

Quandosefalaemaplicaçãododireito,ganharelevooPoderJu-diciário.Todaleisedáaconhecerportextos,osquaisdevemserinterpretadoseaplicados.Éimprescindível,pois,amediaçãodointérprete,doaplicadordodireito.RecasénsSiches7jádiziaqueodireitonão seesgotanaobrado legislador,queempreendeumavaloraçãoabstrata,masdevesercomplementadapelaobrado aplicador, que empreendeumavaloração concreta.Normaalgumaseautoaplica.Éóbvioqueoredatordaleideveesme-rar-senaelaboraçãodotexto,semprebuscandotorná-loomaisclaropossível.Porém,háumlimiteintransponível:alinguagemnãosedeixaaprisionar,elaésemprefugidia.Assim,umadispo-siçãojurídicadeveservistacomoumpontodepartidaabertoainúmeraspossibilidadesinterpretativas.Éoaplicadordanormaque,emúltimainstância,determinaoseusentido,estabilizandoexpectativasdecomportamento.

Portanto,pormaisdiligentequetenhasidoolegislador,sempreremanesceránotextonormativoumainafastávelindetermina-çãosemântica,adesafiaraatividadeinterpretativadoaplicadordanorma.Nesseponto,éimportanteressaltarqueotextonor-mativofuncionacomoum“link”paraumhipertexto,represen-tadopelarealidademesma,aqueotextonormativoseconecta.Há,pois,umadistinçãoquedeveserfeitaentretextonormativoenorma.Otextoéopontodepartida,anormaéopontodeche-gada.Parasepassardopontodepartida,ouseja,dotexto,paraopontodechegada,anorma,deve-seanalisartodoocomplexo

7 SICHES,1980.

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5 contextualdequesecompõeodireito,queenglobaoconjuntodevaloresdominantesemumdadomomentohistórico-social,apragmáticasocialouagramáticadepráticassociais,asituaçãode aplicação, com todas as suasparticularidades.O signo lin-guístico,porsisó,épouco.

Assim,anormaresultadainteraçãoentretextoecontexto.Mül-ler,citadoporPauloBonavides8,lançamãodeumaimagembas-tantefelizparaexpressaressaideia.Segundoele,otextonorma-tivoétão-somenteapontadoicebergnormativo.

Umsignificativoexemplodorelevodamediaçãointerpretati-vapodesercolhidonaConstituiçãonorte-americana,quetemmais de duzentos anos e que passou por diversasmutaçõesconstitucionais, ou seja, mudanças do sentido das normasjurídicas, sem que houvesse qualquer alteração redacional,formal. Tome-se o exemplo dos negros em face da cláusulaconstitucionalqueasseguraa igualdade,a isonomiaentreosindivíduos.Nosprimórdiosdoconstitucionalismonorte-ame-ricano,osnegroseramconsideradosescravose,comotal,nãoeram sujeitos de direitos. Posteriormente, a Suprema Cortepassouaacolheratesedaigualdadededireitosentrenegrose brancos, ressalvando, porém, a segregação: iguais,mas se-parados (equal,but separated).Transportecoletivo idêntico,porémumreservadoaosbrancos,outroaosnegros.Banheirospúblicosidênticos,masaquelesreservadosaosbrancos,estesaosnegros.Nummomentoseguinte,aevolução jurispruden-cial afastou a segregação, a discriminação. Recentemente, aSupremaCorte passou a examinar a chamadadiscriminaçãopositiva,ouaçãoafirmativa,queconsistejustamenteemcon-cederumtratamentoprivilegiadoaosnegroscomoformadecompensaçãodiantedasdesigualdadesefetivasqueháentreeleseosbrancos,daíapolíticadereservadecotasparanegrosemuniversidades,porexemplo.

Note-se que o dispositivo constitucional relativo à igualdade,subjacenteatodasessasinterpretações, não sofreu nenhuma

8 BONAVIDES,2003,p.505.

alteração formal, porém ensejou sentidos diferenciados emcadacontextohistórico-social.Issoocorre,emgrandemedida,em função da tessitura principiológica do ordenamento jurí-dico. Os princípios jurídicos encerram valores, e a concepçãoacercadevaloresaltera-seaolongodostempos.Daíessagrandeforçaexpansivadosprincípios,quetêmgrandecapacidadedeadaptaçãoàsinevitáveismudançassociais.

Outro exemplo interessante, trabalhado por Perelman9, podeser colhidona jurisprudênciabelga, relativamente ao casodeumamulherquehaviasedoutoradoemdireito,masquetevenegada sua inscriçãonaOrdemdosAdvogados.Na época, talinstituiçãonão contava nenhumamulher em seus quadros. Apretendentealegavaa inexistênciadequalquerdispositivo ju-rídicoque lhenegasseodireito à inscriçãoe invocava, ainda,suacapacitaçãotécnicaparaoexercíciodaadvocacia,decorren-tedesuacondiçãodedoutoraemdireito.ACortedeCassaçãoargumentouquea ausênciadequalquerdispositivo legalquevedasseoingressodemulheressedeviaaofatodequesetrata-vadetamanhaobviedadequedispensavainclusiveaproibiçãoexpressa.Seriacomoqueumsilêncioeloquente.Éevidenteque,passadosváriosanos,o“silêncioeloquente”passouaindicarosentidodiametralmenteoposto.Dehámuitoqueasmulheresencontraramreconhecimentosocialeespaçoparaascenderemnasociedade,demodoqueaCortedeCassaçãotevequereveroseuposicionamentooriginal.Esseexemplobelgaébastanteelucidativodaimportânciadosilênciocomosignoessencialdalinguagem,comofatoratributivodesentidoemfacedeproble-mashermenêuticos.Éapragmática social comoatributivadesentidoaossignoslinguísticos.

Vejamosoutroexemplo:a leipunecomportamentosatentató-riosàmoral e aosbons costumes.Evidentemente,paraaferirseumadadacondutaéofensivaàmoraleaosbonscostumes,deve-seteremvistaapautadevaloresdominantesnasocieda-de,deve-seavaliaroconceitoquesetemdemoralsegundoascondicionalidadeshistórico-sociaisdecadaépoca.Numaavalia-

9 PERELMAN,1996.

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5 çãocomoessa, seguramenteosnossosavósseriambemmaisrigorososdoquenós,noquerespeitaaosparâmetrosmorais.

Assim,éimperativoquesecombataachamadainterpretaçãore-trospectiva,expressãoutilizadaporLuísRobertoBarrosoqueex-pressaaatitudedeveronovocomosolhosdopassado.ExemplodissofoiainterpretaçãodadapeloSTFaoinstitutodomandadodeinjunção,quefoiconcebidoparaviabilizaroexercíciodedirei-tosconstitucionaisquedependemderegulamentaçãonormativaquenuncavem.Segundoamelhordoutrinaemesmoaregraele-mentardobom-senso,diantedeummandadodeinjunçãocomvistasaoexercíciodeumdireitoconstitucionalobstadoporau-sênciaderegulamentação,ojuizdeveriaproveraregulamenta-çãofaltanteparaaquelecasoconcreto,demodoapossibilitaroexercíciododireitoemquestão.Emumprimeiromomento,po-rém,nãofoiesseoentendimentodoSupremo,quepraticamentedesnaturouoinstitutoaodecidirque,nessescasos,fossenotifica-daaautoridadefaltantedodeverderegulamentaramatériaparaqueprovidenciassearegulamentação.Bastouumainterpretaçãoretrógrada para a neutralização de um instituto que tinha umgrandepotencialdinamizadordodireitoconstitucional.Todavia,posteriormenteoSTFseviunacontingênciade reveresseen-tendimentoeseinclinouemfavordaposiçãoconcretista,oqueocorreuporocasiãodojulgamentodoMandadodeInjunçãonº712,relativoaodireitodegrevedosservidorespúblicos.Defato,em facedagrevedoscontroladoresdevoo,oSTFdecidiuque,anteaausênciadenormaregulamentadora,seriamaplicáveis,naespécie,asnormasdaLeiFederalnº7.783/89,quedisciplinamoexercíciododireitodegrevedostrabalhadoresemgeral,naquiloquecoubesse,enquantonãosobreviesseanormafaltante.

Umaoutracríticaquepodeserfeitaaosaplicadoresdodireitoéquemuitasvezeselesseprendemdemodoexcessivoàliterali-dadedotextonatarefainterpretativa.Perde-sedevistaofatodequeolegislador,aoelaborara lei,procedeapartirdeumjuízogeneralizante,queétotalmenteinsuficienteparaabarcartodaariqueza de possibilidades situacionais que a realidade oferece.Pormaisprevidentequesejao legislador,éabsolutamente im-possívelqueelepossaantevertodososfatossuscetíveisdeocor-

rernarealidade.Daíanecessidadedeamoldar,deadaptaraletradaleiaoespíritoqueaanima,adequandoaleiàrealidade,apar-tirdeinterpretaçõesrestritivasouextensivasdotextonormativoematençãoàssingularidadeseespecificidadesdocasoconcreto.Mesmodisposiçõesjurídicasaparentementesimplespodemen-sejarproblemashermenêuticosquandodesuaaplicaçãoadeter-minadashipóteses,asquaisimpõemqueseultrapassealiterali-dadedanorma.Vamosaumexemploclássico:naentradadeumaestaçãodetremexisteumaplacaproibitivadaentradadecães.Seriaocasodebarrarumcegoquesefizesseacompanhardeseucão-guia?Éevidentequenão.Tomemosumoutroexemplo,for-necidoporPerelman10:emumparquepúblico,évedadaaentra-dadeveículosmotorizados.Masseriaocasodeseproibiraen-tradadeumaambulânciaparaprestarsocorroaumapessoaquesofreuumataquecardíacoenecessitadeatendimentourgente?

OSTFteveocasiãodejulgarumcasoemqueumamãeadotivatevenegadoopedidode licença-gestante.OSupremodecidiupelanegativadobenefícioporconsiderarnecessárioofenôme-nobiológicodagestação,oquepoderiaserdeduzidodapróprialiteralidadedobenefício:licença-gestante.Ora,quemvêsomen-tealiteralidadedotextomuitasvezesnãovêanorma.Alicença--gestação,antesdetratar-sedeumdireitodamãe,éumdireitofundamental dacriança,que,namaistenraidade,necessitadoscuidadosdamãe.Éesseofimsocialdanorma:evitarque,pre-midapelanecessidadedetrabalhar,amãedeixedededicaraofilhoaatençãoeocuidadodequeelenecessita.Poucoimportasesetratadefilhonaturalouadotivo.Aliás,aprópriaConstitui-çãovedaqualquerdesignaçãodiscriminatóriarelativaàfiliação,garantindoaosfilhos,havidosounãodarelaçãodecasamento,osmesmosdireitosequalificações(art.227,§6°).Vejamaquiqueumdireitoconsignadonaleipodenãocumprirasuafunçãosocialemrazãodeumainterpretaçãodistorcida.

Estesexemplosbemdemonstramquequemsóvêaliteralidadedo textonãovêanorma. JáoapóstoloSãoPaulodiziaque“aletramata,oespíritovivifica”.

10 PERELMAN,1996.

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5 Outromalqueafligeparceladenossamagistraturaéoexcessi-voapegoaoformalismo.Nesseponto,podemosidentificarmaisumparadoxo.Figure-seoexemplodalegislaçãoprocessual,quefoiconcebidaparaviabilizaroacessoàjustiça,paraviabilizarodireito,masque,emmuitassituações,emdecorrênciadomane-joequivocadodessalegislação,tem-setransformadoemóbiceaoacessoàjustiça.Defato,grandepartedosfeitosjudiciaissãoextintoscombaseemquestõesprocessuais,semqueojuizche-gueaenfrentaraquestãodoméritodademanda.Ora,aformanãopodetornar-seumfimemsimesma.Formanãoé fôrma,comopensamerroneamentealguns(pseudo)operadoresdodi-reito.Portanto,deve-serepelirocultodaformapelaforma.Naverdade,formaematériaestãoimbricados,estãonumarelaçãodecomplementaridade.Aformaexisteparaviabilizaroconte-údo.Nãosepodesuperdimensionaraformaemdetrimentodoconteúdonemvice-versa.ConformeafirmaErosGrau,empre-fácioaJuarezFreitas11ecomapoioemElígioResta,devehaverumequilíbrionessarelação,quenaverdadeexpressaaambi-guidadedofármaco:rompidooequilíbrionecessário,oremédiosetransformaemveneno.

Vejamosoutroproblemaquecomprometeaboaaplicaçãodasleis:odogmatismoexcessivo,quedecorredeumacrençaexa-cerbada na razão, a revelar a pretensão a uma racionalidadeabsoluta.Muitasvezesquestõesjudiciaiscomplexas,queenvol-vemumconflitorelevantededireitos,sãodecididascombaseemformulaçõesconceituaisque,noplanodameraconstruçãoabstrata,noplanológico,fazemtodoosentido,mas,naprática,podem demonstrar inadequação. Na verdade, as formulaçõesconceituais são incapazes de abranger toda a realidade, elassempredeixamrestossobrando.SegundoArthurKaufmann,ci-tadoporKarlLarenz12,umaconceituaçãosemresíduoséinatin-gível.Muitomaisdoqueumcomponentelógico,odireitopos-suiumcomponenteaxiológico,estimativo,finalístico.Paraumadecisão judicial, háque se considerarumconjuntode fatores

11 FREITAS,2002,p.15.

12 LARENZ,1997,p.187.

quedevem terumpesobemmaiordoqueumamera formu-laçãoconceitual,umamáximajurídica,umdogmajurídico.Va-mosaumexemplo:nodireito,háumprincípiosegundooqualoacessóriosegueoprincipal.Poisbem.Voltandoàquestãodarenúncia,quandooex-PresidenteCollorrenunciou,aalegaçãodeseuadvogadoeradeque,comarenúncia,apenaprincipaldo impeachment(adestituiçãodocargo)deixavadeexistire,comisso,omesmohaveriadeocorrercomapenadesuspensãodosdireitospolíticos,penaacessória,jáqueoacessóriosegueoprincipal.Esseéumexemploclarodequeoapegoaumavi-sãoestritamentelógico-dedutivapodeconduzirasituaçõesquerepugnamaconsciência jurídicadaspessoaseagridemoseusentimentodejustiça.

Muitasvezes,paraaatribuiçãodesentidoaotextonormativodiantedeumcasoconcreto, lança-semãodemáximas, como:“a lei não contémpalavras inúteis”, ou “é vedada a utilizaçãodetermossinônimos”,“amesmaideiadeveserexpressacomamesmapalavra”.

Ora,éevidentequeoredatordeleisdeveprocurarorientar-seporessasmáximas.Mas,paraoaplicadordanorma,essasmá-ximasnãodevemsersobrevalorizadas,sobpenadedeturpaçãode sentido, de injustiças evidentes, em face de outros fatoreshermenêuticos quemereceriamumpeso bemmaior na tare-fainterpretativaequepoderiamconduziraumadecisãomaisconsentâneacomajustiçaemenospresaaabstrações.

Deve-se,pois,combateressaauradeperfectibilidadequemui-tosveememtornodolegislador,comoseelefosseinfalívelnomomento de elaborar abstratamente a norma. A realidade ébemdiferente.

Nestepontodaexposição,deve-seressaltarqueoaplicadordanormadevealiarosentimentoàracionalidade.Oapegoirres-tritoàfrialetradaleipodelevar,comovimos,agrandesinjus-tiças,precisamentepelofatodequealeiéumaabstraçãoqueprecisaadequar-seàrealidade.Éporissoqueajustiçatemumviésgeneralizante,mastemtambémumviésindividualizante,

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5 tendoemvistaasespecificidadesesingularidadesdeumcasoconcreto.Eesseviésindividualizanteédetectadoporaquelesquealiamosentimentoàracionalidade.Aliás,foiessaideiaofiocondutordabrilhanteexposiçãodoMinistroCarlosAyresdeBrittonoIVCongressoBrasileirodeDireitoAdministrativo:eleenfatizavaanecessidadede incorporarsentimentoàari-dezracionalizantedodiscursojurídico.Diga-sedepassagem,aideiaeramaisdoqueoportunaparaomomento,poisaquelecongressofoirealizadoemtributoàmemóriadograndejuris-taPauloNevesdeCarvalho,quesabiacomopoucosconjugarosentimentoearacionalidadeparamanejaradequadamenteodireito, sempre tendoemconta apreciosa liçãodeMiguelReale13 deque“odireitoexisteparaavida,enãoavidaparaodireito”.

6 – A Defensoria Pública como condição de possibilidade para o exercício dos direitos dos mais necessitados

Nósjádissemosquesãonecessáriasleis,nãooexcessodeleis.Deve-seterleisdeboaqualidade.Deve-seterumaboaaplicaçãodalei,sobretudopeloJudiciário.Masnãopodemosnosesque-cerdeque,viaderegra,oJudiciárioageporprovocação.Assim,diantedaviolaçãodeumdireito,deve-serecorreraoJudiciárioparaqueesterecomponhaoestadodejuridicidadeentão rom-pido. Considerando que a ordem jurídica foi concebida paraamparartodos os indivíduos, sem distinção, não se pode ne-garaimportânciadaDefensoriaPública,queprestaassistênciajudiciáriagratuitaaosnecessitados.Vê-se,portanto,maisumainstituiçãoqueemergedessacomplexarede institucionalquecondicionaocumprimentodopapelsocialquetocaàlegislação.Faz-senecessáriaumaDefensoriaPública fortalecida,autôno-ma,comótimosquadrostécnicos.

OreconhecimentodaimportânciadaDefensoriaPúblicadeve,pois, traduzir-seemgarantiade infraestruturaadequadaederemuneraçãocondizentecomaimportânciadeseusprofissio-

13 REALE,1996.

nais,demodoaevitarumasituaçãodeassimetriatécnicanosprocessosjudiciais,contrapondo,deumlado,aquelesquepo-demarcarcomcaroshonoráriosadvocatícios(oqueaumentaaspossibilidadesdeêxitonacausa)e,deoutro,aquelesquedevemrecorreraoadvogadopúblicomalremunerado,comprecáriain-fraestruturaparasuaatuaçãoprofissional.É issoquesequerevitar.

Ainda a propósito dessa questão do acesso ao Judiciário, nãopoderíamosdeixardeapontarmaisumparadoxoengendradopornossoslegisladores,qualsejaapromulgaçãodeleisquees-tabelecemvaloreselevadíssimosparaascustaseemolumentosjudiciais,oquepraticamenteinviabilizavaoexercíciododireitoconstitucionaldeacessoaoJudiciário.Felizmente,oSTFtemde-claradoinconstitucionaistaismedidaslegislativas.

7 – O Ministério Público e os direitos transindividuais

Existemdireitosquenãosãosuscetíveisde titularização indi-vidual:sãooschamadosdireitosdifusos,denaturezatransin-dividual,quenãotêmumsujeitodeterminado,masváriossu-jeitosindeterminados,como,porexemplo,odireitoaummeioambiente ecologicamente equilibrado e saudável, o direito àpreservação do patrimônio histórico e artístico. São direitosque, uma vez violados, acarretam danos não a um indivíduoespecificamente considerado, senão à coletividade como umtodo.Aefetiva implementaçãodas leisqueconsignamtaisdi-reitosencontra-seintimamenteligadaàatuaçãodoMinistérioPúblico,queéoórgãoquedetémaprerrogativaconstitucionaldeproporaçãocivilpúblicaemdefesadetaisdireitos.É im-portantelembrartambémqueoMinistérioPúblico,napessoado Procurador-Geral da República, detém legitimidade paraproporaçãodiretadeinconstitucionalidade.Éevidente,pois,arelevânciadessainstituiçãoparaoassuntodequeestamosatratar,concernenteaoslimiteseàspotencialidadesdalei,queserátantomaisefetivaquantomaisatuanteeoperante foroMinistérioPúblico.

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5 8 – A função fiscalizadora e a efetividade da legislação

Numa abordagem sobre as potencialidades da legislação, nãopoderíamosdeixardealudiràimportânciademecanismosdecontrole,defiscalizaçãoinstitucional.Enessepontoganhare-levoopróprioPoderLegislativo,quetemcomomissãoconsti-tucionalempreenderafunçãofiscalizadoradoPoderExecutivo.Tambémganhaimportância,nesseenfoque,oTribunaldeCon-tas,órgãoauxiliardoLegislativonocontroledoExecutivo.

Assim,denadaadiantaumaexcelentelegislaçãosobrelicitação,se não há mecanismos eficientes de controle que asseguremumaboaaplicaçãodessalegislação.Aquiloqueoriginariamenteforafeitoparaassegurar,deumlado,aisonomiaentreosparti-cularesquequeiramcontratarcomaadministraçãoe,deoutro,amelhorpropostadecontrataçãoparaopoderpúblicoacabagerando, na prática, direcionamento do processo licitatório esuperfaturamento.

Atarefafiscalizadorarepercutedemodosignificativonoâmbi-todoschamadosdireitossociais,quesãoosmaisafetadospelacorrupçãosistêmica,poisaimplementaçãodetaisdireitospas-sanecessariamentepelaexistênciadecondiçõesmateriais,asquais tendemaescasseardiantedacorrupçãodesenfreada.Aefetivação dos direitos sociais fica sempre condicionada pelachamadateoriado“possívelorçamentário”.

Neméprecisodizerque,noBrasil,osmecanismosdecontro-le institucional funcionamdemodoprecário.Bastaobservarque grandes escândalos que surgem no País vêm a público,muitasvezes,nãoporquetenhamfuncionadoosmecanismosinstitucionaisdecontrole,masporrazõestotalmentediversasecontingentes,motivadas,muitasvezes,pelotrabalhodaim-prensainvestigativa,acolherelementosdeconvicçãosurpre-endentes,comooinusitadodepoimentodeummotorista,oudeumasecretária,oudeumcaseiro,oumesmodeumpolíticoenredadoematosdecorrupçãosistêmica,comonomalsina-doepisódiodevendadevotoscongressuais,conhecidocomo“mensalão”.

QuantoaoTribunaldeContas,outroórgãoencarregadodafun-ção fiscalizadora, é precisodizer que ele deveria ser eminen-temente técnico, mantendo o necessário distanciamento daspaixõespolíticas,quecomumenterendemensejoaconchavosearticulaçõescontráriosaointeressepúblico.Nesteponto,éim-portantedizerquealegitimidadequerespaldaafunçãofiscali-zadoradiferedaquelaquesustentaaaçãopolítica.

Naverdade,muitospolíticosflagradosematosdecorrupçãoin-vocamemsuadefesaaaprovaçãodesuascontaspeloTribunaldeContas.Trata-se,muitasvezes,deumcontrolemeramenteformal,enãosubstancial,defundo,emfacedasindevidasinjun-çõespolíticas.AindasobreoTribunaldeContas,éimportantetrazerà reflexãoapropostadoeminentepublicistaargentinoProf.RobertoDromi,quesugerearealizaçãodeparceriasentreuniversidadeseoTribunaldeContas,paraquehajaassistênciatécnicaàqueleórgãofiscalizador.Essamedidaconduziriaaummaiorcompromissodosprofessorescomavidapública,promo-vendoummaiorengajamentosocialdaclassedocente.

9 – A relevância da sociedade civil no processo de produção e reprodução do direito

Evidentemente,nãopoderíamosdeixardeanalisaraimpor-tância da sociedade civil, sobretudo no contexto do EstadoDemocráticodeDireito, cujo grande ganho institucional foiprecisamenteumaintensificaçãodaparticipaçãopopularnoprocessopolítico,contrariamenteaoqueocorrianosparadig-masdeEstadoanteriores.Defato,ocidadãonãopodemaisservistocomoummerorecebedorpassivodeprovimentoscivilizatórios, mas, ao contrário, deve fazer-se influente noprocessodetomadadedecisão.Trata-sedocaráterdinâmi-co,enãoestático,dacidadania,fazendoexpandirosespaçospúblicos informais de geração da vontade e da opinião pú-blica, constituindo comoque uma rede periférica que deveconectar-seaoscentrosinstitucionalizadosdapolítica,comooparlamento,porexemplo, comvistasadeterminarocon-teúdodaagendapolítica.Dainteraçãoentreessaesferapú-

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5 blicaculturalmentemobilizada,parausarmosumaexpressãodeHabermas14,eas instâncias institucionalizadasdepoderdevemderivardeliberaçõespolíticasrevestidasdemaiorle-gitimidade.

Essaparticipaçãoé importantenãosónoprocessodeprodu-çãodasleis,mastambémno processo de sua implementação.Cite-se, por exemplo, arelevância do disque-denúnciaparaaelucidaçãodeilícitospenais,contribuindoparaaefetivaçãodalegislaçãopenal.

Temos, ainda, o exemplo das associações de donas de casa,comintensaatuaçãonosProcons,comvistasàdefesadosdi-reitosdosconsumidores,easorganizaçõesnãogovernamen-taisvoltadasparaadefesadomeioambiente,quecontribuemparaaimplementaçãodalegislaçãoambiental.

10 – Conclusão

Odireito,nassuasmúltiplasmanifestações,comoalei,asen-tença judicial, a doutrina, se dá a conhecermediante textosescritos,mediante a palavra. E a palavra, nós bem sabemos,mantémumarelaçãoambíguacomosentido,pois,aomesmotempoemqueelapoderevelar,elapodetambémocultar,es-conder,dissimular.Daíseconcluiqueodireitotantopodeserempregadocomouminstrumentodetransformaçãosocial,deemancipação,voltado,pois,paraarealizaçãodajustiça,comopodetambémserutilizadocomoinstrumentodeopressão,demanutenção e reproduçãodedesigualdades, demanutençãodo status quo.Tudovaidepender,paraalémdaqualidadetéc-nicadasnossasleis,dofuncionamentodessaintrincadarededequesecompõeosistemajurídico,dasolidezoudafragili-dadedenossasinstituições,dapautadevaloresdasociedade,daspráticassociais,quesãoatributivasdesentidoaossignosjurídicos. O texto jurídico, na verdade, opera como um link paraohipertextoconstituídodomundodavida,comatábua

14 HABERMAS,1997.

devaloressociais,apragmáticasocial,ascoordenadasdetem-poedeespaçoeassingularidadeseespecificidadesdasitua-çãodeaplicaçãodanorma.

Ditoisso,caberiaindagar:seráqueousoabusivodemedidasprovisóriasentrenóséfrutodeumamáredaçãodotextocons-titucional,aoreferir-seaosrequisitosderelevânciaeurgên-cia?Seráqueo fatodea renúncia,noBrasil, ter-se transfor-madoemsinônimodeimpunidadedepolíticosqueseveemnaiminênciadacassaçãoresultadamáqualidadedenossalegis-lação?Seráqueomandadodeinjunção,instrumentoproces-sualquesurgiucomoalternativaparaviabilizardireitoscons-titucionais dependentes de regulamentação que nunca vem,chegouase transformaremalgopraticamente inútilemvir-tudedeumaredaçãodeficientedotextoconstitucionalqueoinstituiu?SeoSTFprontamentedeclarasseinconstitucionalaprimeiramedidaprovisóriaquecontraditasseosrequisitosderelevânciaeurgência,teríamostidoadisseminaçãodessaprá-ticadistorcidaemnossomeio?Sepolíticosàbeiradacassação,aorenunciaremaomandato,aindaassimfossemcondenadoseconsideradosinelegíveis,teríamosofestivalderenúnciasqueescandalizamasociedadebrasileira?Comaagravantedeque,maistarde,taispolíticos,valendo-sedasmazelasedasfalhasdenossoprocessoeleitoral,bemcomodopoderioeconômico,retornamàcenapolítica,quasequeaescarnecerdasociedade.SeoprimeiromandadodeinjunçãoadesaguarnoSTFtivessetidoumainterpretaçãoadequada,nãoteríamosànossadispo-siçãoumeficienteinstrumentodeefetivaçãodaConstituição?

Apropósitodetudoisso,ébastantepositivaadecisãohistóri-cadoSTFrelativaaoprocessodo“mensalão”,querompecomumatradiçãodeimpunidadenoquetocaaoschamadoscrimesdecolarinhobrancoeacolheoentendimentoquedispensaaexistênciadeprovascabaisanteumforteconjuntodeindícios,osquais, inobstanteaausênciadeprovasdefinitivas, condu-zem,noseuconjunto,àformaçãodoconvencimentodojulga-dor.Atéporque,àmedidaqueseascendenahierarquiadaca-deiacriminosa,torna-semaisdifícilaobtençãodessasprovas,quealcançammaisfacilmenteoslaranjas,ospeixespequenos.

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5 Ofatoéqueesforçosdevemserfeitosparaevitarquehajaessaimpunidadeseletiva,queportantotempoperdurouemnossapráticajurisprudencial.Todavia,háqueseterodevidocuida-doparaquenãoseváaoextremooposto,resvalando-separaasededejustiçamento,quepodeinduziradecisõesvioladorasdosdireitosegarantiasfundamentais,emespecial,oprincípiodapresunçãoda inocência e o direito à ampla defesa. Fosseoutraadecisão,naAçãoPenal470,seráqueasociedadebrasi-leiradormiriatranquila,diantedeumsalvo-condutoexpedidopeloSTFparaapráticadecondutasilícitas?

A reflexão acerca dessas indagações reforça a premissa deque o direito tanto pode operar como um instrumento detransformaçãosocial ede realizaçãode justiça, comopode,aocontrário,degenerar-seemuminstrumentodeopressão,dedominação,oquenoscolocadiantedanecessidadeinde-clináveldeumesforçopermanentevoltadoparaoaprimora-mentoeofortalecimentodenossasinstituições,únicocami-nho possível para a consolidação de um verdadeiro EstadoDemocráticodeDireito.

11 – Referências

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