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POTENCIALIDADES EM INERTES NA PLATAFORMA CONTINENTAL NORTE PORTUGUESA Fernando Magalhães*, Aurora Rodrigues**, J. Alveirinho Dias*** Resumo o estudo de mais de 500 amostras de sedimentos não consolidados e a interpretação de algumas centenas de quilómetros de reflexão sísmica ligeira permitiu a avaliação das potencialidades em cascalhos e areias de parte da plataforma continental portuguesa a norte de Espinho. Na área estudada existem fundamentalmente dois de- pósitos de inertes, que abrangem uma área de 675 Kni 2 , com reservas potenciais bastante significativas. Os re- feridos depósitos apresentam baixos conteúdos médios em partículas silto- argilosas (inferior a 2%) e em carbonatos (geralmente inferior a 5%). Da área total anteriormente referida, 305 km 2 são ocupados por depósi- tos cascalhentos, localizados a profundidades médias geralmente inferiores a 4Om; nestes, o conteúdo em ma- teriais carbonatados é muito pequeno e as percentagens de silte e de argila são mínimas , ao passo que o conteúdo médio em cascalho pode atingir 58%. Também os depósitos de areia revelaram ser potencialmente in- teressantes, com teores em carbonatos e em materiais finos inferiores a 10%. Palavras-chave: Sedimentos, Reflexão sísmica, Cascalhos, Areias, Geologia Marinha Abstract More than 500 unconsolidated sediment samples were analysed and some hundreds of kilometres of light seis- mic reflection were interpreted in arder to assess the sand and gravei potential of part of the portuguese conti- nental shelf north of Espinho. Two main aggregate deposits can be found; with a surface of around 675 km 2 ; their potential resources are very significative. The referred deposits present very little mud content (Iess than 2%) and a small carbonate content (generally less than 5%) . 45% of the above area is occupied by gravelly deposits, Iying at mean depths frequently lower than 40m; their content in carbonate materiais is very small (frequently, less than 5%) and the amount of mud is very little (in general, less than 1 %), whereas the mean gravei content can be as high as 58%. Sandy deposits are also very interesting; both their carbonate and mud contents are less than 10%. Key-words: Sediments, Seismic reflection, Gravei, Sand, Marine Geology. 1. INTRODUÇÃO O forte crescimento industrial e urbano dos países mais desenvolvidos tem provocado uma progressiva es- cassez no abastecimento de cascalho e areia aos principais polos de desenvolvimento. O acréscimo da procu- ra, a progressiva diminuição das reservas no continente, os conflitos de utilização dos terrenos susceptíveis de instalação rentável de areeiros, os impactes ambientais negativos frequentemente induzidos por estas explo- rações, o aumento dos conhecimentos sobre a cobertura sedimentar das plataformas continentais e a amplia- ção da eficácia das técnicas de dragagem tem levado a que a exploração de cascalhos e areias das plataformas continentais se tenha vindo progressivamente a generalizar a um número cada vez maior de países. Na realidade, * MLMGUL - Bolseiro JNICT • R. da Escola Politécnica, 59· 1200 LISBOA. ** MLMGUL· Bolseira JNICT/FSE • R. da Escola Politécnica, 59·1200 LISBOA. *** Instituto Hidrográfico· R. das Trinas, 49· 1200 LISBOA. 155

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POTENCIALIDADES EM INERTES NA PLATAFORMA CONTINENTAL NORTE PORTUGUESA

Fernando Magalhães*, Aurora Rodrigues**, J. Alveirinho Dias***

Resumo

o estudo de mais de 500 amostras de sedimentos não consolidados e a interpretação de algumas centenas de quilómetros de reflexão sísmica ligeira permitiu a avaliação das potencialidades em cascalhos e areias de parte da plataforma continental portuguesa a norte de Espinho. Na área estudada existem fundamentalmente dois de­pósitos de inertes, que abrangem uma área de 675 Kni2, com reservas potenciais bastante significativas. Os re­feridos depósitos apresentam baixos conteúdos médios em partículas silto- argilosas (inferior a 2%) e em carbonatos (geralmente inferior a 5%). Da área total anteriormente referida, 305 km2 são ocupados por depósi­tos cascalhentos, localizados a profundidades médias geralmente inferiores a 4Om; nestes, o conteúdo em ma­teriais carbonatados é muito pequeno e as percentagens de silte e de argila são mínimas , ao passo que o conteúdo médio em cascalho pode atingir 58%. Também os depósitos de areia revelaram ser potencialmente in­teressantes, com teores em carbonatos e em materiais finos inferiores a 10%.

Palavras-chave: Sedimentos, Reflexão sísmica, Cascalhos, Areias, Geologia Marinha

Abstract

More than 500 unconsolidated sediment samples were analysed and some hundreds of kilometres of light seis­mic reflection were interpreted in arder to assess the sand and gravei potential of part of the portuguese conti­nental shelf north of Espinho. Two main aggregate deposits can be found; with a surface of around 675 km2

; their potential resources are very significative. The referred deposits present very little mud content (Iess than 2%) and a small carbonate content (generally less than 5%) . 45% of the above area is occupied by gravelly deposits, Iying at mean depths frequently lower than 40m; their content in carbonate materiais is very small (frequently, less than 5%) and the amount of mud is very little (in general, less than 1 %), whereas the mean gravei content can be as high as 58%. Sandy deposits are also very interesting; both their carbonate and mud contents are less than 10%.

Key-words: Sediments, Seismic reflection, Gravei, Sand, Marine Geology.

1. INTRODUÇÃO

O forte crescimento industrial e urbano dos países mais desenvolvidos tem provocado uma progressiva es­cassez no abastecimento de cascalho e areia aos principais polos de desenvolvimento. O acréscimo da procu­ra, a progressiva diminuição das reservas no continente, os conflitos de utilização dos terrenos susceptíveis de instalação rentável de areeiros, os impactes ambientais negativos frequentemente induzidos por estas explo­rações, o aumento dos conhecimentos sobre a cobertura sedimentar das plataformas continentais e a amplia­ção da eficácia das técnicas de dragagem tem levado a que a exploração de cascalhos e areias das plataformas continentais se tenha vindo progressivamente a generalizar a um número cada vez maior de países. Na realidade,

* MLMGUL - Bolseiro JNICT • R. da Escola Politécnica, 59· 1200 LISBOA.

** MLMGUL· Bolseira JNICT/FSE • R. da Escola Politécnica, 59·1200 LISBOA.

*** Instituto Hidrográfico· R. das Trinas, 49· 1200 LISBOA.

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as reservas das plataformas em inertes, e sobretudo em areias, são enormes. Segundo Cruickshank (1974), os recursos em areias e cascalhos inventariados só na plataforma estado-unidense estimam-se em 1 4OOx1 09 tone­ladas . Há já bastante tempo que se iniciou a exploração de inertes em jazigos submarinos nas plataformas conti­nentais de muitos países, tais como o Reino Unido, o Japão, a França, os Estados Unidos, a Noruega e a Holanda, e mesmo Portugal (Madeira e Açores).

Actualmente, o primeiro produtor europeu de inertes submarinos é o Reino Unido, onde o sucesso destas ex­plorações se tem afirmado de forma incontestável. Com efeito, em 1959, a extracção destes materiais cifrava-se em 3.9 milhões de toneladas, equivalente a 5.7% da produção total de cascalhos e areias nesse país (Augris e Cressard, 1984). No infcio dos anos 70 essa produção era já da ordem dos 13 milhões de toneladas/ano (Hill, 1974), representando 12% do total de cascalhos e areias explorados (Archer,1973). No início dos anos ao, a tonelagem de inertes extraídos dos fundos marinhos ascendia a 16.5 milhões, representando 19% da produção total (augris e Cressard, 1984). Existem mesmo firmas britânicas que, desde os anos 70, colocam à venda, na costa alemã do mar do Norte, inertes extrafdos de jazigos submarinos, cujos preços são concorrenciais com os cascalhos extrafdos do Reno ou do Wesser (Lüttig, 1973).

O primeiro produtor mundial de inertes submarinos é o Japão, pafs no qual o crescimento da produção foi bà.­stante rápido: de 13 milhões de toneladas extrafdas em 1968 (8% da produção total), esse quantitativo passou para 45 milhões de toneladas (12% da produção total) em 1971 e para 57 milhões de toneladas no início dos anos 80 (Augris e Cressard, 1984).

Embora as explorações de inertes submarinos sejam actualmente prática corrente em quase todos os países industrializados, o peso que estas produções apresentam na totalidade do consumo é, ainda, pequeno. Por exem­plo, em França, os 4.6 milhões de toneladas extrafdos em depósitos submarinos em 1982, representavam ape­nas 1.2 % da produção total de inertes desse país no referido ano (Augris e Cressard, 1984). Todavia, estas explorações não tradicionais têm forte tendência a aumentar, quer em número, quer em quantitativo produzido.

Se bem que em Portugal continental ainda não se coloquem problemas graves de abastecimento do merca­do em inertes, é de prever que tais problemas se venham a colocar num futuro relativamente próximo, à medida que os jazigos tradicionais se vão esgotando e a legislação de protecção do ambiente se vai tornando mais ri­gorosa. Nestas circunstâncias, estes depósitos submarinos, actualmente considerados, segundo a classificação de McKelvey (1968), como recursos subeconómicos (sub ou paramarginais), serão objecto de exploração cres­cente. Daf a importância do conhecimento das potencialidades em inertes submarinos em Portugal.

2.TRABALHOS ANTERIORES. OBJECTIVOS DO TRABALHO

Uma primeira avaliação das potencialidades em cascalhos e areias da plataforma continental portuguesa foi efectuada por Dias er ai. (1980), autores estes que procederam também ao reconhecimento prévio de um desses depósitos localizado a SW de Peniche (Dias er ai., 1981) . Todavia, estes estudos tiveram como base uma malha de amostragem inadequada para estudos de pormenor.

Os trabalhos efectuados no decurso de execução do programa SEPLAT, a decorrer no Instituto Hidrográfico, o qual tem como objectivo a cartografia dos sedimentos superficiais da plataforma continental, têm permitido a colheita de amostragem segundo uma malha apertada (1 milha quadrada), bem como a realização de vários mil­hares de quilómetros de reflexão sfsmica ligeira e de sonar de pesquisa lateral. O somatório dos dados assim ob­tidos permite, além do cumprimento dos objectivos principais do programa: efectuar uma avaliação bastante pormenorizada dos recursos da plataforma em inertes.

Assim, a cartografia dos sedimentos superficiais permite a delimitação de zonas mais ricas em inertes suscep­tíveis de eventual exploração económica e, através da interpretação de perfis de reflexão sísmica ligeira e de so­nar de pesquisa lateral, estudar a formação sedimentar recente não consolidada, nomeadamente no que se refere à sua espessura, ao tipo de substrato (rochoso ou sedimentar) e à origem do depósito, bem como efectuar uma primeira estimativa de reservas.

3.MÉTODOS UTILIZADOS

As informações já existentes sobre a folha 1 da Carta dos Sedimentos Superficiais da Plataforma Continental (Espinho à Foz do Rio Minho), permitiram seleccionar uma área com elevado potencial em inertes eventualmente exploraveis, a qual está representada na fig. 1.

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AMOSTRAGEM DE SEDIMENTOS

Na área estudada foram colhidas, entre 1986 e 1989, mais de meio milhar de amostras de sedimentos não consolidados (fig. 1), utilizando colhedores tipo "Van Veen", "Shipeck" e "Smith Mclntyre". As operações de col­heita foram realizadas no decurso de cruzeiros promovidos pelo Instituto Hidrográfico a bordo, principalmente, dos navios oceanográficos .. Almeida Carvalho .. , .. Andrómeda .. e .. Auriga .. , utilizando sistema de posicionamento de alta precisão (Trisponder) .

O tratamento laboratorial das amostras foi realizado no laboratório de Sedimentologia do I. H., utilizando a me­todologia af em uso, isto é: ataque com peróxido de hidrogénio para destruição da matéria orgânica, lavagem com água destilada para eliminar os sais dissolvidos e peneiração por via húmida, utilizando os crivos de 2 mm e 63 jl.m para obtenção das fracções cascalho (< 14», areia (44> a -14» e silto-argilosa (> 44».

As fracções cascalho e areia foram peneiradas de em para obtenção de alfquotas destinadas a observação à lupa binocular. Nas fracções resultantes da peneiração do cascalho identificaram- se, separaram-se e pesa­ram-se os elementos terrfgenos e os bioclásticos. A integração destes valores permitiu determinar a composição do cascalho. A composição da areia foi determinada usando método análogo ao proposto por Shepard e Moore (1954) . A fracção areia de algumas amostras foi ainda analisada com o auxOio de um sedimentómetro de areias tipo Gibbs (1974) .

A percentagem de carbonato de cálcio foi calculada a partir da medição gasométrica do dióxido de carbono libertado após a digestão de uma toma das amostras com ácido clorfdrico, segundo o método descrito por Hül­seman (1966).

REFLEXÃO SíSMICA

o o

o

o o o

o o o o o

o o o

~ AFLORAMENTO ~ ROCHOSO

o AMOSTRA

'" PERFIL OE SISMICA

4115 N

Fig. 1- Mapa de amostragem e perfis sísmicos realizados.

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Os perfis de reflexão sfsmica utilizados (fig. 1) foram obtidos com equipamento do tipo Sparker, utilizando p0-

tências máximas de 72 J e de 1000 J, no decurso do cruzeiro GEOMAR 3/88, promovido conjuntamente pelos projectos SMCOI (JNICT nº 87 429), DISEPLA (JNICT nº 87 259) e pelo Instituto Hidrográfico a bordo do N. O. «Almeida Carvalho». A discriminação dos registos mais úteis para o presente trabalho (72 J) é de cerca de 1.5 ms (tempo simples), o que permite um estudo muito pormenorizado da formação sfsmica mais recente e não consolidada, bem como das relações geométricas existentes entre esta e os reflectores mais antigos.

A informação assim obtida permitiu, por um lado, a delimitação pormenorizada da zona de rocha, e, por ou­tro, a elaboração de mapas interpretativos, nomeadamente mapas de isopacas da formação sfsmica mais re­cente.

4.DElIMITAÇÃO DE DEPÓSITOS

DELlMITAÇAO SUPERFICIAL

Neste trabalho foi adoptada a classificação textural proposta por Nickless (1973), a qual compreende 13 classes e se baseia em diagrama triangular cujos polos são cascalho, areia e finos (silte + argila). É relevante referir que se utilizou 2 mm como limite dimensional superior da areia e não os 4 mm usados por Nickless.

Neste sistema classificativo (fig. 2), o primeiro fndice que se toma em consideração é o teor em finos. Se o re­ferido teor for superior a 40 %, o sedimento é considerado como não potencialmente explorável. Para percent­agens inferiores a 40 %, o sedimento é classificado segundo a razão areia:cascalho. O valor desta razão permite definir quatro grupos de classes: areia (> 19:1), areia cascalhenta (19:1 a 3:1) , cascalho arenoso (3:1 a 1 :1) e cascalho ( < 1 : 1). Cada um dos referidos grupos compreende, por sua vez, três termos diferenciados pelas des­ignações muito lodoso (entre 20 e 40 % de finos), lodoso (entre 10 e 20 % de finos) ou sem designação espe­cial, se o conteúdo em finos for inferior a 10 %.

FINOS (SILT+ARGILA)

(XIII)

+-,--r----,-----~40"ó

III

AR E I AArL...i-. -1, '---7/1-,.,-. -+/ ---:c~.s-c.-::-Ih-o --I~---::C-.sc-.7:"'lho---~ CASCA L HO cascalhenta ~rer.()50

1 19 1 J

I-Cascalho

II-Cascalho lodoso

III-Cascalho muito lodoso IV- Cascalho arenoso

V-Cascalho arenoso lodoso

VI-Cascalho arenoso muito lodoso VII-Are ia cascalhenta

VIII-Areia cascalhenta lodosa IX-Areia cascalhenta muito lodosa X-Areia

XI-Areia lodosa

XII-Areia muito lodosa.

Fig.2- Diagrama ilustrativo da categorias descritivas usadas na classificação areia e cascalho.

Os sedimentos com melhores caracterfsticas para eventual exploração de inertes são aqueles cujo conteúdo em finos é inferior a 10 %, o que corresponde às classes I, IV, VII e X de Nickless.

Utilizando a metodologia acima descrita, foi efectuada a classificação da amostragem, tendo-se elaborado um mapa com a distribuição, na área considerada, dos depósitos enquadráveis nas diferentes classes de Nickless. A análise do respectivo mapa de distribuição (fig. 3) indica que existem na área estudada bons depósitos poten­cialmente exploráveis.

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o 5 ---

Fig.3- Distribuição dos grupos de NICKLESS (1973).

o conteúdo em finos é uma limitação importante à exploração e aproveitamento dos inertes submarinos, nos quais deve ser o menor possível. Na área estudada existem extensas zonas em que o conteúdo em finos é infe­rior a 5% (fig. 4), o que aponta para a viabilidade da sua exploração.

Se o conteúdo em carbonatos é superior a 30%, os inertes exploráveis são de baixa qualidade. Inter­nacionalmente, consideram-se aceitáveis teores em carbonatos inferiores a 10%. Na área estudada existem ex­tensas zonas em que o conteúdo em carbonatos é inferior a 5% da amostra (fig. 5).

DELIMITAÇÃO EM PROFUNDIDADE

A interpretação de perfis de reflexão sísmica ligeira contínua, a qual permitiu obter o mapa de isopacas repre­sentado na fig. 6, indica que nos depósitos de areia e cascalho existem espessuras de sedimentos que podem viabilizar a sua exploração. O conhecimento das espessuras de sedimentos pode conduzir a uma primeira esti­mativa das reservas potenciais desta área em inertes.

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~

v SKm - -0'0 DE FINOS

~ < 5'1,

~ 5-10'1,

I§j lG-20'1. • YE~ .. > 20'1,

51 ZONA DE AFLORAMENTO ROCHOSO

4115N

Fig , 4- Distribuição do conteúdo em finos (silte+argila),

_ 51<", - -CARBONATOS

~ < 5'1.

~ 5-10'1,

~1G-20'" AV E III > 20' 1 •

411SN

Fig, 5- Distribuição do conteúdo em carbonatos,

o 5 ... .. -

4115~

Fig. 6-Mapa de isopacas .

5.RESUL TADOS GLOBAIS OBTIDOS

o estudo da amostragem colhida permitiu a delimitação de depósitos cascalhentos e arenosos. Utilizaram-se fundamentalmente 4 factores restritivos:

• conteúdo em carbonatos inferior a 10% (para garantir boa qualidade do material explorado) • conteúdo em finos inferior a 10% ( para evitar fortes impactes ambientais) • profundidade superior a 20m (para evitar impactes negativos no litoral) • profundidade inferior a 75m (limite de exploração previsfvel na presente década).

Fundamentalmente, existem na área considerada dois depósitos de inertes (fig. 7), que abrangem uma área de 675 Km2

, com reservas potenciais bastante significativas. As caracterfsticas médias dos referidos depósitos encontram-se expressas no Quadro I, sendo de ressaltar os baixos conteúdos médios em partfculas silto- argi­losas (inferior a 2%) e em carbonatos (geralmente inferior a 5%).

Os depósitos cascalhentos (fig. 8) ocupam urna área da ordem de 305Km2. As suas caracterfsticas médias en­

contram-se expressas no Quadro II. É de ressaltar que as percentagens de silte e argila são mfnirnas, que os conteúdos em materiais carbonatados são muito pequenos e que as profundidades a que se localizam estão no domfnio da capacidade de actuação rentável das dragas actuais.

161

DEPÓSITO NORTE

AVE

o SICM 10_-=:1-=:::11 __

• < 5'1,

.. >'10'1,

EJ 10-20'/,

4hsN

Fig. 7- Distribuição dos depósitos de inertes. A potencialidade de exploração varia inversamente com o conteúdo em finos e carbonatos.

QUADRO I - Características dos depósitos de inertes *

I I I II IN2 de pontoslCascalhol Areia Silte Argila Finos Carbonatos I

Depósito amostrados II

I I I I I Norte 102 121(0-89)178(10-100)11.4(0-9.1) 0.2(0-1.9) 1.6(0-9.9)15.3(0.3-8.3)~

I I I I I Sul 118 118(0-80)180(19-100)11.7(0.9.1) 0.1(0-2) 1.8(0-9 . 9)14.1(0.3-9.8)~

I I I

* Os valores fora dos parêntesis indicam a média e os valores entre parêntesis referem-se

ao domínio de variação.

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Os depósitos arenosos (fig. 9), que ocupam uma área da ordem de 370 Km2

, apresentam também boas ca­racterfsticas, nomeadamente no respeitante ao teor em finos e em carbonatos.

As áreas ocupada por areias e cascalhos são semelhantes, no caso do depósito Norte de inertes; no caso do depósito Sul, a área ocupada por areias é consideravelmente maior do que a que é ocupada por cascalhos.

QUADRO II - Características dos depósitos cascalhentos *

I I I I I I I i II IN2 de pontoslCascalhol Areia Silte IArgila I Finos ICarbona- I Cascalhol Profundida-II

amostrados I I I I I tos ITerrígenolde (metros)

I I I I I I P1 28 I 58±17 I 44±16 0.6±0.5 lO. 1±0. 11 0.8±0.6 I 4. 7±2 I 98±1 57±8

1(30-89) 1(11-69) (0-1.7) 1(0-0.3)1 (0-2) I (0.3-8. 3) I (95-99) (41-73

I I I I I P2 6 40±13 I 58±13 1. 5± 1. 3 I O. 1 ±O. 1 I 1. 6± 1. 4 I 5±1.3 I 98±1 37±4

(26-61 1(36-70) (0- 3.3) 1(0-0.4)1 (0-3.5) 1(3.8-7.1)1 (97-99) (30-42)

I I I I I IIp3 6 35±11 I 64±12 0.7±0.5 10.1±0.11 O,8±0.5 I 5±1. 3 I 94±5 36±2

II (26-57)1 (42-74) I (0 . 2-1.5)1 (0-0.1)1 (0.2-1.6)1 (3.7-6.8)1 (84-94) (33-39)

II I I I I I I P4 9 43± 12 I 57 ± 12 I 0.2±0.2 10.0±0.01 0.2±0.2 I 3±1 I 97±1 29±6

(28-63) 1(36-72) 1(0-0.5) 1(0-0.1)1 (0-0.5) 1(1 . 6-5.1)1 (96-98) (23-41)

I I I I I I P5 25 51±17 I 49±13 I 0.1±0.3 10.0±0.01 0.2±0.3 I 4.4±3 I 97±2 40±8

(26-80)1 (19-74) I (0-0.7) 1(0-0.3)1 (0-1) 1(1.8-9· 7)1 (90-99) (24-52) I I I I I

* Os valores fora dos parêntesis indicam a média ± o desvio padrão. Os valores entre parêntesis referem-se ao domínio de variação.

6.1MPACTE AMBIENTAL DA EXPLORAÇÃO DE INERTES

Na plataforma continental portuguesa a norte de Espinho existem alguns depósitos de areias e cascalhos que apresentam boas perspectivas quanto à eventual exploração económica, cuja viabilidade é acrescida pelo facto de existirem na zona vários portos e rios que facilitam a descarga e dessalinização dos inertes, e se localizarem na proximidade de polos consumidores importantes. Todavia, tal como no caso das explorações em terra, tor­na-se necessário considerar e avaliar os impactes ambientais induzidos pelas explorações de inertes submari­nos. Os referidos impactes associam-se a repercussões sobre o meio ffsico e sobre o meio biológico.

As repercussões sobre o meio ffsico incluem, entre outras:

• criação de condições de turbidez em profundidade e à supertfcie. Além disso, a lavagem dos sedimentos pode provocar a ressuspensão de elementos depositados no fundo, quer estes sejam nocivos, como por exemplo, os hidrocarbonetos, os pesticidas e os metais pesados, quer sejam, em certas concentrações, úteis, como é o caso dos fosfatos e dos nitratos (Ottman, 1985). Estes problemas põem-se com especial acuidade no caso da dragagem de sedimentos modernos e com um elevado teor em finos; são, pelo contrário, praticamente inexistentes quando o material a ser dragado é constitufdo por sedimentos relfquia, como é, aparentemente, o caso dos depósitos descritos .

• a exploração de inertes, ao modificar a topografia do fundo, vai induzir perturbações nas correntes de fundo. Por outro lado, a criação de zonas "acidentadas" pode constituir um obstáculo à pesca por arrasto (Cressard, 1989).

A exploração de inertes pode, de igual modo, provocar a destruição da fauna bêntica e ictiológica (Ottman, 1985; Cressard, 1989) e ainda induzir modificações na produtividade do plancton. As larvas são privadas do am­biente que lhes permitia viver e realizar as suas metamortoses (Cousteau e colaboradores, 1980). Além disso, a redução da penetração da luz provocada pela exploração de depósitos com elevado conteúdo em finos inibe o

163

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Fig. 8

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1 ~4SW o SKm - -DEPóSITOS DE

CASCALHO

~ CASCAU<O '=i:iI ARENOSO

~ CASCALHO

4115N

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Distribuição dos depósitos cascalhentos.

1~4SW 'oow _ SICm - -DEPÓSITOS ARENOSOS

"., AREIA LU CASCAlHENTA

[] AREIA

4115N

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100N

Fig . 9 -Distribuição dos depósitos arenosos .

crescimento de certas algas, o que induz efeitos secundários na fauna associada (Shelton, 1973). Por outro la­do, estas explorações podem ter como consequência o aumento da produtividade biológica (SHELTON, 1973; CRESSARD, 1989).

O conhecimento do tipo de impacte ambiental provocado pela exploração de inertes, em virtude da sua com­plexidade, implica uma análise cuidada que exige a utilização de estudos de carácter multidisciplinar.

7.CONCLUSÕES

Com base no estudo de amostragem da cobertura sedimentar e na interpretação de perfis de reflexão sismí­ca ligeira obtidos numa área restrita da plataforma continental portuguesa setentrional, foi possível delimitar de­pósitos em inertes susceptíveis de eventual exploração económica. Efectuou-se ainda uma primeira estimativa das reservas potenciais da aludida área, concluindo-se que, fundamentalmente, existem dois depósitos de inertes que abrangem uma área de 675 Km2, com reservas potenciais bastante significativas e com espessuras médias da ordem dos 8 ms.

Os depósitos mencionados são constituídos por materiais com características composicionais e granulomé­tricas diversificadas, deixando antever a possibilidade de uma ampla gama de utilizações. A extensa área ocu­pada por estes depósitos e os elevados conteúdos em cascalhos e/ou areias, associados às pequenas percentagens em materiais finos (silto-argilosos) e em carbonatos, e às profundidades médias a que ocorrem, ampliam as possibilidades da sua futura exploração. A existência de várias instalações portuárias (Porto, Leixões, Vila do Conde, Viana do Castelo, etc.) e de vários rios nas proximidades destes depósitos, bem como a sua ad­jacência a vários polos consumidores importantes (cidades e zonas industriais), aumentam a viabilidade econó­mica da sua exploração e impõem-nos como alternativa aparentemente válida às explorações tradicionais.

BIBLIOGRAFIA

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