Poulantzas e Os Partidos Do Brasil

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  O impacto produzido pelos livros de Nicos Poulantzas foi enorme. E não apenas na Europa: as traduções de seus livros tiveram ampla difusão na América Latina e particularmente no Brasil. O Poulantzas que influen- ciou as novas gerações de sociólogos e cientistas políticos foi principal- mente o do livro Pouvoir politique et classes sociales, marcado pelo althuse- rianismo. A taxonomia invadira o marxismo, tornando-o próximo de certas versões do estruturalismo mo- derno. Entretanto, num espírito inquieto como o de Nicos Poulantzas, aberto à participação política e atento aos movimentos da história, já se pres- sentia a crítica ao formalismo do  novo marxismo que veio a ser reali- zada em Fascisme et Dictature, e que seria aprofundada nos seus últimos livros,  L'ét at, le pouvo ir et le soci a- lisme e  La cr is e de l’ ét at . O trágico suicídio de Poulantzas, em 1979, deu-se quando ele estava em plena forma intelectual. Nas últi- mas entrevistas que concedeu, prin- cipalmente à revista  Dia lec tiq ues ,  28, em 1979, vê-se a riqueza das suas novas interpreta ções.  Nos artigos que seguem, Fer- nando Henrique Cardoso e Fran- cisco de Oliveira retomam os pon- tos pertinentes desta entrevista pa- ra, a partir deles, ampliar o debate sobre a questão dos partidos no Bra- sil.  2 NOVOS ESTUDOS Nº 2 

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Texto de FHC de 1982.

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  • O impacto produzido pelos livros de Nicos Poulantzas foi enorme. E no apenas na Europa: as tradues de seus livros tiveram ampla difuso na Amrica Latina e particularmente no Brasil. O Poulantzas que influen- ciou as novas geraes de socilogos e cientistas polticos foi principal- mente o do livro Pouvoir politique et classes sociales, marcado pelo althuse- rianismo. A taxonomia invadira o marxismo, tornando-o prximo de certas verses do estruturalismo mo- derno.

    Entretanto, num esprito inquieto como o de Nicos Poulantzas, aberto participao poltica e atento aos movimentos da histria, j se pres- sentia a crtica ao formalismo do

    novo marxismo que veio a ser reali- zada em Fascisme et Dictature, e que seria aprofundada nos seus ltimos livros, L'tat, le pouvoir et le socia- lisme e La crise de ltat.

    O trgico suicdio de Poulantzas, em 1979, deu-se quando ele estava em plena forma intelectual. Nas lti- mas entrevistas que concedeu, prin- cipalmente revista Dialectiques, n 28, em 1979, v-se a riqueza das suas novas interpretaes.

    Nos artigos que seguem, Fer- nando Henrique Cardoso e Fran- cisco de Oliveira retomam os pon- tos pertinentes desta entrevista pa- ra, a partir deles, ampliar o debate sobre a questo dos partidos no Bra- sil.

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  • FERNANDO HENRIQUE CARDOSO

    m entrevista concedida revista Dialectiques em 1979, Nicos Poulantzas colocou algumas questes que, embora no sejam

    novas no debate brasileiro sobre os parti- dos polticos, so penetrantes e tm atuali- dade. No o caso de reproduzir na nte- gra o texto, mas vale a pena ressaltar al- guns pontos centrais. E vale no s porque em si mesmas as colocaes so interessan- tes, mas porque vm de um autor cuja in- fluncia entre os socilogos e cientistas polticos de esquerda na Amrica Latina foi enorme.

    S que esta influncia decorreu mais do Poulantzas "althusseriano" do que do Poulantzas dos cinco anos anteriores a seu lamentvel suicdio, perodo no qual reviu seu pensamento.

    Para comear, Poulantzas polemizou com o prprio Althusser e com o dirigente poltico e intelectual comunista italiano Pietro Ingrao, sobre a ao do Estado e sua relao com os movimentos sociais. Vale uma citao mais longa:

    Ningum duvida, portanto, que se assiste atualmente a uma nova etapa deste pro- cesso, a saber, a presena direta do Estado no prprio corao da produo da mais- valia e da reproduo da fora de trabalho (consumo coletivo, sade, habitao, trans- portes etc.). A extenso prodigiosa das funes do Estado compreendendo seu alargamento na direo dos domnios do saber e da cincia, a concentrao do saber e do poder no so mais do que indicadores deste processo. Assiste-se assim a toda uma reformulao dos espaos do pblico e do privado, do poltico e do econmico e so- cial, a uma modificao considervel de sua articulao (o que coloca, entre outras, a questo de uma nova articulao de suas organizaes respectivas, partidos e sindica- tos). Esta presena de redes estatais no "cotidiano'' conduz com efeito ao que In- grao designa como a politizao do social.

    Ao ler estas frases sente-se o eco de que- relas caboclas: quantos de ns repetimos, sa c ie d a d e , q u e a se p a ra o e n t re " p b l ic o " e "privado", entre a "sociedade poltica" (o Estado) e a "sociedade civil" (o mer- cado e as classes) velha? Conseqente- mente, nem a viso liberal da poltica nem a ortodoxamente marxista (ou a neo- ortodoxa, do marxismo liberalizado pela leitura apressada de Gramsci) do o salto que a anlise da poltica contempornea re- quer.

    No obstante, no debate e na prtica poltica brasileira insiste-se em pensar os partidos e os movimentos sociais luz da teoria poltica do capitalismo concorrencial e da viso liberal, que (em teoria) minimiza as funes do Estado e maximiza a fora que as organizaes da sociedade civil tm para regenerar o homem dos pecados do poder.

    A politizao do social

    Poulantzas percebeu os riscos da tenta- tiva de um ajuste de contas com a temtica contempornea que simplesmente ressal- tasse, diante do Estado-Moloch, o pampo- liticismo do social. Aceitou que houvesse uma politizao do social e do cotidiano postas como necessrias pelo prprio enca- valamento da sociedade e do Estado, mas:

    condio, sempre, de no se perder de vista os limites da extenso atual do Es- tado . . . que colocam igualmente fron- teiras a esta politizao do social. Limites estes que, ao que parece, perderam Ingrao e Althusser, cada um por seu turno. Ingrao, quando parece entender por politizao uma "incluso" exaustiva, possvel, s ve- zes desejvel, do social-privado no Estado- sntese da poltica. Althusser, que critica Ingrao por esta con- cepo da politizao do social, considerando-a como uma "politizao burguesa" (o poltico), mantendo ele pr-

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  • Certas colocaes de

    Poulantzas fazem lembrar

    nossas querelas caboclas

    prio a possibilidade de uma outra poltica, proletria neste caso, mas situada radical- mente fora'' do Estado (a poltica), num fantasmagrico lugar-inexistente. Para Poulantzas, em ambos os casos d-

    se um pampoliticismo generalizado (a poli- tizao exaustiva do social no interior do Estado, para Ingrao, e a politizao prole- tria fora do Estado, no caso de Althus- ser).

    Ora, observa nosso autor, toda luta de classes, todo movimento social (sindical, ecolgico, feminista, regionalista, estudan- til etc.) situam-se forosamente no terreno estratgico que prprio do Estado. Uma poltica proletria no pode estar si- tuada fora do Estado, assim como uma poltica situada no terreno do Estado no , s por isto, forosamente burguesa. Dito isto, Poulantzas recorda que para os marxistas (e se indigna de que hoje em dia seja Foucault quem se recorda disso) existem limites concepo do Estado como o engolidor da poltica:

    precisamente na medida em que as lutas de classe e os movimentos sociais desbordam sempre e de longe o Estado - mesmo que este seja concebido em sentido lato (inclu- sive compreendendo os aparelhos ideolgicos do Estado) -, na medida em que nem tudo poltico ou em que a poltica no a nica dimenso de existncia do social, que existem, de fato, limites expanso do Estado.

    Modos de ver o Estado

    No preciso citar mais para que se veja que Poulantzas ps o dedo na ferida. Estamos nos debatendo no mundo con- temporneo (e o Brasil, helas, parte dele) com este dilema: uns no vem seno o Estado (em geral a direita e os ortodoxos da esquerda); outros no enxergam um palmo adiante da politizao do social fora do Estado (em geral a nova esquerda, crist ou anarquista).

    Poulantzas clama pela redefinio dos termos da antinomia. E eu concordo com ele: assim como ossificada a viso estati- zante do processo social, mesmo porque a poltica se derrama por cima dos muros do Estado e flui sua base, ingnua a viso "esquerdista", dos que colocam todos os ovos na cesta de uma idlica "sociedade ci- vil", que, na verdade, no pode existir se- no entremeada pela rede dos tentculos estatais.

    Para que o leitor no se equivoque melhor dar nome aos bois. A velha es- querda e a politicagem tradicional fazem seu circuito vital entre os Partidos e o Es- tado, deixando margem a sociedade e os movimentos sociais (salvo na hora da cata ao voto). Em contrapartida, o gnero de poltica de certos setores "puros" das opo- sies sindicais ou de correntes esquerdis- tas do PMDB e do PT (que se engalfi- nham e se esfalfam correndo atrs de cada tremor da sociedade civil e no colocam as questes reais e concretas da organizao do Poder e do Estado) incapaz de articu- lar lutas que levem de fato a politizao das massas a encontrar-se com o enigma do Poder.

    No mximo tropeam com a Adminis- trao. Pedem mais calamento, luz e es- goto (temas e demandas importantssimos para a vida do povo, sem dvida), e imagi- nam que com isto pem em xeque o Es- tado.

    Este, que no capitalismo avanado di- nmico e no imobilista, deslancha polti- cas que, ao serem exercidas, desarmam o vigor poltico-oposicionista (veja-se a Ad- ministrao Reynaldo de Barros e acompanhe-se o crescimento do prestgio do prefeito na periferia . . .).

    Dando um passo adiante em sua anlise, Poulantzas se joga contra a "con- cepo essencialista do Estado". Esta v o Estado como um bastio inexpugnvel, como uma "mquina" disposio das classes dominantes.

    O Estado, enquanto "instrumento" das classes dominantes, aparece como um bloco monoltico diante do qual ou bem as massas populares se integram e contaminam-se com a peste burguesa que o infesta, ou situam-se radicalmente fora de seus muros, puras, em busca de sua conscincia-de-classe por-si (o Partido).

    Neste caso a poltica da esquerda de- veria penetrar no castelo fortificado a par- tir do exterior, assaltando-o ou cercando-o pela guerra de movimentos. Em resumo: sempre atravs de uma estratgia frontal do tipo double pouvoir. O Partido sempre o anti-Estado que constituir os sovietes que destruiro aquele.

    Ser preciso, neste caso, dar nome aos bois? Quanto da viso dos partidos brasi- leiros repousa nesta concepo? Talvez se tenha substitudo Lnin. Mas por um Gramsci que quando deixa de ser lido la l ib e ra l (o G ra m sc i d o c o n se n so e d a le g it i -

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  • midade) vira o estratego militar, o do as- salto ao Poder, e, s vezes, tambm Ra- zo. Poulantzas substitui esta viso por ou- tra:

    0 prprio Poder no uma essncia quali- ficvel, mas uma relao. 0 Estado pro- priamente constitudo pelas contradies de classe que, sob forma especfica, tornam-se contradies internas a ele ( . . .). 0 que decisivo na tomada de decises polticas no o que ocorre antes ou adiante do Es- tado. E o que ocorre no seio do Estado. Mais do que raciocinar em termos de "no interior" ou "de fora" (do Estado) pre- ciso raciocinar em termos de terreno e de posies estratgicas: as lutas populares, sob seus aspectos polticos, situam-se sempre no terreno do Estado.

    Neste passo haveria muito o que co- mentar e, possivelmente, restringir. b- vio que a noo de Estado de Poulantzas no se limita mquina burocrtica e ao controle poltico que as classes dominantes exercem sobre ela. Est includa a noo de "aparelhos ideolgicos do Estado".

    Mesmo assim, embora aceitando a cr- tica ao essencialismo e viso da destrui- o do Estado pelo assalto "de fora", se no se lem estas observaes junto com o que antes foi dito (que a poltica no se li- mita ao Estado) pode-se passar do pampo- liticismo ao pan-estatismo, que eu no subscrevo.

    Mas vale a ressalva de Poulantzas: a substituio de Lnin por Gramsci, na concepo do Partido, do Estado e da Poltica, com o uso e abuso do conceito de hegemonia "fora do Estado" como pr- condiao para tomar o Estado (que no Brasil se tornou habitual depois da crise da "esquerda revolucionria"), no resolve, por si, a intricada questo de como relacio- nar os Partidos (revolucionrios e mesmo reformistas) com o Estado.

    Reflexes sobre a democracia

    Poulantzas criticou, conseqentemente, certas concepes eurocomunistas: o Es- tado no apenas uma relao (mesmo de classes). Ele possui tambm uma materiali- d ad e esp ec fica d e a p a re lh o q u e n o se m u d a m u d an d o -se ap en as as re la es d e c lasse . H q u e re iv in d ica r, p o rtan to , e aq u i cab e , a au to - n o m ia d a o rg an izao d a c lasse trab a lh ad o ra e d as m assas p o p u la res . C aso co n tr rio e la se d isso lv eria o u se co n fu n d iria co m a o b je tiv i- d a d e d o a p a re lh o e s ta ta l .

    Da a temtica, necessria, do controle direto das decises pelas bases, as experi- mentaes com as formas das revoltas po- pulares e dos movimentos sociais etc.

    Tudo isto h de constituir tema de refle- xo, pois estas lutas e movimentos, em sua especificidade e em seus alcances, desbor- dam os limites das instituies da demo- cracia representativa.

    A esta altura de suas reflexes Poulant- zas envereda diretamente em questes que so cruciais para quem hoje pensa no pro- blema dos partidos no Brasil. Com efeito, e sem que se necessite de muitas explica- es, a "crise dos partidos" a que se refere Poulantzas no algo que vitima esse tipo de organizao apenas na esquerda ou nos pases de capitalismo avanado. Ela ge- ral.

    Poulantzas recorda que j o austro- marxismo, para escapar do dilema posto pelo confronto entre a concepo de par- tido da III e da II internacionais, tentou in- corporar os movimentos sociais de demo- cracia direta s instituies democrtico- representativas. O resultado conhecido: os movimentos sociais dissolveram-se nos meandros do Estado. Conclui o autor:

    E u m e p e r g u n t o s e e e m q u e m e d id a u m a c e r ta te n s o i r r e d u t v e l en tre e s te s d o is a s - p e c t o s n o u m r i s c o a a s s u m i r e , m a i s a in d a , s e e la n o fo r m a p a r te in teg ra n te d e u m a d in m ic a d e t r a n s i o a o s o c ia l is m o dem ocr tico . No tenho dvidas em repetir o que j

    escrevi e disse tantas vezes: isto mesmo. Existe uma tenso irredutvel entre partido e movimento, instituies representativas e formas democrticas diretas, liderana ins- titucional e emergncia de lideranas es- pontneas.

    At a tudo bem: no vasto espectro bra- sileiro que vai do centro esquerda (menos os ululantes, claro), reconhece-se esta ten- so e ela saudada como positiva. Mas as conseqncias prticas da decorrentes nem sempre tm coerncia.

    A toda hora volta-se a pensar num par- tido que fusione o movimento social com a poltica institucional. Isto visvel clara- mente no PT, existe em setores importan- tes do PMDB e de forma esmaecida apa- rece no PDT.

    Subsiste, pois, o sonho do partido- germe-do-estado e do partido-condutor- de-massas, ou pelo menos do partido- canal-exclusivo das massas operrias.

    Entre a velha esquerda e a politicagem, melhor dar nome aos bois

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  • 6 Note-se que a presena generalizada do Estado na vida cotidiana, a politizao do social e a necessidade da democratizao do Estado levam crise no s dos parti- dos de tipo comunista mas tambm dos partidos operrios de massa (eurocomunis- tas, socialistas, social-democratas).

    A ao repressiva do Estado, que tam- bm se generaliza e correlata ao eco- nmica e social do Estado no capitalismo avanado, vem junto com a difuso de no- vas ideologias e de novas formas de legiti- mao do poder. E desnecessrio exempli- ficar para o leitor brasileiro: a est a dou- trina da segurana nacional e a esto os cantos de s e r e i a do consumismo autoritrio-oligoplico.

    S que (e a ressalva essencial) a rela- o entre poder e mercado, entre Estado e sociedade civil leva a "um deslocamento mais geral dos procedimentos de legitima- o, no bojo dos circuitos estatais, dos par- tidos polticos administrao do Es- tado". A par disso, os mass media, contro- lados crescentemente pela Administrao, tornam-se os instrumentos reguladores da nova "legitimidade".

    Ser preciso exemplificar? Quem no v na TV o "governo social" do sr. Maluf, o "mercado popular'' vendendo iluses? E quem vai aos magros comcios partidrios?

    Os partidos e o poder

    A crise alcana os partidos que esto (estaro?) no poder. Tantas vezes j es- crevi, analisando o autoritarismo local, o mesmo que Poulantzas escreve sobre a Eu- ropa, que pasma a similitude da crise, ape- sar das diferenas de situao.

    a Administrao que sustenta os par- tidos no poder, no so estes que servem de base e do legitimidade quela.

    Ou algum duvida que o PDS capota e chafurda no desespero se o Governo no assume o casusmo eleitoral?

    E quem pensa que as classes dominan- tes, a Grande Empresa, o Irmo do Norte, o Establishment precisam do PDS para re- produzir a ordem vigente? No Brasil claro que no. Poulantzas acha que nos pases de capitalismo avanado tambm no. Neles, afirma,

    . . . o discurso do tecnocratismo autori- trio encontra na Administrao um lu- gar privilegiado de emisso. ... Este papel da Administrao influi por seu turno sobre o discurso ideolgico domi-

    n a n te : u n i fo r m iz a o e c a n a l i z a o d e s te d iscu rs o , fo rm a s p leb isc i t r io -p o p u lis ta s d e c o n s e n t i m e n t o a l ia d a s a o h e r m e t i s m o d a lin gu a g em d o s esp ecia lis ta s . Poulantzas no conseguiu resolver o im-

    passe: diante da burocratizao da vida, da forte presena do Estado, por um lado, e de movimentos sociais que por sua natu- reza so policlassistas (feminista, ecol- gico, estudantil, de consumidores etc.), os velhos partidos mesmo, seno que prin- cipalmente os da esquerda ficam entala- dos.

    As solues inovadoras, la Pietro In- grao, do partido-sntese dos movimentos sociais, correm o risco de no pegar. A es- pontaneidade do social escapa e, para capt-la, o partido dilui-se no populismo (por mais que os lderes "basistas" neguem o fenmeno).

    As solues tradicionais fazem gua a olhos vistos. Da a "tenso irredutvel" que a confisso (no s de Poulantzas, minha tambm) de quem no v bem a sada.

    No caso brasileiro como no de pases do mesmo tipo h agravantes. Aqui, nem no passado chegamos sequer a ter par- tidos modernos (com programa, mquina, militncia e utopia, la Cerroni). E eles existiram nos pases que se formaram sombra do capitalismo competitivo (com a ideologia liberal de Estado, a separao entre este e a sociedade civil, os sindicatos autnomos e os partidos de classe). Existi- ram no passado mesmo em nuestra Amrica: s ver o caso do Chile e, at certo ponto, da Argentina.

    Fica, pois, a dvida: ser que nos pases sem tradio partidria, que se industriali- zam e crescem economicamente sob o mpeto da internacionalizao da produ- o, formando um sistema oligoplico do- minado pela Grande Empresa, pela Em- presa Estatal e pelas Burocracias, ainda ca- bem partidos " la europia"? Poulantzas arrisca a hiptese da "americanizao" da Frana.

    H tempos Francisco de Oliveira e eu vimos falando da "americanizao da poltica brasileira (a sociedade de massas, os comits eleitorais). Sabemos que no bem o caso. No existe o botim do Estado pelas mquinas partidrias (o spoil-system), porque estas no existem. Existe s a m- quina do Estado. Pior a emenda do que o soneto: existiro comits eleitorais sem continuidade na entressafra eleitoral.

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  • Algumas perguntas

    Eu sei (e como!) do esforo em marcha para dotar alguns dos partidos atuais (PMDB, PT, PDT) de carter moderno- europeu. Militncia, bases, convenes, programas.

    Tudo isto existe. Existe at certa demo- cracia interna. Mas: que relao h entre os partidos e o Estado? Ou entre eles e o crculo mais amplo da sociedade?

    Ser que no fazemos tempestades em copos de gua e julgamos que o que apai- xona o "pblico interno" dos partidos co- move a massa, quando esta, de fato, s se move ao impulso do mercado e da TV? Ser que mesmo a greve (eu seria o ltimo a negar a grandiosidade e a importncia de muitas delas) no um "fato isolado", vir- tuoso, de luta, mas longe demais da pol- tica para ser germe da regenerao?

    Cautela, pois. Convm no esquecer que o pas que foi bero do capitalismo oli- goplico e pai do proletariado moderno (os EUA) matou no nascedouro, nos anos 20 e 30, o mpeto de um grande movi- mento operrio.

    Barbas de molho, porque o capitalismo que aqui impera (onde ele impera) o ian- que da segunda metade do sculo XX. Di- ficilmente ele ser parteiro de uma socie- dade que floresceu na Europa at o fim da primeira metade deste sculo. L, a crise dos partidos est ligada emergncia da nova fase do capitalismo. Aqui, os "novos partidos" nascem quando j h a "nova so- ciedade" do capitalismo oligoplico. Sero eles de fato "novos", ou representam ape- nas iluses dos que organizam seu pensa- mento, suas expectativas e seus sonhos a partir da crena de que algum dia o Brasil ser como a Europa foi no passado?

    Novos Estudos Cebrap SP.v.1,2.p.3-7.abr.82

    FRANCISCO DE OLIVEIRA

    Da paixo de Poulantzas

    a crtica contempornea aos par- tidos polticos aceitam-se, geral- mente, sua desatualidade, seu descompasso com as novas estru-

    turas sociais e sua capacidade de represen- tar interesses de crescente complexidade. Como decorrncia, aponta-se para a ne- cessidade do surgimento de novas forma- es partidrias que preencham todos os requisitos da teoria poltica e, mais, dos nossos prprios anseios sobre o partido com que sonhamos. Desde o "verdadeiro" partido da classe operria, em que deposi- tamos nossas esperanas, at aquele tam- bm "verdadeiro" partido da burguesia,

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    Chico Caruso

  • Poulantzas puxou

    o tapete da

    discusso, sepultando

    heris e viles

    sem militares e tecnocratas, para "saber- mos" contra quem estamos combatendo. Para "vermos" o rosto dessa burguesia que nem mais a revistas de escndalos con- cede comparecer. Para construir nossa identidade na dialtica do espelho: ou mi- rando nossa anttese, ou Alice no Pas das Maravilhas, entrando esquerda e virando direita e vice-versa.

    Nicos Poulantzas, esse grego que reedi- tou com sua morte voluntria a tragdia que seus e nossos, muito nossos ances- trais criaram, tambm procedeu tragica- mente no terreno da teoria.

    Ante o destino implacvel da realidade dos partidos, respondeu com aquele defini- tivo desafio em que consiste a tragdia. Enfrentando-se quase consigo mesmo, dos tempos de sua aliana terica com Althus- ser, sepultou heris e viles, puxou o tapete da discusso, deslocando-a das velhas tri- lhas, para submeter o Destino interroga- o grave da Histria.

    Em uma ltima entrevista, resumiu e aprofundou reflexes que j estavam em L'tat, le pouvoir et le socialisme, guar- dando, ainda, um fio de compromisso com o passado da Questo partidria:

    . . . eu no creio que estejamos, exata- mente, como s vezes se diz (Balibar, espe- cialmente), perante uma crise da forma partido: falar dessa forma me parece to inexato quanto falar da forma Estado. Trata-se, na verdade, de um lado, de uma crise do "sistema" dos partidos polticos relacionada com as novas realidades eco- nmicas, com a crise atual do Estado e com sua nova forma de estatismo autoritrio: crise de que participam, de um lado, os Partidos Comunistas da Europa Ociden- tal. E, por outro lado, se trata de uma crise dos prprios partidos da classe ope- rria nos pases do capitalismo avanado.

    A crise existe

    Meto o meu bedelho para achar que correto falar de uma crise da "forma par- tido", tambm. Do contrrio, permanece- remos sempre tentando construir "O Par- tido". Essa crise uma decorrncia das mudanas no Estado e na sociedade civil (Poulantzas prefere falar nas "relaes so- ciais de produo"), que afetam grave- mente o recorte entre o "pblico" e o "pri- vado".

    A teoria do partido poltico no capita- lismo nasce no momento em que se reco-

    nhece que o "pblico" uma condensao autnoma da luta de classes "privada". Indo mais longe, com Rousseau, o geral no a soma dos interesses particulares e pode ter, e geralmente tem, at sinal con- trrio.

    Ora, o partido como forma da gesto dessa relao entre "pblico" e "privado" no pode permanecer imune redefinio desses termos. Como a forma de represen- tao de interesses privados (sociedade ci- vil) que se fazem gerais (no Estado), no pode deixar de entrar em estado pr- comatoso.

    o Estado como relao o cerne do problema, cujo estatuto terico o mesmo da mercadoria (para a teoria marxista, diga-se logo). No capitalismo oligopolista, ele financia simultaneamente a explorao da mais-valia e a reproduo (gastos so- ciais) da fora de trabalho.

    Sublinho a palavra financia. Esta a di- ferena crucial entre o capitalismo compe- titivo e o capitalismo oligopolista. Ela en- fatiza a necessidade do estabelecimento de uma periodizao, ltima reprimenda de Poulantzas a Althusser.

    Ao estar presente no financiamento da contradio, o Estado a transforma: tanto o que se considerava como sua "natureza", seu carter de classe, quanto seus limites, tambm mudam. E isto radicalmente dis- tinto da concepo "essencialista" do Es- tado, contra a qual se insurge Poulantzas.

    O Estado como relao surge na me- dida em que os fundos pblicos a ri- queza social intervm agora na reprodu- o de cada capital particular, e no ape- nas funcionando como "condies gerais" da produo. Nessa medida, se destri a anterior sociabilidade da competio inter- capitais. De criador, a burguesia passa a criatura.

    Mesmo correndo o risco da simplifica- o, impossvel no perceber que a forma da representao de interesses j no pode ser a mesma. E isto o que interessa no plano da poltica. Essa a matriz do que Poulantzas chamou de "estatismo autori- trio". O Planejamento ou a Administra- o a forma da poltica por excelncia e a burocracia seu agente.

    Crtica vesga

    Por ltimo, como aviso aos navegantes, restaria dizer que essas transformaes no decorrem de nenhum automatismo "eco-

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  • nmico". So o resultado da luta de classes e da utilizao que a burguesia fez do Es- tado para deter as crises.

    De outro lado, o financiamento da re- produo da fora de trabalho atravs dos gastos estatais tambm opera na redefini- o do Estado como relao. Desde logo, a outra cara do mesmo processo de sus- tentao da explorao. E desde logo, tambm, no um resultado "a frio", se- no sob o fustigamento permanente das classes trabalhadoras nos pases mais desenvolvidos.

    A crtica vesga insiste em pensar que es- ses gastos so apenas concesses, para cor- romper a classe operria com benesses que lhe minariam o mpeto revolucionrio. Mas os gastos sociais negam o carter de mercadoria da fora de trabalho. Reduzem a base social da explorao, limitam o campo de atuao da lei do valor.

    Esse o caminho para o entendimento do ncleo da contradio no capitalismo oligopolista, e no o que muitas vezes se tenta encontrar: uma tendncia estatstica de queda nas taxas de lucro e reduo dos sa- lrios. E essa complexa contradio que est no ncleo da crise nos pases capitalis- tas mais desenvolvidos, que o furor de Rea- gan, o cow-boy septuagenrio, pe a nu.

    A crtica da esquerda sobre a social- democracia e o New Deal rooseveltiano deveria pr o acento no carter limitado das polticas keynesianas do Estado do Bem-Estar, e no sobre sua adoo como "corrupo" da classe revolucionria.

    Entre ns, a burguesia j abandonou o partido como "forma" de sua representa- o de interesses. Alis, l tambm. Qual a diferena que se produz na Administra- o entre republicanos e democratas nos Estados Unidos? E, um pouco menos ra- dicalmente, entre a "virgem de ferro" da Inglaterra, mrs. Thatcher, e seu antecessor imediato, talvez o "cavalheiro de sabo" mr. Callaghan do Partido Trabalhista?

    No Brasil, existe um partido do Go- verno e no o Governo de um partido, ex- presso dessa crise da representao bur- guesa, de que os casusmos so a bruxaria da impotncia.

    "Nossos" burgueses esto assentados nos Conselhos. Interessa-lhes constituir seus lobbies tanto para administrar preos e mercados, quanto para conseguir os con- tratos governamentais. Comparecem ao "beija-mo" natalino do ministro do Pla- nejamento.

    O Parlamento? m u i to b o m , b a i x o t e o r d e n i c o t in a e sa b o r a g ra d ve l. A h , m a s d e q u e e s ta v a m fa la n d o ? P e n - s e i q u e e r a d o c ig a r r o P a r l ia m e n t .

    As artes do mago Golbery esvaram-se na impossibilidade de uma representao burguesa atravs de partidos. Preso, ele tambm, teorizao convencional, refor- mou os partidos, no para que algum deles chegasse ao Governo, mas para destruir a macia oposio e contornar os vendavais plebiscitrios das eleies.

    Criou-se o Partido Popular nessa re- forma. Cheio de banqueiros, "oposio confivel". Partido burgus no apenas dos sonhos de Merlin, mas tambm dos nossos: "afinal nossa anttese", frase quase to de enlevo quanto a antiga "enfim ss" dos tempos do matrimnio como clmax do romance.

    Resistiu pouco, menos que o tempo do piscar de olhos. No fundo, no passava de namoro entre ns mesmos, como fazemos tambm nos atos pblicos da praa da S . . .

    Na hora H, o anncio da "nacionaliza- o" do Projeto Jari: que piscou mais e ba- lanou mais os coraes de alguns grandes burgueses desta terra que as desventuradas aventuras do Quixote que tambm Ulys- ses e seu escudeiro Tancredo que tambm Sancho . . .

    A formao e constituio das classes sociais no-proprietrias, dominadas, com- ponentes da "sociedade civil", sofrem de- cisivas mutaes no processo de concentra- o e centralizao do capital, e na meta- morfose do Estado como relao.

    H u m a ssa la ria m e n to a b ra n g e n te , d e sd e as antigas profisses liberais at o opera- riado, o que constri a plataforma de um amplo denominador comum na estrutura social. Mas as formas desse assalariamento favorecem mais a cissiparidade corporativa que a unidade de classe.

    Em segundo lugar, foroso chamar a ateno para alguns gastos sociais que difi- cilmente podem ser atribudos a uma vigo- rosa reivindicao das classes trabalhado- ras. So muito mais um aspecto das polti- cas do ciclo econmico.

    O Funrural, por exemplo, e o cresci- mento da Previdncia Social no podem ser ingenuamente atribudos fora do campesinato nem do operariado. Mas a forma em que se do esses gastos revelam p re c i s a m e n te s e u c a r t e r n o im p o s to p e la

    Estamos falando do Parlamento ou do cigarro Parliament?

    ABRIL DE 1982 9

  • Os sindicatos de "carimbo" so o refgio

    das velhas oligarquias

    luta de classes e sua natureza de verdadeiros componentes da poltica "keynesiana" do Estado brasileiro.

    O Funrural propiciou a criao de mi- lhares de sindicatos de "carimbo", que so o refgio das velhas oligarquias. A amplia- o da Previdncia Social a contrafao dos gastos sociais, pois que se d pela "pri- vatizao" da assistncia mdica.

    A ampliao das classes mdias no Bra- sil resulta menos da concentrao do capi- tal onde funciona como "trabalho tc- nico" e mais da centralizao e da simul- taneidade internacionalizao/oligoplios. E, no Estado, da expanso dos gastos so- ciais e do planejamento como forma de conflito de classes.

    Isto que seria o anncio do futuro pois a tendncia a da transformao de todo trabalho em trabalho intelectual aparece como a corporativizao de seus vrios segmentos, de seus vrios "ofcios. Por isso, tm tambm a forma de "movi- mentos" e no de "classes".

    Exrcito de Brancaleone Os salrios e ordenados das classes m-

    dias tm determinao distinta da dos sa- lrios das amplas massas de trabalhadores manuais. Resultam de pactos no interior das grandes organizaes burocratizadas, empresariais e do Estado. Como "exrcito de Brancaleone", no ameaam o capital do ponto de vista da produo do exce- dente. Podem, no entanto, ser conjuntural- mente estmulo ou obstculo acumulao, pela importncia que seus salrios tm na demanda agregada.

    Essa dupla determinao torna-as massa de manobra nas polticas para o ciclo eco- nmico, auge ou depresso, estabilidade ou inflao, conforme se viu recentemente no Brasil.

    A poltica salarial de combate inflao "achatou" os salrios mdios, sem que ne- nhuma organizao ou grupo de classes mdias tivesse poder para se opor. E ainda h "teorias" que acham que so os tecno- cratas que governam.

    Essa caracterstica das classes mdias que as induz estruturalmente a uma proje- o corporativa de seus interesses, desligando-as das classes trabalhadoras manuais e tornando-as vulnerveis coop- tao burocrtica.

    Nas classes trabalhadoras manuais ocor- rem, simultaneamente, processos que tendem a fazer convergir, de um lado, os

    interesses nos gastos sociais do Estado, e de outro, pelas razes da concentrao do capital, uma ampliao sem paralelo do "exrcito industrial de reserva".

    Esse "exrcito" no se mostra tanto no desemprego que mesmo assim alcana, entre "aberto" e "disfarado", algo como 20 por cento da populao economica- mente ativa. Mostra-se muito mais na de- sespecializao e na rotatividade.

    A sntese dessa contradio se expressa no FGTS. Ele , ao mesmo tempo, como fundo de garantia, uma ampliao do gasto estatal na reproduo da fora de trabalho e um mecanismo de ampliao do "exrcito de reserva", ao financiar a rotati- vidade no emprego. E somente isso, exa- tamente pela razo j apontada. Muito da ampliao dos gastos s o c i a i s principalmente forma de poltica para o ci- clo econmico, e sofre reverses na depen- dncia dessa poltica, e no por influncia dos trabalhadores, no Estado.

    essa complexa dialtica que est pre- sente na ativao em cena dos "movimen- tos sociais", mais que das classes. E h muito mais que uma homogeneidade dos "movimentos". Uns anunciam a ruptura da institucionalidade burguesa, pois nesta no cabem os movimentos feministas, o dos homossexuais, o ecolgico, por exem- plo. So movimentos-limite.

    E outros expressam o estado de "plasma" das classes trabalhadoras ma- nuais, tanto pela ampliao do "exrcito de reserva" quanto pela reivindicao dos gastos estatais (os movimentos por creche, gua, esgotos, transporte, custo de vida etc.).

    Essa estrutura tende a produzir subcul- turas polticas de ghetto. A forma da sub- cultura poltica das classes mdias a de uma luta de reivindicaes corporativistas

    ,

    particularistas, consensual e burocrtica. a da imposio ao Estado de suas reivindi- caes especficas, a rigor a transformao do oramento pblico num oramento de ofcios.

    A medicina pblica d empregos e, ao mdico, o desfrute do tempo de consul- trio. Aos professores, a discusso dos sa- lrios, antes do que saber o que fazer com as universidades. E salrios que nada tm a ver por exemplo, o dos professores uni- versitrios com o dos professores de 1 e 2 graus. Bastam esses dois exemplos.

    Por essa forma, as classes mdias radi- calizam, na verdade, a "privatizao" do

    10 NOVOS ESTUDOS N 2

  • Estado e ampliam o fosso entre elas e as classes trabalhadoras manuais, embora o assalariamento abrangente parea constituir-se em suporte para uma ao unitria de classe.

    Fim de um ciclo

    A forma da subcultura poltica das clas- ses trabalhadoras manuais o "batismo". O ghetto onde foram jogadas pela violncia dos processos j descritos e pela excluso da cultura poltica das classes dominantes tende a produzir uma atitude para a pol- tica que igual que se produz para a so- brevivncia: a poltica do "mutiro". Tal como a construo da "casa prpria" nos fins de semana, com os vizinhos e os com- padres.

    A poltica consiste em dar as costas ao Estado como relao, mas pode abrir-se s manipulaes populistas do Estado como "aparelho". A "cara de pau" do governa- dor de So Paulo quando diz que "fez" os conjuntos de Itaquera e o uso abusivo, lite- raramente chato, da primeira pessoa, do "eu", nas falas do general Figueiredo, so formas "basistas", pois saltam qualquer mediao. Assim como a recusa de signifi- cativas lideranas sindicais de assumir a luta pelo salrio-desemprego, "pecado social-democrata". Na verdade, postura do ghetto que deixa o Estado entregue . . . burguesia e seus sequazes.

    E mesmo a "negociao direta" com a burguesia, sem a mediao do Estado que confundida na pobre literatura terica sobre o sindicato com a "tutela" do Ministrio do Trabalho , um dar as costas ao Estado como relao e revela a concepo "essencialista" do Estado como aparelho.

    O resultado foi o de que no havia ne- gociao possvel, embora os "atores" his- tricos, burguesia e proletariado, estives- sem frente a frente.

    A crise da "forma partido" sugere que o partido poltico contemporneo do futuro no seguir nenhum dos figurinos do pas- sado.

    A frmula leninista, do centralismo, fundada numa ruptura vanguarda-bases, na verdade introjeo no partido do prole- tariado da ruptura operada no plano da produo, no tem mais nenhuma vali- dade. Assistimos ao fim do ciclo dos Parti- dos Comunistas.

    Fora do poder, so apenas uma desatua- lidade incmoda com a exceo do Par-

    tido Comunista Italiano. E, no poder, ape- nas executores de um capitalismo de Es- tado, ali onde o capitalismo no havia cumprido sua funo.

    Hoje, estruturar partidos da vanguarda operria sobre a subcultura do ghetto ten- tar imprimir vitalidade a uma concepo "privada" das classes sociais. Entre ns, o PT oscila entre uma envergonhada postura leninista e uma concepo de "partido de massas", nunca explicitada, mas clara- mente calcada na nova quantidade da classe trabalhadora e no "basismo" das rei- vindicaes do ghetto, tomadas com ex- presses de "autonomia".

    O PMDB repete o funcionalismo da segmentao, da corporativizao e das subculturas, amalgamando maiorias sociais que so minorias polticas. A frmula mais aproximada do partido-lobby, estilo Demo- crata americano. Incorpora acriticamente uma frao derrotada da burguesia nacio- nal, confundindo essa incorporao com a concepo de "partido de frente". Na ver- dade, essa incorporao retira-lhe viabili- dade estratgica, embora lhe d imunidade institucional.

    A tenso, assinalada por Poulantzas, en- tre movimentos sociais e partidos polticos no pode ser entendida como uma adequa- o funcionalista, de um sujeito histrico indeterminado. O partido poltico contem- porneo do futuro j existe sociologica- mente no Brasil. Ponho p minsculo pro- positalmente, pois sero os partidos e no um partido, e ser um partido-fuso e no um partido-sntese nem "aparelho". Ele se escreve exatamente com as letras dos mo- vimentos sociais que significam ruptura e ultrapassagem da institucionalidade bur- guesa.

    Mas ele no ser o funcionalismo da segmentao, da corporativizao e das subculturas do ghetto, que, jacobinas ou moderadas, no importa, na verdade con- temporizam com a anarquia soberana do capital. Para transformar essa tenso e lev-la mais adiante, recolher a unidade posta pelo processo do assalariamento abrangente, mas negando a cissiparidade corporativista.

    Apanhar os contedos do Estado como relao, para, trabalhando no interior dela, caminhar para sua dissoluo. Que passa necessariamente pela abolio da propriedade privada. Trata-se, na verdade, da constituio de um amplo movimento para o socialismo.

    Assistimos ao fim do ciclo dos Partidos Comunistas

    Novas Estudos Cebrap SP,v .1,2.p .7-11 , abr .82

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