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www.lpm.com.br L&PM POCKET Anthony Stevens Jung Tradução de ROGÉRIO BETTONI

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L&PM POCKET

Anthony Stevens

JungTradução de RogéRio Bettoni

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Sumário

PReFácio ...............................................................................9

agRadecimentos ................................................................. 11

caPítulo 1: Jung e sua Psicologia .....................................13

caPítulo 2: Arquétipos e inconsciente coletivo .................59

caPítulo 3: Os estágios da vida .........................................73

caPítulo 4: Tipos psicológicos ..........................................99

caPítulo 5: Sonhos .......................................................... 116

caPítulo 6: Terapia ..........................................................134

caPítulo 7: O suposto antissemitismo de Jung ...............154

caPítulo 8: Conclusão .....................................................166

leituRas comPlementaRes ................................................173

índice Remissivo ................................................................179

lista de ilustRações ........................................................188

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Para Chuck e Sue Schwartz

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Prefácio

Fazer um relato abrangente de Jung e sua psicologia (geralmente chamada de psicologia analítica para distin-gui-la da psicanálise de Freud e da psicologia experimen-tal, a ciência pura da academia) em um livro curto de cerca de 160 páginas é algo difícil. Jung foi um escritor erudito e prolífico: além de psicologia, psiquiatria e medicina, ele tinha um conhecimento enciclopédico de mitologia, religião, filosofia, gnosticismo e alquimia, sabia inglês, francês, latim e grego, bem como o alemão, sua língua nativa, e conhe-cia a literatura de cada uma delas. Embora Jung carregasse essa grande erudição com bastante modéstia, ela está pre-sente em toda sua obra, e como ele não era bom em organizar seu material, as Obras completas de C. G. Jung reunidas em vinte volumes extensos proporcionam ao leitor não iniciado um panorama imponente.

Jung reconhecia que tinha falhas como comunicador (“Ninguém lê meus livros”, disse ele, e “Eu tive de fazer um esforço tremendo para que as pessoas entendessem o que quero dizer”), mas essa consciência não o motivou a revi-sar sua obra da maneira sistemática como fez Freud. Conse-quentemente, é preciso muito tempo e trabalho para entender os artigos e livros originais de Jung e, embora não haja solu-ção para o esforço envolvido quando se quer apreender uma parte do rico legado de Jung, a tarefa pode ser menos árdua por meio de uma introdução concisa, como este livro pre-tende ser.

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AgrAdecimentoS

Gostaria de agradecer a Routledge e a Princeton Uni-versity Press por permitir as citações das Obras completas de C. G. Jung, à Random House, inc, por permitir as citações de Memórias, sonhos, reflexões, de C. G. Jung, registradas e compiladas por Aniela Jaffé, e a Routledge por permitir a reprodução do diagrama na p. 49 do livro On Jung.

Também preciso agradecer à minha secretária, Norma Luscombe, por digitar o manuscrito original com tanto cui-dado e boa vontade, e a Mary Worthington pela habilidosa edição do produto final.

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1. Carl Gustav Jung (1875-1961)

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cAPítulo 1

Jung e SuA PSicologiA

Jung era o homem do paradoxo. Em certo sentido ele era um individualista, um grande excêntrico. Em outro, ele era a encarnação viva do homem universal. Ele se esforçou para realizar na própria vida todo o potencial humano; mas, ao mesmo tempo, ele tinha a determinação de viver de uma maneira incisivamente única. Se isso significava perturbar as pessoas, como costumava ser o caso, ele de modo geral não parecia se importar. “Ser normal é a meta ideal dos fracassa-dos”, dizia ele.

Embora se considerasse um cientista racional, Jung desejava dar atenção a questões convencionalmente tidas como irracionais ou esotéricas, e ele não se perturbava quando tais interesses o levavam para além dos confins da ciência. Na visão dele, adotar uma atitude exclusivamente racional para abordar a psicologia humana não era apenas inadequado, mas também, à luz da história, absurdo. Ele teve de ser fiel à verdade como a enxergava, e não foi sua culpa se isso o levou a campos de teoria e experiência profundamente discrepantes dos preconceitos e preocupações da época. “Considero que todo aquele que, afastando-se do caminho comum, se dispõe a abrir trilhas próprias, tem o dever de comunicar à sociedade tudo o que encontrou em suas via-gens de descoberta”, escreveu ele.

Mas não é a crítica particular de cada um dos contemporâne-os, mas os tempos vindouros, que vão decidir se é verdade, ou não, tudo isso que acaba de ser descoberto. Existem coi-sas que ainda não são verdade, ou que hoje ainda não podem ser aceitas como verdade, mas amanhã talvez possam sê-lo. Quem for assim conduzido pelo destino, terá que trilhar es-ses caminhos próprios, apenas apoiado pela esperança e pelo olhar atento daquele que está consciente do seu isolamento e dos abismos que o ameaçam. (OC Vii, § 201)

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Esse sentimento de ser arrastado pelo destino para nadar contra a maré faz de Jung uma figura fartamente intrigante. E isso significa que qualquer livro sobre a psicologia junguiana deve levar totalmente em consideração a vida e a personali-dade de seu fundador, pois a compreensão de humanidade de Jung, mais que a de qualquer outro psicologista, nasceu diretamente da compreensão de si mesmo.

Durante toda a vida, Jung permaneceu um homem pro-fundamente introvertido, mais interessado no mundo inte-rior dos sonhos e das imagens que no mundo exterior das pessoas e dos eventos. Desde criança, ele tinha um talento para a introspecção que o permitiu dedicar-se de perto a experiências provenientes do inconsciente ou de além dele – experiências às quais a grande maioria de nós continua completamente alheia. Esse dom originou-se, pelo menos em parte, das circunstâncias peculiares de seu nascimento e criação.

OrigensNascido em 26 de julho de 1875 na aldeia de Kesswil,

na margem suíça do Lago de Constança, Jung foi o único filho do pastor local, o reverendo Paul Achilles Jung, e Emi-lie Jung, cujo nome de solteira era Preiswerk. O avô, Carl Gustav Jung (1794-1864), nome com o qual foi batizado, era um médico muito respeitado, que se tornou reitor da Univer-sidade da Basileia e grã-mestre da Loja Maçônica da Suíça. Dizem que ele era filho bastardo de Goethe. Ainda que fisi-camente ele lembre muito o grande poeta, é provável que isso seja uma lenda, e não um fato.

A mãe de Jung era a filha mais nova de Samuel Preiswerk (1799-1871), um teólogo famoso, porém excên-trico, que devotou a vida ao estudo do hebraico na crença de que essa era a língua falada no céu. Ele foi um dos primeiros defensores do sionismo, tinha visões e conversava com os mortos. Até a época do casamento, Emilie era obrigada a se sentar atrás dele enquanto ele compunha sermões para que

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o demônio parasse de olhar por sobre seus ombros. A maio-ria dos homens da vasta família Preiswerk era composta de sacerdotes, que compartilhavam da preocupação de Samuel com o oculto. A mistura Jung-Preiswerk entre medicina, teo-logia e espiritualismo viria a influenciar o desenvolvimento intelectual de Carl.

A família se mudou duas vezes durante a infância de Jung, primeiro para Laufen, perto das cataratas do Reno, quando ele tinha seis meses de idade, e depois para Klein-Hüningen, à saída da Basileia, quando ele tinha quatro anos. Nenhum dos imensos presbitérios onde eles moraram era um ambiente feliz para uma criança em fase de crescimento. Em sua autobiografia, Memórias, sonhos, reflexões, Jung des-creve a atmosfera do lar como “irrespirável”: ele diz que era oprimido por um sentimento dominante de morte, melanco-lia e desconforto e pelas “ameaças sombrias de crise” entre os pais. Segundo ele, seus pais não dormiam na mesma cama, e ele dormia com o pai. Quando Jung tinha três anos, a mãe teve um colapso e passou vários meses no hospital, e essa separação forçada em um estágio crítico de seu desen-volvimento parece tê-lo afetado para o resto da vida. Essa não é uma consequência improvável, pois, de acordo com a confirmação de John Bowlby e seus seguidores, o deses-

2. Igreja e reitoria em Laufen

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pero mostrado pelas crianças diante da morte de sua mãe é uma resposta normal à frustração da necessidade absoluta da presença dela. Caso aconteça esse desastre, é claro que as crianças geralmente conseguem sobreviver, mas ao custo do desenvolvimento de uma atitude defensiva de desapego emocional, e tornando-se egocêntrica e autossuficiente a um nível incomum. De maneira típica, elas ficam com dúvidas permanentes sobre sua capacidade de obter carinho e afeto. Elas também tendem a se tornar estranhas e arredias, o que não conquista o carisma dos outros. Embora Carl tenha sido cuidado por uma tia e uma criada enquanto a mãe estava fora, ele se lembra de se “preocupar intensamente” com a ausência dela: ele sofria de eczema nervoso e tinha sonhos terríveis. “A partir desse momento, a palavra amor sempre me suscitava a desconfiança. O sentimento que associei com a palavra feminino foi durante muito tempo a desconfiança” (MSR 29).

O pai de Jung era gentil e tolerante, mas o filho o via como poderoso e emocionalmente imaturo. Bem no início de seu sacerdócio, Paul Jung parece ter perdido a fé, mas, na ausência de qualquer fonte alternativa de dinheiro, ele se sentiu compelido a manter os deveres paroquiais. O peso de manter a aparência de devoção sem ter nenhuma convicção religiosa o levou a se transformar em um hipocondríaco ran-zinza, um homem difícil de ser amado ou respeitado pela esposa e pelo filho.

Filho único até o nascimento da irmã Gertrud em 1884, Carl era infeliz na escola, sentindo-se alienado dos colegas e de seu eu interior: a postura esquizoide (isto é, retraída, arredia e egocêntrica) fez dele uma criança malquista, e o ambiente escolar não permitia que ele prosperasse. Um sen-timento de singularidade pessoal foi agravado por inciden-tes traumáticos, como quando um professor o acusou de ter plagiado um ensaio que ele escrevera com imenso cuidado. Quando ele declarou ser inocente, os colegas de classe fica-ram do lado do professor. Experiências como essa o fizeram

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se sentir “marcado” e completamente sozinho. Ele ficou sem frequentar as aulas durante muito tempo e desenvolveu uma propensão a desmaios depois que caiu e bateu a cabeça no chão ao levar um soco de um garoto. (Estendido no chão alguns momentos a mais do que o necessário, ele pensou consigo mesmo: “Agora você não precisa mais ir à escola!”). Ele ficou sozinho o máximo que pôde. “Fiquei a sós com

3. Pais de Jung em 1876