PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA PROPEP...
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UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO – UNIGRANRIO
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA – PROPEP
Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes
ISIS MAIA DE ALMEIDA
FIGURAÇÕES DOS PRECONCEITOS E DA MARGINALIDADE EM CLARA
DOS ANJOS
DUQUE DE CAXIAS
2015
UNIVERSIDADE DO GRANDE RIO – UNIGRANRIO
PRÓ-REITORIA DE PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA – PROPEP
Programa de Pós-Graduação em Humanidades, Culturas e Artes
ISIS MAIA DE ALMEIDA
FIGURAÇÕES DOS PRECONCEITOS E DA MARGINALIDADE EM CLARA
DOS ANJOS
DUQUE DE CAXIAS
2015
Dissertação apresentada à Banca de defesa junto à UNIGRANRIO-Universidade do Grande Rio “Professor José de Souza Herdy”, como requisito parcial para a obtenção de grau de Mestre em Humanidades, Culturas e Artes.
Orientador: Professor Doutor Idemburgo Pereira Frazão Félix
CATALOGAÇÃO NA FONTE/BIBLIOTECA - UNIGRANRIO
ISIS MAIA DE ALMEIDA
A447f Almeida, Isis Maia de.
Figurações dos preconceitos e da marginalidade em Clara dos Anjos / Isis Maia de Almeida. – 2015.
104 f. ; 30 cm. Dissertação (mestrado em Humanidades, Culturas e Artes) – Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”, Escola de Educação, Ciências, Letras, Artes e Humanidades, 2015.
“Orientador: Prof°. Idemburgo Pereira Frazão Félix”. Bibliografia: f. 98-99.
1. Educação. 2. Clara dos Anjos - Romance. 3. Preconceitos.
4. Identidades. 5. Marginalidade. I. Félix, Idemburgo Pereira Frazão. II. Universidade do Grande Rio “Prof. José de Souza Herdy”. III. Título.
CDD – 370
FIGURAÇÕES DOS PRECONCEITOS E DA MARGINALIDADE EM CLARA
DOS ANJOS
Banca examinadora:
Prof. Dr. Idemburgo Pereira Frazão Félix (Orientador)
Prof. Dr. Renato Alves Barrozo (UNIVERSIDADE CÂNDIDO MENDES)
Prof. Dra. Vera Lúcia Teixeira Kauss (UNIGRANRIO)
A glória das letras só as tem quem a elas se dá inteiramente; como no amor, só
é amado quem se esquece de si inteiramente e se entrega com fé cega.
Lima Barreto
AGRADECIMENTOS
Primeiramente, agradeço a Deus pela oportunidade que me foi dada de
elaborar este trabalho, que precisou de muito empenho, comprometimento e
determinação.
Agradeço aos meus familiares e amigos que, ao longo do processo, me
incentivaram nos momentos de cansaço, foram bons ouvintes e contribuíram
com sugestões e palavras afetuosas.
Agradeço ao querido orientador, Professor Dr. Idemburgo Frazão, que
me aceitou como orientanda e esteve presente em todo o processo da
preparação deste trabalho, fazendo intervenções, sugerindo leituras, clareando
as ideias, e me acolhendo nos momentos de incertezas e de alegrias.
Agradeço a paciência e carinho de todos que de alguma maneira se
fizeram presente durante este processo árduo e ao mesmo tempo prazeroso.
RESUMO
No presente trabalho, refletiremos sobre as figurações do preconceito e da marginalidade no romance Clara dos Anjos, de Lima Barreto, entendendo que o preconceito é um dos fatores mais perversos das relações sociais, que leva à exclusão e, consequentemente, à marginalidade. Entende-se como marginal, nesta dissertação, o indivíduo que, por motivos diversos, é postergado, excluído, mas não tendo relação, necessariamente, com a prática de atos ilícitos. O criador de Clara dos Anjos é considerado, aqui, como um autor marginal, por viver no subúrbio do Rio de Janeiro, ser negro, pobre e sofrer as consequências desses estigmas. Mais que isso, afirma-se que é um precursor dos atuais autores Marginais de Periferia, como Ferréz e Sérgio Vaz. Trata-se do preconceito, em algumas de suas vertentes, partindo de elementos e aspectos detectados na análise literária do romance Clara dos Anjos. Para esse fim, intentando aprofundar essa imbricação do preconceito com a exclusão social (um dos aspectos principais da ”marginalidade”, como aqui é entendida), procurou-se aprofundar reflexões sobre as principais vertentes do preconceito sofrido por Lima Barreto e sua obra: o preconceito social, propriamente dito - centrado na problemática da pobreza -; o de gênero; o de raça e o de linguagem. Têm-se, como fios temáticos condutores principais, aspectos identitários da “Era da Globalização” e a questão da marginalidade na literatura contemporânea. Uma das premissas do trabalho está centrada no fato de que Lima Barreto foi considerado desleixado, em termos literários, por alguns críticos importantes de sua época. Em consequência disso, a obra limabarretiana foi classificada, por muitas décadas, como menor, por diferenciar-se do padrão literário tradicional. Dá-se ênfase, também, à problemática do preconceito em relação à língua, pois a mesma permanece sendo uma ferramenta a serviço das hierarquias sociais. Na prática, quem não se encaixa no padrão estabelecido pode ser considerado “subalterno” - para lembrar do termo utilizado por Gayatri Spivac, em sua obra Pode o subalterno falar? Por fim, este trabalho apresenta uma abordagem interdisciplinar, bibliográfica e interpretativa. Busca-se contribuições de vários campos do saber, com ênfase nas reflexões no campo da Língua Portuguesa, da Literatura, da Antropologia, da História, tendo como escopo teórico mais relevante as obras de Stuart Hall; Zygmunt Bauman, Carlos Bagno, Gayatri Spivak; Alfredo Bosi; Joel Rufino dos Santos, Érica Peçanha do Nascimento e João César de Castro Rocha.
Palavras-Chave: preconceitos, Lima Barreto, Clara dos Anjos, identidades,
marginalidade.
ABSTRACT
This work reflects on the figurations of prejudice and marginality in the
novel Clara dos Anjos, Lima Barreto, understanding that prejudice is one of the
evil factors of social relationships, which leads to exclusion and therefore
marginality. It is understood as marginal, in this thesis, the individual who for
various reasons, is delayed, deleted, but not being related necessarily to the
commission of unlawful acts. The creator of Clara dos Anjos is considered here
as a marginal author, to live on the outskirts of Rio de Janeiro, being black,
poor, and suffer the consequences of stigma. Moreover, it is stated that is a
precursor of today's authors Marginal Peripherals such as Ferréz and Sérgio
Vaz. This is the bias in some of its aspects, starting from elements and aspects
detected in literary analysis of the novel Clara dos Anjos. For this purpose,
intending to deepen this overlapping of prejudice against social exclusion (one
of the main aspects of "marginality" as is understood here), I tried to deepen
reflections on the main aspects of prejudice suffered by Lima Barreto and his
work: social prejudice, itself - focusing on poverty issues -; the gender; the race
and language. They have been key drivers as thematic thread, identity aspects
of the "Era of Globalization" and the issue of marginalization in contemporary
literature. One of the working assumptions is centered on the fact that Lima
Barreto was considered sloppy, in literary terms, by some important critics of his
day. As a result, the work limabarretiana was classified for decades, such as
lower by differentiating the traditional standard literature. The emphasis is also
the problem of prejudice in relation to language, because it remains a tool in the
service of social hierarchies. In practice, anyone who does not fit the
established pattern can be considered "subordinate" - to remember the term
used by Gayatri Spivac in his book Can the subaltern speak? Finally, this paper
presents an interdisciplinary, literature and interpretive approach. Seeks to
contributions from various fields of knowledge, emphasizing the reflections in
the field of Portuguese Language, Literature, Anthropology, History, with the
most relevant theoretical scope of the works of Stuart Hall; Zygmunt Bauman,
Carlos Bagno, Gayatri Spivak; Alfredo Bosi; Joel Rufino dos Santos, Erica
Peçanha do Nascimento and João César de Castro Rocha.
Keywords: prejudices, Lima Barreto, Clara dos Anjos, identities, marginality.
SUMÁRIO
RESUMO.............................................................................................................6
ABSTRACT.........................................................................................................7
INTRODUÇÃO...................................................................................................10
CAPÍTULO I
1. Estigmas e identidades: do biográfico ao literário..................................16
1.2 - Lima Barreto e sua literatura à deriva.......................................................16
1.3 - Cenário da exclusão: a “Belle Époque” e o embelezamento da cidade....21
1.4 - O mal estar do preconceito.......................................................................32
1.5 - Língua e poder..........................................................................................38
CAPÍTULO II
2. O romance suburbano de Lima Barreto e a subalternidade em Clara dos
Anjos.................................................................................................................50
2.1- O cotidiano do subúrbio como estratégia textual em Clara dos Anjos....50
2.2- Subalternidade: a mulher suburbana..........................................................57
2.3- Cultura popular e preconceito: a linguagem limabarretiana.......................61
2.4- O suburbano e o preconceito.....................................................................67
2.5- Clara dos Anjos e os estigmas sociais.......................................................75
CAPITULO III
3. Subalternos e marginais: Lima Barreto, os estigmas e a literatura da
periferia.............................................................................................................79
3.1- Identidade e subalternidade.......................................................................80
3.2- Identidades subalternas: suburbanos, mulatos e pobres.......................... 84
3.3- Lima Barreto: a voz dos subalternos..........................................................88
4. Considerações Finais..................................................................................95
5. Referências Bibliográficas..........................................................................98
INTRODUÇÃO
O presente trabalho intenta refletir sobre as figurações do preconceito
em campos como o da literatura, da cultura e da linguagem, a partir da
interpretação de uma obra ficcional de Lima Barreto. Explorar-se-á aspectos
como o da crítica e a formação do cânone na literatura brasileira. Trabalhar-se-
á a partir do entendimento de que vários autores, como Lima Barreto, foram
marginalizados e permaneceram por muito tempo fora do centro das atenções
literárias, sofrendo preconceitos advindos de várias instâncias. Como se trata
de um trabalho interdisciplinar, pensou-se em aproximar questões da literatura,
da cultura e da Língua Portuguesa à problemática das identidades e das
marginalidades, tematizando, também, aspectos relativos à questão do
preconceito na linguagem, muito em voga, hoje. O eixo da Dissertação,
portanto, está centrado na reflexão sobre o preconceito social, em suas várias
manifestações apontando para questões como as de gênero, raça e linguagem
tendo como ponto de diálogo com a contemporaneidade, figurações da
marginalidade na literatura brasileira, mais especificamente, no romance Clara
dos Anjos da autoria de Lima Barreto.
O autor de Triste fim de Policarpo Quaresma e sua obra ficcional, aqui
entendida como marginal no sentido de ter sido postergada ao longo de
décadas e tratar da problemática da pobreza pelo ângulo do próprio pobre,
apresenta uma linguagem fora dos padrões literários da época, marcados pela
estética parnasiana. Em suas crônicas e romances, Barreto expressa, também,
forte crítica ao poder, apontando de forma veemente para os problemas da
população menos favorecida e moradora do subúrbio.
Refletir-se-á, também, nesta dissertação, acerca das identidades em
meio ao dinamismo da modernidade e da sua transição para a pós-
modernidade, dialoga-se, ao final, com questões que aproximam a obra de
Lima Barreto à de autores da chamada Literatura marginal.
Entende-se que, a partir do início do século XXI, com a globalização, as
relações humanas passaram por diversas modificações, principalmente depois
do surgimento da problemática da desconstrução. (DERRIDA, 1973). Os
“poderes hegemônicos” começaram a ser questionados, a situação da minoria
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e da exclusão social tornou-se tema relevante. Hoje, recebe, inclusive, a
atenção dos juristas, como é o caso da Lei da Maria da Penha. Chamou-se
também a atenção para a cada vez mais recorrente questão da
homossexualidade e do chamado preconceito de cor. A dissertação parte do
entendimento de que as relações afetivas tornaram-se, desde o final do século
XX, mais frágeis, fluidas (BAUMAN, 2009), o que aponta para o surgimento de
problemas sérios no cotidiano, a partir das incertezas e angústias, que se
tornam características do sujeito Pós-moderno, dialogando com a
fragmentação, com o ecletismo e com a desumanização que marcam a
contemporaneidade.
Juntamente com a ampliação das discussões sobre a desconstrução, a
reflexão acerca das identidades tornou-se um dos assuntos mais recorrentes
no final do século XX e início do XXI. É nessa esteira da temática das
identidades, que tem em Stuart Hall (2006) um de seus principais estudiosos,
que esta dissertação busca pôr em diálogo a questão do preconceito social, no
início do século XX, mais precisamente, a partir da interpretação da obra Clara
dos Anjos, de Lima Barreto. Aspectos sociais receberão ênfase nas análises
dessa obra ficcional, tendo a problemática, já destacada, do preconceito social,
em algumas de suas vertentes, como fio condutor.
A literatura pode ser considerada um campo especial, que serve como
importante espaço para se refletir sobre a forma como o preconceito social (em
suas várias faces e manifestações) atinge de diversas maneiras, os cidadãos e
se torna umas das armas mais eficazes e perversas da exclusão social. Tal
exclusão leva, muitas vezes, o ator social à marginalidade, nos vários sentidos
que esse termo pode receber, em dimensões, muitas vezes inimagináveis,
Lima Barreto foi vítima de preconceito por conta da sua cor, origem, classe
social e inadaptação à linguagem parnasiana, então em voga na virada do
século XIX para o XX. Também a aproximação da linguagem culta à popular
em suas obras literárias, a frequente tematização dos pobres, do subúrbio e
das periferias, colaboraram bastante para que seus romances não fossem bem
aceitos.
Por esse prisma, Lima Barreto pode ser considerado um escritor
marginal, entendendo marginalidade por uma perspectiva diferente da
costumeira, relacionada apenas à poesia marginal dos anos 1970, ou da
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prática de algo ilícito. Parte-se, aqui da noção de marginalidades como espaço
daquilo ou daqueles que não se enquadram nos modelos prescritos ou
esperados por algum grupo ou comunidade e executam ou exercem papeis
sociais não legitimados pela sociedade. Entende-se como marginal, neste
trabalho, aquele que, de alguma forma, é excluído. Tal marginalidade se
direciona à questão do preconceito social. Pensa-se, assim, que esse marginal
pode ser inserido no grupo dos refugados, ou dos subalternos, para utilizar
termos empregados pelo sociólogo polonês Zygmunt Bauman (2006), e pela
estudiosa indiana Gayatri Spivak (2010), respectivamente.
Este trabalho refletirá também sobre as transformações vividas, pela
população do Rio de Janeiro, no fim do século XIX e início do século XX, nos
contextos sociais, econômicos, culturais e artísticos. O ponto de partida será o
campo da literatura, mas dialogar-se-á com a história, com a antropologia, sem
efetivamente nomeá-las, tendo como questão importante o fato de que alguns
autores, como Lima Barreto - considerado, por muito tempo, um “escritor
menor” -, já se preocupavam com a realidade vivenciada por uma parte
significativa da sociedade que vive em situação de exclusão por conta da
política dominante em sua época.
No final do século XIX e início do século XX, a Europa, primeiramente, e
logo após, o Brasil, passou por momentos de grandes mudanças. Foi um
período de grandes inovações, pois o homem, com sua inteligência e
habilidade, criou invenções como o automóvel, o avião, o cinema
desenvolvendo e ampliando o campo tecnológico e científico. Devido à
velocidade dessas mudanças, o sentimento de euforia foi se transformando em
insegurança e angústia, ocasionando conflitos e manifestações - como a
Revolta dos Canudos na Bahia, dentre outros - causados pelo desagrado da
população, devido a uma grave crise econômica e social e ao custo de vida
elevado. Ao mesmo tempo em que essas mudanças contribuíam para o
desenvolvimento do país, também afastavam ainda mais as classes sociais,
levando algumas delas do centro para a periferia.
A literatura brasileira, nas primeiras décadas do século XX, iniciava seu
ciclo de mudança. Obras de alguns escritores, como: Lima Barreto, Euclides da
Cunha, Monteiro Lobato e Graça Aranha, já continham alguns dos elementos
que iriam revolucionar a literatura brasileira em termos estéticos. Esses
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escritores costumam ser inseridos no rol dos autores do pré-modernismo ou
Belle Époque, que vai de 1902 a 1922. Sem poder, efetivamente, ser
classificados em uma estética específica, principalmente Lima Barreto e
Euclides da Cunha, abriram novos caminhos para as narrativas ficcionais
brasileiras, preocupando-se em retratar problemas relativos à exclusão social.
Esses autores dedicavam-se a mostrar, de maneira crítica, o Brasil que os
brasileiros não conheciam ou evitavam conhecer.
Mesmo com todos os seus problemas e descontentamentos mais
íntimos, o escritor Lima Barreto conseguiu expressar suas aflições e a de seus
contemporâneos, da periferia de sua época, através de textos que foram,
muitas vezes incompreendidos por grande parte da elite literária brasileira.
Barreto dedicou-se, através de seus textos jornalísticos, romances e crônicas,
ao combate às discriminações sociais e trouxe para a discussão problemas dos
subúrbios cariocas e os conflitos vividos pela população esquecida e
marginalizada para o centro de suas narrativas. Ao expor tais problemas e
conflitos no romance, entende-se que a obra do escritor teve papel primordial e
precursor, pois a atenção que Lima Barreto deu a assuntos camuflados da
época e a linguagem simples e direta que, conscientemente, utilizava, fez com
que a literatura brasileira se aproximasse do povo que, com entendimento,
poderia lutar por mudanças.
O primeiro capítulo deste trabalho apresenta questões referentes à
biografia; à bibliografia de Lima Barreto, ao cenário de exclusão gerado pela
modernização da cidade do Rio de Janeiro e como esta modernização foi
realizada no início do século XX. Dar-se-á atenção à problemática do
preconceito social na obra de Lima Barreto em seus desmembramentos,
apontando para a maneira como as diferenças sociais – relativas à pobreza -,
racial, de gênero e de linguagem promovem a exclusão de enorme parte da
população até os dias atuais, gerando um mal estar que afeta o convívio em
sociedade. Lima Barreto também sofreu na pele o preconceito social em
sentido amplo - não apenas o racial - e lutou contra ele, denunciando-o através
do amor que tinha pela literatura.
Já o segundo capítulo, analisa mais efetivamente o romance Clara dos
Anjos, dando ênfase ao enredo. É nessa parte da Dissertação que se aponta
para a maneira como os “subalternos” se comportam em seu próprio lócus, o
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subúrbio do Rio de Janeiro, no início do século XX, no período da “Belle
Époque” e a questões relacionadas à linguagem inovadora – para a época - de
Lima Barreto. Em torno da personagem Clara dos Anjos será discutido o seu
real valor na sociedade e, reitera-se, serão estudadas questões inerentes ao
preconceito social, em sentido amplo, encontradas na obra que servem como
instrumento de exclusão.
No terceiro capítulo, serão ampliadas questões relativas à presença do
preconceito até a atualidade. Serão, também, trazidos para a discussão
aspectos inerentes à identidade e aos estigmas da personagem Clara dos
Anjos: mulher, negra, pobre e suburbana. Refletindo sobre o fato de que Clara
vive em meio à sociedade preconceituosa e excludente, no começo do século
XX, que permanece na contemporaneidade, a dissertação, abordará aspectos
relativos à subalternidade e à marginalidade - ao que João Cézar de Castro
Rocha denomina “Dialética da Marginalidade”. Nesse sentido, destaca-se a
“contemporaneidade” dos problemas sociais desvelados por Lima Barreto em
suas obras e sua sensibilidade artística.
Enfim, Lima Barreto é entendido, nesta dissertação, como uma espécie
de precursor dos atuais movimentos marginais de periferia, como os
integrantes da COOPERIFA – Cooperativa dos escritores marginais de
Periferia (Ver: NASCIMENTO, 2009) - antecipando a luta por eles travada para
ocupar seus espaços e impor sua voz, deixando, de ser “subalternos”. Os
sofrimentos existenciais e psicológicos de Lima Barreto, que o levaram ao
alcoolismo e a ser internado no Hospital dos alienados, atual Pinel, foram
provocados pela dificuldade que o autor teve de se impor e/ou, aceitando sua
condição de negro, suburbano e pobre, enfrentar os preconceitos. Sentia-se só,
empunhando, solitário, sua única arma: a palavra.
Nessa dissertação, será possível que se perceba o quanto os
preconceitos dificultaram o entendimento da obra de Lima Barreto (como hoje
é) como uma das mais importantes da Literatura Brasileira, não apenas em
sentido antropológico, histórico ou sociológico, mas, fundamentalmente,
literário. Seus textos antecipam, em um século, na literatura, as vitórias dos
escritores marginais do século XXI. A maneira como cria seus textos com
elementos advindos do cotidiano dos subúrbios, no início do século XX e,
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principalmente, a busca por dar voz aos “subalternos”, são, em si mesmas,
estratégias textuais.
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CAPÍTULO I
ESTIGMAS E IDENTIDADES: DO BIOGRÁFICO AO LITERÁRIO
No primeiro capítulo, as considerações são tecidas a partir de questões
referentes à biografia de Lima Barreto e ao cenário de revolta gerado pela
reestruturação da cidade do Rio de Janeiro, quando suas obras foram
gestadas. Tratar-se-á do mal estar advindo do preconceito, apontando para
questões inerentes à biografia e à obra do escritor, como a problemática social,
racial e de linguagem, que ocasionaram, muitas vezes, a exclusão das obras
limabarretianas do cânone. A literatura militante e inovadora de Lima Barreto
favoreceu o não reconhecimento de sua obra. O escritor recebeu muitas
críticas, porém o seu olhar contra a discriminação e o seu ideal por mudanças
não o deixaram desistir.
O olhar barretiano ilumina possibilidades de ruptura, pressionando e deslocando velhos conceitos arraigados no imaginário da literatura e da crítica brasileira. Ao tentar empreender essas transformações encontra resistência por parte dos que não aceitam mudar suas convicções em nome de uma voz ainda desautorizada nos meios acadêmicos oficiais. Consciente desse impedimento, Lima Barreto assume o lugar de um ser de fronteira a fim de poder deslizar entre diversificadas experiências culturais que lhe possibilitem abalar os parâmetros estéticos que julga inadequados para a transformação da literatura brasileira (OLIVEIRA, 2007, p. 49).
1.1 LIMA BARRETO E SUA LITERATURA À DERIVA
Brasileiro, contista, romancista e cronista, Lima Barreto nasceu em 13 de
maio de 1881. Sua mãe, Amália Augusta, era professora. Seu pai, João
Henriques de Lima Barreto, era tipógrafo. Durante a maior parte de sua vida o
autor viveu na periferia da então Capital Federal. As expectativas iniciais de
ascensão social e, mais do que isso, de reconhecimento, esvaíram-se ao longo
de sua trajetória. Lima Barreto foi um dos maiores críticos e um dos mais
criticados escritores do período da República Velha no Brasil. Nasceu na zona
sul do Rio de Janeiro, em Botafogo, porém viveu no subúrbio de Todos os
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Santos, na condição de negro e filho de pais pobres, algo que implicou uma
condição de vítima de preconceitos que perdurou ao longo de sua vida. Perdeu
a mãe ainda criança, o que trouxe muito sofrimento para ele ainda menino.
Devido aos momentos difíceis de sua vida, por vezes pensou em suicidar-se.
Lima descreve esse momento em Diário Íntimo:
Outra vez que essa vontade me veio foi aos onze anos ou doze, quando fugi do colégio [Liceu Popular]. Armei um laço numa árvore lá do sítio da ilha, mas não me sobrou coragem para me atirar no vazio com êle no pescoço. Nesse tempo eu me acreditava inteligente e era talvez isso que me fazia ter mêdo de dar fim a mim mesmo (BARRETO, 1956, p. 135).
Acrescente-se a tudo isso, a loucura que o perseguia, vitimando seu pai
e o alcoolismo que o levou algumas vezes ao “hospital dos alienados”. Alguns
dos preconceitos com os quais conviveria, ao longo da vida, tiveram origem no
colégio, uma vez que, por intermédio de Visconde de Ouro Preto, seu padrinho,
teve a oportunidade de estudar em colégios de excelência naquele período.
Contudo, embora a educação fosse de qualidade, os momentos eram de
desconforto, isso porque os outros estudantes e professores apresentavam, em
alguns casos, preconceitos por Lima Barreto ser negro.
Já na velhice, seu pai enlouqueceu. Lima Barreto era quem sustentava
todos os seus irmãos. Sendo assim, o escritor, mesmo apaixonado por
literatura e filosofia, foi obrigado a abandonar a escola politécnica que
frequentava para trabalhar e sustentar seus irmãos, pois seu pai já não mais
possuía condições de fazê-lo. Neste sentido, prestou concurso para o
Ministério da Guerra, conquistando um cargo de escriturário que garantiu o
sustento de seus irmãos e sua aproximação com a atividade de escrita.
Contudo, Lima Barreto não se manteve mais do que três anos nessa função,
pois, em 1905, iniciou uma nova jornada como jornalista na mídia impressa
intitulada “Correio da Manhã”. Cabe ressaltar que, concomitante a essa nova
função, também iniciava sua prática de escritor de textos do gênero romanesco
que eram divulgados nos jornais. Em 1911, publicou seu primeiro livro com o
título de Recordações do Escrivão Isaías Caminha.
A obra literária do romancista Lima Barreto implicou no desmoronamento
de extraordinárias barreiras de pensamento por meio de seus textos. O
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rompimento com barreiras pode se observar em suas diversas obras como: O
Homem que Sabia Javanês (1911), Triste Fim de Policarpo Quaresma (1915),
Numa e a Ninfa (1915), História e Sonhos (1020), Diário Íntimo (1953), Feiras e
Mafuás (1953), Coisas do Reino Jambom (1956), Vida Urbana (1956) e -
destaca-se neste trabalho -, o romance Clara dos Anjos (1922).
As obras literárias referenciadas acima, bem como outras tantas,
apresentam como temática o subúrbio carioca, a prática e a atuação na
imprensa e na literatura, questões acerca da identidade nacional, segregação
social e racial. Tais temáticas, os traços e atributos dos personagens, a
linguagem simples, distante da linguagem rebuscada dos parnasianos, em
voga em sua época, são características apresentadas nos textos de Lima
Barreto que o fazem alvo de críticas, uma vez que as mesmas não estariam de
acordo com a prática textual literária e do pensamento daquela época. Essas e
outras questões, também implicaram na não aceitação do escritor como
membro da Academia Brasileira de Letras.
Essa recusa da ABL, posteriormente foi criticada por Zélia Nolasco de
Freire (2005, p. 13) na apresentação do livro intitulado Lima Barreto: Imagem e
Linguagem na qual argumenta que “a hipocrisia dominante não poderia aceitar,
em hipótese alguma, que um mulato pobre, filho de escrava, se equiparasse
aos medalhões e tivesse o seu nome literariamente reconhecido”.
Essa crítica foi realizada pela não inserção de Lima Barreto ao lado dos
literatos de sua época, uma das justificativas era fundada no entendimento de
que o escritor incorria em erros, pois não utilizava rigidamente a norma culta da
língua. Não obstante, embora houvessem críticas, o estudioso da língua
portuguesa, Antônio Houaiss (1956) não entendia a escrita de Lima Barreto
desta forma. Na percepção desse importante filólogo, escrita no prefácio da
obra Vida urbana: artigos e crônicas. Obras de Lima Barreto, as críticas
emergentes eram levianas, uma vez que ele considera Lima Barreto um
escritor consciente, senão o maior dos escritores da fase crítica da evolução
social daquele período, afirmando ainda sua riqueza de comunicação e de
expressão que, indubitavelmente, qualquer orientação estilística pode
compreender.
De acordo com Zélia Nolasco-Freire, a escrita de Lima
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antecipa o retorno às origens, promovendo uma aproximação entre a literatura e o povo. Isto é possível através do uso de uma linguagem equivalente ao público leitor ao qual a obra literária é destinada. Pode-se afirmar que esta seja, talvez, a grande preocupação do escritor: transformar a sociedade (2005, p. 120).
Como grande crítico do período, Lima Barreto escreveu seus textos para
demonstrar o que pensava sobre as coisas e o mundo, na tentativa de
despertar a sociedade para outras práticas e reflexões e por isso foi causador
de grandes insatisfações. Nesta perspectiva, o historiador brasileiro, jornalista e
crítico literário, Sérgio Buarque de Holanda costumava afirmar que os
personagens e os enredos dos contos, romances e crônicas do autor carioca
muito tinham a ver com a sua própria biografia. Buarque de Holanda argumenta
que “a obra deste escritor é, em grande parte, uma confissão mal escondida,
confissão de amarguras íntimas, de ressentimentos, de malogros pessoais, que
nos seus melhores momentos ele soube transfigurar em arte” (HOLANDA,
1956, p. 9).
Outro historiador brasileiro respeitado, Nelson Werneck Sodré, mostrou
outra visão. De acordo com ele, Lima Barreto estava à frente de seu tempo.
Sendo assim, argumenta que:
A crítica, e até mesmo a análise biográfica, tem permanecido amarrada, pelas suas notórias insuficiências, e pelo seu desinteresse em ir às verdadeiras razões, aos aspectos pessoais, ao que foi individual no romancista carioca, pretendendo demonstrar, com virtuosismo algumas vezes, que a sua maneira de colocar as criaturas e os problemas derivava de tudo o que, nele, era ressentimento. A verdade é muito diversa, entretanto, Lima Barreto realizou, e nisso está precisamente o seu mérito, nisso é que domina as suas insuficiências, uma crítica social muito viva, muito profunda, mostrando em sua ficção as injustiças da sociedade, o que era falso nela, o que era postiço, artificial, o que a deformava. Não procedeu assim porque fosse mulato, doente, pobre e sentisse vontade de vingar-se das injustiças feitas ao seu talento. Procedeu assim porque compreendeu cedo, e o ângulo pessoal apenas ajudou essa compreensão, as anomalias de um conjunto em que a sociedade denunciava a sua transformação, quando repontavam visíveis sinais de mudança. Sentiu a presença do que era novo, com sua apurada e aguda percepção, antes que os outros sentissem (SODRÉ, 1969, p. 506).
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Lima Barreto, considerado, na perspectiva desta dissertação, um escritor
marginal, deixou uma grande e importante obra para a sociedade, tendo como
objetivo principal a denúncia.
Mesmo com o trabalho que gostava de realizar, a vida de Lima Barreto
também estava rodeada pela depressão e pelo alcoolismo que o acompanhou
até o final de seus dias.
O escritor ao encontrar o desprezo e a exclusão devido o fato de ser pobre, alcoólatra e ter passagens pelo hospício- mas, principalmente, por ser negro – poderia ter desistido da arte literária. Porém, era exatamente esta a dor que o alimentava e fazia com que se tornasse mais forte em frente às intempéries que teimavam em boicotar-lhe o sucesso (FREIRE, 2005, p.66).
O escritor foi internado em um hospício mais de uma vez e passou por
momentos ingratos e de reflexão, como descreve o próprio em O cemitério dos
vivos:
Digo com franqueza, cem anos que eu viva, nunca poderá apagar-se da minha memória essas humilhações que sofri. Não por elas mesmo, que pouco valem; mas pela convicção que me trouxeram de que esta vida não vale nada, todas as posições falham e todas as precauções para um grande futuro são vãs (BARRETO, 1956, p. 67).
Os primeiros modernistas, como Mário e Oswald de Andrade, viam em
Lima Barreto um precursor, em termos de narrativa, do modernismo que
“engatinhava” no início do século XX. Pela dificuldade de impor seu estilo e não
figurar na lista dos melhores ficcionistas em sua época e mesmo por tornar-se
alcoólatra (ter sido internado como louco) e sentir-se injustiçado por seus
contemporâneos, pode ser considerado, por esse viés, um escritor marginal.
No artigo “A biografia e o biografado: reflexões sobre Afonso Henriques de
Lima Barreto”, Luciana da Costa Ferreira (2009, p. 4) argumenta que: “A
imagem que o indivíduo Afonso Henriques de Lima Barreto fazia de si era, em
muitos momentos, marcada por uma forte negatividade. Apesar de se
reconhecer como um escritor de talento via-se esmagado pelo preconceito”. O
escritor não passou despercebido, recebeu críticas positivas, mas, na maioria,
negativas.
21
Lima Barreto faleceu em 1 de novembro de 1922, aos 41 anos, sofrendo
um colapso cardíaco. “Lima Barreto, por sinal, mesmo criticando enfaticamente
as falcatruas, os desmandos e o arrivismo, não desiste. Só para de lutar
forçado pela doença e pela morte” (FRAZÃO, 2000, p. 152).
Lima Barreto possuía um gosto pela morte. Segundo Freire, “o escritor
deixa transparecer -na vida e na obra- que a “Morte” equipara a todos. Brancos
e negros, pobres e ricos, todos se curvam e se igualam diante dela” (2005, p.
127). Lima queria um mundo mais justo, sem preconceito, no qual, todas as
pessoas fossem tratadas com dignidade, não só uma parcela da sociedade,
independente de cor e classe social. Sua literatura é a forma autêntica de
militância contra uma sociedade discriminadora.
Lima Barreto deixou em seu texto marcas que o imortalizariam. Sua
criticada maneira de escrever e seu estilo crítico e combativo tornaram-se,
após o modernismo, motivo de inúmeras pesquisas e estudos. “O escritor Lima
Barreto antecipa a revolução estética de 1922 através da linguagem, daí o fato
de se reivindicar e demonstrar o quanto moderno está presente na obra de
Lima Barreto” (FREIRE, 2005, p. 102). Lima Barreto criou novas possibilidades
para a literatura e influenciou muitos escritores brasileiros, principalmente os
modernistas e continua influenciando gerações.
1.2 CENÁRIO DA EXCLUSÃO: A “BELLE ÉPOQUE” E O
EMBELEZAMENTO DA CIDADE
No final do século XIX e início do século XX, momento em que a obra de
Lima Barreto é gestada, a Europa passa por numerosas transformações em
diversos campos das atividades humanas modificando e renovando o cenário
das artes. Surgia, aí, os primeiros prenúncios da “arte moderna”. Nesse
período histórico, o homem, com seu talento, criou muitas invenções como o
automóvel, o telefone, a lâmpada elétrica, a televisão, o cinema, a fotografia, a
coca-cola, os aviões, entre outros, desenvolvendo o campo tecnológico e
científico.
Os homens na busca incessante de satisfazer suas múltiplas e sempre históricas necessidades de natureza biológica,
22
intelectual, cultural, afetiva e estética estabelecem as mais diversas relações sociais. A produção do conhecimento e sua socialização ou negação para determinados grupos ou classes não é alheia ao conjunto de práticas e relações que produzem os homens num determinado tempo e espaço. Pelo contrário nelas encontra a sua efetiva materialidade histórica (FRIGOTO, 2008, p. 43).
As inovações, entretanto, não deixaram de ocasionar lutas sociais, a
grande guerra mundial, a revolução comunista e outros conflitos. É importante
ressaltar que a inclinação da arte moderna foi “o desejo de libertar-se das
amarras do passado e buscar uma nova forma de expressão artística, de
acordo com a mentalidade do século que se inicia” (FREIRE, 2005, p. 28-29).
O grande otimismo e entusiasmo da população com o progresso do homem e
suas ideias, o desenvolvimento econômico que se consolidava e o crescimento
industrial caracterizaram esse momento, que foi chamado de “Belle Époque”. A
época é representada, simbolicamente, pela luz e pela velocidade. Apesar de
ter sido um momento de muitas evoluções também foi um período em que os
sentimentos de alegria e medo se misturaram devido à rapidez das mudanças
e sua falta de controle.
As relações de produção humana capitalistas efetivam-se diferentes processos de alienação e de cisão. Mas esta alienação se dá no plano do conjunto das práticas sociais e atinge, ainda que de forma diversa, todos os homens. Como bem evidencia Marx, na sociedade de classes o “humano se perde” (FRIGOTO, 2008, p.43).
Artisticamente, esse período, também de angústias e ansiedades, foi
representado na tela de Edvard Munch, “O grito” (1893), abrindo o caminho das
vanguardas europeias. Com o acontecimento da Primeira Guerra, a economia
europeia declinou e os Estados Unidos tornaram-se a grande potência mundial.
Esse conflito causou muitas crises na economia atingindo a América Latina, até
mesmo o Brasil.
Nesse período histórico, no Brasil, o poder hegemônico era mantido
pelos grandes proprietários de terra. Havia uma alternância de poder entre São
Paulo (produtores de café) e Minas Gerais (produtores de leite). Tal período -
denominado república do café com leite - gerou alguns conflitos sociais, pois o
governo atendia só a elite enquanto a população menos favorecida
23
economicamente não recebia assistência. São Paulo se desenvolveu de
maneira rápida e o Rio de Janeiro passou por uma reestruturação urbana,
principalmente, aos moldes franceses, absorvendo a reforma urbana
comandada pelo prefeito de Paris no século XIX, barão Georges-Eugène
Haussmann. Entusiasmado com a reforma europeia, o novo prefeito do Rio de
Janeiro, Francisco Pereira Passos, em 1903, deu início à modernização da,
então, capital federal, que tinha como principal meta a erradicação dos cortiços
que eram os principais focos das doenças e a modernização das áreas do
centro com a finalidade de facilitar e favorecer a livre circulação de pessoas e
transportes, além de obras de saneamento. Jeffrey Needell na obra Belle
époque tropical: sociedade e cultura no Rio de Janeiro na virada do século
menciona que:
Um lugar-comum pouco investigado é a afirmação de que as reformas empreendidas por Pereira Passos em 1903-6 relacionavam-se de algum modo com sua formação francesa ou com os projetos da década de 1870. Documentos do engenheiro e publicações da época confirmam isso, ressaltando a importância de Haussamann (NEEDELL, 1993, p.55).
Para tais mudanças, muitos morros, vielas, favelas, habitações coletivas
e quarteirões foram demolidos e transformados em ruas e praças largas e
arborizadas, prédios com arquitetura francesa e um comércio ostentoso. Esse
período de remodelação da cidade nos moldes parisienses foi denominado
como “bota-abaixo”, por Pereira Passos.
O refazer da cidade, período conhecido como “Bota-Abaixo” aproximava-se de uma tentativa de renovação urbana, que dependeu não só da construção de novos prédios, como da destruição do que antes existia. A reforma urbana não só possuía uma dimensão física, mas também simbólica, já que o espaço estava sendo transformado na pretensão de que o Rio de Janeiro se tornasse àquilo que então era entendido como uma capital moderna (LIMA, 2005, s/p).
Como consequência do processo de demolição e desapropriação nos
espaços centrais, a população mais pobre é expulsa e vai morar nos subúrbios,
áreas afastadas do centro, ou em morros. As demolições dos cortiços e de
24
outras residências populares foram essenciais para a concretização da
reforma, sendo feita de maneira desrespeitosa e arrogante, ocorrendo sem
indenização e sem preocupação do governo em destinar as famílias
despejadas, interferindo fortemente no cotidiano da população menos
favorecida modificando seus hábitos e provocando um grande
descontentamento e um cenário de revolta. A população é afastada de seus
locais de trabalho e vive em condições precárias.
As reformas tiveram como um dos efeitos a redução da promiscuidade social em que vivia a população da cidade, especialmente no centro. A população que se comprimia nas áreas afetadas pelo bota-abaixo de Pereira Passos teve ou de apertar-se mais no que ficou intocado, ou de subir os morros adjacentes, ou de deslocar-se para a Cidade Nova e para os subúrbios da Central. Abriu-se espaço para o mundo elegante que anteriormente se limitava aos bairros chiques, como Botafogo, e se espremia na rua do Ouvidor (CARVALHO,1987, p.40).
Esse processo de segregação da população pobre e de sua cultura por
parte da elite carioca foi contestada na literatura de Lima Barreto, dentre elas
em Os Bruzundangas criticando a maneira como foi realizada a modernização
do espaço urbano e em Clara dos Anjos, mostrando a realidade dos subúrbios.
Para Joachin Neto, Lima Barreto era “um intérprete do cotidiano urbano que
soube demonstrar a relação afetiva que possuía com a realidade dos subúrbios
e a ojeriza que possuía pelos projetos cartesianos da República que visavam a
perseguir e extinguir as práticas populares” (NETO, 2011, p. 64-65). Para Lima
Barreto a remodelação estética da cidade não era o bastante, faltava uma
mudança de dentro para fora, uma mudança do pensamento inflexível da elite
para se pensar em uma sociedade mais justa e democrática.
Para Lima Barreto o preço da mudança era muito alto: a influência estrangeira em seu país, segundo ele, não tinha trazido consigo nada inovador ou revitalizante, mas sim novas causas e formas de corrupção. A influência estrangeira era para ele uma forma autêntica de invasão, que estava intensificando o processo de alienação, do qual a transformação física da Capital Federal é, em sua obra, um poderoso indício (OAKLEY, 2011, p.169).
25
Segundo Freire, o posicionamento de Lima Barreto contra a
remodelagem da cidade do Rio de Janeiro justificava-se, principalmente, pelos
problemas sociais vividos pelo escritor.
Lima Barreto manifesta-se contrário à modernização da cidade do Rio de Janeiro, mas não diretamente contra o progresso. Manifesta-se, sim, adversamente ao fato de que os governantes querem fazer do Rio de Janeiro uma imitação das cidades europeias, principalmente de Paris. As consequências resultantes dessa modernização se refletem diretamente na população pobre, que é expulsa da onde mora, sendo obrigada a se instalar em áreas mais distantes ou nos morros, sem nenhuma infra-estrutura (FREIRE, 2005, p.103).
Rio de Janeiro e São Paulo passaram a centralizar a economia e se
tornaram os principais estados que influenciavam a moda e os costumes do
período. O consumo da elite social se torna muito acelerado e surge a classe
média composta pelos comerciantes e burocratas que impõem sua participação
no processo econômico do país. Com o desenvolvimento da agricultura e
ausência da mão-de-obra escrava, houve a abertura para o trabalho imigrante
que, naquele momento, passou a atender às demandas agrícolas. Vale
ressaltar que, nesse período, o café era o produto que mais se destacava na
economia brasileira. Com a presença dos imigrantes e o crescimento dos
setores operários, mulatos, negros e brancos começam a buscar melhores
condições de vida. A maioria dos ex-escravos e negros estavam fora das
fábricas e viviam de biscates.
Esses brasileiros foram duas vezes excluídos: primeiro, do trabalho assalariado nas indústrias; segundo, são enxotados de suas casas, para os subúrbios. Isto por causa do processo de urbanização que leva à especulação imobiliária e os força a se mudarem (FREIRE, 2005, p. 31).
Pensando a cidade atual e as transformações urbanas que o Rio de
Janeiro está passando para atender às “ditas exigências” por parte da
Comissão Olímpica e do governo atual, a cidade, novamente, passa por
grandes mudanças urbanas ao comando do prefeito Eduardo Paes com
construções de arenas, vias, e novos meios de transporte que facilitam a
circulação das pessoas durante o evento das Olimpíadas de 2016. Para isso,
26
não muito diferente das mudanças de infraestrutura urbana do início do século
XX, recentemente casas foram demolidas deslocando as pessoas de seus
lares, alterando suas rotinas e gerando desconforto, angústia e a incerteza com
base nas consequências do deslocamento e porque não de recomeço longe do
centro e de seus meios de subsistência.
Na virada do século XIX, a imprensa também se destaca e passa por
adequações, surge, entre tantas, algumas revistas voltadas para a classe
média e uma imprensa de protesto no Rio de Janeiro. Em São Paulo, o redator
Euclides da Cunha escreve O proletário e no Rio de Janeiro, Lima Barreto
participa e colabora com o periódico A Lanterna.
Nesse contexto em que as contradições sociais começam a aparecer de
fato, devido ao abolicionismo, aos ideais republicanos e à crise da Monarquia,
a literatura do final do século XIX e início do século XX também entra em um
período conturbado em que correntes estéticas e literárias, o Realismo e suas
ramificações, a poesia parnasiana e o romance naturalista, o Simbolismo e o
Pré-modernismo caminham simultaneamente, algumas vezes entrelaçando-se
uma sobre as outras ou se distanciando. Enquanto a Europa se via invadida
pelos movimentos das Vanguardas Modernistas, a literatura brasileira ainda se
encontrava presa pelos estilos surgidos no século anterior.
O realismo surgiu no Brasil no momento em que o país vivenciava o
início do socialismo e da segunda revolução industrial. Esse movimento literário
confrontava os ideais românticos, pois apresentava uma linguagem objetiva e
representava a arte sem sentimentalismo, dando lugar ao materialismo. O
realismo, no Brasil, teve como marco inicial a publicação da obra Memórias
Póstumas de Brás Cubas (1881) do escritor Machado de Assis, que apesar de
ter escrito obras românticas, se destacou como romancista realista. Observe o
trecho do romance:
Algum tempo hesitei se devia abrir estas memórias pelo princípio ou pelo fim, isto é, se poria em primeiro lugar o meu nascimento ou a minha morte. Suposto o uso vulgar seja começar pelo nascimento, duas considerações me levaram a adotar diferente método: a primeira é que eu não sou propriamente um autor defunto, mas um defunto autor, para quem a campa foi outro berço; a segunda é que o escrito ficaria assim mais galante e mais novo. Moisés, que também contou a
27
sua morte, não a pôs no intróito, mas no cabo: diferença radical entre este livro e o Pentateuco (...) (ASSIS, 2011, p. 2).
Como se pode observar no trecho acima, Machado de Assis cria um
narrador que resolve contar a sua vida depois de morto, mudando
drasticamente os rumos da literatura brasileira. O escritor utilizou em seu
romance recursos como a ironia, o humor e jogos de palavras e, além do mais,
cita os livros bíblicos atribuídos a Moisés. Já os poetas desse movimento
cultural apresentavam-se “com uma fluência na linguagem e na métrica, uma
sensibilidade à flor da pele que tornava muito mais acessível ao grande
público” (BANDEIRA, 1965, p.135, apud. FISHER, 2003).
Entre os autores do parnasianismo destacou-se Olavo Bilac (1865 –
1918) com o poema Profissão de fé, no qual o autor se preocupava em
endeusar a forma buscando a rima perfeita, apresentando uma sequência
métrica, utilizando vocábulos refinados e se adequando às regras gramaticais
desse período. Destacam-se, também, as referências que o autor faz aos
personagens da mitologia grega no corpo do poema, temática recorrente e
expressiva da época. Observe as características citadas em alguns trechos do
poema:
Profissão de fé (Olavo Bilac)
Não quero o Zeus Capitolino Hercúleo e belo, Talhar no mármore divino Com o camartelo. Que outro - não eu! - a pedra corte Para, brutal, Erguer de Atene o altivo porte Descomunal. Mais que esse vulto extraordinário, Que assombra a vista, Seduz-me um leve relicário De fino artista. Invejo o ourives quando escrevo: Imito o amor Com que ele, em ouro, o alto relevo Faz de uma flor.
Por isso, corre, por servir-me, Sobre o papel A pena, como em prata firme Corre o cinzel. Corre; desenha, enfeita a imagem, A idéia veste: Cinge-lhe ao corpo a ampla roupagem Azul-celeste. Torce, aprimora, alteia, lima A frase; e, enfim, No verso de ouro engasta a rima, Como um rubim. Quero que a estrofe cristalina, Dobrada ao jeito Do ourives, saia da oficina Sem um defeito:
28
Imito-o. E, pois, nem de Carrara A pedra firo: O alvo cristal, a pedra rara, O ônix prefiro.
E que o lavor do verso, acaso, Por tão subtil, Possa o lavor lembrar de um vaso De Becerril.
Nesse mesmo período, o naturalismo brasileiro teve sua gênese com a
publicação do romance O Mulato (1881) de Aluízio de Azevedo. O autor refletiu
sobre problemas raciais e sociais de sua época e destacou, nesta obra, a
história de uma paixão entre um mulato chamado Raimundo, filho de português
com uma escrava, por sua prima Ana Rosa, que era branca.
O protagonista, o mulato Raimundo, ignora a própria cor e a condição de filho de escrava: não consegue entender as reservas que lhe faz a alta sociedade de São Luís, a ele que voltara doutor da Europa. Aluízio cumula-o de encantos e de poder sedutor junto às mulheres e o faz amado e amante da prima, Ana Rosa, cuja família dá exemplo do mais virulento preconceito (BOSI, 1994, p. 189).
Naquela época, a sociedade não aceitava o casamento de um mestiço
com uma moça branca. Observe o trecho do romance:
Tire-me, por uma vez, deste maldito inferno da dúvida! Declare-me o segredo de sua recusa, seja qual for, ainda que uma revelação esmagadora! [...] se sabe alguma coisa dos meus antepassados e do meu nascimento, conte-me tudo! [...] E o senhor promete não se revoltar com o que eu disser? [...] Juro. Fale! [...] Recusei-lhe a mão de minha filha, porque o senhor é... é filho de uma escrava... Eu?! O senhor é um homem de cor!... Infelizmente essa é a verdade... [...] Já vê o amigo que não é por mim que lhe recusei Ana Rosa, mas é por tudo! A família de minha mulher sempre foi muito escrupulosa a esse respeito, e como ela é toda a sociedade do Maranhão! Concordo que seja uma asneira; concordo que seja um prejuízo tolo! O senhor porém não imagina o que é por cá a prevenção contra os mulatos!... Nunca me perdoaria um tal casamento; além do que, para realizá-lo, teria de quebrar a promessa que fiz a minha sogra, de não dar a neta senão a um branco de lei, português ou descendente direto de portugueses!... O senhor é um moço muito digno, muito merecedor de considerações, mas... foi forro à pia, e aqui ninguém ignora. Eu nasci escravo?!... Sim, pesa-me dizê-lo e não se a isso fosse constrangido, mas o senhor é filho de uma escrava e nasceu também cativo (AZEVEDO, 1994, p.154).
29
Os naturalistas preocupavam-se em retratar a sociedade de uma
maneira objetiva e encarando a existência do homem como um produto
biológico com instintos assim como os animais, desprovido de livre-arbítrio. Os
temas abordados nos romances naturalistas faziam referência aos problemas
sociais, como a miséria, o adultério, o crime, o preconceito racial com a
perspectiva de propor uma análise e denunciar esses problemas sem se
preocupar com a reação ou resposta do leitor, mas sim tentar modificar o
comportamento social e humano. Com a proposta semelhante ao realismo, os
romances naturalistas tinham uma linguagem econômica e objetiva, e se
preocupavam com o rigor e a forma do texto. Para os naturalistas, o homem e
a sociedade precisavam ser estudados cientificamente. A ênfase é dada a
aspectos patológicos. No artigo, “O Realismo e o naturalismo: a questão
terminológica”, Paula Alves Carvalho Corrêa, diz que:
O escritor naturalista apoia-se no método científico para escrever romances. A ciência permite a apresentação de uma visão específica do homem que, por sua vez, opõe-se à visão de neutralidade do realismo. O naturalismo é, pois, resultado da fusão de um realismo mimético com os elementos das ciências naturais, aos quais os naturalistas deram grande ênfase (CORRÊA, 2010, p. 11).
Outro movimento literário que merece atenção é o simbolismo, que tinha
por característica o não cumprimento de regras rígidas do formalismo como
prioridade, mas nem por isso deixava de desenvolver uma estética formal e
requintada voltada para a subjetividade e para o misticismo, buscando a
essência do homem e fazendo associações entre ideias e imagens, além de
preocupar-se com a sonoridade e a harmonia dos sons, diretamente contrária à
estética do parnasianismo. Gilberto Mendonça Teles, comenta que:
Inimiga do ensino da declamação, da falsa sensibilidade, da descrição objetiva a poesia simbolista busca: vestir a Ideia de uma forma sensível que, entretanto, não terá seu fim em si mesma, mas que servindo para exprimir a Ideia, dela se tornaria submissa (TELES, 1976, p.57).
No período do simbolismo, pode-se destacar o poeta brasileiro João da
Cruz e Souza, conhecido como um dos mais importantes escritores desse
30
movimento. O escritor também sofreu muito com o preconceito racial por ser
negro e filho de escravos, mesmo que alforriados.
A linguagem do autor é rebuscada, porém criativa, dando ênfase à
musicalidade e ao universo simbólico da subjetividade. No poema “Ângelus”
(1893) as palavras perdem o sentido denotativo e racional, transcendendo as
dimensões do mundo por intermédio da comparação, sinestesias e analogias
apresentadas pelo autor, além de revelar nuances suaves e marcantes do
poema por conta da sonoridade. Nos versos a seguir, é possível observar a
sonoridade por conta da repetição do “s” recorrente:
Ah! lilazes de Ângelus harmoniosos, Neblina vesperais, crepusculares,
Guslas gementes, bandolins saudosos, Plangências magoadíssimas dos ares (CRUZ E SOUSA, 1893,
p. 48).
As mudanças, nesse período, geraram uma grande contradição, pois,
por um lado, elas contribuíram para o crescimento do país, mas, por outro,
distanciaram as classes sociais, numa divisão em que muitos tinham pouco e
poucos tinham muito, contribuindo para as manifestações populares com o
intuito de se mostrarem insatisfeitos com o alto custo de vida, a falta de
emprego e com o governo republicano. São eles: a Revolta de Canudos na
Bahia, que acontece no fim do século XIX – tema de Os Sertões (1902) de
Euclides da Cunha; a Revolta da Vacina (1904) no Rio de Janeiro – idealizada
por Oswaldo Cruz, entre outras. Como afirma Zélia Nolasco-Freire na obra
Lima Barreto: imagem e linguagem:
Esses acontecimentos sociais e políticos estão presentes na obra barretiana e em muito influenciaram na produção literária do escritor. Além de contribuírem para a compreensão da mesma, pois temas, motivos, valores, normas ou revoltas barretianas, todos foram fornecidos ou sugeridos pela sociedade e pelo contexto social da virada do século XIX (FREIRE, 2005, p.33).
Lima Barreto é considerado o grande precursor das reivindicações por
mudanças que se intensificam na Semana da Arte Moderna em 1922.
31
A Semana foi, ao mesmo tempo, o ponto de encontro das várias tendências que desde a I Guerra se vinham firmando em São Paulo e no Rio, e a plataforma que permitiu a consolidação de grupos, publicação de livros, revistas e manifestos, numa palavra, o seu desdobrar-se em viva realidade cultural (BOSI, 1994.p.340).
Fabiana Pastore Brasil, em sua dissertação: “A discriminação em Clara dos
Anjos, de Lima Barreto, à luz da avaliatividade: uma perspectiva sistêmico-
funcional”, diz que:
A obra de Lima Barreto nos revela, de um lado, o autor em que se chocam, frente a frente, a visão do novo e a permanência do velho, e, de outro, o intelectual que traz consigo a voz do inconformismo apontando para a ruptura com a tradição, por meio de atitudes claramente favoráveis à renovação que viria a partir de 1922, com a Semana de Arte Moderna. Lima Barreto inaugura o desgaste dos velhos modelos e antecipa uma resistência significativa na transição para o Modernismo. Uma das características mais marcantes das obras de Lima Barreto é, sem dúvida, a questão da inovação da linguagem (2012. p. 5).
Através do descontentamento com a realidade que afetava a sociedade
da virada do século XIX, Lima Barreto e outros escritores, como Monteiro
Lobato, Graça Aranha e Euclides da Cunha, considerados pré-modernistas,
retrataram, em suas produções, um novo Brasil, denunciando e criticando os
interesses da política que dominava e os problemas e desequilíbrios da
sociedade, assumindo uma postura nacionalista e mostrando as tensões que
eram vivenciadas, principalmente, nas regiões não centrais do Brasil. Os
autores mencionados apresentaram ideias inovadoras para a época rompendo
com a estética simbolista e parnasiana, pois não atendiam mais à realidade do
país. Segundo Afredo Bosi: “caberia a esses escritores o papel histórico de
mover águas estagnadas da belle époque, revelando, antes dos modernistas,
as tensões que sofria a vida nacional” (BOSI, 1994, p.306/307).
Euclides da Cunha retratou as regiões Norte e Nordeste, Graça Aranha
o Espírito Santo; Monteiro Lobato, o Vale do Paraíba e o interior paulista; e
Lima Barreto, o subúrbio carioca. Nesse contexto, as temáticas se voltaram
para os grupos estigmatizados, os nordestinos, os sertanejos, os funcionários
públicos, os pobres, os mulatos trazendo à tona os acontecimentos
32
socioeconômicos e políticos vivenciados pela sociedade da época. Para Freire,
Lima Barreto mostra a acertada concepção de literatura que – ao contrário dos
parnasianos e simbolistas – passava a ter um papel social, isto é, como
delineada, na condição da Literatura Brasileira na virada do século XIX, uma
literatura engajada.
Todos os segmentos apresentados, político, social, artístico e cultural
sofreram uma grande transformação nesse período inconstante, denominado
de “Belle Époque”. Pode-se observar o quanto a literatura se fez presente
nesse período histórico.
1.3 O MAL ESTAR DO PRECONCEITO
O livro “12 faces do preconceito” organizado pelo escritor e historiador
Jaime Pinsky foi dividido em doze artigos escritos por profissionais de
diferentes áreas, como, História, Direito, Medicina, entre outras, e traz um
material bastante elucidador sobre os diversos tipos de preconceito existente
na relação entre os brasileiros. Os preconceitos foram separados por 12 faces,
são eles: Preconceito contra mulheres, “O lugar de mulher é na cozinha”;
Racial, “Serviço de negro”; Homossexual, “Ser ou não ser não é a questão”;
Idosos, “Quem gosta de velho é reumatismo”; Índios, “Índio não produz nada”;
Linguístico, “Preconceito linguístico? Tô fora!”; Gordos, “Baleia é a mãe”;
Baixinhos, “Tamanho é documento?”; Antissemitismo, “A raiz da intolerância”;
Deficientes, “Casa de bonecas”; Migrantes, “Cidadãos de segunda classe”;
Social, “Feios, sujos, pobres”.
Os autores se preocuparam em mostrar, com essa obra, as
manifestações do preconceito em nossa sociedade, inclusive, os mais velados.
Jaime Pinsky, na apresentação do seu livro, dá ênfase ao fato de que a escola
é um lugar onde se percebe com frequência atitudes e olhares
preconceituosos, portanto é um ambiente favorável e adequado para discutir a
temática, criar debates e ajudar a formar cidadãos com valores críticos e
reflexivos.
33
A seguir, serão apresentados alguns comentários sobre preconceitos
como o de gênero, o racial, o social, e o de linguagem - ao qual se dedicará um
espaço maior - mostrando a visão de autores importantes sobre cada um dos
tipos de preconceitos citados, com base na temática proposta.
O artigo escrito por Luiza Nagib Eluf, “Lugar de mulher é na cozinha?”
retrata o olhar da sociedade para as mulheres vistas como incapazes e
submissas e enfatiza que, hoje em dia, esse preconceito ainda apresenta suas
formas, porém de maneira mais camuflada. A autora discute a superioridade do
homem diante do sexo oposto e aborda a questão dos direitos iguais entre
homens e mulheres. Ao longo da história da humanidade, o homem sempre foi
o provedor, saía para caçar, pescar e coletar e as mulheres viviam para cuidar
do lar e da família. Na contemporaneidade, estes paradigmas começaram a ser
questionados, os movimentos feministas mudaram algumas concepções e as
mulheres começaram a lutar por seus direitos. A autora fala sobre o direito à
igualdade de gêneros:
A igualdade de que tanto se fala diz respeito aos direitos de cada um. Durante muito tempo, as diferenças biológicas foram usadas para inferiorizar a mulher. O fato das mulheres terem o corpo diferente dos homens foi interpretado como sinal de fraqueza física e de incompetência intelectual (ELUF, 2013, p.13).
A questão biológica e os hormônios femininos são constantemente
associados à emoção das mulheres. A emoção afeta o ser humano de maneira
diferente e cria uma tensão entre os gêneros. Os homens costumam ser
considerados mais fortes e objetivos do que as mulheres que, durante muito
tempo, foram submissas e donas de casa de acordo com regras e
pensamentos da época. Apesar desses estigmas, algumas mulheres, que não
se conformavam com esse modo de vida, lutaram por igualdade de direito entre
os gêneros e lançaram o primeiro movimento feminista nos Estados Unidos,
que teve início na primeira metade do século XIX. Este movimento foi visto
como liberal, pois objetivava, no primeiro momento, o direito ao sufrágio por
parte das mulheres. O segundo movimento feminista, ocorrido na década de
1970, visto como radical, criticou a cultura patriarcal, questionou o capitalismo
exacerbado e as práticas racistas da época e passou a lutar contra a
34
supremacia masculina. O terceiro movimento teve seu início na década de
1990, visto como socialista, segue a tradição feminista, pois centrava sua
discussão na opressão e na exploração feminina.
Com toda essa luta, vieram, aos poucos, às mudanças; hoje, as
mulheres já conquistaram mais espaço e têm um papel atuante na sociedade,
tanto na área econômica e política quanto social do país. Mas, mesmo com
toda essa força e determinação, as mulheres não deixaram de ser sensíveis e
emotivas. Por muito tempo, o corpo foi fragmentado em duas principais partes,
o homem representa a razão, “o cérebro” e a mulher a emoção, “coração”.
Ainda temos alguns resquícios desse pensamento, porém a grande maioria
reconhece que a mulher tem os mesmos direitos, deveres e capacidades que
os homens. “Com seus comportamentos tidos pelo senso comum e pela
medicina como estreitamente regulados pelos hormônios, as mulheres seriam
mais instáveis emocionalmente e, portanto, menos racionais” (COELHO e
REZENDE, 2010, p.26).
Nessa perspectiva, compreende-se que não há um indivíduo igual ao
outro, homens e mulheres são diferentes e nem por isso devem ser
classificados como superiores e inferiores. As mulheres, até hoje, seguem
mostrando suas capacidades, entretanto, elas ainda são consideradas mais
sentimentais devido aos hormônios e a momentos especiais e afetivos pelos
quais passa durante a vida. Quando se fala em “igualdade”, se está referindo à
igualdade de direitos e oportunidades para todos.
Essa fragilidade emocional se torna bastante presente quando o
indivíduo não se sente aceito pela sociedade, até hoje são presenciadas muitas
formas de preconceitos não só contra as mulheres, mas também contra os
negros, pobres, deficientes, homossexuais. Esses movimentos se destacaram
no país por causa da luta do povo nas ruas e pelos direitos conquistados.
No artigo “Serviço de Negro”, Jaime Pinsky afirma que o preconceito
contra os negros é uma herança oriunda dos acontecimentos do Brasil desde a
escravidão e que ainda hoje está presente em diversos grupos sociais, o negro,
muitas vezes, é classificado como preguiçoso, pobre e submisso. O brasileiro
se apresenta como um povo branco que recebeu “contribuições” de outras
raças, pois é dessa maneira que muitos livros didáticos mostram e minimizam a
história do país. Trata-se de uma das heranças do ensino do século XIX, que
35
pode ser percebido a partir da interpretação de obras naturalistas como O Bom
crioulo (1895) em que, na mesma narrativa, são apresentadas duas das teses
mais fortes da ciência da época: o negro como sub-raça e a homossexualidade
como anomalia. Também o índio era considerado sub-raça. O determinismo
era uma das vertentes mais excludentes do cientificismo do século XIX.
Cercando e reforçando os aspectos patológicos que marcam o período
naturalista no Brasil, o Positivismo de Comte transformava a razão na grande
soberana, o que fazia recrudescer a ideia de que a ciência, a ordem e o
progresso eram definitivamente o esteio da boa educação.
Partindo dessas rápidas reflexões sobre as “bases científicas” dos
preconceitos deixados como herança pelo período naturalista, pode-se
entender que o fato de o branco se sentir superior ao negro não é apenas
resquício da escravidão, mas dos parâmetros educacionais ministrados,
durante longo tempo, na escola brasileira. Foi um período que deixou marcas,
dentre elas a ideia de que o trabalho braçal é para os negros e o trabalho
intelectual é para os brancos. O preconceito contra os negros, no trabalho,
ainda é realidade; em algumas instituições ainda há diferença entre salários,
jornada de trabalho e oportunidade de crescimento profissional, com base na
problemática da diferença de sexo e, camufladamente, de cor e sexualidade.
Pinsky argumenta sobre o preconceito racial dizendo que: “Estabelecer
juízos a partir de algo tão periférico e superficial como a cor da pele não resiste
a uma avaliação mais aprofundada" (PINSKY, 2013, p. 24), ou seja, não é pela
cor da pele que se deve manifestar juízos de valor. O preconceito racial é uma
realidade vivida no Brasil, os anos passam, os pensamentos mudam e os
preconceitos, como se pode constatar no cotidiano, continuam presentes.
Lima Barreto não foi o primeiro escritor a tratar o preconceito racial em
seus romances, Adolfo Caminha em Bom Crioulo (1895) e Aloísio de Azevedo
em O Mulato (1891) já haviam escrito sobre o tema. Entretanto, Lima Barreto,
segundo Joel Rufino dos Santos, deixou uma grande contribuição: “Seu mérito
foi ver o preconceito racial como peça de um conjunto ideológico, situação em
que se tornava muitíssimo mais grave, passando de simples preconceito a
racismo – modalidade de poder mais do que pré-juízo” (SANTOS, 2004, p.
119). Lima sentiu na pele o preconceito e tratou da questão racial, de maneira
direta ou indireta, em seus livros.
36
Considerar que o branco é superior ao negro ou ao índio (preconceito
racial); ou que o homem é superior à mulher (preconceito de gênero); são
situações que traduzem uma forma de preconceito social ou de classe em que
um indivíduo se sente melhor que o outro. Segundo Aldaíza Sposati (2013), o
preconceito social é a base para que outros preconceitos apareçam. No artigo
“Feios, sujos e malvados”, de sua autoria, ela salienta que:
O preconceito de classe tem sempre um conteúdo de intolerância, uma forma de ver que não aceita a diferença ou os diferentes. É a tradicional situação em que alguns são “barrados no baile”. Mais que barrados, são tratados como pessoas inferiores que não são toleradas por suas características, estilo de vida, etc (SPOSATI, 2013, p.116).
Em realidade, toda a obra limabarretiana tangencia ou permite que se
discuta diretamente a problemática do preconceito. Segundo Joachin Azevedo
Neto:
A escrita barretiana está repleta de uma coerente fundamentação social. Ao fazer uso de um estilo simples, didático e repleto de premissas humanitárias, o cronista estava concebendo o exercício literário como um instrumento capaz de atuar frente à preocupação ética maior, que seria a restauração dos laços de solidariedade humana que, para Lima Barreto, haviam sido dissolvidos no mar do arrivismo, brutalidade e intolerância nos quais navegava a jovem república brasileira (AZEVEDO NETO, 2011, p.87).
Torna-se importante destacar momentos em que, no romance Clara dos
Anjos, a questão da diferença social é exposta como fator distintivo.
Principalmente na relação entre as famílias de Clara e Cassi Jones, mas não
apenas nela, as condições sociais servem como importante elemento
diferenciador. Através da personagem Dona Salustiana, mãe de Cassi, essa
mulher vaidosa, o autor enfatiza a presença do preconceito social:
Tinha fumaças de grande dama, de ser muito superior às pessoas de sua vizinhança e mesmo às dos seus conhecimentos. O seu orgulho provinha de duas fontes: a primeira, por ter um irmão médico do Exército, com o posto de capitão; e a segunda, por ter andado no Colégio das Irmãs de Caridade (BARRETO, 2005, p.25).
37
A presença do capital se apresenta como uma ferramenta que exclui e
classifica as pessoas. A personagem citada não aceita as diferenças e é
intolerante, mesmo morando no subúrbio, tem um pensamento moralista e
preconceituoso. Dona Salustiana não aceita que seus filhos se casem com
pessoas da classe pobre. Como se pensava na época, a mistura das classes
causava desprestígio perante a sociedade. Observe como Joel Rufino dos
Santos define os pobres
Pobres são os despossuídos, não de qualquer posse, mas de território, de casa, de emprego (embora não de trabalho), de local (embora não de lugar), de família (embora não de nome) e enfim do próprio corpo (no caso dos escravos e servos da Colônia e Império). São, em suma, um estado nômade ou vagabundo – e é curioso como “se virar” designa geralmente, para os pobres, o ato de trabalhar. Pobre é quem se vira (já miserável não tem essa capacidade) e isso demarca um lugar preciso, quantificável, na estrutura social. Pobre é quem só tem amigos pobres, pobre é quem mora em locais pobres (os territórios de pobreza) quase sem água, esgoto e coleta de lixo (SANTOS, 2004, p. 29).
O subúrbio, espaço em que a narrativa de Clara dos Anjos transcorre, é
o lugar dos pobres, das pessoas simples, precário, onde vai morar quem é ou
ficou pobre por algum motivo. Lima Barreto, morador do subúrbio e conhecedor
de seu “lócus”, denuncia a hipocrisia da época e o olhar preconceituoso da elite
para com a classe pobre suburbana.
No que diz respeito à linguagem, pode-se observar que, no decorrer da
história do Brasil, desde a colonização de Portugal até a contemporaneidade,
há uma forte inclinação da sociedade em absorver os preconceitos. Tais
preconceitos são culturalmente criados e disseminados por grupos
hegemônicos em termos socioeconômicos, que se intitulam ou se impõem
como superiores e por isso oprimem os demais com a força negativa do
discurso ou até mesmo com atitudes desumanas e agressivas. O preconceito
tem sua gênese nas práticas etnocêntricas, atitudes facilmente percebidas em
determinados grupos sociais que apresentam seus hábitos culturais como
superiores aos da cultura alheia. Marcos Bagno, por exemplo, diz que “O
preconceito é algo que nasce de dentro de uma pessoa que vive em
38
determinado ambiente cultural. Esse ambiente reflete uma realidade vivida,
seja no passado, seja no presente” (BAGNO, 2013, p. 49-50).
Existem inúmeros tipos de preconceito. Um dos mais vivenciados e que
vem, desde o final do século XX recebendo atenção de autores como Bagno
(1999) e causando polêmicas, por tocar em problemas crônicos em termos de
Língua Portuguesa é o preconceito gerado pela utilização da língua fora dos
padrões esperados pelos grupos hegemônicos, de explícita visão eurocêntrica.
Como é notório, a Língua Portuguesa sofreu e continua sofrendo muitas
transformações e estas, nem sempre, são bem aceitas no universo acadêmico,
mesmo sob a intervenção de autores como Bagno, Mário Perini, Celso Pedro
Luft e Evanildo Bechara, só para citar alguns dos mais respeitados estudiosos
do assunto. Como entendem esses autores, a língua é viva, portanto as
mudanças são inevitáveis. A sociedade se depara com alguns mitos em
relação à Língua Portuguesa, que podem ser resumidas em algumas
perguntas, como: Será que no Brasil só se fala uma língua, o português?
(BECHARA,1995), E as variações linguísticas, que espaço elas ocupam na
sociedade? (BAGNO,1999), O que é falar certo? Existe “certo” e “errado”?
(LUFT, 2008). Essas e outras questões serão refletidas ao longo do trabalho,
também com base em questionamentos apontados por Bagno em sua obra
Preconceito Linguístico- o que é, como se faz (1999).
1.4 LÍNGUA E PODER
No início do século XVI, os portugueses chegaram ao continente e
impuseram a sua língua como oficial, desconsiderando a linguagem dos
indígenas, os verdadeiros ocupantes deste território. Com a fusão das raças ao
longo deste século, a miscigenação foi inevitável, tornando ainda mais
complexa a língua imposta como oficial e obrigatória por Marquês de Pombal, a
Língua Portuguesa. A diversidade cultural existente no povo brasileiro é
resultante das contribuições interétnicas tornando o português brasileiro ainda
mais rico em suas variações. Com o processo de deslocamento interno a partir
da década de 40 e ao longo do século XX, em direção a grandes capitais do
sudeste, do centro-oeste e do norte, as variações linguísticas passaram a fazer
39
parte do cotidiano desses povos que aceitaram esta diversidade como parte
integrante da língua local. Entende-se, então, que a língua faz parte do
processo de vida do homem, por isso o indivíduo também pode ser
representado por aquilo que fala, o ser humano busca com ela significados e
maneiras de expressar pensamentos, ações e sentimentos vividos.
Toda língua apresenta variações de uso ou mesmo estruturais, devido a
diferenças regionais, etárias, sociais, dentre outras, também passíveis de
preconceito. Nesta perspectiva, pode-se dizer que existem algumas variedades
do português, a variedade padrão é considerada um modelo efetivo e nobre
utilizado por escritores, autoridades, por grupos sociais de prestígio, e é a
ensinada no ambiente escolar simplificando e excluindo a realidade global em
que vivemos, e a variedade não-padrão é usada principalmente por pessoas de
classes pobres e está presente muitas vezes nas periferias. Sabe-se que a
utilização da linguagem não-padrão é desvalorizada pelo saber acadêmico e
essa exclusão atinge a vida e a identidade de muitas pessoas. A linguagem se
tornou um instrumento de poder, afastando cada vez mais os diferentes grupos
sociais, deixando as classes desprestigiadas à margem da sociedade.
Entende-se que a maneira de falar do homem também tem influenciado em
suas relações no mundo, o homem tem sido substituído facilmente, portanto
descartado, assim como o lixo, lembrando aqui da obra Vidas desperdiçadas,
de Bauman (2007)
Marcos Bagno caracteriza o preconceito na linguagem como “invisível”,
pois poucas pessoas estudam ou reconhecem a existência desse problema,
tornando-o mais poderoso. O mesmo autor menciona os seguintes mitos: “O
“Brasileiro não sabe português; Só em Portugal se fala bem português”;
“Português é muito difícil”; “As pessoas sem instrução falam tudo errado”, “O
lugar onde melhor se fala português no Brasil é o Maranhão”, “O certo é falar
assim porque se escreve assim”, “É preciso saber gramática para falar e
escrever bem” e “O domínio da norma-padrão é um instrumento de ascensão
social”. Bagno, como se pode depreender, aqui, apresenta uma grande
preocupação com essas falsas ideias, pois até os estudiosos e intelectuais se
deixam equivocar por falsas ideologias.
O preconceito da Língua é danoso para a educação quando não se
distingue a pluralidade do “português brasileiro”, estabelecendo a norma culta
40
como superior ou comum a todos os falantes dentro do ambiente escolar. É
possível observar que a educação de boa qualidade no país ainda não é para
todos, deixando uma grande parte da população sem oportunidade de
conhecer todas as formas do uso do português brasileiro. O Brasil é um país
riquíssimo, porém esta riqueza está condensada nas mãos de uma pequena
parcela da sociedade brasileira e essa grande diferença socioeconômica leva a
uma grande exclusão dos falantes das variedades estigmatizadas. Os
moradores das zonas rurais e periferias, analfabetos e pobres são deixados à
margem das variedades privilegiadas. O país possui mais de duzentas línguas
distintas, pois sofreu influências de outras línguas, indígenas, africanas,
europeias e asiáticas e se tornou plural através de suas variações. Observe-se
o que Bagno afirma:
O fato é que, como a ciência linguística moderna já provou e comprovou, não existe nenhuma língua no mundo que seja “una”, uniforme e homogênea. O monolinguismo é uma ficção. Toda e qualquer língua humana viva é, intrinsecamente e inevitavelmente, heterogênea, ou seja, apresenta variação em todos os seus níveis estruturais (fonologia, morfologia, sintaxe, léxico etc.) e em todos os seus níveis de uso social (variação regional, social, etária, estilística etc) (BAGNO, 1999, p. 27-28).
A diversidade linguística já foi reconhecida pelos órgãos responsáveis
pela educação do Brasil, assim, em 1998, foi publicado, nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (PCN), que “[...] quando se fala em “Língua Portuguesa”
está se tratando de uma unidade que se constitui de muitas variedades”
(BAGNO, 1999, p. 35). Um importante passo foi dado. Agora, é necessário que
essas constatações sejam incluídas no dia a dia dos cidadãos, inclusive
através dos meios de comunicação, que são os principais propagadores dos
mitos desse e de outros preconceitos.
Marcos Bagno trata da ideia de inferioridade que o brasileiro tem de si e
de sua língua e o sentimento que traz ao longo da história de ainda sermos
colônia de Portugal. Esse pensamento equivocado é passado ao longo das
gerações, através do ensino da gramática tradicional nas escolas, gerando
efeitos negativos para a sociedade. No que diz respeito ao ensino do português
no Brasil, o grande problema é que esse ensino, até hoje, depois de mais de
cento e setenta anos de independência política, continua com os olhos voltados
41
para a norma linguística de Portugal (BAGNO, 1999, p. 42). Essa ideia de que
brasileiro não sabe português é completamente sem fundamento. O brasileiro
conhece sua língua materna, pois nasceu e cresceu aqui enquanto os
portugueses também sabem o português deles. A língua e suas variações são
criadas para atender às necessidades linguísticas de seus falantes, pois a
necessidade de cada país também é distinta uma da outra.
O ensino do “português brasileiro” sempre se baseou nas regras
gramaticais de Portugal e o jeito que internalizamos as regras na escola, em
grande parte, não se encaixa no uso cotidiano da língua que é falada e escrita
no Brasil. Autores como Lima Barreto, Carolina Maria de Jesus, dentre outros,
voltaram a ser estudados, sob esse viés, exatamente pela desconstrução
desses mitos em relação ao uso da Língua, anteriormente apontados. O
conceito de “saber português” para muitas pessoas é saber o nome de termos
e orações, excluindo os valiosos recursos que a língua nos oferece. O autor de
A língua de Eulália declara que: “Todo falante nativo de uma língua sabe essa
língua, na concepção da linguística moderna, significa conhecer intuitivamente
e empregar com facilidade e naturalidade as regras básicas de funcionamento
dela” (BAGNO, 1999, p. 51).
A suposta ideia de que Português é difícil é mais um instrumento criado
pelas instituições sociopolíticas para afastar e bloquear o acesso ao poder que
a língua proporciona. Do mesmo modo que o preconceito da língua está
presente em específicas classes sociais, as variações regionais também são
bastante ironizadas e criticadas, principalmente nos meios de comunicação,
que, com seu grande poder e influência, retratam o nordestino nas novelas
como rude, pobre, engraçado e eles se tornam motivos de deboche. Qualquer
maneira de se expressar linguisticamente que fuja da forma “ideal” escola-
gramática-dicionário é visto como feio e errado, uma visão preconceituosa e
presente em nossa sociedade. Não se deve condenar nenhuma forma da
língua, e sim valorizá-la, pois a língua que hoje é criticada pode ser a língua de
prestígio amanhã. Segundo Bagno, não existe nenhum tipo de variação
linguística “mais correta”, ou “melhor” que a outra. Ele completa dizendo que
“toda variedade linguística é também o resultado de um processo histórico
próprio, com suas vicissitudes e peripécias particulares” (BAGNO, 1999, p. 64).
Cada comunidade possui sua história, suas necessidades individuais e se
42
adaptam a elas. O autor exemplifica em sua obra a ideia errônea de que no
Maranhão é o lugar onde melhor se fala o português, devido a algumas
proximidades com o português de Portugal. As pessoas tendem a classificar as
coisas em melhores e piores, é preciso entender as diversidades da nossa
língua como um grande tesouro da nossa cultura.
A variação linguística está presente em todos os lugares, nenhuma
língua é falada da mesma maneira em todos os locais. Nas escolas, existe a
prática de querer impor ao aluno que ele fale do mesmo jeito que escreve como
se fosse a única maneira correta de falar a nossa língua. Muitos livros e
gramáticas desprezam as variações da língua falada, e supervalorizam a língua
escrita e tentam padronizar a maneira como os alunos devem falar. O autor
não quer dizer, com essa análise, que não se deva ensinar aos alunos a
ortografia oficial da Língua Portuguesa, porém não se deve fazer isso tentando
uniformizar as pronúncias e o modo de cada comunidade linguística se
expressar. Cada grupo deve preservar suas características próprias. Bagno
analisa: “Quando digo que a escrita é uma tentativa de representação é porque
sabemos que não existe nenhuma ortografia em que nenhuma língua do
mundo consiga reproduzir a fala com fidelidade” (BAGNO, 1999, p. 70).
A gramática normativa menospreza os fenômenos da língua falada e a
diversidade linguística do país acaba ficando fora dos livros. As gramáticas
foram criadas para registrar e memorizar as “regras” usadas pelos escritores
considerados como modelos da sociedade, porém as pessoas esquecem que a
língua falada precede a escrita das gramáticas. Na verdade, a gramática
normativa é que depende da língua. A gramática se tornou um instrumento de
poder e de exclusão e com isso há um pensamento irreal de que o que não
está na gramática não é português. Bagno destaca a real função da gramática:
“A verdadeira utilidade da gramática para os brasileiros seria definir, identificar
e localizar os falantes mais letrados, coletar a língua usada por eles e
descrever essa língua de forma clara, objetiva e com critérios teóricos e
metodológicos coerentes” (BAGNO, 1999, p. 81). A escola tem o papel de
intermediar, incentivar e proporcionar aos alunos a possibilidade de conhecer
textos variados e de todos os gêneros e capacitar o aluno a realizar leituras e
escrever bem, porém, essa realidade ainda não parece ser democrática. Edgar
Morin, um dos principais pensadores da contemporaneidade, em sua obra
43
Cabeça bem- feita - repensar a reforma reformar o pensamento - mostra a
enorme resistência a essa reforma: “A máquina da educação é rígida, inflexível,
fechada, burocratizada. Muitos professores estão instalados em seus hábitos e
autonomias disciplinares” (MORIN, 2003, p. 99). Apesar da resistência, é
preciso acreditar e lutar por essa reforma do pensamento e das instituições, o
autor acredita que: “A reforma também começará de maneira periférica e
marginal. Como sempre a iniciativa só pode partir de uma minoria, a princípio
incompreendida, às vezes perseguida. Depois a ideia é disseminada e, quando
se difunde, torna-se uma força atuante” (MORIN, 2003, p.101).
Em sociedades culturais, social e economicamente diversas e desiguais
compreende-se que não é possível haver uma homogeneidade. Na Língua
Portuguesa, a heterogeneidade se faz presente pela diversidade e mescla1 dos
povos, das línguas e das culturas. Partindo do pressuposto de que a variação
linguística sempre esteve presente na formação da nossa língua, pode-se
afirmar que a língua, desde sua estruturação até os dias atuais, vem sofrendo
transformações à medida que os falantes e gramáticos sentem a necessidade
de criar novos vocábulos e outras representações estilísticas. A variação da
língua é a maneira pela qual ela se diferencia e é manifestada em seus
diversos contextos, geográfico, histórico e sociocultural. Existem, portanto,
variedades da língua a serem consideradas e aceitas pelas instituições, são
elas: as diferenças fonéticas, a forma de pronunciar os sons da língua;
diferenças sintáticas, a maneira como se estruturam as orações e frases;
diferenças lexicais, palavras que existem em um determinado lugar e em outro
não; diferenças semânticas, significados diferentes para a mesma palavra; e
diferenças no uso da língua, maneiras de falar de acordo com a pessoa que se
fala e circunstância. Nos Parâmetros Curriculares Nacionais, 1998, é possível
encontrar por escrito uma homologação da realidade linguística do Brasil
movida pela aceitação da pluralidade cultural:
A variação é constitutiva das línguas humanas, ocorrendo em todos os níveis. Ela sempre existiu e sempre existirá, independentemente de qualquer ação normativa. Assim, quando se fala em “Língua Portuguesa” está se falando de uma unidade que se constitui de muitas variedades. [...] A imagem
1CANCLINI, Nestor García. Culturas Híbridas.
44
de uma língua única, mais próxima da modalidade escrita da linguagem, subjacente às prescrições normativas da gramática escolar, dos manuais e mesmo dos programas de difusão da mídia sobre “o que se deve e o que se não deve falar”, não se sustenta na análise empírica dos usos da língua (BAGNO, 2013, p.35).
É preciso que a teoria de fato se concretize dentro da prática diária das
instituições escolares, um local de grande importância para a formação dos
cidadãos e na construção de ideias e de conhecimento, devendo ser este um
local acolhedor, inclusivo e preparado para apresentar a riqueza e a
diversidade cultural do país aos seus alunos. Segundo Marcos Bagno, Evanildo
Bechara e Celso Pedro Luft, a escola deve ensinar a norma culta e deve
apresentar também as variedades da língua e diferentes gêneros textuais,
estimulando a leitura e a escrita, porém ainda estamos caminhando e aos
poucos tentando modificar a prática ainda resistente que impõe a gramática
artificial como sendo o centro.
Ler e escrever- é isso que importa. Ler e escrever textos variados, de todos os tipos e de todos os gêneros que circulam na sociedade. Somente assim a pessoa vai estar minimamente habilitada a se mover em meio ao universo letrado que é a sociedade contemporânea, que exige de nós capacidades de leitura e escrita cada vez mais variadas, que se transformam e se complexificam mais a cada dia (BAGNO, 1999, p. 86). A boa comunicação verbal nada tem a ver com a memorização de regras de linguagem nem com a disciplina escolar que trata dessas regras, e que geralmente, em nossas escolas, toma o lugar do que deveriam ser as aulas de Português: leitura, comentário, análise e interpretação de bons textos, e tentativa constante de produzir, pessoalmente, textos bons, --- enfim, vivência criativa com o idioma (LUFT, 2008, p.19).
Mais valiam aos alunos, para aquisição dos recursos idiomáticos que lhes permitissem desenvolver e aperfeiçoar as formas de expressão mais elevadas, o convívio com os textos escritos e o contacto com as pessoas que, falando ou escrevendo, manejavam cabalmente o idioma, do que a lição da gramática (...) (BECHARA, 1995, p.35).
A língua escrita é conservadora, as regras são impostas com base na
gramática artificial, expressão utilizada por Celso Pedro Luft, propagada nas
45
escolas. A escrita constitui-se de maneira mais consistente e duradoura, as
mudanças acontecem, porém não com a mesma frequência da língua falada.
Ela possui o encargo de registrar as ideias, os conceitos, os saberes de forma
geral e, embora tenha se manifestado depois da fala, a escrita é a forma que
possui maior prestígio, pelo seu poder de documentar e registrar. Já a língua
falada é livre e dá ao falante a possibilidade de criar, de ser espontâneo, pois
não é dependente das regras gramaticais. “O talento de bem falar e escrever
tem a ver com a gramática. Mas com a gramática natural, o sistema de regras
que os falantes internalizam ouvindo e falando” (LUFT, 2008, p. 19). Durante a
fala, o indivíduo se utiliza de entonação, pausas, além da linguagem não verbal
bastante característica dessa modalidade, como os gestos e expressões do
rosto. É na língua falada que mais são identificadas as variações regionais,
social, estilística e etária.
O preconceito da língua é um problema considerado perigoso por ser
muitas vezes imperceptível. A diversidade do “português brasileiro” está sendo
desprezado e considerado menor por alguns grupos da sociedade que
apontam a norma culta como uma modalidade que consiga atender à
necessidade linguística dos falantes dentro do ambiente escolar. É preciso
mencionar que a educação no Brasil não é igualitária, as oportunidades de
aprendizagem não são as mesmas, ocasionando mais desigualdades e a
exclusão dos falantes das variedades classificadas como inferiores, os pobres,
os moradores das periferias e das zonas rurais e analfabetos.
A variação linguística está presente em todos os cantos, toda língua
possui sua própria característica de acordo com a necessidade de cada
“comunidade linguística” e por isso não é falada do mesmo jeito em todos os
lugares. No ambiente escolar, ainda existe a imposição de ensinar ao aluno
que ele fale da mesma maneira que escreve, como se fosse uma fórmula
exclusiva e correta de falar a Língua Portuguesa. Muitos livros didáticos e
gramáticas depreciam as variações da língua falada, contemplam a língua
escrita e tentam uniformizar a maneira com que os alunos devem se manifestar
linguisticamente.
Todas as variedades da língua são valores positivos. Não será negando-as, perseguindo-as, humilhando quem as usa, que se fará um trabalho produtivo no ensino. Nem se mudarão em
46
nada esses usos de níveis culturalmente inferiores, como alguns equivocadamente pensam. Cada falante fala como sabe e consegue falar, não como ele ou outros desejariam que falasse (LUFT, 2008, p. 69).
Magda Soares, em seu livro Linguagem e Escola uma perspectiva social
(2008), fala sobre a ideia errônea de alguns sociólogos e psicólogos que
criaram o conceito de deficiência linguística, a ideia de que exista língua e
variações linguísticas superiores as outras, contribuindo para a discriminação
das diferentes culturas.
O estudo das línguas de diferentes culturas deixa claro, da mesma forma, que não há línguas mais complexas ou mais simples, mais lógicas ou menos lógicas: todas elas são adequadas às necessidades e características da cultura a que servem, e igualmente válidas como instrumentos de comunicação social (SOARES, 2008, p.39).
Para os especialistas na área da linguagem, não existe a ideia de
deficiência na gramática natural dos falantes, apenas diferenças. Celso Pedro
Luft dialoga com o pensamento de Magda Soares quando diz que:
Não pode haver deficiência na teoria natural de um falante --- estou cansado de repetir: ou ela é integral ou não funciona. Deficiências existem, sim, nas teorias artificiais, dos gramáticos e linguistas, na sua tarefa de dar conta da competência dos falantes nativos. Não existe até hoje (e não é preciso ser profeta para dizer que não haverá jamais) uma teoria explícita COMPLETA, reprodução integral da teoria implícita dos falantes (LUFT, 2008, p.85).
A língua, em suas diferentes possibilidades, é dinâmica, por isso sofre
transformações assim como o ser humano que encontrou na fala e na escrita
uma forma de se expressar e se comunicar com o seu semelhante. Apesar de
identificarmos a renovação e evolução contínua da língua, é possível constatar
que, em uma era contemporânea e globalizada, há dificuldades de aceitação
dos múltiplos falares constatando, assim, muitas vezes a presença do
preconceito e exclusão social.
O objetivo desta abordagem inicial, relacionada aos usos da língua, é o
de afirmar que as obras ficcionais de Lima Barreto são precursoras, também no
que diz respeito à tematização de várias questões, dentre elas a linguagem que
47
ainda hoje se discute em termos de uso da língua Portuguesa. Mas outra
preocupação importante se impôs para o desenvolvimento dessa parte do
texto: a intenção de mostrar, mais adiante, através da interpretação do
romance Clara dos Anjos, como o caráter inovador limabarretiano dificultou sua
carreira de romancista. O destaque dado à problemática da linguagem
possibilitará um melhor entendimento sobre a profundidade dos preconceitos
sofridos pela obra ficcional de Lima Barreto em sua época. Entende-se,
portanto, preconceito da Língua, como foi mencionado anteriormente, não é um
problema só atual, ele sempre existiu, apenas foi se transformando conforme a
sociedade se modificava. Na literatura Brasileira, alguns autores, como Lima
Barreto, pré-modernista, sofreram preconceito por conta da sua escrita
coloquial e fora dos padrões da época.
Já no modernismo, o escritor Mário de Andrade, estudioso do folclore e
da Língua Portuguesa, criador de obras memoráveis, dentre elas, Macunaíma
o Herói sem nenhum caráter, participou ativamente desse movimento
buscando uma narrativa inovadora, na qual a linguagem original e diferente dos
padrões rígidos se tornou uma das principais características de sua obra. Na
dissertação “Língua brasileira”: Identidade, discurso e contextualização literária,
Áurea Maria Bezerra Machado (2013) diz que:
Mario de Andrade sempre demonstrou interesse em estudar a questão linguística, melhor dizendo, o português do Brasil, em sua rica oralidade, no cotidiano popular das várias regiões. Enveredando pelo universo das letras nacionais, preocupou-se, então, com a língua em que se fazia literatura no país, passando a refletir sobre o processo de nacionalização linguístico brasileiro (BEZERRA, 2013, p. 68).
A obra Macunaíma é a “prova que é possível se expressar, de maneira
bem clara e original, através dos ditos populares, que podem ser chamados,
com bastante propriedade, de “discurso do povo” (BEZERRA, 2013, p. 73).
Carla Rosane, em Macunaíma: Um experimento da língua brasileira, diz que:
“O livro é um exercício dos ideais desvairistas, por ignorar pontuações, criar
lendas e mitos, desbancar o herói de seu pedestal, relativizar valores sociais e
reproduzir a expressão da língua brasileira (no lugar da portuguesa europeia)”
48
(2003,p.65/66). Observe o trecho retirado da obra Macunaíma, capítulo XI, “A
velha Ceiuci”:
Mas estava muito contrariado por ter perdido a aposta e se lembrou de fazer uma pescaria. Porém, não podia pescar nem de flecha enem com timbó nem cunambi nem tigui nem macerá nem no pari nem com linha cassuá nem itapuã em de jiqui nem de grozera nem de jererê guê tresmalho aparador gungá cambango arinque batebate gradeira caicaii penca anzol de vara covo, todos esses objetos armadilhas e venenos porque não possuía nada disso não. Fez um anzol com cera de mandaguari mas bagre mordia, levava o anzol e tudo (ANDRADE, 1992, p. 108).
Lima Barreto, assim como Mário de Andrade, escreveu com o intuito de
ser lido, de surpreender e de inovar através da linguagem. Segundo Luft:
Ninguém escreve para não ser lido; não considero elogio a um autor chamá-lo de hermético. Não confundir isto com estilo, criatividade, trabalho no texto. Há visões únicas, visões pessoais, paixões, amor e ódio, êxtase e desespero, que exigem expressão verbal própria, original. Para isso, é necessário talento (LUFT, 2008, p.19).
Em específico, Lima Barreto recebeu uma crítica negativa, foi
considerado desleixado, pois, ao escrever seus textos, muitas vezes não
utilizava a pontuação de acordo com a tradição castiça, rígida, da Língua
Portuguesa, o que coincide com os pressupostos das vanguardas europeias e
com a busca de liberdade dos jovens modernistas que, logo após a morte de
Lima Barreto, venceriam a batalha contra o preciosismo parnasiano. Segundo
Gilberto Mendonça Teles, o futurismo foi um dos primeiros movimentos da
vanguarda da Europa a influenciar e inspirar os artistas para a necessidade de
mudança da cultura brasileira.
O futurismo foi, em linhas gerais, um movimento estético mais de manifestos que de obras. Assim, mais pelos manifestos do que pelas obras o futurismo exaltou a vida moderna, procurou estabelecer o culto da máquina e da velocidade, pregando ao mesmo tempo a destruição do passado e dos meios tradicionais da expressão literária, no caso, a sintaxe: usando as palavras em liberdade, rompia a cadeia sintática e as relações passavam a se fazer através da analogia (TELES, 1972, p.61 apud FEIRE, 2005, p. 102).
49
Reitera-se, portanto que o autor de Triste fim de Policarpo Quaresma é
um corajoso precursor e pode ser considerado um artista da língua.
O escritor, o bom escritor, domina seu instrumento de trabalho, usa-o como respira --- com desembaraço, naturalidade e segurança. Quando luta em busca de um texto melhor, cada vez mais perfeito e mais original, é porque persegue a palavra exata e mais expressiva, não por se debater com regras que eventualmente tenha aprendido na escola e esqueceu (LUFT, 2008, p.19).
A seguir, será possível observar mais efetivamente as características
peculiares das narrativas ficcionais de Lima Barreto, relacionadas aos
preconceitos, apontadas na obra Clara dos Anjos. Perceber-se-á como a
linguagem e as temáticas apresentadas em sua obra e sua dedicação
possibilitaram um novo direcionamento para a literatura, ao denunciarem as
descriminações e os problemas vividos pelos pobres e desprivilegiados,
mostrando a vida cotidiana do subúrbio carioca. Delimita-se, neste capítulo, o
olhar social do escritor por tratar de questões voltadas para a sociedade
através de uma linguagem inovadora que era utilizada de forma consciente
pelo escritor e que incomodava a elite.
50
CAPÍTULO II
O ROMANCE SUBURBANO DE LIMA BARRETO E A
SUBALTERNIDADE EM CLARA DOS ANJOS
O romance de Lima Barreto será analisado sob a perspectiva social e
seus desmembramentos. Neste capítulo, serão abordadas questões
relacionadas ao preconceito e à linguagem mostrando, com base na análise
literária, como Clara dos Anjos é apresentada e descrita pelo narrador como
catalizadora do sofrimento das mulheres de sua época. As mazelas sociais, os
sofrimentos das mulheres subalternas são, de certa maneira, transformados
em estratégias textuais. O romancista, nesta obra, descreve os personagens e
o subúrbio do Rio de Janeiro com muitos detalhes e, devido a isso, amplia as
possibilidades de interpretação e reflexão sobre questões que se evitavam
abordar na virada do século XIX para o XX e no início deste último.
Há escritores em que o leitor vê atrás deles uma biblioteca, uma sapientia, uma sofisticação intelectual, uma aflição estética, antes de ver os personagens. E há escritores atrás, e mesmo ao lado, dos quais logo se vê, de pronto, um povo - com suas caras, roupas, cheiros, as maneiras todas de ser. Assim era e é Lima Barreto (ANTÔNIO,1995, p.10).
2.1 O COTIDIANO DO SUBÚRBIO COMO ESTRATÉGIA TEXTUAL EM
CLARA DOS ANJOS
Percebe-se, em Clara dos Anjos, obra concluída em 1922 e publicada
somente em 1948, que Lima Barreto se apropria de forma peculiar da
problemática social como marca principal de sua obra, havendo temas voltados
diretamente para questões relacionadas à exclusão social, racial e de gênero.
Lima Barreto é um escritor cuja fala e ideias originam-se no conhecimento dos
problemas dos oprimidos e humilhados.
Clara dos Anjos é um romance urbano, mais propriamente, suburbano.
Como afirma Antônio Cândido, em um romance,
51
O enredo existe através dos personagens; as personagens vivem do enredo. Enredo e personagem exprimem, ligados, os intuitos do romance, a visão da vida que decorre dele, os significados e valores que o animam” (CANDIDO, 1987. p. 534).
Lima Barreto consegue prender a atenção dos leitores pelo viés da
crítica, da ironia, através da criação de narrativas que mostram o pensamento
preconceituoso da sociedade brasileira. E o objeto de tal preconceito (social) é
o subúrbio. Não apenas o subúrbio em si, mas o que ele representa. Lima
Barreto se apropria dos acontecimentos e das peculiaridades dos subúrbios
para criar um tipo de romance precursor. A apresentação das mazelas funciona
como forte elemento estratégico romanesco. Aparentemente se trata de um
romance urbano, por ter seu enredo instalado em um espaço da cidade. É
importante refletir sobre o fato de que como par antagônico de cidade,
costuma-se ter o meio rural. Mas no caso das narrativas limabarretianas nem
se tem um romance rural, nem urbano, pois, de acordo com os narradores e
mesmo com o cronista Lima Barreto, nega-se ao espaço físico ocupado pelos
personagens de Lima Barreto as benesses da cidade. Se não se deixa de estar
na cidade, o subúrbio, entretanto não vive sob a lógica urbana, propriamente
dita. Assim, o romance limabarretiano é, não um romance urbano, mas
suburbano e Clara dos Anjos é um bom exemplo disso. Para o autor o subúrbio
era um espaço habitado pela população marginalizada e ignorada. “...Lima
Barreto nos mergulha nos subúrbios pobres e humildes do Rio de Janeiro dos
primeiros anos do século XX. O retrato do meio suburbano no romance
póstumo encaixa perfeitamente os personagens menores que circundam a
heroína patética...” (OAKLEY, 2011, p. 204/205).
As autoridades públicas do início do século XX eram conservadoras e
partilhavam das mesmas ideias da elite. Lima, através de seus textos literários
e de uma linguagem mais popular, denuncia as humilhações impostas à mulher
mulata, pobre e moradora do subúrbio. Escritor e também morador do
subúrbio, Lima Barreto sofreu na pele o descaso por ser suburbano e negro,
devido a isso, pretendia, com suas obras, aguçar no seu público leitor, uma
reflexão e um comportamento contra estes valores preconceituosos. Assim
como Lima Barreto, é importante citar, aqui, o escritor e professor de literatura
Joel Rufino dos Santos e a escritora Carolina Maria de Jesus que são figuras
52
importantes para a história brasileira por tratarem de questões que, para a
sociedade, era pano de fundo, sendo postergadas por muito tempo. A crítica
indiana Gayatri Chakravorty Spivak, ao escrever sobre o subalterno dando
ênfase à questão da mulher, mais especificamente, permite que se discuta que,
de certa forma, a mulher e o suburbano são subalternos. Lima Barreto,
portanto, não lutou sozinho e tem sido cada vez mais reconhecido e “vem
entrando para o cânone literário brasileiro” (FRAZÃO, 2013, p. 550). Lima
Barreto era um intelectual que trazia os seus inconformismos para a literatura
e, portanto, rompia com a tradição, buscando uma literatura militante e
diferenciada “que lhe permitisse travar diálogos no intuito de combater os
problemas sociais e culturais que percebia na cidade do Rio de Janeiro,
espelho naquele momento do país” (NORONHA, 2009, p.45).
Sérgio Buarque de Holanda, no prefácio da obra, edição de 1974, de
Clara dos Anjos, retrata o subúrbio como um lugar dos refugiados onde Lima
Barreto viveu e escolheu como cenário, um ambiente em que tinha o privilégio
de conhecer bem e onde os moradores compartilhavam dos mesmos
problemas e se ajudavam.
“O subúrbio”, diz, “é o refúgio dos infelizes. Os que perderam o emprego, as fortunas; os que faliram nos negócios, enfim, todos os que perderam a sua situação normal vão se aninhar lá; e todos os dias, bem cedo, lá descem à procura de amigos fiéis que os amparem, que lhes deem alguma coisa, para o sustento seu e dos filhos (HOLANDA, 1956, p.7).
A solidariedade suburbana, como se pode depreender do fragmento
citado, é um elemento que se distancia da individualidade própria dos espaços
mais privilegiados da cidade. Mas o vírus da cidade, como poderia afirmar o
cronista Lima Barreto, infesta também as periferias. A periferia imita o centro.
Isso é comum. O comportamento da família de Cassi Jones é um exemplo
disso. Dona Salustiana e suas filhas Catarina e Irene eram vaidosas e
ambiciosas. A mãe de Cassi é um exemplo de uma participante da sociedade
brasileira do início do século XX que se esmerava em ser uma senhora
elegante da elite e se achava superior aos seus “vizinhos” do subúrbio e as
irmãs de Cassi tinham grande desprezo por ele, por conta de sua conduta
moral e a falta de modos educados e ignorância do rapaz.
53
Chico Buarque de Holanda compôs a canção “Gente Humilde”, em
parceria com Garoto e Vinícius de Morais, que retrata o olhar de quem vive na
cidade e percebe o subúrbio, as suas características, a sua gente, o seu modo
de viver e também a força do pobre que vive às margens e consegue seguir em
frente apesar dos descuidos e esquecimento do poder público.
Gente Humilde
Tem certos dias
Em que eu penso em minha gente
E sinto assim
Todo o meu peito se apertar
Porque parece
Que acontece de repente
Feito um desejo de eu viver
Sem me notar
Igual a como
Quando eu passo no subúrbio
Eu muito bem
Vindo de trem de algum lugar
E aí me dá
Como uma inveja dessa gente
Que vai em frente
Sem nem ter com quem contar
São casas simples
Com cadeiras na calçada
E na fachada
Escrito em cima que é um lar
Pela varanda
Flores tristes e baldias
Como a alegria
Que não tem onde encostar
E aí me dá uma tristeza
No meu peito
Feito um despeito
De eu não ter como lutar
E eu que não creio
Peço a Deus por minha gente
É gente humilde
Que vontade de chorar
É possível perceber características semelhantes entre a vida de Lima
Barreto e sua obra. O escritor, em Clara dos Anjos, retrata com muitos detalhes
o subúrbio carioca para onde precisou deslocar-se junto com sua família e
viveu grande parte de sua vida. Conheceu muito bem as ruas, as casas, os
problemas e moradores do lugar.
O subúrbio propriamente dito é uma longa faixa de terra que se alonga, desde o Rocha ou São Francisco Xavier, até Sapopemba, tendo para eixo a linha férrea da Central. Para os lados não se aprofunda muito, sobretudo quando encontra
54
colinas e montanhas que tenham a sua expansão; mas, assim mesmo, o subúrbio continua invadindo, com as suas azinhagas e trilhos, charnecas e morrotes... Há casas, casinhas, casebres, barracões, choças, por toda a parte onde se possa fincar quatro estacas de pau e uni-las por paredes duvidosas (BARRETO, 2005, p.68).
Lima andava pelas ruas do subúrbio com o seu olhar atento às
transformações com a criação dos bondes e trens. Diariamente, o escritor
embarcava na estação do Méier até a estação de Todos os Santos, para
chegar ao seu destino, a Secretaria da Guerra, seu local de trabalho, e ficava a
observar os espaços geográficos do subúrbio.
Essa limitação geográfica é a primeira marca social em Lima Barreto. Não tendo escrito senão sobre pessoas e coisas de uma parte de sua cidade, pode retratá-las contra um fundo claro e preciso. Esse pequeno espaço físico, olhado por ele, mais parecia uma boca de poço, abertura para uma funda trama de relações sociais (SANTOS, 2004, p.106).
Os espaços periféricos ganharam destaque em sua obra, dando ênfase
ao preconceito social, à exclusão dos pobres. Pode-se se dizer que, na obra de
Lima Barreto, a vida está constantemente a misturar-se com a arte. Joel Rufino
destaca o movimento dialético da vida e obra do autor.
O movimento real vida-obra nunca é mecânico, como acreditam os biografistas – até mesmo aqueles que prezam o autor de Policarpo Quaresma. É dialético: sofrimentos do escritor o aproximaram da corrente renovadora das ideias da sua época – que em literatura era antiestetizante – o que lhe permitiu enxergar a dimensão social de certos fenômenos, o que, pôr sua vez, o levou à criação literária de situações, personagens e ambientes típicos. O final deste processo foi o escritor fazer-se personagem de si mesmo, se retratando quando retratava a classe média pobre do primeiro subúrbio carioca. Essa auto retratação foi encarada, frequentemente, como deficiência, intemperança, imaturidade etc., o que não se sustenta (SANTOS, 2004, p. 107).
Lima Barreto também observava o cotidiano da população suburbana e
criticava os problemas que os moradores do subúrbio sofriam: “Por esse
intrincado labirinto de ruas e bibocas é que vive uma grande parte da
população da cidade, a cuja existência o governo fecha os olhos, embora lhe
55
cobre atrozes impostos, empregados em obras inúteis e suntuárias noutros
pontos do Rio de Janeiro” (BARRETO, 1974, p. 69). Não escapava aos olhos
do escritor a desigualdade entre o espaço do subúrbio e da cidade do Rio de
Janeiro, entre a elite e os pobres, o luxo e o lixo, os holofotes em direção ao
centro da cidade e a invisibilidade e exclusão daquela gente humilde do
subúrbio. A elite carioca “tentava esconder, qual sujeira, essa população
embaixo do tapete, isto é, empurrava-a para os lugares mais recônditos da
cidade, com a justificativa da necessidade de modernizar a cidade”. (LIMA,
2012, p.1)
O escritor ousa trazer para a ficção elementos comuns, do dia-a-dia. Totalmente despido de qualquer subterfúgio, quer seja com a linguagem rebuscada ou quanto à posição social. Trouxe para a obra: pessoas, fatos e acontecimentos, que antes dignos de uma nota apenas nas páginas policiais, podendo resumir em uma única palavra: o subúrbio (FREIRE, 2005, p.99).
No romance Clara dos Anjos, o narrador mostra através do olhar do
personagem Cassi Jones, o sentimento de pertencimento que o personagem
sentia em seu lócus, o subúrbio, e a estranheza que sentia ao estar no centro
da cidade. Cassi se sentia importante e influente no subúrbio, entretanto na
cidade, ele era só mais um, sentia-se perdido e inferior.
.
No subúrbio, tinha os seus ódios e os seus amores; no subúrbio tinha os seus companheiros, e a sua fama de violeiro percorria todo ele, e, em qualquer parte, era apontado; no subúrbio, enfim, ele tinha sua personalidade, era Cassi Jones de Azevedo; mas ali, sobretudo do Campo de Sant’Ana para baixo, o que era ele? Não era nada. Onde acabavam os trilhos da Central, acabava a sua fama e o seu valimento, a sua fanfarronice evaporava-se, e representava-se a si mesmo como esmagado por aqueles “caras” todos, que nem olhavam (BARRETO, 2005, p. 112/113).
Ao se deparar com uma realidade social diferente da sua, outras regras,
condutas, linguagem, gostos, vestimenta, Cassi percebe sua subalternidade
por não se enquadrar nos costumes da cidade.
Na “cidade”, como se diz, ele percebia toda a sua inferioridade de inteligência, de educação; a sua rusticidade, diante
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daqueles rapazes a conversar sobre coisas de que ele não entendia e a trocar pilhérias; em face da sofreguião com que liam o placards dos jornais, tratando de assuntos cuja importância ele não avaliava, Cassi vexava-se de não suportar a leitura; comparando o desembaraço com que os fregueses pediam bebidas variadas e esquisitas, lembrava-se que nem mesmo o nome delas sabia pronunciar; olhando aquelas senhoras e moças que lhe pareciam rainhas e princesas, tal e qual o bárbaro que viu, no Senado de Roma, só reis, sentia-se humilde; enfim, todo aquele conjunto de coisas finas, atitudes apuradas, de hábitos de polidez e urbanidade, de fraqueza no gastar, reduziam-lhe a personalidade de medíocre urbano suburbano, de vagabundo doméstico, a quase coisa alguma (BARRETO, 2005, p. 113).
Pode-se observar que os problemas do subúrbio apresentados no
século XIX continuam sendo bem parecidos com os atuais, e os suburbanos,
como costumava dizer o autor, continuam sendo alvo do descaso.
A rua em que estava situada a sua casa desenvolvia-se no plano e, quando chovia, encharcava e ficava que nem um pântano; entretanto, era povoada e se fazia caminho obrigado das margens da Central para a longínqua e habitada freguesia de Inhaúma. Carroções, carros, autocaminhões que, quase diariamente, andam por aquelas bandas a suprir os retalhistas de gêneros que os atacadistas lhes fornecem, percorriam-na do começo ao fim, indicando que tal via pública devia merecer mais atenção da edilidade (BARRETO, 1974, p. 11).
Joel Rufino, em sua obra Épuras do social, mostra o pobre, também,
pelo viés da literatura, que ele caracteriza como uma área capaz de comunicar
sobre afeições e desejos e não apenas estatísticas socioeconômicas.
Pobre é uma categoria fluida mas real – é um estado, uma maneira de ser, instituída no passado pela vadiagem e vagabundagem, produtos da desterritorialização primitiva ( e sua variante, a despossessão) e, hoje, pela desclassificação. Um proletário (ou semiproletário) vendedor de mão-de-obra no mercado de trocas capitalistas pode ser pobre por qualquer dos indicativos sociais à disposição, mas um pobre não é necessariamente um proletário (ou mesmo semiproletário). Frequentemente em nosso país ele é o que se vira, uma mão de obra informal, um trabalhador livre da economia não-capitalista que, desde a liquidação do escravismo se desenvolveu ao lado da outra. Pobre é o proletário mais uma certa afeição e um certo desejo – o desejo sobrante -, é aquele a quem falta vocação para o trabalho continuado e espírito de poupança, requisitos da condição de proletário do capital (sic),
57
sem falar que lhe falta, absolutamente, a habilidade de explorar o trabalho de outrem (iniciativa privada) (SANTOS, 2004, p. 72/73).
2.2 SUBALTERNIDADE: A MULHER SUBURBANA
Clara dos Anjos, a protagonista do romance, é uma jovem por volta de
seus dezessete anos, proveniente de uma família pobre e moradora do
subúrbio que “era tratada pelos pais com muito desvelo, recato e carinho, e, a
não ser com a mãe ou pai, só saía com Dona Margarida, uma viúva muito
séria, que morava nas vizinhanças e ensinava Clara bordados e costuras”
(BARRETO, 2005, p. 18). Pode-se perceber que, neste fragmento inicial, o
narrador apresenta Clara para o leitor como uma menina frágil e ingênua, dócil,
prendada e obediente aos pais. O recato - tido por muitos como ultrapassado
também é um elemento tradicional do suburbano que o diferenciava da cidade
no início do século XX.
A jovem era a segunda filha, a única sobrevivente, da dona de casa
Engrácia, uma mulher católica, caseira e sedentária e do carteiro Joaquim dos
Anjos, um homem de boa fé, também caseiro, acreditava-se músico, gostava
de tocar flauta, cantar modinhas e adorava passar as tardes de domingo
jogando solo com seu compadre Marramaque e seu amigo Eduardo Lafões. É
possível perceber a aproximação dos moradores do subúrbio, as pessoas se
conhecem e se reconhecem e frequentam uns as casas dos outros.
Criada ao som das modinhas melancólicas e superprotegida pelos pais,
Clara era uma menina romântica que sonhava, timidamente, com o dia do seu
casamento. A idealização romântica faz da mulher uma sonhadora.
Em uma conversa na casa de Clara, Lafões pede a autorização de
Joaquim para levar em sua casa “um mestre do violão e da modinha” (2005,
p.22) no dia em que Clara aniversariasse, porém, quando o padrinho de Clara
descobre que o violeiro era Cassi Jones, fica enfurecido, pois já conhecia a
fama do rapaz através dos jornais e “viu logo os perigos que a presença do
profissional da desonra das famílias podia trazer à paz e ao sossego que
reinavam na casa de Joaquim dos Anjos” (2005, p.41). Marramaque era poeta,
convivia com escritores, literatos e por isso tinha o hábito da leitura e um
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conhecimento mais atento e crítico. Observe como o narrador descreve o
padrinho de Clara:
Na sua vida, tão agitada e tão variada, ele sempre observou a atmosfera da corrupção que cerca as raparigas do nascimento e da cor de sua afilhada; e também o mau conceito em que se têm as virtudes de mulher. A priori, estão condenadas; e tudo e todos pareciam condenar os seus esforços e os dos seus para elevar a sua condição moral e social (BARRETO, 2005, p.42).
O autor expôs, nesse fragmento, aspectos da discriminação social, racial
e de gênero sofridos por mulheres, devido ao pensamento conservador da
época, no período ainda do fim da escravidão, através de um personagem que
também é escritor e demonstra uma consciência mais criteriosa. Pode-se
refletir: Se uma mulher da raça branca sofre preconceito somente por ser
mulher, o que pensar de uma mulher mulata e pobre, moradora do subúrbio,
que vive em uma sociedade apegada às tradições e cercada por estigmas?
Para aquela sociedade, toda mulher negra e pobre tinha o destino
determinado: ser seduzida, enganada e desprezada.
Gayatri Chakravorty Spivak, estudiosa indiana, nascida em 1942, mais
conhecida por sua obra Pode o subalterno falar?, dialoga com temáticas
semelhantes às de Lima Barreto, pois aborda questões e reflexões sobre o
sujeito subalterno, mais especificamente com um olhar para a mulher indiana.
Para Spivak, o sujeito subalterno é aquele que pertence “às camadas mais
baixas da sociedade constituídas pelos modos específicos de exclusão dos
mercados da representação política e legal, e da possibilidade de se tornarem
membros plenos no estrato social dominante” (SPIVAK, 2010, p.13 e 14).
A classe subalterna, também denominada de “povo” na tradução da obra
de Spivak, era criada para continuar na mesma classe, excluídos pela elite,
sem a oportunidade de crescimento intelectual, cultural e social, e sem ter voz
naquela sociedade de opressão. Será Clara dos Anjos uma mulher subalterna?
Para a mulher, a situação se complicava ainda mais: se a fala do subalterno é
ofuscada, “a mulher subalterna encontra-se em uma posição ainda mais
periférica pelos problemas subjacentes às questões de gênero” (SPIVAK,
p.17). No período colonial, o cenário era dominado pelo gênero masculino,
portanto o poder estava nas mãos dos homens e as mulheres não podiam se
59
expressar e posicionar-se diante de seus ideais, sendo sempre subordinadas a
eles e as suas decisões. Por muito tempo, a mulher teve, na sociedade, o
papel de subalterna, deveria ser dona de casa, religiosa, submissa e “muda”,
enquanto o sexo masculino era considerado a parcela dos intelectuais, donos
do poder e da fala.
Assim como Lima Barreto faz em Clara dos Anjos, obra analisada neste
trabalho, Spivak também destaca o lugar periférico reservado à mulher pobre e
negra que, assim como Clara, carrega consigo todas as questões e
estereótipos que se referem à condição de marginalidade e subalternidade
feminina: a questão do gênero, da cor e da pobreza. Refletindo sobre o título
da obra O subalterno pode falar? percebe-se que, nesse contexto, o silêncio da
mulher não era uma opção e sim uma imposição sociocultural.
A única filha do carteiro, Clara, fora criada com o recato e os mimos que, na sua condição, talvez lhe fossem prejudiciais. Puxava a ambos os pais. O carteiro era pardo-claro, mas com o cabelo ruim, como diz; a mulher, porém, apesar de mais escura, tinha o cabelo liso. Na tez, a filha tirava ao pai; e no cabelo, à mãe (BARRETO, 2005, p. 42).
Quando o narrador de Lima Barreto descreve as características físicas
do pai de Clara dizendo que ele é “pardo-claro, mas com o cabelo ruim”
destaca-se o sentido da palavra “mas” nesta oração. Neste caso, “mas”, como
se sabe, é uma conjunção coordenativa de adversidade. Esta oposição
provoca no leitor a ideia de que não é comum uma pessoa que é parda-clara,
ter o cabelo ruim, pois essa característica é comum à raça negra. Para além do
sentido semântico da palavra isolada, pensando no contexto do final do século
XIX e início do século XX, o autor, ao utilizar a conjunção “mas”, apresenta a
ideia de que ser pardo-claro, naquele período, era melhor do que ter um cabelo
ruim, por conta do preconceito racial da época, mostrando a superioridade do
branco em relação ao mulato e ao negro. Um outro exemplo que podemos dar
é quando o autor mostra, ao apresentar as características físicas da mãe de
Clara, que “apesar de mais escura, tinha o cabelo liso”. Neste caso, o autor
utiliza a palavra “mais com i” que nesta oração tem a função de advérbio de
intensidade, para enfatizar e permitir que o leitor perceba que a mulher que é
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muito escura, o autor quis dizer negra, sendo também ex-escrava. Não era
comum negros terem cabelos lisos. Essa era uma característica da raça
branca. Clara é a mistura das raças, mulata e de cabelo liso. Por isso, acaba
também sofrendo preconceito por ser filha de uma negra e pobre. Esse era o
estigma e o destino da figura feminina apresentada por Lima Barreto.
Um aspecto importante a ser observado está na dessemelhança entre a
escolha do título da obra e a personagem principal, visto que “Clara”, de fato
não é clara, branca, mas mulata. Já, “Anjos” se deve à compreensão de
pureza, que também perde seu sentido ao longo do enredo, quando a
personagem é seduzida por Cassi. Percebe-se, através dessas contradições, a
ironia construída pelo autor com o propósito de provocar e despertar o leitor
para a reflexão. “A contradição do nome também serve para reafirmar a crítica
à fatalidade sócio-racial na obra. Dessa forma, o nome Clara dos Anjos e as
referências evocadas assumem o papel de polo contraditório da denúncia”
(FURTADO, 2003, p.82). Outra contradição se encontra na presença dos
personagens Cassi e Dona Salustiana, mãe e filho. Pode-se perceber que a
maneira de ser desses personagens mostra que o subúrbio não é um espaço
onde moram somente pessoas que se ajudam e se respeitam, também existem
pessoas preconceituosas e arrogantes. Enquanto Cassi gostava de morar no
subúrbio, porque lá conseguia realizar suas falcatruas, o mesmo se vestia de
acordo com a moda, porém não se sentia bem quando tinha que andar pelas
ruas da cidade, pois ninguém o conhecia e sentia-se inferior. Sua mãe,
entretanto, que tinha um ar de superioridade, preferia morar na cidade. Porque
o vilão do romance era um homem branco? Seria Lima Barreto
preconceituoso? São questões a serem refletidas ao longo da análise.
Clara dos Anjos é um romance pautado na denúncia. O autor, através da
história dos personagens, apresenta críticas a uma sociedade racista, restritiva
e excludente, e a uma cultura que determina as pessoas pela cor e pela classe
social. É possível muitas vezes confundir a realidade com a ficção, pois,
conhecendo a biografia de Lima Barreto, sabe-se que o autor sofreu com a
discriminação. Destaca-se que o Barreto “fez sua opção pelos pobres,
oprimidos, negros, mulatos e afro-descendentes, denunciando a sociedade
hipócrita, a corrupção, o literato empoado da belle époque e aproveitadores de
mulatas ingênuas” (SOUZA, 2008, p. 2).
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Clara era uma menina sonhadora. “Habituada às musicatas do pai e dos
amigos, crescera cheia de vapores de modinhas e enfumaçara a sua pequena
alma de rapariga pobre e de cor com os dengues e o simplório sentimentalismo
amoroso dos descantes e cantarolas populares” (2005, p.42). O pouco que
Clara pôde ouvir da conversa do seu pai com os amigos, fez a jovem suspirar
como se estivesse ouvindo poesias, pois a ingenuidade da menina não a
deixava perceber o perigo.
Com esse estado de espírito, o seu anseio era que o pai consentisse a visita do famoso violeiro, cuja má fama ela não conhecia nem suspeitava, devido ao cerco desvelado que a mãe lhe punha à vida; entretanto, supunha que ele tirava do violão sons mágicos e cantava coisas celestiais (BARRETO, 2005, p. 43).
2.3 CULTURA POPULAR E PRECONCEITO: A LINGUAGEM
LIMABARRETIANA
Com o consentimento dos pais de Clara e, principalmente, por conta da
curiosidade de Joaquim, que gostava de música, lá esperavam Cassi Jones, o
violeiro sedutor, dentro da casa do carteiro. Observe a descrição minuciosa que
o autor faz de Cassi:
“um rapaz de pouco menos de trinta anos, branco, sardento, insignificante, de rosto e de corpo; e conquanto fosse conhecido como consumado “modinhoso”, além de o ser também por outras façanhas verdadeiramente ignóbeis, não tinha as melenas do virtuose do violão, nem outro qualquer traço de capadócio. Vestia-se seriamente, segundo as modas da rua do Ouvidor; mas pelo apuro forçado e o degagé suburbanos, as suas roupas chamavam a atenção dos outros, que teimavam em descobrir aquele aperfeiçoadíssimo “Brandão”, das margens da Central, que lhe talhava as roupas. A única pelintragem, adequada ao seu mister, que apresentava, consistia em trazer o cabelo ensopado de óleo e repartido no alto da cabeça, dividido muito exatamente ao meio – a famosa “pastinha”. Não usava topete, nem bigode. O calçado era conforme a moda, mas com os aperfeiçoamentos exigidos por um elegante dos subúrbios, que encanta e seduz as damas com o seu irresistível violão (BARRETO, 2005, p. 23).
62
O narrador não se limita a descrever as características de Cassi apenas
fisicamente. É possível perceber que o mesmo apresenta o personagem com
palavras ríspidas e coloquiais, com conotações negativas. Descreve um
personagem branco sem conteúdo, que pensa apenas em ter o seu
momentâneo prazer.
Nessa passagem, impõe-se a questão do uso que o narrador
limabarretiano faz de termos populares, como pelintragem. Tal utilização da
linguagem é contrária aos usos parnasianos, beletristas da época de Lima
Barreto e, mais importante ainda, antecipa a escrita modernista, ainda que
timidamente. Percebe-se, também, nesse mesmo trecho, o uso de um
estrangeirismo, “degagé”. Mas tal estrangeirismo era de uso comum entre os
literatos, funcionando como fator distintivo, por tratar-se do conhecimento de
uma língua estrangeira. O erro linguístico, no caso, é entendido pelas elites da
linguagem como fator benéfico, quando, em realidade, pode funcionar como
fator social opressivo. Esse costume é corriqueiro nos meios acadêmicos, em
que pedantismo, muitas vezes funciona, ainda, como cartão de visitas.
Nesse mesmo fragmento, apresenta-se um elemento que aponta para
outra forma de preconceito que não o relativo à linguagem, tratado no
parágrafo anterior. Trata-se do preconceito relativo à cultura popular. O violão
era considerado instrumento de “pelintras” sedutores como o personagem.
Cassi James. Para reforçar a presença desse preconceito, pode-se remeter a
outro personagem conhecido, da galeria de artistas populares de Lima Barreto,
Ricardo Coração dos Outros. Esse personagem, amigo inseparável do Major
Policarpo Quaresma, era professor de violão e modinheiro. “Um violão em casa
tão respeitável! Qual seria?” (BARRETO,1956, p. 7). Causava estranheza na
vizinhança a presença de Coração dos Outros na casa do respeitado Major. “É
preconceito supor-se que todo homem que toca violão é um desclassificado. A
modinha é a mais genuína expressão da poesia nacional e o violão é o
instrumento que ela pede” (BARRETO,1956, p. 8). O narrador ressalta mais
uma vez o preconceito que envolve a temática limabarretiana.
Cassi era “modinhoso” e praticava “ações ignóbeis”, embora não
apresentasse explicitamente traços de capadócio, de malandro, pois vestia-se
como os homens da elite, da rua do Ouvidor. Usava “pastinha”, penteava-se,
também, à moda, mas não conseguia ocultar sua origem suburbana. Era, em
63
realidade, um “galã” suburbano, habitante das “margens da Central”. A visão
crítica do narrador em relação ao suburbano que imita a moda da rua do
Ouvidor é potente.
Acrescenta-se ao que se disse acima, que Cassi é apresentado como
um “pelintra”, um homem pobre que se acha superior e que se aproveita das
outras pessoas e oculta o fato de ser trapaceiro. O personagem se disfarça de
bom moço. O sedutor usa o violão, instrumento popular da época, para
conquistar as moças humildes. Para a elite, as pessoas que costumavam tocar
esse instrumento não eram bem vistas, o violão era sinônimo de malandragem
e de uma vida sem regras e de vícios. O autor se refere a Cassi muitas vezes
como violeiro e em nenhum momento como violonista, utilizando, assim, uma
expressão bem popular, fora dos padrões da Academia e pejorativa para se
referir ao personagem.
A escrita de Lima Barreto, como se disse anteriormente, foi considerada
como menor. Foi criticada por conta do estilo e de supostas imperfeições
gramaticais, portanto, considerada errada e de mau gosto, pois a forma de
prestígio usada pelos escritores da elite carioca era a norma culta.
José Veríssimo foi um dos críticos a se manifestar sobre a obra de Lima
Barreto, neste momento, por uma carta enviada ao escritor fazendo referência
ao livro Recordações do Escrivão Isaías Caminha, em 1910:
Sincera e cordialmente felicito pelo seu livro. Há nele o elemento principal para o fazer superior, talento. Tem muitas imperfeições de composição, de linguagem, de estilo, e outras mesmo, estou certo, será o primeiro a reconhecer-lhe, mas com todos os senões é um livro distinto, revelador, sem engano possível, de talento real (BARRETO, 1956, p. 204).
Nelson Werneck Sodré também faz sua crítica sobre o conjunto da obra
de Lima Barreto: “Numa obra desigual, pontilhada de graves defeitos, realizada
com deficiências insanáveis, descuidada na forma, por vezes desconexa, Lima
Barreto situou precisamente, no quadro em que era possível situar, os
contrastes de uma sociedade em fase de mudança” (1969, p. 462).
As obras de Lima Barreto não foram reconhecidas em vida por conta da
linguagem que utilizava em seus textos, o mesmo era considerado desleixado
pela crítica e pelos assuntos “menores” que abordava. Para Lima Barreto “o
64
escrever só beneficia aquele que adapta sua obra escrita ao discurso daqueles
que estão no poder” (OKLEY, 2011, 121). Lima tinha consciência da sua
escolha, entretanto, apesar das consequências de não reconhecimento, o autor
foi fiel ao estilo da sua literatura militante utilizando a linguagem como
estratégia.
Como exemplo do que aqui se afirma, temos a renomada crítica Lúcia
Miguel Pereira que apontava o cacófato existente no título da obra Vida e morte
de M. J. Gonzaga de Sá como puro desleixo. Já Machado de Assis, com quem
era e continua sendo comparado até os dias atuais, sempre foi elogiado e
considerado um dos mais importantes escritores da literatura brasileira por
vários motivos, dentre eles, por ter utilizado uma linguagem acadêmica e
dentro dos padrões da época. Para Antônio Houaiss, a questão do cacófato ou,
pseudo-cacófato, não indica fraqueza textual, para ele,
parece descabida a crítica que se quer – levianamente – fazer ao pseudocacofônico M. J. Gonzaga De Sá. Quem acompanhar, [...], os escritos em que a eleição desse título se torna definitiva no ânimo de Lima Barreto saberá quanto de deliberação há nele, já no que pudesse encerrar de tradicional, já no que possa ter de sonoridade e evocação; não há dúvida, de outro lado, que “emijó”, ou melhor, “emijota”, só por má fé, aliás, responsável por tanto estilo falso, mercê de inversões e sinonímias ad hoc, não expressivas, que, satisfazendo ao medo de incidir em cacofonias, empobrece a efetividade da comunicação e da expressão, criando coerções – tal o horror às repetições, aos cognatismos – horror que muitas vezes é responsável por imprecisões, obscuridades, ambigüidades e defeitos outros (HOUAISS, 1956, p. 33).
Pode-se perceber através das avaliações apresentadas que, ressaltando
sempre a linguagem considerada desleixada utilizada por Lima Barreto, alguns
críticos não tiveram a sensibilidade para perceber o início de um novo processo
que rompia com os modelos tradicionais da época.
Suas ideias literárias são reforçadas através do uso da metalinguagem nos romances. Assim sendo, compreende-se que a decisão do escritor em romper com os modelos literários vigentes era mais do que uma necessidade, pois a linguagem usada não mais atendia à evolução cultural e às exigências do período (FREIRE, 2005, p. 115).
65
O escritor privilegiava uma literatura e uma linguagem acessíveis e
diretas que fossem compreendidas por todos, ao invés de se preocupar apenas
com os preceitos gramaticais da academia. A escrita de Lima Barreto é
compreensível e, portanto, o mesmo recebeu uma crítica considerada
exagerada por parte da elite.
Antônio Houaiss foi um dos poucos críticos que não via a escrita de Lima
Barreto como problema, pelo contrário, para ele, a escrita era um recurso
conscientemente usado pelo autor e que enriquecia seus textos realistas.
Lima Barreto não poderá, porém – senão levianamente – ser considerado um absenteísta ou ignorante da problemática da correção e da eficácia da estética da linguagem. E, correto ou incorreto, de bom ou mau gosto, foi incontestavelmente um escritor muito consciente dos móveis e fins, recurso e meios – inscrevendo-se como um dos maiores, senão o maior, dos escritores realistas desta fase crítica de nossa evolução social. E isso com tal riqueza de “comunicação” e de “expressão”, que qualquer orientação gramatical ou estilística se pode comprazer em ver quantas questões queira, ligadas à formulação prática, lúdica, expositiva, silogística, impressiva- a, expressiva, automática ou trabalhada do problema da arte literária (HOUAISS 1956, p. 10).
Os personagens e os enredos dos contos, romances e crônicas muito
tinham a ver com a vida do autor. “A obra deste escritor é, em grande parte,
uma confissão mal escondida, confissão de amarguras íntimas, de
ressentimentos, de malogros pessoais, que nos seus melhores momentos ele
soube transfigurar em arte” (HOLANDA, 1956, p. 9).
Lima Barreto foi um escritor de coragem que escreveu seus textos para
demonstrar o que pensava sobre o mundo para, de alguma forma, despertar a
sociedade para outras práticas e reflexões, e, por isso, na época, causou
grandes insatisfações. A linguagem coloquial utilizada foi um recurso
estratégico para demonstrar seu descontentamento. “Lima Barreto, ao
posicionar-se contra os padrões linguísticos vigentes, tem pleno domínio de
suas convicções e de seus limites. E, por isso, não esconde a preocupação em
dominar a forma, mesmo que, depois, estrategicamente a repudie” (FREIRE,
2005, p.107).
66
Para o autor, era de extrema importância dominar a norma culta, assim
podia cometer falhas em relação ao padrão tradicional da língua com
segurança. “Enquanto rechaçava – no plano do conteúdo – os mandos e
desmandos de uma sociedade discriminativa, preconceituosa, no tratamento da
linguagem imprimia processo semelhante negando toda e qualquer forma
representativa do status oficial, abrindo, assim, espaço para o olhar do novo”
(FREIRE, 2005, p.106 e 107).
O que aparentava ser o grande problema da obra limabarretiana por
muito tempo, a linguagem “deficitária” e de “mau gosto”, passou a ser visto
como uma possibilidade de transformação com a criação de um novo estilo, um
estilo revolucionário se pensarmos no período em que o autor escreveu, final
do século XIX e as primeiras décadas do século XX, e na estética gramatical
vigente e imposta pela sociedade elitista.
Ao adotar uma linguagem popular, deixa de lado toda a pompa, os floreios de uma linguagem rebuscada, acadêmica, fortemente em uso e defendida como critério para uma literatura de valor. Somado a isso, Lima posiciona-se contra o distanciamento que os escritores mantêm do público, ou melhor, do povo (FREIRE, 2005, p. 65).
O autor levantava a bandeira da liberdade através da linguagem.
“Liberdade de uma linguagem que – mais próxima do receptor – pode,
expressar e denunciar questões da realidade nacional pouco visitadas: o
preconceito racial, a luta pela sobrevivência, a manutenção da vida fora dos
eventos sociais” (FREIRE, 2005. p. 22).
Segundo Freire, a literatura de Lima Barreto passava a ter uma função
social, por dois motivos:
Primeiro, o homem de Lima Barreto vê-se impedido de ter aquilo que lhe é direito, devido ao preconceito racial e aos inúmeros sofrimentos que o acompanham por toda a vida. Segundo, o intelectual Lima Barreto percebe a grande distância entre o poder público e o indivíduo. Ou melhor, as classes dirigentes e o povo. Quando reivindica sempre inclui o próximo, transformando a obra literária em uma reivindicação coletiva (FREIRE, 2005, p.67).
67
A obra literária de Lima Barreto apresenta um forte olhar crítico e uma
tensão provocada pelas denúncias e questões da época que eram camufladas.
O posicionamento a favor do povo custou-lhe o reconhecimento que tanto
ansiava. Beatriz Rezende destaca:
Lima Barreto não é “um escritor-proletário” (haverá algum?), mas é certamente, por sua obra literária e jornalística, por sua biografia e opção ideológica, dos escritores mais profundamente ligados aos pobres e empobrecidos, aos trabalhadores e desempregados, em nossa literatura (RESENDE, 1983, p.74).
Esse tom de crítica é uma característica advinda do período do realismo
que antecede o movimento em que o autor está inserido, pré-modernismo, mas
que também influenciou sua maneira de se expressar e de apresentar seus
inconformismos. “A apresentação do real para o autor reflete a tentativa de
recompor, na literatura, o homem e realidade em relação a ele mesmo,
objetivando uma auto-reflexão sobre a própria imagem. Por isso, para o escritor
a obra literária tem o poder de atuar como elemento de transformação social”
(FREIRE, 2005, p.112).
2.4 O SUBURBANO E O PRECONCEITO
A personagem Clara dos Anjos não disfarçava o descontentamento por
não ver Cassi em seu aniversário, ela estava bem vestida e ansiosa, pronta
para encontrá-lo. Quando Cassi chega, para o desgosto dos rapazes, as
damas da festa ficam alvoroçadas e o jovem logo é apresentado aos donos da
casa e à menina de personalidade frágil, Clara que, apesar da má fama do
rapaz, estava encantada e curiosa para conhecê-lo.
O violeiro, expressão utilizada pelo autor ao se referir a Cassi Jones,
ficava a observar a beleza de Clara e a devorar com seu olhar os movimentos
da moça, enquanto ela dançava. Observa-se que, na literatura brasileira,
devido aos resquícios do período escravista, uma forte inclinação a se tratar as
personagens mulatas pelo viés da sexualidade e sensualidade. Lima Barreto,
através de sua ironia e crítica, mais uma vez, destaca o preconceito de gênero
e raça, visto que elas são consideradas e reduzidas a objeto de uso sexual.
68
Pela visão expressa pelo narrador, Cassi é mais um homem branco a exercer o
seu poder viril sobre os corpos das negras e mulatas, “presas fáceis” as quais
eram subordinadas às necessidades sexuais de seus senhores e não era
necessário se estabelecer entre eles uma união legal.
A pedido de Clara, Cassi, que havia recusado o convite do pai da moça,
resolve cantar uma modinha para impressioná-la. Clara sente um
contentamento e se perde em seus próprios pensamentos sonhadores ao
sentir a emoção de Cassi ao dizer os versos daquela modinha.
Clara, que sempre a modinha transfigurava, levando-a a regiões de perpétua felicidade, de amor, de satisfação, de alegria, a ponto de quase ela suspender, quando as ouvia, a vida de relação, ficar num êxtase místico, absorvida totalmente nas palavras sonoras da trova, impressionou-se profundamente com aquele jogo de olhar, com que Cassi comentava os versos da modinha. Ele sofria, por força, senão não punha tanta expressão de mágoa, quando cantava- pensava ela (BARRETO, 2005, p.49).
Segundo o que afirma o narrador, Cassi sabia como seduzir as moças
humildes, forçava um sentimento que não existia e Marramaque, um poeta
inteligente e padrinho de Clara, percebe a má intenção do rapaz com sua
afilhada e expressa a sua insatisfação através do seu olhar fixo para aquele
rapaz. Logo, Cassi se despede dos donos da casa, de Clara e se vai.
Ao final da festa, surpreendentemente, Dona Engrácia, uma mulher
pacata, passiva e submissa, expressa sua opinião sobre o violeiro. Alertada por
Dona Margarida sobre a má conduta de Cassi, a mãe de Clara, que sempre
protegeu a menina e a isolou do mundo ao em vez de instruí-la, diz que não
quer mais que o rapaz entre em sua casa e Joaquim concorda com aquela
opinião. Clara, inexperiente, não entende a injustiça de seus pais e sofre em
silêncio.
Clara foi educada e criada sob o olhar de uma família patriarcal, cujo pai
sustentava a família e a mãe cuidava rigorosamente da jovem e a preparava
para ser uma boa esposa e mãe. A maior preocupação de Dona Engrácia,
mulher sem ambições, era garantir o matrimônio à filha de acordo com a moral
prevalecente da época e livrá-la do infeliz destino das mulheres, que assim
como Clara, negras, mulatas e pobres, eram desencaminhas, desonradas e
69
abandonadas carregando o fardo da imoralidade ao longo da vida. Clara era
uma menina desprovida de visão crítica, pois não foi criada para ter suas
próprias ideias e sim para ser submissa à realidade, sem perceber que era
mais uma vítima daquele sistema. “Clara não possui uma ideia transparente
sobre a sua situação dentro da sociedade, em parte pela educação que
recebera de seus pais” (GILENO, 2001, p.135). Lima faz uma crítica à
educação recebida pela menina, pois a mesma não conhecia o cenário
preconceituoso da época em que vivia, portanto, não teria como se defender do
perigo e das humilhações que viria a sofrer. Refletindo a cerca do preconceito
de gênero, pode-se afirmar que o sexo masculino sempre teve privilégios. Os
meninos recebiam uma educação com regalias e liberdade, enquanto as
meninas eram superprotegidas e submissas, educadas para servir o marido.
Cassi Jones, herdeiro do pensamento de uma sociedade machista,
aproveitando-se da fragilidade das moças, já havia engravidado várias
donzelas e mantido relações amorosas com mulheres casadas e, devido a
isso, já havia criado muita desordem na cidade. “Na vida, ele só via o seu
prazer, se esse prazer era o mais imediato possível. Nenhuma consideração de
amizade, de respeito pela dor dos outros (...). Só se detinha diante da força, da
decisão de um revólver empunhado com decisão” (BARRETO, 2005, p. 29 e
30). Cassi se aproveitava de sua condição socioeconômica um pouco mais
elevada que a de suas vítimas e da proteção de sua mãe, que o acudia com a
interferência de advogados para aproveitar-se das moças sem sofrer nenhuma
punição severa. Elas acabavam sempre humilhadas, sem o reconhecimento e
credibilidade da sociedade. “O seu sentimento ficava reduzido ao mais simples
elemento do Amor - a posse. Obtida esta, bem cedo se enfarava, desprezava a
vítima, com a qual não sentia ter mais nenhuma ligação especial; e procurava
outra” (BARRETO, 2005, p. 62). Apesar dos escândalos conseguia livrar-se
dos casamentos forçados, pois Dona Salustiana, que apesar de não acreditar
na inocência do filho, não admitia vê-lo casado com uma mulher sem prestígio.
Para Dona Salustiana, ter prestígio significava ter dinheiro. O preconceito social
é enfatizado quando o narrador menciona o fato de que, por Cassi ter um
pouco mais de condição social que suas vítimas, faz com que ele saia ileso das
punições aos seus atos. O autor mostra, neste caso, a força negativa do
capital, como um instrumento que gera a exclusão e a discriminação. Dona
70
Salustiana queria ver o filho casado com uma moça de “prestígio”, vinda de
uma família de posses, provavelmente do centro da cidade.
Dona Salustiana era uma personagem imponente, expressiva e também
preconceituosa, que exercia sua voz mesmo contra o pensamento do marido. A
mãe de Cassi, como afirma o narrador, “tinha fumaças de grande dama, de ser
muito superior às pessoas de sua vizinhança e mesmo as dos seus
conhecimentos” (2005, p 25). Ela se engrandecia de sua raça, valorizava os
seus e era avessa à mistura das raças. Ela era uma mulher fora dos padrões
vigentes da época, tinha sua própria opinião, lutava por seus ideais e se sentia
pertencente à fidalguia por ter um irmão capitão do exército. O autor critica,
através da personagem de Dona Salustiana, o pensamento da elite
socioeconômica carioca, o qual não aceitava a mistura entre raças e classes
sociais. Naquela época, seguindo a visão das classes hegemônicas, a
miscigenação causava o declínio da notabilidade das famílias, às quais os
negros e mulatos não deveriam pertencer, sair de seu lócus e ascender para as
classes superiores.
Entretanto, o pai de Cassi, Manuel Borges, era um homem sério e de
princípios, que mesmo amando os filhos não abdicava de puni-los por suas
falhas, “era deveras um velho simpático e respeitável; e, apesar de sua
imponência de antigo burocrata, dos seus modos um tanto ríspidos e secos,
todos o estimavam na proporção em que seu filho era desprezado e odiado”
(2005, p. 25). Nesse cenário familiar, há um enfraquecimento da família
patriarcal, no qual a mulher tem mais voz ativa que o homem.
Cassi já era mal visto pela sociedade, pois havia causado dor e
sofrimento a diversas mulheres e por isso sua família, seu pai e suas irmãs,
Catarina e Irene, não lhe dirigiam a palavra. “A mórbida ternura da mãe por ele,
a que não eram estranhas as suas vaidades, junto a indiferença desdenhosa
do pai, com o tempo, fizeram de Cassi o tipo mais completo de vagabundo
doméstico que se pode imaginar. É um tipo bem brasileiro” (2005, p. 29).
Desde muito cedo, Cassi já demonstrava um comportamento rebelde,
faltava na aula e foi expulso de um colégio católico, era viciado em cigarro e já
tinha sido preso algumas vezes. A sua criação não foi das mais favoráveis, pois
seu pai, por precisar trabalhar de dia e de noite, pouco ficava em casa para
repreendê-lo, enquanto a mãe ignorava o mau comportamento do filho e dava-
71
lhe muitos privilégios em uma sociedade em que os homens tinham liberdade
para fazer o que quisessem e as mulheres eram proibidas de tudo, precisavam
somente saber cuidar da casa, lugar onde o patriarcado prosperava e, por fim,
procriar. Cassi era um rapaz desapegado dos sentimentos, nem por sua mãe,
que lhe protegia e tão pouco pelos amigos ele demonstrava carinho,
excepcionalmente, quando precisava e possuía algum interesse, assim como
fazia com as mulheres que enganava. Suas falcatruas eram extremamente
calculadas. Através da descrição do narrador, é possível perceber a frieza de
seus planos:
Escolhia bem a vítima, simulava amor, escrevia detestavelmente cartas langorosas, fingia sofrer, empregava, enfim, todo o arsenal do amor antigo, que impressiona tanto a fraqueza de coração das pobres moças daquelas paragens, nas quais a pobreza, a estreiteza de inteligência e a reduzida instrução concentram a esperança de felicidade num Amor, num grande e eterno Amor, na Paixão correspondida (BARRETO, 2005, p. 35).
Cassi Jones gostava de luxo e riqueza, entretanto, não trabalhava, não
conseguia se fixar em um emprego e gostava de ganhar dinheiro fácil. Não
pagava suas dívidas e até sua atividade sexual era gratuita, desonrando moças
de pouca instrução, seduzindo as casadas e, depois, fugindo da
responsabilidade, com a ajuda de seu companheiro inseparável, o violão, um
instrumento que mexia com o sentimentalismo das mulheres.
Cassi, que não teve muitas regras a cumprir por ser filho homem e não
ter pais tão presentes, tornou-se uma pessoa fria e interesseira. Entretanto,
Clara dos Anjos, que sempre foi muito protegida por seus pais, e de acordo
com o pensamento da época, vivia reclusa dentro de casa, não tinha amizades
e não sabia nada da vida, era doce, ingênua e cheia de anseios nunca
compreendidos. O excesso de proteção de seus pais a fizera viver de seus
sonhos de amor, longe de qualquer perigo e totalmente fora da realidade. O
narrador mostra uma mulher que, em meio a uma sociedade machista e
preconceituosa, parece já ter nascido para ser vítima, principalmente por ser
uma mulher mulata e pobre. Por isso precisava de tanta proteção e zelo
familiar.
72
Uma dúvida lhe veio; ele era branco; e ela, mulata. Mas que tinha isso? Havia tantos casos...Lembra-se de alguns... E ela estava tão convencida de haver uma paixão sincera no valdevinos, que, ao fazer esse inquérito, já recolhida, ofegava, suspirava, chorava; e os seus seios duros quase estouravam de virgindade e ansiedade de amar (BARRETO, 2005, p. 56).
Não levando em conta o preconceito social, Clara não tinha o
discernimento de que ser mulata era um problema. Mesmo tendo acesso à
educação, essa educação não servia para a conscientização crítica de sua
identidade e sim para disfarçar o preconceito e marginalização que sofria. Dona
Engrácia educou sua filha nos mesmos parâmetros em que foi educada, nos
moldes dos filhos brancos, pois mesmo sendo filha de escravos teve esse
privilégio, porém não orientou a filha de sua situação dentro da sociedade. Para
Lima o negro deveria ser educado para lutar contra a discriminação e as
injustiças. Ser negro em uma sociedade preconceituosa é difícil ainda mais
sendo mulher.
No caso das mulheres negras o problema é ainda mais crucial, pois, impedidas pela organização patriarcal da sociedade de exercerem atividades remuneradas que não fossem ligadas ao serviço doméstico e com acesso negado à educação formal, o destino destas só poderia ser mesmo a prostituição ou o amancebamento (BORGES, 2011, p. 574).
Cassi já havia conquistado Clara e já possuía lugar nos mais profundos
pensamentos da moça, porém isso não era o suficiente, pois, para o rapaz,
Dona Margarida e Marramaque, pessoas influentes e queridas pelos pais de
Clara, estavam querendo atrapalhar e se intrometer entre dois corações que se
amavam. Era assim que Cassi, ironicamente, se referia quando falava dele e
de Clara. O fragmento a seguir confirma isso:
O que lhe parecia, por indícios aqui e ali, é que alguém se havia interposto entre ele e ela, “entre dois corações que se amam”, denunciando aos pais dela os seus maus precedentes de conquistador contumaz, de forma a trancarem-lhe aqueles
as portas de sua casa, a ele, Cassi (BARRETO, 2005, p.67).
O sedutor Cassi, com a ajuda dos colegas, tenta descobrir o que se
falava sobre sua reputação, como se pode ver no fragmento destacado
73
“fraqueza de coração das pobres moças daquelas paragens”. A problemática
da reputação, a questão da virgindade, como se viu nos(s) trecho(s)
destacado(s), era muito importante para a comunidade na qual a protagonista
se inseria. O narrador põe em destaque um elemento ligado à moral
suburbana. É comum, na obra ficcional limabarretiana, a exposição desse tipo
de aspecto dos subúrbios, muitas vezes deixado de lado por outros escritores
da época. O que aqui se diz ratifica as afirmativas de que a obra
limabarretiana, muitas vezes foi entendida como menor, por tratar de questões
“politicamente incorretas”, para usar uma expressão popular, como faria, talvez
o autor de Os Bruzundangas.
Para o desespero do rapaz, os escândalos em que havia se envolvido
não estava somente na boca do povo, estava registrado em um documento que
também tinha sido enviado a Marramaque que, por sua vez, já havia repassado
a Seu Joaquim, pai de Clara dos Anjos, para que o mesmo pudesse prevenir-
se.... “A sua fama, a sua má fama, se tinha corporificado naquele fantástico
caderno que ia ter a todas as mãos. Não era mais formada de boquejos daqui e
dali, em geral anônimos; agora, vinha documentada, com todas as indicações e
referências precisas” (BARRETO, 2005, p.75).
A situação de Cassi se complicava, porém o rapaz, espertamente,
encontrou uma maneira de conseguir o que tanto queria. Ele enxergou em
Doutor Meneses, um velho que cuidava dos dentes de Clara, a esperança e a
possibilidade de poder conversar com a moça. Não importava se desta vez ele
precisasse gastar algum dinheiro, o que não era comum. Neste caso, era uma
questão de honra.
O violeiro pediu a Meneses que entregasse uma carta para Clara.
Aquele homem, mesmo com remorso, mas vulnerável à pobreza, se rende ao
pedido do rapaz, que vinha acompanhado de alguns contos de réis. Cassi tinha
habilidade para corromper as pessoas, além das moças humildes, ele se
aproveitou de um senhor sem muitas expectativas na vida para conseguir o
que queria. Doutor Meneses intermediou aquela conversa durante um pouco
mais de um mês, enquanto tratava os dentes da moça. “Clara recebia aquelas
cartas com uma emoção de quem recebe mensagens divinas” (2005, p.99).
Apesar das cartas mal escritas, não era isso que importava, ela sonhava com
aquele violeiro que, para ela, era um cavalheiro leal, amoroso e injustiçado. As
74
palavras de Cassi deixavam as emoções da jovem à flor da pele, ora chorava,
ora estava alegre, desatenta, malcriada e esquecida. Joaquim e Dona Engrária
estranharam o comportamento da filha e a levaram ao médico. Como se podia
imaginar, não era problema de saúde e sim questões da idade e emocionais, a
menina precisava se distrair e passear um pouco.
Dona Margarida, que acompanhava Clara em seus passeios, uma
mulher sagaz, honesta, como sustenta o narrador, consegue fazer com que a
jovem diga o motivo do seu estranho comportamento. Dona Margarida também
é uma personagem expressiva dentro do enredo, sendo mulher, viúva e mais
esclarecida não se intimida por sua condição de mulher solitária. Então, Clara
conta o que sente e seus pais logo ficam sabendo, sua mãe tem uma crise de
ódio, pois ela criara a filha com tanto amor e cuidados para ela gostar logo de
um modinheiro perverso, já Joaquim não fica abismado com aquela notícia e
pensa em aceitar.
Joaquim recebeu a notícia sem demonstrar espanto. Não gostava também de Cassi. Era para ele, homem morigerado e trabalhador, um capadócio, um desclassificado, réu de polícia, muitas vezes, de quem tanto mal se dizia; mas, se ele quisesse casar com a filha, apesar de todos os seus maus precedentes, não se oporia (BARRETO, 2005, p. 100).
A opinião de seu compadre era muito importante, por isso resolveu ouvi-
lo mais uma vez. “Se o pai não quer saber dele, é porque boa coisa ele não é.
Ele não só desonra a família dos outros, como envergonha a própria” (2005, p.
101). Clara sofria ao ouvir aquelas palavras, não se manifestava, apenas
chorava. “Você não vê que, se ele quisesse casar, não escolheria Clara, uma
mulatinha pobre, filha de um simples carteiro?” (2005, p. 101). Clara não
entendia muito as coisas, menina ingênua e de pouca idade, com um raciocínio
muito limitado por conta da falta de contato com o mundo, pensava que o
sentimento de Cassi era verdadeiro e o que prevalecia era o amor entre duas
pessoas, independente de cor e classe social. “As ideias mais absurdas lhe
passavam pela cabeça. Pensou em fugir, em ir ter com Cassi, em matar-se...
Enchia-se de raiva do padrinho. Por fim, resolveu relatar, por carta, tudo o que
se passou ao namorado” (2005, p.102). Clara, iludida, acredita no futuro dessa
75
relação. E mais uma vez Meneses, que já não se achava mais uma pessoa
digna, entregou a carta a pedido de Clara.
Cassi leu a carta com os olhos fervendo e deixando transparecer toda a
sua raiva. Planejava, com frieza, dar uma surra naquele aleijado abusado,
como ele costumava dizer. Dois capangas, contratados por Cassi, bateram em
Marramaque, que acabou morrendo brutalmente devido a sua coragem de
dizer o que pensava e por sua boa índole. Morreu como um herói. Cassi, como
afirma o narrador, não tinha caráter, só pensava em si mesmo e mandou matar
um homem honesto e deficiente físico, pois o mesmo estava atrapalhando as
suas falcatruas.
Clara, ao saber do assassinato de seu padrinho, lembra-se das ameaças
que Cassi fazia a Marramaque em suas cartas, a jovem estava se sentindo
cúmplice de todo aquele acontecimento, pois havia alertado o namorado sobre
a opinião de seu padrinho. A jovem mulata começava a sentir medo do amado
e duvidar de suas boas intenções, porém eram apenas por alguns instantes,
logo voltava a sonhar e a criar desculpas para a loucura do amado, pois, para
ela, Cassi estaria defendendo e lutando pelo amor dos dois. Clara, suspirando
de amor, escreve mais uma carta para o Doutor Meneses entregar a Cassi,
além das juras de amor, a jovem consente que Cassi vá ao encontro dela.
Como toda mulher sem instrução, Clara pegou na pena e não tinha vontade de a largar. Contava detalhes, repisava juras e pedia juramentos. Um destes era o de que ele a respeitaria sempre; e, se não fizesse isso, romperia as relações com ele. Estava disposta a esperá-lo, às dez horas, na grade, daí a oito dias, e isso o fazia, porque “Seu” Meneses tinha dado o serviço dos dentes por terminado (BARRETO, 2005, p.108).
2.5- CLARA DOS ANJOS E OS ESTIGMAS SOCIAIS
As conversas de Clara e Cassi, em sua janela, deixavam a menina mais
apaixonada, pois ele usava de todo o seu talento e sedução para iludi-la com
suas palavras de amor, prometendo empregar-se e casar-se com a jovem.
Clara sonhava em se casar, foi criada para isso e via, em Cassi, a possibilidade
da concretização de seu sonho. Aquelas palavras eram músicas para o ouvido
76
de Clara, que observava aquele céu estrelado de sua janela e sonhava com o
grande dia do casamento. O casamento era o grande sonho das meninas da
época, pois era a única alternativa de sair da casa dos pais e ter a própria
família e entregar a filha virgem para o marido era uma grande
responsabilidade e honra para os pais.
Aos poucos, Cassi vai ganhando ainda mais a confiança de Clara que,
certa vez, fora de si como o narrador afirma, permite que Cassi entre em seu
quarto.
Ela não sabia decompô-lo, não sabia compreendê-lo. Lembrando-se, parecia-lhe que ela deixou de ser ela mesma, para ser uma coisa, uma boneca nas mãos dele. Cerrou-se-lhe uma neblina nos olhos, veio-lhe um esquecimento de tudo, agruparam-se-lhe as lembranças e as recordações e toda ela se sentiu sair fora de si, ficar mais leve, aligeirada não sabia de quê; e, insensivelmente, sem brutalidade, nem violência de espécie alguma, ele a tomou para si, tomou a sua única riqueza, perdendo-a para toda a vida e vexando-a, daí em diante, perante todos, sem esperança de reabilitação (BARRETO, 2005, p.119).
O narrador mostra Clara sendo manipulada e envolvida pelo violeiro
como uma menina frágil e sem escolhas ou como um objeto fácil de ser
manuseado. Ao cair em si, Clara chorava sem saber o que seria de seu
destino, pede perdão a Deus e também que Ele a salvasse da desgraça e do
abandono. A tristeza de Clara estava só começando, a jovem sonhadora se
sentia perdida, pois além de grávida, seu amado havia fugido para São Paulo.
Com toda a dor e sem grande resposta para seus anseios, Clara
começa a perceber que seu padrinho e todas as outras pessoas que falavam
das falcatruas de Cassi estavam certos e que ele não era aquele homem que
ela imaginava em seus sonhos de amor. A ingenuidade de Clara se perdera
pelo caminho. “Era mesmo o que diziam... Por que a escolhera? Porque era
pobre e, além de pobre, mulata. Seu desgraçado padrinho tinha razão...Fora
Cassi quem o matara” (2005, p.126). O preconceito social e racial é ratificado
ao dizer que Cassi sabia escolher suas vítimas, que pertencendo elas a
famílias humildes e de cor, nada poderiam fazer para prejudicá-lo. Segundo o
autor, Clara foi mais uma vítima desse covarde violeiro. “Pensou em morrer;
pensou em se matar; mas, por fim, chorou e rogou a Nossa Senhora que lhe
77
desse coragem. Se pudesse esconder?...- acudiu-lhe repentinamente este
pensamento. Se pudesse “desfazê-lo”? Seria um crime, havia perigo de sua
vida; mas era bom tentar” (BARRETO, 2005, p. 126).
Em um ato de desespero por aquele ato imoral, Clara pensa em fazer
um aborto e planeja o que fazer para conseguir o remédio abortivo. A moça
resolve, então, pedir a Dona Margarida uns trocados para comprar um presente
para a mãe. Dona Margarida, mulher séria e bastante intuitiva, estranha aquele
pedido e percebe que a jovem está enganando-a e passando por sérios
problemas. Ao olhar atento daquela senhora, Clara não consegue mais mentir,
não contém as lágrimas e confessa o acontecido para aquela que era a única
amiga que podia contar.
A primeira ordem imediata de Dona Margarida foi que Clara contasse a
verdade para a mãe, que ao saber da tragédia em que sua filha se envolvera,
não para de chorar e de questionar Deus pelo que havia acontecido com seu
bem precioso. Clara, desolada e arrependida pede perdão à mãe. Cassi
conseguira mais uma vez destruir um lar honesto e de paz, como previa o
padrinho de Clara antes de morrer.
Logo depois daquela cena, Dona Margarida e Clara seguem em direção
à casa da família de Cassi para tentar resolver aquela situação lamentável.
Dona Salustiana, mãe de Cassi, ao ouvir o que lhe contava Dona Margarida e
ao perceber que aquela mulata era mais uma vítima de seu filho, as trata com
desaforos e desdém. “Por acaso, meu filho as amarra, as amordaça, as
ameaça com faca e revólver? Não. A culpa é delas, só delas...” (2005, p. 132).
Clara não suportava mais aquela humilhação “A moça foi notando isso e
encheu-se de raiva, de rancor por aquela humilhação por que passava, além
de tudo o que sofria e havia ainda de sofrer (2005, p. 131).Clara representa as
mulheres que não tinham voz naquela sociedade, diante daquela difícil
situação, ela só queria que Cassi reparasse seu erro. Mas para aquela
sociedade preconceituosa o erro foi de quem? Do sexo feminino.
Dona Salustiana, vaidosa, com ares de neta de Lord, sempre protegeu
o filho e nunca admitiu que o obrigassem a casar com uma moça pobre, mulata
e sem instrução e não seria agora que isso mudaria. Seu Azevedo, pai de
Cassi, desolado lamenta o sofrimento daquela menina, mas nada pode fazer,
pois já havia perdido a sua autoridade de pai.
78
No caminho de casa, Clara tem a consciência de seu real valor na
sociedade por conta do preconceito e percebe que a proteção de seus pais
serviu para iludi-la, pois sua condição era de inferioridade. Clara diz por fim
“Nós não somos nada nesta vida” (2005, p.133). Que chances teria uma mulher
ingênua, sonhadora, sem instrução, humilde, de cor e moradora do subúrbio
em ter um final feliz? Mais uma vez, Cassi, em uma sociedade em que o
homem tem o poder da fala, foge deixando uma vítima a ser pré-julgada por
aquela mesma sociedade hipócrita.
79
CAPÍTULO III
SUBALTERNOS E MARGINAIS: LIMA BARRETO, OS ESTIGMAS
E A LITERATURA DA PERIFERIA
Este capítulo abordará a contemporaneidade das questões e dos temas
contidos na obra Clara dos Anjos de Lima Barreto. O romance, ainda hoje,
provoca fortes reflexões sobre a sociedade brasileira, ao tratar problemas
relativos ao preconceito, em algumas de suas vertentes, mostrando sua
permanência, ainda nos dias atuais - na pós-modernidade -, ampliando as
discussões implementadas no capítulo anterior, sobre a identidade da
personagem Clara dos Anjos - mulher, negra, pobre e suburbana. Recebem
ênfase neste último capítulo, as problemáticas da subalternidade e da
marginalidade. As mesmas são inseridas nas atuais questões relativas às
marginalidades na contemporaneidade e ao que João César de Castro Rocha
denomina “Dialética da Marginalidade”.
Lima Barreto sentia-se um autor marginalizado e periférico. Não se trata, em seu caso, de simplesmente domiciliar-se nos subúrbios e ter crises provocadas pelo alcoolismo. O mulato pobre, jornalista temido e romancista pouco reconhecido, internalizava o que entendia ser uma exclusão e sofria muito
por isso (FRAZÃO, 2012, p.1213).
É importante destacar, antes de se iniciar o capítulo, propriamente, que
os autores da obra Modos da Margem: figurações da marginalidade na
Literatura brasileira, Alexandre Faria, João Camilo Penna e Paulo Roberto
Tonani do Patrocínio (2015, p. 31) não fazem distinção entre os termos
periférico e subalterno. Optam pela palavra marginal e entendem que ela
reflete melhor, criticamente, a problemática da exclusão no Brasil. Na obra
citada, os autores se interessam
em pensar os mecanismos teóricos que ligam autores como Carolina Maria de Jesus, Ferréz, Paulo Lins e Allan dos Santos Rosa às questões elaboradas pelos críticos pós-coloniais, no processo de construção do discurso literário marginal, mas de forma livre, prestando especial atenção aos desdobramentos
80
específicos, brasileiros, da ancoragem produzidas pelos Estudos Subalternos (FARIA; PENNA E PATROCÍNIO, 2015, P. 30-31).
Lima Barreto pode ser incluído nesta lista dos autores de Os modos da
margem e se liga, em termos de trajetória na periferia, a autores como Ferréz,
e Carolina de Jesus, pelos estigmas que eles carregam (ou carregaram) e –
pelos preconceitos decorrentes - e que foram transformados em instrumento
discursivo de luta dos autodenominados autores marginais de periferia.
3.1 IDENTIDADE E SUBALTERNIDADE
A temática identidade está sendo discutida, na sociedade ocidental, à
proporção que se observa as mudanças e as angústias vivenciadas pelo
indivíduo pós-moderno em contextos sociais, culturais, religiosos, linguísticos e
sexuais. As indagações e reflexões trazidas sobre “identidade” e “modernidade”
tornaram-se bastante consideráveis para o entendimento das mudanças
sociais e desse novo modo de viver.
A sociedade moderna se diferencia das sociedades tradicionais, pois é
dinâmica, traz consigo mudanças, fragilidades e com elas as identidades
fragmentadas de um sujeito inconstante e inseguro. Anthony Giddens,
sociólogo britânico, fala sobre a instituição moderna:
A vida social moderna é caracterizada por profundos processos de reorganização do tempo e do espaço, associados à expansão de mecanismos de desencaixe – mecanismos que descolam as relações sociais de seus lugares específicos, recombinando-as através de grandes distâncias no tempo e no espaço. A reorganização do tempo e do espaço, somada aos mecanismos de desencaixe, radicaliza e globaliza traços institucionais preestabelecidos da modernidade; e atua na transformação do conteúdo e da natureza da vida social cotidiana (GIDDENS, 2002, p.10).
A globalização é um aspecto fundamental para caracterizar a
modernidade e sua passagem para a pós-modernidade, pois muitas vezes
interfere no cotidiano das pessoas, na relação com o próprio eu e na relação
com o outro, no modo de pensar e agir de cada indivíduo. Boaventura de
81
Souza Santos (SOUZA, 2008), doutor em Sociologia do Direito, destaca sua
visão sobre a contemporaneidade, entendendo que a sociedade
contemporânea está imersa em um cenário de sombras e dúvidas, com
resquícios do passado e desconfianças do futuro. Segundo o mesmo autor, na
pós-modernidade as percepções de mundo são ambíguas e complexas. Isso,
ainda segundo Boaventura, cria novas possibilidades de vida, e ao mesmo
tempo, gera instabilidade. Na atualidade, é predominante a desconstrução de
conceitos até pouco tempo incontestáveis pela ciência. Estamos vivendo uma
crise científica, o “desfecho” de uma fase hegemônica e, como toda crise, um
período de difícil compreensão e aceitação, pois por muito tempo as ciências
eram inquestionáveis e indiferentes à realidade e as necessidades do homem
e, hoje em dia, são questionáveis, havendo a perda da confiança dos
resultados da ciência por conta da sua fluidez. Boaventura afirma que:
Perdemos a confiança epistemológica; instalou-se em nós uma sensação de perda irreparável tanto mais estranha quanto não sabemos ao certo o que estamos em vias de perder; admitimos mesmo, noutros momentos, que essa sensação de perda seja apenas a cortina de medo atrás da qual se escondem as novas abundâncias da nossa vida individual e coletiva. Mas mesmo aí volta a perplexidade de não sabermos o que abundará em nós nessa abundância (SOUZA, 2008, p. 47).
Na sociedade contemporânea, a quantidade de informação adquirida
pelas pessoas e a validade dessas informações se desfazem rapidamente em
um curto espaço de tempo. O tempo é um fator importante, podendo levar o
homem a se hibridizar, pois tudo se agrega e mescla dando a sensação de que
se evapora num descuido. O termo hibridismo “trata de um processo de
tradução cultural, agonístico uma vez que nunca se completa, mas que
permanece em sua indecibilidade” (HALL, 2006, p.71). Já dizia Giddens que a
modernidade é considerada uma cultura do risco, ou seja, uma sociedade em
processos. O autor reforça essa ideia, pois a vida se tornou bem mais
movimentada, as possibilidades são muitas, é preciso fazer escolhas, as
dúvidas são constantes e os pensamentos são construídos e desconstruídos
com mais rapidez, porém de modo mais reflexivo.
Em Vidas desperdiçadas, Zygmunt Bauman salienta que “A mente
moderna nasceu juntamente com a ideia de que o mundo pode ser
82
transformado. A modernidade refere-se à rejeição do mundo tal como ele tem
sido até agora e à decisão de transformá-lo” (2006, p.34). Nesta perspectiva, o
homem não soube lidar com as transformações da modernidade, evidenciando
assim, o distanciamento e as desigualdades socioeconômicas. Assim sendo,
esse estilo de vida proveniente do capitalismo desenfreado, exclui, segrega, e
discrimina grupos sociais periféricos e marginalizados, pois os mesmos, sem
possibilidades de escolha, se excluem do processo de ascensão social. O autor
ao falar sobre a sociedade contemporânea, costuma mencionar o lixo como
símbolo da mudança advinda do capitalismo, na qual os indivíduos são
transformados em mercadoria e em refugo humano.
A nova plenitude do planeta significa, essencialmente, uma crise aguda na indústria de remoção do refugo humano. Enquanto a produção do refugo humano prossegue inquebrantável e atinge novos ápices, o planeta passa rapidamente a precisar de locais de despejo e de ferramenta para a reciclagem do lixo (BAUMAN, 2005, p. 13).
O mundo globalizado e capitalista é um mundo tenso e ambicioso que
tem o poder de afetar a vida do ser humano, tudo se torna descartável, pensar
em algo durável ou permanente é algo fora da realidade em que vivemos. “A
velocidade da mudança dá um golpe mortal no valor da durabilidade: “antigo”
ou “de longa duração” se torna sinônimo de fora de moda, ultrapassado, algo
que “sobreviveu à sua utilidade” e, portanto está destinado a acabar em breve
numa pilha de lixo” (BAUMAN, 2005, p.80).
É na transição da modernidade para a pós-modernidade que a solidez
perde sua forma para a liquidez, principalmente as identidades. Esta nova Era
tecnológica, globalizada, sem fronteiras abre novas possibilidades agregando e
mesclando culturas antes impenetráveis e os deslocamentos migratórios e a
linguagem passaram também a interferir precisamente nestas transformações,
ora vista como problemática, ora vista como inclusiva, uma vez que valores,
costumes, hábitos e tradições foram compartilhados entre grupos interétnicos
que, neste mundo globalizado, comungam das mesmas diversidades. Observe-
se o que Bauman fala sobre a linguagem:
83
A linguagem pode nos informar como as coisas são, mas também é uma faca que nos cerca, a nós ao mesmo tempo produtores, usuários e criaturas das palavras, livres das coisas como elas são e da proximidade de sua presença. Usando palavras como fios, podemos tecer telas que não representem realidade alguma experimentada por nós (BAUMAN, 2006, p.125).
O indivíduo vai se moldando de acordo com as transformações globais,
pois aquele sujeito que tinha uma identidade sólida, que tinha domínio sobre
seu próprio eu, hoje, contemporâneo a estas mudanças, não tem mais esse
mesmo controle, pois as ansiedades e as insatisfações são maiores e estão
atreladas aos constantes acontecimentos que nos cercam e, dependendo das
circunstâncias, assumimos novas identidades. “A identidade plenamente
unificada, completa, segura e coerente é uma fantasia” (HALL, 2006, p.13). A
identidade é uma luta constante com o “próprio eu” e a expressão “crise de
identidade” expressa que viver no mundo moderno é viver em crise, é ser
incoerente, reflexivo e instável. “Essa perda de um “sentido de si” estável é
chamada algumas vezes, de deslocamento ou descentração do sujeito” (HALL,
2006, p.9). Nesse sentido o indivíduo não se desloca em tempo e espaço, mas
sim se fragmenta, se encontra e se perde inúmeras vezes dentro de seus
pensamentos e desejos mais profundos.
Diz Zygmunt Bauman, em seu livro Globalização - As consequências
humanas, “A globalização tanto divide como une; divide enquanto une”
(BAUMAN, 1998, p.8). Desta forma pode-se refletir que o indivíduo, mesmo
cercado de pessoas, se sente só, que ao mesmo tempo em que está junto,
também está separado, que mesmo livre se sente preso, que mesmo
conectado com o mundo não se sente inserido nele, que mesmo estando
fisicamente presente viaja sem sair do lugar e que mesmo tendo tudo que
deseja quer sempre mais. O capitalismo pode ser considerado um dos
responsáveis pelas insatisfações do ser humano, pois, o consumismo traz uma
felicidade momentânea ou um falso prazer do qual o indivíduo se sente parte
do todo, ou seja, as conquistas de hoje se tornam obsoletas no dia de amanhã.
O ser humano está sempre buscando se satisfazer através dos bens materiais
e precisa disso para se sentir inserido e útil dentro da sociedade que dá mais
valor ao ter do que ao ser.
84
Em meio às mudanças geradas pelo capitalismo e pela globalização, os
seres humanos estão sendo deixados de lado, à margem do mundo social. A
globalização exclui e é desleal, causando muitas vezes fome, desemprego e
muita desordem para inúmeros seres humanos, afirma o sociólogo Bauman.
Ela ocasiona sujeira e lixo humano, não há confiança nessa relação, os
indivíduos são descartados e trocados de acordo com os interesses
econômicos como se não tivesse valor algum para a sociedade. Bauman
confirma essa ideia dizendo que “A vida líquida é uma vida de consumo. Ela
projeta o mundo e todos os seus fragmentos animados e inanimados como
objetos de consumo” (BAUMAN, 2009, p.16). O homem moderno se tornou
individualista e por isso não consegue se sentir pleno e contente somente
através de suas relações afetivas.
Hoje, não se fala mais em identidade rígida e inflexível, mas em
identidades, pois as mudanças advindas do mundo moderno e suas
implicações na configuração identitária, ressignifica o termo “identidades” que é
o resultado da mescla cultural fundida no advento da globalização e do fim das
fronteiras culturais. As pessoas não querem mais fixar-se em um único eixo,
querem estar abertas a novas possibilidades, pois a sensação é que tudo pode
mudar em um piscar de olhos.
3.2 IDENTIDADES SUBALTERNAS: SUBURBANOS, MULATOS E POBRES
Para justificar porque, neste trabalho, estuda-se a questão da
identidade, é preciso examinar a maneira como a identidade se insere em
Clara dos Anjos. No início do século XX, a identidade ainda era sólida, vista
apenas como herança cultural; pertencente a um determinado grupo e
exclusiva de uma determinada pessoa.
No cenário da obra Clara dos Anjos, destaca-se a identidade de uma
família de mulatos do subúrbio, constituída por pai, mãe e filha. Esta, por sua
vez, tem uma identidade individual (cada sujeito nasce com sua
individualidade) e coletiva (apesar de nascer com sua individualidade, faz parte
de um grupo social, logo, recebe informações que terminam por interferir em
seu construto sociocultural), construída através do contexto social da época, da
própria percepção e experiências de Lima Barreto e da linguagem do narrador.
85
As características, os sentimentos de Clara não foram apresentados
pela personagem, de fato, ganharam voz através do narrador que mostra a sua
subalternidade e a falta de criticidade da jovem, ao aceitar, passivamente - o
contexto em que vivia. Dessa forma, o narrador exerce um papel fundamental
neste romance, pois através da sua fala e de seu olhar crítico mostra seu ponto
de vista sobre as aflições e desgostos da sociedade, destacando as mazelas
do subúrbio carioca e principalmente a condição de Clara e sua família na
sociedade do início do século XX.
A identidade de Clara se baseia, principalmente, na educação que
recebeu da mãe. Dona Engrácia era uma personagem passiva, não gostava de
tomar decisões e de sair de casa e, assim, criou Clara, aos seus moldes. A
mãe recebeu boas instruções ao estudar com os filhos do senhor que a criava
antes de casar, porém, depois de casada, dedicou-se apenas aos filhos,
marido e afazeres de casa.
A filha, que era protegida ao extremo e tinha amizades restritas, tinha a
mãe como principal referência. Desta maneira, o narrador apresenta uma
personagem que é efeito de uma educação inapropriada, vítima de uma
situação hostil, conforme a cor e condição social, incapaz de enfrentar os
problemas sozinha e transcender a sua realidade social.
Clara era uma natureza amorfa, pastosa, que precisava mãos fortes que a modelassem e fixassem. Seus pais não seriam capazes disso. A mãe não tinha caráter, no bom sentido, para o fazer; limitava-se a vigiá-la caninamente; e o pai, devido aos seus afazeres, passava a maioria do tempo longe dela. E ela vivia toda entregue a um sonho lânguido de modinhas e descantes, entoadas por sestrosos cantores, como o tal de Cassi e outros exploradores da morbidez do violão (BARRETO, 2005, p.90).
O narrador expressa, neste trecho, a subordinação das mulheres, neste
caso, considerando o contexto do romance, principalmente, as mulheres
negras e pobres, mostrando a dominação masculina, na qual o homem é o
chefe da família e tem a responsabilidade de ser o provedor da casa e que a
mulher tem um papel social bem definido de submissão, portanto, de cuidar do
marido, realizar os afazeres domésticos e cuidar da educação dos filhos.
Segundo Spivak:
86
No contexto do itinerário obliterado, o caminho da diferença sexual é duplamente obliterado. A questão não é a da participação feminina na insurgência ou das regras básicas da divisão sexual do trabalho, pois, em ambos os casos, há “evidência”. É mais uma questão de que, apesar de ambos serem objetos da historiografia colonialista e sujeitos da insurgência, a construção ideológica de gênero mantém a dominação masculina. Se, no contexto da produção colonial, o sujeito subalterno não tem história e não pode falar, o sujeito subalterno feminino está ainda mais profundamente na obscuridade (SPIVAK, 2010, p.85).
De acordo com a maneira que foi educada, Clara não demonstra
perspectivas e iniciativa de estudar, de ascender socialmente, pelo contrário, o
narrador mostra a fragilidade de uma jovem que vive sonhando a espera de um
marido e deposita no casamento o seu futuro e a sua felicidade. Como é
possível perceber no trecho a seguir:
O mundo se lhe representava como povoado de suas dúvidas, de queixumes de viola, a suspirar amor. Na sua cabeça, não entrava que nossa vida tem muito de sério, de responsabilidade, qualquer que seja a nossa condição e o nosso sexo. [...] Não havia, em Clara, a representação, já não exata, mais aproximada, de sua individualidade social; e concomitantemente, nenhum desejo de elevar-se, de reagir contra essa representação (BARRETO, 2005, p. 90).
Clara era ingênua e apagada, segundo a descrição do narrador e, por
conta também da idade, não tinha a capacidade intelectual de refletir sobre a
vida, de comparar, de criticar, pois a falta de contato com o “mundo real”
influenciou significativamente na construção da sua personalidade e identidade
individual legítima e muito teve a ver com o destino da jovem, ao final, seduzida
e enganada. Mesmo com as melhores intenções, Clara não é instruída a
perceber de maneira crítica a sua real situação, sendo facilmente manipulada.
A filha do carteiro, sem ser leviana, era, entretanto, de um poder reduzido de pensar, que não lhe permitia meditar um instante sobre o destino, observar os fatos e tirar ilações e conclusões. A idade, o sexo e a falsa educação que recebera, tinham muita culpa nisso tudo; mas a sua falta de individualidade não corrigia a sua obliquada visão da vida (BARRETO, 2005, p. 90).
87
Devido a sociedade preconceituosa do início do século XX, é possível
analisar porque Dona Engrácia queria proteger a filha da situação de
subalternidade que rodeava as mulheres suburbanas, negras e pobres. A mãe
e, consequentemente, a filha são influenciadas pelo meio, pelo cenário de
dominação e descriminação na qual o romance foi produzido, mas não se trata
de um determinismo cientificista, aos moldes naturalistas, e, sim, de uma
questão de poder hegemônico – no caso, do masculino. Dona Engrácia pensa
encontrar na excessiva proteção um caminho para defender a filha das
humilhações, mas fracassa ao descobrir que Clara havia sido enganada. Neste
momento, ao final do romance, Clara desperta para a realidade e para os
estigmas “absorvidos” por uma mulher negra e pobre, impostos pela sociedade
burguesa. “Fora preciso ser ofendida irremediavelmente nos seus melindres de
solteira, ouvir os desaforos da mãe do seu algoz, para se convencer de que ela
não era uma moça como as outras; era muito menos no conceito de todos”
(BARRETO, 2005, p. 132).
Clara tinha uma visão distorcida de sua própria identidade, pois alheia
aos acontecimentos da vida não percebia o preconceito que a rodeava por não
se enquadrar nos padrões da época. Não sabia, portanto, que a sociedade
fazia distinção entre brancas, negras e mulatas.
A discriminação é determinada pela não aceitação das diferenças, sejam
estas de ordem sócio-cultural, racial, religiosa, linguística e política. É com base
nessas diferenças que o ser humano não assimila e respeita a diversidade e
exclui o outro, ao passo que, este outro não participa do seu grupo próximo ou,
ainda, não tem com ele algum vínculo identitário.
No artigo “Mesmices e novidades: Identidade, diversidades”, José
Almino de Alencar salienta que “Poder-se-ia afirmar sem risco que identidade
implica, obviamente, em alteridade, na diversidade. É na interação com o outro
que a identidade se constitui e as marcas advindas desse contato determinam
o seu formato e o seu escopo” (2005, p.11). Entretanto, pode-se dizer que a
personagem Clara possui uma identidade frágil, pois a jovem teve pouco
contato com o mundo e com outras culturas, ao passo que era protegida pelos
pais e a falta compreensão do mundo externo terminou por prejudicá-la ao
longo da sua vida.
88
Porque estudar a identidade e a diferença em Clara dos Anjos? Neste
romance, o narrador apresenta as duas faces de Clara dos Anjos, no primeiro
momento, a jovem, por receber uma educação dentro dos padrões burgueses,
não percebeu sua diferença sociocultural e étnica dentro da sociedade,
tornando-se ainda mais vulnerável. Somente a partir de sua desilusão amorosa
é que a mesma se encontra com sua real identidade e pertencimento cultural,
após sentir-se enganada.
3.3 LIMA BARRETO: A VOZ DOS SUBALTERNOS
Ao se considerar os temas e preocupações voltados para o Brasil real,
presentes em toda a obra de Lima Barreto, percebe-se a atualidade das ideias
do escritor. A maior parte dos problemas apontados pelo escritor continua
atualíssima, basta citar a situação da mulher e a discriminação racial (FREIRE,
2005, p.115). O preconceito de gênero e racial encontrados na obra Clara dos
Anjos são ramificações do preconceito social, que mostra uma sociedade
patriarcal e preconceituosa que exclui o outro por se sentir superior,
inferiorizando a mulher e o negro. Lima Barreto apresenta a personagem Clara
como catalisadora desse preconceito, porém o autor pretendia também
mostrar, de maneira geral, a situação do negro na sociedade, mostrando ao
público leitor o seu próprio descontentamento.
Causando-nos inquietação e desconforto, os escritos de Lima Barreto apresentam-nos dados da época em que viveu e traços marcantes de sua vida cercada pelo embate às ideologias raciais e da luta pelo reconhecimento não só literário, mas também humano. Através de suas personagens, permite-nos, uma releitura da sociedade brasileira contemporânea, de nossa crise identitária e da busca desenfreada pela autoafirmação de uma unidade nacional perante a cultura colonialista (JESUS & FRAZÃO, 2012, p. 8).
Na literatura, no início do século XX, esse cenário de subalternidade e
marginalização das camadas menos favorecidas já era tratado na obra de Lima
Barreto como um mecanismo (literário) para mostrar a insatisfação da
população que vivia à margem e a do próprio autor que sofreu por ser mulato,
pobre e morador do subúrbio. Lima retratou a população brasileira do
89
subúrbio/periferia do Rio de Janeiro em um período de grandes mudanças para
a cidade, conhecida como Belle Époque, denunciando os problemas sofridos
pela população pobre, pontuando as temáticas da desigualdade e da exclusão
social na busca pela transformação.
Por sua dedicação em dar voz à população marginalizada através de
seus personagens, Lima Barreto foi considerado um escritor marginal e, de
fato, sentia-se assim, pois, para ele, não morar no centro e não se encaixar nos
padrões da vigência literária (no cânone) significava estar à margem. As
críticas recebidas pelo escritor geraram consequências, dentre elas o vício pela
bebida e a internação no hospício por mais de uma vez, considerado como
louco.
Era um homem tímido, e sabe-se que esta timidez fora exacerbada por sua marginalização intelectual e social. Tudo leva a crer que sua boêmia era um mecanismo de defesa com o qual ele se protegia do meio circundante, e seu alcoolismo funcionava de modo semelhante (OAKLEY, 2011, p.4).
A escritora Carolina Maria de Jesus, assim como Lima Barreto, também
teve um papel importante nessa luta, pois foi uma escritora negra, moradora da
favela e catadora de papel e, por causa dos seus estigmas e da linguagem
simples que utilizava em suas obras, também foi considerada uma escritora
marginal e foi uma das representantes que deu voz àquela população excluída.
O discurso do menor culturalmente, do marginalizado, do periférico,
ainda persiste nos dias atuais por uma série de questões que, mesmo com o
passar do tempo, foram recebendo uma nova roupagem, mas continuam
fazendo parte do cotidiano. O Estado não demonstra interesse em resolver a
questão dos marginalizados, a sociedade, ainda dividida em classes, termina
por segregar socialmente os menos favorecidos e a falta de políticas públicas
contribuem para que as mesmas discriminações aconteçam na sociedade,
mesmo que de forma discreta. Entretanto, a argentina Beatriz Sarlo, estudiosa
das culturas e da pós-modernidade em sua obra: Cenas da vida pós-moderna
salienta que: “...Sabemos o que se perdeu, mas ninguém sabe ao certo o que
se ganhou...”(2006,p.103). Nessa perspectiva, a autora deixa uma reflexão
acerca das transformações sociais no que diz respeito aos direitos e deveres
do cidadão que, aparentemente, adquiriu diversas conquistas mesmo que
90
imperceptíveis, por conta do novo padrão de vida social que o capitalismo
impôs à sociedade, através do consumo e das práticas individualistas que
terminam por contribuir ainda mais na divisão social entre pobre, rico, provido e
desprovido de conhecimento.
A democracia e a “liberdade” conquistada na forma da lei não passa de
uma ilusão, uma vez que a democracia e a “liberdade” tão sonhada não
atendem a todas as classes sociais e suas especificidades culturais, digo, não
compreendem todos os cidadãos, independente de sexo, raça e etnia.
Dessa forma, os sujeitos “marginais” terminaram por ficar aprisionados
culturalmente e por muito tempo foram silenciados por não se enquadrar nos
padrões sociais determinadas pelo capitalismo.
Neste trabalho, como já se antecipou, a palavra marginal se insere no
contexto do indivíduo ou grupo que não se enquadra nos padrões sociais e é
excluído de alguma maneira, como afirma Idemburgo Frazão em seu artigo
“Diálogos marginais: As identidades periféricas em João Antônio e Lima
Barreto”:
(...) A palavra marginal serve como adjetivo para aqueles que não seguem efetivamente as leis e também para quem não segue à risca os costumes sociais. Essa duplicidade de sentido que lhe é inerente, faz com que, muitas vezes, o segundo sentido, seja geralmente postergado. Relaciona-se, em termos sociológicos, às pessoas envolvidas por nuanças inerentes à marginalização social. São exemplos disso os mendigos, os loucos, os desempregados, os migrantes, membros de minorias raciais, dentre outros. Os marginalizados, nesse sentido, poucas vezes conseguiram ter voz nos parlamentos, nas tribunas, na sociedade como um todo (FRAZÃO, 2011, p. 3).
Entretanto, alguns escritores insatisfeitos com o papel social de
subalternidade reagem e vem enfrentando as imposições geradas pela
literatura vigente e pelo capitalismo e mostram a sua arte, em especial a
literatura, através do seu próprio discurso de marginalizado voltado para uma
literatura denominada marginal que mostra a realidade da periferia, a
desigualdade social, a violência e a miséria que cotidianamente faz parte desse
lugar. A palavra marginal já fora utilizada no que se refere a outros escritores
91
como, Carolina Maria de Jesus, João Antônio e Lima Barreto, que já
abordavam a questão da subalternidade dos excluídos.
Para esses escritores, a associação do termo marginal à literatura remete, ao mesmo tempo, à situação de marginalidade (social, editorial ou jurídica) vivenciada pelo autor e a uma produção literária que visa expressar o que é peculiar aos espaços tidos como marginais, especialmente com relação à periferia (os temas, os problemas, o linguajar, as gírias, os valores, as práticas de certos segmentos, etc.) (NASCIMENTO, 2009, p.20).
Hoje, movimentos literários como a COOPERIFA, Cooperativa Cultural
da Periferia, e que tem Sérgio Vaz como um dos organizadores, reúnem
artistas/autores da periferia e promovem um espaço cultural na Zona Sul de
São Paulo voltado para lançamentos de livros, apresentações de teatro e
música, saraus, debates, no qual os próprios artistas negros são os
protagonistas, imprimindo suas identidades, linguagens próprias e maneiras de
mostrar a cultura da periferia compartilhando experiências e defendendo suas
ideias. Segundo Érica Peçanha, os projetos culturais dos escritores Sérgio Vaz
(COOPERIFA), Ferréz (1da Sul) e Sacolinha (o Literatura no Brasil) tiveram o
objetivo de incentivar a leitura e divulgar as produções dos escritores da
periferia.
Os escritores mencionados no trecho anterior tiveram como referência e
inspiração nessa trajetória literária, João Antônio (1937-1996), que publicou
obras como Bacanaço, Malagueta e Perus entre os anos 1960 e 1970
mostrando as vivências, problemas e os passatempos dos integrantes dos
subúrbios, os “malandros” e trabalhadores, como, por exemplo, os jogadores
de sinuca, e Plínio Marcos (1935-1999), escritor que estreou no campo artístico
nos anos 1960, e escreveu sobre temáticas que retratavam os problemas
sociais dos desassistidos pela elite como a violência e a prostituição.
Ainda no contexto voltado à malandragem e marginalidade, é importante
ressaltar a transição da dialética da marginalidade em substituição à dialética
da malandragem apresentada pelo estudioso da literatura Antônio Cândido,
destacando o papel social do malandro e do marginal na história da realidade
brasileira.
92
O discurso do malandro apoia-se na oposição ao trabalho, entretanto,
sem seguir explicitamente pelo caminho da violência e criminalidade. A figura
social do malandro é associada à esperteza, aquele que ganha a vida
procurando caminhos menos trabalhosos na busca de obter vantagens à custa
do outro, com a sua dialética mansa e vestimenta elegante. O malandro
expressava suas insatisfações com as transformações do cenário urbano sem
exercer, pelo menos, como os marginais, a violência, negociando situações de
conflito de maneira mais branda com seu discurso flexível, com seu gingado,
suas composições para alcançar seus objetivos. Já em relação à dialética da
marginalidade, assim denominada pelo crítico João de Castro Rocha, mostra-
se a exclusão e as desigualdades sociais como a temática central em um
contexto de violência, apresentando os excluídos como protagonistas de
romances, poesias e até mesmo em produções cinematográficas como o filme
de Paulo Lins, “Cidade de Deus”, caracterizando a realidade dos
marginalizados em relação ao sistema que oprime e domina. O autor apresenta
a dialética da marginalidade sobre uma perspectiva da realidade brasileira
contemporânea:
O modelo da dialética da marginalidade pressupõe uma nova forma de relacionamento entre as classes sociais. Não se trata mais de conciliar diferenças, mas de evidenciá-las, recusando- se a improvável promessa de meio-termo entre o pequeno círculo dos donos do poder e o crescente universo dos excluídos. Nesse contexto, o termo marginal não possui conotação unicamente pejorativa, representando também o contingente da população que se encontra à margem, no tocante aos direitos mais elementares, sem dispor de uma perspectiva da absorção, ao contrário do malandro (ROCHA, 2004, p.56).
Ainda em relação à problemática da Dialética da Marginalidade, como a
entende Castro Rocha, é de fundamental importância que se destaque aqui a
crítica realizada em relação à sua utilização do termo realizada por Alexandre
Faria, João Camilo Penna e Paulo Tonanni Patrocínio. Para esses autores, a
Dialética da marginalidade não substitui ou suplanta a Dialética da
malandragem, cunhada e estudada por Antônio Cândido. Há, segundos os
mesmos estudiosos, um convívio, uma coexistência entre ambas. Como
93
afirmam os autores de Modos da margem, figurações da marginalidade na
literatura brasileira.
Em resumo, não vemos uma oposição entre malandragem e marginalidade, vemos na linha de continuidade e transformação entre essas duas tradições, que confluem e se distanciam. Afinal, a vida do malandro não é o mar de rosas que aparenta ser, como o demonstra um estudo detido da figura histórica em seu tempo, justamente no momento em que ele se transforma em modo de organização social, no início do século XX (FARIA, PENNA E TONANI, 2015, p. 35).
Talvez, em realidade, não haja segundo os mesmos autores, uma
dialética. Mas, segundo esses mesmos autores, a iniciativa de Castro Rocha é
louvável. Assim, pode-se afirmar que a Dialética da Marginalidade traz uma
nuança diferente para que se observe, pelo prisma simbólico, que há uma nova
atitude por parte dos autores da literatura marginal de periferia. Há uma maior
independência por parte dos artistas, marcada por um enfrentamento e não
pela busca de conciliação.
Voltando a Lima Barreto, pode-se afirmar que o autor apresenta, no
romance Clara dos Anjos, uma escrita em forma de denúncia. Por isso deu
destaque a temáticas sociais, como a do preconceito também vivido pelo
escritor, que se sentia marginal, periférico, mas não queria tornar-se
subalterno. Como já foi mencionado anteriormente, a indiana Gayatri
Chakravorty Spivak também escreveu sobre os subalternos em relação à
opressão que sofrem por não terem notalibilidade no campo econômico-cultural
e ideológico e por isso são silenciados. Foi por intermédio das artes, inclusive
da literatura que se pôde mostrar a situação do subalterno e reivindicar
transformações e a obra limabarretiana, assim como de outros autores
mencionados, teve um grande papel social nessa luta.
Pode-se, finalmente, afirmar, ao pôr em diálogo as discussões sobre
subalternidade e marginalidade, que Lima Barreto não poderia ser inserido,
efetivamente, nem na instância da dialética da malandragem, como a entendia
Antônio Cândido, nem na da marginalidade, como a vê João César de Castro
Rocha. Mas pelo enfrentamento dos preconceitos, pela postura crítica em
relação dos desmandos do poder público diante dos problemas das periferias,
94
tornou-se, em sua época, na literatura, uma das poucas vozes audíveis da
periferia carioca. Se ainda agiu sob o manto do desgosto e da tristeza pessoal
e não se sentiu vencedor – e recebeu o auxílio luxuoso de estudiosos como
Heloísa Buarque de Holanda e de editoras como a Aeroplano-, como os atuais
autores marginais de periferia, Lima Barreto pode ser entendido como um
efetivo precursor ou, quem sabe, o único que, até hoje, permaneceu até a
morte, marginal.
95
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Lima Barreto foi um escritor à frente de seu tempo, que sofreu muitos
preconceitos ao longo de sua vida pessoal, devido à sua condição social, racial
e profissional, por provocar a elite com temáticas realistas e a linguagem
utilizada em sua obra.
O precursor Lima Barreto, com seu modo crítico de escrever, deu voz a
atores sociais excluídos e suas angústias com o propósito de buscar relações
de igualdade e de ética para uma sociedade com muitos preconceitos, que
exclui e desprestigia o outro. Como se pôde depreender, coloca-se em questão
a problemática da relação do preconceito social e seus desmembramentos,
linguísticos, raciais e de gênero encontrados nas obras de Lima Barreto, que
podem ser observados na recepção delas.
O horizonte de expectativas do leitor, inerente à obra limabarretiana, é
fundado, no entender do presente texto, em olhares preconcebidos, que veem
a periferia e a marginalidade, em vários de seus sentidos, como fator de
inferioridade. Entretanto, exemplos diversos podem ser dados para mostrar que
tais “pré-conceitos” interferiram, durante décadas, na recepção das obras do
autor.
É importante destacar o período da Bélle Époque, durante a
reestruturação do centro do Rio de Janeiro aos moldes europeus, sob comando
do prefeito Pereira Passos, pois foi um momento da história que causou
grandes angústias com a expulsão da população pobre para o subúrbio e a
negação da sua cultura. Esse acontecimento, gerador da exclusão social,
intensifica a condição de subalternidade e marginalidade e a imposição dos
governantes da época ao introduzir bruscamente os costumes da cultura
europeia, principalmente francesa, na cidade.
Lima Barreto se diferencia e se destaca através da sua ironia e crítica
por mostrar o pensamento preconceituoso da sociedade brasileira do final do
século XIX e início do século XX e por apontar para questões até então
camufladas em uma linguagem mais próxima dos moradores da periferia.
A tentativa de aprofundamento da reflexão sobre alguns tipos de
preconceitos, realizados ao longo desta dissertação, serviram como base para
o melhor entendimento do romance Clara dos Anjos, e, por extensão, da
96
trajetória biográfica de Lima Barreto. A personagem Clara representa as
mulheres que, por serem negras, pobres e moradoras do subúrbio,
pertencentes à periferia, são tratadas como inferiores e subalternas pelo
próprio narrador. A personagem possuía uma identidade frágil e não tinha
conhecimento de sua situação perante a sociedade da época. A questão da
subalternidade da mulher ainda é mais complexa, como diz Spivak, por conta
da sociedade machista do século XX, porém, Lima através da personagem,
mostrava, também, a condição do negro, em geral.
Lima se sentia um escritor marginal por não morar no centro, mas
também por se sentir excluído socialmente. O escritor se sentia inferior por não
ser reconhecido no campo literário por conta da sua condição de pobre, negro,
morador do subúrbio e por enfrentar a elite com sua literatura militante e sua
linguagem simples e irônica, denunciando os problemas do subúrbio e de seus
moradores e a segregação social que vivia aquela população. Sua maneira de
escrever só foi aceita depois de sua morte.
A contribuição maior desta dissertação é deixar que se perceba a
literatura marginal de Lima Barreto e o quanto os preconceitos, de diversas
ordens, dificultaram que a obra do escritor fosse entendida como uma das mais
importantes da Literatura Brasileira.
É a partir desse trabalho de revisão do olhar preconceituoso
caracterizador (na maioria das vezes) da recepção tradicional das obras de
Lima Barreto, que a dissertação intentou refletir, também, ainda que de
maneira incipiente, sobre a permanência de tais preconceitos na
contemporaneidade.
Pode-se, perceber, na atualidade, como os personagens de Lima
Barreto, na obra Clara dos Anjos, não estão somente na ficção. São atuais,
juntamente com seus estigmas. Lima foi um escritor precursor das questões
relativas à marginalidade, ao tratar de temáticas vivenciadas até hoje, como o
preconceito social, a situação de exclusão dos marginalizados e o descaso dos
governantes em relação à população que vive à margem e por isso foi tão
criticado.
A vida e a obra de Lima Barreto se misturam. O escritor escrevia a sua
literatura a partir de seus próprios descontentamentos, principalmente, por
conta da exclusão social, o que gerou consequências em sua trajetória. Foi
97
internado como louco, algumas vezes, e teve uma vida de amarguras. Através
da literatura e o amor pelas letras - junto com outros escritores que também
sofreram preconceito, como Carolina Maria de Jesus - conseguiu passar o seu
recado e denunciar questões até então camufladas pela elite sócio-econômica
brasileira.
Na atualidade, escritores como os já citados Sérgio Vaz, Férrez e
Sacolinha, vêm dando maior visibilidade à questão da literatura marginal,
mostrando a arte, principalmente na literatura, de escritores pobres – pelo
menos quando iniciam sua carreira - e mostrando a identidade do subúrbio e
da periferia através da própria voz do marginalizado que enfrenta, assim como
Lima Barreto, as regras vigentes e luta para impor a sua identidade e sua
cultura, buscando o seu espaço e exigindo respeito à diversidade, em várias de
suas acepções.
98
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