Pra discutir

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Donizete Soares pra discutir e gerar boas conversas em sala de aula abordagens

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Série de textos para serem discutidos nas aulas de filosofia, sociologia, história, geografia e artes.

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Donizete Soares

pra discutire gerar boas conversas

em sala de aula

abordagens

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Este texto integra a série abordagens, que tem como objetivo contribuir para a compreensão e o debate de e sobre os temas educação, comunicação, educomunicação e filosofia – linhas de pesquisa e ação do INSTITUTO GENS, desde 1988.

Revisão: Isis Lima Soares.

São Paulo, abril de 2014 [edição digital]

pela constituição de sujeitos autônomos!

portalgens.com.br

[11] 37148158 | 995 691 000

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Donizete Soares é professor de filosofia e co-responsável pelo INSTITUTO GENS

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Olá, cara leitora e caro leitor!

Os textos a seguir pretendem ser exercícios de leitura, com-preensão e interpretação do que temos feito de nós mesmos.

São observações, exclamações, interrogações, reticências so-bre temas relevantes, que têm a ver com a nossa vida indivi-dual e coletiva e, por isso mesmo, pouco [ou nunca] lembra-dos, pensados e comentados na família, na escola e nas mídi-as...

Interessa, então, abordar alguns deles e contribuir para que sejam conhecidos e debatidos.

Tomara que sirvam para dar início a boas conversas, especial-mente entre os que ainda não tiveram oportunidade de ouvir e discutir ideias e práticas que influenciam diretamente seus modos de pensar, de sentir e de se posicionar no mundo.

Espero, sinceramente, co-laborar com você!

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Não somos nada disso

É ilusória, deturpada e falsa a ideia largamente difundida de que somos americanos, europeus, asiáticos, africanos ou oceânicos. É enganosa – mais que isso, danosa – a série de divisões e subdivisões geográficas e políticas imposta a todos nós. Não somos brasileiros, mexicanos, bolivianos, canaden-ses, guatemaltecos... Não somos paulistas, cariocas, baianos, riograndenses, goianos, mineiros, catarinenses... Não somos nada disso.

América, Ásia, Europa, África e Oceania – assim como brasi-leiros, mexicanos, bolivianos... e paulistas, cariocas, baianos, catarinenses... – são termos convencionalmente criados para denominar milhares de gentes diferentes e únicas. São mais uma tentativa – vitoriosa – de acabar com a diversidade que nos caracteriza e de nos fazer aceitar ideias e práticas que não dizem respeito a nós.

Mais que isso: são uma forma de investimento seguro no sen-tido de apagar nossas origens mais antigas. Mesmo assim – mesmo não dizendo nada que tenha a ver com essas milhares de gentes diferentes e únicas – essas denominações estão aí há séculos fazendo o maior estrago.

Não somos nem o que aprendemos na escola e nem o que os chamados 'meios de comunicação social' fazem tanta questão de enfatizar.

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Em geral, a educação escolar e os meios de comunicação ofi-cial divulgam [ensinam] apenas o tipo de ciência ou saber fi-nanciados e bancados por interesses específicos, não raro di-ferentes, distantes e até mesmo contrários à nossa história mais profunda.

Escola e Mídia, quase sempre, espalham saberes que têm a ver, isto sim, com o suposto direito de alguns de definir e deli-mitar espaços, de escolher quem pode ou não pode habitar esse ou aquele território, de impor uma língua e um jeito de fa-lar, de definir qual deve ser sua principal característica cultu-ral...

Ora, os milhares de grupos humanos espalhados pela terra são essencialmente marcados por particularidades e especifi-cidades que nada têm em comum com divisões e subdivisões arbitrárias. Cada um desses grupos, por conta da língua e de alguns costumes comuns, tem histórias, trajetórias, objetivos e interesses igualmente diferentes e únicos. São diferentes e ponto final! Não se parecem – por que teriam que se parecer? Muitos não querem contatos com outros povos – por que teri-am que querer? Nem todos se interessam pelas mesmas coi-sas que os outros – por que teriam que se interessar? Por ou-tro lado, por que há tanto interesse em juntá-los, nomeá-los, defini-los e classificá-los? Por quê?

A ideia de que somos isso ou aquilo é mais uma das tantas mentiras que, desde crianças, ouvimos e somos levados a acreditar. Infelizmente – e sem pensar – a maioria de nós ape-nas repete o que aprendeu.

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E assim, de tanto ouvir e falar, o que foi e é insistentemente dito e repetido fica parecendo verdade.

Os mapas políticos, por exemplo, descrevem pouco ou nada do que realmente tem a ver com as origens dos povos. São apenas e tão somente a expressão de vontades e, sobretudo, de interesses que não são nem as vontades e nem os interes-ses dos que efetivamente ali nasceram e vivem.

Procure investigar como cada um dos continentes, inclusive a Antártida, recebeu o nome que tem.

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Quando falta apoio mútuo

Há sempre alguém que realmente precisa do outro. E, pelos mais diferentes motivos, aceitáveis ou não, há quem dele ne-cessite até morrer. Veja mães cujos filhos são portadores de grave deficiência física e/ou mental e/ou emocional: quantas delas, várias com idade avançada, não carregam no colo ou nas costas seus filhos adultos em busca de atendimento médi-co! Como são fortes essas mulheres! De onde tiram tanta energia? Como lutam pela vida dos filhos! Seriam mães e fi-lhos, conforme pretendem certos 'darwinistas', perdedores na competição pela vida? Seriam os indivíduos mais fracos da espécie?

Há pessoas que não precisam dos outros por tanto tempo. Mas necessitam por algum tempo. Não são dependentes de assistência, mas carecem de cuidado e atenção, ao menos durante um período. Caso não sejam atendidas, caso falte so-lidariedade, apoio mútuo, tudo fica muito difícil...

Restam-lhes, então, não raro, pouquíssimas saídas, dentre elas, a agressão, o sofrimento e a morte. Utilizar-se de toda e qualquer forma de agressão ao outro é muito comum a quem se vê – e realmente se encontra – sozinho no mundo.

Poderia ele dizer: 'por que não intimidar, roubar, machucar e até acabar com a vida do outro [qualquer outro], já que nin-guém liga pra mim?' Ou então: 'por que respeitar quem quer que seja se absolutamente ninguém me respeita?'

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Pode haver maior tristeza e solidão do que viver sem ser aguardado e querido por alguém? De que tanto faz existir ou não? De ser tratado como coisa qualquer? Qual é o tamanho do sofrimento para quem o sentir-se humano é coisa rara ou até mesmo inexistente?

Quanto suporta o corpo e a mente de alguém que se vê como um ser que não é percebido?

Sofrimento é miséria, penúria, padecimento. É dor que parali-sa e impede qualquer reação.

Há pior dor dor física e/ou emocional que a provocada pelo to-tal esquecimento?

Morrer, então, é a última e única saída. É despedir-se de um lugar para o qual nunca foi bem recebido. É dizer adeus a quem jamais percebeu sua existência.

É descansar num tempo em que viver não é o tempo da convi-vência humana. Quando falta o apoio mútuo, morrer é, sobre-tudo, um ato de denúncia!

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Não fosse a solidariedade...

Quem de nós já não passou por momentos difíceis na vida? Quantas vezes vivenciamos situações que pareciam não dei-xar nenhuma saída? Felizmente, a maioria de nós consegue, de alguma forma, se livrar dessas encruzilhadas, se equilibrar e seguir adiante. Nem todos, contudo, podem dizer o mesmo. Há os que chegam ao fundo do poço [ou da fossa – já que o primeiro, geralmente, é limpo], e por muito pouco não sucum-bem... -

Muito embora os 'meios de comunicação social' prefiram fazer shows com a miséria humana, explorando o que há de mais baixo, tacanho e enfadonho que pode chegar um ser humano, felizmente há pessoas que não medem esforços para ameni-zar o sofrimento de muita gente. Conseguindo olhar além de si mesmas, dos seus próprios umbigos, essas pessoas verda-deiramente salvam [nada a ver com o discurso igrejeiro] a vida de seus iguais.

Não falo, evidentemente, dos que exploram o trabalho de seus funcionários e não pagam impostos sobre suas riquezas, por exemplo, e depois, para aliviar a consciência, praticam a tal 'caridade' cristã. Também não me refiro aos que, para se mos-trarem bonzinhos, fazem doações [vultuosas ou não] para ins-tituições de caridade ou ONG's que 'acalmam' as possíveis re-ações dos que vivem em situações miseráveis, quase sempre provocadas justamente por eles.

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Seguramente, a miséria social e econômica a que milhares de seres humanos estão submetidos não é menor que o nível de miséria humana almejado e sustentado por quem consegue pegar para si próprio a riqueza que é produzida pela grande maioria...

Mas, voltando aos solidários, o que os mobiliza? Que senti-mento é esse que faz com que alguém deixe de lado os pró-prios interesses para se interessar pelos outros, não importan-do, sobretudo, quem são esses outros? O que o leva a deixar de “ganhar dinheiro” com suas habilidades e seu profissiona-lismo, e dedicar parte do seu tempo ao outro sem pensar e querer nada em troca?

A resposta é uma só e tem a ver com o sentimento mais anti -go que o homem desenvolveu: o apoio mútuo. O apoio mútuo é o que há de verdadeiramente nobre na história da humani-dade, a razão pela qual o ser humano conseguiu sobreviver durante tanto tempo na terra. Se desde o princípio tivéssemos que enfrentar o tipo de sociedade que hoje mantemos, muito provavelmente a espécie humana não existiria há muito tem-po. Enganam-se, pois, os que afirmam que a competição é a mola mestra da sociedade.

São, no mínimo, falaciosas as afirmações de que a vida em sociedade é uma contínua competição, que somente os “me-lhores” vencem, que o mercado é o campo ideal pra vencer na vida... Enganados, destratados, destroçados e já tão dilacera-dos por dentro, não são poucos os que repetem, sem pensar, afirmações como estas.

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Faz sentido, isto sim, o que disse o geógrafo russo Kropotkin: nenhuma espécie sobreviveria – a humana, inclusive – se, a princípio, os iguais não se juntassem e, assim, se fortaleces-sem. Não fosse o sentimento de estar junto, de uns apoiarem os outros, a necessidade de ser gregário, isto é, de viver em grupo e coletivamente enfrentar as adversidades naturais e os animais muito mais fortes e maiores que os humanos, certa-mente não habitaríamos a face da terra há muito tempo.

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Sentimento americano

Há pelo menos um sentimento que nos une e nos separa no imenso continente americano.

Nos une porque nossos antepassados [nativos] não tiveram forças suficientes para impedir a ação de invasores europeus [portugueses e espanhóis, inicialmente] unicamente ocupados em retirar e levar nossas riquezas para saciar a fome do monstro nascente naquelas terras por volta dos anos 1500.

O mesmo pode ser dito dos nativos do Norte, que foram inva-didos e dizimados por gente fugida da Inglaterra católica, se-denta pelo sangue dos que não queriam mais ser cristãos de Roma. Nos une também porque a África cedeu corpos para serem esfoliados em grande parte do continente.

Como os ameríndios, os africanos escravizados não tiveram forças suficientes para derrotar os alimentadores do Capital.

Esse sentimento de perda, de dor, de sofrimento, de ser ex-plorado e desgastado para servir aos donos do dinheiro, certa-mente habita o que há de mais profundo em cada um nós.

E não tem como não ser assim, já que no Brasil, por exemplo, a escravidão oficial acabou há não mais que algumas gera-ções antes de nós.

Mas a escravidão 'não oficial' não acabou.

A exploração de crianças, adolescentes, jovens e adultos ain-da é realidade neste continente, que entra com um percentual

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importante na conta dos atuais milhões de miseráveis e famin-tos do planeta. O que são favelas, cortiços e assemelhados [depósitos de gente com pouquíssima ou sem nenhuma aten-ção da maioria dos que vivem às custas dessas gentes] senão novas senzalas? Não fosse essa imensa senzala, seguramen-te não veríamos os brilhos e as cores das casas-grandes, atu-almente transformadas em bancos, condomínios, casas e pré-dios luxuosos – expressões de enorme riqueza.

Contudo, se esse sentimento que, de alguma forma, nos une como americanos, também, de alguma forma, nos separa como americanos. E nos separa porque, de tanto os ainda co-lonizadores nos fazerem ocupados em buscar satisfazer nos-sas necessidades básicas [comer e beber e pagar e pagar...], nós temos uma dificuldade enorme de olhar para o lado, justa-mente onde muitos outros, como nós, foram e são submetidos à condição de viver em busca de satisfazer necessidades bá-sicas.

O ato de ver e perceber como somos todos muito parecidos, como vivemos de modo semelhante, é algo que a maioria de nós ainda não se deu conta.

Ao que parece, nem poderia ser diferente, afinal são mais de 500 anos de pregação e ensino de um determinado modo de ser, de pensar e de agir que, infelizmente temos que admitir, foram e estão sendo muito efetivos.

Ora, se houve – e há – ensino de verdade, então, há aprendi-zagem. Aliás, que aprendizagem!

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Em geral, somos compreensivos, obedientes e muito compor-tados.

Basta alguém se apresentar impositivo e altivo, que surgem seguidores acatando ordens e cumprindo exatamente 'o que o mestre mandou'. Se for pra ajoelhar e rezar, por que não? Ajo-elhando e rezando, ganha-se alguma recompensa... Se esse ou aquele não aceitar as condições impostas, há milhares que o fariam sem reclamar... Que alternativa tiveram os escravos [com raras exceções] senão obedecer ou morrer?

Por outro lado, não foi somente esse modo de ser, de pensar e de agir que aprendemos. Tantos anos de práticas autoritári-as fizeram de nós mais do que especialistas em dominar, es-cravizar e desgastar os outros.

Há dentro de nós uma capacidade incrível de violentar o outro, de acabar com ele, não importando se esse outro está próxi-mo de nós, se é membro da família, ou se vive em lugares que a gente nem sabe onde fica. Aprendemos – e muito bem! – tanto as técnicas de como levar alguém a viver em condi-ções subumanas como as de aceitar viver sem dignidade al-guma.

Embora esse sentimento que nos une e nos separa habite nosso pensamento mais antigo e vem sendo fortalecido du-rante gerações, certamente não é o único sentimento que, há tanto tempo, também sobrevive em nosso meio.

Fosse assim, os antigos e novos colonizadores estariam abso-lutamente tranquilos e, de modo algum, teriam que se ocupar com leis, exércitos, planos econômicos, eleições e, sobretudo,

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com tecnologias de informação e comunicação, a maioria de-las voltada exatamente para o controle da sociedade.

Ocorre que, dentre os tantos sentimentos que nos constituem, há um outro que vem antes desse que nos une e separa. Um sentimento que, para impedir que aflorasse, fez com que os colonizadores dizimassem populações inteiras. [Em certo sen-tido, ainda dizimam – não é cada vez mais crescente o núme-ro de pessoas que morre de fome em pleno século 21?] Um sentimento que, para não ser aflorado, faz com os governos, por convenção mundial, se obriguem a acabar com a mortali-dade infantil, mas que, por não investirem em políticas sociais destinadas aos mais jovens, adiam a mortalidade de crianças, permitindo que sejam mortas aos 10, 15, 18 ou 20 anos.

O fato é que, por mais que sejam fundamentadas, testadas e aplicadas com todo o rigor, as pedagogias dos invasores não conseguem acabar com o sentimento de liberdade das pesso-as. Ser livre ou não ser livre – esta é a questão!!! Afinal, mes-mo que as condições materiais permitam [quando há um míni-mo de comida na barriga das pessoas], é porque há liberdade que elas aceitam a condição de escravidão ou não.

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Invasão cultural

Que as TIC´s [tecnologias da informação e da comunicação] estão cada vez mais presentes no dia a dia dos mais diferen-tes grupos sociais da América Latina, é mais que evidente. Que regem a vida de cada um de nós e de toda a sociedade, já é realidade. Que, em geral, trazem benefícios individuais e coletivos, não há como não admitir. Mas ninguém nos consul-tou se queríamos ou se precisávamos de tudo isso que se nos impõe como necessário, útil e benéfico. Ninguém nos pergun-tou se estávamos interessados nisto...

E, assim como das outras vezes, nos enfiaram goela abaixo ideias e produtos. E nos convenceram de que realmente preci-samos dessa parafernália toda pra viver. E nós aceitamos, as-sim como um velho filme que, de tantas vezes visto, sabemos de cor a sequência das cenas... Mais uma vez, aceitamos consumir e não criar, admirar e não inventar, acatar e não questionar. Decidimos ser objetos e não sujeitos. O que dizer de muitos de nós que, mesmo sem poder comprá-los, endi-vida-se ou simplesmente baba diante de tantos equipamentos?

A saída possível – realmente possível – é criarmos condições para que um número cada vez maior de pessoas, desde a mais tenra idade, se aproprie tanto do como fazer informação e comunicação, assim como das tecnologias que se nos apre-sentam como tão necessárias, úteis e benéficas.

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Como?

Fazendo com que os equipamentos [cada vez mais baratos e acessíveis, de acordo com a estratégia dos invasores] sejam conhecidos e manipulados por toda e qualquer pessoa, a fim de que elas os utilizem para expressarem [do jeito que quise-rem] o que sentem e pensam.

É possível que, a partir daí, mudando-se o ponto, a vista tam-bém mude...

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'quem nasceu para carneiro não se espante quando é comido'

Sabe quem falou isso ai?

Nem imagino.

Foi o Bocarra, o P.P. Bocarra.

Quem é esse cara?

Pedro Paulo Bocarra, o Rei da Carne de Chicago.

Nunca ouvi falar dele.

É um personagem de A Santa Joana dos Matadouros [Brecht, alemão, 1898/1956]

Sabia, não. Conheço pouco o Brecht.

O pano de fundo dessa peça é a Queda da Bolsa de Nova Ior-que, em 1929, que foi, segundo dizem, a primeira e maior cri -se do capitalismo. Os donos do dinheiro produziram muito, mas não tinha quem comprasse os seus produtos. Havia mais oferta que procura. Então, a quebradeira foi geral. Os endi-nheirados, inclusive os do Brasil, que na época eram os fazen-deiros do café, se ferraram... e o povo [principalmente] tam-bém...

E o que é que Santa Joana tem a ver com isso?

Negociando carne, o Bocarra era o maior poderoso em Chica-go. Ele controlava o mercado. Comprava e vendia do jeito que

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bem entendia, de modo que todos os outros braços do negó-cio, tipo criadores, transportadores, investidores, industriais etc. dependiam dele, quer dizer, do dinheiro dele.

... E a Santa Joana?

Acontece que quem mais dependia do homem eram os traba-lhadores que, embora perdessem suor e sangue e vida nos matadouros de bois, porcos, carneiros e outros animais... re-cebiam salários baixíssimos e viviam em condições miserá-veis. Joana era uma dessas desgraçadas e, para compor o belo quadro da exploração, fazia parte de um grupo religioso que, como sempre, cumpre muito bem o seu papel de domes-ticar os homens, amansá-los, prometendo vida boa e felicida-de em outro tempo [depois da morte] e lugar [o que chamam de céu].

Joana fazia parte do jogo, ao lado de Bocarra...

Não. Ela enfrentou o cara. Por várias vezes, frente a frente, disse ser ele o responsável pela miséria daquela gente toda. Falou em nome dos famintos... Cobrou dele outras atitudes...

E o cara?

Até que ouviu a menina [tinha uns 20 anos] e chegou a dizer que admirava a coragem e ousadia dela e coisa e tal, mas ab-solutamente nada alterou o seu jeito burguês de ser e de viver e de viver da exploração do outro, ou melhor, de todos os ou-tros. Joana, por essas e por outras, passou a ser reconhecida e respeitada pelos miseráveis.

E ela virou santa por causa disso?

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Mais ou menos. No momento mais crítico da quebradeira, em que as condições tendiam somente a piorar, em que o Bocarra e seus braços estavam aparentemente na pior, em que uma multidão de famintos podia estourar como gado, em que uma possível greve geral poderia paralisar de vez os negócios do rei da carne e, aí sim, complicar a vida dos homens do dinhei-ro, em que a polícia fazia o seu papel a favor de uns e contra outros...

E daí?

Joana, mais uma vez, enfrentou os poderosos, dizendo coisas que eles sabiam muito bem serem verdadeiras, mas não que-riam que os outros ouvissem, porque simplesmente não con-vém que esses outros, sempre muitos outros, ouçam e saibam de coisas que possam vir a complicar os que sabem muito bem o que significa a separação entre uns e outros...

... E a Joana?

Passou um tempo, ela foi ameaçada, perseguida, de algum modo é ferida e levada pra morrer diante de Bocarra em seus braços. Foi quando, então, ela virou santa. Ou melhor, os en-dinheirados, convenientemente, fizeram dela uma santa. Colo-caram bandeiras sobre o seu corpo e, junto com os miserá-veis, na frente e ao lado deles, velaram a 'Santa Joana dos Matadouros'.

Caramba!!!

Muito espertamente, os endinheirados perceberam que a mor-te de Joana era um momento excelente, um fato primoroso que não podia deixar de ser capitalizado. Se ficassem ali e fi-

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zessem as honras fúnebres ao corpo da menina guerreira, que em vida teve a petulância de se dirigir a eles, os podero-sos, e desafiá-los em favor dos miseráveis e famintos como sempre; se eles permanecessem ali por algum tempo, certa-mente aqueles desgraçados não os veriam e os tratariam como, de fato, eles mereceriam ser vistos e tratados, mas, ao contrário, como pessoas boas, tão humanas a ponto de elege-rem a brava e defunta lutadora como 'A Santa Joana dos Ma-tadouros'...

Sacanagem!!! Muita sacanagem!!!

Pois é, agora que você sabe quem é o tal do Bocarra, perso-nagem de A Santa Joana dos Matadouros, do Brecht, entende o que ele falou?

Entende que quem nasceu para carneiro não se espante quando é comido! é bem mais que uma frase de efeito? Que um cara como Bocarra – rico porque vive da miséria de mui-tos, e vivo porque se nutre do sangue dos animais e do san-gue dos homens que matam os animais – não joga uma pala-vra fora e nem brinca em serviço? Que para ele, assim como para seus iguais, há um matadouro – lugar cuja única razão de existir é acabar com a vida do outro – separando pessoas?

Entendo, sim. E, cá entre nós, não há novidade alguma nessa história. Não conhecia esse Bocarra, mas bocarras não fal-tam... Eles estão estrategicamente espalhados por aí, e inter-pretando, cada vez melhor, os seus papéis. Miseráveis tam-bém não faltam. Pra não mexer no cenário, basta um prato de sopa e uma promessa qualquer. Não são poucos os que que

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ainda caem nessa conversa! E para que o espetáculo conti-nue, é preciso que Joana exista; que ela fale, que grite, que corra e que morra... assim... sofrendo muito... até ser transfor-mada em santa... Ora, não há matadouros sem santos e san-tas... e bocarras! Depois de Joana, virão outras e, muito pro-vavelmente, passarão por situações parecidas com as que ela passou. E, assim como a Joana de Brecht, talvez sejam trans-formadas em santas joanas também...

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Dramas humanos na tela da tevê

Observe como a mídia oficial/comercial trata os dramas huma-nos. Em especial as tevês, o que buscam e mostram? Esban-jam cenas carregadas da dor e da tristeza dos outros – os 'protagonistas' de suas esperadas e, mais que isto, aguarda-das narrativas.

Quem está mais abatido?

Quem está sofrendo mais?

Qual o melhor ângulo, o melhor enquadramento?

E as coisas, os lugares destruídos, as pessoas – especial-mente as pessoas?

Onde elas estão concentradas?

É fundamental que elas apareçam chorando e desesperadas. [quanto mais, melhor!]

Tem alguém revoltado e bravo?...

Há repórter que tem a pachorra de perguntar às vítimas o que sentiram na hora trágica. Embarga a voz e – não importando se são crianças, jovens ou velhas – pede que falem sobre o que elas pensam em fazer daí pra frente... E continua a entre-vista emocionada até o momento em que ouve “não há o que fazer”, “é assim mesmo” e “é vontade de deus”...

[O máximo! - exatamente o que esperava.]

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Em seguida, com ar sério e algo preocupado, falam os apre-sentadores ou âncoras que, em geral, dizem o mesmo que já foi dito e mostrado.

Então, tecem alguma consideração que, a rigor, nada acres-centa, para, logo depois, abrirem um sorriso e anunciar a pró-xima notícia que, em geral, nada tem a ver com a tragédia.

[É claro que este modo de tratar as desgraças humanas não é uma novidade inventada pela mídia oficial/comerci-al. Em particular, os jornais televisivos deixam muito a desejar em matéria de... matérias jornalísticas.]

Por conta do modelo adotado – que “vende bem”; caso contrá-rio, seria outro o modelo –, quem nele trabalha não somente pago pelos 'donos da mídia', mas aceita, concorda, sustenta e mostra a própria cara no que há de pior em termos de trata-mento da informação.

[Muito antes dos negócios tão bem explorados da mídia oficial/comercial, a igreja católica tratou de “capitalizar” os dramas e as inevitáveis dores humanas; e não so-mente ela, mas tantas outras que, hoje mais que nunca, aparecem nas ruas, praças e becos... sempre lugares pobres, evidentemente]

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Com escola tão boa e eficiente, como não aprender? Com exemplos tão edificantes, como não se tornar especialista na capacidade de explorar o outro, sobretudo quando ele mais precisa da solidariedade dos seus iguais?

Você conhece alguma igreja que, mesmo pregando o tempo todo a preocupação com o homem, não explora justamente a fragilidade humana, em especial a dor provocada pelas situa-ções dramáticas? Não dizem elas que o céu não é pra qual-quer um, mas somente para os que sofrem sem deixar de fre-quentá-las e, claro, contribuir com a tal 'obra do criador'?

[O que não dizem e fazem para encher a sacolinha?!]

Mas o que pretendem as empresas que controlam a mídia ofi-cial/comercial? Seguramente, nada que tenha a ver com soli-dariedade – termo, aliás, que não cabe no vocabulário empre-sarial. Ao contrário, o que sustenta o sistema econômico que, juntos, mantemos é justamente a exploração do homem pelo homem. No máximo, falamos em 'ajudar' o outro, nos moldes do que a igreja católica difundiu como 'caridade'. Nada mais que isto! Ora, como são empresas [nos tempos recentes, igre-jas também funcionam como empresas] ou são formas de in-vestimento de dinheiro, isto é, capital – e capital, se não for transformado em mais capital, em lucro, simplesmente desa-parece –, a única coisa que interessa é o lucro, o aumento do capital.

Portanto, tudo vale.

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Vale tudo!

Afinal, a dor é um grande negócio! [a dor dos outros, obvia-mente]

Há muito, sabemos o quanto a dor e a desgraça do outro nos chamam a atenção. Dura e triste essa constatação, sem dúvi-da, mas há como dizer o contrário? Geralmente, expressões de alegria e felicidade incomodam e geram reações contrárias às expressões de dor e tristeza. Gostamos de festa, mas o que nos envolve e comove mesmo é o luto...

Quantos de nós nos alegramos com a alegria do outro?

O mesmo não ocorre com relação à sua dor; não raro, sofre-mos com os seus sofrimentos, choramos com ele, não impor-tando se é alguém próximo ou não. Aprendemos a ser solidári-os na tristeza.

Tanto as igrejas como as empresas de mídia sacaram bem essa nossa fragilidade. Mas, sobretudo, contaram e contam com o nosso consentimento para operarem dessa maneira. Não fosse assim, as segundas não teriam aprendido tão bem como aprenderam as lições das primeiras e, ambas, não al-cançariam o sucesso que se renova a cada dia.

São muito parecidas tanto nos propósitos quanto nos resulta-do: não partilham os mesmos espaços, buscando o mesmo público?

Não vendem as mesmas ideias, produtos e serviços?

Não disputam a tapa os mesmos consumidores?

Direta e indiretamente, não visam e obtém lucros?

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Há quem diga que a gente se vê na tela da tevê. É possível, já que na tela da tevê muitos se deixam [ou fazem questão de] mostrar, expondo os efeitos da tragédia que resulta da nossa dificuldade de ver a nós próprios como meros consumidores de ideias e valores.

De tão embaçadas de água benta, nossas vistas se conten-tam em contemplar os dramas humanos na tela da tevê...

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Gosto não se discute?

Gosto não se discute – é o que diz o senso comum.

O que, certamente, é um exagero. Simplesmente porque a op-ção por isso ou aquilo é definida por variáveis que indepen-dem de um possível e desejável sentido puro.

A escolha do prato preferido, do estilo musical ou do tipo de obra de arte... são opções perpassadas por elementos que vão da origem familiar à quantidade de dinheiro que se tem no bolso.

Antes, durante e depois de tudo o que possa se referir ao gos-to, opção ou preferência há o meio no qual se está envolvido.

O indivíduo altera, altera-se e é alterado por outros indivíduos, conforme as circunstâncias.

Gosto, então, se discute sim.

Opções e preferências não caem do céu ou brotam puras em algum lugar. São, ao contrário, construções históricas. São produções coletivas definidas por situações que, juntamente com outros indivíduos, envolvem necessidades e interesses diversos e inevitavelmente conflitantes.

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Crítico, sim. Desagregador, não.

Tecer considerações favoráveis ou não às ações dessa ou da-quela pessoa ou instituição é algo absolutamente legítimo sob qualquer ponto de vista. Dizer o que pensa, sente ou acha a respeito de quem quer que seja é, igualmente, direito de toda e qualquer pessoa, independente dela estar ou não integrada num determinado grupo social, assim como participar ou não de qualquer ação desse grupo.

Quando se está à frente de alguma ação coletiva, então, o exercício da crítica constante e radical é uma necessidade ab-solutamente intrínseca à própria ação. Caso contrário, estão comprometidas tanto a seriedade da intenção quanto a conti-nuidade da atuação.

A constância e a radicalidade da crítica fazem dela algo mais sério do que gostar ou não de alguém, ser simpático ou não às ações de alguma instituição.

A crítica vai muito além de falar mal de alguém ou de um pro-jeto...

Isto porque, para ser crítica, nada efetivamente escapa do olhar e da análise daquele que, legitimamente, a exerce.

Quem olha criticamente o faz de modo analítico, isto é, de-compõe, des-mancha, des-faz o objeto criticado.

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Neste sentido, a crítica verdadeira e honesta é sempre destru-tiva: ela des-constrói o que se lhe mostra arranjado, montado, definido... verdadeiro.

Não há, pois, crítica construtiva. Seu alvo são as ações.

Em nenhum momento, portanto, se justifica destrato ou ofensa aos formuladores e/ou realizadores das ações.

O que se des-constrói são os objetivos, os modos como se praticam as ações, os fins a que elas se destinam. As pessoas envolvidas nessas ações são absolutamente dignas de todo respeito.

Ninguém tem direito de destratar ou ofender alguém.

Por sua vez, receber e acatar críticas são ações de dignidade ímpar...

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Poder e Responsabilidade

Para quem trabalha com gestão de pessoas, é fundamental compreender a relação entre os termos que formam o título deste texto.

Acredita-se, por exemplo, que o sucesso de qualquer projeto está associado à divisão de responsabilidades: “cada um fa-zendo bem a sua parte, todos ganham”. Cria-se grupos de tra-balho, distribui-se funções e, claro, alguém ou um pequeno grupo de pessoas [a liderança] assume a frente das ativida-des.

Se os resultados forem satisfatórios, os líderes, em geral, guardam para si mesmos os “louros” do empreendimento. Até reconhecem o trabalho da equipe, mas o brilho e a fama não são divididos.

Entretanto, se as dificuldades aparecerem mais que os bons resultados, outras coisas são ditas, outros são os procedimen-tos adotados.

A liderança faz questão de dividir com todos a responsabilida-de pelo fracasso, espalhando culpas [palavra horrível!] para todos os lados.

Ora, qualquer projeto – desde que decorra do sonho e/ou da necessidade das pessoas alterarem a realidade em que vivem – está inevitavelmente condenado ao sucesso.

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Se ele não acontece, e se as dificuldades insistem em superar as possibilidades, é preciso investigar o tipo de gestão implan-tada pela liderança e acatada pelos grupos de trabalho: divi-são de responsabilidade e concentração de poder.

Adotando-se a gestão participativa, a divisão a ser feita não é de responsabilidade – uma vez que é absolutamente impres-cindível cada um assumir a parte que lhe cabe –, mas de po-der.

O poder é que deve ser dividido, jamais concentrado. Centrali-zar as decisões e dividir responsabilidades é a principal carac-terística da gestão autoritária.

É mais que necessário, portanto, saber diferenciar bem um termo do outro para que o tipo de gestão adotada nas ações coletivas não apareça uma coisa e, na verdade, seja outra.

O sucesso de um projeto nunca é individual, mas sempre co-letivo. O fracasso, por sua vez, é individual e coletivo.

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'quem não se comunica se trombica'

É comum ouvirmos dizer que estamos na Era da Informação, e quem for atento à tecnologia certamente estará à frente da maioria das pessoas.

Caso contrário, ficará inevitavelmente jogado às traças.

As mídias [sobretudo tevê, rádio e jornal], então, trataram de disseminar essa ideia, e obtiveram brilhante êxito. Elas se or-gulham ao afirmar que são portadoras dos ideais que necessi-tamos para viver nos tempos atuais. Tempos, aliás, sombrios, especialmente marcados pela força e dominação de uns pou-cos sobre a imensa maioria. Quantos de nós têm acesso aos 'benefícios da tecnologia', já que milhões de pessoas vivem em condição inferior ao mínimo de dignidade humana?

Nosso tempo é o mais prodigioso da história em termos de in-venções e novidades, mas é também o mais violento e profun-damente marcado pelo desrespeito ao ser humano e à nature-za. Em nenhum outro momento da história fomos, ao mesmo tempo, tão grandiosos e mesquinhos, tão ousados e covardes, tão humanos e desumanos...

De informação e boa intenção tanto o inferno como a terra es-tão cheios. As consequências são amplamente conhecidas e sofridas na pele de milhares de pessoas. Por quê e para quê tanta informação?

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Melhor: a quem efetivamente interessa tamanha tecnologia da informação? O que justifica o investimento [de toda a socieda-de, obviamente] cada vez maior na pesquisa e produção de variados equipamentos de informação?

O que mobiliza um pequeno grupo de pessoas tão envolvidas e interessadas em adquirir, vender, trocar e guardar... informa-ção?

Ora, se a fome é o que mais mata no mundo; se a maioria ab-soluta dos grupos humanos não vive de acordo com suas res-pectivas riquezas, já que os bens produzidos socialmente não são distribuídos socialmente; se apenas um pequeníssimo grupo de pessoas concentra e detém em suas mãos, além das riquezas, o controle sobre a tecnologia [financiada por toda a sociedade] – tanta informação só pode ter um objetivo: impedir que esse quadro se altere.

***

Há, todavia, uma outra opção: comunicação entendida como processo que tem como marca maior a ação em comum. Ou mais exatamente isto: Comunicação é ação em comum como desdobramento do conjunto de ações individuais elaboradas de pensamento crítico sobre convivência social. Trata-se, por-tanto, de um processo pautado no respeito e no compromisso com o outro.

Respeito, enquanto aceitação e tolerância com o diferente, com quem pensa e age de modo diverso do nosso.

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[Respeitar (re = de novo + espectar = olhar) é olhar de novo, prestar atenção.]

Compromisso, entendido não como fidelidade a um outro, mas com qualquer outro, independente de ser ou não conhecido nosso.

[Compromisso é o mesmo que promessa, que é o mes-mo que dar a própria palavra.]

Ora, se formos críticos ante às mensagens insistentemente bombardeadas pelas mídias, certamente não permitiremos que muita coisa continue acontecendo.

Perguntaremos, por exemplo, que tipo de respeito e compro-misso têm conosco os que as operam?

De onde falam e o que pretendem com suas afirmações, ne-gações, acusações, condenações e absolvições?

Quem são os autores dos textos que publicam, as vozes que difundem e o que querem com as imagens que colocam no ar?

Nesse caso, estaremos dando início a Era da Comunicação - tempo marcado pelo estar com o outro, não ficar à sua frente ou segui-lo, mas caminhar ao seu lado; tempo em que ter res-peito e compromisso com o outro é ser companheiro e parcei-ro, jamais superior ou inferior a ele.

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***

Não sei o que o Chacrinha - um nome da televisão do Brasil - queria dizer quando repetia que “quem não se comunica se trombica”. Nem sei o que ele pensava exatamente sobre co-municação.

Pouco importa!

O que vale é que sua frase, tantas vezes repetida, serve para dizer que a ação em comum é a nossa única saída.

Afinal, quem é companheiro não é carregado e nem carrega ninguém, mas oferece o ombro e aceita o ombro do outro. Quem é parceiro, divide poder e assume responsabilidades. Nunca o contrário.

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Que história, não?

Triste, doloroso, infeliz, desgraçado, medíocre, desprezível, baixo, deplorável... – que outros adjetivos há para qualificar o que o homem tem feito de si mesmo e do outro no decorrer dos tempos?

A história do homem é a história da exploração do homem pelo homem – como negar esta afirmação? O que chamamos história da humanidade é a simples constatação de que não houve e nem há limites para esse tipo de exploração – como negar também essa afirmação?

Absolutamente nada impediu e impede o homem de desgastar e esgotar outro ser igual a ele.

O interessante, contudo, é que o homem, que submete o ou-tro, torna-se submisso de quem aceita a submissão, estabele-cendo um tipo de relação que é lamentável.

Longe da condição de sujeitos que realizam ações, transfor-mam-se em meros objetos sofrendo ações decorrentes das condições que ambos definiram para si mesmos. Os laços que criam são correntes que os mantém interna e externamente dependentes um do outro.

Tem como negar a tese de que ainda não saímos da pré-histó-ria da humanidade?

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Até, cara leitora e caro leitor!

Insisto na ideia de, sinceramente, co-laborar com você, des-pertando seu interesse e empenho para o intenso e constante debate sobre certas ideias e práticas, não por acaso devasta-doras da nossa vida individual e coletiva.

Com esses textos, minha intenção foi [continua sendo] provo-car, gerar incômodo, desconforto, dúvidas, desconfiança... Consegui?

Mas é preciso mais: não se conformar com o que está escrito, ir além, investigar, escarafunchar, consultar, conferir...

Se você leu esses exercícios de leitura, compreensão e inter-pretação do que temos feito de nós mesmos é possível conti-nue [por algum tempo ainda] pensando e conversando sobre eles.

Enquanto isto acontecer – e tomara que se estenda – muitos pensamentos, sentimentos, posicionamentos hão de sofrer al-guma alteração.

Estou certo disso!

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Sumário

Olá, cara leitora e caro leitor! 01

Não somos nada disso 03

Quando falta apoio mútuo 07

Não fosse a solidariedade... 09

Sentimento americano 13

Invasão cultural 17

'quem nasceu para carneiro não se espante quando é comido' 19

Dramas humanos na tela da tevê 25

Gosto não se discute? 31

Crítico, sim. Desagregador, não. 33

Poder e Responsabilidade 35

Que história, não? 41

Até, cara leitora e caro leitor! 43

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