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1 APOSTILA ANDANDO PELO RIO – PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO E ARREDORES ORIGENS DA PRAÇA XV DE NOVEMBRO No remoto ano de 1567 surgia a primeira rua da cidade: a Ladeira da Sé. Com efeito, não poderia ser outra coisa que não a ladeira que descia da Matriz de São Sebastião, no alto do Morro do Castelo, até a várzea, onde existia um fortim de terra. Em março de 1583, na sua base, o Padre José de Anchieta inaugurou a Santa Casa de Misericórdia, para atender aos doentes da esquadra espanhola de Diogo Flores Baldez, que aportou ao Rio de Janeiro com peste a bordo. Devido ao hospital, o povo crismou esse primeiro logradouro de “Ladeira da Misericórdia”, existindo até hoje pequena porção dela, atrás do prédio do Museu Histórico Nacional. A “Ladeira da Misericórdia” emendava com a rua da “Misericórdia”, que existiu até idos de 1960. Terminava exatamente onde hoje está o prédio do Palácio Tiradentes. Provavelmente, no mesmo ano de 1567, essa rua era prolongada até um morrote lindeiro, que fora doado em sesmaria ao português Manuel de Brito Pereira (ou de Lacerda), dono de muitas casas na cidade e que, com certeza, concorreu financeiramente para a extensão dessa rua que, em última análise, valorizava suas terras. Teve vários nomes: “Caminho da Piaçava”, “Caminho da Praia Arqueada”, rua de “Manuel de Brito”, rua “Direita” e, desde 1870, rua Primeiro de Março, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai, ocorrida aquele ano. Antes de 1570, uma devota ergueu na rua Direita a capelinha dedicada a Nossa Senhora da Expectação e do Parto, e que o povo a crismou, por antonomásia, de Nossa Senhora do Ó, por não conseguir pronunciar com facilidade essa invocação da Virgem. Afirma-se, que pelo motivo da ladainha iniciar com a evocação “Ó Virgem Maria...”, passou a assim ser conhecida. Era a santa predileta das mulheres de então, que lhe dirigiam súplicas por um bom parto. Em 1589 essa capela foi doada aos frades carmelitas, chegados dez anos antes e que até então não possuíam pouso fixo. Mudaram a invocação da santa para Nossa Senhora do Carmo e trinta anos depois, em 1619, iniciariam seu convento, ao lado. Quanto à capela, foi reconstruída ao menos duas vezes, datando o templo atual de 1761, mais ou menos da mesma época em que ficou pronto o convento. Os frades seriam desalojados em 1808 por ordem do Príncipe D. João, que alojou no convento sua mãe, a Rainha D. Maria I, a louca; o Real Gabinete de Física, a Real Ucharia (no térreo) e a Real Biblioteca (nos fundos). A capela do convento foi convertida em Capela Real. Nela D. João seria sagrado em 1818 e seu filho e neto coroados, respectivamente em 1822 e 1841. Fronteiro a esse templo surgiu um pequeno adro, muito ampliado por aterros e pelo assoreamento da baía, haja vista que a vegetação ciliar dos rios foi a primeira coisa destruída pelos colonizadores. Se, ainda em fins do século XVI, uma baleia encalhou na rua “Direita”, já em 1605 existia terreno suficiente do lado do mar para o Governador Salvador de Sá levantar um fortim, o “Forte da Cruz”, provavelmente a primeira construção do lado da baía e, com certeza, igualmente a primeira da rua do Ouvidor (que naquela época tinha outros nomes, como por ex.: “Desvio do Mar”, rua de “Aleixo Manuel”, rua do “Gadelha”, e rua da “Cruz”. O atual nome “Ouvidor” data de 1780.). Esse forte nunca funcionou, sendo doado em 1623 a uma irmandade de militares, que em PDF Creator - PDF4Free v2.0 http://www.pdf4free.com

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APOSTILA ANDANDO PELO RIO – PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO EARREDORES

ORIGENS DA PRAÇA XV DE NOVEMBRONo remoto ano de 1567 surgia a primeira rua da cidade: a Ladeira da Sé.

Com efeito, não poderia ser outra coisa que não a ladeira que descia da Matrizde São Sebastião, no alto do Morro do Castelo, até a várzea, onde existia umfortim de terra. Em março de 1583, na sua base, o Padre José de Anchietainaugurou a Santa Casa de Misericórdia, para atender aos doentes daesquadra espanhola de Diogo Flores Baldez, que aportou ao Rio de Janeirocom peste a bordo. Devido ao hospital, o povo crismou esse primeirologradouro de “Ladeira da Misericórdia”, existindo até hoje pequena porçãodela, atrás do prédio do Museu Histórico Nacional. A “Ladeira da Misericórdia”emendava com a rua da “Misericórdia”, que existiu até idos de 1960. Terminavaexatamente onde hoje está o prédio do Palácio Tiradentes.

Provavelmente, no mesmo ano de 1567, essa rua era prolongada até ummorrote lindeiro, que fora doado em sesmaria ao português Manuel de BritoPereira (ou de Lacerda), dono de muitas casas na cidade e que, com certeza,concorreu financeiramente para a extensão dessa rua que, em última análise,valorizava suas terras. Teve vários nomes: “Caminho da Piaçava”, “Caminhoda Praia Arqueada”, rua de “Manuel de Brito”, rua “Direita” e, desde 1870, ruaPrimeiro de Março, em homenagem ao término da Guerra do Paraguai,ocorrida aquele ano.

Antes de 1570, uma devota ergueu na rua Direita a capelinha dedicada aNossa Senhora da Expectação e do Parto, e que o povo a crismou, porantonomásia, de Nossa Senhora do Ó, por não conseguir pronunciar comfacilidade essa invocação da Virgem. Afirma-se, que pelo motivo da ladainhainiciar com a evocação “Ó Virgem Maria...”, passou a assim ser conhecida. Eraa santa predileta das mulheres de então, que lhe dirigiam súplicas por um bomparto.

Em 1589 essa capela foi doada aos frades carmelitas, chegados dezanos antes e que até então não possuíam pouso fixo. Mudaram a invocação dasanta para Nossa Senhora do Carmo e trinta anos depois, em 1619, iniciariamseu convento, ao lado. Quanto à capela, foi reconstruída ao menos duas vezes,datando o templo atual de 1761, mais ou menos da mesma época em que ficoupronto o convento. Os frades seriam desalojados em 1808 por ordem doPríncipe D. João, que alojou no convento sua mãe, a Rainha D. Maria I, alouca; o Real Gabinete de Física, a Real Ucharia (no térreo) e a Real Biblioteca(nos fundos). A capela do convento foi convertida em Capela Real. Nela D.João seria sagrado em 1818 e seu filho e neto coroados, respectivamente em1822 e 1841.

Fronteiro a esse templo surgiu um pequeno adro, muito ampliado poraterros e pelo assoreamento da baía, haja vista que a vegetação ciliar dos riosfoi a primeira coisa destruída pelos colonizadores. Se, ainda em fins do séculoXVI, uma baleia encalhou na rua “Direita”, já em 1605 existia terreno suficientedo lado do mar para o Governador Salvador de Sá levantar um fortim, o “Forteda Cruz”, provavelmente a primeira construção do lado da baía e, com certeza,igualmente a primeira da rua do Ouvidor (que naquela época tinha outrosnomes, como por ex.: “Desvio do Mar”, rua de “Aleixo Manuel”, rua do“Gadelha”, e rua da “Cruz”. O atual nome “Ouvidor” data de 1780.). Esse fortenunca funcionou, sendo doado em 1623 a uma irmandade de militares, que em

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seus horários de folga ergueram nele uma capela, inaugurada em 1628, e quedeu origem à bela igreja da Santa Cruz dos Militares, cujo templo atual data de1777/1811.

Já em 1605 existem referências documentais ao “Terreiro do Carmo”,primeiro nome da futura Praça XV de Novembro, e que à época era um dosdesembarcadouros de mercadorias da cidade. Provavelmente, nesta época,existiam muitas casas na rua Direita e, com certeza, mais uma capela do ladodo mar, a de São José. Não se sabe por quem e quando foi fundada, mas, jáexistia em 1640, pois nesse ano foi reconstruída. O templo atual foi iniciado em1808 e terminado apenas em 1842.

Ao seu lado, surgiu em 1619 o casarão da “Câmara Municipal e daCadeia”, inicialmente uma casa térrea de taipa. Seria depois reconstruída comosobrado no século XVIII e dela saiu para a glória o protomártir da Inconfidência,Joaquim José da Silva Xavier, o Tiradentes, enforcado no Campo de SãoDomingos num sábado de sol, a 21 de abril de 1792. Após a Independência, foia cadeia velha utilizada como “Câmara dos Deputados” em 1822. Noventa eoito anos depois foi demolida para ali ser erguido o Palácio Tiradentes,atualmente sede do Poder Legislativo Estadual.

Voltando ao século XVII. Com a ida dos vereadores para a várzea do“Largo do Carmo”, mudou então o eixo do poder na Capitania, indo o legislativomunicipal para um logradouro cuja importância não parava de crescer. Por estaépoca foi erguido em um de seus cantos o pelourinho ou “polé”, poste dealvenaria com o símbolo da municipalidade, dando origem ao segundo nomedo logradouro: “Largo da Polé”. A praça daí por diante não pararia mais decrescer em importância, sediando o poder até 1889, quando a Repúblicarelegou estes marcos a um ostracismo completo.

Ainda em meados do século XVII, existiam algumas casas no ladoesquerdo da praça, que eram alugadas pelos carmelitas a terceiros. Poucodepois, os próprios vereadores sugeriram ocupar a praça com casas dealuguel, com o fito de serem alugadas, por pura coincidência, é claro, aparentes dos ditos vereadores. O projeto foi vetado pelo Rei Pedro II dePortugal. Diga-se o que for, mas, por pouco a praça deixou de existir!

Já para fins do século XVII, as tais casas dos frades carmelitas foramadquiridas pelo governo que as demoliu e construiu em seu local o armazémdo sal, bem como o de açúcar. Em 1698, juntou-se a eles a “Casa da Moeda”,vinda da Bahia e agora importante no Rio de Janeiro, haja vista que nove anosantes o bandeirante Antônio Dias descobriu imensas jazidas de ouro em MinasGerais, originando uma corrida pelo rico metal e transformando o Rio deJaneiro de antigo entreposto comercial em pôrto de escoamento do ouromineiro.

É sobre estas construções que se erguerá o edifício do Paço Imperial,primeira sede do executivo no Largo da Polé. Desde 1643 possuíam osgovernadores uma casa na rua Direita para o exercício de seus mandatos,casa esta comprada pelo Rei D. João IV para abrigar o Governador LuísBarbalho Bezerra, que faleceu antes de ocupá-la. Serviu como casa degovêrno por cem anos. Em 1733, assume o governo da Capitania e parte suldo Brasil o General Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela. Achando-se mal instalado, enviou correspondência ao Rei D. João V de Portugal nosentido de obter outro lugar para o executivo da Capitania.

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Tendo conseguido resposta positiva, encarregou o engenheiro militarSargento Mór José Fernandes Pinto Alpoim para reformar as casas do Largoda Polé e convertê-las em casa de governo. Assim foi feito. Alpoim acrescentouum segundo andar ao conjunto, usou vergas curvas nos vãos das janelas pelaprimeira vez no Rio de Janeiro e, em 1743, era entregue a primeira casa degoverno erguida especificamente para tal na Capitania. Foi casa dosgovernadores por vinte anos. Em 1763, quando se transferiu o Vice-Reinado daBahia para o Rio de Janeiro, serviu como palácio de despachos do Vice-ReiConde da Cunha, sendo então rebatizada para Paço Vice-Real. Paço,subentenda-se, é o diminutivo de palácio, haja vista as leis coloniais proibiremos prédios administrativos do Brasil terem tal alcunha. Quando da chegada daCôrte, em 1808, continuou o edifício a ser usado como palácio de despachosdo Rei, ganhando a alcunha de Paço Real. Com a Independência, em 1822,Paço Imperial. Na República foi repartição geral dos telégrafos, sendo apenasrestaurado em 1980 e reaberto cinco anos depois como centro cultural.

Ocorreram no Paço alguns eventos históricos significativos. Em 09 dejaneiro de 1822, D. Pedro chegou à sétima sacada do sobrado para informar aopovo que ficava no Brasil. A 13 de maio de 1888, a sua neta, Princesa Isabel,filha de D. Pedro II, informava da sacada central que não tínhamos maisescravos em nossas terras. Pela porta principal D. Pedro II e sua família saírampara o exílio a 17 de novembro de 1889, para nunca mais volverem vivos àterra brasileira.

Do outro lado da praça, existiam umas casas postas ao chão em 1743,para naqueles terrenos subir uma série de sobrados da família do Juiz deÓrfãos Antônio Telles de Menezes. Projetadas pelo engenheiro Alpoim,possuíam um notável arco abatido que passava pela travessa do mercado depeixe, hoje rua do Comércio. Este arco, apelidado de “do Telles”, era muito malfreqüentado, tendo sido conhecido nos primeiros anos do século XIX comoreduto da bruxa Bárbara dos Prazeres, ex-prostituta, famosa por produzirpoção rejuvenecedora com sangue de crianças.

Na casa ao lado, onde hoje está a Tabacaria Africana, funcionou de1747 a 1790 o Senado da Câmara, nome pomposo que tomou a Câmara deVereadores depois de 1757, e que lá foi vítima de pavoroso incêndio, a 20 dejulho de 1790, o qual, curiosamente, só queimou alguns documentosespecíficos sobre posses territoriais.

O primeiro chafariz da cidade foi inaugurado no Largo da Carioca em1726 pelo Governador Aires de Saldanha e Albuquerque e recebia as águas doRio Carioca, canalizados por possante aqueduto inaugurado na mesmaocasião. Em 1747, o Governador Gomes Freire inaugurou outro chafariz, estejá no Largo do Paço, no local onde em 1894 se ergueu o monumento à Osório.Durou pouco tempo esse chafariz, que era em mármore de lióz. Em 1779, oVice-Rei D. Luís de Vasconcellos e Souza iniciou um terceiro, na borda do mar,bem como um novo cais de pedra. Fez o projeto do novo chafariz o mulatoMestre Valentim da Fonseca e Silva, com ajuda do engenheiro Jean JacquesFunck. Inaugurado em 1789, fornecia água não só à cidade como aos barcosque ali acostavam. Foi afastado do mar por vários aterros depois de 1838.Quando D. João aportou nele em 1808, estava o Largo do Paço já ornado comseus principais marcos culturais.

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O COMÉRCIO NA PRAÇA XV E ARREDORESEm matérias anteriores, escrevi sobre a Praça XV de Novembro e

arredores, sua história e seus prédios antigos. Agora, escrevo sobre umassunto pouco enfocado: a sua importância para o comércio da cidade.

Já em 1570, uma construção, à beira mar, definiria o futuro logradouro: aereção da capela de Nossa Senhora da Expectação e do Parto, ou, como eramais conhecida, Nossa Senhora do Ó. Em sua frente, surgiu um descampadoonde as pessoas se reuniam antes das missas, um adro, o qual, inicialmente,era muito amplo. Em 1589, quando a capelinha foi doada aos fradescarmelitas, eles mudaram a invocação do templo para Nossa Senhora doCarmo e ao seu lado construíram em 1619 um convento. Anos depois,edificaram à sua frente algumas casas que alugavam a terceiros.

Em 1605, o Governador Martim de Sá mandou erguer nas proximidadesda rua Direita um forte, o qual deu o nome de “da Cruz”, cujo objetivo eraproteger os desembarques dos navios que ali aportavam. Dez anos depois, aCâmara de Vereadores legislou no sentido de não se erguer defronte aosprédios do convento e forte construção alguma, com o fito de preservar aquelaárea como “rocio” da cidade. Rocio era o nome lusitano para “praça decomércio”, já determinando a primeira função institucional do local.

No início do século XVII, duas instituições destinadas a estimular ocomércio na jovem colônia foram estabelecidas em suas proximidades.Uma foi a Câmara de Vereadores, trazida do Morro do Castelo para um terrenoao lado da Igreja de São José em 1619. Era função dos vereadores, dentreoutras, a de fiscalizar o comércio, bem como guardar os pesos e medidasoficiais, legislar sobre preços e custos, e colocar num poste de madeira, o“pelourinho” as novas leis exaradas, bem como os nomes dos fora-da-lei,comerciantes ou não. A câmara era situada onde hoje está o PalácioTiradentes e foi, até 1808, a sede do Poder Legislativo Municipal.

A outra foi a Alfândega, ou, como era poeticamente conhecida, a “casade ver-o-peso”. Foi instalada em 1613 defronte ao caminho do “Capoeirussú”(literalmente “Capoeira Alta”, em tupi), depois rebatizado para Rua daAlfândega. Desde fins do século XVII até 1808 sua direção coube, porhereditariedade, à família Nascentes Pinto. A Alfândega fez crescer o pequenocomércio que marcaria a fisionomia das ruas do Ouvidor até a da Alfândega.Está aí a origem do popular “SAARA”, a primeira grande área de comérciopopular da cidade.

A importância do sítio logo cresceu e, dentre os nomes que a praçaganhou ainda no século XVII, estavam o de “Largo do Carmo”, “Terreiro daPolé” (Polé e pelourinho são a mesma coisa), “Terreiro do Carmo”, e outrasdenominações efêmeras. Entretanto, a cupidez estava falando mais alto e aCâmara de Vereadores tentou lotear o largo com o objetivo de ali construircasas que seriam vendidas (por coincidência, claro...) aos parentes dospróprios vereadores. Isso motivou um protesto dos frades carmelitas ao ReiPedro II de Portugal, o qual, determinou, por Decreto de 27 de novembro de1686, que ninguém construísse sobre o Terreiro do Carmo, pois sua existênciaera por demais importante como área comercial. Até prova em contrário, esta éa data oficial de nascimento da futura Praça XV de Novembro.

No século XVII a grande falta de numerário no mercado fez com que oGovernador Salvador Correia de Sá e Benevides autorizasse o pagamento deimpostos em gêneros, e, como o principal gênero de produção no Rio de

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Janeiro daqueles tempos era o açúcar, todo mundo passou a pagar ao governocom caixas de açúcar. Logo os armazéns do governo ficaram abarrotados deaçúcar, o que causou grande depreciação do produto. Para resolver oproblema, agravado desde 1686 com a descoberta de ouro em Minas Gerais,resolveu o Rei Pedro II de Portugal transferir, em 1698, a casa da moeda, daBahia para o Rio de Janeiro, acomodando-a num armazém no Terreiro doPaço, exatamente onde hoje se encontra o prédio do Paço Imperial.

Em 1710 o Rio de Janeiro foi atacado pelas tropas francesas chefiadaspelo Corsário Jean François Duclerc, sofrendo o inimigo fragorosa derrotaquando já havia chegado aos limites do Terreiro do Carmo. No ano seguinte,outro Corsário, René Duguay Trouin, foi mais bem sucedido, tomando a cidadeapós curta batalha e saqueando os armazéns do Terreiro do Carmo por maisde trinta dias, quando se retirou vitorioso para a França.

Em 1743, o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela,inaugurou no antigo Terreiro do Carmo a nova Casa dos Governadores,projetada pelo engenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim onde estavamos Armazéns Reais e a Casa da Moeda. O Paço substituiu a pequenina casaque os governadores ocupavam desde 1624 na antiga rua Direita, onde hojeestá o prédio do Centro Cultural do Banco do Brasil. Vinte anos depois, oTerreiro, já rebatizado para Largo do Paço, passaria a sediar o Vice-reinado doBrasil, sendo seu primeiro Vice Rei o Conde da Cunha. Ele e seus sucessoresse preocuparam com dois assuntos básicos da colônia: proteger a cidade deataques estrangeiros promovendo a melhoria das fortificações e igualmenteproteger o rico comércio do Rio de Janeiro, cujo ouro em circulaçãodesenvolvera muito nos últimos anos.

Quando o Príncipe D. João desembarcou, em março de 1808 no Largodo Paço, este já estava firmado há muitos anos como a praça comercial maisimportante do reino português. D. João teve apenas que continuar o trabalhode seus antecessores. Já em 1808 ele liberou os portos brasileiros às naçõesamigas, e, em outubro do mesmo ano criou o Banco do Brasil, instalado numcasarão da rua Direita. Onze anos depois, o comércio havia florescido tantoque se tornou necessário criar a primeira Praça do Comércio do Rio de Janeiro,antepassada direta de nossa Bolsa de Valores. O prédio ainda está lá, na ruaVisconde de Itaboraí, sendo hoje sede da Casa França Brasil.

Estavam, pois, criados todos os instrumentos legais que transformaramo pequeno Terreiro Carmo na mais importante praça comercial da AméricaLatina, primazia que só perderia para São Paulo em fins do século XIX. Hoje,as velhas casas comerciais da Praça XV de Novembro e arredores estãosendo reabilitadas pelas obras da Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro,sendo suas fachadas tombadas pelos órgãos de proteção ao patrimôniohistórico, e se tornando, aos poucos, importante atração para os turistas quedesejam conhecer um pouco de nossa história.

PAÇO IMPERIAL - PRAÇA QUINZE DE NOVEMBRO - CENTRONos primeiros cem anos de existência da cidade, os governadores da

Capitania do Rio de Janeiro, geralmente membros da poderosa família Sá ouseus prepostos, governavam de suas próprias casas. Em 1643, a Metrópoleconcordou em pagar um aluguel para o Governador Luís Barbalho Bezerra,que, empobrecido e doente nas lutas contra os holandeses no nordeste, nãopossuía condições de se manter. Com a morte de Bezerra, em abril de 1644,

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sua casa passou a ser a casa dos governadores. Era na rua da Candelária,defronte ao prédio onde hoje está a Associação Comercial. Em 1698, aCâmara adquiriu a grande casa de sobrado de Pedro de Souza Pereira eadaptou-a para sede do governo. Era exatamente onde hoje está o CentroCultural do Banco do Brasil. Um sobrado na rua Direita, com doze janelas nopavimento e capela no térreo, onde depois de 1743 funcionou a Casa Real dosContratos, até 1808. Sediou depois diversas repartições públicas até serdemolida em 1870 e substituída pelo prédio atual.

No Largo do Carmo, no local onde surgiu o Paço, existiam desde oséculo XVII algumas casas térreas que pertenciam ao patrimônio do Conventodo Carmo, sendo alugadas a terceiros. Em fins do século XVII, foramadquiridas pela Câmara e demolidas, subindo em seu local o Armazém Real,onde eram guardados os carregamentos de sal e açúcar, bem como, desde1698, a Casa da Moeda, transferida da Bahia para o Rio de Janeiro no anoanterior.

Quando da ascensão de Gomes Freire de Andrade ao governo daCapitania do Rio de Janeiro, em 1733, ainda estava alojado o governador nosobrado da rua Direita. Achando-se mal acomodado, fez gestões junto àMetrópole para construção de nova sede governamental. Em 1738 chega aoRio de Janeiro o engenheiro militar e Sargento-Mór (depois Brigadeiro) JoséFernandes Pinto Alpoim. Gomes Freire logo o incumbiu de preparar a novasede da Capitania. Alpoim aproveitou as construções existentes no Largo doCarmo, respectivamente os prédios do Armazém Real e Casa da Moeda,acrescentando-lhes um segundo pavimento, com janelas de sacada em arcoabatido, novidade na colônia, tendo sido erguido mais um pavimento, oterceiro, dando para o Largo do Carmo, com quatro janelas. No térreo, manteveas janelas com vergas retas. Internamente, era o prédio ventilado por quatropátios internos, ficando a área social e de trabalho no sobrado e voltadas parao mar, os aposentos para o Largo do Carmo e as dependências de serviço notérreo e sobrado, dando para a rua Direita. No térreo da fachada do Largo doCarmo continuaram a funcionar o Real Armazém e a Casa da Moeda até 1808.

Foi todo o conjunto inaugurado em 1743 e inicialmente denominado nosdocumentos oficiais de “casa de governo”, haja vista uma lei do século XVIIque proibia a construção de palácios em colônias de Portugal, estando taisresidências apenas restritas a príncipes e nobres de sangue real.

Nos vinte anos em que funcionou como casa dos governadores, talvez ofato mais pitoresco ali ocorrido tenha sido o baile oferecido aos oficiaisfranceses da esquadra do Conde D`Aché, chegados ao Rio de Janeiro emsetembro de 1757. O Conde ofereceu uma recepção a Bobadela num de seusnavios. Bobadela, por sua vez, diplomaticamente, ofereceu outra na casa dogoverno. Os franceses ficaram decepcionados, pois ao chegarem na casa,descobriram que não haviam mulheres na festa, e sim alguns rapazestravestidos. Bobadela explicou-se, afirmando que o povo não permitia a saídade mulheres para tal festividade, tendo os franceses que se contentar com oque ele pôde conseguir. Guardadas as devidas proporções, foi o primeiro bailede travestis do Rio de Janeiro.

Com a transferência do Vice-Reinado da Bahia para o Rio de Janeiro,em princípios de 1763, passaram os vice-reis a administrar a colônia do edifíciono Largo do Carmo, que passou a ser conhecido então como Paço, diminutivolusitano de Palácio. O primeiro Vice-Rei, Conde da Cunha, não gostou do

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prédio, tencionando sua transferência para o Colégio dos Jesuítas, no morro doCastelo, iniciativa gorada por sua substituição em 1767. Da administração doConde de Azambuja, D. Antônio Rolim de Moura, pouco sabemos, haja vista oprecário estado de saúde deste dirigente, que ficou menos de dois anos nocargo. Quanto ao seu sucessor, o Marquês de Lavradio, sabemos que residiana rua de seu nome, aberta em 1771, numa casa ainda existente. Ou seja:provavelmente o Paço era mais usado como local de trabalho que residênciaoficial, o que foi referendado pela Família Real depois de 1808.

Com a chegada da Côrte neste último ano, o prédio foi promovido aPaço Real, e era realmente utilizado como palácio de despachos. D. João neleficava nos horários da tarde, morando efetivamente em São Cristóvão. Sópernoitava no Paço quando as condições ou alguma cerimônia especial assimo exigia. Ainda em 1808 foi o Paço ligado ao Convento do Carmo por umpassadiço, estabelecendo-se ali sua mãe, a Rainha D. Maria I, a Real Ucharia,o Real Gabinete de Física e, depois de 1810, a Real Biblioteca. A casa damoeda foi para um prédio na rua da Lampadoza, onde existira o primeiromuseu da cidade. Um outro passadiço foi construído, ligando o Paço ao antigosobrado da Casa de Câmara e Cadeia, adaptada para acomodação defuncionários da Casa Real. Foi o Paço Real a primeira casa na América aacomodar um Rei europeu sagrado em nosso solo, pois foi D. João assimentronizado em 1818, numa cerimônia inédita e única ocorrida no Largo doCarmo, onde se montou enorme pavilhão para a cerimônia. Na fachada dandopara o mar, foi construída em 1817 um corpo elevado, onde se colocou a salado trono, a primeira das Américas. Colocou-se na mesma ocasião quatrocolunas internas para suportar o novo pavimento (estas colunas foram retiradasna restauração de 1980). Quando o Rei jurou a nova Constituição portuguesa,em fevereiro de 1821, o povo não esperou sua carruagem atingir o Paço vindade São Cristóvão. Cercaram-no ainda na rua Direita, retiraram-no de dentro ecarregaram-no nas costas, em triunfo. O Rei, assustado, desmaiou pensandoque iam matá-lo. Levado ao Paço, verificou-se que estava bem, exceto porseus objetos pessoais, que haviam desaparecido.

Foi no Paço que D. João VI transferiu ao filho, o Príncipe D. Pedro, ogoverno em 1821, dando o célebre conselho de que “...se o Brasil se libertar,antes seja para ti, que me hás de respeitar, do que a qualquer um destesaventureiros...”. Foi nele que a 09 de janeiro de 1822, o Príncipe recusou-se avoltar à Portugal, permanecendo no Brasil, atendendo às súplicas do povo,transmitidas ao jovem príncipe pelo Presidente da Câmara de Vereadores, oJuiz José Clemente Pereira. Teria dito o Príncipe: “...se é para o bem de todos,e felicidade geral da nação, estou pronto, diga ao povo que fico. E recomendoa todos união e tranqüilidade...”. Com este gesto simples, abriu o Príncipe ocaminho para nossa Independência política.

No segundo reinado foi o Paço utilizado da mesma forma que antes,local para os despachos oficiais, residência eventual da Família Imperial e,ocasionalmente, local de hospedagem de visitantes ilustres. Sofreu grandesreformas em 1841/45, quando lhe acrescentaram platibandas (removidasdepois), bem como tendo sido fechado um de seus pátios, convertido em salãodos “Archeiros do Paço”. Mesmo depois destas reformas, conta-se que o Paçologo arruinou-se, bastando dizer que muitas de suas salas estavam jáinterditadas na década de setenta, com ameaça de desabamento. Isso nãoimpediu que a Princesa Isabel Regente, na ausência de seu pai, o Imperador

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D. Pedro II, que estava na Europa em tratamento médico, nele assinasse a leino. 3.353, a 13 de maio de 1.888, a Lei Áurea, que libertou os escravos noBrasil. Dezoito meses depois, do Paço saía para o exílio o Imperador depostopelo movimento de 15 de novembro de 1.889, partindo a Família Imperial paraa Europa na madrugada do dia 17, depois de dois dias de prisão domiciliar novelho Paço. Foi, sem dúvida alguma, o episódio mais dramático e o maisconstrangedor da jovem República nascente.

A República não quis saber de utilizar o velho edifício para fins de sededo governo. Leiloado o mobiliário interno do prédio em 1890, foi o mesmocedido ao Ministério da Instrução e dos Correios, então dirigido por BenjaminConstant, e convertido em Repartição Geral dos Telégrafos, depois, dosCorreios e Telégrafos, atividade que, com poucas alterações, manteve poroitenta anos. Quase demoliram o velho Paço em 1919, para ali se construir anova sede do poder legislativo federal, idéia abortada pelo Senador Paulo deFrontin. Reformado em 1929 durante a Presidência Washington Luís, foiacrescido de mais um pavimento. O prédio foi tombado pelo Serviço doPatrimônio Histórico e Artístico Nacional em abril de 1938, eliminando assimcogitações por sua demolição, tão desejada por famosa autarquia federal quealmejava ali levantar sua sede geral.

Em 1980 o então prédio da Repartição Geral dos Correios e Telégrafosfoi permutado com o Ministério da Cultura, sendo submetido a uma restauraçãointegral pelo arquiteto Glauco Campello do SPHAN, que lhe restituiu as formasde 1818. Foram retirados todos os acréscimos, reconstituindo-se assim aambiência primitiva. Reinaugurado em 1985, foi convertido em centro cultural, oprimeiro no centro da cidade, ponto de partida da revalorização da área centraldo Rio de Janeiro, tarefa que continua a acontecer no século XXI. No mês deoutubro de 1987, ocorreu o último episódio político no Paço, quando umagitador à mando de determinada facção política bateu com uma picareta novidro no ônibus que conduzia o então Presidente da República, José Sarney,que ia inaugurar uma exposição. O Presidente nada sofreu além do susto, oque não deixa de ser um final feliz, porém, até melancólico para um prédiohistórico que foi palco das mais importantes decisões brasileiras em duzentosanos.

JOSÉ FERNANDES PINTO ALPOIM - DADOS BIOGRÁFICOSNasceu em Viana do Castelo, Portugal, a 14 de julho de 1700, filho do

Sargento-Mór Vasco Fernandes Alpoim e de sua mulher, Da. Revocata Pinto.Seguiu carreira militar, onde chegou também à Sargento-Mór antes de vir parao Brasil. Transferiu-se para o Rio de Janeiro, em definitivo, em 1738. Exerceusuas atividades de engenheiro no Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e emMinas Gerais.

No Rio deixou as seguintes obras: reconstrução do Aqueduto da Carioca(1738/44); Igreja de Nossa Senhora da Conceição e Boa Morte (1738/56);Casa de Câmara e Cadeia (1738/50); Casa dos Governadores (1740/43);Hospício dos Barbonos (1742); arruamento do Largo de São Francisco (1742);Igreja da Sé (inacabada, 1742/95); Convento da Ajuda (1742/50); Claustro doMosteiro de São Bento (1742/55); Casas dos Telles de Menezes (1743/47);Convento de Santa Teresa (1744/63); Chafariz do Largo do Paço (1747);fachada da Igreja de Nossa Senhora do Bonsucesso (1760).

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Possivelmente são obras suas: Convento do Carmo (1750); ConventoFranciscano de Santo Antônio (1750); Igreja do Carmo da Lapa (1751); Casado Trem (1762), e todas as fortificações executadas na cidade entre 1738 e1765, as quais eram a sua função principal de estar aqui.

Em Minas Gerais, deixou as seguintes obras: Palácio dos Governadoresde Ouro Preto (1738/56); Cadeia de Ouro Preto (1745/50, não construída);Planta da Cidade de Mariana (1738).

No Rio de Janeiro, foi Mestre e fundador da Aula de Artilharia da cidade.Escreveu dois livros: Exame de Artilheiro (1744); Exame de Bombeiro (1748),sendo que o primeiro foi impresso no Brasil. Em 1760, atingiu o posto deBrigadeiro. Com a morte de Gomes Freire de Andrade, em janeiro de 1763,ficou no governo da Capitania, junto com o Bispo Frei Antônio do Desterro atéa chegada do novo Vice-Rei, Conde da Cunha.

Faleceu no Rio de Janeiro a 07 de janeiro de 1765, sendo enterrado noConvento de Santa Teresa. Serviu no Brasil 26 anos, 02 meses e 15 dias.

GOMES FREIRE DE ANDRADE - DADOS BIOGRÁFICOSMilitar e político, nasceu em Portugal em 1685. Ganhou do Rei D. João

V o título de Conde de Bobadela. Nomeado em 1733 Governador e Capitão-General do Rio de Janeiro, administrou esta capitania por vinte e nove anos eseis meses. Na cidade, deixou as seguintes obras: fez a Fortaleza de SãoJosé, na Ilha das Cobras (1733-39); mandou derrubar o muro da cidade (1733);fundou o Recolhimento do Parto (1736); reconstruiu o Aqueduto da Carioca(1738-44); construiu em 1740/43 a Casa dos Governadores (hoje PaçoImperial), no Largo do Carmo; mandou arruar o Largo de São Francisco (1742);fundou o Convento de Santa Teresa (1744-63), no Morro do Desterro; construiuo primeiro chafariz, no Largo do Carmo (1747); elevou a Câmara deVereadores do Rio de Janeiro à condição de Senado (1747); remodelou asfortalezas de Santa Cruz e Villegaignon; cumprindo ordens de Portugal,procedeu ao seqüestro dos bens e expulsão dos padres jesuítas do Brasil(1759); construiu a Casa do Trem (1762), na Ponta do Calabouço; fundou asacademias literárias “dos felizes” e “dos Seletos”, fundou a primeira tipografiado Rio de Janeiro, a de Antônio Isidoro da Fonseca; e muitas obras edílicas eadministrativas de relevância. Administrou conjuntamente as Capitanias deGoiás, Mato Grosso, Minas Gerais, São Paulo e Rio Grande. Em Minas Gerais,mandou construir um novo Palácio dos Governadores de Vila Rica (1741, hojeMuseu da Escola de Minas e Mineralogia) e ordenou o arruamento da Cidadede Mariana (1738). Participou, como Ministro Plenipotenciário, dasconferências internacionais sobre os limites do Brasil com os territórios deEspanha, logrando anexar à Portugal o Território das Missões. Venceu osíndios guaranis nas missões jesuíticas ao sul do país. Foi denominado de “Paida Pátria”, pelo Senado da Câmara. Com a invasão espanhola da Colônia doSacramento, na Cisplatina, foi considerado culpado por essa derrota pelametrópole lusitana, caindo em depressão.

Faleceu a 1o. de janeiro de 1763, no Rio de Janeiro.

CHAFARIZ DE MESTRE VALENTIM - PRAÇA XVO primeiro chafariz do Rio de Janeiro foi inaugurado em 1726 pelo

Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque no Largo da Carioca. Esta obracoroou os esforços de mais de cem anos na luta pelo abastecimento de água

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da cidade, até então precaríssimo. Até aquela época, os escravos apanhavamágua na nascente do Rio Carioca, no Silvestre e vendiam-na na cidade poraltos preços. Deste primeiro chafariz puxaram diversos ramais, queabasteceram os outros que depois se fizeram no Largo do Paço. Em 1747, oGovernador Gomes Freire de Andrade, Conde de Bobadela, mandou erguer oprimeiro chafariz no Largo do Paço, mais ou menos onde hoje se encontra omonumento ao General Osório. Era de mármore de Lióz, cuja planta provierade Lisboa. Mais decorativo que funcional, não durou muito, sendo quebradopelos aguadeiros que nele iam buscar a preciosa linfa.

Em 1779, o Vice-Rei Luís de Vasconcellos e Souza ordenou aconstrução de novo chafariz no Largo do Paço, obra que não só abastecesse acidade como aos barcos que ali aportavam. Na mesma época, seria construídoum cais em pedra retificando o Largo, cujo projeto estava esboçado desde1713, mas que nada se fizera até aquele momento. Incumbiu dessa missão oengenheiro militar Jean Jacques Funck, que projetou o novo cais em pedra,com escadas e rampas, e fez, ao menos, dois esboços para um novo chafarizcolado ao dito cais de acostamento. Quanto a estes últimos, o primeiro esboçomostrava um chafariz horizontal, à semelhança do que fora feito no Largo daCarioca. O segundo esboço, executado em 1780, era de um chafariz vertical,feito em pedra, donde a água escorria por conchóides e baleias dispostasartisticamente pelos lados.

Parece que o Vice-Rei não gostou dos dois desenhos, e teria entãoencomendado um terceiro ao Mestre Valentim da Fonseca e Silva, que sebaseou no segundo esboço de Funck, mas alterou-o substancialmente nosdetalhes. É este o desenho que foi aprovado e executado. Construído emgnaisse facoidal, com detalhes em mármore de Lióz, foi coroado com ummirante e pirâmide. Dele saíam água por três conchóides, ficando no muro docais duas outras saídas para abastecimento dos navios. Por algum motivo aobra se atrasou muito, sendo apenas entregue ao uso em 29 de abril de 1789.Numa placa de mármore adossada ao monumento, era louvada a figura de D.Luís de Vasconcellos e da Rainha D. Maria I, a quem o monumento eradedicado. Em estilo barroco e com fachadas curvilíneas, era de grandeexpressividade plástica e impressionou muito os visitantes que desde os fins doséculo XVIII descreveram-no com entusiasmo.

Seria de uma escada lateral ao dito chafariz que o Príncipe D. Joãodesembarcou no Largo do Paço, num festivo 08 de março de 1808, para umalonga permanência de 13 anos. Por esta mesma escada partiria choroso paraPortugal. Por outra próxima, seu filho, o Imperador D. Pedro I partiria para oexílio a 07 de abril de 1831 e, por sua vez, por ali igualmente D. Pedro II sairiadestronado na madrugada de 17 de novembro de 1889. Serviu de tribuna aopolítico republicano Lopes Trovão, quando da revolta popular em janeiro de1880 pelo aumento das passagens de bondes (Revolta do Vintém). Quanto aocais, foi aterrado em 1838 pela Regência, haja vista o assoreamento da praia.Sofreria outros cinco aterros até 1906, quando o ganhou os contornosdefinitivos, afastando o mar do velho chafariz.

O chafariz forneceu água até 1896, com o desmonte do Aqueduto daCarioca, ficou como monumento inerte do passado até 1975, quando uma obrada CEDAE restaurou por alguns anos o fornecimento de água. Transformadopor isto em banheiro de mendigo, foi restaurado em 1985, sendo-lhe restituídoà luz o velho cais colonial, sem, no entanto, conseguir-se restituir sua primitiva

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função de verter água. Esta obra não deu certo e novamente o chafariz tornou-se pouso de desocupados e banheiro publico.

Submetido a grandes obras em 1995, foi-lhe recomposto outra parte dovelho cais, que agora ficou à mostra graças às obras de abertura da passagemsubterrânea de veículos (apelidada de “buraco do Conde”), que lhe desobstruiua fachada voltada para o mar. Ainda é uma meta do IPHAN torná-lo a verterágua, se possível, pelos antigos canos coloniais de pedra, que em grande parteainda existem no subsolo da rua Sete de Setembro.

O monumento é tombado pelo IPHAN.

MESTRE VALENTIM DA FONSECA E SILVA - DADOS BIOGRÁFICOSNasceu em Serro Frio, Minas Gerais, em c. 1745. Era mulato, filho de

um fidalgo português, contratador de diamantes, e de uma negra escrava. Foiescultor, entalhador e arquiteto, conhecido vulgarmente como Mestre Valentim,ativo no Rio de Janeiro. Estudou em Portugal, onde teve contato com o estilorococó. De volta ao Rio de Janeiro, executou em 1774 o altar-mór da Igreja deNossa Senhora da Conceição e Boa Morte, na rua do Rosário. No mesmo ano,trabalhou com Luís da Fonseca Rosa, talvez seu parente, na talha da capela-mór da Igreja da Ordem Terceira do Carmo, na rua Direita, tarefa que durou até1778. Já independente, fez o altar-mór da Capela do Noviciado da mesmaigreja (1774), executando vinte anos depois o altar de Nossa Senhora dasDores, sua primeira experiência com o estilo rococó. Em 1779, iniciou as obrasdo Passeio Público, inaugurado em 1783, bem como o Chafariz dos Jacarés ea Fonte do Menino; dois anos depois, terminou o Chafariz das Marrecas, na ruados Barbonos (Evaristo da Veiga); fez o Chafariz do Largo do Paço (1779-89);reconstruiu o Recolhimento do Parto (1789), hoje destruído; fez o Chafariz dasSaracuras (1791); as Pirâmides do Passeio Público (1791); e o Chafariz doLagarto, na rua Frei Caneca; fez dois lampadários em prata para a capela doMosteiro de São Bento (1793); e outro para a Igreja de Santa Rita; executou atalha da capela-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares (1801-12); idem, dacapela-mór e de Nossa Senhora das Vitórias da Igreja de São Francisco dePaula (1801-1813); idem da Igreja de São Pedro dos Clérigos (destruída),Igrejas do Carmo da Lapa e da Candelária (também removida), e outras. Foi oprimeiro artista a fundir ligas metálicas e bronze para fins artísticos no Brasil.Produziu igualmente peças em porcelana, as primeiras no Brasil, bem comodecorações para festas, jóias, etc. Não era santeiro, entretanto, fez duasimagens em tamanho quase natural de São João e São Mateus, para a Igrejada Santa Cruz dos Militares. Teve muitos discípulos.

Faleceu solteiro na Rua do Sabão, a 01o. de março de 1813, sendosepultado na Igreja do Rosário.

BOLSA DE VALORES - RUA DO MERCADO C/ PRAÇA XV - CENTROEm 1835, a Ilustríssima Câmara Municipal decidiu a construção de um

mercado que ordenasse a venda de pescado, e outros gêneros, até então feitaem velhas barracas de madeira e pano, na antiga Praia do Peixe, embocadurada rua do Ouvidor. O arquiteto Auguste Henry Victor Grandjean de Montigny foiencarregado do projeto, e o imóvel edificado em 1842, ocupava todo oquarteirão onde hoje se ergue a Bolsa do Rio, em frente ao Chafariz de MestreValentim. O prédio original era térreo, mas em 1870 foi arrendado ao CoronelAntônio José Silva, que fez erguer um segundo pavimento, inaugurado em

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1872. Na praça central do mercado havia um chafariz de granito, do qual aágua jorrava, através de golfinhos de bronze. O mercado da Praça XV foidemolido depois de um incêndio, em 1911.

Em maio de 1934 uma nova obra iniciava mais um marco na Praça XVde Novembro. Começava a construção do antigo prédio da Bolsa de Valores doRio de Janeiro, na esquina da rua do Mercado. A Bolsa estava desde 1906 noprédio da antiga Praça do Comércio, na rua Primeiro de Março, onde hoje estásediado o Centro Cultural do Banco do Brasil. Em 1924 a Bolsa entrou emgestões com o Banco do Brasil, que cobiçava o edifício. O Banco deu em trocasua antiga sede, na rua da Candelária e o terreno da rua do Mercado comPraça XV, que era de sua propriedade desde o princípio do século. Em 1926 atroca foi realizada, indo a Bolsa de Valores para a rua da Candelária e o Bancodo Brasil para a rua Primeiro de Março. Logo o prédio da rua da Candeláriamostrou-se inadequado para as crescentes funções da Bolsa de Valores, quelevou a construção da nova sede em 1934 na Praça XV. No antigo terreno darua da Candelária ergueu-se, em 1935, o Palácio do Comércio. Sede daAssociação Comercial do Rio de Janeiro.

Em sua nova sede, a Bolsa de Valores funcionou por quase seisdécadas, período de grandes transformações e desenvolvimento do mercadode capitais. Ao longo deste tempo foram sendo adquiridos os imóveis anexos e,hoje, a Bolsa do Rio está sediada em toda a quadra composta pela Praça XV,avenida Perimetral e ruas do Mercado e do Ouvidor.

Em outubro de 1996 foi inaugurado o primeiro bloco do novo prédio daBolsa do Rio, na mesma histórica Praça XV, em cujas cercanias teve sua sededesde sempre. Projeto do arquiteto Maurício Roberto, é o mais moderno eatualizado edifício de todo o entorno da Praça. Em fins de 1999 foi demolido ovelho prédio da Bolsa, de 1934, para se erguer ali o segundo bloco, que irácompor com o já existente um arrojado conjunto arquitetônico, fronteiro aochafariz projetado por Mestre Valentim no século XVIII. Serão dois marcos edois estilos, simbolizando as mutações e, ao mesmo tempo, a perenidade doantigo Largo do Paço.

MONUMENTO AO GENERAL OSÓRIO - PRAÇA XV DE NOVEMBROMonumento localizado na Praça XV de Novembro, obra do escultor

Rodolfo Bernardelli. Sua estátua foi fundida com o bronze dos canhõestomados ao inimigo durante a Guerra do Paraguai e foi promovida sua ereçãopela Sociedade Sul Riograndense do Rio de Janeiro, tendo sido organizadauma subscrição popular que começou em 1880 e durou quatorze anos. Pagou-se 500 réis “per capita”.

No pedestal de granito de Baveno, dos Alpes austríacos, estava até1994 o corpo embalsamado de Osório, ali depositado em 1894. Existem doisbaixos-relevos em bronze: um representando a batalha de 24 de maio de 1866,Tuiuti, e o outro, o ataque de Passo da Pátria. A estátua eqüestre, fundida emParis, nas oficinas de Thibaut, foi colocada em agosto de 1893, sendoinaugurada a 12 de novembro de 1894, com a presença do Presidente daRepública, Marechal Floriano Peixoto, ministros e demais autoridades.Representa a figura de Osório, montado a cavalo, ligeiramente inclinado paradireita, com a espada em punho.

Foi motivo de grandes críticas à época o fato de Osório estarrepresentado usando calçados comuns, e não a tradicional bota de cano alto,

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própria para montaria e parte constante do uniforme de general. O escultorBernardelli explicou o motivo de tal modificação. Na maquete em gesso, hojeno Museu Histórico Nacional, Osório foi representado de botas. Convocada aúnica filha viva do general para opinar, Da. Manuela Luísa OsórioMascarenhas, informou que o pai não se servia de tal apetrecho, pois tendosido ferido nos pés durante a Campanha do Uruguai, estes infeccionaram,tendo sido a chaga agravada por problemas de pele e circulação. Osóriopassou a não mais usar botas, já que a ferida não mais cicatrizou e dava-lhegrande tormento calçar coturnos. Lutou toda a Guerra do Paraguai descalço, sóusando sapatos em cerimônias oficiais. Bernardelli, não o querendorepresentar descalço e, ao mesmo tempo, atendendo ao reclamo da filha,colocou o velho cabo-de-guerra com mocassins de passeio.

MANUEL LUÍS OSÓRIO (MARQUÊS DE HERVAL) - DADOS BIOGRÁFICOSMilitar e político, nasceu em Santo Antônio do Arroio, Rio Grande do Sul,

em 1808. Sentou praça com doze anos. Alferes com menos de 17 anos,participou dos combates no sul do continente, desde a Guerra Cisplatina, comas batalhas de Sarandi e Passo do Rosário (onde foi ferido), insurreiçãoFarroupilha (1835-45) e Montecaseros. Organizou, no Rio Grande do Sul, aForça Brasileira que tomou parte na Guerra do Paraguai (1864-70), tendo sidoo primeiro a pisar o solo inimigo (1866). Distinguiu-se nas Batalhas de Tuiuti(24 de maio de 1866), Humaitá (19 de fevereiro de 1868) e Avaí (dezembro de1868), na qual foi ferido na boca. Assumiu, em 1877, o mandato de senador,tendo sido ministro da Guerra no Gabinete Liberal do Visconde de Sinimbu. É opatrono da arma de cavalaria. A casa em que morou e faleceu, na ruaRiachuelo, no Rio de Janeiro, foi tombada em 1966 e desapropriada a fim detornar-se um museu militar.

Faleceu no Rio de Janeiro em 1879.

RODOLFO BERNARDELLI - DADOS BIOGRÁFICOSEscultor, nasceu em Guadalajara, México, em 1852, irmão de Henrique

Bernardelli; veio criança para o Brasil, tendo freqüentado a Academia Imperialde Belas Artes. Em 1876 ganhou o prêmio de viagem à Europa, ondepermaneceu nove anos, a maior parte em Roma. Ao voltar, foi nomeadoprofessor da Academia, e mais tarde seu diretor, cargo que ocupou até 1915.Sua produção é vastíssima em todo o Brasil, em especial o Rio de Janeiro,onde se destacam: Cristo e a Adúltera, no acervo do MNBA; Monumento aOsório, na Praça XV (1894); Monumento a José de Alencar, na Praça José deAlencar (1897); Monumento à Caxias, no Pantheon de Caxias (1897);Monumento à Carlos Gomes, na Cinelândia (1898); Descoberta do Brasil, naGlória (1900); Busto de Pereira Passos, atrás da Igreja da Candelária (1913);Esculturas da cobertura do Teatro Municipal (1906-09); Esculturas do prédio doMNBA (1903-08); fora bustos, hermas, placas e monumentos por toda acidade, bem como alguns túmulos. Praticou também a pintura, mas nessecampo foi obscurecido pelo irmão.

Faleceu no Rio de Janeiro, em 1931.

IGREJA DE SÃO JOSÉ - AVENIDA PRESIDENTE ANTÔNIO CARLOSNão se sabe exatamente a data de fundação desta capela, pois seus

documentos de há muito foram perdidos. Provavelmente já existia em fins do

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século XVI, pois é citada num documento de 1619. De 1633 a 1640 foireconstruída em pedra e cal por Egas Muniz. Por algum tempo, o cabido da Séa utilizou como Matriz provisória, de 1704 a 1734, mas seu tamanho limitadologo impossibilitou um culto maior. Em 1751 foi elevada à condição de IgrejaParoquial. Em 1807 a Irmandade resolveu construir novo templo, haja vista oestado ruinoso do antigo. A 22 de dezembro de 1808 foi lançada a pedrafundamental com a presença do Príncipe D. João. A 10 de abril de 1824, otemplo foi entregue ao culto ainda em obras, faltando o frontispício e adecoração interna.

O projeto geral da igreja foi realizado por Félix José de Souza, queiniciou a construção, substituído em 1814 por João da Silva Muniz, arquiteto dacasa real, e que também projetou o Real Teatro São João, em estiloneoclássico, no Campo dos Ciganos (onde hoje está o teatro João Caetano); ea Igreja do Santíssimo Sacramento, na avenida Passos.

A igreja apresenta um risco clássico, com fachada ladeada por duaspesadas torres, sendo a nave única cercada por corredores encimados portribunas, com sacristia transversal.

A talha interna, de estilo rococó tardio, foi executada pelo artistabrasileiro Simeão José de Nazaré, aluno de Mestre Valentim. Foi iniciada em1824 e concluída em 1842. Em época posterior pintaram-na de branco.

JOÃO DA SILVA MONIZ - DADOS BIOGRÁFICOSArquiteto da Casa Real, veio com D. João para o Brasil em 1808, aqui

exercendo seu ofício enquanto a Côrte permaneceu no Brasil. Remodelou acasa doada por Elias Antônio Lopes para receber o monarca e servir-lhe demoradia enquanto aqui permanecesse (1808-21); colocou o pórtico estiloAdam, na Quinta da Boa Vista (hoje entrada para o zoológico), doado peloDuque de Northumberland à D. João (1810); realizou, em 1810, o plano donovo Real Teatro São João, no Campo dos Ciganos, cuja obra dirigiu (1810-13), hoje no local está o Teatro João Caetano; em 1814, fez o projeto para anova Igreja de São José, ao lado da Cadeia Velha, que sugeriu ser mais largaque a anterior, o que foi aprovado e cuja obra dirigiu pessoalmente (1814-21);em fevereiro de 1816, fez o projeto da Igreja do Santíssimo Sacramento, comcinco altares, na rua da Lampadosa, atual avenida Passos, tendo igualmentedirigido os trabalhos (1816-21). Em agosto do mesmo ano, foi a São João DelRei, opinar sobre o frontispício da Igreja do Carmo, cuja obra estava parada hámuito tempo. Sugeriu que se demolisse o já construído e que se erguesse novofrontispício, segundo um outro plano, sugestão que foi seguida. No anoseguinte, em 1817, construiu a Varanda da Coroação, defronte ao Convento doCarmo, no Largo do Paço, que serviu não só ao fim original, como também àcerimônia de casamento de D. Pedro com a Princesa Leopoldina. Em 1821,jurou a nova Constituição de Portugal na qualidade de Primeiro Arquiteto dosPaços Reais.

Voltou à Portugal com a Côrte no mesmo ano, nada mais se sabendo desuas atividades por lá.

SIMEÃO JOSÉ DE NAZARÉ - DADOS BIOGRÁFICOSEscultor e entalhador. Nasceu no Rio de Janeiro em c. 1775, sendo

batizado na Igreja da Candelária. Era filho de uma escrava com um boticárioportuguês, que no fim da vida tomou ordens sacras. Em c. 1795, seguiu

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carreira de miliciano, assim permanecendo até 1801. Enviado para a oficina deMestre Valentim, foi ironizado por este, retirando-se. Matriculou-se numa aulade música. A pedido de Valentim, retornou ao atelier do mestre, formando-seescultor. Praticava um estilo de talha tendente para o neoclássico, simples,limpa de ornatos e bem acabada. Ornou de talha a Igreja Paroquial da Vila deSão João Marcos (destruída em 1941) e, no Rio de Janeiro, da Igreja de SãoJosé (1824-42).

Faleceu no Rio de Janeiro em setembro de 1858, sendo enterrado nocemitério de São Francisco Xavier.

A ORIGEM DA CÂMARA DE VEREADORES DO RIO DE JANEIRO.A primeira eleição para escolha de vereadores do Rio de Janeiro deu-se

em dezembro de 1567, dois anos e nove meses após a fundação da cidade porEstácio de Sá.

Votavam todos os homens da cidade, adultos, com residência fixa esem passado criminoso.

Curiosamente, escolhiam-se não os vereadores, mas sim doze eleitores,os quais, por sua vez, votavam em doze candidatos que não podiam serparentes ou sócios dos eleitores. Os eleitos tinham seus nomes escritos emgrupos de quatro em respectivas cédulas de couro envolvidas em cera,chamadas ”pelouros”, e postas dentro de um saco, donde uma criançasorteava uma delas, que era a dos vereadores sufragados.

O mais velho era o Presidente da Câmara e Juiz Ordinário da Cidade, osdois do meio eram os vereadores e o último era o Procurador da Câmara. Omandato era de um ano, quando então procedia-se a outro sorteio que definiaa chapa do ano seguinte.

Os antigos vereadores passavam a servir como Juízes Almotacés, queeram os fiscais da Câmara. Os vereadores recebiam salário em cera, parafazer velas, e os Juízes Almotacés tinham direito a receber línguas de boisabatidos aos sábados. Só e nada mais. A sede da Câmara ficava num sobradono Morro do Castelo, onde no térreo funcionava a cadeia, ficando osvereadores no andar superior.

O povo já naquela época dizia que “quem rouba pouco é ladrão, quemrouba muito é barão...” .

Outra ironia é que o primeiro funcionário da Câmara foi o ProcuradorJoão de Prosse, nomeado por Estácio de Sá em julho de 1565, dois anos emeio antes da primeira eleição, tendo ficado todo esse tempo recebendo semtrabalhar.

Um autêntico funcionário-fantasma!Ufa, ainda bem que isso é o passado...

PALÁCIO TIRADENTES - ASSEMBLÉIA LEGISLATIVA ESTADUALQuando Mem de Sá, terceiro Governador Geral do Brasil, transferiu a

cidade do Rio de Janeiro do morro Cara-de-Cão para o do Castelo, ordenou aconstrução da primeira sede da Câmara de Vereadores no novo sítio. Era umsobrado, o primeiro da cidade, tendo no térreo a cadeia e no andar superior avereança. Logo esta casa, construída em taipa e pouco sólida, apresentouproblemas estruturais e uma série de reparos passaram a ser executados, semque fossem capazes de impedir a ruína do prédio. Começou, então, a formar-

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se no seio dos vereadores a idéia da transferência da casa para a várzea, atéporque as principais autoridades da cidade para lá haviam se transferido.

Em 1619 solicitou a Câmara de Vereadores um terreno ao lado dacapela de São José. Tendo-o obtido, fizeram uma nova casa da câmara, térrea,e no mesmo ano para ela se transferiram. Erguida com material pouco sólido,sofreu inúmeras reconstruções e, por muito tempo, suas paredes foramseguras por pontaletes de madeira. Cem anos depois, teve-se início a umaconstrução mais sólida com projeto vindo de Portugal, um sobrado em pedra-e-cal, cujas obras arrastaram-se por muitos anos, finalmente concluídas peloengenheiro militar José Fernandes Pinto Alpoim em 1751. No térreo funcionavaa cadeia pública e açougue da cidade, ficando a vereança e tribunal ordináriono andar superior.

Seis anos depois, a câmara, agora elevada à “Senado da Câmara”,mudou-se para nova sede ao lado do “Arco do Telles”, no Largo do Paço, ondehoje está a “Tabacaria Africana” donde retornou em julho de 1790 após umincêndio criminoso naquela casa. Foi esta a cadeia que serviu de menagemaos personagens da “Conjuração Mineira”, onde todos foram reunidos entre 20e 21 de abril de 1792. Dela saiu neste último dia o Alferes Joaquim José daSilva Xavier, o “Tiradentes” (1746-92) para a fôrca, no Campo de SãoDomingos.

Com a chegada da Família Real, em 1808, são os presos e a câmaradesalojados para serem ali acomodados membros menores da nobreza eserviçais do Rei. Os detentos passam para o prédio do Aljube, antiga prisãoeclesiástica, na rua do Aljube (hoje rua Acre). Os vereadores vão inicialmentepara um sobrado na rua Direita, ao lado do “Estanco do Tabaco” (quase naesquina de rua do Ouvidor), mudando-se logo depois para uma casa na rua doRosário e, finalmente, para a própria Igreja do Rosário, donde só saíram em1825, já três anos depois da Independência, para sede própria levantada noCampo de Santana.

Após a partida da Família Real, o prédio da velha “câmara-e-cadeia” foiconvertida na sede da primeira Assembléia Nacional Constituinte, em 1823,tendo sido palco dos dramáticos episódios de novembro daquele ano, quandoo jovem Imperador D. Pedro I mandou fechá-la sob ameaça de canhões.Funcionou dali por diante como Câmara de Deputados, sendo reformadamuitas vezes, algumas já sob ameaça de desabamento. Durante todo oImpério e princípios da República ali brilharam grandes homens cuja históriaenumera, em lista não pequena. De José Bonifácio, Antônio Carlos, MartimFrancisco, até Afonso Arinos, Carlos Lacerda e Getúlio Vargas, nomes quefizeram a história do país nos últimos duzentos anos.

Continuou assim a ser usada na República, até que em 1920, jánecessitando de inúmeros reparos, resolveu o Presidente da Câmara, Dr.Arnolfo de Azevedo, sua demolição e construção de novo edifício. Fez o projetodo novo edifício, batizado de “Palácio Tiradentes”, os arquitetos ArchimedesMemória e Francisque Couchet, que se inspiraram no Grand Palais de Paris.Dum rebuscado ecletismo, onde não faltaram detalhes exóticos, como aimagem do Marechal Deodoro vestido à Romana, numa escultura dofrontispício, bem como uma profusão de detalhes com “Fasces”, que erampequenos troncos amarrados a um machado, utilizados de forma decorativa emvários elementos da fachada. Era no passado remoto o símbolo do Senado

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Romano, infelizmente convertido pelos radicais italianos em símbolo daideologia “Fascista” depois de 1922.

Quando foi inaugurado, em 1926, foi igualmente descerrada a imagemde Tiradentes, em bronze, colocado à frente do palácio, escultura de Franciscode Andrade, e que foi alvo de reparos à época, pois representava o Alferes Mórdo Brasil muito velho, vestindo uma túnica de condenado que lembravadesagradavelmente uma camisola de dormir. Representava-o, igualmente,barbado e cabeludo, atributos pilosos que à época, já se sabia que Tiradentesnunca os tivera.

Fechado o Palácio pela Revolução de 1930, reabriu suas portas trêsanos depois para sediar a segunda Assembléia Nacional Constituinte daRepública, que elaborou nova e moderna constituição ano seguinte, bem comonela empossou o Presidente eleito pelo Congresso, Getúlio Vargas. Em 1937,seria novamente o Tiradentes fechado, agora devido ao golpe de 10 denovembro, que instaurou no Brasil a ditadura do Estado Novo. Ironicamente, talgoverno foi instaurado pelo próprio Vargas, que agora assumia-se um ditador.Por oito anos o prédio sediou o temível “DIP”, Departamento de Informação ePropaganda, órgão de censura da imprensa. Foi também o palácio utilizadopara congressos e cerimônias cívicas. Com a redemocratização do país em1945, nele deu-se a posse do novo Presidente José Linhares, bem comosediou nova Assembléia Constituinte no ano seguinte, funcionandonormalmente como Câmara dos Deputados Federais até a transferência dacapital federal para Brasília, em 1960.

De 1960 a 1975, funcionou o Palácio Tiradentes como sede da Câmarade Deputados do Estado da Guanabara, alternando-se nessa função, algumasvezes, com o Palácio Pedro Ernesto, antiga Câmara de Vereadores, na PraçaMarechal Floriano, que possuía instalações mais amplas para os escritóriosdos Deputados guanabarinos.

Com a fusão dos estados da Guanabara e Rio de Janeiro, em 1975,passou a sediar a ALERJ, Assembléia Legislativa Estadual do Rio de Janeiro,atualmente em sua sexta legislatura. Na mesma ocasião, reconstruiu-se oprédio existente nos fundos, antigo edifício do Ministério da Viação e ObrasPúblicas, para funcionar como anexo da Assembléia e escritório de trabalhodos Deputados.

Hoje, no Palácio Tiradentes, além de suas funções legislativas normais,funciona um pequeno museu, contando as peripécias do Poder Legislativo noBrasil em cinco séculos de história.

ARCHIMEDES MEMÓRIA - DADOS BIOGRÁFICOSArquiteto, construtor e professor, um dos maiores expoentes

profissionais do ecletismo arquitetônico. Nasceu no Rio de Janeiro em 1895,tendo estudado arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes. Começoutrabalhando com Heitor de Mello, cujo escritório assumiu, após a morte domestre em 1920. Sua primeira obra foi a construção do Palácio Pedro Ernesto,na Cinelândia (1920-23), sob projeto de Heitor de Mello. Seguiram-seencomendas importantes: Palácio Tiradentes, no Centro (1920-26); Palácio daGrandes Indústrias, que era uma reforma da antiga Casa do Trem, no Castelo(1921-22); Cassino Beira Mar, no Passeio Público (1921-22, demolido); Fórumdo Rio (1921, não construído); Balneário e Cassino da Urca (1921-22); JóqueiClube, na Lagoa (1921-26); Igreja de Nossa Senhora da Lampadosa, na av.

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Passos (1922-26); Ampliação da Caixa Econômica, na rua Dom Manuel (1926);Sede Social do Botafogo, na rua General Severiano (1928); Vitrais do altar-mórda Igreja da Candelária (1929); Escadaria do hall do Museu Nacional de BelasArtes (1931); Igreja de Santa Terezinha, no Túnel Novo (1931-34); Capela daUsina Salgado, em Pernambuco (1935); decoração interna da EmbaixadaBritânica, hoje Palácio da Cidade, na rua São Clemente (1944-46); e muitosoutros projetos, infelizmente vários já demolidos. Archimedes foi professor dacátedra de Composição de Arquitetura na Escola Nacional de Belas Artes,onde formou inúmeros profissionais de talento. Após ver seu projeto vencedordo novo Ministério da Educação (1935-36), preterido pelo de Lúcio Costa, seurival, abandonou os concursos de arquitetura dedicando-se ao magistério.Memória atravessou várias fases da arquitetura brasileira neste século.Começou praticando um ecletismo classicizante, evoluiu para o neocolonial,onde foi mestre, e, em fins de carreira, abraçou o art-déco, buscando umalinguagem mais atual para a arquitetura.

Faleceu em 1960.

CARLOS CHAMBELLAND - DADOS BIOGRÁFICOSPintor impressionista e designer. Nasceu no Rio de Janeiro em 1884,

irmão de Rodolfo Chambelland, também grande pintor. Formado pela EscolaNacional de Belas Artes. Trabalhou muito no Recife, onde executou trabalhosna Igreja da Graça e no Colégio da Estância. Expôs no Salão Nacional e noSalão Paulista de Belas Artes, em ambos com estrondoso sucesso. No Rio deJaneiro, fez as decorações murais das salas nobres do Palácio Pedro Ernesto,bem como um vitral decorativo, junto com o irmão Rodolfo (1923). A convite dodeputado Arnolfo de Azevedo, fez a decoração interna do Palácio Tiradentes(1925-26), decorando o plenário com um grande vitral e painéis murais decunho patriótico.

Faleceu no Rio de Janeiro em 1950.

FRANCISCO ANDRADE – DADOS BIOGRÁFICOSNão se sabe muita coisa desse escultor, nascido no Brasil em c. 1900.

Estudou escultura com José Otávio Correia Lima na antiga Escola Nacional deBelas Artes. Recebeu o prêmio de viagem ao estrangeiro no Salão Nacional deBelas Artes de 1920, com um gesso retratando o arquiteto Francisco dosSantos, bem como a pequena medalha de prata no Salão Paulista de BelasArtes de 1938. Figura no Museu Nacional de Belas Artes com o trabalho“Cabeça de Menina”. São de sua autoria a estátua de Tiradentes (1926), emfrente à ALERJ e as hermas de Luiz Paixão (1934) e Lima Barreto (1931),ambas na Ilha do Governador. No Palácio Pedro Ernesto, existem de suaautoria os bustos de Benjamin Constant e José Bonifácio.

Já é falecido.

ESTAÇÃO DAS BARCAS - PRAÇA XVO primeiro serviço regular de navegação à vapor entre a Côrte e a

Província do Rio de Janeiro, data de 14 de outubro de 1835, quandocomeçaram a funcionar três barcas inglesas, da Companhia de Navegação deNiterói. Trafegavam de hora em hora, das 06:00h da manhã às 18:00h, efaziam a travessia em trinta minutos. Até então, o percurso era feito em botes,faluas e saveiros, durando a viagem mais de duas horas.

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Seguiu-se a Companhia de Navegação de Niterói a das Barcas Ferry,cujo serviço foi solenemente inaugurado numa manhã de domingo, 29 de junhode 1862. Começou com três barcas norte-americanas, com rodas e capacidadepara 300 passageiros. A Companhia Ferry ergueu então uma bonita estaçãoem estilo neoclássico no Largo do Paço, inaugurada em 1862 por D. Pedro II.

Correram os anos e, em 1o. de outubro de 1889, com a fusão daCompanhia das Barcas Ferry e a Empresa de Obras Públicas no Brasil,organizou-se a Companhia Cantareira e Viação Fluminense. De 1903 a 1908,quando a administração passou para o dinâmico Visconde de Moraes, realizoua Cantareira grandes melhoramentos, dentre eles, a compra de novas barcas,renovação dos cais e reconstrução das estações da Praça XV e Praça MartimAfonso (Niterói). A da Praça XV aproveitou-se o arcabouço da velha estaçãodas barcas Ferry, tendo o arquiteto Adolpho José Dell Vecchio, que projetouanos antes o palacete da Ilha Fiscal, refeito a fachada em estilo eclético, comvistosa cúpula bulbosa e pavilhões anexos no mesmo estilo. Foi inaugurada em1911, tornando-se logo ponto de referência na Praça.

Por duas vezes as estações da Praça XV e Praça Martim Afonso foramduramente depredadas. A primeira, em 1925, quando se aumentou aspassagens em dezembro. Ambos os prédios foram vandalizados pela turbaenfurecida, bem como as barcas, que foram destruídas. A segunda foi pior. ACompanhia Cantareira fechou as portas em meados da década de 50, sendoos serviços de transportes marítimos arrendados aos “Irmãos Carreteiro”, deNiterói. O serviço caiu muito e as barcas atrasavam, num dia de muito atraso,em 1959, o povo raivoso incendiou a estação Niterói e destruiu todo o interiorda estação Praça XV. Várias barcas foram igualmente incendiadas eafundadas. A estação de Niterói acabou ficando irrecuperável e foi demolida.

Algum tempo depois, em 1960, foram os serviços assumidos peloEstado da Guanabara, tendo sido em 1975, após a fusão, fundada a CONERJ -Companhia de Navegação do Estado do Rio de Janeiro, que até hoje mantémos serviços com regularidade. A estação da Praça XV, antiga Estação daCompanhia Cantareira, foi tombada pela municipalidade e recentementerestaurada.

MONUMENTO À D. JOÃO VI - CAIS PHAROUX - PRAÇA XVNum pedestal de granito retangular, sob base de cimento armado,

olhando para o mar, eleva-se a estátua eqüestre de D. João VI, tendo na mãodireita a esfera armilar, símbolo da monarquia portuguesa, É de autoria doescultor Professor B. Feyo, fundida em bronze na oficina de José Guedes, emVila Nova de Gaia, Portugal. Foi oferta do Governo Português àscomemorações do IV Centenário da Cidade em 1965. Foi inaugurada naquelelugar pelo Governador Carlos Lacerda, como lembrança do desembarque daFamília Real naquele sítio em 08 de março de 1808.

JOÃO VI - DADOS BIOGRÁFICOSJoão Maria José Francisco Xavier de Paula Luís Antônio Domingos

Rafael, nasceu em Lisboa, a 13 de maio de 1767, segundo filho da Rainha D.Maria I, a “louca”, e de D. Pedro III, seu tio e marido. D. João VI, 27o. Rei dePortugal, exerceu a regência desde 1792 até 1816, quando faleceu sua mãe.Reinou apenas dez anos. Foi, inicialmente, destinado à carreira eclesiástica,mas em menos de dois anos, morreu-lhe o irmão mais velho, D. José II; e o

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pai, ambos de bexigas. Casou-se contra a vontade, em 1775, com a princesaCarlota Joaquina, filha do Rei Carlos V de Espanha, união que lhe traria maisdissabores que todos os outros problemas. A má esposa sempre o detestou elogo começou a conspirar contra ele. Como se fosse pouco, ainda em 1789 suamãe perdia a razão para nunca mais recuperá-la. Enfrentou a crise política queenvolveu Portugal, oriunda da expansão do Império de Napoleão pelaPenínsula Ibérica (1806-07), fugindo para o Brasil junto com sua côrte, emnovembro de 1807 para não ser aprisionado pelos franceses.

Chegou à Bahia, em 20 de janeiro de 1808. Logo ao chegar, seuprimeiro cuidado foi o de dar maior expansão à Colônia. Insinuado peloVisconde de Cairu, brasileiro insigne e ardoroso patriota, decretou a liberdadedo comércio e navegação, assinando logo a 28 de janeiro de 1808, a aberturados portos às nações amigas. Percebendo que Salvador não possuía maiscondições de sediar uma côrte, demandou-se para o Rio de Janeiro, ondedesembarcou no Largo do Paço em 08 de março de 1808. Sua primeirapreocupação foi a de acomodar a côrte, formada por quase quinhentos áulicos,o que teve de fazer invocando a triste lei das aposentadorias, dando aosnobres o direito de tomar as residências particulares, o que causou grandedescontentamento popular. D. João, logo ao desembarcar, recebeu a dádiva daQuinta da Boa Vista, em São Cristóvão, acomodando sua mãe no antigoConvento do Carmo.

Precisando dotar o Rio de Janeiro de uma infra-estrutura capaz desediar a capital de seu reino, efetuou realizações com o escopo de promover oprogresso da colônia, entre elas: a fundação do Banco do Brasil (1808); daImprensa Régia (1808); Fábrica de Pólvora da Lagoa (1808); Real HortoBotânico (1808); Intendência Geral de Polícia (1809); Real Biblioteca (1810);Real Academia Militar (1810); Escola Anatômica de Cirurgia Médica (1811);Real Academia dos Guardas-Marinha (1811); Real Academia de Artes eOfícios (1816); Museu Real (1818); Praça do Comércio (1819); e outras úteisinstituições. Assinou a primeira lei destinada a acabar com o tráfico deescravos no nosso território (1810); e foi o primeiro a estimular a imigraçãopara o campo, com a vinda de colonos suíços (1818). Tal foi o impulsoimprimido ao Brasil que a 26 de dezembro de 1815, foi ele elevado à categoriade Reino Unido de Portugal, Brasil e Algarves.

O maior benefício que a presença de D. João legou ao nosso país foi,sem sombra de dúvidas, a unidade nacional. Não fosse sua presença entrenós, com certeza teria acontecido à nossa terra o que ocorreu com nossosvizinhos de colonização espanhola. Quatro Vice-Reinados transformaram-seem vinte pequenos países, quase sempre envolvidos em guerras fratricidas edisputas fronteiriças. Seu reinado manteve o Brasil unido, que permitiu que agrandeza territorial de nosso país não se fracionasse em estados estéreis.

Apesar da oposição de sua mulher, que sempre trabalhou contra ele eque nos detestava fidagalmente, D. João daqui só se afastou compelido pelomovimento constitucionalista do Pôrto (1820). Em abril de 1821 seguiu paraPortugal, aqui deixando como regente seu filho D. Pedro I.

Chegando a Lisboa, jurou a nova Constituição, mas sua mulher D.Carlota Joaquina se recusou a tal e por isso foi exilada com seu filho D. Miguel.Promoveram os dois uma contra-revolução com fulcro em Vila Franca de Xira,a “Vilafrancada”, que restabeleceu o absolutismo. Em abril de 1824, omovimento denominado “Abrilada” obrigou D. João VI a se recolher a bordo de

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uma nau inglesa. Restaurado no poder, foi D. Carlota internada e D. Miguelexilado no estrangeiro. O dissabor sofrido com a ingratidão do filho D. Miguel ea revolta da mulher D. Carlota, abalou profundamente o monarca, nunca maisrecuperando seu bom humor. Um ano depois, a 29 de agosto de 1825, D. Joãoreconheceu a Independência do Brasil.Após um jantar, D. João passou mal e morreu subitamente a 10 de março de1826. A moderna ciência, examinando seus restos mortais conservados emálcool, encontrou vestígios de arsênico em dose suficiente o bastante paramatar um “elefante”. D. Carlota Joaquina, a possível mandante de tal atentado,não saboreou o sucesso. Enlouqueceu como a sogra, suicidando-se tomandoveneno em 1830, aos 55 anos. Dizem, que de uma dose cavalar de “arsênico”.

IGREJA E CONVENTO DO CARMO, RUA PRIMEIRO DE MARÇO, PÇA. XVUma capela dedicada à Nossa Senhora da Expectação e do Parto foi

erguida em 1570 na rua Direita por uma devota em cumprimento de umapromessa. Como a invocação era de difícil pronúncia pela população humilde,era conhecida como capela de “Nossa Senhora do Ó”, devido à oração deinvocação desta santa iniciar com esta interjeição (Ó Virgem Maria! Ó Mãe deDeus!).

Em 1589, foi esta capela doada pela Câmara aos frades carmelitas, quealteraram sua invocação para a Virgem do Carmelo. Em 1611 obtiveram umterreno do lado esquerdo do templo, onde em 1619 iniciaram a construção deum convento, com pedras tiradas da Ilha das Enxadas. No século XVII o temploarruinou e foi reconstruído, mas mesmo assim ainda era uma pequena capela.O convento, ao lado era em sobrado e foi ampliado na mesma época. Assimficaram estabelecidos os carmelitas até o século XVIII.

O belo templo barroco atual foi iniciado em 1761, sob provável risco deMestre Manoel Alves Setúbal, que ergueu a Igreja dos Terceiros, logo ao lado.A fonte de inspiração foi o Convento do Carmo do Pôrto, Portugal, com o qualrevela afinidades estilísticas. Quando da chegada do Príncipe D. João, em1808, só estava pronto o Convento, tendo a igreja de ser completada àspressas com um frontispício de madeira, haja vista ter o Príncipe tê-laconvertido em Capela Real por ser a mais próxima do Paço. O convento aolado foi desocupado pelos frades, nele se instalando a Rainha D. Maria I, a“Louca”, o Real Gabinete de Física e, no térreo, a Real Ucharia, que era odepósito do Palácio. Nos fundos, numa ala pertencente aos Irmãos Terceirosdo Carmo, onde fôra um hospital, foi instalada em 1810 a Real Biblioteca, comlivros recuperados da Biblioteca do Infantado e da Real Biblioteca da Ajuda. Oconvento foi ligado ao Paço por um passadiço.

Internamente, os sete altares e as duas capelas da igreja foram iniciadosem 1785 por Mestre Inácio Ferreira Pinto. O conjunto, de decór rococó, mostragrande unidade de estilo, que prova ter sido a execução realizada segundo umprojeto de conjunto. O arco cruzeiro é encimado por um magnífico ornatorecortado. A ornamentação da nave é dividida por pilastras de estilo coríntio, omesmo se dando mais tarde na igreja vizinha dos Terceiros. Pinturas ovais deJosé Leandro de Carvalho, representando os doze apóstolos, são distribuídaspela nave, entremeando as tribunas.

Durante o reinado de D. Pedro I foi completado o frontispício, segundo oprojeto do engenheiro-arquiteto Pedro Alexandre Cavroé. Êste erainteressante, pois como o da Cruz dos Militares, mostrava, sob influência

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clássica, a volta às formas das igrejas romanas da época de Vignola.Infelizmente, foi a fachada substituída no século XX dando lugar a umfrontispício descaracterizado, terminado em 1923. D. Pedro I igualmenteconcebeu que um dos pátios do Convento fosse convertido em MausoléuImperial, mas sua renúncia em 1831 fez abortar o projeto.

Em 1856 foi prolongada a antiga rua do Cano até a rua Direita, sendo aprimeira rebatizada para Sete de Setembro. Sendo assim, foi feito um corte noConvento, que passou a ser ligado ao templo por outro passadiço, que foidemolido em 1890. Em 1888/1900 passou o templo por grandes obras.Reconstruiu-se toda a fachada que dava para a rua Sete de Setembro numestilo eclético, depois extendido à fachada principal. Em 1905, a pesada torresineira foi demolida por ameaçar ruir, sendo erguida outra projetada peloarquiteto italiano Raphael Rebecchi. Demoliu-se o pórtico da capela dosPassos, colocando em seu lugar duas janelas geminadas. As janelas foramampliadas para acomodar vitrais. Essas obras foram inauguradas em 1900. Em1903, o Prefeito Francisco Pereira Passos mandou retirar o gradil do adro paraalargar a rua Primeiro de Março (ex-rua Direita).

Internamente, foram feitas muitas alterações. Retirou-se uma pintura doaltar-mór representando a Família Real, demoliu-se dois corredores laterais,aprofundando-se os seis altares laterais, para ampliar a nave. Refez-se apintura da capela-mór e outras obras. Essa reforma foi ordenada pelo MinistroAntônio Ferreira Viana, incumbindo-se dos trabalhos o engenheiro AdolphoJosé Dell`Vecchio e o artista Thomaz Driendl.

Quanto ao Convento, igualmente não escapou de adulterações. Em1840 D. Pedro II nele instalou o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, queali ficou até 1896. Em 1907 ganhou uma fachada eclética, projetada peloarquiteto Henrique Fleiuss, removida pelo SPHAN em 1970, sendo recompostaem seus elementos originais. Ainda em 1896 foi nele instalada a EscolaTécnica de Comércio, e, em época mais recente, a Universidade CândidoMendes. Nos anos 80, foi construído no pátio do Convento um enorme prédiode escritórios, o Centro Empresarial Cândido Mendes, projetado por HarryCole, que acabou desvirtuando toda a escala da praça e de seus monumentos.

A Igreja foi Capela Real de 1808 a 1822. Capela Imperial de 1822 a1889, Catedral Metropolitana, de 1889 a 1976. Sediou, à partir de 1894, aprimeira Cátedra Cardinalícia da América Latina. Hoje é a Igreja de NossaSenhora do Carmo da Antiga Sé. A Família Real e, depois a Imperialprestigiavam as procissões, particularmente a do Senhor dos Passos e a deSão Sebastião, que eram, guardadas as devidas proporções, eventos maiscarnavalescos que religiosos. Foi a única igreja nas Américas que serviu depalco da Sagração de um Rei, D. João, em fevereiro de 1818; e da Coroaçãode dois Imperadores, D. Pedro I, em dezembro de 1822 e D. Pedro II, em julhode 1841. Ali se batizaram e casaram todos príncipes de sangue real entre 1808e 1889. D. Pedro I confirmou nela seu casamento em 1817; bem como D.Pedro II, em 1843; tendo ali se casado a princesa Isabel com o Conde D`Eu,em 1863. Num corredor lateral da capela foram depositados em 1903, poriniciativa do Bacharel Alberto de Carvalho, parte dos restos mortais de PedroÁlvares Cabral, descobridor do Brasil, transladados de Portugal. Foramregentes da Capela Real, dentre outros, Padre José Maurício Nunes Garcia,nosso maior compositor sacro colonial; Marcos Portugal, maestro que veio comD. João em 1808; Sigismundo Neukomm, discípulo de Haidn, que veio com a

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Missão Artística Francesa, em 1816. Nesta igreja, começou como simplesviolinista, o futuro maestro Francisco Manuel da Silva, autor do Hino NacionalBrasileiro. À época de D. João VI, nela tinham coro os famosos “Castrati”,jovens emasculados para manter a voz aflautada.

Presentemente, está a igreja necessitando de grandes reparos, tendosido elaborado um projeto de restauração integral, externa e internamente, quevisa restituir ao templo suas características originais.

O RAPTO DAS GALINHASO velho Convento do Carmo, hoje sede da Universidade Cândido

Mendes, situado na Rua Primeiro de Março, entre as ruas da Assembléia eSete de Setembro, é um dos mais veneráveis monumentos do Rio. Erguidopelos frades carmelitas aqui chegados em 1589, ficou concluído em 1619. Noséculo XVIII, com o afluxo do ouro oriundo de Minas Gerais, foi totalmentereconstruído depois de 1761.

Entretanto, com a chegada da Côrte portuguesa ao Rio de Janeiro emmarço de 1808, o convento teve seu destino mudado.

O Príncipe D. João, se utilizando da lei das aposentadorias, a qual ofacultava requisitar qualquer prédio da cidade para uso próprio, mandoudesalojar os carmelitas ainda em março de 1808. Os frades acabaram indopara uma pequena igreja, no Largo da Lapa, onde ainda se encontram. Novelho convento, D. João mandou alojar sua mãe, a Rainha D. Maria I, a louca.Como o espaço era generoso, D. Maria ainda dividiu o espaço do conventocom o Real Gabinete de Física e, nos fundos, onde existia o Hospital da OrdemTerceira do Carmo, em prédio ainda existente, o Príncipe mandou ali instalarem 1810 a Real Biblioteca, reunindo os livros arrebanhados às bibliotecas daAjuda e do Infantado, trazidos ao Brasil em grandes caixotes quando da fugada Família Real.

Entretanto, foi no pavimento térreo onde se instalou a repartição maispolêmica daqueles tempos: a Real Ucharia.

Ucharia era o armazém de alimentos do Palácio Real. Era onde ficavamos secos e molhados, os animais e vegetais que abasteciam a real mesa de D.João. E, no caso dele, era uma mesa bem farta.

D. João se alimentava muito, e mal. Comia demais. Testemunhos deépoca relatam com minúcias as glutonarias do Príncipe. Ao acordar bem cedo,D. João fazia suas orações e logo depois realizava sua primeira refeição, oalmoço (naquela época não se tomava café da manhã). Comia, sem talheralgum, de quatro a seis frangos de leite assados, pequenos como pintos.Segurava-os com as mãos e deles só se separava quando restavam apenasossos. Não havia acompanhamento nesse prato. Eram só os frangos. Algumasvezes, D. João também devorava algumas fatias de pão torrado com manteiga,que somente seu cozinheiro sabia fazer. Bebia apenas água da Ponta daArmação, em Niterói, a qual mandava buscar em grandes batelões. Desobremesa, laranjas da Bahia (as do Rio ele as julgava muito doces).No jantar, que era às 13:00h, os pratos eram quase idênticos, variando apenasem ocasiões solenes. Na ceia, às 18:00h, tomava canja de galinhas. Após essarefeição, D. João dormia a sono solto até o dia seguinte, quando a rotinaalimentar se repetia.

Com essa péssima alimentação, mal balanceada e muito gordurosa, D.João sempre sofreu gravemente de problemas gastro-intestinais, os quais

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motivaram episódios cômicos ocorridos em público. Às vezes, por força dascircunstâncias essa dieta variava, mas nunca faltavam os frangos, prato queele apreciava com veneração.

Desnecessário dizer que a maior parte da Ucharia era o galinheiro, oqual ocupava todo o pátio do velho convento. Em 1817, quando D. João setornou Rei, foi nomeado chefe da Real Ucharia seu barbeiro, Plácido AntônioPereira de Abreu. Esse patife era um notório espertalhão e serviria com igualeficiência ao Imperador D. Pedro I, como barbeiro, secretário e alcoviteiro.

Com a nomeação de Plácido, a roubalheira na Ucharia atingiu níveisinimagináveis. Plácido fazia imensas requisições de alimentos a seusfornecedores. Às vezes, requisitava toda a produção de determinado gêneroalimentício. Esses alimentos, comprados em quantidade muito além danecessária, eram sorrateiramente revendidos a particulares por altos preços.

Em 1819, por sugestão de Plácido, D. João requisitou que seus guardasrecolhessem à Real Ucharia todos os frangos da cidade do Rio de Janeiro.

Todos, inclusive os dos hospitais!Podiam os doentes ficar sem sua canja de galinha, mas o Rei não

dispensava frango algum!Claro, a roubalheira rendeu bons frutos, pois só era possível se obter

galinhas pagando as propinas que Plácido arbitrava dos pobres cariocas. Semimprensa nem justiça para defender o povo, este apenas protestava nasesquinas e tabernas. A coisa ficou assim até que um dia de novembro de 1819um grupo de cidadãos tomou coragem e enviou uma carta de protesto ao Rei,carta esta que se encontra na seção de manuscritos da Biblioteca Nacional eque vale a pena ser aqui reproduzida em seu trecho inicial, bem pitoresco:

“Dizem os moradores desta cidade, que eles, suplicantes, se vem namaior consternação possível pela falta de galinhas e mais criação de penaspara o socorro dos enfermos particulares, pois por dinheiro algum as podemencontrar senão em mão do Galinheiro da Real Ucharia.”

“Os habitantes desta Côrte, Real Senhor, são contentes, com a maiorsatisfação, que a Real Ucharia tenha a preferência com a maior abundânciapossível, mas não que o Galinheiro, a título dela, faça os maiores insultospossíveis, que é andar com atravessadores pelos recôncavos desta cidadetomando e apreendendo toda a criação a título de contrato, e não satisfeitocom estes insultos, passa o suplicado em pessoa a andar pelo mar,embarcado, revistando quantos barcos navegam para a Côrte a fim de astomar pois todas chegam embargadas e nenhuma se vende para asnecessidades das ditas moléstias por mais diligência que façam os suplicantesa concorrerem às praças na sua procura.”

As mesas fartas demais geram fatalmente o desespero em torno dasmesas vazias...

Não precisamos dizer que o Rei não respondeu à petição e esta foi pararno limbo da burocracia joanina. A roubalheira da Real Ucharia continuou atéabril de 1821, quando D. João retornou à Portugal e o Príncipe D. Pedrodesativou aquela repartição, não sem antes nomear Plácido como seu Valete-de-Chambre. Depois seria Comendador e acabaria casando com a filha doMarquês de Inhambupe, Ministro da Fazenda.

Naqueles tempos, a roubalheira do governo ficava impune e o povo eraquem pagava a conta...

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ORIGEM DOS DESFILES DAS ESCOLAS DE SAMBA NO RIO DE JANEIRO.Pouca gente conhece, mas ao lado da velha igreja de N. Sra. do Carmo,

nas esquinas das ruas Primeiro de Março com Sete de Setembro, está acapela que deu origem aos desfiles das escolas de samba no Carnaval.

A igreja do Carmo já existia desde o século XVI, mas o templo atual datada última reconstrução, iniciada em 1761. Em 1785, o entalhador Mestre InácioFerreira Pinto iniciou a bela obra de talha interna em estilo rococó e, em saletaanexa à nave, no lado esquerdo do templo, Mestre Inácio construiu umapequena capelinha para a Irmandade do Senhor dos Passos. Com a vinda daCôrte, em 1808, a velha Igreja do Carmo passou a ser a Capela Real, sendoque a própria Família Real passou a utilizar a pequenina Capela do Senhor dosPassos para suas orações particulares. Essa tradição manteve-se com D.Pedro I, após a Independência, bem como com D. Pedro II, até 1889.

Com essa ligação tão forte com as casas Real e Imperial, ganhouespecial relevo a capelinha, sendo então muito disputada a famosa procissãodo Senhor dos Passos, a qual saía por ocasião dos festejos da Semana Santa.Era tão importante essa procissão, que o próprio D. João VI dela participava. Atradição se manteve com os dois imperadores, sendo que, com Pedro II, até oministério se fazia presente. Dela participava grande massa popular, e até osescravos a ultimavam, com suas danças africanas.

A procissão corria as ruas do centro, possuindo uma comissão de frente,banda ou bateria, carro abre-alas, carros alegóricos, porta-bandeira, pastoras,etc, até os passistas escravos, ficando no final uma ala de negras baianas. A28 de setembro de 1871 o senado aprovou a Lei do Ventre Livre, libertando ascrianças escravas, mas sob o furioso protesto dos escravocratas. Com arevolta das elites que não aceitavam a liberdade dos negros, começou entãono Rio de Janeiro um movimento dos reacionários escravocratas em favor deuma “eugenia cultural” no Brasil. Os negros acabaram sendo proibidos departicipar de todas as festas populares, inclusive da procissão do Senhor dosPassos, restando-lhes, somente no final, os festejos carnavalescos.

Muito perdeu em alegria as festas tradicionais no Brasil, mas,ironicamente, justamente a partir desta data, cresceram muito em importânciaos folguedos carnavalescos, enquanto que as antigas procissões religiosasdefinharam até desaparecerem quase que por completo.

Cinqüenta anos depois da proibição de 1871, quando surgiram asprimeiras escolas de samba na Cidade Nova, a estrutura dos desfiles decarnaval copiou quase que sem alterações a disposição da procissão doSenhor dos Passos, tradição que se mantém até hoje.

Hoje, a linda capelinha do Senhor dos Passos ainda resiste intacta,apesar de estar precisando de urgente restauração, coisa que vem sendoprotelada por falta de verbas, recurso que, aliás, nunca parece faltar às escolasde samba.

JOSÉ LEANDRO DE CARVALHO - DADOS BIOGRÁFICOSPintor da antiga Escola Fluminense de Pintura, nasceu em Muriqui,

Distrito de Itaboraí, em c.1770. Mostrando propensão para a arte, dirigiu-se aoRio de Janeiro, onde começou a estudar desenho com um artista pardochamado Manuel Patola.

Começou pintando painéis para a Igreja do Bom Jesus, trabalho que seperdeu; fez muitos retratos de D. Maria I e D. João VI (1808), estando alguns

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no acervo do Museu Histórico Nacional; e pintou cenários para o Teatro SãoJoão, hoje João Caetano (1813), trabalhos perdidos; em 1817, encarregou-sedo douramento da Capela Real. Para esta capela, realizou as pinturas ovaisdos doze apóstolos que ornam as pilastras. Pintou um retrato da Família Real,que foi colocado no altar-mór da Capela Real, trabalho que teve de recobrir decal após a renúncia de D. Pedro I, em 1831. Em 1826, pintou estandartes coma efígie dos quatro Doutores da Igreja para o templo de São Francisco dePaula, no Largo de São Francisco, e dois anjos para a capela-mór da mesmaigreja. Fez também muitas pinturas com temas sacros para o Mosteiro de SãoBento. Após o episódio que aconteceu com seu painel na Igreja do Carmo, caiuem depressão, falecendo a 09 de novembro de 1834, sendo enterrado nascatacumbas da Igreja de São Francisco de Paula. Em 1850, o painel foirestaurado por Manuel de Araújo Porto Alegre, mas depois foi retirado eperdido em 1889. Em seu lugar, está uma pintura sacra de Antônio Parreiras.

MARCOS DO DESCOBRIMENTO NO RIO DE JANEIROFaltando pouco mais de duzentos dias para a comemoração do quinto

centenário da descoberta do Brasil muitos cariocas desconhecem existir nacidade do Rio de Janeiro dois importantes marcos da era dos grandesdescobrimentos.

O primeiro deles é o túmulo que guarda os resíduos mortuários docapitão-mór Pedro Álvares Cabral, descobridor do Brasil, depositados desde 30de dezembro de 1903 no corredor esquerdo da Igreja de Nossa Senhora doCarmo da Antiga Sé, na rua Primeiro de Março, defronte à Praça XV. A históriadestes restos é, no mínimo, curiosa. O jazigo de Cabral, perdido desde oséculo XVI, foi localizado em 1839 por um brasileiro, o diplomata e historiadorFrancisco Adolfo de Varnhagem, Visconde de Porto Seguro, no piso da Capelade São João da Igreja do Convento da Graça em Santarém, Portugal, ondeestava desde 1526.

Em 1871 o Imperador D. Pedro II, quando visitou o túmulo, duvidou desua autenticidade. Para tirar a prova, arqueólogos lusitanos o abriram em 1882,onde, para surpresa geral, encontraram três esqueletos inidentificados. Nadafoi tirado e a campa foi novamente fechada. O Instituto Histórico e GeográficoBrasileiro insistiu na exumação e, em 1903, mandou a Portugal com esseintento o historiador Bacharel Alberto de Carvalho que, com ajuda dearqueólogos lusos, procedeu a nova exumação em 14 de março do mesmoano. Qual não foi o espanto de todos em encontrar não três, mas seisesqueletos adultos, fora os de uma mulher e uma criança. Como foi impossíveldeterminar qual deles era o de Cabral, recolheu-se um pouco de cadaesqueleto adulto mais um punhado de terra, e é esse “sétimo esqueleto” que seencontra hoje na Igreja do Carmo.

O outro marco dos nossos quinhentos anos é o raro e belo oratório deNossa Senhora do Cabo da Boa Esperança, erguido há 235 anos atrás numbeco entre a Igreja do Carmo e a da Ordem Terceira Carmelita, na rua doCarmo n. 38. O Cabo da Boa Esperança, antigo das “Tormentas”, era ponto depassagem obrigatório das caravelas portuguesas no sul da África com destinoao oriente. Desde o século XVIII, todo navio português com esse destino antesaportava no Rio de Janeiro, onde a marujada saltava e ia em romaria até ooratório da rua do Carmo pedir à santa proteção para a travessia, deixando láalgumas moedas. Por sua vez, quando o navio percorria o sentido inverso,

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igualmente aportava aqui, indo os marujos agradecer a boa travessia nooratório citado, deixando lá alguns cobres.

Este antepassado dos seguros marítimos criou uma tradição que semanteve viva por mais de cem anos e não foi à toa que o oratório foi dospoucos que sobreviveu às demolições na cidade. Verdade seja dita, andou umpouco. Construído no beco em 1763 pelo mestre Manoel Alves Setúbal para aOrdem Terceira do Carmo, foi transferido em 1812 para a esquina seguinte,onde hoje se abre a rua Sete de Setembro, retornando ao sítio original em1924. Em 1948 foi erguido ao seu lado um prédio de escritórios, onde, como sefosse uma sina local, estão sediadas a Associação Nacional deTransportadores de Turismo, a Associação Brasileira de JornalistasEspecializados em Turismo, A Turistrade e a Marc Apoio Consultoria eTreinamento em Turismo.

Isso é que é um oratório com tradição em viagens!

IGREJA DA ORDEM TERCEIRA DO CARMO - RUA 1O. DE MARÇOA Ordem Terceira do Carmo foi fundada em 1648, e funcionou numa

capela erguida nos fundos da igreja conventual. Desentendimentos com osfrades carmelitas levou a Ordem a construir seu próprio templo, num terrenodoado em 1749 na rua Direita. Em 1752 foi decidida a construção do novotemplo, cujas obras, entretanto, só começaram em 16 de julho de 1755, apósmuitas divergências. Atribui-se o projeto do templo ao Mestre Manoel AlvesSetúbal, que foi seu construtor. Em 1755, um novo risco, proposto por FreiXavier Vaz de Carvalho foi aprovado para o interior do templo. A porta principale uma lateral em mármore de Lióz foi encomendada a canteiros de Portugal em1760 e colocadas na igreja no ano seguinte. No ano de 1770, a igreja foideclarada terminada, à exceção das torres, sendo rezada a primeira missa nodia 10 de julho, durando as festividades quatro dias. Em 1772, foi decididoconstruir a Capela do Noviciado, no lado oposto à sacristia. Quanto às torres,só foram projetadas em 1846 e construídas de 1847 a 50 pelo professor dedesenho da Academia Imperial de Belas Artes, Manuel Joaquim de Melo CorteReal.

A talha interna foi confiada ao Mestre Luís da Fonseca Rosa, quesegundo se consta, foi mestre de Valentim da Fonseca e Silva, que também alitrabalhou. Fonseca Rosa trabalhou no retábulo da capela-mór de 1768 a 1780.Mestre Valentim executou pequenos trabalhos de 1780 a 1800 na capela-mór.A talha do corpo da igreja data do século XIX, executada em 1855 por MestreAntônio de Pádua e Castro, em estilo rococó tardio.

A Capela do Noviciado, construída em 1772, recebeu um altar-mór feitoentre 1772/73 por Mestre Valentim da Fonseca e Silva. Em 1796/97 o mesmoartista fez em estilo rococó o altar de Nossa Senhora das Dores. Os painéis àóleo desta capela, com temas sacros, são atribuídos à Manuel da Cunha. Apolicromia em branco e ouro desta capela foi executada apenas em 1852.

Recentemente foi a mesma restaurada.

MANUEL ALVES SETÚBAL - DADOS BIOGRÁFICOSMestre de obras, entalhador e marceneiro, pelo nome, presume-se que

era português, nascido em Setúbal, Portugal, em c. 1720. Atuou no Rio deJaneiro. Considerado um dos principais mestres de obras do Rio de Janeiro na

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sua época, trabalhou nesse sentido para a Igreja da Ordem Terceira do Carmo,na rua Direita, construída entre 1755 e 1770.

Provavelmente foi também o autor do projeto do templo, bem como davizinha igreja da Ordem do Carmo, vizinha, com quem estilisticamente se afina.Deve ser de sua lavra o belo oratório de Nossa Senhora do Cabo da BoaEsperança, existente na rua do Carmo, 38. Terminou de executar em 1745 umgrande arcaz de dois lances, com espaldar, para a sacristia do Convento deSanto Antônio do Rio de Janeiro.

Sua última citação ocorre em 1778.

ANTÔNIO DE PÁDUA E CASTRO - DADOS BIOGRÁFICOSEscultor, entalhador e professor. Nasceu a 07 de março de 1804 na Vila

de Magé. Órfão muito jovem, foi enviado por uma tia a um seminário de padres,onde se pretendia que saísse frade do Convento de Santo Antônio. Rebelou-se, abandonando os estudos. Inscreveu-se como aprendiz no ateliê doentalhador Brás de Almeida, tendo depois aprendido mais de arte torêutica comos artistas Francisco de Paula Borges e Francisco Xavier Soares, ambosdiscípulos de Mestre Valentim.

Seu primeiro trabalho foi um nicho para o altar lateral de Nossa Senhoradas Dores, na Igreja da Candelária, trabalho hoje perdido. Em 1828, reformou acarruagem do Imperador D. Pedro I para a cerimônia do seu 2o. casamento.Logo depois, fez a talha da capela-mór da Igreja Matriz de Nossa Senhora daAjuda, na Ilha do Governador, obra que foi depois destruída num incêndio em1871, tendo Pádua e Castro novamente redecorado todo o seu interior em1872. Fez a talha da capela-mór da Igreja Matriz de Nossa Senhora daApresentação, em Irajá; e fez os dois altares laterais da Igreja de NossaSenhora Mãe dos Homens, na rua da Alfândega; em 1853, recobriu de talha anave-mór da Igreja da Santa Cruz dos Militares, na rua Direita, tendo feito osaltares laterais, aberto as tribunas e colocado as atuais portas. Em 1855, foiencarregado de recobrir em oito meses a nave-mór da Igreja da OrdemTerceira do Carmo, na rua Direita. Ainda nesse mesmo ano apresentou umprojeto de talha para a nave-mór da Igreja de São Francisco de Paula, projetoque foi preterido pelo de Mário Bragaldi, mas arrematou a execução do mesmo,executando-a no ano seguinte. Por respeito, alterou o projeto, que era em estiloneoclássico, para harmonizá-lo com a talha da capela-mór rococó feita porMestre Valentim. No Hospital da Misericórdia, fez a talha da Capela doSantíssimo Sacramento. Entre 1855 e 1857, revestiu de talha a Igreja doSantíssimo Sacramento, na atual Av. Passos, aí se incluindo altares laterais,quatro tribunas, coro e decoração do corpo do referido templo. Revestiu detalha a Capela do Noviciado da Igreja da Ordem Terceira da Penitência, nomorro de Santo Antônio; e refez, de 1869 a 1879, toda a talha interna da Igrejada Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, tendo também dirigido ostrabalhos de remodelação da arquitetura externa.

Em 1863, substituindo Honorato Manuel de Lima, foi nomeado professorda cadeira de Escultura de Ornatos da Academia Imperial de Belas Artes,atividade que exerceu até a morte. Em 1877, reconstruiu a fachada da Igreja deSão Francisco Xavier, no Engenho Novo, e a revestiu internamente de talha,trabalho que depois se perdeu. Foi sua última obra. Morreu no Rio de Janeiro,a 10 de novembro de 1881, sendo enterrado no Cemitério da Ordem de SãoFrancisco de Paula no dia seguinte. Antônio de Pádua e Castro possuía um

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estilo muito peculiar, mesclando ornatos do rococó com elementosneoclássicos. O resultado final, um rococó acadêmico, o qual, entretanto, emgeral estava em harmonia com a talha setecentista. Seu estilo foi recentementebatizado pelos críticos de arte como “barrochetto”, um rococó tardio, o quemostra a sobrevivência dessas formas na arte brasileira, aceitas, inclusive, pelaexigente Academia.

ARCO DO TELLES E CASAS 32/34 - PRAÇA XV DE NOVEMBROAntônio Telles Barreto de Menezes nasceu no Rio de Janeiro em 1682,

filho do Doutor em artes e filosofia Luís Telles Barreto e de Da. MônicaGodinho. Antônio bacharelou-se em Cânones, em Coimbra, sendo em 1728Juiz de Órfãos no Rio de Janeiro e, em 1735, Provedor da Irmandade daMisericórdia. Era herdeiro de vasto latifúndio em Jacarepaguá, onde plantavacana de açúcar. Casou-se em 1715 com Da. Catarina Josefa de Andrade,sendo pais de vários filhos. Antônio comprou todo o lado direito do Largo doPaço, contratando o engenheiro militar Sargento-Mór José Fernandes PintoAlpoim para projetar um correr de casas de aluguel no logradouro que, em1743, ao sediar o Governador Geral, tornara-se o mais importante daCapitania. Alpoim, por sua vez, terminara naquele ano a obra da Casa dosGovernadores, tendo se dedicado à construção de 1743 a 47.

Sobre a travessa do Mercado do Peixe, Alpoim traçou amplo arcoabatido para que a mesma não ficasse obstruída pela nova construção, sendode imediato apelidada de “Arco do Telles”. Antônio Telles faleceu em 1757. Nomesmo ano, seu filho mais velho e herdeiro, Francisco Telles Barreto deMenezes, Bacharel em Cânones como o pai e igualmente Juiz de Órfãos,alugou uma das casas, próxima à rua Direita para o Senado da Câmara, nelapermanecendo até 1790. O Senado da Câmara era o título que o GovernadorConde de Bobadela obtivera de Lisboa para galardoar a velha Câmara deVereadores, igualando-a, em titulação, à da Metrópole.

O térreo das casas dos Telles de Menezes, por sua vez, eram alugadosa diversos lojistas que ali exerciam os mais diferentes negócios de secos emolhados. No dia 20 de julho de 1790, na loja térrea próxima à rua Direita,onde existia uma venda de objetos usados do português Francisco Xavier,mais conhecido pela alcunha de “O Caga Negócios”, irrompeu violento incêndioque destruiu o prédio, matando Xavier e um jovem ajudante. O fogo passoupara o andar superior, consumindo o arquivo do Senado da Câmara, perdendo-se assim toda a documentação referente aos primórdios da cidade. No séculoXIX, o Vereador Haddock Lobo, ao averiguar os registros do incêndio feitospelo Ouvidor Balthazar da Silva Lisboa, concluiu que o sinistro fora criminoso,pois alguns documentos não foram perdidos e o arquivo incinerado era, em suamaior parte, relativo às propriedades fundiárias e seus respectivos impostos.

Após o incêndio, as casas e Arco do Telles atravessaram por longoperíodo de decadência. Era o Arco do Telles em fins do século XVIII um antrode prostituição e, apesar de nele existir um oratório dedicado à Nossa Senhorados Prazeres, as cenas ali ocorridas eram tão vergonhosas que levou ummorador das redondezas, Manoel Machado de Oliveira, a remover a imagemda santa para a Igreja de Santo Antônio dos Pobres, onde ainda se encontra.Das mais famigeradas figuras que freqüentavam o Arco em fins do séculoXVIII, ficou conhecida a da prostituta Bárbara dos Prazeres. Bárbara quandojovem se casou duas vezes e, diz-se, matou seus dois maridos. À partir daí,

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caiu na vida, prostituindo-se no Arco do Telles. Prostituta famosa, possuíaclientela vasta, que começou a perder quando do avanço de sua idade.Desesperada, passou a freqüentar casas de feiticeiros e pagés atrás de umafórmula que impedisse o avanço de sua idade. Alguém lhe ensinou umabeberagem que seria feita com sangue de crianças. Bárbara passou aperseguir famílias de mendigos atrás de crianças para matar. Esperavasorrateiramente na Roda dos Expostos, atrás de crianças abandonadas. O quese sabe de verídico é que Bárbara, apelidada de “Onça”, viveu muitíssimosanos, existindo registros policiais seus que vão desde 1809 até 1830. Eraproprietário daquelas casas nesse período, desde 1806, o Dr. Luís TellesBarreto de Menezes, o qual, depois que casou em 1810 não deu muita atençãoa essas casas de aluguel, permitindo que o uso fosse residencial fossedesvirtuado, originando daí a decadência do imóvel.

Bárbara desapareceu da história em 1830. Nessa ocasião, acharam umcadáver feminino boiando na praia. Alguns afirmaram que era Bárbara, masoutros não a reconheceram. Se realmente obteve uma fórmula derejuvenescimento, talvez ainda esteja entre nós, quiçá, talvez, aindafreqüentando a noite carioca. A herdeira das casas em 1826, Da. Ana MariaTelles Barreto de Menezes, não se interessando em manter propriedades tãodecadentes, vendeu-as a diversos negociantes.

Em 1827, as casas dos Telles próximas à rua Direita foramtransformadas no “Hotel de France”, um dos mais bem afamadosestabelecimentos hoteleiros do Rio de Janeiro no Segundo Império e ponto dehospedagem obrigatória de todos os viajantes ilustres que visitaram nossacidade no século XIX. Durou até os primeiros anos da República. Era seuvizinho desde 1830 o “Hotel do Fanha”, este, por sua vez, de péssimareputação. Em 1860, estabeleceu-se no térreo do “Hotel do Fanha” a loja da“Tabacaria Africana”, ainda hoje existente.

Na República, as casas dos Telles de Menezes atravessaram enormedecadência, o que levou o Prefeito Pereira Passos em 1905 a mandar intervirpolicialmente no local para dissolver as freqüentes balbúrdias provocadas porbêbados e vagabundos. Demolidas as casas depois de 1930, em 1955 as duasúltimas restantes, bem como o Arco do Telles foram adquiridos pelo industrial emecenas Raymundo Ottoni de Castro Maia, que os restaurou às suas linhasprimitivas e construiu o moderno edifício Arco do Telles, projetado em 1963pelo arquiteto Francisco Bologna, e que aproveitou inteligentemente oscasarões e o Arco para fins comerciais, sem desvirtuamento da arquiteturacolonial.

Os dois casarões e o Arco do Telles são tombados pelo IPHAN.

BÁRBARA DOS PRAZERES - DADOS BIOGRÁFICOSProstituta e feiticeira, nascida em Portugal, em c. 1770, de onde veio

casada. Já aqui no Rio, teria matado o marido para ficar com um amante,dando cabo do mesmo algum tempo depois. Passou então a prostituir-sefazendo ponto no Arco do Telles, situado no Largo do Paço, onde granjeouvasta clientela. Com a criação da Intendência Geral de Polícia, pelo Príncipe D.João, em 1809, começam os registros de ocorrências com esta senhora. Poresta época, a idade começou a cobrar-lhe um preço, perdendo a clientela paraconcorrentes mais jovens. Parece que dores ósseas, talvez oriundas dealguma doença venérea, também a incomodavam muito. Desesperada, correu

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entre as casas de feitiçaria e magia então abundantes no Rio de Janeiro, atrásde uma poção que lhe restituísse a juventude. Por incrível que pareça, houvequem lhe formulasse uma fórmula, onde teria de banhar-se com sangue decrianças misturado com certas ervas. Passou então a perseguir famílias demendigos ou a rondar a roda dos expostos da Santa Casa, atrás de criançasque pudesse roubar para cumprir seu lúgubre afazer. Ganhou então, a partirdessa época, o apelido de “Bárbara Onça”, que é como aparece nos registrosdo intendente geral de polícia, desembargador Paulo Fernandes Vianna.

Bárbara dos Prazeres (ou Bárbara Onça), levava as crianças obtidas porrapto ou outros meios para a Cidade Nova, onde residia, onde as matava,suspendendo os corpos dos inocentes por uma corda, postando-se abaixo paraser recoberta pelo jorro de sangue que fluía de seus corpos inanimados. Viveuaté 1830. Nesse ano, desapareceu. Algum tempo depois, encontraram umcorpo feminino boiando próximo ao Largo do Paço. Alguns apostaram que eraela, mas as feições estavam irreconhecíveis. Se obteve uma poção derejuvenescimento, talvez ainda ande pelo Arco do Telles, quiçá, apostando naBolsa de Valores, ali ao lado, onde a bruxa de vez em quando anda solta...

PANCADARIA NO ARCO DO TELLESFrancisco Gomes da Silva nasceu em Lisboa, a 22 de setembro de

1791, filho de Maria da Conceição Alves, empregada doméstica, e de seupatrão, o Visconde de Vila Nova da Rainha. Anos depois, quando o Viscondese casou com a Condêssa de Rezende, expulsou o filho bastardo de casa,internando-o no Seminário de Santarém.

Em novembro de 1807 foi chamado a Lisboa pelo pai, que deviaacompanhar a fuga da Família Real para o Brasil, e apressadamente deixou oseminário. Chegado ao Rio de Janeiro junto com D. João, em março de 1808,passou a trabalhar no nada honroso ofício de faxineiro do Palácio de SãoCristóvão. De lá foi expulso pela Rainha Da. Carlota Joaquina, que o flagrarana própria cama com uma Dama do Paço.

Amancebou-se com uma tal de Maria Pulquéria, vulgo “MaricotaCorneta”, dona de uma hospedaria na Rua das Violas (hoje Teófilo Ottoni), dalisaiu em 1809 para se associar com Sebastião Cauler, num botequim no Arcodo Telles. O botequim prosperou, se bem que era freqüentado por boêmios,cantadores, valentes e rufiões. Não raro estouravam brigas e confusões.

Numa noite, em 1818, dois encapuzados entraram no boteco, sentaram-se num canto e pediram bebida por muitas rodadas. Ora, naquela época, quemandava encapuzado era paulista, para fugir da garoa. Naqueles tempos, aanimosidade entre cariocas e paulistas era muito grande, e, logo depois, umnegro enorme, José Januário, encarou os dois e cantarolou uma músicaprovocativa, que começava assim:

“Paulista é pássaro bisnau”,sem fé, nem coração;é gente que se leva a pau,a sopapo ou pescoção.”Um dos pseudo-paulistas se levantou e abaixou o capuz. Era nada mais

nada menos que o Príncipe D. Pedro, filho do Rei D. João VI e futuroImperador do Brasil. O outro era seu guarda-costas. D. Pedro mandou oguarda-costas bater em todos e quebrar tudo. Os valentes sumiram, comexceção de um: Francisco Gomes da Silva. Depois de rápida luta, Chico, que

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era corpulento, venceu fácil o guarda-costas. Após o feito, respeitosamente elese apresentou a D. Pedro: - “Francisco Gomes da Silva apresenta a VossaAlteza os seus respeitos e serviços.”

D. Pedro sorriu e entabulou conversa com Chico, donde saíram grandesamigos. Ganhou de D. Pedro o apelido de Chalaça (palhaço), por ser umgozador. Nosso futuro Imperador o fez seu secretário particular, alcoviteiro,Comendador da Ordem da Rosa e, pasmem, Embaixador do Brasil na França!

Quando D. Pedro morreu, em 1834, pediu antes ao ComendadorChalaça que tomasse conta da Imperatriz viúva, Da. Maria Amélia Napoleonade Leutchemberg.

Chalaça cumpriu-lhe o prometido.Aliás, cumpriu tão bem que teve dois filhos com Da. Maria Amélia.Era assim que eram feitas as autoridades no Brasil...

TRAVESSA DO COMÉRCIOAs casas da travessa foram antigos entrepostos construídos no século

XIX, com depósitos, senzalas ou comércio no térreo e residência no andarsuperior, numa disposição típica dos antigos sobrados portugueses, partidoarquitetônico tipicamente colonial brasileiro, e que perdurou até fins do séculoXIX.

A travessa foi aberta antes de 1730 com o nome de “Beco da Praia doPeixe Nova”, pois ali próximo se instalou o novo mercado do peixe. No ano de1747 foi iniciada a construção na sua vizinhança de uma capela dedicada à N.Sra. da Lapa dos Mercadores, ou dos Mascates, por pequenos negociantes,chamados mascates, sinônimo de fanqueiro ou capelista (pessoa que vendeem loja de capela, ou seja, loja de miudezas). Daí surgiu o nome de “Beco daCapela”. Mais tarde, em 1750, surge o nome de “Beco do Arco do Telles”,devido ao arco levantado de 1743 a 1747 pelo Brigadeiro Alpoim nas casasque pertenciam ao Dr. Francisco Telles Barreto de Meneses, licenciado emCânones, as quais chegavam até a esquina da hoje Rua do Mercado. Noincêndio de 20 de julho de 1790 as casas dos Telles ficaram parcialmentedestruídas. O fogo começou numa loja do térreo pertencente a um comerciantede quinquilharias português apelidado de “O Caga-Negócios”, tendo êstefalecido, bem como uma criança. Porém, o arco não foi atingido. Num dosprédios sinistrados funcionava o Senado da Câmara, cujo arquivo foitotalmente destruído.

A Partir de 1 de setembro de 1863 passou a chamar-se Travessa doComércio, por ficar próxima da Praça do Comércio, edifício que veio a abrigar aAssociação Comercial, tendo depois de 30 de abril de 1926 passado ao Bancodo Brasil e desde 1989 sedia o Centro Cultural banco do Brasil. Residiram nadita Travessa figuras pitorescas. A mais lúgubre foi a da bruxa Bárbara dosPrazeres, apelidada de “Bárbara Onça”, prostituta em sua juventude e feiticeirana velhice, tendo se especializado em poções de rejuvenescimento feito comsangue de crianças, as quais ela recolhia pela rua. Morreu em 1830. Algunsafirmam que isso não é verdade, estando a mesma ainda viva e até apostandona Bolsa de Valores, ali do lado.

Já neste século, nela residiu, no n. 13, a cantora luso-brasileira Maria doCarmo Miranda da Cunha, ”Carmem Miranda” , a “Pequena Notável”.

Dois episódios curiosos nela tiveram palco.

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Em 1893, o Encouraçado Aquidabã disparou um balaço ao PalácioItamaraty durante a Revolta da Armada contra o govêrno do Marechal FlorianoPeixoto. A bala errou o Itamaraty, mas acertou a cúpula da Igreja da Lapa dosMercadores, jogando ao chão, de uma altura de quase trinta metros, a estátuade mármore do topo e que era uma alegoria à religião. À parte uma lasca nodedo, a estátua nada sofreu e hoje está recolhida, bem como a bala, ao interiordo templo, gozando desde então reputação de milagrosa (a bala idem...).

O outro episódio foi o encontro, em dezembro de 1996, pelas obras doRio-Cidade, de um cemitério de escravos defronte ao Arco do Telles, e quedatava de 1613. Foram recolhidas doze ossadas, mas muitas outras continuampor debaixo de nossos pés...

CARMEN MIRANDA - DADOS BIOGRÁFICOSCantora popular, foi a mais famosa sambista do Brasil. Nasceu em

Marco de Canavezes, Portugal, em 1909. Seu verdadeiro nome era Maria doCarmo Miranda da Cunha, tendo chegado ao Brasil, em companhia do pai, comum ano de idade, indo morar numa casa, a “Pensão de Dona Maria”, aindaexistente na Travessa do Comércio, onde o pai trabalhava numa barbearia.Após seu primeiro emprego numa casa de modas como chapeleira, iniciou suacarreira de intérprete ainda adolescente, em 1921. Sua primeira gravação foiuma toada canção “Triste Jandaia”. Em 1930 conquista seu primeiro sucessocom “Taí”, marchinha de Joubert de Carvalho. Em 1931 já mudava-se parauma mansão, em Santa Teresa. Ouvida no Cassino da Urca em 1938 peloempresário americano Lee Schubert, nasceu desse contato sua carreirainternacional, indo no mesmo ano para os Estados Unidos, sem saber falaringlês. Sua estréia neste país se deu na revista “Streets of Paris”, na qualapresentou como verdadeira criação suas famosas baianas. Participou de 18filmes em Hollywood, onde se casou com o produtor David Sebastian. Era aseu tempo uma das artistas mais bem pagas dos Estados Unidos e a maiorcontribuinte individual do Imposto de Renda daquele país. Faleceu de colapsocardíaco em 1955, no auge da carreira, em conseqüência da falta de descansodevido à vida de shows que levava. Seu corpo, transladado para o Brasil, foimotivo de um dos maiores velórios e enterros já ocorridos. Entre os seusmaiores sucessos figuram: “Boneca de Piche”, “No Tabuleiro da Baiana”, “Oque é que a Baiana Tem”, “Cachorro Vira-Lata”, “Adeus Batucada”, CamisaListada “. Sua imagem virou referência” cult “para diversas manifestaçõesartísticas.

RUA DO OUVIDORA mais conhecida rua da cidade, “coração” do comércio carioca, como

todas as primitivas ruas, sofreu uma série de transformações em suadenominação. Assim foi chamada “Desvio para o mar” (1578), “Aleixo Manuel”(fundador do Rio de Janeiro e seu primeiro médico, talvez seu primeiromorador, em 1590), “Brás Luís” (século XVI), “Que-vai-do-mar para o sertão”,“Manuel da Costa”, “Canto de Francisco Monteiro Mendes”, “Canto de Lucas doCouto”, “Canto dos Meirinhos”, “Gadelha” (que era neto de Aleixo Manuel em c.1650), “Barbalho” (por causa do Governador Agostinho Barbalho Bezerra, quenela residiu), “Salvador Correia” (por ter este governador algumas casas nela),“Santa Cruz” ou “Cruz” (devido à igreja da Santa Cruz dos Militares, inauguradaem 1628), “Padre Pedro Homem da Costa Albernaz” (1659), “Sé Nova” (1748),

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“Moreira César” (já na República, em 1897, lembrando o Coronel morto emCanudos), para finalmente ser mantido como rua do Ouvidor (1750), onde serealizava a residência dos Ouvidores, mandados para o Brasil.

Esta residência era mantida pela Câmara, ficava nas proximidades darua da Quitanda. O primeiro Ouvidor a nela morar foi o Dr. Manuel Amaro Penade Mesquita Pinto, que exerceu o cargo de 1746 a 1747. Porém, foi o segundoOuvidor Francisco Berquó da Silva Pereira (1748-1750) que ficou conhecido,dando a nova denominação de rua do Ouvidor.

Até a chegada de D. João, nada a distinguia das demais, com poucascasas e muitos quintais. A partir de 1808, começou a impor-se como centro damoda, devido a comerciantes, cabeleireiros, modistas, doceiros, da comitivareal, que nela se instalaram.

Continuava, entretanto, a ser iluminada por azeite de baleia e comcarros de boi a percorrê-la de ponta a ponta. Em 1829, com o novocalçamento, foi proibido o tráfego livre de carros de boi. Só em 1857, foi-lhedado um calçamento de paralelepípedos, sendo baixada nova proibição detrânsito de viaturas e cavaleiros, a partir das 09:00h da manhã.

Foi, junto com a rua Direita, das primeiras a ter iluminação à gás (1854),e a primeira a ter iluminação elétrica (1891). Desta época em diante, passou aser o “centro da cidade”, com importantes acontecimentos político-literários esociais. Sede dos jornais mais populares. Local dos comícios, manifestaçõespúblicas e do carnaval, com seu concurso de fantasias. O primeiro telefonefabricado no Brasil (1879) e o primeiro cinema (1897), partiram desta rua.

Sobre ela escreveram vários autores: Manuel Antônio de Almeida,Joaquim Maria Machado de Assis, José França Júnior, e Joaquim Manuel deMacedo, que lhe dedicou um livro: “Memórias da rua do Ouvidor”.

IGREJA DE NOSSA SENHORA DA LAPA DOS MERCADORESNo ano de 1743, vários comerciantes e moradores da rua do Ouvidor, no

trecho denominado “da Cruz” (entre a rua do Mercado e Primeiro de Março),ergueram um oratório dedicado à N. Sra. da Lapa dos Mercadores na esquinade uma casa. Em 20 de junho de 1747, os comerciantes dos arredores da ruada Cruz se reuniram para decidir a formação de uma irmandade e aconseqüente edificação de um templo em honra à Nossa Senhora da Lapa.Esta igreja foi chamada “dos Mercadores”.

Emitida a provisão para sua edificação a 04 de novembro de 1747, emdezembro seguinte, foram lançadas as fundações deste gracioso templo deplanta elíptica. Desde 06 de agosto de 1750, já se podia benzer uma parte daigreja que estava pronta para o exercício do culto. De 1753 a 1755, concluíram-se os trabalhos. A decoração interna ficou pronta em 1766.

De 1869 a 1879, a igreja sofreu uma remodelação que eqüivalia a umareconstrução. Nessa ocasião fez-se a entrada por uma galilé de três arcosfechada por grades de ferro e construiu-se a torre sineira central. A capela-mórfoi muito ampliada. Durante as obras, foi encontrado enterrado atrás da igrejaum grande medalhão circular em mármore de Lióz representando a coroaçãoda Virgem. Provavelmente estava destinado à Igreja da Ordem Terceira daPenitência, a qual pertencia o aludido terreno, e que, por algum motivo, não foiaproveitado. Foi então afixado à fachada principal, sobre a janela do coro.Duas esculturas em vulto redondo de santos em mármore de Lióz, feitas em

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Portugal, foram colocadas em nichos da fachada. Uma terceira, representandoa religião, foi posta na torre.

Na decoração interior, muito colorida como era do gosto da classecomercial, as talhas de madeira se confundem com o estuque. Toda a obra detalha foi executada por Antônio de Pádua e Castro e os trabalhos em estuquepor Antônio Alves Meira. Este último era de uma família de estucadores, cujoirmão trabalhou no interior da Candelária. Apesar da data tardia, a decoraçãoda Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores possui um estilo rococó tardiomuito razoável e um conjunto muito gracioso.

Quando estourou a revolta na armada brasileira, em 06 de setembro de1893, um tiro disparado alguns dias depois pelo encouraçado Aquidabã atingiua torre sineira do templo, derrubando a estátua da Religião, que, apesar daqueda de mais de vinte e cinco metros, sofreu poucos danos, sendo o fatoconsiderado milagroso. Tanto a estátua quanto a bala encontram-se hoje nasacristia. Na torre, por sua vez, foi depois instalado o primeiro carrilhão dacidade, anterior ao da Igreja de São José.

ANTÔNIO ARAÚJO DE SOUZA LOBO - DADOS BIOGRÁFICOSPintor, litógrafo e fotógrafo. Nasceu em Campos, Rio de Janeiro, em

1840. Freqüentou, a partir de 1854, a Academia Imperial de Belas Artes do Riode Janeiro, onde ainda estudava em 1865, quando conquistou a grandemedalha de ouro. Em 1867, fundou, juntamente com seu irmão, o pintor CarlosAlberico de Souza Lobo, no Rio de Janeiro, uma empresa dedicada à execuçãode retratos e paisagens e à restauração de obras de arte, que funcionou pelomenos até 1890. Recebeu, em 1874, a condecoração de cavalheiro da ImperialOrdem da Rosa. Trabalhou principalmente no campo da pintura de retratos,entre os quais cabe destacar os do Imperador D. Pedro II, atualmente noacervo do Museu Nacional de Belas Artes; do Visconde do Rio Branco, noMuseu Imperial de Petrópolis; Paisagem, datada de 1886, igualmente noMuseu Imperial; e um retrato do Marechal Floriano Peixoto, encomendado pelamunicipalidade de Florianópolis. Executou quatro painéis sobre a vida daVirgem Maria para a Igreja de Nossa Senhora da Lapa dos Mercadores, na ruado Ouvidor, feitos quando da grande reforma sofrida por este templo em 1869-82. Dedicou-se também, na parte final de sua vida, à litografia e fotografia.

Morreu no Rio de Janeiro em 1909.

A PRIMEIRA “BALA PERDIDA”Nos últimos anos, a mídia tem cedido espaço para noticiar com

freqüência as pessoas, em grande maioria inocentes, que são feridas oumortas em conseqüência de balas perdidas.

Termo que se generalizou, as balas perdidas são como ficaramconhecidos os petardos disparados em guerras urbanas ou não, normalmenteenvolvendo traficantes e policiais. Como sempre acontece, pessoas que nadatem a ver com o caso acabam sendo atingidas e, claro, nenhum dos dois ladosassume a responsabilidade de ter dado o tal tiro, ficando o incidente em geralimpune. Com a degradação da autoridade pública no Rio de Janeiro, fenômenoocorrido nos últimos vinte anos, o número de vítimas inocentes só temaumentado, contribuindo para a insegurança geral em que vivemos e oenlutamento das famílias das vítimas.

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Entretanto, séculos antes de Brizola, Benedita, Garotinho e Rosinha, oRio de Janeiro já sofria de problema semelhante, se bem que, é forçoso dizer,em escala muito menor que nos dias atuais.

No século XVI, o problema eram as flechas perdidas. Com efeito,quando Estácio de Sá fundou a cidade no morro Cara-de-Cão em 1565 omalefício já existia, tendo os moradores que colocar telhas de barro em suascasas para evitar as flechas dos índios Tamoios. Mandaram vir telhas de SãoVicente, mas logo se começou a produzi-las aqui pelas mãos do oleiroportuguês Duarte Martins Mourão. Esse homem ganhou muito dinheiro e no fimda vida arrendou para si uma lagoa, justamente onde hoje é o Largo daCarioca, para ali melhor produzir suas preciosas telhas.

Isso não impediu que nosso primeiro governador e fundador da cidadedo Rio de Janeiro, Estácio de Sá, morresse em conseqüência de uma flechadano rosto, fato ocorrido durante a Batalha das Canoas, na Glória, em 20 dejaneiro de 1567. Anos depois, em 1586, o vereador Antônio de Mariz Coutinhomorreu em conseqüência de uma flechada às margens da Lagoa do Boqueirão,onde hoje está o Passeio Público.

Com a evolução das armas de fogo, vulgarizadas aqui à partir do séculoXVII, o problema só piorou, mas, como tais armas eram ainda muitoimperfeitas, por algum tempo os cariocas não as temeram. Entretanto, um fatoocorrido em fins do século XIX marcou a história de nossa cidade e repercutiuno seio da população por muitos anos.

A 6 de setembro de 1893 estourou em nossa marinha de guerra umarevolta contra o Presidente Floriano Peixoto, rebelião que usava como pretextonão só um alegado descumprimento de nossa constituição, como igualmenteinteresses de uma restauração monárquica em nosso país. A Marinha do Brasilera, à época, uma das maiores do mundo e nossos navios bastante poderosos.

Uma vez revoltados pelo Almirante Custódio José de Mello, ficou muitodifícil a situação do governo, que já enfrentava uma revolução no sul do país.Floriano Peixoto reagiu com prontidão e mandou armar com canhões ascolinas e a orla da cidade, mas essa medida defensiva por sua vez tambémexpôs a população inocente aos tiros da armada rebelada.

Alguns dias após o início da quartelada, o Almirante Mello intentouarrebanhar para sua frota o maior rebocador da esquadra, o Audaz, que estavaainda em mãos do governo e tentadoramente ancorado em frente da esquadrarevoltada, nas docas da Alfândega, onde hoje existe o edifício da CONAB.Mello mandou uma guarnição se apoderar do navio, mas os marinheiroslegalistas do Audaz reagiram vigorosamente, sendo apoiados por canhõespostados na Praça XV de Novembro. Em represália, Mello ordenou que oencouraçado Aquidabã, a maior unidade revoltada, disparasse em respostacom o fito de dar cobertura aos atacantes. Pois bem, uma das balas doAquidabã passou longe do Audaz, atingindo a torre sineira da Igreja da Lapados Mercadores, na esquina de Rua do Ouvidor com a Travessa do Mercado.A bala derrubou do alto da torre uma grande estátua de mármore português deLióz, e que representava a Religião, na figura de uma bela jovem que seguravacom a mão direita uma Cruz e a Bíblia. A estátua caiu de uma altura de 25 m e,mesmo assim, sofreu danos apenas num dos dedos e na base.

A bala, por sua vez, prosseguiu sua trajetória destrutiva, indo se cravarno terceiro andar do prédio no. 22 da Rua Primeiro de Março, onde, na época,funcionava a maior relojoaria da Cidade, a Casa Norris, a qual, curiosamente,

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era fornecedora dos cronômetros dos navios da esquadra. O tiro destruiu oobservatório astronômico da loja, causando perda total dos equipamentos. Ofato de uma bala tão poderosa não ter destruído uma imagem sacra demármore repercutiu na imprensa, sendo considerado tal fato um milagre. Apóso término da revolta em fevereiro de 1894, com a derrota de Custódio de Mello,a torre da igreja foi reconstruída pelo arquiteto Antônio Januzzi, sendo aestátua não mais ali recolocada e sim guardada na sacristia do templo, ondecomeçou uma poderosa adoração que se perpetua aos dias atuais.

A Casa Norris, por sua vez, amargou um prejuízo enorme, mas isso nãoa impediu de doar a dita bala à igreja da Lapa dos Mercadores, cuja Irmandadea tratou como relíquia, erguendo para ela um nicho na sacristia, ao lado dafamosa estátua, onde ambas ficam expostas à curiosidade pública até hoje.Por vezes, tenho presenciado a pessoas devotas fazerem suas orações não sópara a dita estátua, como até para a bala, como se ela fosse um santomoderno!

Hoje, 110 anos depois, a Casa Norris não existe mais, estando em seulugar o Restaurante Grill 22, mas tanto a estátua de mármore quanto a balaainda continuam a chamar a atenção dos fiéis na sacristia da Igreja da Lapa,como a marcar uma época de tranqüilidade que se encerrava, prenunciandoum século onde a violência seria um recurso banal e cada vez mais utilizado.

MOLIÉRE NO “GERAES”Quando, em 1664, o teatrólogo francês Moliére escreveu a comédia “Le

Mariage Forcé” (O Casamento Forçado), não lhe podia ter passado pelacabeça que, cento e vinte e oito anos depois, num país remoto, de existênciapolítica ainda duvidosa, viesse a sua comédia servir de afronta ao povobrasileiro no dia da morte de Tiradentes.

Na noite de sábado, 21 de abril de 1792, subiu a cena a peça clássicade Moliére no Rio de Janeiro, num terreno baldio, defronte à igreja de NossaSenhora da Lapa dos Mercadores, na rua do Ouvidor, exatamente aonde hojeexistem o prédio da Irmandade da Santa Cruz dos Militares e o sobradão ondeestá o Restaurante Geraes.

O Vice Rei do Brasil, Conde de Resende, querendo marcar a data doenforcamento de Tiradentes duma forma original, contratou a equipe de teatroda única ópera em funcionamento no Rio, a de “Manuel Luís”, e que funcionavadesde 1757 num casarão ao lado do Paço, onde hoje estão os fundos doPalácio Tiradentes.

O elenco foi composto dos artistas “Lapinha”, “Marucas”, o José Inácioda Costa, com o apelido pouco lisonjeiro de “Capacho”, e o “Ladislau”, ocômico querido e festejado pela platéia. Dirigiu o espetáculo o teatrólogo InácioNascentes Pinto.

Pouco depois do enforcamento de Tiradentes, ocorrido no Campo deSão Domingos, onde hoje é a esquina de Avenida Passos com Rua BuenosAires, o Vice Rei, sua família e autoridades pajeadas por grande massapopular, se dirigiram para a Igreja do Carmo, onde ocorreria um Te-Deum pelomalogro da Conjuração Mineira. Enquanto isso, na Rua do Ouvidor, onde,defronte à igreja citada da Lapa, estava sendo montado um tablado alto feitocom tábuas e sarrafos oferecidos pelos madeireiros da travessa do Paço dosGovernadores. Estavam postas palmas e bandeiras por toda a extensão daárea baldia. O palco estava enfeitado com cortinas de seda adamascada e

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sanefas de cetim-Macau oferecidas pelos marejantes das Índias, aquiestacionados, em despejo de suas embarcações.

À tarde, enquanto o Vice Rei ainda estava na Igreja do Carmo, saiu àrua o bando anunciador do espetáculo da noite. Eram três as principais figurasdo entremez, o “Gracioso” e dois “Barbas”, o primeiro vestido de arlequim e ossegundos enfronhados em negro camisolão, burlescamente sarapintados,tendo ambos na cabeça um longo chapéu afunilado.

À noite abriu-se o palco aos olhos da multidão. Moliére foi certamente“assassinado” como, ao meio dia, caíra assassinado na fôrca o pobreTiradentes. Também não sabemos se o povo riu das patuscadas de Ladislau,ou se sorriu por medo da reação do Vice Rei.

Em 1808, esse terreno livre foi ocupado por uma linha de sobradoscoloniais que iam desde a Rua do Mercado à travessa do Comércio. Eramcasarões erguidos por força do grande incremento das atividades comerciaisdevido à abertura dos portos brasileiros às nações amigas, ato assinado por D.João em 28 de janeiro daquele mesmo ano.

No pavimento térreo, funcionavam lojas diversas. Num mezaninoexistiam os depósitos, e as famílias dos comerciantes residiam no andasuperior. Estes velhos sobrados viram a Independência do Brasil, as peralticesde D. Pedro I na rua do Ouvidor, a Regência, todo o segundo Império, aProclamação da República, a passagem para o século XX, e as reformasurbanas operadas em 1903/5 pelo Prefeito Pereira Passos. Demolidos naprimeira década do século XX, em seu lugar surgiram vários sobrados novos,em rebuscado estilo eclético, acompanhando a moda no Rio de Janeiro. Numdeles, o de esquina com a travessa do Comércio, justamente no local onde foiencenada a peça de Moliére, está já, há alguns anos, o Restaurante Geraes,cujo nome lembra, de forma muito feliz, o berço de Tiradentes.

HISTÓRICO DO PRÉDIO DA “RIO PRAÇA XV LOGÍSTICA LTDA” – RUA DOOUVIDOR 18 – CENTRO

A história da antiga praia entre a rua de Aleixo Manuel (Ouvidor) e aesquina de rua de André Dias Homem (Rosário) é bem conhecida, apesar dealgumas lacunas subsistirem até hoje.

Em tempos idos, no que é hoje a esquina de Rua Primeiro de Marçocom a do Ouvidor, existiu um forte, denominado “da Santa Cruz”, construídoem 1605/8 por Martim de Sá. Recuando o mar e tornando-se imprestável opequeno baluarte, ele foi doado em 1623 à Irmandade de São PedroGonçalves, festejado patrono dos negociantes e mercadores do tempo,constituída por militares, que em seu lugar ergueram uma capela dedicada àSanta Cruz, levantada pelos soldados em suas horas de folga e patrocinadacom sobras de seus minguados soldos. Em 1628 foi a capelinha inaugurada,sendo muito pobres seu feitio e decoração.

A Irmandade requereu à Câmara de Vereadores que lhes dessem odomínio das terras que o mar ia deixando atrás do pequeno templo, tendoobtido na ocasião a permissão de posse. Entretanto, em fins do século XVII, aCâmara voltou atrás e não só cancelou a posse dos terrenos, como os colocouem praça pública o que de direito já pertencia à Irmandade por mais decinqüenta anos.

Para melhor garantia de seus direitos, a Irmandade fez um pedidodiretamente ao Governador do Rio de Janeiro, Francisco Xavier de Távora, o

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qual, na ocasião, era também o juiz da própria Irmandade, e deste obtiverampela carta de sesmaria de 16 de fevereiro de 1716 a propriedade de todos osterrenos de marinha, podendo fazer casas para maior rendimento da fábrica,do culto e do cemitério que se intentava fundar. Foi imposta apenas umacondição: todas as vezes que a Fazenda Real necessitasse dos ditos chãospara neles fazer alguma obra de defesa, a Irmandade consentiria nisso sempedir indenização qualquer pela benfeitoria dos prédios demolidos.

A Câmara protestou, pois existia uma carta régia datada de 23 defevereiro de 1713, que vedava aos governadores do Rio de Janeiro darsesmarias dentro da cidade, por pertencer esse direito a Câmara, competindosomente aos mesmos governadores conceder as dos sertões. Levada aquestão ao Rei D. João V, a metrópole ratificou em 03 de outubro de 1722 adecisão de Távora, não como forma de sesmaria, mas a título de esmola comtodas as cláusulas do documento de 1716.

Firmada em tão generosa doação, foi a mesma mandada cumprir em 09de setembro de 1723 pelo Governador Ayres de Saldanha e Albuquerque.Somente assim pôde a Irmandade da Santa Cruz, associada à de São PedroGonçalves e depois só, construir prédios em todo o lado da Rua do Ouvidor atéa Praça das Marinhas (Rua do Mercado). Mais folgada de rendimentos, pôdeas duas irmandades levantar mais tarde novo templo (a atual Igreja da SantaCruz dos Militares), cuja construção foi iniciada em 1777 e completada em1811/2. Na sessão de 20 de janeiro de 1780, a Irmandade da Santa Cruztomou para si a tarefa do erguimento do novo templo, pois a Irmandade de SãoPedro Gonçalves não mais dispunha de numerário suficiente. À guisa decompensação, os Irmãos de São Pedro resolveram ceder e dar a parte quetinham em comum nos prédios da Rua do Ouvidor, ficando portanto, a partirdesta data, a Irmandade da Santa Cruz como única proprietária dos imóveis.

Pela confirmação de 1722, tudo quanto o mar fosse deixado na mesmatestada era do domínio da Irmandade. Assim sendo, entre 1723 e 1750mandou a Irmandade levantar naqueles chãos um grande sobrado com térreo,jirau e andar, o qual ia do beco da Lapa dos Mercadores (atual Travessa doComércio), até o início da Rua do Ouvidor, continuando pela Rua do Mercadoaté quase a do Rosário. Esse imenso sobrado, um dos maiores do centroantigo, era alugado pela Irmandade a vários comerciantes de secos emolhados que ali mantinham seus negócios e residência.

O mapa do Rio de Janeiro elaborado em 1750 pelo engenheiro militarAndré Vaz Figueira para o Governador Gomes Freire de Andrade, Conde deBobadela já definia o contorno da Rua do Mercado como chegou aos nossosdias. Um grande desenho em perspectiva, realizado em 1760 pelo engenheiromilitar Miguel Ângelo Blasco para o mesmo Conde de Bobadela já mostrava ogrande sobrado erguido na Rua do Mercado, bem ao lado do Trapiche daCidade, na Rua do Rosário. Outro desenho, este feito em 1775 por Luís dosSantos Vilhena, confirma os dois documentos anteriores. Em 1792, depois demais um conflito com a Câmara, que não se conformara com os privilégiosobtidos pela Irmandade, esta obteve com o Vice Rei D. José Luís de Castro,Conde de Rezende, uma nova confirmação da carta de 1716.

O artista austríaco Thomas Ender, que veio ao Brasil em 1817 com acomitiva da Imperatriz Leopoldina, deixou uma linda aquarela do casarão, oqual contava, do lado da Rua do Mercado, ao menos doze portas e igualnúmero de janelas nos dois pavimentos superiores. É também de 1817 a

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primeira listagem de ocupantes do casarão, com suas respectivas atividades.Em continuação da zona pertencente à Irmandade, hoje lado par da Rua doMercado, até a do Rosário, tinham quatro braças (8,80m, ou quatro portas ejanelas): Monsenhor Pedro Machado de Miranda Malheiros, com armazém desecos e molhados; também com quatro braças, seguia-lhe José AntônioBarreto, varredor da Casa Real, com tanoaria e depósito de lenha; e, porúltimo, com três braças (6,60m, ou três portas e janelas), o estrangeiroAlexandre Azupard, com açougue e depósito de lenha.

Defronte ao dito sobrado existiam uns telheiros erguidos à partir de 1790pela Irmandade para guarda de materiais para a obra da nova igreja da SantaCruz. Entretanto, em 1817 o Intendente Geral de Polícia Paulo FernandesVianna se apossou deles e os aforou a terceiros, no que só fez iniciar um longopleito judicial com a Irmandade, a qual saiu vitoriosa, retomando seusdisputados telheiros a 22 de outubro de 1821. Treze anos depois, aMunicipalidade mandou indenizar a Irmandade e botou abaixo os ditostelheiros, erguendo em seu lugar uma praça de mercado, a primeira projetadacomo tal no Rio de Janeiro, desenhada pelo arquiteto da Missão ArtísticaFrancesa, Grandjean de Montigny. Esse mesmo arquiteto, naquela ocasião,projetou o novo edifício da Segunda Praça do Comércio, um grande casarão naesquina da Rua Direita (hoje Primeiro de Março) com a do Rosário. Esses doisprédios, mais o da já existente alfândega do Rio de Janeiro, fundada no séculoXVII e que ocupava todo um quarteirão, da Rua do Hospício (Buenos Aires) atéRosário, transformou todo o trecho direito do Largo do Paço (atual Praça XV deNovembro), no grande pólo atacadista da cidade.

Como conseqüência do crescimento econômico do Rio de Janeiro emfins do século XIX, resolveu a Irmandade da Santa Cruz dos Militares colocarabaixo o velho casarão e outras propriedades e em seu lugar erguer váriascasas menores. Isso foi feito em partes. Em 1874, o prédio ainda aparece, masjá reformado, com o jirau convertido em andar e agora reduzido apenas a noveportas no térreo e igual número de janelas nos dois pavimentos superiores. AIrmandade mandou reforma-los novamente entre 1894 e 98, sendo que, nocaso da fachada da Rua do Mercado, aproveitaram-se algumas das sólidasparedes externas, todas construídas em pedra, cal e óleo de baleia, colocando-se nelas uma decoração eclética, tão ao gosto da época.

Uma descrição vívida do comércio desse pequeno trecho da Rua doOuvidor, entre as ruas Primeiro de Março e Mercado, nos é dado por LuísEdmundo, cronista do Rio antigo, que a descreve em 1901: ...”Ao invés devitrines ou de lojas, mesmo de aparência regular, o que se vê é o armazém malarranjado e sujo, com as réstias de cebola dependuradas pelos tetos, mantasde carne seca enodoando portais, o toucinho de fumeiro, à mostra o bacalhauda Noruega, o polvo seco em falripas, crucificado em ganchos, e, em meio atodo esse mostruário de comestíveis, a clássica, a eterna, a infalível ruma detamancos!”

“Desagradável e imundo esse trecho onde abunda o homem deindumentária reles, sobrancelhas carregadas, a berrar, no meio da rua, comonum campo, em plena praia ou num deserto:”

“-Ó estupoire, mande-me daí o António, que el tem de lebar o raio docesto das compras à Saúde!”

“E o Antônio responde, também, aos berros. O vendilhão retruca. Entrano diálogo o homem do burro-sem-rabo, espécie de Centauro da viação

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urbana, que chega banhado em suor a maldizer o sol, atrelado aos varais doseu carrinho. Isso quando em meio a esse linguajar áspero, onde aobscenidade de permeio resvala, não irrompe o brado do italiano do peixe, decesto ao ombro, vendendo a tainha, o badejo, o peixe-galo e o bagre, ou oassobio do moleque que vende puxa-puxa e bate com o pauzinho em umacaixa de folha, ou, ainda, o grito tornitroante do carroceiro apressado,mandando o transeunte trepar para a calçada, porque ele quer passar com acarroça:”

“-Olhe, aí, este caminho, ó sua besta!”“Há de se concordar que a elegância da Rua do Ouvidor, nesse trecho, é

um tanto precária. E cheira em demasia ao pouco amável tempo da Colônia.Os palavrões à parte.”

“Imundo quarteirão!” -Sentenciava Edmundo.Em 1911, após um incêndio, o Prefeito Bento Ribeiro mandou demolir o

velho mercado da Praça XV, transferindo todo o comércio de grosso para onovo mercado de ferro no Largo de Moura, inaugurado em 1907 com dezesseisruas e mais de duzentas lojas, e do qual, hoje, só nos resta um torre ondefunciona o Restaurante Albamar. Em 1924 o terreno do mercado foi permutadocom a Bolsa de Valores, a qual, dez anos depois, mandou erguer sua novasede. Com isso, diminuiu muito as atividades do comércio atacadista nasredondezas, atraindo comércio e serviços de maior categoria.

O século XX foi, para o casarão da Rua do Ouvidor, canto da doMercado, uma sucessão de múltiplos usos, desde armazém de secos emolhados até sede de uma instituição bancária. Pela sua vetustez, o grandesobrado serviu de pano de fundo a algumas cenas de produçõescinematográficas e televisivas. Assim sendo, podemos vê-lo em algumas tomasdos filmes históricos “Mauá, o Imperador e o Rei”; “Policarpo Quaresma, oHerói do Brasil”; “O Xangô de Baker Street” e a minissérie da Rede Globo “OQuinto dos Infernos” Depois de anos de uma longa decadência, foi o prédioocupado em fins do milênio pela Rio Praça XV Logística Ltda., a qual, depoisde uma reforma, ocupou o casarão com serviços de carga e correspondênciaexpressa da VARIG, mantendo naquele lugar uma tradição de mais deduzentos e oitenta anos no abrigo, transporte e expedição de cargas na cidadedo Rio de Janeiro.

O PRIMEIRO GOLPE DA GRAVIDEZ NO RIONos últimos anos, a imprensa em geral tem dado grande destaque a

uma série de escândalos particulares de diversas personalidades no Brasil e nomundo. Um desses descalabros prediletos pela mídia é o chamado “golpe dagravidez”, que é praticado basicamente por belas jovens de amplos dotesfísicos, mas de estreita moral, e que procuram dormir com atores, artistas,desportistas, enfim, qualquer figura endinheirada, com o fito dela engravidar ecobrar na justiça milionárias pensões para seus rebentos, claro, tudodevidamente amparado cientificamente pelo moderno teste de DNA.

Essas mães, mais preocupadas com o dinheiro que vão embolsar,nunca pensam no que pode passar pela cabeça de seus espúrios filhos quandocrescerem, até porque nem lhes interessam esse pormenor. O que importa édar uma “facada” nas finanças do incauto, que passa a pagar pensão não paraos inocentes bebês, mas para sustentar o luxo das impudentas mães.

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Pois bem, poucos sabem que o estratagema remonta, no caso brasileiro,a 1828; e o incauto, nesse caso, foi o Imperador D. Pedro I.

Pudera, nosso primeiro monarca foi um grande conquistador decorações e exímio fazedor de filhos, bastando dizer que, em quinze anos devida sexual ativa, D. Pedro I foi pai de 28 filhos, dez em seus dois matrimôniose dezoito fora dele. Até a quituteira negra do Palácio de São Cristóvão teve ahonra de uma gravidez real, como também uma freira, na Ilha Terceira!

Entretanto, o caso mais rumoroso e caro foi, sem dúvidas o de Da.Clemência Saisset.

Em 1828, a rua mais importante do Rio de Janeiro era a do Ouvidor,local onde existiam as casa comerciais mais refinadas da cidade, em geral depropriedade de franceses. D. Pedro I, quando vinha de São Cristóvão para oPaço da Cidade, na atual Praça XV, passava com sua carruagem por ela e,com certeza, observava o animado comércio e, principalmente, as modistasfrancesas ali estabelecidas, com as quais não poucas vezes teve casosamorosos. Ultimamente, sua atenção estava voltada para a casa no. 98,defronte à Rua Nova do Ouvidor (atual Travessa do Ouvidor) um finoestabelecimento de modas e papéis pintados de Bernardo Wallenstein &Companhia. Mas sua atenção não era dirigida às roupas ou papéis de paredeali exibidos, nem era a figura do solteirão Bernardo ou de seu sócio, PierreJoseph Félix Saisset, mas sim à bela figura da esposa do segundo, Da.Clemência Saisset, née Mëes, modista e bela mulher de vinte e cinco anos e jámãe de dois filhos, o último deles nascido em março daquele ano.

D. Pedro I percebeu que a jovem lhe correspondia e concebeuengenhoso plano para conquista-la. Contratou Pierre Félix para colocar papéisde parede em todo o Paço de São Cristóvão. Enquanto o marido colocava ospapéis nos salões imperiais, D. Pedro colocava-lhe chifres!

De certa feita, Pierre Félix retornou mais cedo para casa e veio aencontrar D. Pedro I totalmente despido em sua cama!

A esposa o convenceu que nosso imperador havia sofrido uma queda deum cavalo defronte à casa, e Da. Clemência, fazendo jus ao nome, o recolherae despira (tudo no maior respeito, é claro...) para aplicar uma massagem desocorro. O marido fingiu acreditar, pois logo percebeu o quanto poderia lucrarcom a situação. D. Pedro inclusive o autorizou posteriormente a colocar umaplaca na fachada da casa, indicando o negócio de papéis pintados ser“Fornecedor da Casa Imperial”, motivo de muita gozação entre os vizinhos.

Em novembro, Da. Clemência engravidou de D. Pedro e, para oescândalo não aumentar, no dia 30 de dezembro de 1828 o casal Saissetpartia para a Europa, não sem antes ter todo seu negócio indenizado a peso deouro pelo Imperador, recebendo Da. Clemência, dentre muitos presentes edádivas, um saque de setenta e cinco mil francos e um título de pensãovitalícia. De quebra, D. Pedro ainda prometeu pagar a educação do pimpolhocom mesada régia, às custas dos contribuintes.

Em Paris, às seis horas da tarde do dia 23 de agosto de 1829, à ruaBergère, no. 17 bis; nasceu um menino, que passou a chamar-se Pedro deAlcântara Brasileiro, oficialmente filho de Pierre Saisset, antigo oficial decavalaria francesa, de 32 anos; e de Da. Clemência Saisset. Durante agravidez da esposa, tanto o Sr. Pierre, bem como Da. Clemência endereçarammuitas cartas ao Imperador e a seus procuradores, todas tratando de dinheiro,é claro. Os Saisset depois se mudaram para a Avenida de Sceaux, no. 2, em

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Versailles, onde granjearam fama na sociedade local, tendo o casal feito largapropaganda do filho tido com o Imperador do Brasil, fato que o próprio Sr.Saisset alardeava como de grande mérito. Costumava Da. Clemência exibiraos amigos e visitantes os presentes oferecidos à ela pelo Imperador do Brasil,em especial um papagaio falante, bem como toda a correspondência amorosade ambos.

Entretanto, a renúncia do Imperador ao trono do Brasil, ocorrida a 07 deabril de 1831, bem como a morte precoce de D. Pedro, em Lisboa, a 26 desetembro de 1834 interromperam a remessa de dinheiro ao casal, fato que nãopassou sem poucos protestos. Após alguns anos, a Imperatriz viúva, Da. MariaAmélia, concedeu uma pequena pensão à criança, por alguns anos.

Pedro de Alcântara Brasileiro foi educado num dos melhores colégios deParis, o liceu “Louis le Grand”, e se bacharelou em letras. Casou-se e foi pai deduas meninas, indo afinal residir em San José de Guadalupe, São Francisco,Califórnia. Em outubro de 1864 recebeu a notícia do falecimento da mãe, mortaaos 61 anos. Só então, por meio do advogado da família, recebeu uma pastade documentos e veio a saber que era filho do ex-Imperador do Brasil.

Pedro de Alcântara enviou então uma missiva ao seu meio-irmãobrasileiro, nada mais nada menos que o Imperador D. Pedro II, pedindo umaajuda de custo para a educação de seus dois filhos, haja vista que sua mãe, afinada Da. Clemência, havia torrado toda a fortuna da família em luxos esuperfluidades. O Imperador não retornou a correspondência e o assuntomorreu. Alguns anos depois, em 26 de agosto de 1877, quando D. Pedro IIesteve em Londres, um dos filhos de Pedro de Alcântara, o Capitão de FragataErnest de Saisset tentou se encontrar com o Imperador, sem sucesso.

E tudo ficou assim.

IGREJA DA SANTA CRUZ DOS MILITARES - RUA PRIMEIRO DE MARÇOA Irmandade dos soldados da guarnição do Rio de Janeiro foi fundada

em 1611 e, em 1623, estabeleceu sua capela no forte desocupado de SantaCruz, fundado em 1585, da qual recebeu o nome. A capela da Vera Cruz, apartir de 1628, também serviu de local de reunião para os comerciantes enavegantes que festejavam São Pedro Gonçalves. A primitiva capela de SantaCruz, foi construída pelos militares em suas horas de folga. As obras duraramcinco anos. Era tão sólida que serviu de catedral duas vezes, De 1703 a 1704 ede 1734 a 1737, pois a velha sé no morro do Castelo estava em precáriascondições.

Durante a invasão francesa ao Rio que ocorreu em 1710, comandadapelo corsário Jean François Duclerc, foi a capela de Santa Cruz atacada pelofamoso corsário. Próximo dela ele se rendeu. Foi saqueada ano seguinte pelastropas de Duguay Trouin durante o segundo ataque francês, mas não foidestruída. Desde algum tempo tencionava a Irmandade em erguer novotemplo. Em 1777 fez a planta o Brigadeiro José Custódio de Sá e Faria, tendosido lançada a pedra fundamental em 1o. de setembro de 1780, durando aconstrução um total de 22 anos. Foi seu construtor Mestre Antônio de AzevedoSantos, que levantou o grosso da obra entre 1794 e 1800. A talha foi feita entre1805/12.

A nova fachada do templo foi inaugurada em 1811 por D. João. A torreseria inaugurada ano seguinte, com os sinos. Quando pronta, Santa Cruz era amelhor expressão da arquitetura barroca jesuítica no Rio de Janeiro. Trabalhou

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na obra de talha Mestre Valentim da Fonseca e Silva (1745 - 1813), artistagenial que esculpiu a capela mór, arco cruzeiro e parte da nave. Continuou otrabalho Mestre Antônio de Pádua e Castro (1804 - 1881), que a concluiu em1853. Ainda no século passado era o conjunto muito elogiado pelos visitantes.

Nos nichos da fachada, foram colocadas as estátuas de São Mateus eSão João Evangelista, esculpidas por Mestre Valentim. Hoje encontram-seambas no Museu Histórico Nacional. As grades foram postas em 1830 eretiradas em 1903.

A igreja contou sempre com bons protetores. O Governador Martim deSá em 1623, D. João em 1811, D. Pedro I em 1828, o qual deu o título deImperial à Irmandade e D. Pedro II em 1840. Como provedores, destacamos oDuque de Caxias, em 1870, e o Conde D`Eu, Ministro da Guerra de D. Pedro II.

Em 1869, a pedido da tropa que combateu na Guerra do Paraguai, 10bandeiras tomadas ao inimigo na Batalha de Avaí, no dia 11 de dezembro de1868, foram entregues à Irmandade para ficarem depositadas na Igreja.

Em seu interior foi rezada a missa de corpo presente em sufrágio daalma do Irmão Senhor Conde D`Eu, falecido a bordo do “Massilia” em 31 deagosto de 1923. Pouco tempo depois um incêndio quase destruiu o templo, quea custo foi salvo, sendo feita criteriosa restauração. Já no século XX, continuoua Igreja da Santa Cruz dos Militares a despertar respeito pela sua preservação,haja vista a riqueza artística de seu conjunto. Tombada pelo IPHAN em 1938,instalou-se na Irmandade a Sede do Secretariado do Ano Santo em 1955.

De 1623 a 2000 são quase quatrocentos anos de participação daIrmandade na história do Rio de Janeiro.

JOSÉ CUSTÓDIO DE SÁ E FARIA - DADOS BIOGRÁFICOSEngenheiro militar e arquiteto. Nasceu em Portugal em c. 1720. Chegou

ao Brasil no pôsto de Sargento-Mór de Infantaria, com exercício de Engenheiro,integrando a “Expedição Científico-Militar da América Portuguesa”, destinada aproceder a demarcação da fronteira sul. Em 21 de setembro de 1753, com esteobjetivo, chegou à cidade de Assunção na qualidade de comissário da terceirapartida encarregada dos limites entre os rios Igurei e Jauru. A 24 de fevereirode 1764, foi nomeado governador da Capitania do Rio Grande do Sul, tomandoposse a 16 de junho seguinte. Foi promovido a Coronel em 18 de março de1767 e, em 1775, empregado em trabalhos de fortificações na Ilha de SantaCatarina. Quando estava no Rio de Janeiro, em 1767, projetou uma muralhapara o Rio de Janeiro e a planta da nova Igreja da Santa Cruz dos Militares, emestilo barroco jesuítico. Aliás, Sá e Faria foi 28o. Juiz da Irmandade da SantaCruz dos Militares. Em 1777, com a invasão espanhola à Ilha de SantaCatarina, passou para o lado dos espanhóis, com eles passando o resto de suavida. Projetou então a Catedral de Montevidéu e o Convento de São Francisco,em Buenos Aires. Fez também um projeto de catedral para esta cidade, nãoexecutado.

Faleceu em fins do século XVIII, em Buenos Aires.

Milton de Mendonça Teixeira.

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