PRÁTICAS DE LETRAMENTO NO ENSINO...

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PRÁTICAS DE LETRAMENTO NO ENSINO FUNDAMENTAL II: O CONTEXTO DA EJA SESC DE CASA AMARELA SIDNEY ALEXANDRE DA COSTA ALVES (UFPE). Resumo Este trabalho resulta de um artigo escrito como exigência à conclusão de estágio na área pedagógica (EJA) do SESC em 2008. Durante este ano letivo, realizei trabalho de leitura e produção textual, com o objetivo de expandir a capacidade de letramento dos alunos da terceira fase do ensino fundamental II, na Unidade Executiva do SESC Casa Amarela. Inicialmente, os citados alunos possuiam dificuldade de produção textual,caracterizada pelo conhecimento de poucos gêneros e prática de escrita restrita à produção em apenas estes gêneros e com muita precariedade. A partir do desenvolvimento e realização de atividades, com ênfase na leitura de textos, em diversos gêneros e tipologias, os alunos puderam entrar em contato com várias formas textuais, analisar suas características, estilos e intencionalidades. Com tal análise, puderam ampliar sua capacidade de produção e compreensão textual, que se refletiu na melhora em outras disciplinas do currículo. Ao mesmo tempo em que as atividades foram desenvolvidas, revelou–se algumas curiosidades referentes à didática realizada pelo professor da disciplina de língua portuguesa desta turma de Fundamental II, a qual se restringia à atividades mais sistemáticas, com ênfase na normatividade gramatical. Ao mesmo tempo em que estes fatos vieram à tona, a coordenação, durante os planejamentos coletivos, sugeriu mudança na abordagem da disciplina de língua portuguesa, cujo objetivo passou a ser o letramento ligado à sistematica linguística. Os resultados com maiores detalhes poderá ser conhecido com a leitura do texto integral. Palavras-chave: letramento, leitura, escrita. INTRODUÇÃO A indagação sobre porque alunos do ensino fundamental apresentam limitada capacidade de inserção em práticas sociais de escrita foi o principal motivo para que esta pesquisa se voltasse à área da linguagem. Todos os anos, instrumentos de avaliação nacionais e internacionais (SAEB, PISA, 2005) sobre o desempenho dos alunos nas escolas apresentam seus diversos resultados, entre eles os referentes às capacidades de leitura e produção textual. Nesta área, os alunos do ensino básico brasileiro apresentam todos os anos deficiências, pois demonstram possuir dificuldade em compreender e construir frases simples ou textos curtos. A proposta deste trabalho é analisar práticas de letramento realizadas no Ensino Fundamental II, através de um projeto de intervenção na disciplina de língua portuguesa, e quais as competências que as mesmas proporcionam para o desenvolvimento da capacidade discursiva dos alunos. METODOLOGIA

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PRÁTICAS DE LETRAMENTO NO ENSINO FUNDAMENTAL II: O CONTEXTO DA EJA SESC DE CASA AMARELA SIDNEY ALEXANDRE DA COSTA ALVES (UFPE). Resumo Este trabalho resulta de um artigo escrito como exigência à conclusão de estágio na área pedagógica (EJA) do SESC em 2008. Durante este ano letivo, realizei trabalho de leitura e produção textual, com o objetivo de expandir a capacidade de letramento dos alunos da terceira fase do ensino fundamental II, na Unidade Executiva do SESC Casa Amarela. Inicialmente, os citados alunos possuiam dificuldade de produção textual,caracterizada pelo conhecimento de poucos gêneros e prática de escrita restrita à produção em apenas estes gêneros e com muita precariedade. A partir do desenvolvimento e realização de atividades, com ênfase na leitura de textos, em diversos gêneros e tipologias, os alunos puderam entrar em contato com várias formas textuais, analisar suas características, estilos e intencionalidades. Com tal análise, puderam ampliar sua capacidade de produção e compreensão textual, que se refletiu na melhora em outras disciplinas do currículo. Ao mesmo tempo em que as atividades foram desenvolvidas, revelou–se algumas curiosidades referentes à didática realizada pelo professor da disciplina de língua portuguesa desta turma de Fundamental II, a qual se restringia à atividades mais sistemáticas, com ênfase na normatividade gramatical. Ao mesmo tempo em que estes fatos vieram à tona, a coordenação, durante os planejamentos coletivos, sugeriu mudança na abordagem da disciplina de língua portuguesa, cujo objetivo passou a ser o letramento ligado à sistematica linguística. Os resultados com maiores detalhes poderá ser conhecido com a leitura do texto integral. Palavras-chave: letramento, leitura, escrita.

INTRODUÇÃO

A indagação sobre porque alunos do ensino fundamental apresentam limitada capacidade de inserção em práticas sociais de escrita foi o principal motivo para que esta pesquisa se voltasse à área da linguagem.

Todos os anos, instrumentos de avaliação nacionais e internacionais (SAEB, PISA, 2005) sobre o desempenho dos alunos nas escolas apresentam seus diversos resultados, entre eles os referentes às capacidades de leitura e produção textual. Nesta área, os alunos do ensino básico brasileiro apresentam todos os anos deficiências, pois demonstram possuir dificuldade em compreender e construir frases simples ou textos curtos. A proposta deste trabalho é analisar práticas de letramento realizadas no Ensino Fundamental II, através de um projeto de intervenção na disciplina de língua portuguesa, e quais as competências que as mesmas proporcionam para o desenvolvimento da capacidade discursiva dos alunos.

METODOLOGIA

Esta pesquisa é de natureza qualitativa e teve como campo de observação uma sala de aula da terceira do ensino fundamental II na modalidade EJA, da Unidade Executiva do SESC de Casa Amarela, bairro do Recife.

Os sujeitos da pesquisa foram os alunos desta turma. As observações e coleta de dados se realizaram uma vez por semana, durante duas horas em cada observação. Como procedimentos técnicos utilizou-se: leituras e fichamento de obras sobre letramento; pesquisa documental dos Parâmetros Curriculares Nacionais sobre o ensino de Língua Portuguesa no Ensino Fundamental II. Após o levantamento dos dados, seguiu-se com a análise qualitativa, lançando-se um olhar crítico, observando os procedimentos do ensino realizado e se estes encontram-se em consonância com os princípios apresentados nos PCN's, bem como se promove uma expansão ou limitação das habilidades discursivas dos alunos.

DIAGNOSE INICIAL SOBRE AS NECESSIDADES DOS ALUNOS

Este trabalho surgiu a partir de minhas constatação e inquietações sobre as colocações dos professores da terceira fase do ensino fundamental II (correspondente à quinta e sexta séries deste nível), durante os planejamentos coletivos semanais da EJA, relacionadas ao nível de escrita dos alunos.

Foram as seguintes deficiências constatadas: a) dificuldade de produção de textos nos mais variados gêneros; b) dificuldade de contextualização das idéias relacionadas às mais diversas temáticas; c) problemas com a ortografia e gramática (acentuação e pontuação correta das orações); d) dificuldade de exposição oral de idéias. Neste caso, o problema principal se encontrava no que diz respeito ao letramento destes alunos. Havendo realizado esta diagnose inicial, conclui que poderia ser realizada uma intervenção envolvendo atividades de leitura, compreensão, interpretação e produção textual com estes alunos. Para tal finalidade fora utilizada uma bibliografia que pudesse fornecer subsídios teóricos sobre a produção textual em sala de aula. Os autores que mais se explorou foram Soares (1998), Marcuschi (2002), Kleiman (1995), Bakhtin (2003) e Suassuna (2006), entre outros.

A título de ilustração, algumas atividades e comentários dos alunos estão disponíveis nos anexos.

CONCEITUALIZAÇÕES NECESSÁRIAS

Magda Soares (1998) nos explica que letramento é um termo traduzido da palavra inglesa literacy que significa a condição daquele que faz uso competente e freqüente da leitura e da escrita. Para tanto, não é tão somente saber ler e escrever, mas envolver-se em situações sociais em que a leitura e a escrita estejam presentes. Para esta autora a prática de letramento pode ter duas facetas, sendo uma, a social, entendida como:

O conjunto de práticas socialmente envolvendo leitura e escrita geradas por processos sociais mais amplos e responsáveis por reforçar ou questionar valores, tradições e formas de distribuição de poder presentes nos contextos sociais (p.74).

E a outra, a individual, compreendida como:

A habilidade lingüística e psicológica de usar a leitura para decodificar palavras escritas até a capacidade de compreender textos escritos integrando diferentes informações e a escrita como habilidade desde registrar unidades de som até a capacidade de transmitir significados de forma adequada a leitores potenciais (p. 68).

Antes de Soares, Ângela Kleiman (1995) definiu letramento como sendo "um conjunto de práticas sociais que usam a escrita, enquanto sistema simbólico e enquanto tecnologia, em contextos específicos, para objetivos específicos" (Kleiman, 1995: 19). Esta autora foi mais longe ao analisar os efeitos que envolvem as práticas de letramento, definindo este fenômeno como tendo uma faceta instrumental e outra ideológica. No primeiro caso, o do letramento instrumental, leva-se em conta as análises decorrentes dos usos da escrita para determinados fins individuais, isto é, para produção textual adequada a necessidades sociais sem levar em conta o que determina, isto é, o que está por trás da demanda por tal produção de textos. No segundo caso, leva-se em conta a natureza ideológica dos textos, ou seja, se o que eles transmitem carrega uma imposição ou uma tendência ideológica às pessoas.

É necessário tomar cuidado para que não se fixe o letramento como prática restrita apenas ao uso de textos escritos, pois segundo Leal (2005) é possível uma pessoa ser letrada sem ser alfabetizada, isto é, saber fazer uso do sistema de escrita alfabética (SEA) para atividades de leitura e escrita de textos. Não podemos também afirmar que existem pessoas não-letradas, mas sim que existem pessoas mais ou menos letradas e que tal característica tem relação com o meio cultural do individuo.

Independente do letramento que se utilize ou conceitue, por se tratar de uma prática social que utiliza a linguagem escrita ou oralidade para finalidades específicas, deve-se levar em conta que por trás da atividade de comunicação se estabelecem formas de enunciados contextualizadas. Neste caso, recorremos à necessidade de evidenciar os gêneros textuais.

Marcuschi (2002) nos traz uma boa e sintética definição do que pode ser compreendido como sendo gênero textual, bem como traz alguns exemplos:

Usamos a expressão gênero textual como uma noção propositalmente vaga para referir os textos materializados que encontramos em nossa vida diária e que apresentam características sócio-comunicativas definidas por conteúdos,

propriedades funcionais, estilo e composição característica. Se os tipos textuais são apenas meia dúzia, os gêneros são inúmeros. Alguns exemplos de gêneros textuais seriam: telefonema, sermão, carta comercial, carta pessoal, romance, bilhete, reportagem, notícia jornalística [...] (p.22).

Se parece ser (e é) impossível se comunicar sem ser por intermédio de um gênero, é também impossível não ser o texto de um tipo. Neste caso, também nos cabe utilizar a definição também estabelecida por Marcuschi sobre tipologia textual:

Usamos a expressão tipo textual para designar uma espécie de construção teórica definida pela natureza lingüística de sua composição {aspectos lexicais, sintáticos, tempos verbais, relações lógicas}. Em geral, os tipos textuais abrangem cerca de meia dúzia de categorias conhecidas como: narração, argumentação, exposição, descrição, injunção (p.22).

Um gênero textual como a carta pessoal, por exemplo, pode ser narrativo ou descritivo predominantemente, isto vai depender da maneira como seu redator irá se utilizar da linguagem para discorrer determinada mensagem, mas nunca será tipologicamente só narrativo ou descritivo, pois pode apresentar seqüências tipológicas diferentes.

Os estudos sobre letramento, gêneros e tipos de textos levam em conta a existência de práticas comunicativas que estabelecem determinados discursos, uma vez que estes são os resultados da enunciação. Para Bakhthin (2003):

Os enunciados e seus tipos, isto é, os gêneros discursivos, são correias de transmissão entre a história da sociedade e a história da linguagem. Nenhum fenômeno novo (fonético, léxico, gramatical) pode integrar o sistema da língua sem ter percorrido um complexo e longo caminho de experimentação e elaboração de gêneros e estilos (p.268).

Por isso, a existência dos estilos e gêneros determinados para se escrever ou falar em determinados contextos. Sem isto, é impossível que o ser humano possa participar ativamente da vida em sociedade, uma vez que não conhecendo como pode intervir nas situações sócias através da comunicação ele se estabelece como um ser passivo da linguagem.

O ensino de língua portuguesa poderia ser realizado contemplando atividades em que os alunos possam estar sempre em contato com textos de gêneros e tipos diversos refletindo sobre suas estruturas, características, intencionalidade e produzindo-os constantemente, de acordo, com as especificidades estabelecidas pela comunicação.

INTERVENÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

A intenção com as intervenções não foi a de corrigir todas as deficiências dos alunos através de um ensino sistemático de língua portuguesa, baseado numa normatividade, mas sim proporcionar que estes, ao entrarem em contato com diferentes textos, percebessem e compreendessem o porquê de sua organização, forma, estilo e intencionalidade, isto é, que se escreve de maneira determinada para uma finalidade determinada.

Tomei como um princípio o que Suassuna (2006) descreve sobre o que deveria um professor de português proporcionar aos alunos quando estes entrassem em contato e produzissem textos escritos:

Num movimento contínuo, interdisciplinar por natureza, o professor de português, junto com os alunos, concretiza as mais diversas interações, as quais geram textos, também os mais diversos (verbais, não-verbais, orais, escritos...). Nesse processo de produção textual, serão manifestadas significações, competências, visões de mundo e, é claro, dúvidas em torno das regras, convenções e especificidades da linguagem. É aí que entra a reflexão metalingüística, através da qual se toma a língua como objeto de estudo. É aí que entram as regularidades e leis, as terminologias e conceitos. Só assim a sistematização didática dos fatos da linguagem faz sentido, pois o aluno estudará/aprenderá a partir do que viu e experimentou, da dúvida que surgiu no momento de uso (em contexto, portanto) (p.33).

Logo, a razão de ser de um texto se estabelece pela necessidade de produção do mesmo e a análise de um texto sempre está sujeita a percepção de suas características, estilo, forma, intenções. Compreendendo estes princípios, os alunos poderão ter voz ativa nas diversas instâncias sociais.

Trabalhando com o gênero textual carta pessoal

Na primeira atividade de intervenção foram utilizados dois textos no gênero carta pessoal (ver quadro 1 dos anexos), direcionados para pessoas diferentes.

Algumas indagações sobre tais textos direcionadas aos alunos referentes à forma, estilo, função referencial, fizeram com que os mesmos apontassem que ambos possuíam: a) a intenção de informar sobre fatos cotidianos; b) utilizavam linguagem coloquial, isto é informal, para pessoas específicas; c) e que estas características estavam contextualizadas, ou seja, foram utilizados por se tratar de um sujeito que escrevia para pessoas com quem supostamente possuía relações diferentes, para poder escrever de formas diferentes.

Após esta atividade os alunos foram colocados para escrever duas cartas para duas pessoas, sendo uma de seu círculo familiar e outra de seu círculo de amizade. As

mesmas utilizaram as duas cartas exploradas na atividade como modelo de emprego da linguagem.

Trabalho de intertextualidade com os gêneros textuais notícia, poesia, letra musical e conto.

Em outras atividades com os gêneros notícia e conto procurei explorar com os alunos o caráter da intertextualidade, fenômeno este que pode ser descrito como um diálogo entre textos, isto é, quando temas relacionados podem ser tratados em textos diferentes. Os textos utilizados para esta atividade estão nos quadros 2 e 3 dos anexos.

Numa primeira exposição fora tratado com os alunos o que é e em que consiste a intertextualidade, além de fazê-los refletir que frequentemente nos utilizamos dela, seja por intermédio da oralidade ou da escrita. Alguns alunos ao compreenderem tais fatos tentaram exemplificar através de falas próprias. Uma destas falas (ver quadro 7, letras a do anexo) indagava e ao mesmo tempo tentava explicar sobre o fator intertextual.

A exposição deste aluno ilustra brilhantemente a sua compreensão sobre o fator da intertextualidade, uma vez que esta se trata de um diálogo entre as temáticas de textos distintos. A contraposição de uma notícia sobre ação desastrosa da Polícia Militar, extraída de um site, com o conto de Lourenço Diaféria, assim como da letra de música Comida, do grupo Titãs, com o poema O Bicho, de Manuel Bandeira, foram atividades realizadas. As colocações dos alunos para ilustrarem o entendimento que fizeram da relação entre estes textos gerou falas relevantes destes indivíduos (ver quadro 7, letra b dos anexos).

Letramento com letra musical e poesia

Em intervenções envolvendo letra musical e poesia, explorou-se as relações possíveis entre a escrita e intencionalidade de canções e poemas, mas deixando claro que embora estejam relacionadas, ambas atendem a finalidades e ocorrem em contextos diferentes. Os textos utilizados foram o poema A Vida, de Mário Quintana, e a letra musical Tempo Perdido, do grupo Legião Urbana (ver quadro 8 dos anexos).

Na análise destes textos, além do fator intertextual, os alunos apontaram aspectos estéticos ligados à diagramação, à sintaxe e ao registro dos textos, como por exemplo: a) no caso da diagramação, o fato de que quando registrados no papel, o poema e a letra de música não chegam até o final da folha e que ambos possuem versos e estrofes; b) no caso da sintaxe, a existência de rimas e de palavras e frases que se repetem; c) no caso do registro, o fato de tanto poesias quanto letras musicais possuírem um nome-título e o nome de quem os produziu. Embora possam parecer óbvios, tais questionamentos dos alunos sobre estes dois textos demonstra que os mesmos ainda não haviam percebido tais convenções na hora de escreverem poesias e comporem músicas.

Constatou-se que os alunos conheciam momentos específicos em que podem ser utilizados tais textos. Os mesmos também sabiam da possibilidade de se mesclar diferentes gêneros textuais, pelo fato de uma letra musical pode ser declamada, como se fosse um poema, assim como um poema pode ser transformado numa música e assim ser cantado. (conferir falas dos alunos no quadro 7, letra c dos anexos).

O contato com tais textos numa perspectiva metalingüística foi fator determinante para que os alunos percebessem que um texto assume determinada característica, estilo, forma, diagramação por que ele atende a uma determinada demanda de uso. Como nos expõe o aluno J.M.: "poesia só pode virar música se você quiser cantar ela pra alguém. Aí ela vira música, mas se não tiver melodia e canto ela é poesia".

Explorando princípios da tipologia textual

Ao mesmo tempo em que se trabalhava com uma diversidade de textos procurava-se sempre chamar atenção para o fator da tipologia textual (ver quadro 6 dos anexos). Ao sondar os conhecimentos prévios dos alunos sobre tipologia textual, identifiquei que estes possuíam idéias básicas sobre narração, descrição, argumentação e exposição e assim realizei o contraponto do conceito com textos escritos.

Reutilizando o conto Os gatos Pardos da noite, de Lourenço Diaféria (ver quadro 2 dos anexos), leitura, os alunos foram indagados sobre as relações entre o texto com o conceito estabelecido de narração e descrição. Alguns apontaram o fato de o texto expor acontecimentos, falar sobre os personagens e suas características físicas, e da existência de situações.

A partir dessas colocações, expus que o texto de Diaféria era narrativo embora apresentasse elementos descritivos. Os alunos que apontaram ser o texto uma descrição trouxeram argumentos muito interessantes (ver quadro 7, letra d dos anexos). Tais falas destes ilustram bem a que eles se prenderam para definir o texto.

No início desta pesquisa há uma conceituação estabelecida por Marcuschi sobre tipologia textual. Para este autor ao referir-se a gêneros como poema, piada, receita medica entre outros nos diz que "é evidente que em todos estes gêneros também se está realizando tipos textuais, podendo ocorrer que o mesmo gênero realize dois ou mais tipos de texto" (Marcuschi, 2002: 25). No caso do conto explorado, expus aos alunos que embora este seja predominantemente narrativo, possui seqüências em que é também expositivo, descrito e argumentativo.

Explorando o gênero redação escolar

Na exploração do gênero textual redação, fora apresentado aos alunos que tudo o que se redige com a intenção de registro em sala de aula ou fora dela pode ser

descrito como redação. Segundo o dicionário Aurélio (2001), entre várias concepções, redação é o ato, efeito ou modo de redigir. Logo, se for feito algum registro escrito ou uma simples anotação, está sendo realizada uma redação. Sendo assim a redação escolar é apenas uma forma de redação e não a única que os alunos devem aprender.

Descobri que fora ensinado aos alunos desta pesquisa que a redação escolar caracteriza-se por determinados parâmetros, como por exemplo, possuir de três a quatro parágrafos, que pode ser iniciada com uma indagação, que se utilizam determinados termos na conclusão e que se deve seguir estas características enquanto se redige textos escolares neste gênero. Por ser a redação um gênero textual basicamente escolar, é necessário que sua funcionalidade nesta instituição deva ser ensinada aos alunos. O problema é que neste caso, o ensino sobre este gênero textual acaba ficando restrito às tradicionais classificações básicas de redação, estabelecidas na tríade narração-descrição-dissertação e assim não é apresentado aos alunos que existem formas não-escolares de redação que não necessariamente precisam respeitar os padrões citados anteriormente.

Suassuna (2006: 77-81) descreve que as redações escolares, principalmente no ensino fundamental, apresentam problemas sérios que perpassam pela carência de fatores da textualidade que configuram este gênero, tais como: a) unidade de sentido, ou seja, girar em torno de tema específico; b) caráter pragmático (quem, pra quem, onde e pra que se escreve); c) tipologia textual predominante; d) continuidade e progressão textual, isto é, manutenção do tema e introdução de outros relacionados; e) grau de informatividade; f) coesão e coerência.

Provavelmente por isso que os alunos desta pesquisa não conseguiam escrever com coerência, pois estas categorias - se foram ensinadas - provavelmente lhes foram apresentadas de maneira conceitual e não-contextualizada. Com trabalhos de escrita sobre temas específicos, leitura de redações escolares bem estruturadas e orientações na hora de realização, os alunos melhoraram bastante e já conseguem escrever com riqueza e relação de idéias, fator que no início do ano letivo não se evidenciava.

Praticando o resumo, a resenha e a paráfrase textual

Para o trabalho com os gêneros textuais escolares resumo e resenha, foram explorados textos que os alunos estavam utilizando na disciplina de História (ver quadro 4 dos anexos).

Entre a leitura destes textos e a exploração de seu significado (interpretação e relação com a realidade) os alunos foram colocados diante de fichas de leitura conceituando estes gêneros e trazendo exemplos concretos de resenha e resumo dos textos explorados. Ao mesmo tempo, aos alunos fora apresentado o conceito de paráfrase, bem como um exemplo de texto parafraseado tendo como base um dos textos utilizados (ver quadro 5 dos anexos).

Postos diante da forma como se resumia, se resenhava e se utilizava a paráfrase dos textos que havia sido lido durante a intervenção, os alunos puderam perceber o que visa a escrita de um resumo, que é a reunião de idéias principais de um texto de maneira seqüenciada, coerente realizado pelo apagamento de informações secundárias do texto-base e manutenção das principais de modo que não perca seu

sentido nem conexão com o texto original, ou pela reescrita dos trechos com as idéias principais, assim contextualizando, e não meramente conceituando, a paráfrase. Já a resenha, foi mais fácil para que os alunos assimilassem e pudessem realizar, pois esta trata basicamente de fazer uma dissertação crítico reflexiva onde se incluiria o posicionamento. Os alunos já possuíam seu próprio posicionamento, bem como haviam aprimorado sua prontidão para falar sobre fatos.

O trabalho com os gêneros textuais resumo e resenha e a prática de paráfrase foi possível devido aos seguintes fatores: a) por que se utilizou como base um texto que os alunos já estavam utilizando em outra disciplina e que poderia ser resignificado através do debate e reconstrução das idéias principais; b) por que fora utilizada uma outra ficha de leitura com a definição conceitual destes gêneros, bem como exemplos de resumo e resenha do texto-base explorado; c) contextualização da prática de paráfrase com as de produção de resumo e resenha.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Ao final do trabalho de intervenção, pode-dasnioe Alves da Silvase constatar que embora os alunos do Ensino Fundamental II, sujeitos desta pesquisa, tenham apresentado limitações no letramento logo no início do ano letivo de 2008, puderam expandir sua capacidade e compreensão discursiva através do trabalho sistemático realizado durante todo o ano.

Os Parâmetros Curriculares Nacionais para o ensino de Língua Portuguesa sugerem que:

O domínio da língua, oral e escrita, é fundamental para a participação social efetiva, pois é por meio dela que o homem se comunica, tem acesso à informação, expressa e defende pontos de vista, partilha ou constrói visões de mundo, produz conhecimento. Por isso, ao ensiná-la, a escola tem a responsabilidade de garantir a todos os seus alunos o acesso aos saberes lingüísticos, necessários para o exercício da cidadania, direito inalienável de todos (p.16).

Um ensino que não venha a assumir a proposta acima pode ser gerador de alunos com práticas discursivas limitadas, que apenas participam de um processo de letramento escolar que não os prepara plenamente para a vida em outras instâncias sociais e nem mesmo os faz obter êxito na instância escolar. O fator do exercício da cidadania, incluindo a preparação para a vida em sociedade e no mundo do trabalho, como sugere o artigo 2º, no título II, da Lei de diretrizes e Bases da Educação Brasileira (p.13), deve estar acima de todos os objetivos de quem ensina Linguagem em sala de aula. Um ensino pautado na reflexividade sobre as diversas formas discursivas existentes na sociedade pode atribuir aos alunos autonomia para se comunicar com competência e independência nos contextos diversos.

Deficiências como as que os alunos sujeitos desta pesquisa apresentavam puderam ser superadas, de modo a ampliar o letramento destes. Este estudo se prestou a

fazer uma amostragem sobre problemas de aprendizagens e como podem ser superados.

Por se tratar a educação de um ato contínuo e processual, espera-se que possíveis equívocos no ensino de Língua Portuguesa, bem como problemas no letramento dos alunos caso venham a se apresentar, não se consolidem, mas possam ser superados com práticas pedagógicas que levem em consideração diagnose inicial dos interesses e dificuldades destes sujeitos, assim como suas possibilidades, pois como nos apresenta Libâneo "a motivação dos alunos para aprendizagem através dos conteúdos significativos e compreensíveis para eles (...) é fator preponderante na atividade de concentração e atenção do aluno" (Libâneo, 1994: 253).

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BAKHTIN. Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2003.

BRASIL. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Revisada pelo senador, então em exercício, José Jorge. Brasília, Senado Federal, 2004.

BRASIL. Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa. Brasília, Secretaria de Educação Básica, 2003.

FERREIRA, A.B. de H. Mini Aurélio Século XXI, O Minidicionário da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro, Editora Nova Fronteira, 2004.

KLEIMAN, Ângela B. Os significados do Letramento: uma nova perspectiva sobre a prática social da escrita. Ângela Kleiman (Org.) - Campinas, SP: Mercado de Letras, 1995.

LEAL, Telma Feraz. A aprendizagem dos princípios básicos do sistema alfabético: por que é importante sistematizar o ensino? In: ALBUQUERQUE, E.B.C. de; LEAL, T. F. (orgs.) A Alfabetização de Jovens e Adultos Em Uma Perspectiva de Letramento. Belo Horizonte: Autêntica, 2005.

LIBÂNEO, José Carlos. Didática. São Paulo, Cortez, 1994.

MARCUSCHI. Luis Antônio. Gêneros Textuais: Definição e Funcionalidade. In: DIONÍSIO, A.P.; MACHADO, A.R.; BEZERRA, M.A. (orgs.) Gêneros Textuais e Ensino. Rio de Janeiro: Editora Lucerna, 2002.

SOARES, Magda. Letramento: um tema em três gêneros. Belo Horizontal, Autêntica, 1998.

SUASSUNA, Lívia. Ensaios de Pedagogia da Língua Portuguesa. Recife, Editora Universitaria UFPE, 2006.

ANEXOS1

Quadro 1: Para o trabalho com o gênero textual carta pessoal.

Amiga Ruth Recife, 02 de abril de 2008.

E aí amiga como é que é? Tu nunca mais me escreveu né? Mas tudo bem... uma amiga perdoa tudo! Olha, tô te escrevendo pra te dizer que eu tô namorando o Carlos de novo, aquele da nossa antiga escola e que já namorou a Soninha, nossa ex melhor amiga. Eu sei que isso é errado e que você vai me criticar, mas tu sabe como eu sou, né amiga? Vê se esse fim de semana tu liga pra mim visse, pra gente conversar mais por que tenho muitos babados pra te contar. Beijo amiga e tudo de bom pra tu.

Queridos papai e mamãe Recife, 02 de abril de 2008.

Papai e mamãe como estão vocês? Antes de mais nada, quero que saibam que eu os amo muito. Estou escrevendo para comunicar a vocês que eu estou namorando um rapaz. Quando eu for para Caruaru eu conto como é isso, mas eu já sei que vocês vão me telefonar antes para saber e tudo o mais. De qualquer forma eu peço que não se preocupem e que saibam que eu estou bem. Amo muito vocês. Beijão e aguardo o telefonema de vocês neste fim de semana. Quadro 2: Para o trabalho de intertextualidade com os gêneros textuais noticia e conto. MORRE MENINO ATINGIDO PELA PM

Garoto de 3 anos levou tiro na cabeça durante suposta perseguição a assaltantes

Pouco mais de 20 horas depois de a Polícia Militar disparar mais de 15 tiros contra o carro da advogada Alessandra Soares, foi anunciada às 16 horas de ontem a morte cerebral do seu filho, João Roberto, de 3 anos. A polícia abriu um Inquérito Policial Militar (IPM) e determinou a prisão administrativa por 72 horas dos militares.No último domingo, João Roberto voltava de uma festa com a mãe e o irmão, Vinícius, de 9 meses. Às 19h30, o cabo Elias da Costa Neto e o soldado, que não teve o nome divulgado, faziam patrulhamento na Rua Uruguai, quando avistaram quatro homens dentro de um Stilo preto em atitude suspeita. Quando o carro da PM se aproximou, o motorista acelerou. Em poucos minutos, os suspeitos entraram na Rua Espírito Santo Cardoso, onde houve o tiroteio. Alessandra estava a 50 metros do prédio onde mora, quando percebeu a viatura atrás em alta velocidade. Na frente do 399, encostou o carro para dar passagem. Os policiais saíram, se posicionaram atrás e dispararam com fuzis e pistolas. Em depoimento, os militares afirmaram que o carro de Alessandra ficou no meio do fogo cruzado. Mas testemunhas ouvidas pela reportagem afirmam que os policiais se confundiram. Uma dona de casa que mora na frente do local disse que Alessandra chegou até a jogar pela janela uma bolsa infantil, para chamar a atenção dos policiais. Os PMs só pararam de atirar quando a mãe saiu do carro, gritando que haviam matado seu filho. O carro dos criminosos já havia deixado o local, após bater em dois veículos parados na rua. Uma professora de 58 anos viu quando um dos militares pegou o bebê e o entregou a um morador. Depois, retirou João ensangüentado, pegou a mãe e

levou-os para o hospital. O morador que cuidou do bebê, um cabeleireiro de 57 anos, disse que Vinícius não parecia assustado. Ele tirou os cacos de vidro da cabeça do bebê e ficou com ele na frente do prédio onde mora, até o pai surgir correndo e berrando pela rua.

Fonte:http://www.tribunadaimprensa.com.br/anteriores/2008/julho/08/noticia.asp?noticia=pais01>. Acesso em 11 de julho de 2008.

OS GATOS PARDOS DA NOITE Lourenço Diaféria

A batida policial para agarrar o ladrão aconteceu logo no começo da madrugada. As informações diziam que o homem se escondia ali no barraco onde tabuas, onde dormia com os olhos abertos, os bolsos recheados de munição e dois revolveres de prontidão.

Àquela hora ainda estava muito escuro, porque na pirambeira ainda não havia luz de mercúrio nas ruas, nem nada. O céu também não tinha a mínima lua. Cautelosamente os tiras saltaram da viatura com as armas e bateram na porta do barraco suspeito.

- Abram, é a polícia. Dentro do barraco, Maria do Rosário, dezenove anos, acordou assustada e se pôs a

tremer como uma bobinha. Não podia imaginar o que a autoridade queria com eles assim tão tarde.

Chamou o marido. Estremunhado, ele demorou a entender o que a mulher falava e o que os homens

gritavam, lá fora. Sentou na cama, esfregou os olhos. Acordava muito cedo, mas o corpo moído de cansaço sabia que ainda não era hora de levantar.

Estavam batendo perto da janela. E nos fundos da casa. Parecia que o barraco estava cercado. O marido não podia acreditar que fosse a polícia. Por isso não ia abrir porta nenhuma, não era louco, tinha mulher em casa e filho. Devia ser o mesmo bando de arruaceiros que ficava enchendo a cara na biboca e viera ali querendo puxar briga. Mas ele não ia dar corda. Alem disso, estava em desvantagem.

A violência das pancadas aumentou. Alguém chutava a porta do barraco. O marido de Maria do Rosário costumava dormir com um calção folgado amarrado na cintura por cordão de tecido. O marido suspendeu e justou o calção, tratando de tatear um pedaço de pau qualquer para escorar os trancos da porta. Não teve tempo de se levantar. A folha de madeira cedeu, deixando entrar no cômodo abafado um pouco de luz amarela. O homem se abaixou instintivamente, como um bicho. Os pêlos dos seus braços estavam molhados de medo. Cachorros vira-latas faziam bulha ao longe, mas ele somente percebeu os latidos quando um silêncio estranho tomou conta de tudo. Sentia-se a respiração que vinha de fora.

O rosto do homem fixava o quadro da porta, onde a qualquer momento ia aparecer um lobisomem. Maria do Rosário levou a mão direita ao rosto, sem saber se tapava a boca ou os olhos. Na cama, a criança iniciou o berreiro. De repente, a luz amarela se apagou. Os tiras se jogaram para dentro do barraco, despejando fogo. Não houve reação, a não ser gritos e mais choro. Nesse exato momento uma pequena bala de chumbo, entre outras, era expulsa do tambor e começava a movimentar-se no túnel raiado do cano de um revólver oxidado. Como se tivesse asas, a bala saltou na escuridão e voou imperceptivelmente como um zumbido inocente de uma mosca. O vôo foi tão rápido e seco que cortou um gemido ao meio. Depois disso, a viatura dos

investigadores encostou no barraco com os faróis ligados. Maria do Rosário apertou o botão e acendeu a lâmpada de quarenta velas.

O esparramo não tinha respeitado nem o penico. O homem de calção estava coberto por uma curiosa cor levemente esverdeada.

Suas mãos estavam presas por algemas. Apontou com o dedo a carteira de trabalho no fundo da gaveta da cômoda. Não era ladrão, embora tivesse a cara assustada de um vulgar ladrão.

Um dos policiais pensou em pedir desculpas pelo engano. Maria do rosário aproximou-se do berço.

Com um pequeno furo na cabeça, onde se alojara a bala, seu filho. Claudemir, de dezoito meses, acabava de morrer. Um fio de sangue escorria; a chupeta caíra da boca no chão de terra batida. Nenhum deles se sentia exatamente o culpado de nada, porque a bala não tinha dono único. O dedo no gatilho fora uma operação de rotina, como uma cirurgia de ablação. Às vezes, até os doutores cortam a perna errada. Aparentemente não passara de um trabalho de equipe concluído bisonhamente. Lamentável, porém compreensível.

Mais tarde, o policial tomaria café com sua esposa e os filhos e explicaria: foi um acidente.

E complementaria: à noite todos os gatos são pardos. Dormiria algumas horas, faria a barba, tomaria banho. Deixaria a água escorrer

pelo corpo, levaria os cabelos com xampu contra caspa. Diante do espelho levaria um susto: começava a focar careca. Era o fim. Sua mulher trouxe o jornal:

- Você viu o que estão falando? Seu coração disparou. Procurou entre as notícias qualquer coisa que o arrancasse

daquela ansiedade. Não ia agüentar muito tempo a estúpida tensão. Mas o anúncio lá estava, no alto da página, limpando a barra:

“O professor Norman Orentreich, da Universidade de Nova York, anunciou publicamente que no máximo dentro de dois anos será descoberto o remédio para cura da calvície, graças às recentes pesquisas sobre o androgênio, hormônio feminino que atua no crescimento dos cabelos”. Sorriu tranqüilo. E perguntou para a mulher o que tinha para o almoço. Quadro 3 Para o trabalho de intertextualidade com os gêneros textuais letra musical e poesia.

COMIDA (Titãs)

Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de que? Você tem fome de que?... A gente não quer só comida A gente quer comida Diversão e arte A gente não quer só comida A gente quer saída Para qualquer parte...

Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de que? Você tem fome de que?... A gente não quer só comidaA gente quer comida Diversão e arte A gente não quer só comidaA gente quer saída Para qualquer parte... A gente não quer só comidaA gente quer bebida Diversão, balé A gente não quer só comida

O BICHO (Manuel Bandeira)

Vi ontem um bicho Na imundície do pátio Catando comida entre os detritos. Quando achava alguma coisa, Não examinava nem cheirava: Engolia com voracidade. O bicho não era um cão, Não era um gato,

A gente não quer só comida A gente quer bebida Diversão, balé A gente não quer só comida A gente quer a vida Como a vida quer... Bebida é água! Comida é pasto! Você tem sede de que? Você tem fome de que?... A gente não quer só comer A gente quer comer E quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer Prá aliviar a dor... A gente não quer Só dinheiro A gente quer dinheiro E felicidade A gente não quer Só dinheiro A gente quer inteiro E não pela metade...

A gente quer a vida Como a vida quer... A gente não quer só comer A gente quer comer E quer fazer amor A gente não quer só comer A gente quer prazer Prá aliviar a dor... A gente não quer Só dinheiro A gente quer dinheiro E felicidade A gente não quer Só dinheiro A gente quer inteiro E não pela metade... Diversão e arte Para qualquer parte Diversão, balé Como a vida quer Desejo, necessidade, vontade Necessidade, desejo, eh! Necessidade, vontade, eh! Necessidade...

Não era um rato. O bicho, meu Deus, era um homem.

Quadro 4 Trabalho com resumo e resenha: no primeiro quadro vem o texto-base e logo após resumo e resenha do mesmo para título de exemplaridade sobre os este gêneros.

LIÇÕES DA DEMOCRACIA GREGA

André Azevedo da Fonseca*

Para esquentar o espírito de cidadania nesse início de campanha eleitoral, ocasião em que políticos gastam todo seu tempo prometendo que serão representantes fiéis da vontade dos eleitores, é muito interessante fazer uma reflexão sobre a democracia clássica ateniense. Lembremos que foram os gregos que inventaram não apenas a democracia, mas também a política, entendida como “a arte de decidir através da discussão pública”.

Em Atenas os cidadãos viviam sob um regime de democracia “direta”, e não “representativa”, como nós. A Assembléia, um verdadeiro comício ao ar livre, era aberta a qualquer interessado. Em princípio, todos os presentes tinham o direito de tomar a palavra: a isegoria – o direito universal de falar na Assembléia – era algumas vezes empregado como sinônimo de democracia.

A Assembléia se reunia pelo menos quarenta vezes durante o ano e geralmente

chegava a uma decisão sobre determinado tema em um único dia de debate. As deliberações eram estabelecidas pelo voto da maioria simples daqueles que estivessem presentes. Todos os assuntos a serem votados eram discutidos antecipadamente no dia-a-dia da sociedade. As pessoas conversavam nas lojas, nas tavernas, na praça, nas mesas de jantar e, mais tarde, esses mesmos cidadãos se direcionavam à Assembléia para realizar a votação formal.

Para se ter uma idéia desse espírito democrático, consta-se que nem mesmo o grande general Péricles detinha o poder de decidir sozinho questões relativas à mobilização de tropas na guerra. Todas as suas propostas eram submetidas à votação; visões alternativas eram apresentadas e a decisão final era dos membros da Assembléia, e não de Péricles. Para os atenienses “o reconhecimento da liderança não era acompanhado por uma renúncia ao poder decisório”.

Quase não havia burocracia ou funcionários públicos. A administração era partilhada entre um grande número de cargos anuais e um conselho de 500 cidadãos escolhidos por sorteio. Isso mesmo: através de sorteio eram escolhidos os membros, que não recebiam qualquer remuneração. Consta-se que no século V a.C. funcionários públicos, membros do conselho e jurados recebiam um pequeno per diem – valor menor do que o pagamento diário de um pedreiro.

A participação na vida pública por sorteio indica que grande parte dos cidadãos necessariamente tinha alguma experiência direta no governo. Nem os apáticos escapavam da vida em comunidade. Ou seja, ao contrário do atual modelo de democracia, em Atenas a direção do Estado não era um monopólio dos chamados políticos profissionais: todos os cidadãos tinham direito de exercer a política.

A idéia da democracia direta mostra que nosso modelo político ainda pode ser radicalmente transformado através de reformas profundas. Há estudiosos insuspeitos, como o historiador Moses Finley, que defendem a viabilidade do modelo direto aos tempos atuais. Afinal, não devemos nos esquecer que, sob esse sistema, Atenas foi o Estado mais próspero, poderoso, estável e culto do mundo grego por mais de dois séculos. Lembremo-nos dos gregos. _______________________ *André Azevedo da Fonseca é professor na Universidade de Uberaba (Uniube) e autor de Cotidianos culturais e outras histórias (Ed. Uniube, 2004).

RESUMO E RESENHA – CONCEITOS E PRÁTICA

1. Resumo: “enxugamento” e reunião das idéias principais do texto (sem se desprender deste) de maneira coerente e com informações em seqüência. Geralmente este se constrói através do apagamento de informações seqüenciais do texto. 2. Resenha: reunião das idéias principais do texto utilizando um posicionamento crítico-reflexivo. Você não se desprende do conteúdo do texto, mas constrói uma dissertação a respeito da(s) temática(s) do mesmo.

Para esquentar o espírito de cidadania nesse inicio de campanha eleitoral lembremos que foram os gregos que inventaram não apenas a democracia, mas também a política.

Em Atenas os cidadãos viviam um regime de participação direta, e não representativa como nós. A principio, todos os interessados poderiam tomar a palavra (isegoria) nas assembléias ao ar livre, que se reunia umas quarenta vezes no ano e que em muitas delas chegava a votar decisões num único dia de discussão. Votavam

apenas quem na assembléia estivesse presente e as discussões entre as pessoas aconteciam durante o dia-a-dia, na sociedade. Para se ter uma idéia do espírito democrático, nem mesmo o grande general Péricles detinha sozinho o poder de decidir sobre as tropas de guerra. Quase não havia burocracia ou funcionários públicos. Consta-se que os funcionários públicos, membros de conselhos e jurados eram escolhidos por sorteio e recebiam um pequeno pagamento diário (per diem) menor do que o de um pedreiro. Nem os apáticos escapavam da vida em comunidade. Todos os cidadãos tinham direito de exercer a política. A idéia de democracia direta mostra que nosso modelo político ainda pode ser radicalmente transformado através de reformas profundas. Lembremos-nos dos gregos.

O espírito de cidadania reforçado pelo atual contexto da política partidária merecia uma boa reflexão.

Nos remetendo aos gregos, os inventores da democracia e política, podemos retirar exemplos de verdadeira participação popular democrática. Se nos voltarmos aos acontecimentos do antigo mundo grego ateniense podemos constatar que praticamente toda a população, inclusive os mais apáticos, poderiam participar da vida política e influenciar nas decisões, uma vez que nas assembléias ao ar livre todos que estivessem presentes tinham direito de palavra e decisão, de modo que estas influenciariam a vida publica da sociedade ateniense. Podemos retirar também como exemplo, o fato de que quase não havia funcionários públicos ou burocracia, e que os primeiros eram escolhidos por sorteio e trabalhavam por uma minúscula remuneração. Podemos concluir que diante de tal modelo participativo na vida pública, a população ateniense, por possuir real direito de decisão política, não se mantinha afastada das discussões, e assim tinha discernimento de que o fato de participar ou não da vida pública política influenciaria em seu cotidiano social.

Quadro 5 Trabalho com paráfrase e intertextualidade. Primeiramente o texto-base utilizado; em seguida, vem um tópico definindo paráfrase e intertextualidade; logo após dois quadros, sendo o primeiro com paráfrase de um trecho do texto e o segundo de questionamentos diferentes sobre este mesmo texto.

Como conhecer o caráter dos candidatos?

André Azevedo da Fonseca*

Períodos eleitorais tornaram-se um dos momentos mais despolitizados da vida em sociedade. O espetáculo publicitário onde os aspirantes a cargos públicos anunciam seus slogans não promove a cidadania, não conscientiza, não educa e não estimula o envolvimento efetivo da comunidade na política. Ao contrário, essas propagandas tendem a confundir os cidadãos; pois não importa o candidato, todas reproduzem as mesmas idéias genéricas sobre os mesmos temas, todas defendem os mesmos compromissos gerais referente aos mesmos programas e, o que é pior, todas personalizam a política, como se as conquistas sociais fossem obras exclusivas da atuação de um só sujeito. Isso é a contramão da democracia moderna, que fundamenta-se na participação cada vez maior da coletividade nas decisões de Estado. Assim, sejamos claros: não é possível escolher os representantes com base em suas próprias campanhas publicitárias. Candidatos não falam nas propagandas que suas gestões anteriores estão sob suspeita; não explicam suas ligações com escândalos como o mensalão ou a máfia dos sanguessugas; não tornam claros os casos de corrupção que

ocorreram sob sua administração; escondem que são indiciados como réus em processos na Justiça Federal, nos tribunais superiores, na Justiça Eleitoral ou nos Tribunais de Contas... a lista é longa. Algum coisa nesse sentido podemos descobrir conferindo sites como o da ONG Transparência Brasil (http://www.transparencia.org.br), que possui um importante banco de dados sobre dezenas de políticos profissionais, contendo informações tais como a identidade dos doadores de campanha; o desempenho legislativo (incluindo faltas, uso de verbas de gabinete, etc); as menções publicadas na mídia quando aparecem ligados a casos de corrupção, além de outras informações relevantes. Outra boa fonte de pesquisa é o próprio site da Câmara Federal, onde é possível conferir, no endereço http://www2.camara.gov.br/proposicoes quais foram os projetos de lei realmente apresentados pelos deputados, se eles trabalharam mesmo ou se apenas estão fazendo propaganda enganosa em suas campanhas. No entanto, há uma outra medida que é mais difícil de ser mensurada, mas que pode ser reveladora: sempre vale a pena conversar com empregadas domésticas, jardineiros, motoristas, secretárias ou ex-assessores e ex-funcionários para descobrir o que os políticos profissionais realmente falam no seu dia-a-dia. O que se diz é que, em geral, eles jamais falam em projetos para transformar a sociedade. Nunca conversam sobre formas institucionais de promover justiça social. Não fazem referências sobre mobilização política das comunidades para exigir melhorias sociais. Os únicos assuntos ditos “políticos” giram em torno das táticas partidárias de conquista do poder, da melhor forma de caluniar o adversário, da maneira mais eficaz de forjar uma imagem favorável na imprensa, nas vantagens em se apoiar este ou aquele político profissional, e a conversa fica por aí. É o poder pelo poder. Mais ou menos como descreveu Mário Palmério em Vila dos Confins. Mas quem são esses sujeitos que de dois em dois anos saem às ruas nos pedindo um cargo público? O que eles realmente querem? Que tipo de prazer eles sentem sendo políticos profissionais? E o que essas pessoas entendem por “política”? O que entendem por “democracia”? E enfim, como conhecer, de verdade, o caráter dessas pessoas que nos pedem votos? Seria muito interessante, mas muito interessante mesmo, travar um debate sobre isso.

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Paráfrase e intertextualidade – conceitos e prática

2. Paráfrase – desenvolvimento de um texto com palavras próprias sem alteração das idéias originais. Você diz o mesmo que está no texto, mas com palavras diferentes. Por isso você parafraseia, isto é, reconstrói o enunciado. Nas atividades de perguntas e respostas de sala de aula é ideal que os alunos saibam responder parafraseando, pois mostra o quanto os mesmos são capazes de responder alguma pergunta sem apenas copiar as sentenças dos textos. Abaixo vejamos um exemplo de paráfrase de um trecho do texto Como Conhecer o Caráter dos Candidatos, de André Azevedo e logo em seguida diferentes respostas para um questionamento sobre o mesmo texto.

Paráfrase dos três primeiros parágrafos do texto de André Azevedo:

Os períodos de eleição transformaram-se em momentos dos mais despolitizados da sociedade. Os programas eleitorais gratuitos, onde os candidatos expõem suas propostas de trabalho, não promovem a democracia, cidadania e nem o envolvimento

pleno das pessoas. Ao invés disso, estes programas confundem as idéias do eleitorado, pois os candidatos expõem propostas muito parecidas e falam como se as conquistas sociais não fossem resultado da participação coletiva, fato que vai à contramão da democracia contemporânea. Escolher candidatos tendo apenas como base suas propostas não é a melhor solução, pois os mesmos apenas expõem em suas campanhas os benefícios que realizaram e não os escândalos e fatos negativos ocorridos em suas gestões. Questionamento sobre o texto de André Azevedo: observe e veja uma pergunta e duas respostas sobre a mesma. Por que não podemos confiar nas propostas dos candidatos às eleições baseados apenas em suas campanhas publicitárias?

• Resposta 1 (cópia pura do texto): Por que os candidatos não falam nas propagandas que sua gestões anteriores estão sob suspeita; não explicam suas ligações com escândalos como o mensalão ou a máfia das sanguessugas; não tornam claros os casos de corrupção que ocorreram sob sua administração; escondem que são indicados como réus em processos na justiça federal, nos tribunais superiores , na justiça eleitoral ou nos tribunais de contas.

• Resposta 2 (parafraseada): Por que os mesmos candidatos não expõem em suas campanhas erros de suas administrações passadas ou mesmo se estão prestando contas destes erros à justiça.

2. Intertextualidade – quando as mesmas idéias, temáticas, assuntos podem ser encontrados em gêneros textuais diferentes. Na verdade, a intertextualidade pode ser definida, a “grosso modo”, como um diálogo entre textos; não apenas se restringe aos textos literários. Exemplos de textos com temáticas relacionadas são a letra músical Comida, dos Titãs e o poema O bicho, de Manuel Bandeira; ou a notícia sobre a morte acidental de um garoto fatalmente alvejado pela polícia carioca em agosto de 2008 (quadro 2) e o conto Os gatos pardos da noite, de Lourenço Diaféria como veremos a seguir. Quadro 6 Trabalho com tipologia textual. Estes textos foram utilizados para exemplificar a tríade narração-descrição-dissertação, sendo o primeiro predominantemente uma narração, o segundo predominantemente uma descrição e o terceiro predominantemente uma dissertação.

ESTRATÉGIA (autor desconhecido)

Um senhor vivia sozinho em Olinda. Ele queria virar a terra de seu jardim para plantar flores, mas era um trabalho muito pesado. Seu único filho, que o ajudava nesta tarefa, estava na prisão. O homem então escreveu a seguinte carta ao filho: - Querido Filho, estou triste, pois não vou poder plantar meu jardim este ano. Detesto não poder aze-lo porque sua mãe sempre adorava flores e esta é a época do plantio. Mas eu estou velho demais para cavar a terra. Se você estivesse aqui, eu não teria esse problema, mas sei que você não pode me ajudar, pois estás na prisão. Com amor, Seu pai.Pouco depois o pai recebeu o seguinte telegrama: - PELO AMOR DE DEUS, pai, não escave o jardim! Foi lá que eu escondi os corpos.

Como as correspondências eram monitoradas na prisão... Às quatro da manhã do dia seguinte, uma dúzia de Agentes da Policia Federal apareceram e cavaram o jardim inteiro, sem encontrar nenhum corpo. Confuso, o velho escreveu uma carta para o filho contando o que acontecera. Esta foi a resposta: - Pode plantar seu jardim agora, pai. Isso é o máximo que eu posso fazer no momento. Estratégia é tudo! Nada como uma boa estratégia para conseguir coisas que parecem impossíveis. Assim, é importante repensar sobre as pequenas coisas que muitas vezes nós mesmos colocamos como obstáculos em nossas vidas.

A MODELO*

A moça que chegou para morar na rua deu o que falar. Era uma mulher alta, encorpada, morena, aparentando ter mais ou menos 20 anos e muito bem vestida. Dizem que era modelo internacional. Não havia falado com muitas pessoas a não ser com a minha vizinha Adeli. Segundo essa minha vizinha ela era muito simpática cheirava a rosas, tinha o cheiro de laranja saindo da boca. Seu cabelo era preto, encaracolado, passava um pouco dos ombros e balançava de acordo com o seu andar. Ela morava numa casa ampla, cor branca com jardins floridos na frente e uma caixa de correio quadrada e azul. Ou seja, era um lugar bonito e arrumado que combinava muito ela. Dizem que as coisas se parecem com seus donos. Como era bela não poderia sua casa ser de outro jeito. _____________________ *texto produzido coletivamente pelos alunos desta sala de aula, exclusivamente para esta aula.

CORRUPÇÃO* De todos os problemas que mais afligem as estruturas sociais, políticas e econômicas de nosso país o problema da corrupção é um dos mais visíveis. Geralmente se fala que os políticos brasileiros são corruptos as pessoas que fazem parte do próprio povo brasileiro acabam se esquecendo que suas ações podem também estar cheias de corrupção. Por exemplo. Quando uma pessoa oferece propina a um policial para não ser multado ele está cometendo um ato de corrupção, pois está contribuindo para que o cumprimento da lei não seja efetivado. Ou quando um funcionário público aceita dinheiro, presente ou mesmo algum favor para agilizar os processos ou atendimentos que devem se realizar da melhor maneira possível por que esta é sua obrigação. Todos esses são exemplos de corrupção com os quais todos nós infelizmente convivemos todos os dias. A corrupção é um mal que aflige e deteriora as estruturas de nosso país, pois cada um de nós é responsável pelo mesmo e se recorremos todos os dias ao nosso famoso “jeitinho brasileiro” estaremos sendo corruptos. Então, o melhor seria pararmos para refletir sobre as conseqüências dos nossos atos para que assim a corrupção deixe de ser uma chaga que inflama e atrasa o nosso país e passe a ser apenas uma amarga lembrança. _____________________ *texto produzido coletivamente pelos alunos desta sala de aula, exclusivamente para esta aula.

Quadro 7 Algumas falas dos alunos sobre as atividades realizadas a) “Professor, pode ser assim: quando eu falo sobre uma morte que teve na minha rua

e eu leio uma notícia no jornal sobre essa morte ou uma outra morte que tenha tido, mas que tenha sido parecida e também na rua, é como se o assunto [TEMA] fosse a violência e a morte, a forma como se matou e porque ele era traficante, ou tava devendo pra alguém e teve acerto de contas... é isso? Por que de qualquer forma o tema aí é a morte e a violência e eu posso falar disso ou ler isso num jornal”. (J.S., 16 anos). b) “Na música tá falando que um cara tá dizendo que não quer só comida, bebida, dinheiro, diversão e arte, mas é como se ele quisesse também respeito e pudesse falar dos problemas que muita gente. E a poesia fala de um homem que não tem nada, por isso ele tá no lixo catando restos de comida. Em um ele fala do que precisa pra sobreviver e no outro do que ele nem tem para fazer isso” (R.B.S., 16 anos) “É assim professor: é que na música uma pessoa tá dizendo que quer ter dignidade e na outra, na poesia, ele não tem nenhuma. E a mesma coisa é na notícia, por que ela fala de uma ação errada da polícia e no conto também, e nos dois teve a morte de uma criança. É o mesmo assunto só que tratado em textos diferentes” (J.S., 16 anos). “É como se na música e na poesia o assunto fosse carência, falta de alguma coisa que ele não tem e quer ter, mas não pode. E no outro [referindo-se à notícia e ao conto] ele fala de violência cometida pela polícia por que ela errou na hora de abordar as pessoas. E nos quatro é como houvesse falta de respeito com o ser humano.” (A.A.S., 25 anos). c) “Eu nunca tinha notado isso professor. Quando eu escrevia uma música, por que eu tenho uma banda, eu escrevia ela no papel todo, de uma ponta pra outra, e colocava o título por que sabia que tinha que ter, mas meu nome eu não sabia que era obrigatório ter. E eu já vi isso no encarte dos CD’s, mas nunca tinha pensado que era porque tinha que ter autoria” (J.S., 16 anos) “Eu sempre escrevia as músicas que eu gostava no meu caderno por que achava bonito e até fazia poesia pra minha namorada. Eu mostrava as duas pra ela ver se ela gostava e dizia que era pra ela. Mas, eu não sabia que elas tinham algo em comum. Eu já tinha notado que tem música que parece um poema, mas por que eu já tinha ouvido dizer isso. E é por isso que usava música como poema. Mas agora eu sei que música se faz por que tem gente que quer ouvir música e que poesia é por que é feita pra se ler. Agora eu também vi que uma poesia pode virar uma música” (M.D., 15 anos) “Eu vi que essa música e essa poesia falam de juventude, de vida, das dúvidas que a gente tem na vida mesmo, feito na adolescência eu tive. Mas nunca tinha notado que era parecida com a poesia e essa coisa de ter parte repetida, feito palavras e frases mesmo. Aqui mesmo nessa música tem partes repetidas [referindo-se ao trecho ‘somos tão jovens’, de Tempo Perdido]. E no poema e na música tem palavras e rimas e os dois não vai até o fim da pagina; é só um pedacinho. Por isso que eu via uma poesia eu sabia logo que era uma por que ela não vai até o fim do papel que nem quando eu escrevo na escola ou na carta que eu mando pra minha mãe. Eu também percebi quando tava lendo que elas têm título, mas não sabia que era obrigatório ter o nome de quem escreveu, mesmo que eu já tenha visto de outras vezes que poesia e música tem esse autor, mas não havia notado que sempre devia ter, não tinha percebido. Agora quando eu escrever poesia pra meu marido eu vou botar meu nome em tudo pra ele saber quem fez, por que ele sempre perguntava de onde eu tinha tirado aquilo”. (O.M.N., 29 anos) “Eu vi que poema pode ser falado e tem que ser escrito. Ele passa emoção sentimento. Mas música pode ser escrita, mas tem que ser cantada pra ser música, senão não é música. Poesia só pode virar música se você quiser cantar ela pra alguém. Aí ela vira

música, mas se não tiver melodia e canto ela é poesia”. (J.M., 18 anos) d) “Ele fala da careca do policial, que o quarto do homem era abafado, que a luz era amarela, que a casa e o povo era assim e assado. Por isso eu pensei que era descrição”(O.M.N., 25 anos) “Eu também pensei que era assim por causa disso que ela falou e porque, como tá escrito aqui na ficha, a descrição visa descrever pessoas, objetos e fatos. Ele tá dizendo que o homem é careca, que a luza é amarela que o quarto era abafado e pequeno que o chute na porta fez um barulho tal. Por isso que eu pensei”. (A.A.S., 25 anos) “Eu vi que era narração por que era alguém contando uma história. E ele escreveu com as coisas acontecendo em partes e de vez em quando ele falava que o policial era assim, que o homem era assim, que a mulher do homem fez isso. Aí eu me liguei logo” (J.S., 16 anos) NOTA: 1. Neste anexo preferi preservar, a título de fidelidade, a formatação original dos textos que foram utilizados impressos na sala de aula (fonte times new roman, tamanho 12 ).