PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E...

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO JOÃO ASSIS RODRIGUES PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA VITÓRIA 2008

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

JOÃO ASSIS RODRIGUES

PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA

VITÓRIA 2008

1

JOÃO ASSIS RODRIGUES

PRÁTICAS DISCURSIVAS DE REPRODUÇÃO E DIFERENCIAÇÃO NA PEDAGOGIA DA ALTERNÂNCIA

Tese apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação do Centro de Educação da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para a obtenção do grau de Doutor em Educação. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Regina Helena Silva Simões

VITÓRIA 2008

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HOMENAGEM

A Émile Creutz (In Memorian), Professor

Emérito da Université Catholique de Louvain-

La-Neuve, Bélgica. Filósofo e educador popular

que partiu aos 71 anos. Obrigado por seus

conselhos e por seu acompanhamento, sempre

presentes, de grande mestre.

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AGRADECIMENTOS

Ao terminar este trabalho, gostaria de exprimir minha profunda gratidão a todas as

pessoas que contribuíram para a realização desta tese, graças a seus apoios

esclarecidos e generosos,

- À Professora Regina Helena Silva Simões, minha orientadora, por ter

aceitado orientar esta tese e todos os desdobramentos de uma situação por si

mesma complexa e cheia de desafios, tratados com carinho e paciência

vindos do céu. A cada desafio, um conselho pertinente. Por sua dedicação e

disponibilidade em meio a tantos afazeres. Sua sapiência de mestre me

ensinou muito e me possibilitou a realização da tese. Exprimo aqui meu

profundo respeito e reconhecimento.

- À Professora Janete Magalhães Carvalho, orientadora de minha dissertação

de mestrado. Mais uma vez tive a honra de assistir às suas aulas e delas

participar, ouvir suas orientações e sugestões de leitura.

- Ao Professor João Batista Pereira Queiroz, amigo de longa data, pelos

caminhos da pedagogia da alternância. Por seu apoio, enorme disponibilidade

e conselhos pertinentes, que me permitiram avançar no trabalho.

- À Professora Maria Elisabeth Barros de Barros, pela disponibilidade e

amabilidade de seus conselhos, suas valiosas indicações de leitura,

particularmente relacionadas ao filósofo Michel Foucault.

- Ao Professor Carlos Eduardo Ferraço, pela qualidade de suas aulas, pelo

apoio incansável de grande amigo, pelos conselhos de grande mestre.

- Ao Professor Jadir de Morais Pessoa, pela disponibilidade e pronta

aceitação em compor o júri desta tese.

- Ao Professor Franco Cortesi, ex-professor e orientador da Universidade

Católica de Louvain-La-Neuve, Bélgica, por suas aulas sofisticadas e

interessantes, seu acompanhamento a um estrangeiro aprendente da língua

francesa, sua paciência e amabilidade que me possibilitaram superar as

dificuldades, progredir e concluir o trabalho sob sua orientação.

- Ao Professor Jean-Claude Gimonet, ex-diretor do Centro Nacional

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Pedagógico das Casas Familiares Rurais, em Chaingy, na França, pelo

acolhimento, seus conselhos e sua mediação indispensáveis para os estudos

realizados na França.

- Ao Professor Gaston Pineau, por seu acompanhamento na longitude de

minha luta para realizar esta tese. Amigo nas horas difíceis e incansável

incentivador.

- Ao Professor Émile Creutz (in memoriam) por sua generosidade e seus

conselhos no início de meus estudos em Louvain-La-Neuve.

- A todos os colegas da linha de pesquisa Cultura, currículo e formação de

educadores, que, nas reuniões semanais, sempre me ajudavam a “amolar as

ferramentas de trabalho”. Ocasiões privilegiadas para discutir nossos projetos

de pesquisa e os respectivos avanços.

- Ao Senhor Aimé Caeckelbergh, presidente da SIMFR (Solidariedade

Internacional dos Movimentos Familiares para a Formação Rural), e à sua

equipe de trabalho, principalmente a Pedro Puig e Geraldo Verhelst, pelo

apoio e acompanhamento durante minha estadia na Bélgica.

- À CAPES, pelo auxílio financeiro no doutorado.

- À UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), que me incentivou por

meio do extinto PICDT – Programa Institucional de Capacitação Docente –, e

aos colegas de trabalho.

- Ao Programa de Pós-Graduação em Educação da UFES, espaço de ricos

encontros de crescimento e aprofundamento, pela aceitação de meu projeto e

pelo apoio dos professores.

- À minha família Gilsa e os filhos Larissa, Leonardo e Luis Gustavo,

cúmplices em tudo, que me ajudaram a encontrar tempo e mobilizar as

energias necessárias à realização deste trabalho, aceitando serem, em certos

momentos, privados de minha presença.

- Finalmente a todas as outras instituições, pessoas, colegas e formadores:

RACEFFAES, Glorinha, Ângela, Brandão, Magides, Idalgiso, Flávio,

Chiquinho, Raquel, Vidal, Carlos Sossai, Gilda, Sérgio, Mário, Padre Firmino;

enfim, a todos que muito me ajudaram direta e indiretamente.

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RESUMO

Este estudo, intitulado As práticas discursivas de reprodução e diferenciação na

pedagogia da alternância, analisa as práticas discursivas de um grupo de 13

monitores atuantes em 12 escolas que praticam o ensino em alternância no Espírito

Santo. Os Centros Educativos Familiares de Formação por Alternância (CEFFAs) ou

Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) nasceram, em 1968, em Olivânia, município de

Anchieta/ES, e pouco a pouco se expandiram pelo Estado e pelo Brasil. Hoje o

conjunto dessas instituições totaliza 33 Centros no Espírito Santo e 275 no Brasil.

Neste estudo apresenta-se inicialmente a problemática da pesquisa e seu contexto,

seguido de um détour por meio do conceito de alternância, sua história no mundo e

o seu desenvolvimento no Brasil destacando a origem francesa dessa modalidade

de ensino e as diferentes tendências que foram se constituindo ao longo dos 40

anos de sua existência. O estudo das práticas discursivas dos educadores

(chamados de monitores) teve como principal ponto de apoio as entrevistas

realizadas junto a cada monitor que ao falar de sua prática, trazia referenciais de

problematização e análise de suas práticas.

As práticas discursivas dos monitores evidenciam uma pedagogia gerida e

conduzida por um coletivo constituído pelos monitores, estudantes, pais, instituições,

comunidades e organizações locais. O discurso dos monitores evidencia a

alternância enquanto uma modalidade pedagógica engajada no desenvolvimento

local, uma metodologia específica, um modo de organização e funcionamento

diferenciado inspirado em princípios da democracia. Um modo diferenciado de ser

educador e escola do/no campo. As escolas em alternância constituem um

movimento educativo articulado com outras dimensões com as quais a educação

interage para favorecer o domínio do poder e do saber, que possibilitam a autonomia

e a invenção de novos modos de existência.

Palavras chave: práticas discursivas, pedagogia da alternância, formação do

educador

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RESUMÉ

Cette étude, intitulée les pratiques discursives de reproduction et différentiation dans

la pédagogie de l’alternance, analyse les pratiques discursives d’un groupe de 13

moniteurs agissant dans 12 écoles qui pratiquent l’enseignement en alternance à

l’État de l’Esprit Saint. Les Centres Éducatifs Familiaux de Formation par Alternance

(CEFFAs) ou Écoles Familiales Agricoles (EFAs) sont nées, en 1968, à Olivânia

municipe d’Anchieta, et peu à peu se sont multipliés en Espírito Santo et au Brésil.

Aujourd’hui l’ensemble de ces institutions forment actuellement 33 centres en

Espírito Santo et 275 au Brésil.

Initialement l’étude présente la problématique de la recherche et son contexte, suit

d’un détour par moyen du concept d’alternance son histoire dans le monde et son

développement au Brésil en mettant en relief l’origine française de cette modalité

d’enseignement et les différentes tendances constitués tout au long des 40 ans de

son existence. L’étude de la pratique discursive des éducateurs (appelés moniteurs)

ont eux comme point d’appui les entretiens faites auprès de chaque moniteur. Les

donnes portait des référentiels de problématisation et d’analyse de leur pratiques.

Les pratiques discursives des moniteurs mettent en relief une pédagogie gérée et

pilotée par un collectif constitués des moniteurs, étudiants, parents, institutions,

communautés et des organisations locales. Les discours des moniteurs démontre

l’alternance comme une modalité pédagogique engagée dans le développement

locale, avec une méthodologie spécifique, un mode d’organisation et de

fonctionnement différée inspirée des principes de la démocratie. Un nouveau mode

d’être éducateur, d’école dans la campagne, ce qui constitue un mouvement éducatif

articulé à d’autres dimensions avec lesquels l’éducation interagisse pour favoriser le

domaine du pouvoir et du savoir qui permettent l’autonomie et l’invention des

nouveaux modes d’existence.

Mots Clés: pratique discursive, pédagogie de l’alternance, formation de l’éducateur

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LISTA DE SIGLAS E ABREVIAÇÕES

AAES – Associação dos Amigos do Espírito Santo - Itália - Brasil

AEC – Associação Escola Comunidade.

AECOFABA – Associação das Escolas das Comunidades e Famílias Agrícolas da

Bahia.

AEFACOT – Associação das Escolas Famílias Agrícolas do Centro Oeste e

Tocantins.

AEFARO – Associação das Escolas Famílias Agrícolas de Rondônia.

AIMFR – Association Internationale des Mouvements Familiaux pour la Formation

Rurale.

AMEFA – Associação Mineira das Escolas Famílias Agrícolas.

APEFA – Associação para a Promoção das Escolas Famílias Agrícolas da

Argentina.

ARCAFAR – Associação Regional das Casas Familiares Rurais.

ARCAFAR Norte e Nordeste – Associação Regional das Casas Familiares Rurais

das Regiões Norte e Nordeste.

ARCAFAR Sul – Associação Regional das Casas Familiares Rurais da Região Sul.

CEB – Câmara de Educação Básica.

CEBs – Comunidades Eclesiais de Base.

CEA – Centro Educativo e/ou Formativo em Alternância.

CEE – Conselho Estadual de Educação.

CEFFA – Centros Familiares de Formação em Alternância.

CdFR – Casa da Família Rural

CFA – Centro de Formação de Aprendizes – França.

CFP – Centro de Formação Profissional – França.

CIER – Centro Integrado de Educação Rural.

CFR – Casa Familiar Rural.

CNAS – Conselho Nacional de Serviço Social.

CPT – Comissão Pastoral da Terra.

DAC – Departamento de Ação Comunitária.

DISOP – Développement International du Sud-est du Parana - Bélgica - Brasil.

ECORM – Escola Comunitária Rural Municipal.

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EFA – Escola Família Agrícola.

EFA de EM e EP – Escola Família Agrícola de Ensino Médio e Educação

Profissional.

EPA – Escola Popular de Assentamento.

ETA – Escola Técnica Agrícola.

FAO – Food And Agricultural Organization (Órgão da Organização das Nações

Unidas para a Agricultura e Alimentação, com sede em Roma, Itália).

FIBGE – Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

FP – Folha de Pesquisa.

FUNACI – Fundação Padre Dante Civieiro.

INCAPER – Instituto Capixaba de Pesquisa, Assistência Técnica e Extensão Rural.

INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária.

IREO – Instituto Rural de Educação e Orientação – França.

ISER – Instituto Superior de Estudos da Religião.

JAC – Juventude Agrícola Católica.

MEPES – Movimento de Educação Promocional do Estado do Espírito Santo.

MERCOSUL – Mercado Comum do Cone Sul.

MFR – Maison Familiale Rurale – França.

MFREO – Maison Familiale Rurale d’Éducation et d’Orientation.

MPA – Movimento dos Pequenos Agricultores.

MST – Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra.

OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.

ONGs – Organizações não Governamentais.

PA – Pedagogia da Alternância.

PCN – Parâmetros Curriculares Nacionais.

PE – Plano de Estudo.

PF – Plano de Formação.

PPGE-UFES – Programa de Pós-Graduação em Educação em Educação da

Universidade Federal do Espírito Santo.

PROJOVEM – Programa de Formação de Jovens Rurais.

PRONAF – Programa Nacional de Agricultura Familiar.

PT – Partido dos Trabalhadores.

RAEFAP – Rede de Associações Escolas Famílias Agrícola do Amapá.

RACEFFAES – Rede das Associações dos Centros Familiares de Formação por

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Alternância do Espírito Santo.

REFAISA – Rede das Escolas Famílias Agrícolas Integradas do Semi-árido.

SIMFR – Solidarité Internationale des Mouvements Familiaux pour la Formation

Rurale – Bélgica.

SFR – Scuolas della Famiglia Rurale – Itália.

UEFAMA – União das Associações Escolas Famílias Agrícola do Maranhão.

UFES – Universidade Federal do Espírito Santo.

UNEFAB – União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil.

UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura

(Órgão da Organização das Nações Unidas sediado em Paris - França).

UNMFRs – União Nacional das Maisons Familiales Rurales – França.

UNMFREO – Union Nationale des Maisons Familiales Rurales d’Éducation et

d’Orientation – França.

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1 (Influência do movimento das EFA) .......................................................... 84 Quadro 2 (Influência do movimento das CFRs) ........................................................ 85 Quadro 3 - Monitores entrevistados por tipos de estabelecimentos, por nível de ensino e por faixa etária dos alunos ...................................................... 141 Quadro 4 – Distribuição dos estabelecimentos em alternância (Os CEAs) no Espírito Santo e seus respectivos agrupamentos ................................................... 144

Quadro 5 - Nível Qualificação ..................................................................................... 145 Quadro 6 - Experiência Profissional .......................................................................... 145 Quadro 7 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino fundamental) .... 147 Quadro 8 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino médio) ............... 148

Quadro 9 - Jornada dos estudantes em internato .................................................... 153 Quadro 10 - Jornada dos estudantes sem internato ................................................ 153

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SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................... 15 1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O INTERESSE PELA EDUCAÇÃO EM ALTERNÂNCIA ............................................................................... 18 1.2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA: CAMINHOS PERCORRIDOS .................................................................................... 25 2 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA: A CONSTITUIÇÃO DE UM CAMPO ..................................................................................................... 28 2.1 EMERGÊNCIA DA PROBLEMÁTICA: A PRODUÇÃO DISCURSIVA DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM ALTERNÂNCIA ........................ 28 2.1.1 A problemática da pesquisa ............................................................ 32 3 ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO............................................................... 44 3.1 O TERMO ALTERNÂNCIA E O SEU USO EM DIVERSAS CIÊNCIAS E EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO ...................................... 44 3.2 AMBIGÜIDADE DA NOÇÃO ALTERNÂNCIA ....................................... 51 3.3 A ALTERNÂNCIA EDUCATIVA: UMA PEDAGOGIA COMPLEXA ...... 52 3.4 A ALTERNÂNCIA E SUAS DIFERENTES MODALIDADES DE ORGANIZAÇÃO .................................................................................... 55 3.5 FORMAS ASSUMIDAS PELO ENSINO EM ALTERNÂNCIA............... 59 3.5.1 A questão da Integração e a interface na pedagogia da alter-

nância.................................................................................................62 4 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL .......................................... 65 4.1 O SURGIMENTO DO ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO ESPÍRITO SANTO: AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS .................................. 65 4.1.1 A expansão da alternância no interior do Espírito Santo e no Brasil .................................................................................................. 75 4.2 AS “CASAS FAMILIARES RURAIS” (CFR): UMA NOVA REDE DE CEFFAS DEDICADA À FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL .................................................................................................. 80 5 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NOS CAMINHOS DA ALTERNÂNCIA ..... 86 5.1 AS PUBLICAÇÕES E OS TRABALHOS CIENTÍFICOS NA TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS CEAS NO BRASIL E NO ESPÍRITO SANTO .................................................................................................. 86 6 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO ...................................... 116 6.1 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO: O DESAFIO DA ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA COMO PEDAGOGIA EDIFICANTE ..... 116

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7 O DISCURSO DOS MONITORES: DO CONTEXTO E DAS PRÁTICAS DOS CEAS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO ............... 142 7.1 AS ESCOLAS EM ALTERNÂNCIA E SEUS AGRUPAMENTOS ......... 143 7.2 ESCOLARIDADE E EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL DOS MONITORES ......................................................................................... 145 7.2.1 Exigências, grau de formação oferecido e o público-alvo .......... 146 7.2.2 Infra-estrutura das escolas .............................................................. 149 7.2.3 O trabalho produtivo na escola ....................................................... 149 7.2.4 As condições socioeconômicas e culturais das famílias ............ 150 7.2.5 As escolas e suas jornadas com e sem internato ........................ 151 7.3 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS MONITORES ........................... 154 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...................................................................... 180 9 REFERÊNCIAS ........................................................................................ 191

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1 INTRODUÇÃO

Esta tese, inserida entre as dez produzidas no Brasil (de 1998 a 2008) sobre a

educação em alternância, pretende contribuir para as reflexões do ensino em

alternância e oferecer novos elementos de problematização, de discussão e de

informação que possam auxiliar na formação de monitores1, professores e, por

extensão, dos educadores preocupados com a educação do/no campo.

A primeira parte deste trabalho, que não chamamos de capítulo, constitui a parte

introdutória e tece considerações iniciais acerca da tese, em que explicamos nosso

interesse pela educação em alternância e os caminhos percorridos no

desenvolvimento da pesquisa.

O trabalho está dividido em 6 capítulos, da maneira como se descreve a seguir.

No capítulo I, O ensino em alternância: a constituição de um campo,

apresentamos a questão norteadora da pesquisa, situando logo no início a

constituição desse ensino como produção discursiva, explicitando os problemas e a

discussão das práticas discursivas dos monitores no ensino em alternância.

No capítulo II, Alternância e educação, expomos o conceito da alternância,

partindo de uma “arqueologia” do conceito e do modo pelo qual se constituiu em um

campo discursivo. Devido aos vários estudos no mundo e também no Brasil que

foram dando nomes a essas práticas discursivas, buscamos neste estudo conceitual

identificar pontos de convergência e de diferenciação no modo de conceber e

organizar as práticas de alternância. Isso porque constatamos que a alternância não

é um conceito único, sua origem etimológica não possui nenhuma ligação com a

educação. Ela é, portanto, um conceito aberto a reinvenções. As várias

sistematizações do conceito em educação demonstram diferentes visões políticas,

pedagógicas e filosóficas que subjazem às invenções da alternância tanto no Brasil

como noutras partes do mundo. Sendo assim, apresentamos, ao final do capítulo, os

conceitos de integração e de interface como pontos de partida para analisar a

prática discursiva dessa pedagogia em movimento. Enquanto os estudos teórico-

1 O nome monitores corresponde ao nome dos educadores que trabalham com a pedagogia da alternância objeto desta tese.

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práticos franceses buscam, de certa forma, a unidade epistemológica e o

fortalecimento institucional da alternância, os estudos brasileiros estão mais voltados

para desenvolver nela o potencial instituinte.

No capítulo III, O ensino em alternância no Brasil, mostramos que alternância em

educação é uma produção discursiva de menos de um século, 70 anos na França,

40 anos no Brasil. Porém, nas últimas décadas, a educação em alternância

expandiu-se, recoloriu-se e se reconceituou. Hoje, a alternância em educação é um

discurso multiforme e complexo.

No capitulo IV, A produção científica nos caminhos da alternância, procuramos

reunir o que há no discurso que vem sendo sistematizado sobre a alternância,

principalmente nos últimos 10 anos, expresso nas várias publicações e trabalhos

científicos que constituem os estudos de referência sobre o assunto.

O capítulo V, Entre a repetição e a diferenciação, enriquece o referencial teórico,

que tratamos como algo abrangente e constituinte dos outros capítulos. Desse

modo, ao mesmo tempo em que formamos uma base para nossas análises no

capítulo VI, também estaremos, ao longo do trabalho, interagindo com toda uma

produção discursiva. Necessário se faz buscar um referencial que dê conta de

abordar a alternância em movimento de forma a possibilitá-la despir-se e

experimentar novas roupagens. Há, assim, um discurso de inventivo circulante entre

os monitores co-artífices no cotidiano. Nossa investigação empreenderá, mais

adiante, um olhar investigativo sobre “do quê” e “como” se produzem novos

desdobramentos.

Para o referencial teórico buscamos o aporte de vários autores co-autores da

produção discursiva. Destacamos, todavia, a contribuição do filósofo Michel

Foucault, que desenvolve as noções de formação e prática discursiva, inacabamento

da realidade, infinitude do movimento, liberdade como potencialidade humana,

produção de subjetividades, relações de poder e de saber, e relação entre teoria e

prática.

No capítulo VI, O discurso dos monitores: do contexto e das práticas dos CEAS no estado do Espírito Santo, apresentamos os dados e sua a análise.

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Finalmente, buscamos neste trabalho analisar práticas discursivas no ensino em

alternância que produzem subjetividades; ou seja, a emergência do sujeito na/da

produção discursiva, a não dissociação entre teoria e prática, que na diferenciação

de culturas e de sujeitos produza alteridade. Em outros termos, práticas

reinventadas.

Destacamos que a pedagogia da alternância praticada nos diferentes Centros

Educativos e/ou Formativos em Alternância (CEAs) do Espírito Santo não é única.

Seu modo de organização e de funcionamento orienta-se por princípios de

autogestão e de co-gestão centradas na participação efetiva do coletivo. Refletem,

portanto, a particularidade de cada contexto socioeconômico, político e cultural, além

de expressarem a vontade de um coletivo de se mobilizar em torno de objetivos

comuns de educação e de desenvolvimento social local.

A pedagogia da alternância não é vista pelos educadores (monitores) como um

modelo a ser implantado, mas como uma pedagogia a experimentar e que se vai

movendo pelas mãos dos agentes locais.

Ressaltamos ainda que o relatório apresentado é um instrumento do presente, fruto

de várias mudanças e no dia seguinte a sua formalização, passível de novos

olhares. Esse processo constante de “vir a ser” não mais nos angustia; ao contrário,

tranqüiliza-nos. Isso quer dizer que podemos saber como começar um projeto de

tese, mas não sabemos, com certeza, como terminá-lo. As certezas nesse momento

são equívocos epistemológicos. As mudanças começam com as novas leituras e

discussões dentro e fora das aulas; os trabalhos em grupo; os seminários; os

congressos; os colóquios; etc.; tudo vai movendo-se no tabuleiro da formação. As

conversas com o orientador, no nosso caso, foram momentos privilegiados de

demolição daquilo que nos pareciam convicções. As reuniões de qualificação nos

convenceram de que é conhecendo as fragilidades que podemos melhorar e dar

mais consistência epistemológica ao trabalho acadêmico.

Portanto, este trabalho é fruto de várias transformações e de muitas contribuições; e

por isso não se configura como um trabalho solitário, pois o conhecimento é uma

síntese provisória.

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1.1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS: O INTERESSE PELA EDUCAÇÃO

EM ALTERNÂNCIA

Como professor da disciplina Prática de Ensino de Filosofia na Universidade Federal

do Espírito Santo (UFES), em 1994 fomos convidados por um ex-professor da UFES

para participar como colaborador de um curso de formação inicial de monitores e

monitoras, numa parceria entre a UFES e o Centro de Formação e Reflexão das

Escolas Famílias Agrícolas do Espírito Santo2. Um projeto de parceria que

mobilizava vários professores da universidade.

Essa colaboração, aceita voluntariamente, muito nos inquietou, tendo em vista o fato

de estar assumindo a participação num projeto já em andamento e pela forma como

o processo se desenvolvia3. No Centro de Formação do MEPES, eu e meus colegas

da universidade “dávamos” aulas expositivas o dia inteiro para alunos-monitores, em

pleno exercício do ensino em alternância, sem que os conteúdos estivessem

vinculados às suas verdadeiras necessidades de formação. O descompasso entre o

que fazíamos e o que deveríamos fazer trazia conseqüências e gerava contradições

já percebidas pelos monitores em formação, com os quais se estabeleceu um

diálogo que nos trouxe duas interrogações:

1ª – Quais são as conseqüências desta maneira de proceder para o ensino em

alternância?

2ª – Ligada à primeira, foi-nos colocada pelos então alunos em sala de aula: “De que

nos servirá este conjunto de teorias e métodos gerais que vocês tentam nos ensinar

se na nossa prática pedagógica temos que trabalhar de maneira diferente?”

Essas questões, entre outras, colocaram-nos numa trajetória continuamente

contraditória. Como professor, não sabiamos fazer outra coisa a não ser procurar

estudos teóricos de experiências brasileiras em alternância para em seguida

“ensinar aos monitores”, atores do ensino, sem, contudo, conhecer suas verdadeiras

2 O Centro de Formação é, segundo Nosella, 1977, um organismo criado para formar operadores, principalmente monitores para atuarem nas EFAs. O CF pertence ao Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo – MEPES. 3 Havia um Plano de Estudo que oferecia algumas pistas orientadoras para as disciplinas oferecidas. Todavia, essas orientações eram ignoradas pela maioria dos professores, que já traziam um plano de trabalho de fora. Não havia articulação entre os professores da UFES, nem entre os outros que participavam do curso.

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necessidades de formação.

Assim, após uma inserção no contexto das EFAs, por meio do curso de formação

inicial de monitores, começamos em seguida a visitar as escolas no seu cotidiano,

encontrando com sujeitos do/no contexto. Procuramos contatar pessoas diretamente

envolvidas com essas escolas: monitores, alunos, ex-alunos, famílias e

administradores. Esses contatos nos permitiram conhecer um campo de práticas

discursivas – no sentido foucaultiano – ou seja, uma modalidade pedagógica, a

alternância. Além disso, possibilitou-nos identificar os diferentes sujeitos atuantes

em distintos níveis de ensino, uma metodologia de ensino, dispositivos específicos

de uma iniciativa pedagógica diferenciada e um campo educativo. Isso nos permitiu

dentro de um longo percurso de estudos “re-centrar” a abordagem do tema a partir

dos estudos foucaultianos. Essa perspectiva de interrogação e análise do objeto de

estudo nos levou a propor e desenvolver a pesquisa que resultou na presente tese.

Entre os diferentes sujeitos atuantes nas escolas que funcionam em regime de

alternância, constatamos o papel fundamental dos monitores no processo existencial

dessas instituições. Eis o motivo pelo qual nós os escolhemos como sujeitos de

nossa investigação. Gostaríamos, portanto, de analisar as práticas discursivas de

reprodução e diferenciação na pedagogia da alternância desenvolvida pelos

monitores que atuam nessa modalidade de ensino no Espírito Santo.

Estudos da alternância na Universidade Católica de Louvain e na Universidade

Federal do Espírito Santo.

Em agosto de 1997, tendo já cumprido as exigências burocráticas para ingresso em

uma universidade estrangeira, desembarcamos eu e minha família na Bélgica, na

cidade universitária da Universidade Católica de Louvain-La-Neuve (UCL), para

cursar doutorado em ciências da educação, mais especificamente no campo dos

estudos relacionados ao ensino em alternância.

Antes do ingresso no curso de doutorado, foi necessário realizarmos um programa

chamado Diploma de Estudos Aprofundados (DEA) e cumprir uma etapa obrigatória

de estudos preparatórios. A realização desse estudo culminou na realização de uma

dissertação defendida em 11 de janeiro de 1999, que enfocou o ensino em

alternância desenvolvido nas “Escolas Famílias Agrícolas” do Brasil.

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Em novembro de 1999, ingressamos no programa de doutorado da Faculdade de

Psicologia e Ciências da Educação da UCL. Para o desenvolvimento da tese,

delimitamos o estudo aprofundado das práticas pedagógicas em alternância

desenvolvida pelos educadores do meio rural no Estado do Espírito Santo.

Em 2001, tendo vencido as etapas do programa, tais como a aprovação do projeto,

o estudo de disciplinas obrigatórias, a realização da coleta de dados no Brasil e a

primeira qualificação, iniciamos a etapa de tratamento e análise dos dados.

Em virtude dos compromissos profissionais no Departamento de Didática e Prática

de Ensino (DDPE) da UFES, retomamos as atividades na universidade em setembro

de 2001, conforme os prazos estipulados no processo de afastamento.

Mantivemo-nos, todavia, regularmente matriculado no curso de doutorado da UCL

até novembro de 2003, quando, em conformidade com o regulamento, trancamos o

curso para regularizar a matrícula somente quando a tese estivesse concluída.

Para assinalar que esta pesquisa vem de uma longa trajetória precedida não apenas

pelo vaivém de percursos de curtas e longas distâncias e do âmbito acadêmico, mas

também por um longo período de busca do conhecimento, da experiência do outro, é

importante destacar a experiência de vivência e estudos na Europa. O período de

estada na Bélgica foi de dificuldades, descobertas e muitas buscas. As visitas a

diferentes experiências de formação em alternância na Espanha, Bélgica e

especialmente na França, foram enriquecedoras. Muitas foram as viagens e os

contatos com associações mantenedoras, organizações governamentais e não-

governamentais, diretores de centros de formação e de escolas, monitores,

formadores e educadores, instituições, empresas, parceiros externos e alunos. Além

disso, devem-se destacar a realização de cursos, a participação em seminários, as

viagens de estudos, as visitas a empresas, familiares ou não, e a diversos campos

de estágios. Também o contato com pesquisadores deu-nos uma contribuição

importante no sentido do conhecimento, de um ângulo mais amplo, dessas

experiências formativas para tratar do objeto de estudo em questão, ou seja, abordar

as experiências brasileiras com um olhar mais amplo. Isso sem dúvida, alargou

nossos conhecimentos teórico-práticos sobre o assunto.

Por razões exteriores à nossa vontade e empenho acadêmico, fomos encontrando

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grandes dificuldades, tanto na comunicação com os orientadores quanto no próprio

processo de orientação, que estava em mãos distantes e inteiramente fora de

nossas expectativas. Depois de muita reflexão, percebemos que, para concluir o

doutorado nas condições impostas por Louvain precisaria de um período

complementar de afastamento e estadia na Bélgica (não mais permitido pela UFES).

Em face desse impasse de comunicação e do nosso interesse em avançar e concluir

uma formação que já culminava numa quase tese, decidimos, sob orientação e

acompanhamento da CAPES, solicitar no início de 2005, nossa transferência para o

Curso de Doutorado no Programa de Pós-Graduação em Educação PPGE – UFES.

Uma vez submetido aos critérios de admissão do programa de doutorado em

educação, fomos aceitos em 2006, para prosseguir e concluir a tese no referido

programa, dentro do qual regularizamos a matrícula e propomos o término da tese

em 2008, conforme cronograma acordado com a CAPES.

O ingresso no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal

do Espírito Santo ocorreu, em princípio, no sentido de dar prosseguimento ao projeto

iniciado e concluir a tese. O regulamento do programa exigiu-nos a realização de um

bloco de disciplinas, a instituição de novo orientador e o engajamento na linha de

pesquisa intitulada “Currículo, cultura e formação do educador”. Essas exigências

provocaram mudanças profundas nos nossos estudos, graças aos novos horizontes.

Os aportes teórico-metodológicos vindos de novo contexto acadêmico e orientação

nos colocou em contato com as recentes tendências e correntes de pensamento em

educação. Os novos estudos de autores e de abordagens dos processos de

educação e formação nos levaram a efetuar uma releitura crítica e a problematizar

tudo o que havíamos escrito anteriormente; algo que nos fez realizar profundas

mudanças no que havíamos desenvolvido.

O desafio que se colocava consistia em dar conta da riqueza do campo de estudos,

sua complexidade, novas interrogações e novas abordagens dentro da qual o objeto

desta pesquisa se situava.

Definimos, portanto, o enfoque da pesquisa: as experiências de ensino em

alternância no/do meio rural, mais especificamente, em instituições situadas no

Estado do Espírito Santo, Brasil. O estudo investiga as práticas discursivas de

22

monitores, atuantes em Centros Educativos e/ou Formativos em Alternância (CEAs)

que desenvolvem uma modalidade educativa por alternância voltada para a

educação de crianças, adolescentes e jovens do campo.

A alternância constitui uma modalidade educativa que utiliza espaços e tempos com

lógicas de funcionamento diferentes, divididos entre o meio escolar (com monitores)

e o meio socioprofissional (com a família, a comunidade, o trabalho). O período de

permanência nos meios escolar e socioprofissional pode ser igual num e noutro

meio, ou menor ou maior em qualquer um dos dois. No período de permanência no

meio escolar, prevalece a lógica de aprendizagem do conhecimento geral, de caráter

mais teórico. Trata-se de atividades mais próximas das características escolares sob

o acompanhamento dos monitores. No meio extra-escolar prevalece a lógica da

aprendizagem da vida socioprofissional, com o acompanhamento de um tutor-

orientador, de um profissional ou de um mestre de estágio.

O ensino em alternância no Espírito Santo deu origem a um conjunto de

experiências educativas em expansão pelo Brasil dentro da chamada “pedagogia da

alternância,” sob diferentes denominações e em diferentes instituições. Nesta

pesquisa, utilizamos o nome Centros Educativos e/ou Formativos em Alternância

(CEAs)4 para denominar genericamente o conjunto das instituições educativas que,

de forma predominante, mas não exclusiva, se tornaram conhecidas no Espírito

Santo com o nome Escola Família Agrícola (EFA)5.

A primeira iniciativa concreta precedente a essa proposta de tese, conforme

mencionamos anteriormente, consistiu na realização de uma dissertação defendida

no Instituto de Formação de Adultos-FOPA, da Universidade Católica de Louvain-

UCL, intitulada Escolas Famílias Agrícolas: um modelo de desenvolvimento para o

4 Decidimos utilizar o nome Centro Educativo e/ou Formativo em Alternância (CEA), inspirado em materiais informativos da União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil (UNEFAB) e em documentos internacionais sobre o assunto. Com isso, pretendemos designar o conjunto das escolas ou centros de educação ou de formação em alternância EFAs, CEFFAs, CFRs, ECORMs e outras instituições situados no Estado do Espírito Santo e no Brasil. 5 No Espírito Santo, atualmente, há diferentes nomes atribuídos aos CEAs: as “Escolas Famílias Agrícolas” (EFAs), “Escolas Comunitárias Rurais Municipais” (ECORM), “Escolas Populares de Assentamento” (EPAs) e “Escolas Famílias Agrícolas autônomas” (EFAs). Constatamos, ainda, que entre as escolas ou Centros Educativos e/ou Formativos em Alternância que constituem os diferentes agrupamentos de escolas no Espírito Santo, as Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) são as instituições mais numerosas e representam em torno de 70% do total dessas instituições no Estado. Atualmente, a maioria dos CEAs são afiliados à “União Nacional das Escolas Familiares Agrícolas do Brasil” (UNEFAB).

23

meio rural. Um estudo voltado às Escolas Famílias Agrícolas (EFAs) no Brasil.

Essas instituições inspiraram-se em escolas do meio rural francesas criadas em

1935 no interior dos movimentos camponeses que procuravam novas alternativas

educativas para formar seus filhos para o trabalho no campo. Conhecidas na Europa

há mais de meio século com o nome de Maisons Familiales Rurales (MFR), essas

instituições desenvolveram uma modalidade particular de educação e de formação

em alternância voltada para o meio rural.

A análise dos dados obtidos por meio de um estudo exploratório, contato com os

monitores atuantes e de estudos documentais, permitiu-nos a descrição das

principais características das EFAs (CEAs) e seus dispositivos: uma modalidade

educativa fundada na alternância entre o meio de vivência escolar e o meio externo;

uma filosofia de educação em movimento dinâmico de integração às necessidades

dos atores; uma metodologia específica voltada para a apreensão dos elementos da

cultura local ou regional; uma escola emergente das forças sociais locais. Mediante

os elementos de integração ao meio, constatamos que as EFAs (CEAs) constituem

uma modalidade de formação alternativa para os trabalhadores camponeses no

Espírito Santo.

Atualmente, no Espírito Santo, encontra-se a maior concentração de

estabelecimentos de formação em alternância do Brasil, onde a fonte de origem, a

expansão e a diferenciação formam um contexto particular no qual as características

se assemelham e se diferenciam ao mesmo tempo. Segundo o relatório da União

Nacional das Escolas Familiares do Brasil (UNEFAB, 2007) e do Regional das

Associações dos Centros Familiares de Formação em Alternância do Espírito Santo

(RACEFFAES, 2007), o conjunto dessas escolas forma um total de 33 unidades

espalhadas pelo interior do Estado, todas no campo, formando um conjunto de

estabelecimentos com experiências diversas de ensino em alternância no campo.

Essas escolas foram criadas no final dos anos 1960, como uma alternativa de

educação voltada para os filhos e filhas de camponeses, e atendeu inicialmente os

jovens e adultos. Posteriormente o público passou a constituir-se de crianças,

adolescentes e jovens de diferentes contextos regionais. Obedecendo às diretrizes

do ensino básico brasileiro, essas escolas integram, com sua especificidade, o

sistema de instituições de ensino básico majoritariamente de caráter não-

24

governamental, atendendo a dois níveis: o pós-primário e o médio profissional6.

O modo de alternância dos CEAs organiza-se em torno de dois pólos: a escola e o

meio sociofamiliar ou socioprodutivo . Atualmente, a maioria dos CEAs se encontra

à margem dos benefícios das políticas educativas oficiais, segundo a UNEFAB

(2007). Essa modalidade de ensino em alternância, nascida durante o período da

ditadura militar, dentro de um meio social atingido por uma sucessão de crises

político-econômicas, consolidou-se como uma alternativa de educação ao sistema

de ensino formal no campo. Atualmente, o conjunto dos CEAs é formado, em sua

grande maioria, de instituições não-governamentais sem fins lucrativos, reunindo

associações locais e regionais, a maioria delas afiliadas, em nível nacional, à

UNEFAB, que se destaca como o principal organismo representante da grande

maioria dessas escolas, e nos últimos anos vem reivindicando um maior

reconhecimento e recursos públicos7. Esse reconhecimento é visto como um ponto

de significativa importância para essas escolas por duas razões:

a) exigir do Estado brasileiro o cumprimento de suas obrigações legais em relação à

educação básica8;

b) permitir o desenvolvimento da modalidade de ensino em alternância no meio

rural, sem que essas instituições tenham que obrigatoriamente se tornar propriedade

do Estado ou do município, de maneira que elas fiquem sob a responsabilidade das

associações locais e das organizações não-governamentais sem fins lucrativos.

Dentro do quadro de uma pesquisa da modalidade de ensino em alternância no

Brasil, pretende-se, a seguir, situar a problemática a partir das interrogações que

nos impulsionaram na constituição de nosso objeto de pesquisa.

6 Segundo a legislação brasileira (Lei de Diretrizes e Bases, 1996), “O ensino básico é um direito do cidadão e um dever do Estado brasileiro”. Ele corresponde ao ensino primário de primeira a quarta série, ao pós-primário de quinta a oitava série e ao ensino médio de caráter geral e profissional. 7 Segundo as reivindicações do conjunto das escolas rurais em alternância ratificadas pelo VI e VIII Congresso Internacional dos Centros Familiares de Formação em Alternância; o VI realizado na cidade de Guarapari, Espírito Santo, em 1996, e o VIII na cidade de Puerto Iguazú, na Argentina, em 2005. 8 O financiamento público de instituições educativas não governamentais é um tema polêmico no Brasil. Mesmo assim a UNEFAB parte do pressuposto de que o Estado brasileiro, na figura do município ou do Estado, deveria assumir financeiramente todos os CEFFAS do Brasil, mesmo não sendo eles escolas públicas.

25

1.2 DESENVOLVIMENTO DA PESQUISA: CAMINHOS PERCORRIDOS

Tema e contexto. A pesquisa foi desenvolvida com monitores atuantes nas escolas

de ensino básico (fundamental, de 5ª a 8ª séries, e médio) que praticam o ensino em

alternância no interior do Estado do Espírito Santo. O tema definido para o nosso

estudo foi: As práticas discursivas de reprodução e diferenciação na pedagogia

da alternância no Espírito Santo.

Selecionamos um grupo de monitores atuantes nas 12 das 33 escolas de nível pós-

primário (fundamental) e médio existentes nas regiões norte e sul do Estado.

Objetivo da pesquisa. Analisar as práticas discursivas de reprodução e

diferenciação na pedagogia da alternância desenvolvida por monitores que atuam no

ensino em alternância no Espírito Santo.

A realização da entrevista. Para encontrar os monitores, primeiramente fizemos

contatos com os responsáveis de cada rede ou grupamento de escolas e,

simultaneamente, com os responsáveis dos estabelecimentos aos quais

apresentamos os critérios. Esse procedimento nos permitiu estabelecer contato com

os monitores e entrevistá-los no próprio local de trabalho. Nossa estratégia de

abordagem, explicada a cada um, consistiu numa conversa a ser gravada, partindo

de questões (abertas) voltadas às práticas pedagógicas em alternância que eles

desenvolviam nas escolas. No transcorrer da entrevista, eles podiam acrescentar e

também colocar suas questões, procurando não fugir ao tema central.

Em levantamento realizado no início de 2008, constatamos que, dos 15 sujeitos

entrevistados no final de 2001 – e havendo passado cerca de 6 anos da época em

que foram feitas as primeiras entrevistas – havia ainda 13 monitores em atuação,

sendo que a maioria deles nas mesmas escolas. Em face da necessidade de uma

atualização dos dados e tendo em vista o fato de que apenas dois dos monitores

não seriam mais encontrados, retornamos a eles no início de 2008, com tal objetivo

e também para acrescentar outras informações aos dados já obtidos anteriormente.

Definição dos sujeitos. Selecionamos 13 monitores pertencentes a 12

estabelecimentos, entre os quais 9 atuam em escolas que oferecem o nível de

ensino fundamental, 2 atuam em escolas que oferecem ensino médio, e apenas 1

26

atua em escola que oferece os dois níveis ao mesmo tempo. Nas diferentes escolas

selecionadas, escolhemos entrevistar um monitor por estabelecimento, salvo no

CEA que oferece os dois níveis de ensino. Estabelecemos critérios passíveis de nos

permitir a reunião de uma diversidade de atores, dentro de uma variedade de

instituições pertencentes a diferentes sistemas de gestão e operação da alternância.

Dessa maneira, estabelecemos os critérios que nos permitiram abordar os sujeitos

de nossa pesquisa.

Distribuição das entrevistas. No que concerne à distribuição das entrevistas,

constatamos que a maior parte dos sujeitos a serem entrevistados pertenciam ao

grupamento de escolas do MEPES, respeitando-se o critério de variedade de

contextos geográficos situados no norte e no sul do Estado. Assim, o critério

norteador da escolha dos sujeitos foi o de abranger diferentes realidades. Por isso,

escolhemos contextos que se diferenciam em termos de economia, modo de

organização escolar, cultura, história e localização geográfica.

Informações dos sujeitos. Na pesquisa, foram levadas em consideração as

informações relacionadas à situação contextual dos CEAs: localização geográfica,

situação socioeconômica e cultural dos habitantes, características do

estabelecimento, tipo de ensino e nível ofertado, estrutura e condições materiais das

escolas.

Em relação às características pessoais do monitor, foram levados em consideração:

origem, situação socioeconômica, sexo, idade, estado civil, experiência profissional,

função que exerce, disciplina ou disciplinas sob sua responsabilidade e seu nível de

escolaridade.

O ensino em alternância e a pesquisa de campo. Em relação ao modo de

funcionamento em alternância, foram levadas em consideração as seguintes

informações: objetivos, modo de funcionamento, metodologia e meios utilizados, os

monitores e seus papéis.

Para que pudéssemos desenvolver a pesquisa definitiva em campo, em 2008,

segundo as previsões de nosso projeto, formulamos as questões com base no

material recolhido durante as entrevistas dentro da etapa exploratória no ano 2001.

27

Após as informações recolhidas no momento anterior, ou seja, no momento da

nossa pesquisa exploratória (ano 2001), elaboramos um guia de entrevista com

questões centrais e secundárias. O guia pretendeu-se suficientemente sintético e

igualmente aberto a novas informações surgidas ao longo das entrevistas9.

Para a realização das entrevistas, foi adotado o mesmo procedimento do ano 2001,

na chamada pesquisa exploratória. Com base nas questões centrais, e sem perder

de vista as questões secundárias, fomos apresentando as questões sempre

deixando o entrevistado livre para se exprimir. Várias questões suscitadas pelas

respostas foram recolocadas no desenvolvimento da entrevista. Foi estabelecido um

tempo variável entre 60 e 90 minutos para a duração das entrevistas, sendo possível

sua gravação para uma posterior transcrição. No segundo encontro, realizado em

2008, as entrevistas não foram gravadas, mas escritas diretamente das falas dos

monitores.

9 Apresentamos as questões centrais utilizadas nas entrevistas com os monitores na última página do capítulo 1.

28

2 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA: A CONSTITUIÇÃO DE UM CAMPO

No Brasil, o ensino em alternância constitui um campo educativo em expansão e um

conceito em difusão na literatura pedagógica. O conceito de alternância encontra-se

inserido nas discussões sobre inovação pedagógica, modalidade de formação

profissional de adolescentes, jovens e adultos, inserção socioprofissional, e

integração entre o meio de vida escolar e o meio de vida socioprofissional.

Apesar de sua inscrição no mundo das discussões e práticas consideradas

progressistas, ensino em alternância é ainda um campo em constituição. No que

tange aos graus de escolaridade, a formação em alternância não conquistou além

do ensino básico, outros graus de ensino. No que concerne ao espaço geográfico,

as experiências educativas em alternância ainda continuam restritas ao meio rural,

não ganharam ainda outros espaços como as cidades, os sistemas de ensino, as

industrias e as empresas de serviços. A alternância é uma modalidade de ensino a

ser melhor conhecida e com muitas possibilidades de desenvolvimento noutros

espaços, noutros níveis e dimensões. Apesar dessas considerações e de acordo

com o objetivo de nosso estudo, faremos a seguir um levantamento da problemática

no qual colocaremos as questões básicas de nosso estudo. No capítulo 2, intitulado

“Alternância e Educação” apresentaremos a gênese do conceito para que se

conheçam sua etimologia e abrangência, e se entenda o seu movimento existencial.

2.1. EMERGÊNCIA DA PROBLEMÁTICA: A PRODUÇÃO DISCURSIVA

DAS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS EM ALTERNÂNCIA

As primeiras experiências educativas em alternância no Brasil começaram no final

da década de 1960, no Estado do Espírito Santo, e foram pouco a pouco se

expandindo ao longo dos anos 1970 até formar um total de 10 escolas em 1980.

Na década de 1980, o fim da ditadura militar (1964-1985) possibilitou um ambiente

propício para a criação de associações cooperativas e de instituições não-

governamentais de caráter associativo. Assim, com a instituição de governos

democráticos, novas formas de ação social foram criadas nos campos religioso,

político e educativo.

29

A multiplicação de associações camponesas tornou-se uma realidade no Espírito

Santo e também no restante do Brasil. As escolas em alternância se inserem nesse

contexto de lutas pela democratização da educação e por iniciativas de formação

que sejam alternativas ao modelo oferecido pelo Estado brasileiro.

A partir de 1985, a alternância ganha significativa importância como proposta

pedagógica voltada para pré-adolescentes, adolescentes, jovens e adultos do

campo, constituindo atualmente um campo de práticas pedagógicas em expansão

em diferentes regiões brasileiras.

Essas experiências educativas dos CEAs, conhecidas sob o nome de pedagogia da

alternância, emergem de um movimento social de caráter campesino, que se

organiza na busca de alternativas educativas que respondam às necessidades e aos

problemas vivenciados especialmente pela agricultura de base familiar, hoje

constituída na sua quase totalidade por pequenos agricultores e trabalhadores do

campo.

Um cruzamento dos dados de diferentes trabalhos sobre o tema – Silva (2000); Cruz

e Queiroz (2004); Nosella (2007), entre outras fontes – permite-nos afirmar que as

diferentes instituições em alternância atendem no Brasil cerca de 20.000 jovens

(MEC/SECAD2007), abrangendo milhares de famílias de agricultores em 6.000

comunidades rurais espalhadas por 800 municípios do Brasil.

Direta e indiretamente, o trabalho dessas escolas atinge mais de 100.000

camponeses, que, na sua grande maioria, são pequenos agricultores, meeiros,

assalariados agrícolas e assentados rurais10.

Nosso estudo preliminar nos leva a constatar a eclosão de um fenômeno educativo

de caráter alternativo do qual estão se apropriando as camadas populares e

marginalizadas pelas políticas públicas voltadas para o campo. Assim, pelas mãos

das famílias, de educadores diplomados ou não, de agentes sociais e de

associações cooperativas, pequenas organizações escolares centradas no modo

associativo são erigidas e geridas pelo bom senso educativo de seus protagonistas.

10 Segundo Silva (2000 p.89), somente no sistema das chamadas Escolas Famílias Agrícolas “ocorre o ingresso de 4.000 alunos (...)” e “apenas um pequeno percentual, em torno de 5%, são jovens oriundos de famílias de médios agricultores”. Segundo dados do (MEC/SECAD 2007), esses dados já estão defasados.

30

No interior dessas instituições criadas em contextos diferentes, constituem-se

diferentes tipos, modos de funcionamento e lógicas de relações socioeducativas.

Atualmente, segundo a União Nacional das Escolas Famílias Agrícolas do Brasil

(UNEFAB 2007), o número de Centros Familiares de Formação por Alternância

(CEFFAs) compõe-se de 248 instituições, espalhadas por 22 dos 26 Estados da

Federação. Segundo a mesma fonte, esse número ultrapassará 300 instituições até

2010, pois há no momento 60 CEFFAs em fase de criação. Vários organismos

governamentais nas áreas de educação, ação social, agricultura e organismos não-

governamentais, como cooperativas, sindicatos, igrejas e associações

independentes, manifestam seu interesse em conhecer e/ou criar escolas com essa

modalidade de ensino.

A multiplicação de instituições educativas ou formativas no Brasil ocorre em

descompasso com a difusão dos trabalhos científicos que vêm sendo produzidos

dentro desse campo educativo. Esses fatores trazem em seu bojo uma problemática

que, segundo alguns autores, como Rodrigues (1999) e Queiroz (2004), não tem

sido suficientemente orientada pelos estudos tangenciadores, sobretudo no âmbito

das práticas pedagógicas.

Também o contato e a interlocução com outras experiências de ensino em

alternância, nos âmbitos local, nacional e, principalmente, internacional, mostram-se

ainda deficientes. Em decorrência disso, as práticas pedagógicas dos monitores-

educadores revelam-se fortemente influenciadas por um único pólo de pensamento,

ou autor, ou pelo senso comum pedagógico. Dessa forma, há um campo de empiria

e muitas interrogações sobre os seus pressupostos. Indaga-se sobre os

fundamentos e as práticas pedagógicas em alternância, sua metodologia e

diversidades de práticas pedagógicas dos monitores-educadores. Em suma, há uma

prática discursiva em alternância a investigar.

Inspiradas no modelo francês das Maisons Familiales Rurales (MFR), as

experiências educativas em alternância vêm-se desenvolvendo dentro de dois

movimentos e formam duas tendências majoritárias no ensino em alternância

31

brasileiro11. Desse modo, constata-se de um lado as Escolas Famílias Agrícolas

(EFA-CEA), e de outro as Casas Familiares Rurais (CFR)12. Para além das

especificidades e diferenças, Silva (2000) apresenta, em linhas gerais, os

fundamentos que sustentam os dois grandes movimentos.

Segundo a autora, eles têm a alternância como princípio norteador dos seus projetos

educativos. Tal princípio repousa sobre a combinação, no processo educativo, de

períodos de vivência no meio escolar e no meio sociofamiliar e produtivo. Alternam-

se, assim, duas lógicas de aprendizagem em meios e atividades diferentes: a

aprendizagem do trabalho no meio sociofamiliar e produtivo, e a teórica geral na

escola que, além das matérias consideradas básicas, propõe atividades

socioeducativas ligadas à aprendizagem da vida associativa e comunitária.

Outros princípios, como a participação das famílias como parceiras na educação e

na co-gestão da escola, e a perspectiva de desenvolvimento local, constituem os

três pilares sustentadores das práticas pedagógicas brasileiras em alternância.

Queiroz (2004) e Begnami (2007) apontam como fundamento, além das famílias

reunidas em uma associação, a alternância e o desenvolvimento do meio, um quarto

princípio norteador (um quarto pilar): a formação integral dos jovens.

Abordando a alternância como princípio pedagógico, Silva (2000 p. 16) salienta que:

Mais que uma característica de sucessões repetidas de seqüências, a alternância, enquanto princípio pedagógico, visa desenvolver na formação dos jovens situações em que o mundo escolar se posiciona em interação com o mundo que o rodeia. Buscando articular universos considerados opostos ou insuficientemente interpenetrados – o mundo da escola e o mundo da vida, a teoria e a prática, o abstrato e o concreto – a alternância coloca em relação diferentes parceiros com identidades, preocupações e lógicas também diferentes: de um lado, a lógica da escola e a lógica da transmissão de saberes e, de outro, a família e a lógica da pequena produção agrícola.

Ao apresentar uma dinâmica própria e uma proposta de articulação-interação entre

diferentes meios, dimensões e sujeitos, as experiências pedagógicas em alternância

portam uma problemática complexa relativa aos campos organizacional, pedagógico

e relacional.

11 Depois da França, o Brasil atualmente ocupa o 2° lugar entre as 43 nações que adotam como referência o modelo de alternância inspirado nas MFRs. 12 Dentro das duas grandes tendências, computamos atualmente 145 CEA do tipo EFA e 105 CEA do tipo CFR em funcionamento.

32

A gestão dessa complexidade da alternância coloca-se como uma problemática a

ser estudada e compreendida, pois essas experiências nasceram em um dado

contexto para responder a certos objetivos e se estruturaram por meio de um modo

particular de organização. Assim, uma modalidade predominante com características

tradicionais pode dar origem a formas mistas de ensino em alternância, assim como

uma nova modalidade com características novas pode emergir.

A necessidade de situar um modo de prática em relação a outras ou mesmo de

investigar uma nova faz parte da problemática desse estudo das práticas

discursivas.

Nessa perspectiva, o modo de organização e funcionamento, a abordagem

pedagógica, a consideração aos saberes, a metodologia utilizada e o tipo de

relações desenvolvidas entre o monitor e os diferentes sujeitos constituirão os

elementos centrais de nossa análise.

2.1.1 A problemática da pesquisa

A alternância como prática educativa não é uma novidade em educação

contemporânea. Para Geay (1999), o que é novo, porém, é a sua multiplicação

internacional a partir de 196013. Essa multiplicação de experiências educativas em

alternância, principalmente na Europa, não seguiu uma direção única nem

representa um crescimento espontâneo14.

Dentro do processo de expansão da alternância15, ocorreram erros ao se pensar em

modelos únicos e ideais e, em decorrência, a tentativa de transformá-los em

receituários.

Desse modo, a difusão de modelos tidos como ideais, implantados numa simples 13 A Fundação Union Nationale des Maisons Familiales Rurales d’Éducation et d’Orientation (UNMFREO) foi precursora na exportação do modelo de alternância francês principalmente para países francofônicos. 14 A Associação Internacional dos Movimentos Familiares para a Formação Rural (AIMFR), sediada em Paris-França, vem, desde a sua fundação, incentivando a criação de Associações e de redes de CEFFAs, adotando a filosofia e a pedagogia da alternância em todos os continentes. 15 No Brasil, a criação e expansão dos CEFFAs, chamados originalmente de Casa Familiar Rural (CFR), entre o final dos anos 70 e início dos anos 80, tem a supervisão direta de representantes da Fundação UNMFREO da França.

33

lógica de transferência dos seus dispositivos, e a reapropriação crítica foram

gradativamente compondo um cenário múltiplo de práticas educativas em

alternância pelo mundo ainda pouco conhecido na literatura pedagógica brasileira16.

No Brasil, conforme Silva (2000), Queiroz (2004) e Jesus (2007), uma importante

expansão de experiências educativas em alternância vem ocorrendo no meio rural.

Isso também se constata no meio rural capixaba17. As razões dessa expansão de

diferentes CEAs com várias denominações e orientações políticas é uma tendência

em crescimento que ganhou complexidade nos últimos 20 anos – principalmente

daquelas abrigadas sob a sigla CEFFA, que reúne a grande maioria das instituições

educativas e ou formativas em alternância no Brasil18.

O discreto e, às vezes, explícito19 incentivo à criação de CEFFAs no Brasil20 faz

parte de uma política de expansão coordenada pelos grandes centros mundiais de

poder político-econômico. A alternância vem se destacando como uma pedagogia

que marca uma expressiva presença nas discussões da educação do/no campo.

Representada pelos CEFFAs e outras escolas, essas instituições não exercem um

papel neutro na lógica do capitalismo no campo (QUEIROZ, 1997).

No sistema do pequeno agro-negócio da produção familiar a organização de uma

cadeia produtiva multinacional inscreve-se numa lógica política estratégica do

capitalismo, principalmente de países vistos pela Europa e Estados Unidos como

estratégicos na produção de alimentos como: o Brasil, a Argentina e vários outros 16 Para maior aprofundamento acerca do movimento francês e internacional das Maisons Familiales Rurales. O livro de Nove-Josserarand. “ l’Etonnante histoire des Maisons Familiales Rurales » Editions France-Empire, 1987. e o livro de Andre Duffaure et al. « Soixante ans d’Histoire de créations en Maisons Familiale Rurale » 1937-1997 Editions Fondation UNMFREO, 1997. 17 A iniciação do ensino em alternância no Brasil ocorreu no Espírito Santo, no final dos anos 60, por iniciativa dos missionários jesuítas, sem a participação dos franceses. A experiência estendeu-se a vários municípios capixabas e expandiu-se para vários estados do Sudeste, Nordeste e Norte do Brasil. Conforme Zamberlan (1994) e Jesus (2007), o MEPES teve um papel decisivo na expansão, na formação de monitores e na difusão do modelo EFA pelo BRASIL. 18 A partir dos centros ou das escolas do tipo CFR e EFA que se tornaram CEFFA, outras iniciativas de educação em alternância foram surgindo tanto no Espírito Santo como no Brasil. 19 Referência aos seguintes documentos: manchetes de jornais, artigos e apostilas elaborados pelo Centro de Formação do MEPES apresentando as EFAs como modelo de ensino para os camponeses do Brasil, periodicamente publicados no jornal “A Gazeta”, em informativos da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e em jornais de circulação nacional, com matérias assinadas pelo presidente da CNBB. 20 O MEPES foi criado em 1967 a partir da Associação dos Amigos do Estado do Espírito Santo. Fundada em Pádua na Itália, em 1964, com objetivos filantrópicos. Até os anos 80 o MEPES ampliou seu raio de ação social na área de saúde e de creches, apoiando-se na filantropia. Com a drástica diminuição da ajuda estrangeira, tornou-se dependente da ajuda do Estado, mantendo-se, todavia, como instituição com objetivos filantrópicos.

34

países das Américas. Assim, por detrás da criação de um CEFFA, no Espírito Santo,

em Rondônia, em El Salvador ou na Tunísia, há uma lógica maior que ultrapassa os

interesses locais e o simples acaso.

No âmbito da cooperação internacional, novas estratégias das políticas neoliberais,

a globalização e a internacionalização da economia, e a formação dos blocos

econômicos vêm configurando um novo cenário no capitalismo mundial. Criaram-se,

assim, as novas redes de Estados nacionais (União Européia, NAFTA, Mercosul,

G7), novas relações econômicas entre países ricos e pobres e, no plano Norte-Sul,

novas relações de cooperação e ajuda ao desenvolvimento, criação de diversos

fundos e de organismos, principalmente ONGs para a gestão desses recursos.

Isso contribuiu para a diversificação de formas de ação cooperativa e filantrópica e

para a multinacionalização das ações dos organismos de cooperação internacional.

Além disso, determinou a substituição dos modelos tradicionais de “ajuda” e

cooperação ancorados em países do Norte e a emergência de novos modelos de

“ajuda” mais poderosos, mais exigentes e também mais agressivos na oferta de

benefícios (novos patrocinadores vindos do Norte).

Nos documentos e na literatura mais recente acerca do auxílio aos CEFFAs, a

filantropia parece um conceito em crise21. O novo conceito de ajuda se transmutou

em cooperação e parceria22.

A questão ideológica perpassa os projetos e as metas a serem cumpridos,

estabelecidos pelos organismos de ajuda. Assim, cada organismo com sua

ideologia: econômica, política, religiosa, ambiental, todas traduzidas em fórmulas

para o desenvolvimento local, com consciência ecológica, democracia participativa,

entre outros.

21 Crise ou novos arranjos políticos?! A filantropia nas relações internacionais é criticada pelo professor Xavier Roegiers da Universidade Católica de Louvain. Ele questiona em seu livro Avaliação de sistemas de formação a existência de instituições “filantrópicas” que utilizam recursos públicos para fazer a filantropia. Segundo ele, são práticas muito questionáveis na sociedade contemporânea sobretudo aquelas que se mostram pouco transparentes e que frequentemente são ligadas a denominações religiosas. 22 Sediada em Bruxellas a Solidarité International des Mouvements Familiaux pour la Formation Rurale (SIMFR), tem um amplo histórico de ajuda às EFAs (CEFFAs) do Brasil, principalmente, mas não exclusivamente àquelas de ascendência católica. A SIMFR cresceu e expandiu suas ações durante os anos noventa, nos cinco continentes, tornando-se a principal agência de cooperação internacional das EFAs e associações regionais de vários Estados do Brasil.

35

O discurso da sustentabilidade e desenvolvimento com responsabilidade social é, na

maioria das vezes, articulado aos valores cristãos – entre eles, o fortalecimento da

família, da comunidade, das associações e de instituições cooperativas do tipo rede – com

grande apoio ao fortalecimento econômico da instituição, o que significa mais apoio

e chance de ajuda aos que souberam fortalecê-la com a ajuda recebida. Ou seja,

nesse meio o sucesso é premiado com mais ajuda e credibilidade. Mas, e o

fracasso? Aqueles que não souberem administrar com sucesso serão punidos com a

negativa de ajudas futuras. O desencorajamento de práticas “errantes”, como: a

gestão equivocada dos recursos provindos da ajuda, desobediência aos princípios,

ou aos termos da ajuda ou do também denominado “projeto de parceria”.

No caso de “ajudas” vindas de instituições de forte tradição católica, fatos como o

divórcio ou o descasamento dos monitores e monitoras, o caso de um educador ou

um grupo de membros demonstrar simpatia pelos princípios do marxismo,

manifestar apoio ao espiritismo ou aos movimentos de expressão e gênero, ou

mesmo apoiar a liberdade sexual ou declarar-se ateu, são combatidos com sanções

severas ou mesmo draconianas que podem culminar no desligamento e exclusão da

instituição ou de toda a rede beneficiária.

A investigação dessa problemática complexa nos leva a formular um conjunto de

questões que indagam os educadores (monitores) nela envolvidos. Enfocando a

alternância como campo discursivo, nosso estudo abordará o monitor e seu discurso

sobre a própria prática pedagógica no ensino em alternância.

Em que estratégias se movimentam para atuar dentro e fora da escola? Que

discurso ele produz da pedagogia da alternância: o contexto, o modo de

funcionamento dentro e fora da escola? O que dizem da metodologia e do processo

ensino-aprendizagem? De que modo produzem subjetividades? Como se

relacionam com os outros sujeitos? Que relações de poder-saber produzem com os

outros sujeitos parceiros? Que resistências produzem no cotidiano? De que modo

aborda as singularidades: os contextos, os sujeitos, os saberes, as situações

pedagógicas? Como avaliam suas práticas discursivas no ensino em alternância?

Na Europa, especialmente na França, os anos 1970 e 1980 foram particularmente

ricos em interrogações e discussões na gestação de idéias no campo da alternância.

36

Considerou-se estratégico o papel das universidades e de outras instituições

governamentais e não-governamentais envolvidas com a educação, que muito

contribuíram para a difusão, mas principalmente para a promoção de iniciativas de

estudos, produções acadêmicas e colóquios que impulsionaram as experiências

com reflexões e projetos inovadores. Assim, uma multiplicidade de publicações

(teses, monografias, livros, artigos, produções audiovisuais) evidencia não apenas a

emergência da alternância, mas contribui também para reconceituá-la como uma

pedagogia complexa. Graças a esses fatores, a alternância hoje vem se

consolidando como um campo educativo alternativo23.

Enquanto na Europa, sobretudo na França, constatam-se avanço e consolidação

maiores do ensino em alternância envolvendo a classe política, universidades, o

sistema de ensino oficial e o estabelecimento de instrumentos legislativos

específicos do ensino em alternância para todos os paises da União Européia, no

Brasil esse ensino vem percorrendo outra trajetória.

A modalidade em questão vem sendo tratada por parte dos organismos políticos

(nas esferas municipal, estadual e federal) e pelas estruturas públicas de ensino de

maneira tímida24. A valorização da alternância como modalidade de ensino

alternativo permanece pequena25. Todavia, o exame da crescente produção

bibliográfica indica que o envolvimento das universidades e das instituições de

ensino superior na produção de novos estudos sobre a alternância no Brasil,

elaborados em forma de monografias, dissertações e teses, tornou-se significativo

nos últimos 10 anos com a intensificação de estudos e trabalhos acadêmicos,

propiciando a criação de um novo cenário. No período de 2002 a 2007, constatamos

a produção da maior parte dos trabalhos acadêmicos que abordam diferentes temas

e experiências no ensino em alternância.

23 Entre as diferentes modalidades de alternância existentes na França, o movimento das Maisons Familiales Rurales constitui hoje um sistema educativo alternativo que acumula 70 anos de experiência. DUFFAURE et al. Soixante ans d’histoire de créations em Maison Familiale Rurale. Editions UNMFREO. Paris, 128 p, 1997. 24 Depois de anos de reivindicações dos movimentos de educação por alternância por meio das associações de caráter nacional, como UNEFAB e ARCAFAR Sul, Norte-Nordeste, um passo importante, segundo Zamboni (2006), foi dado em 15 de março de 2006, por meio do Parecer do CNE, seção 1, p.39 (publicada no DOU), reconhecendo o modo de funcionamento dos CEFFAs. 25 De fato, a questão que se coloca não é mais a do reconhecimento, mas sim de valorização, inclusive a financeira. É exatamente o que faz pensar o texto de Nosella (2007). Para ele o reconhecimento já está dado; o que falta agora são os recursos pontuais para a manutenção e permanência dessa modalidade de ensino.

37

A formação em alternância na Europa percorreu um longo e contraditório caminho

(SILVA, 2000). Segundo Gimonet (2006), somente em 1960 (passados 25 anos da

criação da primeira MFR), uma lei reconheceu a alternância como modalidade

pedagógica, possibilitando que os CEFFAs, a partir de então, adquirissem um direito

legal e a garantia de uma fonte segura de financiamento do Estado. “Uma segunda

lei, em 1984, reforçou esse reconhecimento e a ajuda do estado” (GIMONET, 1999,

p. 41).

A partir de meados dos anos 1960, a alternância na Europa começou a ganhar

considerável evidência por meio dos colóquios, debates, produções acadêmicas, de

numerosas publicações e da mobilização, em seu favor, de meios econômicos,

legislativos e políticos.

O processo de desenvolvimento das experiências educativas em alternância no

Brasil segue o seu próprio caminho. Com algumas semelhanças e muitas diferenças

da trajetória do movimento francês, os CEFFAs no Brasil vêm se mobilizando com

uma pauta de reivindicações26 em busca de seu reconhecimento por parte das

políticas públicas do ensino do campo.

Como as experiências humanas são moventes e o que hoje existe amanhã pode

não mais existir, a alternância no Brasil de hoje (2008) não pode mais ser vista com

os olhares dos críticos do final dos anos 1990 e início dos anos 2000. Assim, os

termos “lacuna teórica” (SILVA e MACHADO, 2000) e “ausência de estudos

acadêmicos” (RODRIGUES, 1999), expressos na ausência de estudos que analisam

as diferentes experiências em alternância no Brasil, precisam ser revistos, pois o

cenário mudou e continua mudando com novos estudos e práticas.

Além das constatações anteriores sobre a trajetória do ensino em alternância na sua

origem francesa e no Brasil, é necessário destacar que enquanto na Europa,

sobretudo na França, a alternância foi se tornando um forte tema de debate, ela

também se foi diversificando em diferentes níveis de formação, ampliando o seu

campo de abrangência, de ação formativa e socioprofissional27. Esse movimento de

26 Conforme consta na agenda da UNEFAB 2006, “o que reivindicamos:” página 6 e 7. 27 Para se ter uma idéia, somente no sistema de formação das MFRs com 500 CEFFAs e dos seus mais de 60 IREOs, Institutos de Formação Superior em Alternância, são oferecidas alternativas de formação de nível médio e superior em mais de 150 cursos profissionalizantes, entre elas: viveirismo, botânica, fruticultura, viniculturismo, enfermagem, mecanização agrícola, técnicas agrícolas, pecuária

38

discussão e difusão da alternância, cujo início data dos anos 1960, conseguiu pouco

a pouco o envolvimento das instituições de ensino, pesquisa e extensão, como as

universidades, que foram paulatinamente chamadas a dar suas contribuições como

parceiras em seus respectivos papéis.

Os vários estudos, trabalhos, debates e iniciativas no seio dessas instituições muito

contribuíram para o desenvolvimento da alternância como modalidade educativa –

entre eles a fundação do Centro Nacional Pedagógico das MFRs, datado de 1966, a

criação da revista semestral da união nacional das MFRs da França, a publicação

das pesquisas da coleção ‘Mésonance’, da coleção “Alternance et Developpement”,

da editora L’Harmattan, os colóquios de Orléans 1968, de Rennes 1970, e as

parcerias com as universidades de Clermont-Ferrand, Tours, Rennes, Paris, entre

outras.

A formação em alternância foi gradativamente ganhando espaço e passou a ser

vista como aliada do desenvolvimento social, político e econômico. Esse aparente

prestígio, segundo Gimonet (2004), não foi obtido sem a superação de barreiras.

Muitos problemas e dificuldades ainda persistem. Ainda há um longo caminho a

percorrer.

Após a realização de um levantamento dos principais estudos sobre a formação em

alternância desenvolvidos na Europa, pode-se classificá-los e analisá-los dentro de

três grandes perspectivas: a econômica, a relacional e a pedagógica. Silva (2000)

identifica certas limitações de tais estudos.

Os que enfocam a perspectiva econômica supervalorizam as relações entre

formação e trabalho, ficando presos a uma lógica binária e reduzida da alternância.

A alternância torna-se submissa a uma espécie de lógica inexorável ditada pelo

mercado de trabalho. Nessa perspectiva, a alternância, via de regra, é reduzida a

uma resposta a problemas de emprego. A autora critica a orientação economicista

da alternância, pois ela escapa à verdadeira articulação formação-trabalho; o tipo de

relações estabelecidas encerra em si uma lógica formativa que se caracteriza como

um estrangulamento dos laços entre a teoria e a prática.

leiteira, agronomia, zootecnia, mecânica, comunicação, gastronomia, nutricionismo, veterinária, engenharias florestal, de alimentos, eletrônica, do meio ambiente, entre outras formações.

39

Na perspectiva relacional, Silva (2000) chama a atenção para uma polarização dos

estudos que privilegiam os aspectos interinstitucionais das relações. Geralmente os

estudos descrevem os sujeitos, onde estão seus papéis no meio escolar e no meio

produtivo. Todavia, um aspecto importante não tem sido suficientemente

desenvolvido: trata-se do modo pelo qual os diferentes atores concebem e

produzem a alternância.

Partindo de uma crítica às concepções da alternância como associação entre a

teoria relativa aos saberes teóricos e a prática relativa aos saberes ligados à ação,

diversos autores, como Malglaive (1993) e Voisin (1993), definem a alternância para

além da aplicação de cada saber em cada meio.

Ao contrário, é necessário introduzir uma dinâmica que permita uma interação entre

os dois saberes. Assim, um movimento constante de vaivém entre os diferentes

saberes permitiria um encontro fecundo em que os saberes da prática e da teoria se

enriqueceriam mutuamente. Para além da relação binária que simplesmente ratifica

o discurso da dicotomia entre teoria e prática, Gimonet (1998) atenta para a

complexidade da alternância que, além da interação entre teoria e prática, integra

também diferentes dimensões, formas, atores e experiências.

Na perspectiva pedagógica, segundo Silva (2000), a maioria dos trabalhos

privilegiam o estudo sobre as estratégias de ação e o papel dos diferentes parceiros

engajados numa formação em alternância. Nessa perspectiva de análise, a autora

destaca os estudos que distinguem três abordagens da alternância: a indutiva, a

dedutiva e a integrativa.

Gimonet (1994), Malglaive (1992) e Voisin (1993) indicam vários estudos que

reconhecem a dicotomia dos lugares de formação, bem como a existência de

diferentes modalidades de organização da alternância. Como conseqüência, tais

estudos estabelecem características que permitem a distinção de diferentes

modalidades de alternância.

Dentro da perspectiva pedagógica, Malglaive aponta uma carência de estudos que

abordem a problemática das relações entre as instituições participantes da

formação.

40

Considerando os destaques, as limitações e as críticas feitas anteriormente pelos

estudos realizados sobre a alternância na Europa e no Brasil, além da sua opção em

desenvolver um estudo psicossociológico da alternância no Brasil, enfocando a

dimensão relacional dos atores, o trabalho de Silva (2000) destaca-se como um

estudo das experiências brasileiras em alternância até aquele momento. Não

obstante, cabe-nos fazer outros destaques.

Os estudos de Silva (2000) sobre as experiências de alternância na Europa

restringem-se aos materiais publicados em língua francesa. Considerando a

abrangência e as diferenças entre as experiências, a diversidade de línguas e

culturas no vasto continente europeu, somos da opinião de que os estudos

apresentados pela autora podem ser situados entre os principais já desenvolvidos

tomando como base a literatura francesa.

Para além da língua francesa há na Europa outros estudos importantes que tratam

da alternância. Nesse sentido, realizamos um levantamento não exaustivo na

França, Bélgica e Alemanha e constatamos a existência de numerosos estudos,

como artigos, monografias e teses sobre o assunto. Esses estudos estão publicados

em francês, espanhol, neerlandês, alemão, inglês e russo.

Embora não seja nosso propósito o de apresentar bibliografia exaustiva sobre a

alternância européia, mediante o levantamento realizado foi possível constatar a

existência de múltiplas alternâncias expressas em uma literatura vasta e multilíngüe.

Ainda sobre o estudo de Silva (2000), é válida uma importante observação: no que

tange aos principais estudos franceses, o estudo de Silva (2000) não incluiu as

contribuições de A. Geay (1994 e 1998) sobre a alternância pedagógica e suas

especificidades, e tampouco os estudos sobre a aprendizagem, a dimensão

pedagógica epistemológica e relacional de Georges Lerbet (1990, 1992, 1995). Os

trabalhos de Geay e, sobretudo, de Lerbet oferecem uma base importante aos

estudos sobre a alternância, suas múltiplas dimensões e sua complexidade.

No que se refere ao estudo das modalidades que enfocam o desenvolvimento da

alternância no mundo e especialmente na Europa, constatamos a emergência de

uma série de estudos acerca das diferentes modalidades organizacionais e

pedagógicas.

41

Os vários estudos descreviam, analisavam e propunham um modelo. Assim, um

“tipo ou modelo ideal” de alternância parecia ter sido finalmente encontrado. As

similaridades entre os diferentes autores evidenciam o encontro de elementos

consensuais entre os vários estudos. Assim, um levantamento desses estudos nos

permitiu identificar uma diversidade de modalidades cujas diferenças estão mais nas

expressões utilizadas que no modo de organização28.

Dentre os diferentes autores consultados, destacamos Gil Bourgeon (1984), que

propôs um estudo das diferentes modalidades de alternância, no qual caracteriza,

em linhas gerais, três parâmetros básicos: a experiência mais elementar,

denominada alternância justapositiva; um segundo tipo, denominado alternância

associativa; e o terceiro tipo, mais complexo, denominado alternância copulativa.

Esse estudo, chamado por alguns autores de “tipologia de Bourgeon”, tornou-se

referência como um dos principais estudos acerca das modalidades educativas e/ ou

formativas em alternância.

Na tentativa de apresentar a alternância integrativa, que o autor chama de

copulativa, como a modalidade não apenas mais complexa, mas também o nível

mais autêntico de alternância, Bourgeon (1984) procura esclarecer que sua

caracterização não é rígida, uma vez que os tipos não são estáticos. Por isso, na

perspectiva de Bourgeon uma modalidade pode evoluir para formas mais

complexas, chegando a uma alternância copulativa, assim como um retrocesso pode

também ocorrer.

Lerbet (1995) retoma as tipologias de Bourgeon (1984) e as readapta segundo a

abordagem dos sujeitos em formação. Para isso, parte das formas mais elementares

das modalidades e foca o estudo da relação entre a escola (lugar da formação

teórica) e o mundo socioprofissional (lugar da formação prática), além de preconizar

que a alternância jamais pode perder de vista a integração entre os dois mundos. O

sujeito em formação, para Lerbet, são jovens e adultos numa escola que se volta ao 28 O que GIROD L’AIN (1973) chama de alternância interna e difere da externa é próximo do que MALGLAIVE (1979) classifica de alternância falsa, alternância aproximada e alternância real. Em uma perspectiva similar, GIMONET (1984) apresenta modalidades as quais classifica de falsa, aproximativa e verdadeira. Outros autores na Bélgica, como MAROY (1996), distinguem a alternância socializante da alternância qualificante. Em vários outros estudos, os diversos autores classificam modalidades que chamam de alternâncias não eficazes, eficazes; não autênticas e autênticas. Enfim, nessa mesma lógica, vários outros estudos poderiam ser aqui mencionados.

42

mundo do trabalho e da inserção social.

Geay (1999) introduz em seu estudo o conceito de alternância como um processo de

interface entre a escola e o trabalho, a teoria e a prática. Aponta a alternância de

interface como o processo formativo que aspira uma alternância de integração

autêntica entre o mundo da teoria e da prática. Eis, portanto, as discussões que

orientam a modalidade educativa em alternância segundo os estudos aqui

abordados.

Depois de realizar um détour sobre as diferentes alternâncias pelo mundo,

pretendemos apontar algumas evidências relacionadas ao discurso da alternância

delineada até aqui.

Aprisionada aos binarismos teoria e prática, escola e trabalho, escola e mundo da

produção, meio escolar e meio social, a alternância estaria reduzida a uma

perspectiva simplista. Seu papel em educação consistiria em integrar as dicotomias

que a sociedade moderna e pós-moderna promoveu e realizar a interface ou a

copulação desses binarismos ou dicotomias. Seria então isso que se quer da

alternância? A eficácia da alternância estaria em integrar a escola às exigências de

emprego? A que modelo de sociedade serviria essa alternância? Por onde passaria

uma política de formação do indivíduo que tenha como objetivo outras dimensões da

vida social: ética, política, economia e cultura?

Se, para Gimonet (1998), a alternância é um conceito complexo que, além da

integração binária entre teoria e prática, integra também outras dimensões, formas,

atores e experiências. Qual o discurso, quais estratégias de reprodução e de

diferenciação se produzem? Como se desenvolve a educação em alternância no

Espírito Santo? Assim, para além das modalidades mundialmente difundidas e

resguardados os aspectos de expressiva organização de um sistema de formação

baseado na alternância em território europeu e sobretudo francês, queremos estudar

a alternância em território brasileiro e mais especificamente no contexto do Espírito

Santo – berço brasileiro dessas experiências, que completa 40 anos de existência.

Nesse processo, situamos como eixo de nossa problemática o estudo das práticas

discursivas de reprodução e de diferenciação na pedagogia da alternância

desenvolvida pelos educadores que atuam nos Centros Educativos e/ou Formativos

43

em Alternância (CEAs) do Espírito Santo.

Para o desenvolvimento de nossa investigação, formulamos um conjunto de

questões básicas sobre as práticas discursivas dos monitores no ensino em

alternância29: o contexto, o modo de funcionamento, a concepção da aprendizagem

e a metodologia de ensino, o papel do monitor e os papéis dos diferentes atores

(monitor, aluno, família) nela engajados, as diferentes relações entre o monitor e os

diferentes atores no interior do processo.

Serão também abordadas as resistências produzidas nas relações de poder e do

saber, bem como a maneira como analisam a alternância como modalidade

pedagógica. Este estudo tomou, portanto, como foco principal de investigação as

práticas discursivas dos monitores que desenvolvem a pedagogia da alternância no

Espírito Santo.

29 As questões de pesquisa foram assim colocadas aos professores: 1) Gostaria que você me falasse sobre o contexto, o modo de funcionamento (ou de organização) do espaço-tempo da alternância na escola onde você trabalha. 2) Gostaria que você me respondesse algumas questões relacionadas às suas características pessoais, entre as quais: situação familiar, idade, nível de escolaridade, etc. 3) Como você concebe a aprendizagem em alternância e que metodologia de aprendizagem você desenvolve? 4) Fale-me de seu papel, do papel do aluno e do papel das famílias no ensino em alternância. 5).Como é a sua relação com os outros professores, com o aluno e com as famílias? 6) Qual é o tipo de envolvimento das famílias na escola? 7) Que resistências você encontra nas diferentes relações, no exercício do seu trabalho? 8) Como você avalia a alternância como modelo pedagógico? Cf. também no capítulo sobre a metodologia.

44

3 ALTERNÂNCIA E EDUCAÇÃO

Neste capítulo apresentamos a origem etimológica do termo alternância e seu uso

em diversas ciências. Todavia, a aplicação e a apropriação do termo em educação

têm a sua história estreitamente relacionada ao movimento de educação e formação

profissional de jovens e adultos por meio das Maisons Familiales Rurales (MFR)

francesas e seus desdobramentos para além da educação no espaço rural.

A educação em alternância tornou-se um conceito largamente utilizado em ciências

da educação, principalmente no continente europeu, extrapolando o âmbito da

educação camponesa. A alternância é vista por autores contemporâneos como uma

pedagogia complexa.

3.1 O TERMO ALTERNÂNCIA E O SEU USO EM DIVERSAS

CIÊNCIAS E EM CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Etimologicamente, o vocábulo alternância, constituído a partir de alternare, de

alternus30, sob a inspiração de Bescherelle (1845)31, substituiu ‘alternação’ e foi

introduzido na língua francesa por Le Fevre, no fim do século XIV32.

Atualmente, o termo alternância, de acordo com o Dicionário (Robert, 2007 p.47),

designa, em seu sentido geral, "a sucessão repetida no espaço ou tempo que faz

reaparecer alternadamente, numa ordem regular, os elementos de uma série"33.

Pode-se, assim, em Fisiologia utilizar o termo para explicar a troca de movimentos

de uma perna e outra (ao andar), um braço e outro (ao nadar), e em Meteorologia

para explicar a mudança das estações, do frio e calor, da noite e do dia, etc.

Em Geologia, alternância significa superposição das camadas de terreno

estratificadas. Em Arquitetura, diz-se alternância do sistema de ornamentação dos

pilares e colunas, de acordo com a repetição da mesma ordem de motivos 30 A palavra latina alternare provém de alter, que significa, originalmente, “o outro, tratando-se de dois sujeitos”. 31 BESCHERELLE (A) « Dictionnaire Universel de la Langue Française ». Paris, Garnier Frères, 1845, p. 143. 32 DOUZAT (A) et al in BOURGEON (G) 1979. Sociopedagogie de l`alternânce. Maurecourt, Mésonance, 1979, p. 196. 33 ROBERT (P) « Dictionnaire de la Langue Française» 1996 p. 64.

45

diferentes34.

Mais recentemente, em Medicina, a palavra alternância é utilizada para definir a

sucessão regular das pulsações normais e fracas do coração, em oposição a um

pulso regular.

Em agricultura, fala-se também de culturas alternantes35 como sinônimo de rotação

das colheitas que substitui o sistema de culturas permanentes. No campo da

política, podemos também falar da alternância dos partidos políticos na direção de

um governo36.

Em 2005, ao escrever um texto sobre a alternância e o ritmo, o professor Gaston

Pineau trabalhou o tema aplicado ao ato de respirar e inspirar como atividade vital

caracterizada pela alternância.

O termo alternância tem certamente cinco séculos de utilização na língua francesa e

é empregado num campo semântico bastante variado. Contudo, é difícil estabelecer

com precisão o primeiro emprego do termo, em educação.

Uma leitura de diferentes documentos da União Nacional das Casas Familiares

Rurais de Educação e de Orientação (UNMFREO) da França, segundo Bourgeon

(1979), permite-nos encontrar a origem da palavra aplicada às situações

pedagógicas. Parece que foi primeiramente pronunciada pelos pioneiros da

educação rural na França, bem antes da sua inscrição no campo e do registro

pedagógico.

De acordo com Chartier (1986), num contexto histórico singular e numa conjuntura

difícil, a formação em alternância era concebida e aplicada nos movimentos

campesinos franceses como uma alternativa viável para o desenvolvimento do

campo. A alternância instaurou-se como que por tateamento e data de meados de

1942 ou 1943 o aparecimento mais corrente do termo, utilizado nas situações

pedagógicas por André Duffaure, no movimento das Maisons Familiales Rurales

(MFR) da França. 34 LA CHARTE (M) in « Dictionnaire Universel de la Langue Française » 1854 vol. 1 p.195 35 O termo alternância pertence também aos domínios da Lingüística, da Física e da Engenharia. 36 BIKORINDAGARA, (R) estuda algumas condições de organização de uma alternância na formação inicial dos professores no Burundi. Tese de doutorado, Universidade Católica de Louvain-La-Neuve-Belgique, Novembro de 2002.

46

Vários autores citam as Maisons Familiales Rurales (MFR), na França, como as

primeiras instituições a instaurarem uma modalidade educativa ou formativa sob

forma de alternância. A prática de alternância nas MFRs permitia que os jovens do

meio rural prosseguissem na educação obrigatória e lhes fornecia conhecimentos

teóricos e práticos aplicados nas suas propriedades familiares. Nesse contexto, o

método alternativo consistia em alternar os tempos escolares e os de trabalho.

O substantivo alternância, de acordo com Geay (1998), aparece em 1936 numa

carta escrita por um padre, o Abade Granereau. Segundo Chartier (1986), a carta

fazia menção "à alternância de estadas perto do formador e as estadas na família"

como “fórmula nova para a formação mais profissional das elites campesinas"

(CHARTIER, 1986, p. 51).

Em 1946, de acordo com Geay, o termo retorna forte na carta de um movimento de

educação rural nas MFRs, do qual Granereau era um dos fundadores. As

características principais das MFRs residiam na alternância de estadas de uma

semana no centro de formação (MFR) e três semanas no meio familiar.

A formação em alternância desenvolvida principalmente no meio rural francês pode

ser interpretada, do ponto de vista histórico, segundo Geay (1998 p. 108), como a

aposta na prática de uma idéia "que não é inteiramente nova na formação

profissional. Está registrado no pensamento das luzes, que defendia uma aliança do

saber teórico e as ‘competências’ técnicas". Assim, a idéia de uma formação

profissional alternada não estava afastada dos debates e das experiências de

aprendizagem do século XX.

"As primeiras situações de formação profissional freqüentemente eram alternadas"37.

Contudo, é necessário recordar os limites internos dessas experiências

desenvolvidas no espírito da escola clássica, muito centrada no poder do mestre,

sem reflexão sobre a prática, sem progressão didática, sem direito ao erro na

"skholè"38.

De acordo com Bourgeon (1984), o vocábulo alternância retornou ao léxico das

37 CHARLOT et FIGEAT, 1985 citado por GEAY et all 1999 na Revue Française de Pédagogie, N° 128, julho-agosto-setembro 1999, p.107. 38 GUEDEZ 1994 in GEAY et all 1999 op. cit.

47

ciências da educação nas atas do Colóquio de Rennes (1973)39, reunidas e

publicadas por Girod de l'Ain (1974)40, mesmo já tendo sido vigorosa questão no

colóquio de Orléans, em 1970. Os anos 60 e 70 marcam a emergência do conceito.

A evolução do conceito procedente das discussões vai bem além da alternância

como alternativa educativa para os camponeses. Já se falava sobre isso nos

Colóquios de Amiens (1968) e Orléans (1970), ambos voltados para a discussão a

respeito da alternância em diferentes espaços, níveis de educação e formação

profissional. O Colóquio Nacional de Rennes (1973), por exemplo, enfocou a

alternância no ensino superior.

O fim dos anos 60 constituiu um período de insatisfação social marcado por

contestações estudantis (1968). Do mesmo modo, movimentos pela igualdade dos

direitos estouram na América do Norte e na Europa. No campo da educação e da

formação, numerosos artigos e livros põem em questão os sistemas educacionais e

os modelos tradicionais da educação, como: Illich (1970), Althusser (1970), Bourdieu

e Passeron (1970), Baudelot e Establet (1971), entre outros.

A insatisfação frente ao sistema educativo existente, fechado em seu formalismo

magistrocêntrico e criticado pela imprensa, pelos movimentos estudantis e por

diversas correntes de intelectuais, acaba por abrir caminho para se situar a

alternância na emergência de alternativas, sobretudo no campo da educação de

jovens e adultos, não apenas no meio rural.

A tentativa de construir um tipo de escola diferente dos modelos hegemônicos em

vigência abre uma porta para pôr em destaque experiências novas. As experiências

em alternância conquistavam espaço em ousadia pelas suas iniciativas e nas

discussões pedagógicas. Assim, a alternância ganha destaque na perspectiva da

educação permanente. Fala-se em alternância no ensino superior não apenas como

metodologia e situações específicas, mas como política educativa a ser expandida

na Europa. Segundo Geay (1998, p. 107):

O vestígio institucional visível desta manifestação da idéia de alternância se

39 O Colóquio Nacional de Rennes debateu o ensino superior em alternância. As atas desse Colóquio foram arquivadas e publicadas, por B. Girod de L’Ain, na Documentação Francesa, 1974. 40 Girod de l’Ain B «O Ensino Superior em Alternância» As atas do Colóquio Nacional de Rennes. A Documentação Francesa, Paris, 1974, 340 p.

48

encontrará na lei de 1971 sobre a formação permanente e o ensino técnico, com a criação dos Centros de Formação de Aprendizes (CFA) para colocar em prática uma pedagogia da alternância.

Durante os anos 1970, o crescimento da crise econômica, o problema do

desemprego e a marginalização dos jovens no sistema escolar traduziam a

necessidade de educar e formar diferentemente. A alternância era mencionada na

época como uma maneira diferente de formação, por exemplo, no âmbito da

inserção profissional, ou para os jovens em dificuldade para finalizar o sistema

escolar básico.

A alternância amplia o seu campo de ação numa nova forma de relação formação-

emprego. De acordo com Voisin (1993), podem-se agrupar 4 tipos diferentes de

formação em alternância: "a aprendizagem, a alternância sob estatuto escolar, a

inserção pela alternância e as ações de formação alternada destinadas aos jovens

comprometidos no crédito de formação individualizada" (VOISIN, 1993, p.17).

Inscrita numa perspectiva de desenvolvimento socioeconômico, a alternância,

segundo Draghi (1993), começa a desempenhar um papel decisivo na formação

profissional, para permitir a cada indivíduo a aquisição de competências

profissionais que respondam às novas exigências da economia.

Essa perspectiva da alternância é criticada por Merle (1993) porque se trata de uma

visão reducionista e economicista da alternância, que não recorre a outras

dimensões, como a pedagógica. Dessa maneira, o autor inscreve a noção de

alternância no campo mais amplo do projeto da formação permanente, considerando

a pessoa, o desenvolvimento do meio, e a inserção socioprofissional. Os dispositivos

propostos por Merle participam da noção voltada para a "igualdade de

oportunidades", expressão emprestada de Lerbet (1978), numa nova abordagem

entre teoria e prática.

No desenvolvimento de novas práticas pedagógicas em alternância em novos níveis,

perguntamo-nos sobre os limites e as possibilidades dessa formação em níveis

diversificados. Formar na escola ou na situação de trabalho recoloca a questão da

clássica dicotomia teoria-prática. A alternância situa-se na intersecção de duas

lógicas opostas: a lógica educativa (lógica escolar) e a lógica produtiva (lógica do

trabalho). O desafio da alternância residiria, por conseguinte, na articulação entre

49

essas duas lógicas em dois diferentes lugares que o sujeito em formação deveria

conduzir.

Falar de ensino e/ou formação em alternância como um sistema outro ou diferente,

como ressaltamos previamente, é reconhecer o papel do monitor ou educador no

ambiente socioprofissional, socioprodutivo e/ou na empresa. Fala-se de dois meios

com duas lógicas diferentes a serem postas em interação: a lógica escolar e a lógica

produtiva. Trata-se de uma evolução profunda das representações ligadas ao

conceito de ensino e aprendizagem.

A alternância recorre a uma modalidade pedagógica inteira com dispositivos

específicos, de acordo com Geay (1999), para aprender diferentemente numa outra

escola.

Com efeito, o papel principal e essencial dado à escola era separado

tradicionalmente do mundo do trabalho. O modelo cultural de ensino não permitia o

diálogo entre o mundo da produção e a escola. Assim, integrar um estágio em

empresa numa formação constitui um terreno propício ao desenvolvimento pessoal e

profissional da pessoa. Com efeito, nessa nova lógica de ensino-aprendizagem, o

aprendiz encontra-se na interface de duas lógicas. Ele é o agente que gere e dá

sentido aos desafios e às situações encontradas.

A alternância seria então um processo integrativo de lógicas diferentes, ou seja, a

arte de vincular movimentos opostos passíveis de serem articuladas pelo sujeito em

formação. O que significa que um dos movimentos deve reforçar o outro, e vice-

versa.

O desafio da alternância como nova prática discursiva seria o de questionar e

colocar em xeque as dicotomias anteriormente mencionadas e situar a escola na

dinâmica produtiva da sociedade. Nesse sentido, a pedagogia da alternância seria

concebida como uma pedagogia do/no trabalho. Assim entendidas, todas as

relações escolares e interescolares são relações de trabalho a serem tomadas de

maneira indissociável.

Trata-se de uma noção que supera as dicotomias presentes nas práticas discursivas

hegemônicas que colocam de um lado a educação e do outro o trabalho. Dessa

50

maneira, a pergunta feita a qualquer pessoa, se ela estuda ou trabalha, tornou-se

“natural” e muito difusa.

Se não bastasse esse processo ideológico de naturalização das coisas, a

mistificação do estudo como não-trabalho e do trabalho como não-estudo estendeu-

se a todo o fazer escolar. Daí o reforço da idéia de que o fazer escolar não é

trabalho e tudo o que acontece no mundo escolar não se parece em nada com o

mundo produtivo. Se o fazer escolar não é visto como sinônimo de trabalho, o que

fazem os agentes da produção do cotidiano escolar? Quem é o trabalhador da

educação na escola? A discussão da alternância para além das dicotomias abre-se

a outras noções.

A noção de alternância não é única e parece-nos necessário assinalar as suas

imprecisões, porque não existe definição clara, precisa e completa sobre esse

conceito. Girod de l’Ain (1982, p.219) qualifica a alternância como uma "idéia que

corre muito", "furet" (pequeno mamífero chamado furão).

Analisa, então, as mutações do conceito de alternância como furet da canção, corre

e reaparece de maneira inesperada. Não desejamos definir a alternância colocando-

a num conceito único. Cada um tem a sua maneira de defini-la e nenhuma das

definições pretende reduzir de forma estrita a alternância a um conjunto coerente e

preciso. O interesse de um rápido inventário reside no fato de essas definições

chamarem a atenção sobre a originalidade das práticas de alternância e propor

elementos que facilitam a análise e a compreensão desse sistema complexo. Com

efeito, Bercovitz (1982, p. 5) relata que:

[...] A alternância não existe, mas existem múltiplas variedades, voluntariamente construídas ou vividas, espontaneamente [...], a alternância está por toda a parte, dado que cada um aprende em qualquer momento, nos lugares mais diversos. A alternância é o relacionamento decorrente destas diversas aprendizagens.

Concebida dessa forma, a alternância é, segundo os autores citados, um conceito

em desenvolvimento permanente, em pleno movimento.

A originalidade, a novidade da organização da alternância em educação, reside na

introdução de um período de estágio durante a formação. Assim, o algoritmo

clássico, "aprende-se, só depois vai se exercer ou praticar, com a formação

51

concluída", é colocado em questão nesse modo de funcionamento e na abordagem

da alternância. Trata-se de uma maneira de aprender diferentemente, que parte do

experiencial sem dissociar teoria e prática e outras dicotomias.

Lerbet (1992, p.65) fala "[...] de uma formação em tempo integral com escolarização

parcial". É, de acordo com ele, "primeiro uma outra maneira de aprender que

privilegia a experiência vivida na construção do saber".

3.2 AMBIGÜIDADE DA NOÇÃO ALTERNÂNCIA

Na percepção corrente, o princípio das formações em alternância integra, numa

ação educativa, dois meios de aprendizagem: o escolar e o socioprodutivo. Certas

instituições de formação, com efeito, “descobriram” ou adotaram a formação em

alternância para aperfeiçoar a sua prática pedagógica, para resolver dificuldades ou

fracassos em seus dispositivos.

O risco, nessa ação, seria polarizar a ação educativa na escola ou justapor

conhecimentos teóricos e práticos. Para Chosson e Laforge (1993, p. 25), num artigo

dedicado à formação do aprendiz na agricultura,

[...] o formador deve evitar esta dicotomia simplista que consolida, no espírito do aprendiz, a separação clássica entre a escola teoricista, dissociada da vida, e a propriedade agrícola na qual é possível aprender efetivamente os resultados da profissão. Ora, o nosso princípio básico é completamente outro pois, todo o saber-fazer é suscetível de reflexão teórica, e vice-versa.

Os dispositivos de aprendizagem por alternância são freqüentemente apresentados

como práticas inovadoras, com um movimento cíclico que põe juntos elementos e

sentidos opostos, de forma que se tenta reconciliar o sujeito aprendiz e o sujeito que

produz. Com efeito, Lesne (1993, p. 56) menciona que:

Aquilo que deve ser buscado na noção usual de alternância é menos o caráter de sucessões repetidas de seqüências organizadas em séries que o desejo de ligar duas entidades tidas como separadas, opostas ou insuficientemente interpenetradas formação e trabalho, mundo da escola e mundo da vida, o abstrato e o concreto, a teoria e a prática, pensado e vivido, o disciplinar e não disciplinar. Como se de resto o primeiro termo destes pares encontrava-se na escola e o segundo fora desta.

É necessário, então, na alternância pedagógica ligar, articular essas diferentes

52

lógicas que, embora diferenciadas, possam também completar-se e enriquecer-se

mutuamente.

Para operacionalizar uma formação em alternância, faz-se necessário instaurar uma

inversão na lógica tradicional de aprendizagem. De acordo com Chaix (1993), citado

por Geay (1998), para que esses saberes sejam transmitidos e adquiridos para e

pelo trabalho, é necessário que o aluno seja agente decisivo da alternância. Isso

exige uma engenharia da alternância (Geay, 1998), ou seja, colocar em ação

diferentes agentes, numa engenharia educativa e de parceria41.

A alternância torna-se uma modalidade de educação plena amplamente aplicável,

como alternativa para fazer aprender diferentemente com todas as inteligências, pois

ela permite, sobretudo, aprender o que não se aprende na escola tradicional: os

saberes experienciais, os saberes de ação, competências fora do programa42.

A alternância centrada na formação global e integrada à qualificação profissional

permite superar a falsa oposição entre os seguintes pares: conhecimentos teóricos

na escola e os conhecimentos práticos na empresa; o mundo da escola e o mundo

da vida; o abstrato e o concreto; o pensado e o vivido; o disciplinar e o não-

disciplinar; a formação e a produção; o formal e o não-formal; o indutivo na escola e

o dedutivo no trabalho.

É como se o primeiro termo dessas dicotomias se encontrasse na escola e o

segundo fora dela. Assim, conceber a alternância educativa, em sentido amplo,

segundo Lesne (1993) e Geay (1998), é ligar o que a história pensou

separadamente, numa integração de lógicas diferenciadas, que se completam e se

fortalecem.

3.3 A ALTERNÂNCIA EDUCATIVA: UMA PEDAGOGIA COMPLEXA

Sobre a especificidade e as perspectivas da alternância, o debate continua aberto.

Assim, alguns autores, como Delahaye (1993) e Maubant (1997), afirmam que se 41 SCHNEIDER, J. (1999). Réussir la formation en alternance. Organizer le partenariat jeune-entreprise-organisme de formation. Paris: INSEP Editions 42 PINEAU G. (1989) A formação por experiência em auto-éco e co-formação. Éducation Permanente, n° 100/101, p.25.

53

trata de um vasto projeto ainda pouco explorado. Dessa maneira, segundo Geay

(1998), há aqueles que se interrogam sobre a especificidade da alternância. Assim,

seria ela: "um outro caminho de formação alternativo à escola? Um modo de gestão

do emprego e formação permanente? Uma solução à inserção dos jovens em

dificuldades de sair do sistema escolar tradicional?" (SCHWARTZ, 1981.67). "Uma

escola de uma nova oportunidade!?"43. Ou para além de uma formação de

suplência, um simples método ou procedimento para remediar as dificuldades

crescentes do sistema educativo clássico. Trata-se, de acordo com Gimonet (1998),

"da emergência de um novo modo educativo para sair da escola do século XX!"

(GIMONET, 1998 p, 2).

Do ponto de vista socioeconômico, Mônaco (1993) mostra, em um período de três

décadas (1960, 1970, 1980), a expansão da formação em alternância. A

Comunidade Européia considera esse tipo de formação uma modalidade a ser

implementada. Assim, nos anos 60, torna-se uma das saídas para a escolaridade

obrigatória, e a empresa torna-se um lugar complementar da escola.

Nos anos 70, a formação em alternância estende-se aos jovens à procura de

emprego, a formações curtas e ao reforço da parceria entre a escola e a empresa.

De acordo com Voisin (1993), impulsionado pelo problema do desemprego

crescente na Europa, coloca-se o desafio de melhorar o nível de qualificação dos

jovens.

No dia 18 de dezembro de 1979, o Conselho das Comunidades Européias (CCE)

adotou uma importante resolução na qual a alternância abrange um vasto leque de

situações de formação sob o denominador comum de pretender associar formação e

produção, aprendizagem e trabalho, numa pedagogia da alternância44.

De acordo com Maroy e Fusulier (1998), com a aceleração da crise econômica e a

concorrência de vários fatores econômicos, sociais e políticos, constata-se, no início

anos 80, uma posição forte e deliberadamente favorável à formação em

43 Frase retirada do jornal Le Soir pág. 19 (Bruxelas, Bélgica), 12 de maio de 2000, autor não identificado. 44 Cf. Resolução do Conselho das comunidades européias, de 18 de dezembro de 1979, relativa à formação em alternância, no “Journal Officiel” das Comunidades européias, n° CL/1, 3 de janeiro,1980.

54

alternância45. Naquele momento, a alternância foi chamada a responder aos

desafios postos pela emergência de um novo contexto social, político e econômico

que apresenta outras problemáticas em um mundo que vai se tornando cada vez

mais complexo.

Durante os anos 1980, de acordo com Mônaco (1993), a alternância foi colocada,

sob via de generalização, no conjunto da formação profissional, e a empresa

reconhecida como o agente inseparável nesse tipo de formação46.

Já nos anos 1990, a alternância na França “apresenta-se como uma escola de dupla

face: uma escola voltada para a formação (alternância qualificante e pedagogia

nova) e uma escola voltada para o emprego (alternância de inserção e de transição

profissional)” (GEAY, 1998, p. 109). A alternância torna-se um sistema complexo de

formação de adolescentes, jovens e adultos nos vários níveis: iniciais, pós-primários,

secundários, de formação curta e formação superior Schneider, 2000.

Ao completar 70 anos de existência e 40 anos no Brasil, a alternância em educação,

para os franceses, e pedagogia da alternância, para os brasileiros, vem se

consolidando como uma modalidade educativa considerada:

[...] uma pedagogia da complexidade [...] uma educação que considera a pessoa nas suas diferentes dimensões, na sua trajetória de vida, no seu meio ambiente; que considera a multiplicidade e a diversidade das fontes de saber e seus meios de difusão; que coloca o aprendiz mais como um produtor de seu saber e seus meios de difusão; que coloca o aprendiz mais como um produtor de seu saber do que como consumidor , como sujeito de sua formação que concede ao formador um estatuto e funções de acompanhador, de facilitador, de animador mais que de um professor que executa um programa (GIMONET, 2007, p. 56.)

45 MAROY, C et FUSULIER, B. (1998). Institucionalização e Marginalidade: o lugar da formação em alternância na comunidade francesa da Bélgica. In Crítica regional 26/27 Cadernos de Sociologia e de Economia regionais. Universidade Livre de Bruxelas, p. 77-120. 46 Uma importante ressalva: atualmente, somente nos dois sistemas de formação, as MFRs e os Centros de Formação de Aprendizes (CFA), na França, encontra-se uma grande variedade de formação de profissionais em alternância. Segundo Poplimont (2000), o conjunto das formações rurais e não-rurais ultrapassam, em sua globalidade, o número de 150 profissões.

55

3.4 A ALTERNÂNCIA E SUAS DIFERENTES MODALIDADES DE

ORGANIZAÇÃO

A investigação bibliográfica sobre as diferentes formas de alternância permite-nos

identificar múltiplas concepções e práticas referentes a ela. Com o objetivo de

mostrar as distinções de conceitos e de práticas, vamos esboçar um quadro que

reúne as principais modalidades de alternância no mundo e no Brasil e os seus

modos de organização. Assim, de acordo com diferentes autores, encontramos sete

classificações, entre as quais: a alternância interna e a externa, de Girod de l’Ain e

Y. Bernard; a alternância falsa, aproximada e real, de Malglaive; a alternância

dissociativa, associativa, integrada (UNEFAB, 2000); a alternância justaposição,

complementaridade e articulação, de Antoine et al; a alternância implícita, aleatória e

interativa, de Meirieu; a alternância justapositiva, associativa e copulativa, de

Bourgeon; e a alternância rítmica, inversabilidade e reversabilidade, de Lerbet.

Entre as diferentes classificações, o trabalho de Bourgeon tornou-se o mais

conhecido na literatura sobre o assunto. No final deste texto, apresentaremos,

sinteticamente, a classificação de Bougeon para, em seguida, chegarmos ao

discurso mais recente da alternância: as formas assumidas por esse tipo de ensino.

A) Alternância interna e externa: de acordo com Girod de l’Ain e Y. Bernard (1975,),

“A alternância externa visa a aumentar a população estudantil, a proporção de

adultos ou jovens que têm tido uma experiência de trabalho, quer dando às pessoas,

em exercício profissional, possibilidades de estudo por meio de cursos noturnos,

quer provocando um estímulo ao trabalho antes da entrada no ensino universitário.

É apenas um simples corte do dia para tornar compatíveis os estudos com o

trabalho, sem prever qualquer ligação entre uma atividade e a outra. “Em

contrapartida, a alternância interna consiste em colocar períodos de trabalho durante

os estudos. Trabalho e estudo continuam atividades desarticuladas” (1974, p. 234).

B) Alternância falsa, aproximada e real: Malglaive (1993), seguindo a mesma ordem

de idéias, definiu a falsa alternância como modo de organização que consiste em

prever estágios no percurso de formação. Nesse caso, as formações teórica e

prática são separadas e sem nenhuma conexão entre si.

56

A alternância aproximada: trata-se, de acordo com Malglaive, de um modo mais

elaborado, pois o modo de organização tenta vincular os dois tempos de formação

num conjunto mais coerente. A forma de organização considera o meio externo

como lugar de estágio onde os estudantes observam a realidade profissional para a

qual se preparam.

A alternância real: essa alternância visa à formação teórica e prática global para

permitir, ao sujeito aprendiz, elaborar o seu projeto pedagógico, executá-lo e refletir

sobre sua execução. Essa terceira natureza de alternância insere-se numa outra

lógica de interações e novas possibilidades de transformações do campo e dos

agentes. Aqui, a noção de projeto, freqüentemente ausente no ensino clássico, tem

a sua importância, permitindo uma abertura de sentidos e de possibilidades para os

aprendizes.

C) Alternância dissociativa, associativa, integrada ou integrativa (UNEFAB 1999):

nos documentos da UNEFAB, a alternância dissociativa é apresentada como um

modo de organização em que o trabalho e o estudo ocorrem em momentos

desvinculados da formação.

A alternância associativa: trabalho e estudo são momentos diferenciados. Com o

estudo, o trabalho possui algum valor formativo, por isso algumas atividades práticas

são inseridas no processo formativo. A relação entre estudo e trabalho não se

articula de modo a constituir integração.

Alternância integrada ou integrativa47: nesse modo de organização, o trabalho e o

estudo são dois momentos interligados, porque em ambos os momentos se aprende

e se interage de forma orgânica. Os momentos são integrados pedagogicamente na

formação.

D) Alternância justaposição, complementaridade e articulação: os autores Antoine e

Al (1988) conceituam “alternância justaposição” como um modo de organização no

qual o tempo dos "ativos" é, simplesmente, compartilhado em períodos recortados

entre o trabalho e a formação, sem relação entre eles.

47 Calvó (1999), em artigo sobre a alternância no Brasil, afirma que prefere referir-se à alternância interativa destacando o verdadeiro vaivém entre colaboração, coabitação, co-ação e intervenções mútuas entre o meio socioprofissional e o escolar.

57

A alternância complementaridade: esse tipo de disposição da alternância tenta

organizar dois tempos de aprendizagem num processo contínuo de formação: o

primeiro tempo se desenrola na escola, o segundo na empresa. Os dois tempos

concorrem à aprendizagem do ofício, mas a relação entre eles é frágil.

A alternância articulação: trata-se da organização de um mesmo processo de

formação, de dois tempos diferentes da aprendizagem, um sobre o lugar de

formação, o outro na empresa. Essa organização prevê as modalidades precisas da

cooperação entre os dois lugares.

E) Alternância implícita, aleatória e interativa: de acordo com Meirieu (1992), a

alternância implícita é a do ‘deixar fazer’, não organizada. Ter êxito na escola é viver

em alternância. É necessário deixar que se vivam as situações naturais de

aprendizagem, que as pessoas tomem o que lhes é útil para a vida diária e, por

conseguinte, articulem, por elas mesmas, conhecimentos formais e necessidades

sociais.

A alternância aleatória, segundo o autor, é um tipo de alternância organizada em

torno de duas atividades, uma centrada na produção, e outra na formação, sem que

existam relações entre uma e outra.

A alternância interativa é definida como um ir e vir permanente entre observações,

obstáculos, aprendizagens e reinvestimentos.

Os jovens progridem toda vez que, sobre o terreno, descobrem obstáculos e articulam conhecimentos em torno destes obstáculos e quando, abordando conhecimentos em formação, percebe-se, com os jovens, que é precisamente pela prática que se aprende a lhes tratar. É neste movimento nos dois sentidos que a alternância funciona (MEIRIEU, 1992, p. 5).

F) Alternância justapositiva, associativa e copulativa: de acordo com Bourgeon

(1984, p. 35), a alternância justapositiva pode ser definida como "dois períodos de

atividades diferentes: um de trabalho, o outro de estudo, sem nenhuma ligação entre

elas". Trata-se de uma justaposição dos períodos de trabalho e de estudos cujos

espaços e tempos de aprendizagem são independentes uns dos outros.

A alternância associativa, mais elaborada que a precedente, é definida por Bourgeon

(1979, p. 36) como "uma associação por alternância de uma formação geral e uma

formação profissional". A formação tenta associar as atividades do meio de vida

58

escolar e as atividades do meio de vida externo. Essa forma de alternância

reconhece o papel do terreno, mas esse permanece, freqüentemente, como uma

simples adição de atividades. A integração harmoniosa dos diferentes meios de vida

continua precária.

A alternância copulativa é definida como a "compenetração efetiva dos meios de

vida socioprofissional escolar numa unidade de tempo formativo" (BOURGEON,

1979, p. 37). Nesse modo de alternância, não há somente uma sucessão de tempos

teóricos ou práticos organizados, mas um processo interativo que intervém,

permanentemente, nos dois pólos de atividades, em todos os níveis do campo

educacional. O controle das estratégias da situação de alternância é transferido aos

agentes e às redes de relações que se constituem.

G) Alternância rítmica, inversibilidade e alternância reversibilidade. De acordo com

Lerbet (1995, p. 146), “Quando um indivíduo vê as tarefas educativas em simples

contigüidade, desenvolve a alternância rítmica". Assim, pôr, lado a lado, fases de

trabalho e fases de cursos provoca uma repetição ritmada de tarefas sem nenhuma

relação entre elas.

Na alternância do tipo inversibilidade, o sujeito utiliza a sua experiência, a fim de

refletir sobre a resolução de problemas. Assim, para além da simples contigüidade

das atividades, Lerbet (1995, p. 146) afirma: "O processo de retroação invertido pela

simples troca substitutiva encontra-se dentro do sistema pessoal de um aprendiz

quando apóia-se [sic] sobre uma ação para resolver outra, mas sem,

necessariamente, casá-las cognitivamente", resultando numa justaposição das

atividades.

A alternância reversibilidade corresponde à possibilidade para um indivíduo “gerir

aquilo que vive sobre o terreno (lugar da prática) e em classe (lugar da formação)

extraindo de um mesmo registro de recursos” (LERBET, 1995 p. 147). Nesse

modelo, a alternância desenvolve autonomia na gestão da sua formação. Logo,

trata-se de uma alternância educativamente fértil, pois cada um dos estudantes

aborda o próprio progresso à sua maneira.

Em síntese, vários autores, dentre os quais se destacam Gimonet (1994), Lerbet

(1995) e Queiroz (2004), analisaram diferentes tipos de alternância sob diferentes

59

ângulos – pedagógico, cognitivo, relacional, entre outros. O foco comum das

diferentes análises é a identificação das características de um ensino em alternância

que realize verdadeira integração pedagógica, das diferentes dimensões. Uma

pedagogia da alternância que fortalece as relações entre os diferentes fazeres dos

diferentes meios e contribui com o efetivo sucesso da formação.

3.5 FORMAS ASSUMIDAS PELO ENSINO EM ALTERNÂNCIA

O professor Georges Lerbet (1987) sintetiza, de acordo com três modos de

organização, as características mais disseminadas das práticas de alternância no

mundo. Dessa forma, as características das alternâncias – externa, falsa,

dissociativa, justaposição, implícita e rítmica – são correlativas ao modelo de

alternância justapositiva de Bourgeon (1979), pois a sucessão de períodos e o

divórcio entre as atividades escolares e do meio de vida externo fazem a

desarticulação entre a teoria e prática.

A alternância justapositiva efetua uma justaposição dos períodos de atividades na

escola (estudos) e no meio socioprodutivo (trabalho), no qual os espaços e os

tempos de aprendizagem são independentes e sem relação entre si.

A modalidade de alternância justapositiva apresenta as seguintes características:

disjunção entre os dois meios, ou seja, a escola e meio externo são

justapostos;

os alunos seguem uma trajetória ritmada de um meio ao outro. Os diferentes

ritmos de atividades não são em função da alternância;

ausência de relações entre o organismo educativo e o meio externo;

as dimensões do ensino são compartimentadas;

a formação é voltada essencialmente para a obtenção do diploma.

Alternância associativa: para Lerbet (1987), as características das alternâncias

aproximada, complementaridade, aleatória e inversibilidade são correlativas ao

60

modo de organização da alternância associativa de Bourgeon, pois a simples

associação por adição entre as atividades teóricas no meio escolar e as práticas no

meio externo não permite uma verdadeira relação dinâmica das relações

alternantes. A alternância associativa traduz-se numa forma de organização na qual

os dois períodos de atividades vividos, em meio escolar e em meio externo,

efetuam-se de maneira conjugada, mas sem articulação entre si.

A modalidade da alternância associativa apresenta as características seguintes:

o organismo educativo ocupa o centro do dispositivo de formação. As

atividades práticas em meio externo são controladas pelos monitores;

as atividades práticas em meio externo não põem situações de trabalho

formadoras, geralmente o organismo educativo permanece numa lógica de ensino

escolarizante;

os alunos têm a tendência de supervalorizar e dicotomizar uma das

dimensões da formação, ou a teórica ou a prática;

as situações de aprendizagens práticas não são reais, não tendo em vista os

problemas in loco e os ritmos de produção;

o organismo educativo não leva em conta a eficácia pedagógica da formação,

mas sim a relevância burocrática no modo de organização da alternância;

a formação é orientada para a obtenção do diploma.

Alternância integrativa: as características das alternâncias real, articulação,

integrada e reversibilidade, segundo Lerbet (1987), estão próximas da alternância

copulativa de Bourgeon. Essa forma de alternância é considerada a mais avançada

e mais eficaz por tratar-se de um modo de organização que visa à formação global,

numa interação orgânica e fértil. A alternância integrativa é a compenetração efetiva

dos meios de vida socioprodutiva e escolar numa unidade de tempo formativo.

A modalidade da alternância integrativa apresenta as características seguintes:

os agentes escolares e os agentes externos constroem juntos o percurso

educativo e/ou formativo;

61

os estudantes conduzem os seus projetos de formação utilizando as

contribuições de um e outro lugar;

a lógica pedagógica é ancorada sobre o trabalho em equipe. As atividades

disciplinares dão lugar à interdisciplinaridade e às necessidades reais dos

estudantes;

as aprendizagens práticas são baseadas nas situações reais de grandeza e

realismo;

as aprendizagens integradas são centradas em conhecimentos teórico-

práticos a adquirir;

os agentes do meio externo e interno são implicados como parceiros

educativos;

os objetivos da escola são a eficácia da alternância. Ou seja, garantia de

qualidade e sucesso na aprendizagem.

A partir das características acima mencionadas, observa-se que a alternância

integrativa busca o exercício de uma modalidade de alternância que não justapõe,

nem busca a simples associação, mas a máxima integração entre os

tempos/lugares, os atores, as atividades, as dimensões teóricas e práticas em todos

os aspectos. Busca-se um modo de organização voltado para a formação global, a

interação orgânica e fértil em compenetração efetiva dos meios de vida

socioprodutiva e escolar numa unidade de tempo formativo. Em suma, o exercício

de uma alternância eficaz.

Contudo, não queremos dizer que é possível encontrar uma modalidade de alternância pura e perfeita. A interferência de outras características a tornam sempre

inacabada e em busca permanente da integração e da interface. A eficácia da alternância

faz parte de um trabalho como experiência em desenvolvimento permanente.

62

3.5.1 A questão da integração e a interface na pedagogia da alternância

Retomando a definição de Bourgeon (1979, p. 37), a alternância copulativa é a

"compenetração efetiva dos meios de vida socioprofissionais e escolar, numa

unidade de tempo formativo". Nesse modo de alternância, a instituição formativa

enquanto o instituído perde uma parte da sua potência de controle sobre os agentes

e sobre as redes de relações que se constituem. O controle da situação da

alternância está nas mãos dos agentes que a conduzem. Assim, justamente ao

tornar-se instituído, gera poucas informações, e seu poder é limitado diante das

regras de participação dos parceiros engajados.

A escola (instituição), ou o próprio sistema educativo, limita-se a organizar o tempo e

o espaço da formação (conteúdos, sessões, estadas e estágios) para definir os

objetivos e as estratégias a serem atingidas; mas torna-se frágil ao pretender impor

ou determinar as redes de relações dos sujeitos e suas estratégias de ação.

Contudo, tem poder sobre a avaliação somativa (emissão dos diplomas, prazos).

Para além desse papel, as estratégias de ação são implementadas sob a

responsabilidade dos próprios agentes.

Ao contrário das alternâncias justapositiva e associativa, na modalidade de

alternância copulativa concebe-se a interação orgânica e fértil entre a teoria e a

prática; a instituição formativa é gerida para e pelos próprios agentes no

funcionamento da mesma.

A copulação constitui a ligação mais elaborada entre duas atividades diferentes. No seu princípio, a alternância copulativa supõe uma estreita compenetração dos dois momentos ou os dois meios de atividades. Os conteúdos de um e de outro estão em permanente relação, completam-se e enriquecem-se mutuamente, favorecendo, para além do desenvolvimento do indivíduo, a sua integração a um meio ampliado. As relações alternantes são essencialmente dinâmicas (BOURGEON, 1979, p. 131).

Para ilustrar esse modelo, Bourgeon (1979) menciona vários exemplos, como "a

escola no campo" em Cuba, a experiência tanzaniana, o sistema cooperativo nos

Estados Unidos da América, e as Maisons Familiales Rurales na França.

Apresentamos, como exemplo dessa perspectiva, a experiência das Maisons

Familiales Rurales da França.

63

Chartier (1993), num artigo dedicado às MFRs, apresenta as linhas gerais de uma

alternância de acordo com o modelo integrativo. Assim, a pedagogia da alternância

levada a efeito pela fórmula das MFRs refere-se:

ao processo de aprendizagem que parte das situações vividas sobre o terreno

pelos estudantes; as contribuições da "escola" vêm então em resposta às

interrogações suscitadas por essa primeira fase;

aos instrumentos que ajudam os formadores na aplicação do método;

ao apoio associativo que dinamiza a ação dos diferentes parceiros da

formação.

No fim dos períodos passados na escola ou no centro de formação (Maison

Familiale ou no Instituto Superior Rural), os alunos elaboram, com a ajuda dos

formadores, um plano de investigação chamado plano de estudo. Esse instrumento

desenvolvido pelas MFRs

[...] constitui para cada aluno um apoio de estudo das atividades nas quais é implicado no seu meio de vida sócio-profissional, e facilita as discussões e as trocas com os adultos que estão ao seu lado. Esta investigação sobre um assunto preciso, em cada fase de alternância, dá lugar a um texto escrito e pessoal que o estudante traz quando retorna ao centro de formação. Este texto serve de apoio a uma entrevista com um formador, o aluno recebe assim uma ajuda personalizada que lhe permite melhorar a precisão e a forma da sua produção escrita. Os diferentes estudos realizados a cada seqüência de alternância constituem um trabalho personalizado que suscita a motivação nos jovens em formação (CHARTIER, 1993, p. 88).

De regresso à escola, os estudos efetuados por cada um ou cada uma são em

seguida postos em comum e, por conseguinte, situados no nível do grupo; esse

exercício provoca trocas, fontes de uma aprendizagem mútua. Provoca, igualmente,

interrogações, e é a partir dos questionamentos que se articulam os estudos

técnicos e gerais. Essa concepção da alternância, chamada integrativa por Chartier

(1993, p.89), não se refere, no entanto,

[...] a dispensar um ensino na escola e depois pedir aos alunos que apliquem este ensino sobre o terreno. Pelo contrário, o processo de aprendizagem do jovem parte das situações vividas, encontradas, observadas no seu meio de vida, estas situações tornam-se fontes de interrogação, de trocas, integram-se na investigação de conhecimentos novos. Há a tomada de consciência seguida de resolução dos problemas.

A aplicação dessa pedagogia supõe toda uma estrutura de animação. Refere-se a

64

todos os parceiros do interior e exterior da instituição: jovens, acompanhadores de estágio,

formadores, para que esses ajam em equipe a partir dos objetivos definidos.

Questionados, interpelados pelos alunos, os adultos sentem-se comprometidos. São provocados e desafiados a refletir sobre sua própria situação, onde a sua participação ativa depois de múltiplos encontros organizados nos centros de formação. Esta vida associativa intensa, conseqüência da alternância, é, em muitos casos, um fator de desenvolvimento local e da região ao redor. Ajuda cada um e a comunidade local a tomar consciência da sua situação e a agir na investigação de soluções (CHARTIER, 1993, p. 90).

A concepção da alternância, de acordo com a maneira preconizada pelas MFRs, aplica uma inversão na estratégia de aprendizagem tradicional. Parte-se do fazer, ou seja, é

dada a prioridade ao mundo da experiência, do vivido como o ponto de partida para a

produção do conhecimento. Sem desconsiderar o saber sistematizado como saber

produzido, o saber e o fazer articulam-se e fecundam-se numa nova abordagem pedagógica

da alternância. Essa forma de pensar supera a concepção de aprendizagem predominante

nas escolas que funcionam numa lógica que prioriza a teoria como ponto de partida

abstrato e dissociado da prática.

Engajado em situações desafiadoras de verdadeiro realismo [...] pode ir até o fim de uma tarefa cujo resultado aproxima-se com aquele dos adultos. Graças ao plano de estudo, o aluno exprime-se, progride no saber dizer e toma consciência da sua própria realidade vivida, ele compreende (CHARTIER, 1993, p.90).

Por último, segundo Chartier (1993), a alternância de tipo integrativa privilegia o desenvolvimento da pessoa pelo comprometimento, pela confrontação com a experiência

superadora. Criando uma função polêmica, no sentido nobre do termo, retorna cada um

para si mesmo e ajuda a ajustar seu próprio eu. Provoca um caminhar experiencial que

favorece a criatividade, a motivação e que é fonte de elaboração de projetos pessoais48.

48 A concepção de uma alternância integrativa ou copulativa encontra, em alguns autores, seus tipos correlativos de organização da alternância. Dessa maneira, Malglaive (1979), Antoine et al. (1988) e Meirieu (1995). Malglaive chama de Alternância Real um tipo de alternância na qual o objetivo é a formação global no nível teórico e prático. O aprendiz é colocado no centro do processo e deve refletir, construir e aplicar o desenvolvimento de seu projeto na formação. Antoine et al (1988) conceituam a Alternância Articulação: trata-se da organização de um mesmo processo de formação, de dois tempos diferentes de aprendizagem, um no local da formação e outro na empresa. Essa organização prevê as circunstâncias precisas da cooperação entre os dois pólos. Meirieu (1995) propõe a Alternância Interativa. Trata-se de um vaivém permanente entre observações, obstáculos, aprendizagens e reinvestimentos. Os jovens progridem toda vez que, sobre o terreno, descobrem-se obstáculos e articulam-se conhecimentos ao redor desses obstáculos, e quando, abordando conhecimentos em formação, percebe-se, com os jovens, que é precisamente pela prática que se aprende a tratá-los. É nesse processo, nos dois sentidos, que a alternância funciona. Essa tipologia formaliza os diferentes modos de organização da alternância e seus impactos formativos nos jovens.

65

4 O ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL

Como evidenciamos anteriormente, o ensino em alternância no Brasil nasceu dentro

de um contexto de crise social, econômica e política. A crise do setor rural se

inscreve nesse contexto. Conforme Ianni (1989), ela se agravou devido às políticas

de apoio, à industrialização dos grandes centros urbanos.

4.1 O SURGIMENTO DO ENSINO EM ALTERNÂNCIA NO ESPÍRITO

SANTO: AS ESCOLAS FAMÍLIAS AGRÍCOLAS

Apresentaremos, neste capítulo, a origem e a expansão do ensino em alternância no

meio rural no Estado do Espírito Santo e no Brasil. Sua gênese está diretamente

ligada ao movimento francês das Maisons Familiales Rurales (MFR). Dessa forma,

com base nas MFRs, dois modelos de alternância se difundem no meio rural

brasileiro: as “Escolas Famílias Agrícolas” (EFA) e as “Casas Familiares Rurais”

(CFR). Mostraremos, assim, uma síntese da gênese-contexto-origem, a expansão e

a situação atual de tais instituições, além da influência de cada modelo no ensino

rural brasileiro.

A primeira instituição escolar, ou centro formativo em alternância, foi criada em 1968,

no distrito de Olivânia, município de Anchieta, no litoral sul do Estado do Espírito

Santo. Essa primeira instituição foi denominada Escola Família Agrícola (EFA).

Inicialmente, a formação em alternância ocorria com intervalos de uma semana de

formação, em regime de internato na escola, e duas semanas no meio externo, com

trabalho, vivência e estudos na propriedade da família.

Ao longo de 40 anos, foram fundadas diversas outras escolas com o nome EFA ao

lado do nome da localidade ou da cidade mais próxima. Uma multiplicação dessas

escolas foi ocorrendo gradativamente tanto no Espírito Santo quanto em todo o País.

Hoje, estima-se a existência de 152 instituições sob influência direta do modelo EFA,

e 108 instituições, principalmente nos Estados da região sul, sob a influência das

CFR. Essas instituições somadas formam um total de 260 em todo o Brasil.

A partir dos centros ou escolas do tipo EFA, 3 outras instituições educativas e/ou

formativas foram influenciadas pelas EFAs: as “Escolas Comunitárias Rurais”

(ECOR), as “Escolas Técnicas Agrícolas” (ETA), de São Paulo, e as “Escolas

66

Populares de Assentamentos” (EPA). Atualmente, as EFAs estão presentes em

dezesseis Estados, organizadas em nível nacional em doze redes regionais que

formam associações filiadas à União Nacional das Escolas Famílias do Brasil

(UNEFAB).

As EFAs e os CFRs são escolas ou centros de formação que constituem-se

entidades não-governamentais sem fins lucrativos. São organizações calcadas no

modelo de gestão associativa local, de caráter coletivo, e integram o movimento

internacional denominado Associação Internacional dos Movimentos Familiares de

Formação Rural (AIMFR), com sede em Paris, França.

Duas outras instituições de formação, criadas no início dos anos 80 a partir das

associações formativas do tipo CFR (QUEIROZ, 2001), foram influenciadas pelas

CFR: as “Casas das Famílias Rurais” (CdFR) e o “Programa de Formação de Jovens

Empreendedores Rurais” (PROJOVEM Rural).

Fundado em 1968 no meio rural, há quatorze quilômetros da cidade de Anchieta, no

Espírito Santo, o primeiro centro formativo ou a primeira escola em alternância foi

denominada “Escola Família Agrícola” (EFA). Criou-se, então, a primeira instituição

educativa em alternância em toda a América.

Alguns meses mais tarde, outras duas instituições que seguiam o mesmo modelo e

sob a influência do mesmo organismo promotor foram criadas no sul do Espírito

Santo. Esse organismo se chamava “Movimento de Educação Promocional do

Espírito Santo” (MEPES)49, que reunia organizações católicas e outras organizações

civis compostas, sobretudo, por famílias de pequenos agricultores. Essas deram

suporte para as primeiras iniciativas não-governamentais de educação e de

formação em alternância rural no Brasil.

É necessário ressaltar o papel dos fundadores das primeiras instituições educativas

e formativas em alternância: os padres e missionários jesuítas, que sofreram

consideráveis riscos frente ao perigo de interdição de seus projetos e programas de

49 O MEPES é uma organização não-governamental (ONG), declarada como pessoa jurídica, sem fins lucrativos (com fins filantrópicos) e de utilidade pública; reconhecido pelo Conselho de Educação do Estado do Espírito; membro fundador da União Nacional das Escolas Famílias (UNEFAB) e da Associação Internacional dos Movimentos Familiares de Formação Rural (AIMFR) (NOSELLA, 1977 e AZEVEDO, 1999).

67

ação social, pois se vivia, segundo Ianni (1994), o período mais obscuro da história

contemporânea do Brasil: a ditadura militar.

O contexto de nascimento das EFAs, no fim dos anos 60, foi, portanto, o período de

vigência do regime de ditadura.

A ditadura militar, imposta no país com o golpe de estado de 1964 e pelos governos posteriores, reprime de forma implacável todos os movimentos sociais, seja no campo ou na cidade. O regime encarcera, tortura, sentencia, assassina operários, agricultores, líderes sindicais, pessoas engajadas na Igreja e em partidos de esquerda. Ao mesmo tempo encaminha projetos, planos macro-políticos, com o objetivo de inserção do Brasil no corrente desenvolvimento e expansão do capitalismo mundial (QUEIROZ, 2004, p. 33).

Nessa perspectiva, as primeiras escolas foram criadas e sobreviveram graças ao

apoio da Igreja Católica, que, frente ao regime político da época, reunia um razoável

número de padres e bispos que tiveram um papel considerado “subversivo da

ordem” pelo regime político. Não obstante, as preocupações educacionais da Igreja

católica estavam em sintonia com as orientações da Encíclica Pacem in Terris

(1963). Esse documento tinha como destaque as orientações pastorais visando à

prática social dos cristãos. Desse modo, as grandes questões, como a paz mundial,

a justiça, a liberdade, são colocadas em destaque.

A realização do II Concílio do Vaticano abriu novas possibilidades: mais abertura e

renovação da estrutura e do diálogo interno. A Igreja se preocupava mais com sua

própria inserção social. O Papa Paulo VI criticou, abertamente, o capitalismo e

defendeu o desenvolvimento dos povos na Encíclica Popularum Progressio (1965).

A realização da grande conferência dos bispos da América Latina, em Medellín, na

Colômbia, em 1968, e em Puebla, no México, em 1970, deu força aos setores

progressistas da Igreja Católica. O apoio e o suporte aos agrupamentos religiosos

chamados “Comunidades Eclesiais de Base” (CEBs) e ao novo relacionamento entre

a Igreja e os movimentos de organização social de caráter democrático abriram um

novo cenário nas relações entre a Igreja e os problemas sociais.

No seio da Igreja Católica nasceu uma nova abordagem do social, uma nova igreja,

segundo Boff (1982). Essa nova forma de viver a religião católica é chamada de

igreja progressista, em contraposição à Igreja Católica tradicional. Com efeito, a

Igreja Católica apoiava, discretamente, iniciativas de organizações educativas e/ou

68

formativas e de participação política das camadas marginalizadas da sociedade.

Segundo essa perspectiva e dentro desse contexto histórico, a atuação de um padre

italiano chamado Humberto Pietrogrande, como articulador entre a Igreja, as famílias

e o Estado, forneceu o suporte necessário à criação, ao funcionamento e à

sobrevivência das primeiras escolas em alternância, consideradas na época

progressistas e de potencial subversivo, dado o envolvimento delas com a

problemática social local.

Frente a uma situação de repressão, de censura e de incerteza política, é

necessário que se leia o Brasil na época como um país de grandes dimensões

territoriais, com um enorme contingente de sua população migrando para as grandes

cidades, e um crescente sistema de exclusão socioeconômica e cultural tanto no

campo quanto nas cidades. Nesse contexto sociopolítico, a criação de 21 escolas

rurais em alternância ao longo de 12 anos (1968 – 1980) não parece uma iniciativa

em si mesma capaz de fazer frente aos múltiplos problemas da população no meio

rural.

A ampliação de experiências educativas em alternância no Brasil é, porém,

considerada, nesse momento, “uma novidade muito positiva, pois o país vivia uma

experiência dolorosa provocada por um clima de repressão, censura e de

insegurança política. Vivia-se em plena ditadura” (NOSELLA, 1977, p.36). O autor

ressalta também outros aspectos que destacava a singularidade da experiência das

EFAs para a época. Nesse sentido, considera a experiência “intencionalmente

revolucionária [...] por ser crítica do sistema tradicional que praticamente excluía o

ensino voltado aos camponeses” (NOSELLA, 1977, p.120).

Considerando-se diversas lógicas, pode-se situar o início da alternância no Brasil

dentro de duas lógicas complementares: um movimento de resistência contra a

exclusão econômica e cultural dos camponeses de um lado e, de outro, uma lógica

pedagógica orientada para responder às necessidades de escolarização formal dos

jovens no meio rural.

Inicialmente, as instituições de educação em alternância no Espírito Santo se

direcionavam aos adolescentes e, sobretudo, aos jovens do campo em situação de

defasagem escolar, visando a formar os futuros agricultores. As escolas começaram

69

com características oriundas do bom senso de seus iniciadores, preocupados com

as dificuldades econômicas, culturais e com a situação de pobreza das famílias do

campo.

De acordo com Nosella (1978), os promotores tinham objetivos fortemente ligados à

doutrina social da Igreja Católica. Não tinham grandes ideais pedagógicos, mas,

frente à falta de escolas em sua região, obtiveram o apoio das famílias que queriam

uma escola para seus filhos e filhas, sem que precisassem mandá-los estudar na

cidade. Assim, com determinação missionária, o padre italiano e sua equipe de

colaboradores vindos da Itália, e com o apoio das famílias de pequenos agricultores

e pessoas ligadas à Igreja, deram início às primeiras instituições educacionais em

regime de alternância no campo.

Tomando como exemplo o modelo de alternância das escolas italianas, da região de

Treviso e Ancona, chamadas Scuola della Famiglia Rurale (SFR), que adaptaram a

metodologia das MFRs francesas para a situação italiana50, os promotores da

experiência educacional brasileira de alternância queriam iniciar uma escola voltada

para os problemas locais, como a falta de desenvolvimento aliada à pobreza, o baixo

grau de escolarização dos camponeses, entre outros. Dessa forma, para trabalhar

nas primeiras escolas, o corpo de educadores-formadores, chamados de monitores,

não era constituído por pessoas diplomadas. Os primeiros monitores eram

recrutados entre as pessoas das comunidades circunvizinhas, de maneira que,

inicialmente, não era necessário possuir formação pedagógica51.

Como ressaltamos anteriormente, as primeiras experiências das EFAs no Espírito

Santo, sob a nomenclatura “Escolas Famílias Agrícolas” (EFA), foram inspiradas

diretamente na experiência italiana das SFR e, indiretamente, nas MFRs francesas,

que tinham desenvolvido uma fórmula original de educação em alternância dos

camponeses. Essa fórmula, com instrumentos metodológicos específicos, segundo

Chartier (1986), tenta articular a formação escolar e o ambiente sociofamiliar e

50 Segundo Pessotti (1978, p.19), “A metodologia das MFRs foram adaptadas [sic] à realidade italiana, inicialmente pelo Centro de Educação e da Cooperação Agrícola Trevisiane, organismo de representação da classe dos agricultores e responsável pelo suporte e acompanhamento das primeiras “Scuolas della Famiglia Rurale” (SFR), na Itália. 51 Além da exigência de possuírem diploma de conclusão do ensino médio, a principal exigência colocada aos monitores já recrutados consistia na realização de uma formação inicial e continuada em regime de alternância oferecida pelo Centro de Formação do MEPES, criado com esse objetivo.

70

produtivo.

A fórmula de alternância das MFRs, traduzida por estagiários e padres vindos da

Itália, deu aos iniciadores da primeira instituição os fundamentos e diretrizes de

organização do dispositivo de ensino. Dessa maneira, princípios como a alternância

entre a escola e o meio sociofamiliar e produtivo, o internato, a vida em grupo na

escola, os instrumentos metodológicos, o modo de organização associativo de base

familiar, os princípios da pedagogia ativa, ancorada na experiência dos indivíduos, e

a preocupação em formar as pessoas locais foram inspirados nas MFRs francesas.

De fato, Pessotti (1991), em um artigo consagrado às EFA brasileiras, ressaltou as

relações entre a experiência francesa e a italiana. Segundo a autora, é da

experiência francesa que vem o modelo pedagógico de alternância, com todo o seu

dispositivo pedagógico. Da experiência italiana, vêm os objetivos, o modo de

organização interna e, sobretudo, a colocação da lógica produtiva no interior da

escola, com a introdução da propriedade agrícola da escola52. Nesse período, as

instituições de ensino eram destinadas aos jovens, sem limitação de idade.

Essas instituições acolhiam prioritariamente jovens em situação de abandono ou de

defasagem escolar, oriundos de famílias rurais locais ou de uma mesma região

geográfica no Estado do Espírito Santo.

O primeiro tipo de formação era de caráter supletivo, e a escola recebia jovens do

campo com idade a partir de 14 anos. Os alunos intercalavam uma semana no

centro de formação e duas semanas no ambiente familiar.

A fundação das primeiras instituições em alternância, como vimos, está diretamente

ligada à implantação das três primeiras Escolas Famílias Agrícolas do MEPES, na

região sul do Estado. O MEPES, por sua vez, foi inaugurado em 1967 graças à

Associazione degli Amici dello Stato Brasiliano dello Espírito Santo (Associação dos

Amigos do Estado do Espírito Santo – AES), criada em 1964, cuja sede está em

52 Trata-se de uma escola dentro da fazenda. As EFAs foram projetadas como escolas de duplo espaço educativo, associando a lógica educativa escolar (estudos teóricos em sala de aula) e a lógica do trabalho produtivo (trabalhos práticos na fazenda ou no sítio). Segundo tal modelo de funcionamento, cada EFA devia ter uma propriedade agrícola, considerada terreno de aplicação e de aprendizagem das ditas práticas. Cf Pessotti (AL), 1991, “A Escola Familiar e o Ensino de 1º grau” in. Revista do Centro Pedagógico UFES – Universo Pedagógico, Vitória, Vol. 4, nº 6, Janeiro/Junho, pág 43-48.

71

Pádua, na Itália. Destaca-se nesse momento a ação mediadora do padre Humberto

Pietrogrande, como articulador junto a seus compatriotas italianos, para a criação da

associação na Itália e pela criação do MEPES no Estado do Espírito Santo.

Após a criação das três primeiras escolas do MEPES, as EFAs foram, pouco a

pouco, difundindo-se pelo Estado graças, principalmente, a duas formas de ajuda,

ambas baseadas na solidariedade entre as pessoas. A primeira delas foi a das

famílias que adquiriam a propriedade da escola e iniciavam a construção das

instalações por meio de doações e trabalhos em mutirão. A segunda forma apoiava-

se na ajuda financeira italiana. Em 1972, já fundadas três escolas no sul do Espírito

Santo, as EFAs começaram sua expansão pelo norte do Estado.

Com o funcionamento em alternância, de quinze dias na escola e quinze dias na

família, e com a duração de dois anos, o programa foi reconhecido e regulamentado

em 1971 (lei 24/71) e equivalia ao nível do quinto e sexto ano do ensino

fundamental. Tratava-se de uma formação sem o objetivo de escolarizar os jovens

agricultores. Por isso, o certificado oferecido não era reconhecido pelo Estado. O

objetivo do programa era de oferecer, simplesmente, a iniciação profissional no setor

da agricultura e da criação de animais, sem preocupação com a escolarização

formal.53

A influência indireta dos princípios da pedagogia de Paulo Freire foi integrando,

pouco a pouco, os objetivos e a abordagem sociopedagógica em alternância das

EFAs. Entre esses objetivos, destacam-se certos princípios, como: a relação

interativa entre a teoria e a prática; a realidade vivencial abordada como ponto de

partida e de chegada da prática pedagógica; a problematização permanente da

experiência em seu contexto; as relações pessoais de proximidade com a base,

numa pedagogia fundada sobre o diálogo; o desenvolvimento da consciência crítica

nos indivíduos; e a liberdade, a igualdade e a dinâmica transformadora da educação

como fundamento de uma sociedade democrática54.

O professor Mânfio, do Instituto Paulo Freire, pesquisador da alternância, afirma que

53 No princípio, as escolas concordaram com uma formação de curta duração, mas as famílias estavam insatisfeitas com tal fórmula. Queriam uma formação mais longa e certificativa. 54 ZAMBERLAN 1997, “A Escola Familiar Agrícola e a Pedagogia de P. Freire”. Centro de Formação de Monitores, Piúma, ES, Brasil. Inédito, p. 1-18.

72

Freire inaugura uma “epistemologia da práxis humana” (MANFIO 2006 p. 51) e faz

da conscientização o “bisturi” de sua pedagogia. A partir do conceito de

conscientização, o autor destaca uma lista de semelhanças entre o legado de Freire

e a pedagogia da alternância (PA) dos CEFFAs.

Nesse sentido, a pedagogia da alternância no Brasil não nasceu ou vem se

desenvolvendo de costas para o pensamento de Freire, que também se erigiu fora

da academia ou do sistema oficial de ensino e fortemente ligado aos movimentos

sociais. Esse foi o caminho semelhante trilhado pela pedagogia da alternância.

Assim, tanto a conscientização quanto a PA voltam-se para a formação integral do

homem: responsável e transformador do seu meio.

Ambas se nutrem da utopia, da ética cristã, do engajamento político e da crença de

que fora da realidade não se aprende. O aprender está ligado ao experiencial;

aprende-se no fazer, e o pensar e o agir não são separados. A pedagogia de Freire

e a PA são pedagogias da mudança e se fundam na vivência da ética do

compromisso, muito além do devotamento ideológico.

Para Zamberlan (1997), o pensamento de Freire ajuda a contextualizar uma

pedagogia de base francesa, mas, numa realidade como a nossa, é preciso ter o

cuidado com a “simples importação de modelos únicos e universais” (RODRIGUES,

1999, p.34). A PA parte do contexto existencial do aluno, dos seus conhecimentos

adquiridos, dos seus saberes vivenciais.

Enfatiza a curiosidade, a indagação e a investigação num processo dialógico,

respeitando a capacidade do outro. Faz do coletivo o lócus do aprender em ação.

Nesse movimento, a educação é processo permanente de construção cultural e de

desenvolvimento comunitário. O desenvolvimento pessoal liga-se ao coletivo como

dimensão que passa pela autogestão responsável do projeto no âmbito pessoal e

coletivo, criando atores sociais comprometidos com a mudança do meio. Os dois

tempos da alternância unem-se num só, pois não se aprende primeiro para depois

praticar. Ora, essa visão da PA não se fortaleceu por acaso. Ela ganha em Freire

todo o seu significado emancipador:

Em ambos os casos – Conscientização e Alternância – não há receitas prontas a seguir, mas busca constante, pesquisa participante e contato pessoal direto com o objeto a ser trabalhado. Não se pensa pensamentos e

73

regras sem que estejam imbricados na realidade. Em Paulo Freire não há professores transmissores de saber. Isso ocorre na escola bancária; na alternância há monitores que aprendem junto com os jovens e sua família. (MANFIO, 1999, p.54)

No início de 1974, todas as EFAs foram autorizadas pelo Estado para funcionar

como formação reconhecida e legalizada, como cursos complementares (sob

modalidade supletiva), o que permitiu a conclusão do primeiro grau (de quinta a

oitava séries, por meio da lei 130/74). Tal autorização permitiu oferecer aos jovens o

certificado de conclusão de primeiro grau.

Em 1980, de acordo com Ramirez (1989), o MEPES tinha estabelecido uma rede de

dez EFAs em dez municípios do Espírito Santo. Desse total, duas escolas passaram

a oferecer formação em dois níveis: de quinta a oitava séries do ensino fundamental

e nível secundário – o último com a duração de três anos. O MEPES contava ainda

com um centro de formação de monitores para capacitar seu pessoal, seis centros

de ação comunitária e um hospital geral.

Segundo Pessotti (1991), uma importante mudança relativa aos objetivos e à

estrutura pedagógica deve ser ressaltada. Depois da aprovação da lei 136/88, as

escolas tiveram que fazer mudanças que diminuíram a importância da alternância de

inspiração francesa.

Os organismos promotores e os fundadores da alternância escolheram reforçar a

fórmula da escolarização via modalidade alternância: decidiram por um ensino em

alternância com maior independência do modelo francês e mais próximo do sistema

de ensino formal brasileiro.

Para Nosella (1977), aquela escola, antes guiada pelo bom senso de seus

fundadores, deveria seguir um outro caminho, mantendo a alternância entre a escola

e o meio de vida externo, e ser sustentada financeiramente pelo Estado, mas não

controlada por ele. Todavia, fragilizado pela falta de recursos do estrangeiro e pela

não garantia do repasse de recursos públicos para a manutenção de sua rede de

escolas, o MEPES se defronta com o seu maior problema: a ameaça de ver suas

escolas fecharem as portas.

Em função desses problemas, o MEPES decidiu orientar suas instituições dentro da

lógica de funcionamento das escolas do sistema de ensino formal. O MEPES,

74

permanecendo com o controle de sua rede de escolas, acreditou que essa nova

fórmula garantisse o repasse dos recursos públicos que faltavam e, também, obter o

reconhecimento da alternância como modalidade de educação alternativa55.

Como conseqüência direta da reestruturação das escolas do MEPES, as EFAs

tiveram que baixar a idade mínima de quatorze para dez anos para ingresso nas

escolas. Naquela época, a quase totalidade das EFAs já tinha adotado a alternância

de estadia de uma semana na escola e uma semana no meio socioprodutivo

familiar.

Segundo Pessotti (1991), o ensino em alternância, pressionado, devia, mais do que

nunca, seguir as normas do ensino fundamental do país no nível de quinta a oitava e

em regime seqüencial.

O ensino em alternância rural teve que aceitar as exigências impostas pela

legislação educacional. Em contrapartida, as EFAs obtiveram o mesmo estatuto das

escolas do sistema educacional de ensino do Estado, sendo autorizadas a oferecer

uma formação certificativa, mas sem a garantia do financiamento público.

O modelo de escola autorizado pelo Conselho Estadual de Educação do Espírito

Santo serviu imediatamente como o modelo a ser copiado pelas escolas em

alternância, já criadas, e por aquelas em fase de criação em outros Estados. Para as

EFAs, foi a fórmula encontrada para sair do sistema de formação supletiva

(PESSOTTI, 1991). Para as famílias, ficou a chance de verem suas crianças e

jovens inseridos na escolaridade formal.

De fato, a mudança do caráter dos cursos de quinta a oitava séries, de acordo com

os parâmetros da educação nacional, permitiu aos CEAs oferecerem estudos

equivalentes aos do nível de ensino fundamental e atribuir certificados de estudos

efetivamente reconhecidos.

É a partir desse momento (1988) que, de acordo com certos autores, como Concagh

(1989) e Pessotti (1991), constatou-se uma acelerada multiplicação das EFAs no

Brasil, principalmente na Bahia e em Minas Gerais.

55 QUEIROZ, 1998. O processo de Implantação da Escola Familiar Agrícola (EFA) de Goiás. Artigo publicado na revista da Universidade Federal de Goiás, p. 21.

75

De acordo com a análise de Pessotti (1991), a mudança do caráter de suplência

para o de seriado, colocou as EFAs em um estatuto de igualdade entre as

instituições do sistema de ensino nacional.

Tal mudança, seguindo as normas do ensino fundamental nacional, foi vista como

positiva pelos pais e pelo MEPES, que pôs em prática a expansão do ensino

secundário, seguindo as mesmas regras da estrutura escolar já existente em sua

rede de escolas de ensino fundamental. Assim, as escolas requerentes da mudança

para dois níveis de ensino poderiam oferecer um segundo nível de formação sem

mudar suas estruturas e o modo de funcionamento.

Até aqui ressaltamos o início da alternância no Brasil (as EFAs do MEPES no

Espírito Santo) e sua gradativa expansão no Estado do Espírito Santo. Ao longo dos

anos 1980, as EFAs submeteram-se a uma reestruturação pedagógica que

provocou, durante os anos 90, uma eclosão de inúmeras escolas para as quais o

modelo EFA do Espírito Santo tornou-se a fonte de inspiração.

Ao mesmo tempo, a expansão e a diferenciação no Estado fizeram surgir novas

escolas que mantêm um relativo vínculo com a alternância, sua abordagem

pedagógica, metodológica e relacional, o que nos levou a pesquisar, nessas

diferenciações, as práticas pedagógicas dos educadores.

Após esse pequeno inventário histórico da trajetória das EFAs no Espírito Santo,

pretendemos evidenciar, a seguir, a expansão e a diferenciação entre as escolas

rurais que foram criadas a partir do modelo EFA no Estado. Colocar-se-á em

evidência a introdução do ensino secundário no Espírito Santo e será apresentado

um quadro geral da expansão e distribuição das escolas de ensino em alternância

no Espírito Santo e no Brasil.

4.1.1 A expansão da alternância no interior do Espírito Santo e no

Brasil

No início dos anos 80, as experiências educativas em alternância das EFAs ligadas

ao MEPES já eram conhecidas pelas comunidades, associações e sindicatos de

76

camponeses, assim como das prefeituras de todo o Espírito Santo. Entre 1983 e

1984, algumas associações de agricultores e famílias preocupadas em oferecer uma

educação escolar para seus filhos e defrontadas com a escassez de escolas

regulares em suas regiões decidiram criar escolas cujo modo de funcionamento se

aproximasse das escolas do MEPES.

Nesse momento de levantamentos e conversações, o ensino por alternância das

Escolas Famílias Agrícolas, EFA, despontava como uma alternativa aos interesses

dos trabalhadores do campo. Depois das conversações iniciais com o MEPES e as

Igrejas cristãs e do apoio deles obtido, além da autorização do poder público em

esfera municipal, fundou-se a primeira escola não afiliada ao MEPES, que manteve

a sigla EFA e iniciou seu funcionamento em 1985, no município de Domingos

Martins.

Nos anos seguintes, outras foram criadas no norte e no sul do Estado. Ao contrário

das escolas da rede MEPES, as novas escolas em alternância que começaram a

surgir não visavam a formar uma nova rede, nem criar escolas pertencentes a um

sistema de ensino público. Cada instituição desse tipo teria um estatuto de

organização não-governamental (ONG) sem fins lucrativos. As EFAs autônomas56

tornam-se instituições que oferecem o ensino pós-primário em alternância em nível

médio.

É necessário assinalar a influência pedagógica do MEPES, que teve um papel

importante ao oferecer a formação inicial e/ou em serviço dos docentes, chamados

monitores, das novas escolas fora de sua rede. Assim, as escolas autônomas

mantiveram a mesma denominação de Escola Família Agrícola (EFA), resguardando

sua independência do MEPES. É assim que, segundo Zamberlan (1994), as

primeiras escolas autônomas, que não pertenciam ao MEPES, foram criadas em

diferentes regiões do Espírito Santo. Atualmente, as EFAs autônomas formam um

total de seis escolas. Em 2005, foi fundada a EFA de Barra de São Francisco,

dedicada à formação em nível de ensino médio. Criou-se, a partir de então, a

primeira escola secundária fora do MEPES.

Entre 1986 e 1987, as escolas de assentamentos, ligadas ao Movimento dos 56 A sigla EFA continua sendo a mais utilizada para denominar esse tipo de escolas não apenas no Espírito Santo

77

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), situados no norte do Estado, iniciaram as

discussões com as EFAs do MEPES existentes na região, visando à criação de

escolas pós-primárias com uma educação adaptada às necessidades educacionais

das escolas de assentamento. Nesse momento, o modo de funcionamento por

alternância das EFAs foi a base de inspiração para a criação dessas escolas.

A primeira foi criada em 1988, e várias outras (sob a tutela do MST) foram criadas

nos anos seguintes. As então chamadas Escolas Populares de Assentamento (EPA)

deram origem a um novo grupo de escolas inspiradas nas EFAs do MEPES. Sobre

isso, afirma Pizzeta (2000, p.147):

No nível administrativo as EPA são escolas públicas sustentadas financeiramente pelo Estado, pois não queremos perder de vista a função e a responsabilidade do Estado com a educação. Assim, as EPA têm um estatuto de escolas públicas mas, sob a responsabilidade administrativa e pedagógica do MST. Acredito que este último aspecto é determinante para distinguir as EPA das outras escolas que funcionam com a modalidade de alternância. Atualmente, existem oito escolas situadas no norte do ES.

De 1990 a 1992, no município de Jaguaré, foram criadas três escolas em

alternância, chamadas Escolas Comunitárias Rurais (ECOR)57. Sua criação deu-se

sob a inspiração das EFAs-MEPES. De acordo com Moreira (2000), a discussão que

antecedeu a criação dessas escolas e permaneceu durante esse processo reuniu

várias comunidades rurais do município, a Prefeitura de Jaguaré, a Paróquia

Católica e representantes do MEPES.

A discussão e o acordo com o MEPES foram decisivos porque a EFA já existente

decidiu atender a uma antiga demanda das comunidades da região: abrir mão do

ensino fundamental e passar a oferecer somente o ensino em alternância no nível

médio. Isso permitiria a integração e a continuidade dos estudos para os alunos das

escolas recém-criadas e das outras escolas da região que pretendessem continuar

seus estudos no nível secundário. As Escolas Comunitárias Rurais Municipais

(ECORM) deram origem a um novo grupo de escolas inspiradas nas EFAs. Sobre o

assunto, afirma Moreira (1998, p.20):

As ECOR são diferentes das EFA do MEPES pois, no nível administrativo, as escolas pertencem ao município de Jaguaré, e, além disso, são escolas sustentadas pelo poder público dirigidas por um conselho delegado que

57 CRUZ, 2004 utiliza em seu trabalho o nome ECORM – Escola Comunitária Rural Municipal. Segundo o autor, o novo nome substituiu ECOR, que denominava anteriormente as escolas comunitárias situadas no município de Jaguaré.

78

representa as comunidades circunvizinhas, a associação dos agricultores e o município.

Como ressaltamos, as EFAs ofereciam um curso de 4 anos equivalente ao ensino

pós-primário fundamental. Com a mesma preocupação de continuar a oferecer uma

formação complementar de mais um nível aos jovens vindos de suas próprias

escolas, o MEPES, com o apoio das famílias, decidiu ampliar o atendimento ao

ensino médio. Essa nova formação em regime seriado, de duração de três anos e

posteriormente com a duração de quatro anos, permitiu às escolas do MEPES

oferecer um novo nível de formação aos que queriam continuar seus estudos e obter

um diploma de técnico em agropecuária.

As primeiras EFAs de ensino médio profissionalizante, com habilitação de técnico

em agropecuária em alternância, foram criadas entre 1976 e 1980.

Ao longo dos anos 90, três outras EFAs que já ofereciam o ensino fundamental

decidiram ampliar o atendimento ao nível de ensino médio profissionalizante. Ao

final dos anos 90, as escolas que ofereciam uma formação em nível de ensino

médio formavam um total de seis escolas.

No ano de 2002, foi criada mais uma escola de ensino médio em Nova Venécia, no

povoado de Governador Bley, totalizando sete escolas de ensino médio

pertencentes ao MEPES. Em 2005, houve a criação da EFA de ensino médio em

Barra de São Francisco (que não é pertencente à rede MEPES). O número de

escolas de ensino médio profissionalizante no Espírito Santo passou a ser de oito

escolas na modalidade de ensino em alternância.

Como foi evidenciado anteriormente, o MEPES, por meio do seu centro de formação

de monitores, teve um papel decisivo na multiplicação das escolas inspiradas no

modelo EFA, dentro e fora do Espírito Santo (CRUZ, 2004 e JESUS, 2007).

Segundo Zamberlan (1994), isso se deu principalmente na Bahia, em Rondônia, no

Piauí e no Amapá.

Entre 1973 e 1987, o modelo EFA criado no Espírito Santo, sempre sob a tutela do

MEPES, iniciou a sua exportação para outros Estados. Foi pelo fim dos anos 70 e na

década de 80 que as EFAs começaram sua expansão para o interior do País,

inicialmente no Estado da Bahia e, posteriormente, em Minas Gerais e Maranhão.

79

De acordo com Concagh (1989) e Zamberlan (1994), contava-se, em 1980, um total

de 21 EFAs em todo o Brasil. É a partir dessa época que a experiência das EFAs

começa a suscitar o interesse de alguns estudos científicos58.

É necessário ressaltar que o modelo de ensino da vertente supletiva das EFAs do

MEPES durou até 1988. Na época, exigia-se que os alunos tivessem a idade mínima

de 14 anos para entrar no sistema de alternância. O tipo de formação oferecida

correspondia à conclusão do ensino fundamental, conforme a legislação educacional

brasileira. A partir de 1988, as escolas modificaram a duração do ensino,

transformando-o em um curso seriado com uma duração de quatro anos.

Segundo os estudos de Silva (2000) e Queiroz (2004), constata-se a eclosão das

EFAs em várias regiões do Brasil. Conforme Queiroz, tal expansão teve início a

partir da metade da década de 80 e depois da reestruturação das EFAs no Espírito

Santo, tomadas como exemplo para outros Estados.

Essa expansão progressiva nos outros Estados do Brasil motivou a criação de uma

rede nacional de escolas em alternância no País. Assim, a primeira federação das

escolas em alternância na América Latina foi fundada, no Brasil, em 1982, seguindo

os indicativos da Associação Internacional dos Movimentos Familiares para a

Formação Rural (AIMFR).

No dia 5 de abril de 1982, foi criada a União Nacional das Escolas Familiares do

Brasil (UNEFAB), com sede na cidade de Anchieta, no Espírito Santo59. Dez anos

mais tarde, a UNEFAB tornou-se a entidade mais representativa entre os Centros

Familiares de Formação em Alternância do Brasil (CEFFAs)60.

58 ZAMBERLAN se refere aos estudos realizados por NOSELLA, 1977, “Uma Nova Educação Para o Meio Rural”, Dissertação de Mestrado em filosofia da educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. PESSOTTI, A.L. (1978), “A Escola da Família Agrícola: uma alternativa para o meio rural”; Dissertação de Mestrado em Educação, Fundação Getúlio Vargas. GIANORDOLI, R.L., (1980) “Nova perspectiva para a educação rural: pedagogia da alternância”, Dissertação de Mestrado em Educação, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, 1980. 59 No começo dos anos 90, de acordo com o relatório MEPES (1991), contava-se a existência de 38 CEAs semelhantes ao modelo EFA no Brasil, nos seguintes Estados: Bahia, Minas Gerais, Maranhão, Rondônia, Piauí e Amapá. Em 1996, no momento do Sexto Congresso Internacional da AIMFR, realizado em Guarapari, ES, contavam-se, de acordo com o jornal da UNEFAB, 75 CEAs no Brasil, em sua maioria afiliados à UNEFAB. 60 Jornal UNEFAB, ano XV, nº 15, Junho, 1996, p. 2.

80

A UNEFAB é definida hoje como uma organização não-governamental que se

dedica ao desenvolvimento sustentável do meio rural, por meio da formação e da

educação. Entidade sem fins lucrativos, é dirigida por seu próprio estatuto, aprovado

por seus membros associados, registrada como pessoa jurídica no Conselho

Nacional de Serviço Social (CNAS), e representa os interesses políticos, educativos

e promocionais dos CEFFAs no Brasil.

4.2 AS “CASAS FAMILIARES RURAIS” (CFR): UMA NOVA REDE DE

CEFFAS DEDICADA À FORMAÇÃO EM ALTERNÂNCIA NO BRASIL

As Casas Familiares Rurais são outro tipo de escola dedicada à alternância no

campo, inspiradas nas MFRs francesas e articuladas a elas . Começaram suas

atividades nos três Estados da região sul do Brasil, no final dos anos 80, e tiveram

uma importante expansão de seu modelo, tanto para o interior quanto para o exterior

da região sul.

Essa nova rede de CEFFAs situa-se, majoritariamente, nos três Estados da região

sul do Brasil: Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. A sede situa-se hoje em

Curitiba, capital do Paraná.

No princípio dos anos 80, no quadro de colaboração Brasil-França, com o

acompanhamento direto da Union Nationale des Maisons Familiale Rurale

d’Education et Orientation (UNMFREO) de Paris, os franceses implantaram um tipo

de instituição que tinha em vista a implantação de uma alternativa de formação em

alternância no Brasil, semelhante à modalidade formativa das MFRs francesas.

A fórmula de alternância das MFRs francesas era diretamente aplicada nas CFRs

sob o acompanhamento da União Nacional das Maisons Familiales Rurales de

Educação e Orientação (UNMFREO), na figura dos formadores ligados ao sistema

das MFRs. Assim, os fundamentos e princípios, como a alternância entre a casa

familiar e o meio socioprodutivo, o internato, a vida em grupo na escola ou no centro

formativo, os instrumentos metodológicos, o modo de organização associativo de

base familiar, os princípios da pedagogia ativa ancorada na experiência dos

indivíduos e a preocupação de formar agentes locais eram inspirados nas MFRs.

81

As CFRs reúnem jovens trabalhadores no meio rural e jovens em situação de

exclusão escolar vindos de famílias camponesas locais ou de uma mesma região

geográfica. A formação oferecida é do tipo supletiva. Assim, as CFRs acolhem

rapazes e moças do campo, a partir dos 14 anos, que alternam entre uma semana

no centro de formação e duas semanas no meio socioprodutivo. Diferentemente das

escolas do tipo EFA, o enfoque formativo prioriza a formação ligada às atividades

externas.

No final dos anos 80, contavam-se alguns centros educacionais do tipo CFR61. Após

a criação dos primeiros centros, no Paraná, depois em Santa Catarina e Rio Grande

do Sul, a expansão das CFRs prosseguiu, nos últimos anos, por outros Estados:

Ceará, Pernambuco, Maranhão, Paraíba, Pará e Roraima.

O crescimento rápido das CFR ao longo dos anos 90, diretamente apoiadas pelas

MFRs francesas, sob a tutela da UNMFREO, impulsionou uma progressiva

expansão para outras regiões do Brasil. Isso, de outra parte, motivou a criação da

Associação Regional das Casas Familiares Rurais (ARCAFAR) do sul e a ARCAFAR

do norte e nordeste do Brasil.

De fato, as CFRs formam, em torno da ARCAFAR sul62, norte e nordeste, uma

associação de caráter regional, somando um total de 88 instituições distribuídas em

vários Estados. Constata-se, portanto, a coexistência de duas instituições, a

UNEFAB e a ARCAFAR, ambas com o mesmo propósito de expansão pelo Brasil.

Entre 1991 e 1996, a UNEFAB, organização das escolas que se aproximam do

modelo EFA, começou um trabalho de articulação e organização, em nível nacional,

dos CEFFAs, com os seguintes propósitos: formar e aperfeiçoar os monitores;

reconhecer a formação em alternância como uma alternativa educacional dos

camponeses; obter uma participação cada vez maior dos organismos do Estado e

dos municípios no apoio dos CEFFAs em todo o Brasil; e apoiar novas experiências

61 Nome dado à versão brasileira das MFRs francesas. 62 As CFR, hoje, são mais numerosas na região sul do Brasil, com 60 CFRs, constituindo uma das mais importantes redes de CEFFAs do Brasil.

82

e gestão de parceria com os poderes públicos regionais e locais63.

Os CEFFAs afiliados à UNEFAB encontram-se, hoje, organizados em nível regional

mediante instituições político-administrativas juridicamente constituídas, formando

um total de doze associações do tipo rede regional64. Contam-se, atualmente, 139

CEFFAs e 40 projetos de implantação. As doze redes regionais congregam os

CEFFAs distribuídos pelos 18 Estados da federação brasileira.

Nacionalmente, a maioria dos CEFFAs é articulada por intermédio da UNEFAB e,

em nível internacional, pela AIMFR, com sua sede mundial em Paris, na França.

É necessário ressaltar que o conjunto dos CEFFAs no Brasil forma diferentes redes

e sub-redes. Assim, em esfera nacional, encontra-se a UNEFAB em nível regional

espalhada em diversos Estados do Brasil está a ARCAFAR sul e norte/nordeste65.

No âmbito regional, encontram-se redes afiliadas ou não a seus regionais. Em suma,

as diferenças de orientação, de gestão e de ideologia formam uma complexa teia em

torno de realidades e culturas semelhantes e diferentes ao mesmo tempo. Dessa

forma, há redes como as CFRs que são afiliadas unicamente à associação

internacional (AIMFR). As escolas da rede EPA são instituições ligadas ao

Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), sem vínculo com a

UNEFAB. Existem ainda outras pertencentes a comunidades e/ou a municípios, com

63 Com a assessoria da SIMFR organização como já dissemos, sediada em Bruxelas, em 1998, a UNEFAB criou uma equipe pedagógica nacional que tem como papel o desenvolvimento dos instrumentos pedagógicos segundo os princípios metodológicos da formação em alternância, o estabelecimento de novos programas de formação inicial e ininterrupta dos monitores e a criação dos grupos de formação de monitores em nível regional. Essas são algumas das ações concretas que fazem parte do projeto de reforço institucional da UNEFAB. Fonte: Informativos 08-1999 e 09-2000 da UNEFAB. 64 1. Associação das Escolas Familiares Agrícolas da Bahia (AECOFABA). 2. Rede das Associações dos Centros Familiares de Formação por Alternância do Espírito Santo (RACEFFAES). 3. Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES). 4. Associação das Escolas Familiares Agrícolas Rondônia. (AEFARO). 5. Associação Mineira das Escolas Familiares Agrícolas (AMEFA). 6. Rede das Escolas Familiares Agrícolas Integradas do Semi-Árido (REFAISA). 7. União das Associações das Escolas Familiares Agrícolas do Maranhão (UAEFAMA). 8. Fundação das Escolas Agrícolas do Piauí (FUNACI). 9. Associação das Escolas Familiares Agrícolas do Centro Oeste e Tocantins (AEFACOT). 10. Rede das Associações das EFAs do Amapá (RAEFAP). 11.Associação dos CEFFAs do Rio de Janeiro (ACEFARJ) 12.Associação das Escolas Familiares do Piauí (AEFAPI) 65 Seria mais coerente com seus objetivos ao invés de se chamar ARCAFAR mudar este nome para ANCAFAR. Associação Nacional das Casas Familiares Rurais. Já que o objetivo da ARCAFAR é também crescer em todas as regiões do Brasil.

83

um modo de organização local.

Como destacamos no capítulo IV, as discussões acerca da produção de um discurso

unificador que supere as divergências e considere os pontos de unidade da

pedagogia da alternância encontrou no nome CEFFA (Centro Educativo Familiar de

Formação em Alternância) uma tentativa de estabelecer um certo consenso na

relação entre as EFAs e os CFRs de todo o Brasil.

Os textos, documentos e relatórios que veiculam o nome CEFFA como denominador

de todas as escolas famílias ou casas familiares começaram a ser difundidos em

1998 através de congressos nacionais e internacionais, monografias, dissertações

de mestrado, teses entre outros materiais bibliográficos.

A partir do cruzamento de dados de monografias, teses, informações dos

organismos internacionais, como a Solidariedade Internacional dos Movimentos

Familiares de Formação Rural (SIMFR), em Bruxelas, a Associação Internacional

dos Movimentos Familiares para a Formação Rural (AIMFR), em Paris, e do material

informativo da UNEFAB, o número dos CEFFAs influenciados pelo modelo das EFAs

é de 152 instituições espalhadas por 18 Estados.

O número de CEFFAs influenciados pelo modelo das CFR é de 108 instituições

distribuídas por 9 Estados66. Juntando-se outras redes de escolas não afiliadas aos

CEFFAs, conta-se, atualmente, um total de 275 instituições educativas (CEAs) em

22 dos 27 Estados brasileiros67.

Para que se visualize o conjunto dessas instituições distribuídas pelo País,

apresentamos o quadro geral a seguir68.

66 Segundo dados da UNEFAB e da ARCAFAR, atualmente no Brasil há 60 CEFFAs em fase de criação. 67 Os dados que mais se aproximaram dos quadros aqui apresentados foram publicados no texto Mapeamento das Instituições que utilizam a Pedagogia da Alternância MEC/SECAD/CGEC, abril, 2007. O texto apresenta ao final um levantamento do número de matrículas por região no Brasil. 68 Obs.: O levantamento computou várias instituições educativas em alternância que não proclamam filiação à UNEFAB nem à ARCAFAR. Entre essas instituições estão: 7 projetos de formação no Estado de São Paulo, denominados PROJOVEM, e 8 escolas de assentamento no Estado do Espírito Santo, denominadas por Queiroz (2004) Escolas Populares de Assentamento (EPA).

84

Os Centros Educativos em Alternância (CEA) no Brasil (Quadros 1 e 2)

N° Estados 69 Diferentes Denominações

Abreviações dos Estados EFA ETA ECORM N° CEA

01 AP 05 05

02 AC 01 01

03 AM 01 01

04 BA 37 37

05 CE 02 02

06 ES 22 03 25

07 GO 04 04

08 MA 05 05

09 MT 01 01

10 MS 03 03

11 MG 18 18

12 PA 05 05

13 PI 21 21

14 RJ 03 03

15 RO 04 04

16 SP 04 04

17 SE 02 02

18 TO 03 03

TOTAL 145 04 03 152 Quadro 1 (Influência do movimento das EFA) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

69 Os Estados brasileiros e suas respectivas siglas: Acre (AC), Amazonas (AM), Amapá (AP), Amazonas (AM), Bahia (BA), Ceará (CE), Espírito Santo (ES), Goiás (GO), Maranhão (MA), Mato Grosso (MT), Mato Grosso do Sul (MS), Minas Gerais (MG), Para (PA), Pernambuco (PE), Paraná (PR), Piauí (PI), Rio Grande do Sul (RS), Rio de Janeiro (RJ), Rondônia (RO), Sergipe (SE), São Paulo (SP), Santa Catarina (SC), Sergipe (SE), Tocantins (TO).

85

N° Estados Diferentes Denominações

Abreviações dos Estados CFR CdFR N° CEA

01 AM 01 01 02 BA 01 01 03 MA 25 25 04 PA 19 19 05 PE 01 01 06 PI 01 01 07 PR 33 33 08 RS 04 04 09 SC 23 23

TOTAL 105 03 108

Quadro 2 (Influência do movimento das CFRs) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

Conforme os quadros 1 e 2 demonstram, na sua diversidade de instituições, a

educação em alternância no Brasil é um fenômeno educacional e social que desde

os anos 90 se difunde de forma rápida, conforme demonstram Queiroz (2004),

Passador (2006) e Jesus (2007).

O Brasil tornou-se a segunda nação do mundo com o maior número de instituições

inspiradas, direta ou indiretamente, na alternância das MFRs. É preciso dizer que a

fórmula francesa de formação em alternância no meio rural conheceu uma grande

expansão no mundo. Chartier (1993) ressalta que tal expansão se deve ao

desenvolvimento dos dispositivos pedagógicos e à sua execução dentro de uma

“pedagogia da alternância”. Hoje, segundo os dados da UNEFAB-AIMFR (2007) 70,

existem no mundo 1.300 Centros Familiares de Formação em Alternância difundidos

em 43 países. 70 Os Centros Familiares de Formação em Alternância (CEFFA) se estenderam pelos cinco continentes em 43 países. Atualmente, existem na América Latina 498 CEFFAs situados nos seguintes países: Argentina, Brasil, Chile, El Salvador, Equador, Guatemala, Honduras, México, Nicarágua, Panamá, República Dominicana, Uruguai e Venezuela. Na Europa, há 532 em quatro países: Espanha, França, Itália e Portugal. Na África, 186 em 19 países, são eles: Argélia, Benin, Burkina Faso, Camarões, Costa do Marfim, Chade, Etiópia, Gabão, Ilhas Maurício, Madagascar, Mali, Marrocos, República Centro-Africana, República Democrática do Congo (antigo Zaire), República do Congo, Ruanda, Senegal, Togo e Tunísia. Na Ásia: 8, situadas nas Filipinas e no Vietnã. Na Oceania, há 11 na Nova Caledônia e na Polinésia Francesa. Na América do Norte: dois situados no Canadá. Há, portanto, nos cinco continentes, um total de 1.300 CEFFAs, segundo informativo da UNEFAB e da AIMFR, 2007.

86

5 A PRODUÇÃO CIENTÍFICA NOS CAMINHOS DA ALTERNÂNCIA

Conforme mencionamos no capítulo 2, que versa da problematização das práticas

discursivas em alternância; constatamos um grande salto na produção bibliográfica,

apresentada sob forma de artigos, monografias, dissertações de mestrado e teses,

principalmente entre os anos de 2002 a 2007. Isso produziu um novo cenário nas

práticas discursivas em alternância na medida em que a reflexão de novos temas

também foi criando e enriquecendo a produção discursiva da alternância que se faz

no Espírito Santo e no Brasil.

Sem a pretensão de sermos exaustivos na apresentação da produção bibliográfica e

também reconhecendo que não poupamos esforços para reunir o máximo de

materiais, principalmente as dissertações de mestrado e teses, apresentamos a

seguir os vários estudos, mostrando a maneira como foram sucedendo-se ao longo

dos anos até 2007.

5.1 AS PUBLICAÇÕES E OS TRABALHOS CIENTÍFICOS NA

TRAJETÓRIA HISTÓRICA DOS CEAS NO BRASIL E NO ESPÍRITO

SANTO

Ao completar 40 anos de existência em 14 de junho de 2008, o Centro Educativo

e/ou Formativo em Alternância – o primeiro CEA denominado na época de Escola

Família Agrícola (EFA) – foi a primeira instituição de educação ou formação em

alternância no meio rural do continente americano. Entretanto, a trajetória das

experiências sistematizadas é nova e emerge de forma mais vigorosa nos anos

recentes.

A produção teórica sobre as experiências educativas em alternância no Brasil

começou nove anos após o início da implantação do primeiro CEA ou da primeira

EFA. Considerando os recentes dados sobre o crescimento dessas instituições de

norte a sul do Brasil e, sabendo que elas abrangem quase todos os Estados,

principalmente o Espírito Santo, verificamos a maneira pela qual essas experiências

vêm sendo estudadas, sistematizadas e publicadas no meio acadêmico. E, ainda,

que contribuições têm trazido às práticas discursivas de educação em alternância.

87

O primeiro trabalho acadêmico acerca das experiências educativas em alternância

no Brasil foi a pesquisa de Nosella (1977). Apresentado sob a forma de dissertação

de mestrado em educação, defendido na Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo-PUC/SP e intitulado “Uma nova educação para o meio rural: sistematização e

problematização da experiência pedagógica das Escolas da Família Agrícola (EFA)

do Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES)”, esse estudo

teve o mérito de ser o primeiro sobre as experiências pedagógicas em alternância.

Os objetivos do trabalho de Nosella (1977) consistiram fundamentalmente em

caracterizar a metodologia, analisar os fundamentos históricos e mostrar às pessoas

de outros países elementos de conhecimento e de análise crítica sobre uma

experiência pedagógica original e inovadora implementada no Brasil (p.14-15).

O trabalho descreve e analisa as origens das primeiras experiências de formação

em alternância iniciadas na França (1935); assim como o contexto histórico,

econômico e social, e a expansão desse ensino pelo mundo. Ademais, apresenta a

trajetória de difusão do projeto “Maison Familiale Rurale” (MFR) na Itália, Espanha e

África para chegar à experiência brasileira por meio do MEPES.

Nosella (1997) analisa também as características da experiência brasileira, o plano

pedagógico do centro de formação dos monitores, e, finalmente, o caminho

percorrido e os problemas principais da experiência na época.

O autor constata e analisa os principais problemas levantados: intercâmbio ou

invasão cultural; o problema estrutural ou da participação; o impasse da expansão

da experiência; o dilema metodológico; o programa escolar oficial ou plano de

estudo; o futuro e o sentido do centro de formação (para difundir uma filosofia ou

ideologia de educação); a evasão dos monitores técnicos; a omissão ou o éthos

capitalista; e a questão da manutenção financeira e a ajuda internacional.

Nosella (1977) conclui seu trabalho destacando um aspecto geral no qual mostra

que os problemas estruturais particulares da organização MEPES e,

especificamente das EFAs, se inserem num contexto socioeconômico mais amplo da

sociedade brasileira. Destaca também os aspectos específicos que evidenciam a

singularidade da experiência pedagógica das EFAs: a positividade da experiência,

pois se trata de uma experiência inovadora “por ser crítica ao sistema tradicional de

88

ensino no campo e intencionalmente revolucionária” (p. 112).

A experiência possuía um problema comum a todos os modelos importados de

outros contextos sociais, nesse caso a França, uma vez que será implantado em

uma realidade socioeconômica diferente, em que o homem do campo é

menosprezado. Trata-se pois de uma especificidade da modalidade de ensino em

alternância por ser um modelo importado de um outro contexto social, a França, e

implantado em uma realidade socioeconômica em que o homem do campo é

menosprezado. Segundo Nosella (1977), o MEPES confrontou-se com um grave

problema, uma dupla missão: ele deveria, por um lado, consagrar-se (alcançar o

objetivo?) aos objetivos de formar os profissionais críticos para transformar a

agricultura e o campo; e, por outro, fazer o papel de integração dentro da lógica

capitalista adotada pela política oficial.

Essa contradição é ao mesmo tempo externa e interna ao MEPES e poderia

ameaçar o equilíbrio da instituição numa sociedade desejosa da mudança social.

Segundo o pesquisador, a única possibilidade de continuidade do trabalho das EFAs

no Brasil é a de manter sua ação na perspectiva das classes dominadas.

Como o primeiro trabalho sobre a experiência de formação em alternância praticada

por intermédio das EFAs, o estudo de Nosella (1977) abriu perspectivas para outros

trabalhos que se seguiram, como a dissertação de mestrado que Pessotti (1978)

defendeu na Fundação Getúlio Vargas, no Rio de Janeiro, intitulada

“Problematização da experiência pedagógica das Escolas Familiares Agrícolas do

Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo MEPES”, que teve como

objetivos descrever a metodologia, o modo de funcionamento da proposta

pedagógica da EFA e os interesses das famílias pelo ensino em alternância.

Esse trabalho de dissertação permitiu a Pessotti (1978) chegar às seguintes

conclusões (1978, p. 149-152):

- o intercâmbio internacional entre a experiência brasileira e a Associação para a

Promoção das Escolas da Família Agrícola da Argentina (APEFA) sofreu influências

(mudanças?) consideráveis, como: a mudança do nome “Escola Família Rural” para

“Escola da Família Agrícola”; o plano de estudos tornou-se o instrumento mais

importante e substituiu o “caderno da propriedade”; a redução do período de estadia

89

em casa de duas para uma semana; e a manutenção do período da seção escolar

de duração de uma semana.

- a utilização que na prática as EFAs, de certo modo, já faziam do plano de estudo

como ponto de partida dentro da estratégia de formação para a definição dos

conteúdos das disciplinas e do programa escolar e, ao mesmo tempo, para a

ligação, dentro do programa, dos conteúdos do currículo oficial do ensino nacional.

- a adoção da propriedade anexa à escola (propriedade demonstrativa) como parte

do espaço de ensino-aprendizagem era vista como uma inovação da experiência

brasileira.

- a aceitação por parte dos agricultores da proposta pedagógica das EFAs é mais

evidente na região Norte que na região Sul, o que é em grande parte devido a uma

melhor organização didática e ao processo de implantação e de administração que

seguem os princípios democráticos por meio da participação dos atores.

- a constatação da perda da identidade das escolas do MEPES com relação ao

modelo original (o modelo francês e italiano), aproximando-se do modelo de escola

convencional urbana (ginasial).

Ao final a autora destaca a proposta inicial, baseada numa metodologia específica, a

participação das famílias e a flexibilidade de seu programa escolar e do processo de

avaliação, que fazem dessa escola uma referência para o ensino pós-primário

adequado às regiões agrícolas tradicionais ou em transição, exploradas por uma

mão-de-obra familiar (PESSOTTI, 1978, p.152).

As críticas e as constatações de Pessotti (1978) são retomadas no estudo de

Giannordoli (1980), na dissertação de mestrado em educação defendida na

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ, intitulada “Nova

perspectiva para a educação rural: pedagogia da alternância”. Esse trabalho

apresenta como objetivo geral a realização um estudo comparativo entre os

referenciais teóricos e metodológicos utilizados pelo MEPES com a prática

pedagógica de suas escolas. Os objetivos específicos trataram de analisar e

descrever os instrumentos metodológicos, o sistema de avaliação e o processo de

participação dos agentes envolvidos no processo.

90

Segundo o quadro teórico utilizado pelo MEPES e com a abordagem realizada, a

autora destaca os resultados de seu estudo:

- a aprovação e o reconhecimento por parte dos pais da importância da estrutura de

operação da EFA, principalmente no que diz respeito à utilização da mão-de-obra

composta de seus filhos durante o período de estadia com a família (ou durante as

férias).

- a “visita às famílias” não é realizada de maneira sistemática pela escola, o que

pode tornar-se um obstáculo para a execução de seus objetivos.

- o caderno da propriedade, hoje denominado “caderno da realidade”, estaria sendo

aplicado em desacordo com os princípios da metodologia original.

- a aquisição do procedimento de análise e de reflexão sobre a realidade deveria ser

uma das características do plano de estudos. Assim, o “caderno da realidade”

deveria tomar as questões e os problemas colocados como verdadeiros objetos de

reflexão e ultrapassar o simples nível de constatação.

- por conseqüência, nem o plano de estudos, nem o caderno da propriedade não

constituem um instrumento de motivação das classes na maioria das disciplinas,

com exceção dos estudos específicos ligados à agricultura.

- com relação aos “serões”, os outros instrumentos pedagógicos da alternância

(visitas e viagens de estudos, pequenos estágios, folha ou ficha de observação e a

propriedade demonstrativa, e também o sistema avaliativo) foram aplicados

conforme as prescrições do MEPES.

- com relação à aplicação do plano de estudos como o instrumento principal da

alternância, sua pesquisa colocou em destaque os equívocos de operacionalização

desse instrumento, ligados especialmente à falta de orientação dos monitores.

As recomendações formuladas por seu estudo colocam em evidência algumas

necessidades: melhoria do processo de formação dos formadores (monitores) das

EFAs; maior aprofundamento teórico do plano de estudos a fim de conhecer melhor

todas as suas etapas; formação continuada para os formadores; e maior

participação dos pais na gestão administrativa e financeira da escola para melhor

91

valorizar e aproveitar os conhecimentos práticos dos agricultores.

Durante os 10 anos que se seguiram após a publicação dos trabalhos – Nosella

(1977), Pessotti (1978) e Giannordolli (1980) – todos enfocando experiências

realizadas no Estado do Espírito Santo, praticamente não se publicaram novos

estudos sobre a alternância no Brasil. Durante esse período, o número de escolas

desse tipo em todo o país era de 18 unidades, dez delas situadas no Espírito Santo.

Em 1989, Concagh publicou um artigo na revista “Caderno de Pesquisa”, um estudo

intitulado “A Escola Família Agrícola no Espírito Santo”. Fruto de uma monografia

desenvolvida pela autora, o artigo analisa as EFAs como instituições educativas com

características específicas: a alternância; a utilização de uma metodologia ativa;

uma formação orientada para o desenvolvimento social e cultural do meio rural, com

o objetivo de contribuir para a diminuição do êxodo rural e de oferecer uma formação

para a cidadania baseada na participação dos alunos, das famílias e da comunidade

local. Esse modelo de escola, segundo a autora, apresenta resultados positivos

sobre os aspectos sociais, político e, sobretudo, educativo.

Em 1991, ao completar 23 anos de experiência, o Instituto Superior da Religião

(ISER) realizou um estudo com o objetivo de avaliar os vinte e três anos de

operação da instituição MEPES e seus três departamentos: o Departamento de

Escolas Famílias Agrícolas (DEFA), o Departamento de Ação Comunitária (DAC) e

os Centros Comunitários de Saúde (CCS).

Todavia, decidimos deixar de lado as ações dos departamentos DAC e CCS que

compõem a estrutura geral do MEPES e dar destaque, em nossa análise, às ações

do DEFA, pois esse departamento tornou-se o mais importante para o campo de

ação e de interesse do MEPES na exportação de seu modelo para o país.

Assim, para o ISER, a ação do MEPES ao longo desses anos foi marcada por “uma

concepção de desenvolvimento e promoção humana que variou ao longo de sua

trajetória; uma proposta pastoral humanista e libertadora; e a valorização da

educação nas suas dimensões técnica e conscientizadora” (1991, p.2). Segundo o

ISER, esses aspectos são evidenciados na crítica da expansão capitalista no meio

rural, isso porque o MEPES foi “contra o modelo hegemônico de agricultura

industrial que transforma o trabalho do camponês em mão-de-obra assalariada”.

92

(1991, p.4)

“O MEPES valoriza a produção agrícola baseada na mão-de-obra familiar” (1991,

p.2), e seu trabalho se apóia em elementos de uma educação popular inspirada na

Teologia da Libertação, colocando em discussão o papel da política da educação

por meio das categorias da conscientização, alienação e libertação.

Em um breve balanço sobre as mudanças econômicas e sociais entre os anos 60 e

80, o estudo constatou um grande esvaziamento do meio rural capixaba, de 68,1%

da população economicamente ativa em 1960 para 34,8%, em 198071; a maior

porcentagem de evasão ou êxodo rural no Brasil. No mesmo período, houve a

redução de 2/3 de suas reservas de florestas nativas e uma concentração

expressiva das terras nas mãos de grandes fazendeiros, com a redução da mão-de-

obra familiar.

Por outro lado, o mesmo estudo constatou, também por meio de uma pesquisa

avaliativa, que 61% dos ex-alunos das EFAs passaram a integrar o efetivo de novos

agricultores, desenvolvendo atividades de assistência técnica para os agricultores

como monitores dos CEFFAs. Constatou-se, ainda, que um expressivo número de

ex-alunos tornou-se lideranças comunitárias, sindicais e também participantes nos

movimentos sociais de suas regiões.

Pelo lado da exclusão dos camponeses, esses fatores poderiam, segundo ISER,

sugerir uma avaliação negativa da performance do movimento no Espírito Santo.

Todavia, o estudo argumenta que, ao contrário, nesse caso, é preciso avaliar a

instituição MEPES a partir mesmo de sua trajetória e não da trajetória da sociedade

global.

A pertinência da performance do MEPES está no estabelecimento de uma rede de

ações locais e regionais em que o efeito não pode ser medido por indicadores

macrossociais. Então a eficácia de um movimento ou de uma instituição como o

MEPES pode ser constatada no fato de pôr em operação uma lógica contra a

concepção dominante de desenvolvimento homogeneizador. Por meio de suas

ações, ele contribui para fortalecer um campo de diversidades no qual os novos

sentidos e os novos projetos alternativos podem ser produzidos. 71 Constatações também ratificadas pelos estudos de Pizzetta, (1999) e Jesus (2007).

93

Apesar de algumas críticas sobre a estrutura de poder “não participativo” dentro da

estrutura do MEPES, a conclusão da pesquisa feita pelo Instituto Superior da

Religião optou por destacar como aspectos positivos do trabalho do MEPES os

seguintes pontos: sua performance; as ações; o apoio às iniciativas dos agricultores

familiares; a visão anticapitalista e a concepção de desenvolvimento anti-

hegemônicos. Esse parecer consagrou-se como a primeira a avaliação positiva do

percurso histórico das EFAs no Espírito Santo.

No mesmo ano, Pessotti (1991) publicou um artigo intitulado “A escola família e o

ensino rural de primeiro grau (pós-primário)”, no qual faz um estudo do processo de

transição do regime de suplência para o regime seriado e analisa o processo de

adaptação das EFAs às exigências da legislação educacional do Estado. O autor

constata ainda que ação das EFAs no Brasil e faz uma advertência quanto ao risco

de uma expansão dessas escolas pelo país sem a definição de critérios e de

condições concretas de sobrevivência para elas.

Ainda em 1991, Pinto (1991)72 analisa, em um estudo do ponto de vista global, a

educação rural no Brasil e afirma que a educação rural no Brasil é sempre uma

“mentira” à medida que ignora os processos socioculturais e econômicos, a

linguagem particular, a importância da vida rural e os ciclos de trabalho agrícola. O

que se faz realmente, afirma o autor, é uma camuflagem do rural em favor do

urbano, o que favorece o abandono do campo pelos jovens. Pinto (1991) diz que a

pedagogia é fortemente baseada na transmissão do saber e do saber-fazer, sempre

centrados no monitor ou no técnico. O aluno e seu universo de conhecimentos, de

valores, sua linguagem, suas relações de produção e seu universo cultural e político

não são levados em consideração no processo de educação e de formação.

Contudo, apesar das críticas, Pinto (1991) emite um julgamento ponderado sobre as

EFAs. Segundo o qual, é preciso assinalar que há no interior dessas instituições um

esforço de integração entre a educação rural escolar e a educação agrícola; assim,

o trabalho desenvolvido por elas é importante. Todavia, ressalta que é necessário

ainda melhorar em quantidade e em qualidade; ultrapassando a simples associação,

sem uma real integração, do ensino escolar e da aprendizagem de algumas técnicas

agrícolas. O ensino no meio rural deve levar em consideração o universo do aluno 72 CF. Pinto (J.B.) “Educação agrícola: uma prática educativa transformadora?”, 1992, mimeo. 19p.

94

na sua globalidade: “os saberes e os saberes fazeres, a linguagem, a comunicação,

as matemáticas, as experiências, crenças, e estudos sociais”.73 Esse conjunto de

conhecimentos deve fazer a ligação dialética entre o rural e o agrícola, a cultura e o

saber do campo. Pois é desse modo que o ensino rural poderá obter seu verdadeiro

lugar, uma escola rural realmente ligada de forma crítica ao agropastoril pela cultura

do universo rural.

Em relação ao contexto do Brasil, é nos primeiros anos da década de 90 que se

inicia um período de significativa expansão das EFAs. Foi nesse período, que

surgiram algumas escolas públicas mantidas por prefeituras que utilizavam a

pedagogia da alternância inspiradas no modelo EFA do MEPES no Espírito Santo.

O crescimento das EFAs no território nacional motivou Alves, em 1994, a

empreender um estudo comparativo entre o que se fazia nas EFAs do Espírito Santo

e o que era desenvolvido nas EFAs do município de Muriaé, Minas Gerais (MG).

Alves (1994) defendeu a dissertação de mestrado em Extensão Rural na

Universidade Federal de Viçosa, MG, intitulada “Análise de uma Escola Família

Agrícola como proposta pedagógica para o meio rural”.

Esse estudo de caráter avaliativo, a exemplo da pesquisa realizada por Gianordoli

(1980), teve como objetivo de verificar a coerência da proposta pedagógica para o

meio rural da EFA da fazenda Novo Horizonte, localizada no distrito de Pirapanema,

no município de Muriaé, em Minas Gerais. Essa instituição possuía a característica

de uma escola pública mantida pela prefeitura de Muriaé em parceria com a

comunidade.

A pesquisa de Alves (1994) atestou que por se tratar de uma escola municipal, e, em

conseqüência disso, exposta às demandas políticas em favor das administrações

que se alternam de quatro em quatro anos no poder. A escola não se aproxima do

modelo em alternância do MEPES; ou seja, não utiliza os instrumentos da

metodologia, como os planos de estudos; viagens e visitas de estudos; visitas às

famílias etc. Dessa maneira, a instituição não conseguiu reduzir os índices de

repetência e de evasão. As atividades de planificação dos programas e as decisões

da organização escolar foram feitas por burocratas (técnicos) exteriores à escola.

73 CF. Id, ibid, 1992, p. 15

95

Como contribuição teórica da pesquisa, a autora destaca a necessária compreensão

sobre a qual o monitor do meio rural deveria erigir suas concepções: fazer a ligação

integrada entre a teoria e a prática; articular o conhecimento historicamente

sistematizado construído pelos homens; e compreender a realidade do mundo do

trabalho no meio rural. Isso significa dizer que o meio deve ser o ponto de partida e

de chegada, de maneira que sempre se tentem compreender as complexas relações

no interior da sociedade (ALVES, 1994, p.96-97).

Aqui vale destacar que os estudos de Nosella (1977), Pessotti (1978) e Gianordoli

(1980) apontavam alguns pontos críticos resultantes das pesquisas realizadas nas

EFAs do Espírito Santo, entre eles, o distanciamento de alguns princípios teóricos e

metodológicos da pedagogia da Alternância e seus efeitos negativos nas práticas

pedagógicas. Nesse sentido, o estudo de Alves (1994) não ultrapassa a simples

constatação, isto é, a autora apresenta um estudo muito mais descritivo e poderia ter

ir além e realizado um estudo mais crítico, já que as circunstancias lhe

possibilitavam, levando em conta os resultados de outras pesquisas realizadas.

Foi somente em 1995, que se publicou o primeiro livro do Brasil inteiramente

dedicado à formação em alternância, de autoria de Pessotti (1995), intitulado “O

ensino médio no meio rural: as contradições da formação em alternância”. Partindo

do contexto de uma escola de ensino médio do Espírito Santo e retomando alguns

problemas já levantados em sua dissertação de mestrado (PESSOTTI, 1978), a

autora procura demonstrar em seu livro algumas contradições da formação em

alternância observadas na escola pesquisada, que oferecia o curso de formação do

técnico em agropecuária no ensino médio agrícola.

A pesquisa foi feita na EFA de Olivânia, no município de Anchieta.

Fundamentalmente, Pessotti (1995) questiona vários aspectos da alternância,

expressos nos instrumentos pedagógicos e na estrutura administrativa. Exceto a

vida coletiva dos alunos, os outros instrumentos metodológicos, de acordo com a

autora, são inoportunos para o ensino médio em alternância.

Entre os fatores que a levam a essa conclusão estão a origem geográfica dos alunos

(certos alunos moravam a uma distância de 220 km da escola); um número elevado

de alunos residentes no meio urbano, 21% no ano da pesquisa; a instabilidade

96

profissional dos formadores, o que tornaria impossível o processo pedagógico e

profissional; os momentos que deveriam ser formativos e educativos, como os

serões, não eram aproveitados como momentos de formação.

Em seguida, Pessotti (19995) questiona o distanciamento das EFAs de ensino

médio de sua experiência inspiradora, as Maisons Familiales francesas. As EFAs

priorizaram uma lógica de escolarização com resultados medíocres e sem a

verdadeira alternância. Nesse caso, toda a filosofia da pedagogia da alternância está

próxima da demagogia e conseqüentemente do fracasso institucional. Em sua

conclusão, Pessotti recomenda uma revisão do modelo de formação secundária

profissional, retomando os princípios inspirados nas Maisons Familiales francesas.

No período de 5 a 9 de agosto de 1996, ocorreu na cidade de Guarapari, Espírito

Santo, o “VI Congresso Internacional das Escolas Famílias Agrícolas”, sob o tema

“Formação: garantia para o mundo rural do futuro”. O resultado das discussões do

congresso foi publicado na chamada “Carta de Guarapari”. O documento defende as

EFAs e os também chamados Centros Familiares de Formação em Alternância

(CEFFAs), ressaltando a qualidade do serviço prestado por eles. Destaca a

qualidade do ensino dessas instituições para a população do meio rural. Além disso,

conclama, em caráter de urgência, o apoio governamental em todos os níveis e o

reconhecimento da formação em alternância oferecida pelos CEFFAs como

integrantes do sistema educacional oficial, tanto pedagógica quanto financeiramente.

Em 1997, Queiroz defende a quinta dissertação de mestrado desenvolvida sobre os

CEAs no Brasil, “Análise e implementação da Escola Família Agrícola do Estado de

Goiás”, pela Universidade Federal de Goiás. Por meio de um estudo específico de

caráter longitudinal sobre o processo de implantação da primeira EFA no Estado de

Goiás, numa região de assentamentos rurais marcada por conflitos entre a pequena

propriedade e o latifúndio. Um dos objetivos do autor é compreender a lógica

inerente aos projetos e programas de educação historicamente utilizados no ensino

rural no Brasil e a sua inserção no processo de expansão do capitalismo no

campesinato brasileiro. Outro objetivo é de destacar as implicações dessa lógica na

proposta pedagógica do sistema das EFAs e das Casas Familiares Rurais (CFR) em

relação à escola escolhida como objeto de sua investigação.

97

Inicialmente, por meio de um estudo histórico, Queiroz (1997) analisa os programas

educativos e coloca em evidência o jogo de interesses dos investimentos

internacionais no meio rural. Ele afirma que tais programas não podem ser

compreendidos de maneira isolada, sim dentro de uma visão mais abrangente de

totalidade, “esta é articulada à perspectiva de integração do Brasil e os outros países

da América Latina na sociedade capitalista de mercado” (QUEIROZ, 1997, p. 37).

Nesse jogo não há a preocupação de melhorar as condições de vida da população,

porque os programas pedagógicos não adotaram outras medidas consideráveis

como “a propriedade da terra; o acesso não discriminado ao crédito e a informação;

a reestruturação dos sistemas de comercialização; a possibilidade de participação

efetiva dos atores envolvidos nas decisões políticas e na administração geral”

(QUEIROZ, 1997, p. 37). Tudo isso leva a um processo de proletarização e

empobrecimento geral do meio rural e a uma baixa qualidade da educação para

esse meio.

Ao fazer uma análise da implantação e expansão das EFAs do MEPES no meio

rural, e, tendo em conta não apenas questões levantadas por Nosella (1977), assim

como avaliação realizada pelo ISER, o autor conclui que as experiências do modelo

EFA difundido pelo MEPES não incomodaram, nem ameaçaram as estruturas

capitalistas e, por conseguinte, jamais representaram um perigo para os

governantes autoritários da ditadura militar da década de 60 e 70 (QUEIROZ, 1997,

p.68).

Destaca, ainda, que, mesmo com os objetivos, a pedagogia e a metodologia

diferentes da educação escolar corrente no Brasil, com o aumento e expansão

desse tipo de instituição, sobretudo na década de 80 e 90 no país, as EFAs não

conseguiram contribuir para a modificação da realidade rural brasileira, nem para a

subversão da cadeia de expansão do capitalismo no meio rural.

Esse processo, segundo Queiroz (1997), não se fez presente na EFA de Goiás,

porque essa nasceu de um movimento mais amplo ligado aos princípios

pedagógicos do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra do Brasil (MST) e

a toda a luta deste movimento pela reforma agrária, pela agricultura familiar contra a

desumanização do capitalismo. Em seu estudo histórico situando as EFAs, Queiroz

98

(1997) foi o único a fazer uma crítica aberta e contundente da relação entre a

proposta político-pedagógica das EFAs e o modelo político-econômico vigente.

Enquanto as EFAs expandem-se por vários estados do Brasil, os estudos

acadêmicos ainda são raros. Constatamos, de outro lado, uma novidade, a defesa

da primeira tese na área do ensino em alternância. Assim, em 1998, Azevedo,

defendeu a primeira tese de doutorado em educação em alternância do Brasil, na

Universidade Estadual Paulista (UNESP), intitulada “A formação de técnicos

agropecuários em alternância no Estado de São Paulo: uma proposta educacional

inovadora”.

Em linhas gerais, o estudo analisa a agricultura familiar no conjunto da sociedade e

no contexto capitalista de produção. A propriedade familiar é grande consumidora de

máquinas, equipamentos e insumos, e destaca-se como a principal empregadora de

mão-de-obra no setor rural. Aponta, também, o importante papel da agricultura

familiar no Brasil e suas dificuldades em se adequar aos princípios de eficiência,

competitividade, produtividade e qualidade para se inserir na economia de mercado.

Azevedo (1998) apresenta a pedagogia da alternância como uma proposta de

educação tecnológica inovadora, que se credencia para formar os filhos dos

agricultores familiares pelo modo de organizar o currículo escolar embasado na

realidade do aluno, envolvendo a participação das famílias na gestão da escola.

Além disso, possibilita ao aluno alternar períodos de estadia na escola em regime de

internato em igual ou maior período de permanência com sua família, não o

desvinculando, assim, de seu meio. Ao executar projetos socioprodutivos orientados,

a pedagogia da alternância oferece condições ao aluno de estudar na escola e viver

fora dela. Em outras palavras, o jovem continua a auxiliar os pais nas atividades de

produção da existência familiar que desenvolvem sem que tenha que deixar de

estudar. O ensino escolar não é descontextualizado da vida social do aluno.

Ao completar, em 1998, 30 anos de fundação, com um número de instituições

superior a 100 escolas, sob influência do modelo EFA, e outras 50 Casas Familiares

Rurais (CFR), sob influência do modelo das Maisons Familiales Rurales expandindo-

se nas várias regiões do Brasil, a educação em alternância não deve mais ser vista

sob o aspecto de crescimento residual em suas escolas ou centros formativos.

99

Com a primeira tese sobre o tema, dois livros, 6 ou mais dissertações de mestrado e

numerosas monografias em diferentes programas universitários, o ensino em

alternância continua em plena expansão no meio rural brasileiro. Isso permite

constatarmos o desenvolvimento de um campo de práticas discursivas que busca

consolidar-se no Espírito Santo e no Brasil. A União Nacional das Escolas Famílias

Agrícolas do Brasil (UNEFAB), que até então existia apenas juridicamente e

“permanecia guardada ou confinada dentro do escritório do MEPES em Anchieta”74,

começa a erigir-se e traçar seu caminho de ação. Com o apoio da Association

Internationale des Mouvements Familiaux pour la Formation Rurale (AIMFR) e a

ajuda financeira e assessoria da Solidarité Internationale des Mouvements Familiaux

pour la Formation Rurale (SIMFR), a UNEFAB se emancipa do MEPES e cria o seu

espaço político de ação: uma estrutura de ação nacional; criação da equipe

pedagógica nacional; criação de associações regionais e fortalecimento daquelas já

existentes; apoio a vários projetos de formação inicial e continuada de monitores; de

dirigentes de associações; e de intercâmbios internacionais.

As experiências francesas, espanholas, portuguesas, belgas e italianas dos anos 90

começam a ser conhecidas de perto por grupos de agricultores, de monitores, de

pesquisadores, de alunos e de pais de famílias. Vários programas de intercâmbio

entre o Brasil e os referidos países, principalmente a França, são intensificados.

Para se ter uma idéia, no ano 2000 a UNEFAB já era uma instituição reconhecida

entre as organizações representativas da luta dos movimentos de educação dos

camponeses do Brasil.

Quanto à produção acadêmica até aqui examinada, destacam-se dois trabalhos no

que se refere aos seus posicionamentos relacionados à educação em alternância: o

livro de Pessoti (1995) e a dissertação de mestrado de Queiroz (1997). O primeiro

efetua uma crítica à pedagogia da alternância ao apontar algumas contradições e

desvios de suas origens francesas. O segundo faz uma crítica sociológica situando

as EFAs e seu papel na conjuntura política e no cenário do capitalismo brasileiro.

Os demais trabalhos sistematizados destacam a pedagogia da alternância como

74 Jornal da UNEFAB. Frase pronunciada pelo então presidente da UNEFAB como crítica ao período de 1982 a 1996. Foram quatorze anos em que a UNEFAB permaneceu, segundo ele, “confinada”, existindo apenas juridicamente e não concretamente. Registro do Jornal trimestral, mês de abril, maio e junho de 2000.

100

importante iniciativa de educação do campo em contraposição às práticas

pedagógicas dominantes no meio rural, e também os elementos da sua metodologia

diferenciada; a importância do envolvimento da família em todo o processo

educativo e a emergência de uma escola que surge das forças sociais que se

inscreve dentre os movimentos sociais que procuram integrar os processos

educativos aos processos de luta contra a exclusão social, a falta de

desenvolvimento e a emancipação social e a transformação do campo.

Os novos escritos da alternância, transitando quase exclusivamente no meio

acadêmico, denotam uma produção discursiva restrita, longe de chegar aos debates,

de ganhar os palcos de discussões da educação no Brasil. A alternância que cresce

no Brasil carece não apenas de estudos sobre a aprendizagem, sobre seu lugar e

seu papel nas políticas educacionais do campo, sobre a educação e qualificação

profissional; mas também sobre a formação do monitor, o educador da alternância.

O debate desses temas, alguns deles já evocados por Nosella (2007), questiona

aspectos pendentes de uma experiência de 30 anos de movimento que, à medida

que caminha, vai abrindo novos horizontes prático-discursivos.

Prosseguimos nosso registro dos novos estudos que se foram sistematizando e

suas contribuições para a constituição de uma prática discursiva na educação em

alternância e o modo pelo qual tentamos acompanhar o seu movimento.

O Primeiro “Seminário Internacional de Salvador”, realizado no período de 3 a 5 de

novembro de 1999, com o tema “Pedagogia da alternância – alternância e

desenvolvimento”, reuniu representantes de diversos segmentos organizados da

sociedade, como várias universidades, institutos de pesquisas e extensão rural e

organizações não-governamentais nacionais e internacionais.

A presença de monitores, coordenadores e dirigentes de CEFFAs oportunizou um

diálogo entre as experiências de alternância brasileiras e de outros países,

principalmente a França. Os textos dos palestrantes franceses foram traduzidos e

publicados pela UNEFAB no livro “Pedagogia da alternância – alternância e

desenvolvimento”75, entre os quais destacam-se:

75 Pedagogia da alternância – alternância e desenvolvimento. Brasília, Editora Dupligráfica 1999.

101

O primeiro texto que conta a origem, descreve os princípios e o desenvolvimento

das MFRs na França e qualifica a disseminação do movimento das MFRs no mundo

como uma ousadia. O segundo artigo desenvolve uma análise comparativa entre os

princípios da pedagogia de Freire com a pedagogia da alternância. O terceiro artigo

apresenta a pedagogia da alternância como uma pedagogia experiencial porque

nasce da escola da experiência. O quarto artigo aborda a noção de desenvolvimento

na pedagogia da alternância destacando-a como uma pedagogia do

desenvolvimento, que não perde de vista o humano, o cultural e o ambiental. O

quinto artigo abordando a questão da alternância e a trandisciplinaridade apresenta

um desafio ao exercício da complexidade da alternância, apontando caminhos de

uma pedagogia da escola do futuro. Os dois últimos artigos apresentam a

alternância como uma pedagogia da parceria entre a escola, a família e o meio

socioprofissional; e o último enfoca o monitor como um profissional da educação em

uma função diferenciada do professor da escola clássica, que exige uma formação

inicial específica e um processo de formação continuada.

Ainda em 1999, Rodrigues desenvolve um estudo escrito originariamente em francês

(Dissertação de estudos aprofundados), intitulado “Escolas Famílias Agrícolas: um

modelo de desenvolvimento do meio rura”, que se centra nas Escolas Famílias

Agrícolas (EFA) como instituições que desenvolveram um modelo específico de

educação e de formação em alternância adaptada ao meio rural brasileiro. Destaca

que o modelo das EFAs nasceu na França a partir dos anos trinta, expandiu-se pelo

mundo e também no Brasil, computando em 1998 um total de 100 EFAs, distribuídas

em 19 Estados.

Partindo do questionamento do modelo e com uma base de análise centrada no

estudo de uma literatura específica composta de teses, artigos e monografias,

Rodrigues (1999) desenvolve um trabalho descritivo e interpretativo acerca das

EFAs no Brasil. Mediante uma postura investigatória de natureza qualitativa, realiza

uma análise da instituição EFA: sua origem, sua expansão pelo mundo e no Brasil,

seus objetivos, meios, sua estrutura e sua organização, seus atores, seu campo de

formação e seus componentes indispensáveis.

A análise e a interpretação dos dados apresentam os pontos de originalidade das

EFAs: um modelo fundado sobre a alternância entre a escola e a vida, uma filosofia

102

de educação em movimento constante de integração com as necessidades dos

atores, uma metodologia específica e seus princípios a serem reapropriados

segundo a cultura do local em que será implantada. Enfim, uma escola emergida

das forças sociais locais.

A dissertação (Mestrado em Educação) de Moreira (2000), defendida na

Universidade Federal do Espírito Santo, “Formação e práxis dos professores em

escolas comunitárias rurais: por uma pedagogia da alternância”, foi o quarto trabalho

em nível de mestrado desenvolvido sobre os CEAs no Estado do Espírito Santo e o

primeiro desenvolvido no PPGE-UFES.

Esse trabalho apresenta uma análise das dimensões da cultura e do imaginário

social manifestadas na comunidade escolar, intervenientes na práxis pedagógica

dos formadores em alternância das Escolas Comunitárias Rurais (ECOR) do

município de Jaguaré, no Espírito Santo – essas escolas são inspiradas nas EFAs

do MEPES.

Com base na teoria do imaginário social e dentro de uma abordagem sociohistórica,

a pesquisa de Moreira (2000) teve como objetivos realizar uma análise social,

política e pedagógica da comunidade escolar e suas relações com os princípios

teóricos e metodológicos da pedagogia da alternância; verificar, no projeto político-

pedagógico das Escolas Comunitárias Rurais, a práxis de seus atores, os valores

éticos universais (instituído e instituinte) em relação à política, à religião e à

educação; identificar as concepções da comunidade sobre a cultura e a educação

para o meio rural; e extrair dessa trajetória as implicações para a formação de

educadores para o meio rural. Os dados foram colhidos em duas das três ECORs

das microrregiões do município de Jaguaré.

O trabalho parte do imaginário social instituído e instituinte, para mostrar que a

sociedade brasileira atribuiu ao homem rural um caráter marginal no processo de

desenvolvimento histórico e social.

O autor verifica também que o homem do meio rural resiste ao processo da

degradação dos valores tradicionais na sociedade capitalista, o que não é próprio de

uma forma de atraso sociocultural, mas antes de tudo uma forma recriada de

coabitar com esse sistema.

103

Para analisar o processo educacional nesse meio, Moreira (2000) utiliza como

categorias centrais a identidade cultural e a alteridade para expressar a necessidade

de considerar os valores culturais próprios ao homem do meio rural, tomando como

base os conhecimentos, segundo o caráter da ética universal, tendo em vista que

essas categorias devem ser apropriadas pelo processo de formação de formadores

para o meio rural.

Com essa pesquisa o autor espera contribuir para o levantamento de questões que

possam repensar os pressupostos pedagógicos da alternância praticada nas

ECORM, no que diz respeito aos conteúdos escolares e ao conhecimento da

realidade. Moreira (2000) diz ainda que a pedagogia da alternância, por se

aprofundar de maneira crítica nas questões políticas, religiosas e culturais,

aproxima-se do universo das necessidades dos pais e dos alunos.

Quanto ao processo de formação de educadores, segundo o autor, esse se realiza

parcialmente por meio de instrumentos metodológicos específicos da pedagogia da

alternância. Moreira (2000) finaliza seu estudo sugerindo igualmente um processo

de alternância na formação dos formadores e retoma Santos (1999) quanto aos

espaços tempos de formação.

Enfocando o ensino em alternância pelo ângulo da extensão rural, Machado (2000)

defende a dissertação de Mestrado em Educação na Universidade Estadual de

Ponta Grossa no Paraná, “A pedagogia da alternância como modalidade de

educação: alguns desafios para a extensão rural”. Esse trabalho aborda as duas

grandes redes do ensino em alternância no Brasil, as EFAs e as CFRs; e indaga a

pedagogia da alternância e sua adequação como via apropriada de inserção do

indivíduo, cidadão na realidade.

O estudo Machado (2000) contempla a realidade histórica na sua globalidade e seu

movimento dinâmico, considerando a inter-relação entre o todo e suas partes e as

partes com o todo. Para a realização do estudo utiliza a pesquisa exploratória,

envolvendo procedimentos estatísticos descritivos, tendo como população-alvo da

pesquisa os alunos egressos de 1998 e 1999 que concluíram o ensino médio da

Escola Família Agrícola de Olivânia/ES e da Casa Familiar Rural de Barracão/PR,

perfazendo um total de 33 alunos entrevistados.

104

O estudo de Machado (2000) apresenta resultados que permitem concluir que a

pedagogia da alternância tornou-se uma alternativa viável para promover a

transformação do meio rural. Ao mesmo tempo, mostra-se como uma modalidade

educacional para a extensão rural adequar-se aos novos conflitos emergentes neste

início de milênio, isso quando a metodologia pedagógica da alternância e seus

elementos constituintes conseguem romper as barreiras provenientes da diversidade

cultural.

Também no ano de 2000, Silva defende, na Pontifícia Universidade Católica de São

Paulo, a segunda tese de doutorado no campo da alternância, intitulada “As

representações sociais da relação educativa escola-família no universo das

experiências brasileiras de formação em alternância”.

A autora situa seu trabalho na problemática de aproximação do meio escolar e

familiar no universo das experiências brasileiras de educação em alternância. O

estudo busca compreender a relação educativa entre a escola, a família e os

diferentes parceiros envolvidos nas experiências educativas, com o objetivo de

identificar as representações sociais que alunos, pais e educadores da EFA e da

CFR construíram sobre a alternância, seus respectivos papéis no processo de

formação, assim como o papel dos outros atores e as relações existentes entre eles.

A comparação entre essas representações permite evidenciar as convergências e

divergências presentes no interior de cada experiência analisada e apreender, no

seu conjunto, a natureza da relação educativa escola-família e os tipos de

alternância que vêm sendo implementadas.

Silva (2000) busca na tese compreender a natureza simbólica das diversas práticas

educativas das EFAs de Minas Gerais. O objetivo é identificar e analisar as

representações sociais dos monitores das Escolas Famílias e que, compartilhadas,

concorrem para a construção da identidade do movimento em Minas Gerais. Isso foi

feito com a utilização de uma metodologia de abordagem qualitativa por tratar-se de

um estudo que buscou explorar aspectos simbólicos das práticas educativas.

A produção de vários estudos de mestrado e da segunda tese de doutorado entre

1998 e 2002 mostra que as diversas escolas que trabalham com a pedagogia da

alternância no Brasil vêm se tornando objeto de investigação. Sinaliza também um

105

período de significativa produção científica que se intensificará na primeira década

do ano 2000.

O segundo Seminário Internacional, “Pedagogia da alternância: formação em

alternância e desenvolvimento sustentável”, realizado em Brasília, de 12 a 14 de

novembro de 2002, reforçou o debate em torno da relação entre a formação em

alternância e o desenvolvimento. No transcorrer do seminário, vários autores

trataram da estreita relação entre a formação em alternância e o desenvolvimento

sustentável e humano. Dentro da temática foram abordados, por vários

especialistas, os aspectos da parceria entre a formação em alternância e a

universidade, bem como o caminho que vem sendo percorrido no relacionamento

entre os CEFFAs e as universidades na França, no Canadá, em Portugal e no Brasil.

As diferentes falas dos palestrantes estão reunidas no relatório “Pedagogia da

Alternância: formação em alternância e desenvolvimento sustentável”76.

Na esteira das discussões empreendidas acerca da educação em alternância e o

desenvolvimento Caliari defendeu, em 2002, pela Universidade Federal de Lavras, a

dissertação de mestrado “Pedagogia da alternância e desenvolvimento local”. Com

base na interrogação: o que é desenvolvimento local? Caliari (2002) procura discutir

e identificar os indicadores do desenvolvimento local por meio dos atores locais

envolvidos no trabalho da Escola Comunitária Rural Municipal de Giral, no Espírito

Santo, e sua relação com a incorporação do conhecimento por meio da educação

rural.

De acordo com o autor, entre as inúmeras possibilidades para compreender o

desenvolvimento local e a ação dos diversos atores sociais envolvidos no processo,

o trabalho alicerça-se primeiramente na análise da função desempenhada pela

educação rural, pois essa educação deve proporcionar um conhecimento e

condições para transformar os envolvidos em pessoas atuantes nas ações de

desenvolvimento local.

A análise de Caliari (2002) acerca da adoção da pedagogia da alternância é de que

ela vem contribuindo para o desenvolvimento local na medida em que proporciona

às famílias um trabalho educativo centrado nas respostas às suas necessidades.

76 Relatório editado pela UNEFAB, 2002.

106

Ao trabalhar os elementos da realidade vivida pelo educando, de sua comunidade,

por adotar instrumentos de intervenção na realidade, incentivando a participação e o

engajamento na participação popular e por engendrar práticas agrícolas voltadas

para uma relação equilibrada entre o homem e a natureza, constitui-se como uma

educação rural transformadora nas questões da agricultura familiar e nas condições

dessa realidade.

Em 2003, Passador defendeu tese em educação, na Universidade de São Paulo,

enfocando o ensino em alternância das CFRs, cujo título é “O projeto escola do

campo (1990-2002) do Estado do Paraná: capital social, redes e agricultura familiar

nas políticas públicas”. Partindo de um estudo de enfoque sociológico da educação

por alternância, a autora desenvolve o seu estudo apresentando três referências

para se pensar a educação rural no Brasil: globalização, capital social e redes.

Passador (2003) apresenta a gênese das Maisons Familiales Rurales ou Casas

Familiares Rurais no pós-guerra na França e, no interior desse movimento

educativo, o desenvolvimento da pedagogia da alternância, seus componentes e

suas especificidades de uma educação gestada e voltada para o desenvolvimento

do campo. Apresenta uma reflexão fundada na necessidade de mudança do meio

rural (ABRAMOVAY, 1999; GRAZIANO 2001; VEIGA 2000; GRZYBOWSKI, 2000;

MARTINS; 1998, entre outros), por meio de iniciativas diferentes daquelas que

geraram a exclusão, para que se construa um novo rural. O estudo analisa o alcance

das CFRs, o projeto Escola do Campo, suas tensões e desajustes na relação com a

escola. Nessa linha, analisa os municípios de Chopinzinho e Candói no Paraná. A

autora conclui seu trabalho enfocando a pedagogia da alternância como referencial

de permanência e as suas condições de possibilidade na educação do campo.

Na sucessão de produções acadêmicas fortemente voltadas para a discussão da

relação entre educação em alternância e desenvolvimento sustentável, um conjunto

de produções acadêmicas, em nível de mestrado, foi realizado dentro do curso

“Formação e desenvolvimento sustentável”, que reunia monitores atuantes em

diferentes regiões e redes de ensino em alternância no Brasil. O curso foi promovido

pela parceria entre duas universidades estrangeiras e a UNEFAB: a Universidade

Nova de Lisboa, de Portugal, e a Universidade François Rabelais de Tours, da

França.

107

As dissertações produzidas e defendidas (totalizaram 17), todas escritas em

português, resultaram num importante acervo de estudos acerca das diferentes

experiências brasileiras em alternância por meio dos CEFFAs. Os temas

desenvolvimento local, participação da família, formação em alternância, parceria,

desenvolvimento pessoal, social e ambiental formaram as palavras-chave dos vários

temas das dissertações produzidas, principalmente dentro da abordagem qualitativa.

Em 2004, Pineau publicou em francês e em português o livro “Temporalidades na

formação: rumo a novos sincronizadores”. Esse livro foi dedicado ao curso de

mestrado luso-franco-brasileiro do qual Gaston Pineau foi um dos coordenadores.

Em “Temporalidades na formação”, Pineau (2004) aborda o tema da relação do

tempo em suas diversas modalidades com a formação permanente, denominada por

ele cronosformação, que seria a eclosão do tempo em múltiplas temporalidades,

centrada na formação como função de evolução humana.

Nesse caso, a cronosformação exige uma nova abordagem que tenha em conta

novos sincronizadores, como o cotidiano, a alternância, o retorno narrativo sobre a

vida. Pineau (2004) mostra, ainda, a possibilidade de uma formação permanente,

que é absolutamente pessoal e intransferível, uma formação que não é nem

uniforme nem telecomandada, mas depende da própria pessoa e de sua relação

consigo mesma, com o outro e com o meio que a circunda.

Com o tema “A construção das Escolas Famílias Agrícolas no Brasil, ensino médio e

educação profissional”, Queiroz defendeu em 2004, na Universidade de Brasília,

mais uma tese de doutorado. O autor efetuou uma análise sociohistórica do

surgimento e desenvolvimento das EFAs de ensino médio e educação profissional,

no final dos anos 60.

O ensino médio e a educação profissional (EM e EP) foram inaugurados em 1976,

na EFA de Olivânia, em Anchieta, Espírito Santo. Outras duas escolas foram criadas

na década de 80. Queiroz (2004) destaca, ainda, um significativo crescimento das

EFAs de EM e EP entre 1991 e 2002, chegando a um total de 18 escolas, que

formaram 88 turmas e expediram 1977 diplomas de técnicos em agropecuária.

O autor apresenta ainda uma contextualização da agricultura familiar e da educação

no Brasil, o movimento por uma educação do campo, situando nesse contexto a

108

implantação da pedagogia da alternância no Brasil. Destaca em sua pesquisa o

surgimento dos CEFFAs e sua inspiração nas experiências francesas e italianas.

Apresenta também o surgimento das Casas Familiares Rurais Francesas junto ao

quadro de organização internacional dessas instituições, além de recorre a alguns

estudos sobre a alternância na formação e às contribuições de autores, como Freire,

sobre a educação problematizadora, Gramsci e a escola unitária, e Pistrak, sobre a

escola do trabalho.

Ao concluir seu estudo, Queiroz (2004) afirma que as EFAs de EM e EP são escolas

vivas em construção, voltadas para uma formação unitária, integrada de jovens

agricultores dentro de uma alternância que contribui para o fortalecimento e o

desenvolvimento da agricultura familiar e da educação do campo, voltada para a luta

contra o latifúndio, o poder e o saber no Brasil. Enfim, um instrumento da

democracia e da cidadania.

Em nosso levantamento dos estudos constatamos que em 2004, foram produzidas

pelo PPGE-UFES duas novas dissertações de mestrado abordando a formação em

alternância. Na primeira, “Escola Família Agrícola: uma escola movimento”,

Magalhães (2004), analisa a proposta educacional das EFAs e a maneira como o

trabalho efetuado por essas escolas produzem o interesse e a valorização da

educação e do espaço rural. Apresenta dados sobre a educação no meio rural

brasileiro e suas principais considerações quanto à necessidade de se pensar uma

política de educação rural com suas especificidades. Magalhães (2004) analisa a

prática educativa das EFAs e os processos de socialização engendrados por ela,

bem como identifica contribuições dessa prática para uma política de educação do

campo.

A segunda dissertação foi a de Cruz, intitulada “Pedagogia da alternância:

ressignificando a relação pais – monitores no cotidiano da escola comunitária rural

municipal de Jaguaré”. Cruz (2004) enfoca o papel social, político e pedagógico dos

pequenos agricultores, pais e mães de alunos na formação continuada dos

monitores da Escola Comunitária Rural Municipal de Jaguaré, ES, enfatiza os

saberes-fazeres nas suas relações sociais, na orientação e no acompanhamento do

filho na família e nas formas de envolvimento na escola em nível individual e

coletivo.

109

Também em 2004, Chaves defendeu tese de doutorado em educação na Faculdade

de Filosofia e Ciências da Universidade Estadual Paulista de Marília, “Educação e

desenvolvimento social: uma análise de sua relação em três experiências de

pedagogia da alternância”.

Chaves (2004) desenvolve um estudo de três casos para se analisar como se dá a

relação entre educação e desenvolvimento social no ensino médio profissionalizante

de Escolas Famílias Agrícolas inseridas em áreas rurais brasileiras distintas.

Segundo a autora, a proposta pedagógica dessas escolas se desenvolveu com base

na pedagogia da alternância, teoria originada na França e presente no Brasil há

mais de 35 anos.

Por ter em seus princípios conceitos semelhantes aos abordados pelos parâmetros

curriculares nacionais, essa semelhança é um indício de que essa pedagogia é atual

e está em consonância com os desafios encontrados hoje pelo ensino médio

brasileiro. Utilizando os referenciais teóricos da pedagogia da alternância e seus

autores, além de referenciais de desenvolvimento rural, social e humano, Chaves

(2004) busca definir quais os indicadores que podem ser utilizados para avaliar a

efetividade da utilização dos instrumentos pedagógicos da alternância para

desencadear processos de desenvolvimento pessoal e local.

A pesquisa de Chaves (2004) verificou que os instrumentos da pedagogia se

mostram extremamente eficientes para estabelecer uma relação integrada entre a

escola e o meio social em que está inserida, ainda que a compreensão limitada do

referencial teórico sobre o qual deveriam sustentar-se as ações pedagógicas indique

um impacto menor do que possibilita seu potencial transformador.

Houve mudanças significativas em todos os elementos considerados essenciais ao

bem-estar social – capital social, humano, físico, econômico e ambiental – e

demonstrou-se que a proposta pedagógica consegue intervir diretamente sobre a

maioria dos aspectos essenciais à implantação de uma estratégia de

desenvolvimento rural apoiada no empreendedorismo e voltada para a economia

familiar.

A pedagogia da alternância possibilita ainda que jovens do meio rural dêem

continuidade à sua educação, ofertando-lhes as condições para que o façam sem

110

romper os laços familiares e sua relação com o trabalho familiar, criando condições

para que fortaleçam a economia rural com a fixação, no meio, do capital humano

que representam.

No período de 4 a 6 de maio de 2005, realizou-se em Puerto Iguazu, na Argentina, o

VIII Congresso Internacional dos CEFFAs com o tema “Família, Alternância e

Desenvolvimento, Promoção Pessoal e Coletiva: chave para o desenvolvimento rural

sustentável”.

O Congresso gerou um importante documento, “A Carta de Iguaçu”, que ratifica os

esforços de fortalecimento do movimento dos CEFFAs existentes pelo mundo;

retoma em linhas gerais os princípios que norteiam as associações e o modo de

funcionamento dos CEFFAs que têm sua base na alternância e na promoção

integral do homem; e tece um conjunto de considerações, apresentando as

reivindicações do movimento para os próximos anos77.

Em setembro de 2005, a UNEFAB lançou o primeiro número da Revista da

Formação por Alternância. A revista de publicação semestral traz em sua edição

cinco artigos. O primeiro artigo trata do ensino em alternância e a formação dos

indivíduos na pré-adolescência e adolescência, o segundo artigo aborda a

orientação profissional dada a esse público nos CEFFAs. O terceiro e o quinto

artigos enfocam a alternância como formação que se desenvolve por projetos.

A partir de uma análise de caráter mais pedagógico e da insistência num tema de

natureza didática o quarto e penúltimo artigo realiza um estudo da avaliação

formativa e seus impactos no acompanhamento do ensino-aprendizagem em

alternância, destaca a importância da avaliação formativa na educação em

alternância.

Em julho e dezembro de 2006, publicaram-se respectivamente os números dois e

três da revista da UNEFAB, contendo cinco artigos em cada número. No primeiro

77 Dentre as reivindicações contidas no Documento Final estão: a criação de políticas públicas que valorize e respeite o papel da família, o reconhecimento do monitor como profissional da educação em alternância, o reconhecimento das associações como ONGs parceiras educativas, da pedagogia da alternância e seus instrumentos, apoiar políticas públicas de empreendededorismo dos jovens egressos dos CEFFAs e seus projetos profissionais, apoio aos CEFFAs como instituições promotoras do desenvolvimento local, incentivar projetos de formação em alternância no ensino superior universitário, e não universitário, etc.

111

número os artigos abordados relacionam-se ao tema “Modalidades, representações

e práticas de alternância na formação de jovens agricultores”, e defende a

perspectiva de integração do meio escolar e familiar/produtivo como ponto de

unidade nas diferentes modalidades de alternâncias existentes no conjunto dos

CEFFAs.

Já os artigos segundo, terceiro e quarto trataram da “Pedagogia da alternância como

sistema educativo”, sua história, sua organização nacional e internacional. Aponta a

definição e os princípios comuns dos CEFFAs no mundo e particularmente no Brasil.

Os artigos terceiro e quarto retomam a questão do desenvolvimento local segundo a

filosofia dos CEFFAs e a dimensão humanista e anti-economicista de

desenvolvimento sustentável trazendo a idéia da pedagogia da alternância como

proposta genuína de educação do campo.

O quinto artigo, intitulado “Impactos da alternância contados pelos sujeitos dos

CEFFAs”, aponta, por meio de relato de experiências, que um dos aspectos

diferenciados na formação dos jovens agricultores familiares em alternância é a

experiência de vida coletiva, de trabalho em grupo, e das discussões abertas que se

travam interna e externamente nos CEFFAs, o que garante uma qualidade de vida e

um ambiente que facilita as aprendizagens.

Os artigos do terceiro número da Revista da UNEFAB (Ano 2 nº 3/2006) constituem

cinco trabalhos dedicados à participação dos agricultores na construção gestão e no

fortalecimento dos CEFFAs. Ao destacar a participação da família, das associações

e da comunidade, a pedagogia da alternância evidencia-se através de práticas

educativas e ou formativas de muitas mãos numa efetiva sociopedagogia que se

fortalece no e pelo coletivo

Em julho de 2007, publicou-se o quarto número da revista da UNEFAB, com cinco

artigos abordando a formação e a função do monitor. Os diversos artigos analisam a

formação e a dimensão da militância no trabalho do educador e suas implicações

sócio político pedagógicas. Os diferentes artigos abordam o tema da formação e a

prática pedagógica-política do monitor e evidenciam o exercício da pedagogia da

alternância como uma opção política progressista, renovadora e revolucionária em

favor de uma educação transformadora do campo e das relações campo-cidade,

112

possibilitando o desenvolvimento de uma cultura democrática.

Em 2007, Gimonet publicou um livro direcionado aos CEFFAs, imediatamente

traduzido para o português. O livro “Praticar e compreender a pedagogia da

alternância dos CEFFAs” traz uma discussão recorrente no discurso de Gimomet,

que atribui ao construtivismo piagetiano o fundamento máximo da aprendizagem por

alternância.

Depois de introduzir alguns conceitos importantes que fundamentam a pedagogia da

alternância e acentuar alguns aspectos históricos, Gimonet (2007) desenvolve sua

obra em duas partes: a primeira enfoca os aspectos relacionados ao praticar dessa

pedagogia, a origem da alternância que se tornou pedagogia, os instrumentos e os

modos de organização e gestão da formação e das relações; a segunda aborda os

aspetos relacionados à compreensão dessa pedagogia. Além disso, relaciona

educação e alternância no horizonte educativo, seus componentes, o modo da

aprendizagem e algumas reflexões na perspectiva do monitor, que vive e pratica a

formação em alternância (uma prática complexa).

Gimonet (2007) conclui sua obra tecendo alguns indicativos de análise do ontem, do

hoje e do amanhã. Para o autor, uma tríade articulada que se abre ao amanhã que

já começa no hoje (era planetária) um caminho-método para o amanhã.

A quarta dissertação de mestrado produzida no PPGE-UFES ocorreu no final do ano

de 2007, inscrevendo a UFES de maneira definitiva entre os principais centros de

estudos e produção de conhecimento acerca da alternância no Brasil. O trabalho, de

Jesus, “Saberes e formação dos professores na pedagogia da alternância”, foi

desenvolvido na mais antiga de todas as EFAs do Brasil investigou como são

construídos os saberes dos monitores das Escolas Famílias Agrícolas do Movimento

de Educação Promocional do Espírito Santo (MEPES) e apresenta um panorama da

Educação do Campo a partir da República até os dias atuais, a experiência das

EFAs e suas especificidades metodológicas, o que possibilita a contextualização de

suas práticas. Também apresenta os modos de realização da formação inicial em

serviço e indaga que saberes são privilegiados, que dinâmica é utilizada e quais são

as impressões dos sujeitos sobre esse processo.

O referencial teórico do trabalho de Jesus (2007) tem como principal contribuição as

113

discussões de Tardif (2000, 2002) e Gauthier (1998) sobre saberes docentes. As

entrevistas, os questionários, as observações e os diálogos realizados forneceram

uma riqueza de depoimentos que refletiram satisfação quanto ao trabalho

engendrado pelos monitores: um compromisso com uma educação que transcende

a escolarização e que objetiva a promoção do homem do campo.

Os resultados obtidos são reconhecidos na pesquisa como parciais, inacabados e

passíveis de revisão, mas significativos no sentido de entender que o monitor da

EFA possui uma gama diversificada de saberes a serem valorizados no processo de

formação dos monitores (educadores) dos CEFFAs do MEPES.

De forma sintética, podemos observar que os estudos realizados até aqui

apresentam a pedagogia da alternância como uma importante iniciativa de educação

do campo em contraposição às práticas pedagógicas ainda dominantes no meio

rural brasileiro.

A escola da alternância no Brasil tem-se constituído um importante aliado dos

movimentos sociais que lutam por uma educação do campo que vise não apenas ao

desenvolvimento econômico, mas também humano, político e cultural. No lugar de

uma escola que se enamora com o campo, busca-se uma escola do campo

efetivamente integrada e dirigida pelos agricultores.

A metodologia diferenciada e os instrumentos que constituem o corpus da

pedagogia da alternância não são apresentados como cópias dos franceses, mas

como reapropriação, introdução e recontextualização desses instrumentos. O

envolvimento da família em todas as dimensões da pedagogia da alternância

continua um elemento original e clássico na pedagogia da alternância.

Há que se pensar, todavia, no modo pelo qual a produção do conhecimento vem

sendo elaborada. Hoje, a maioria dos estudos, ao contrário daqueles dos primeiros

anos, é majoritariamente produzida por pessoas que trabalham cotidianamente pela

pedagogia da alternância, uma inversão positiva para o movimento educativo. Isso

não quer dizer que o acesso aos estudos está garantido aos monitores, pais e

alunos. Esse é um desafio que se coloca no momento.

É preciso quebrar o círculo vicioso que impede a circulação de toda uma produção

114

ainda circunscrita ao meio acadêmico. Como então estreitar os laços entre a

produção-sistematização do conhecimento e o seu principal público que são os

monitores e os educadores diretos e indiretos do campo?

O estudo de Jesus (2007) mostrou um rápido levantamento das discussões do

ensino em alternância que vêm se inserindo no âmbito mais amplo das discussões

da educação do campo, ou da educação do meio rural, apontando, como Silva

(2006), a pedagogia da alternância nos grupos de trabalho da Anped nos últimos

três anos.

A alternância em educação continua a crescer, algo que se constata nos estudos de

Moreira e Silva (2000), Cruz (2004), Jesus (2007), entre outros citados neste

relatório. Os estudos sobre o modo de organização, metodologia de ensino e teoria

da aprendizagem apresentados por Gimonet, que pouco conhece os estudos

brasileiros e continua escrevendo aos brasileiros materiais de orientação

bibliográfica exclusivamente francesa e ainda eivada do construtivismo dos anos

oitenta. Ora, os estudos de Machado (1999), Moreira (2000) e Magalhães (2004)

questionam o referencial piagetiano, inclusive a constituição do construtivismo como

paradigma.

As concepções de monitor, aprendizagem, desenvolvimento, gestão, metodologia de

ensino, relação pedagógica e de relações com o meio extra-escolar são plurais e em

movimento constante. Os estudos de Nosella (1977) já alertavam sobre o estatuto

profissional do monitor. Outros estudos que o sucederam, como os de Gimonet

(1999 e 2005) e de Jesus (2007), evidenciam que não há uma concepção única de

monitor, formador e educador, de aprendizagem, de desenvolvimento dos

instrumentos pedagógicos.

Enfim, não há conceitos e orientações únicos. A pluralidade constitui as

diferenciações das práticas discursivas na pedagogia da alternância no Brasil e no

Espírito Santo. Assim, o movimento, à medida que caminha, vai abrindo novos

horizontes prático-discursivos.

Os mais de 30 anos de produção acadêmica na qual este trabalho se inscreve

seguem apontando a necessidade de novos estudos e suas contribuições para a

construção diferenciada da pedagogia da alternância e seus desdobramentos no

115

Brasil e no Espírito Santo.

Nosso estudo chama Foucault para inaugurar e enriquecer uma prática discursiva

com um novo olhar entre as veredas do sempre possível olhar do/no movimento. O

capítulo 6, a seguir, desenvolverá alguns desses aspetos.

116

6 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO

6.1 ENTRE A REPETIÇÃO E A DIFERENCIAÇÃO: O DESAFIO DA

ALTERNÂNCIA PEDAGÓGICA COMO PEDAGOGIA EDIFICANTE

A abordagem da pedagogia da alternância sob a perspectiva de uma pedagogia

edificante nos remete principalmente aos estudos de Michel Foucault, para quem

uma filosofia edificante tem sua base na crítica aos que se preocupam com ‘as

verdades objetivas’, ‘respostas claras’ e ‘portos seguros’. Trata-se, portanto, de

edificar uma prática a partir do mundo, sem apriorismos.

Longe de apresentar uma teoria do conhecimento, mas sim um projeto de pesquisa

permanente no qual a resposta é sempre provisória, inacabada e sem ancoradouros

definitivos, Foucault oferece um discurso que, distante de querer proporcionar

respostas, sugere inquietudes e acaba por nos deixar em um terreno insólito e

desconcertante. Seu interesse "são as condições da experiência real, e não as de

toda experiência possível” (DELEUZE, 1988, p.69).

O desconcerto da crítica foucaultiana leva-nos a um novo modo de filosofar que

derruba as essências, os aprioris, a terra prometida. Assim, nosso desejo de um

mundo melhor consiste em inventá-lo, “já sabendo que conforme vamos nos

deslocando para ele, ele vai mudando de lugar. À medida que nos movemos para o

horizonte, novos horizontes vão surgindo, num processo infinito” (VEIGA-NETO,

2005, p.31).

Para quem procura o fundamento, a origem das coisas, a filosofia de Foucault

desloca conceitos, altera territórios e o mapa dos saberes; "ocupa-se, sim, em

descobrir como as tramas históricas constituem os sujeitos singulares, sem

interpretá-los como encarnações de um sujeito transcendental" (VEIGA-NETO,1995,

p.18). Ela nos leva a indagar-nos sobre como nos produzimos concretamente como

sujeitos de nosso agir, de nossos desejos, de nossas lutas.

É neste emaranhado que o funcionamento capitalista esforça-se pela constituição de uma subjetividade submetida. Como já vimos, é aqui também, neste emaranhado, que as experiências de resistência ao submetimento aparecem como discursividade não-científica, anormal,

117

caricata ou indócil. Estes espaços de negação política do poder disciplinar é que fornecem um contra-ponto a partir do qual se pode finalmente, então, obter-se tanto a visibilidade das disciplinas como estratégias atuantes na formação de subjetividade dócil – tarefa fundamental para a eficiência capitalista -, quanto a visibilidade dos rompimentos dessa eficácia, os pontos de resistência e ruptura da padronagem antecipada e não seguida. De qualquer forma a disciplina em Foucault deixa de ser percebida apenas como negatividade, proibição e interdição, para ser pensada ampliada, positiva, profícua. (Marcondes 2008, p. 80-81). Mas acho que isso chama menos a atenção, a idade clássica também inventou técnicas de poder tais, que o poder não age por arrecadação, mas por produção e maximização da produção. Um poder que não age por exclusão, mas sim por inclusão densa e analítica dos elementos. Um poder que não age pala separação em grandes massas confusas, mas por distribuição de acordo com individualidades diferenciais. Um poder que não é ligado ao desconhecimento, mas ao contrário a toda uma série de mecanismos que asseguram a formação, o investimento, a acumulação, o crescimento do saber (Foucault, 2001, p.60).

Partimos da perspectiva que defende o discurso como produção, não existindo fora

dele um ponto estático para qualquer fundamento totalizante. Assim, destacamos a

forma relacional da abordagem em nosso trabalho. Com isso, temos outra forma de

considerar o que chamamos de objetividade; isto é, o real não pode ser entendido

como um ponto fixo preexistente às subjetividades. A objetividade aqui ganha outro

sentido diferente daquele dado pela tradição epistemológica.

Se a tradição epistemológica ensina que o conhecimento inscreve-se num território,

numa lógica objetivada, e possui critérios de universalidade, de outro lado a escola

tradicional ensina que a teoria e a prática são entidades diferentes, com dinâmicas

próprias e um estatuto de superioridade da teoria. Com Foucault, não há relação

entre a teoria e a prática, pois as duas são a mesma coisa e, portanto, unidade

indissociável.

O conceito de prática discursiva talvez possa ser mais bem entendido nas palavras

de Foucault, pois no seu projeto arqueológico a noção de prática discursiva

relaciona-se diretamente com os conceitos de formação discursiva e enunciado. O

próprio Foucault (1995, p. 136) propõe uma definição do que chama “prática

discursiva”:

Não podemos confundi-la com a operação expressiva pela qual o indivíduo formula uma idéia, um desejo, uma imagem; nem com a atividade racional que pode ser acionada em um sistema de inferência; nem com a ‘competência’ de um sujeito falante, quando constrói frases gramaticais; é um conjunto de regras anônimas, históricas, sempre determinadas no tempo e no espaço, que definiram, em uma dada época e para uma determinada área social, econômica, geográfica ou lingüística, as condições de exercício da função enunciativa.

118

Um discurso é mais do que um encadeamento de palavras. Embora seja feito de

signos, ele não significa apenas o uso concatenado desses para designar uma

coisa. Mais que isso, ele é a configuração de um regime dos objetos, a positivação

de uma invenção como existência. Os objetos são, portanto, construídos pelos

discursos, que se evidenciam por meio das práticas discursivas, e essas são

apanhadas, visualizáveis pelos enunciados discursivos.

Considerando, pois as dinâmicas de poder e o modo pelo qual construímos as

relações sociais, que tais dinâmicas perpassam nossas relações em todos os

lugares a todo o momento.

Nas sociedades modernas, os poderes se exercem através e a partir do próprio jogo da heterogeneidade entre um direito público da soberania e o mecanismo polimorfo das disciplinas. [...] Na realidade as disciplinas têm o seu discurso, Elas são criadoras de aparelhos de as ver e de múltiplos domínios do conhecimento. São extraordinariamente inventivas ao nível dos aparelhos que produzem saber e conhecimento. As disciplinas veicularão um discurso da regra, não da regra jurídica derivada da soberania, mas o da regra ‘natural’, quer dizer, da norma, definirão um código que não será o da lei, mas o da normalização, referir-se-ão a um horizonte teórico que não pode ser de alguma maneira alguma o do edifício do direito mas do domínio das ciências humanas; a sua jurisprudência será a de um saber clínico. [...] O processo que possibilitou fundamentalmente o discurso das ciências humanas foi a justaposição, o confronto de duas linhas, de dois mecanismos, de dois tipos de discursos absolutamente heterogêneos: de um lado, a organização do direito em torno da soberania, e de outro, o mecanismo das coerções exercidas pelas disciplinas. Que em nossos dias o poder se exerça simultaneamente através deste direito e destas técnicas; que estas técnicas e estes discursos criados pelas disciplinas invadam o direito; que os procedimentos de normalização colonizem cada vez mais os da lei, tudo isso pode explicar o funcionamento global daquilo que gostaria de chamar sociedade de normalização. [...] Na luta contra o poder disciplinar, não é em direção ao velho direito da soberania que se deve marchar, mas na direção de um novo direito antidisciplinar e, ao mesmo tempo, libertado do princípio de soberania (FOUCAULT, 1984, p. 189-90).

A modalidade de ensino em alternância destaca-se como produção discursiva com

sua especificidade no campo das ciências da educação. O estudo das práticas

discursivas dos monitores nos permitirá analisar as formas assumidas pelas

experiências, as singularidades e o contexto de mutabilidade. Ao investigarmos uma

realidade em acontecimento, as formas assumidas pertencem a uma determinada

formação discursiva dentro de uma realidade culturalmente situada.

Entende-se que pensar é um ato contínuo e desafiador, levando cada vez mais a

novos desdobramentos, pois pensar é sempre criar pensamento. Nesse

desdobramento, pode-se buscar o entendimento de como os monitores pensam

119

suas práticas e seus novos desdobramentos.

Ao falarmos da relação discurso e prática discursiva, pensamos na materialidade a

que leva a reflexão das práticas discursivas ao nos dirigirmos ao mundo das práticas

sociais, que, por sua vez, são desenvolvidas por sujeitos no exercício cotidiano de

seu trabalho, num movimento em que o modo de funcionamento da alternância não

está todo ele aprioristicamente definido. Assim, o papel do monitor, por um lado, tem

sua especificidade e, por outro, é permeado de incertezas e desafios de uma prática

em desenvolvimento.

Consideramos, conseqüentemente, que as práticas dos formadores em alternância e

suas falas foram tratadas como emergindo do contexto de sua produção e, ao

mesmo tempo, reportando-se a ele. As falas estão na produção mesma dos

monitores, ou seja, na vida social em que atuam, e não isoladas. Sendo assim, e

considerando que cada texto discursivo em Foucault é um monumento que ocupa

um espaço, empurrando e puxando para os lados os outros textos, a questão é

mostrar o que e quanto é movimentado em cada caso, e como isto ou aquilo

aparece.

O termo discurso é usado aqui como definidor de ações e eventos que adquirem

plausibilidade, racionalidade ou justificação num dado momento (GORE, 1994). Ele

está com seu foco voltado "muito mais no conteúdo e no contexto, da linguagem [...]

no contexto de relações de poder específicas, historicamente constituídas, e

invocando noções particulares de verdade" (GORE, 2002, p.9) e não para a

estrutura da linguagem, função essa dos lingüistas estruturalistas.

Sendo composto de multiplicidades e não de uma única exterioridade, o sujeito

foucaultiano possui um caráter dinâmico. Assim, o filósofo derruba não só as

tradições idealistas de linguagem (FISCHER, 1995), mas também as concepções

que vêem o sujeito como absolutamente dominado por algum outro que o constitui

de fora, posicionado em diferentes situações enunciativas.

O ensino em alternância tem sido entendido como uma modalidade educativa que

parte do contexto sociopolítico e econômico e visa a contribuir para desenvolvê-lo e

transformá-lo. Dependendo do contexto em que se insere uma formação em

alternância, podemos atribuir-lhe várias funções.

120

Analisando a alternância na França, Duffaure (1984), Chartier (1986) e Geay (1998)

constataram que, numa sociedade industrializada como a França dos anos 80, o

ensino em alternância assumiu duas funções prioritárias, que são: uma econômica,

de adaptação, cuja finalidade era primeiro a inserção e o emprego, e uma

pedagógica, cuja finalidade é a formação e a qualificação (GEAY, 1998).

Pelo mundo afora há um amplo espectro no qual se pode situar o uso da modalidade

educativa alternância para responder a diferentes demandas educativas: uma

modalidade de educação de jovens e adultos; as situações de ausência de outras

iniciativas educativas (como foi o caso da alternância na França, nos anos 30 e 40

(CHARTIER, 1986)); a defasagem escolar; os problemas de desenvolvimento e

inserção socioprofissional regional e local; e uma alternativa ao sistema de ensino

comum em qualquer nível (GEAY, 1998).

No campo da discussão pedagógica, a questão central da alternância como

dispositivo pedagógico, com sua metodologia e seus princípios, consiste

basicamente em desenvolver uma alternância de superação das diferentes

dicotomias e realizar uma integração efetiva e autêntica em sentido amplo entre os

dois meios.

O que não se pode é pensar que uma pedagogia “não estaria encharcada” ou

poderia “ficar fora” dos processos de decisões de um sistema de poder (político-

econômico) e, portanto, a função e o papel a desempenhar. Eis a não neutralidade

pedagógica de uma prática, de um indivíduo e de uma rede de escolas. Isso nos

remete a pensar a história da alternância, que se tornou mais tarde uma modalidade

pedagógica com o desenvolvimento de instrumentos e de uma metodologia que dão

a ela um caráter de especificidade. Isso evidencia que a decisão de criar o primeiro

CEFFA nos anos 30 na França – no seio dos movimentos sociais da época –

liderada pelo abade Graneréau, e a criação do primeiro CEFFA no fim dos anos 60,

no Estado do Espírito Santo, liderada pelo padre Pietrogrande, à frente do MEPES,

tem um caráter político no contexto do nascimento e implantação da pedagogia da

alternância tanto na França quanto no Brasil. Dessa forma, as iniciativas visavam a

fazer frente ao estado de abandono e opressão dos camponeses nesses países

(CHARTIER, 1978; CALIARI, 2002; CRUZ, 2004).

121

A educação em alternância em qualquer outro lugar do mundo, ontem e hoje, traz

arraigada em si a dimensão política e a permanente indagação acerca de sua

prática discursiva, dos desafios de responder e de criar objetivos e novos sentidos,

de produzir e de socializar conhecimentos, de articular, de organizar, de interagir, de

integrar e de gerar resistências e re-existências. Esses desdobramentos não se

resumem à dimensão pedagógica.

Essa não-dicotomização do pedagógico e do político está articulada no sentido das

práticas pedagógicas. Nesse sentido, em que pese a existência de definições a priori

de alternância “autêntica”, ”eficaz”, “verdadeira”, “falsa ou fracassada” etc., é no

movimento existencial que ela se faz. Ela se torna no acontecimento. Nesse

movimento político de existir, ela também resiste. Isso quer dizer que não há

pedagogia da alternância que não esteja exercendo, para além do pedagógico, um

papel político dentro da correlação de forças que movem a sociedade humana.

Nesse movimento, vemos em Foucault (1980, p. 91) a indissociabilidade da relação

entre resistência e poder.

[...] lá onde há poder há resistência e, no entanto (ou melhor, por isso mesmo) esta nunca se encontra em posição de exterioridade em relação ao poder. Deve-se afirmar que estamos necessariamente ‘no’ poder, que dele não ‘escapa’, que não existe, relativamente a ele, exterior absoluto, por estarmos inelutavelmente submetidos à lei? [...] Isso equivaleria a desconhecer o caráter estritamente relacional das correlações de poder. Elas não podem existir senão em função de uma multiplicidade de pontos de resistência que representam, nas relações de poder, o papel de adversário, de alvo, de apoio, de saliência que permite a preensão. Estes pontos de resistência estão presentes em toda a rede de poder. Portanto, não existe, com respeito ao poder, um lugar da grande Recusa-alma da revolta, foco de todas as rebeliões, lei pura do revolucionário. Mas sim resistências, no plural, que são casos únicos: possíveis, necessários, improváveis, espontâneas, selvagens, solitárias, planejadas, arrastadas, violentas, irreconciliáveis, prontas ao compromisso, interessadas ou fadadas ao sacrifício; por definição, podem existir a não ser no campo estratégico das relações de poder.

Na França há um velho bordão que é incansavelmente repetido pelos promotores da

educação em alternância: a expressão “réussir autrement”. Em português réussir

está ligado a sucesso, a vencer, e autrement a fazer de outra maneira. Assim, a

escola da alternância, apresentada como a escola onde se vence de outra maneira,

tornou-se uma marca das MFRs.

Nos tempos de maior preconceito do ensino em alternância, a expressão “réussir

122

autrement” era de resistência ao sistema hegemônico de educação, pois desafiava

os desconfiados, os duvidosos, entre outros a experimentarem e também a

conhecer outro modo de se formar. Nesse caso, é impossível dissociar o duplo

sentido da resistência, que também é re-existência.

[...] Esta resistência de que falo não é uma substância. Não é anterior ao poder que ela enfrenta. Ela é co-extensiva a ele e absolutamente contemporânea. [...] Para resistir, é preciso que a resistência seja igual ao poder. Tão inventiva, tão móvel, tão produtiva quanto ele. Que, como ele, venha de ‘baixo’ e se distribua estrategicamente. [...] Não coloco uma substância de resistência face a uma substância de poder. Digo simplesmente: a partir do momento que há uma relação de poder, há uma possibilidade de resistência. Jamais somos aprisionados pelo poder: podemos sempre modificar sua dominação em condições determinadas e segundo uma estratégia precisa (FOUCAULT, 1984, p. 241).

Tentando pensar a pedagogia da alternância na sua implementação e seus

instrumentos, Chartier (1995) e Gimonet (1999) destacam a importância de seu

modo de organização. Para esses estudiosos, a integração e a interface entre os

dois meios está no modo de organização em que os componentes se articulam num

conjunto de estratégias: a pessoa do educando como o centro do processo

formativo; a existência de um projeto educativo; a colocação em ação de uma

pedagogia que priorize a experiência como ponto de partida e de chegada do

processo educativo; a mobilização dos parceiros como colaboradores na formação;

uma didática específica que priorize a produção mais que a socialização dos

saberes; um contexto educativo favorável; uma concepção específica de educador

que ultrapasse o papel deste de centralizador e doador do conhecimento, guardião

do programa oficial, ou seja, que supere o papel clássico do professor da escola

tradicional78.

Sendo assim, a alternância deve ser erigida de acordo com uma lógica integrativa na

qual a organização dos espaços, dos ritmos, dos tempos entre o meio escolar e o

meio socioprofissional visa à integração real das estratégias e dos agentes nela

envolvidos.

A alternância é, nesse caso, uma formação que integra permanentemente diferentes

atividades desenvolvidas em realidades distintas. O processo de ensino se

78 Para Gimonet (1999) e Begnami (2006), ser monitor é exercer um papel que ultrapassa o do professor preconizado pela pedagogia tradicional. Além de formador, deve ser um agente social comprometido com uma lógica de formação e promoção das pessoas e do meio onde elas vivem.

123

concretiza por meio de uma compenetração efetiva desses meios numa unidade da

formação, ou seja, uma continuidade da formação numa descontinuidade de ritmos

na chamada alternância pedagógica. Assim, a distribuição do tempo entre as

atividades escolares e socioprofissionais organiza-se em função da integração dos

diferentes meios de atividades e desempenha uma importante função pedagógica.

Por isso as diferentes estadas na escola, no meio socioprofissional e os ritmos são

desenvolvidos em função da alternância pedagógica.

A questão dos estágios, seus tipos e suas funções, na alternância pedagógica

remete-nos a um dos aspectos essenciais que, segundo Lerbet (1995), evidencia o

diferencial da pedagogia da alternância de outras modalidades pedagógicas.

O estágio em formação expressa a alternância como pedagogia do/no trabalho.

Porém, para que o estágio-trabalho seja fonte de desenvolvimento do indivíduo,

certas condições, como o engajamento, a responsabilização e a parceria devem

estar presentes no espaço de estágio-trabalho. Esse realismo se faz necessário

para que as atividades não tenham apenas o caráter predominantemente plástico e

simulativo. Dessa forma, o trabalho com o adolescente, jovem ou adulto tem um

sentido diretamente ligado à sensibilização. Comprometer-se num estágio permite

ao aprendiz descobrir o meio, tomar consciência das situações vividas, poder alterá-

la e imprimir a sua marca, assumindo responsabilidades. "A análise da situação

vivida vai mais adiante, contribui para a superação da situação na qual cada um se

encontra. Permite recolocações em situações realistas" (DUFFAURE, 1974, p. 6).

O conceito de liberdade é imanente às relações de poder. Nesse sentido, poder e

liberdade coexistem. A liberdade não é uma condição preexistente ao poder. Ela

está inserida e constitui-se nos modos de ação.

Quando definimos o exercício de poder como um modo de ação sobre a ação dos outros, quando as caracterizamos pelo ‘governo’ dos homens uns sobre os outros – nos sentidos mais extensos da palavra, incluímos um elemento importante: a liberdade. O poder só se exerce sobre ‘sujeitos livres’, e enquanto ‘livres’ – entendendo-se por isso, sujeitos individuais ou coletivos que tem diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer. Não há relações de poder onde as determinações são saturadas – a escravidão não é uma relação de poder, pois o homem está acorrentado (trata-se, então, de uma relação física de coação). [...] Não há, portanto, um confronto entre poder e liberdade, numa relação de exclusão (onde o poder exerce, a liberdade desaparece); mais um jogo muito mais complexo. Nesse jogo, a liberdade aparecerá como condição de existência do poder [...];

124

porém, ela aparece também com aquilo que só poderá se opor a um exercício de poder que tende, enfim, a determiná-la inteiramente. A relação de poder e insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas. [...] no centro da relação de poder, ‘provocando-a’. Incessantemente, encontra-se a recalcitrância do querer e a intransigência da liberdade. (FOUCAULT, apud DREYFUS, RABINOW, 1995. p. 244).

A concepção de educação, de alternância, de relação pedagógica e do estágio como

uma iniciação ao trabalho no processo educativo não é apenas o diferencial da

pedagogia da alternância, mas também outro modo de conceber a escola não

apenas intramuros. A alternância coloca em questão a relação entre a escola e a

sociedade, a escola e o meio socioprodutivo e socioprofissional. Trata-se da escola

desmistificada como único lugar de formação e preparação do profissional, de uma

afirmação do papel político de uma modalidade de formação. Por que não dizer uma

outra escola, criada e gerida pelos protagonistas do meio social onde está inserida.

O processo educativo precisa ser visto como processo de subjetivação que se

potencializa no processo do trabalhar, que também é revestido da invenção. A

formação em situação de trabalho deve ser concebida no plano da imanência e do

coletivo. “A formação em situação, tal como o trabalho situado, nos convoca a

habitar este plano de experimentação, plano onde pensar e fazer, aprender,

trabalhar, viver não se dissociam. Plano, insistimos, coletivo” (BENEVIDES DE

BARROS; BARROS, 2006, p. 5). As autoras destacam, ainda, que a formação do/no

trabalho não é repetição dócil, ao contrário, é processo de co-engendramento de

trabalhadores e mundo do trabalho.

Viver no prescrito é invivível, os humanos nunca se limitam à mera execução, o que quer dizer que se trabalha como o que está disponível, catalogado, mas principalmente com o que vai se transformando no processo de trabalhar. Da mesma maneira, não há predeterminações absolutas dos processos formativos. Eles vão se engendrando, principalmente, nas relações com o outro nas situações de trabalho. É no fiar junto que as formas de ser trabalhador e os mundos do trabalho vão se constituindo (BENEVIDES DE BARROS; BARROS, 2006, p. 4).

O distanciamento realizado pelo estagiário o conduz a melhor dominar sua situação,

libertar sua personalidade. O estágio é, nesse sentido, um elemento chave na

formação em alternância e está intimamente articulado a processos de subjetivação.

É pela prática da alternância que se desenvolve na escola não se circunscreve

apenas ao espaço intramuros que o sujeito aprendiz vai refletir sobre as situações

que vivência. Essa pedagogia facilita a transformação das ações em pensamentos.

Freire (1975, p. 109) define a sensibilização como “a percepção das coisas e fatos

125

como existem concretamente nas suas relações lógicas e circunstanciais".

Essa sensibilização conduz à ação porque "para qualquer compreensão de algo,

corresponde, cedo ou tarde, uma ação." Quando um problema é percebido e

compreendido e os dados da resposta são aceitos, o homem age. “A natureza da

ação corresponde à natureza da compreensão” (FREIRE, 1975, p.110). Esse vaivém

entre os dois lugares de formação concorre para o desenvolvimento intelectual do

sujeito que, porque tomar distância no que diz respeito ao mundo que o cerca, se

torna capaz de recolocar questões, opiniões pessoais, inovações e de contribuir

para desenvolver a sua autonomia.

Essa concepção de educação que problematiza o mundo contribui para a produção

de subjetividades numa pedagogia da autonomia, que se desenvolve pelo modo de

participação no processo de gerir e co-gerir a vida, a processos de autonomização

dos homens.

A escola da alternância pedagógica é, nesse contexto, integrada aos agentes

externos (empresas, famílias, tutores). Os estágios têm objetivos de aprendizagens

teórico-práticas efetivamente integrados às necessidades dos agentes em causa. Os

objetivos e os saberes-fazeres da escola e do meio socioprodutivo são inseridos no

projeto do aprendiz e baseados em situações reais.

Desta forma, a adoção de uma estratégia que considera o estudante como sujeito do

processo formativo desenvolve-se através do tipo de abordagem e na relação

pedagógica. O sujeito, para Foucault, não é um dado a priori. O sujeito se faz no

presente e em processo, de maneira que a pessoa em formação já é, desde o início,

considerada nas suas potencialidades como capaz de produzir e gerir o seu projeto

de aprendizagem. Para isso deve ter uma noção clara da importância dos seus

conhecimentos anteriores e das suas representações.

Enfim, uma desmistificação do saber "erigido como um fim em si para o incentivo

das qualidades de empreender, da iniciativa pessoal à criatividade" (CLÉNET, 1998,

p. 17). Nesse caso, a lógica de aprendizagem é outra: uma lógica integrativa dos

processos indutivos e dedutivos.

O aprendiz desenvolve-se relacionando seus conhecimentos anteriores às suas

126

experiências vividas para elaborar conhecimentos novos em interação com os

parceiros internos e externos à escola. Nesse sentido, a pedagogia da alternância

não apenas supera o mito de que o saber sistematizado é a única fonte válida do

saber, mas valoriza e ressignifica os saberes das experiências. A escola é lugar de

luta, de colocar todos os saberes em diálogo crítico e inventivo.

Como espaço aberto a novas formas de trabalho, de invenção e não de um espaço

de reprodução de sociedades fechadas em espaços ritos que legitimam o discurso

das elites o CEA forma sujeitos autores do discurso, de considerar o espaço

educativo.

[...] cuidando de sua hierarquização, com conseqüente seleção dos que podem obter, produzir e legitimar a produção discursiva. As exigências e rituais a que se deve submeter o individuo para estar qualificado a discursar em medicina, matemática, economia, sociologia ou arte, por exemplo, tornam muito claro que não se pretende que qualquer um a qualquer hora ou por qualquer motivo possa discursar sobre saberes e ciências, mesmo que seja para criticá-los. Obviamente tais exigências configuram como inevitável uma dedicação do indivíduo ao discurso que será introduzido: deve aprender a falar as palavras do discurso em que será introduzido: deve aprender a falar as palavras do discurso, a ensinar seus gestos, a dar-lhe continuidade de pensamento e pesquisa; em outras palavras, o individuo deve se tornar sujeito daquele discurso. Sabe-se que a educação, embora seja, de direito, o instrumento graças ao qual todo individuo, em uma sociedade como a nossa, pode ter acesso a qualquer tipo de discurso, segue, em sua distribuição, no que permite e no que impede, as linhas que são marcadas pela distância, pelas oposições e pelas lutas sociais. Todo um sistema de educação é uma maneira política de manter ou de modificar a apropriação dos discursos, com os saberes e os poderes que trazem consigo. Bem sei que é muito abstrato separar, como acabo de fazer, os rituais da palavra, as sociedades do discurso, os grupos doutrinários e as apropriações sociais. A maior parte do tempo, eles se ligam uns aos outros e constituem espécies de grandes edifícios que garantem a distribuição dos sujeitos que falam nos diferentes tipos de discurso e a apropriação dos discursos por certas categorias de sujeitos. Digamos em uma palavra que são esses os grandes procedimentos de sujeição dos discursos. O que é afinal um sistema de ensino senão uma ritualização da palavra; senão uma qualificação e uma fixação dos papéis para os sujeitos que falam; senão uma constituição de um grupo doutrinário ao menos difuso; senão uma apropriação do discurso com seus poderes e saberes? (FOUCAULT, 2004, p. 43-44).

Apoiar-se sobre a experiência vivencial é um dos desafios da abordagem

pedagógica da formação por alternância. Nesse tipo de ensino, a relação com o

saber é focalizada sobre o problema. Assim, o método educativo é centrado na

relação educador/educando em processo contínuo, de forma que o estatuto do

problema é diferente do estatuto normativo, pois se apóia no movimento, na

indagação e não na resposta.

127

O problema, por sua vez, é incitante e desafiante de resposta. As atividades em

desenvolvimento e os desafios da formação vão dar sentidos às aprendizagens e

permitir a re-colocação de novos problemas. A pedagogia problematizadora no

sentido freireano se articula com os processos de autodeterminação e com a ação

concreta no sentido de transformar a realidade.

A literatura pedagógica predominante parece mais interessar-se pela resolução que

pela construção de problemas. No entanto, na pedagogia da alternância, as práticas

educativas têm objetivos autoformativos que consistem em criar as condições

necessárias para a produção dos conhecimentos pelos aprendizes. Esses

conhecimentos tornam-se materiais de construção, que fundem o questionamento

da pessoa e incitam-na a mobilizar processos de resolução e de criação de novos

problemas. De acordo com Gérard (1994, p.107), "se dos problemas nasce a

experiência, podem ser resolvidos por ela. A experimentação é, de alguma forma, o

regresso à ação".

Problematizar as situações nas aprendizagens práticas estimula resolver os

problemas práticos de um domínio de atividade. Assim, é necessário "fazer ao

contrário" (MALGLAIVE, 1975, p. 67) em relação ao modelo de transmissão da

pedagogia clássica, na qual o problema é uma dádiva e não um objeto de

investigação e de reinvenção. Conceber a pedagogia da alternância na perspectiva

da reinvenção remete-nos a uma filosofia da educação em que o processo de

aprendizagem é concebido como recognição e aprendizagem inventiva.

Segundo Kastrup (1999), na aprendizagem inventiva o problema também é uma

invenção. No campo da invenção não há receitas prontas, nem métodos únicos,

nada é definitivo. Nada está aprioristicamente garantido. A autora acrescenta:

A cognição inventiva não é o mesmo que cognição espontânea. Embora a invenção não seja privilégio de grandes artistas ou cientistas, mas seja distribuída por todos e por cada um, ela depende de cultivo. A invenção não vai por si, mas envolve repetição. Começando por mobilizar uma intenção consciente, torna-se aos poucos inintencional. O aprendizado jamais é concluído e sempre abre para um novo aprendizado. Ele é contínuo e permanente, não se fechando numa solução e não se totalizando em sua atualização, precisando por isso ser sempre reativado [...]. Aprender é, então, fazer a cognição diferenciar-se permanentemente de si mesma, engendrando, a partir daí, novos mundos. A política da invenção é, assim, uma política de abertura da atenção às experiências não recognitivas e ao devir. O desafio de implementação dessa política é conceber práticas que viabilizem o desencadeamento de processos de problematização.

128

(KASTRUP apud MARCONDES, 2008, p.372).

Destacamos aqui outra lógica diferente daquela preestabelecida num referencial de

programa. Esse caminho pedagógico implica a transgressão do papel tradicional do

professor como aquele que garante a aprendizagem e que a torna viável – como se

a priori soubesse de tudo o que vai acontecer. Nesse sentido, o educador entra na

roda dialógica dos sujeitos que inventam e se inventam.

Para Freire (1982, p. 87), “problematizar é abrir-se para o diálogo crítico com uma

situação problema a fim de se apropriar e construir um novo ponto de vista

pertinente e encontrar uma solução significativa”. O diálogo crítico é a chave capaz

de motivar o sujeito a autoconduzir-se, fazendo emergir, de sua ‘sensibilidade’ e de

seu ‘meio de vida’, as situações complexas que o interrogam e o comprometem

naturalmente, numa dinâmica heurística de resolução dessas situações que se

fazem ‘problema’.

Assim, o campo experiencial torna-se o meio para construir e problematizar de forma

concreta e realista. A experiência pode ajudar os sujeitos aprendizes a problematizar

e recriar o conceito, e não apenas acendê-lo.

Nesse sentido, torna-se importante ressaltar o papel do monitor como mediador de

situações que possibilitem que os sujeitos se afirmem. A sala de aula deve ser vista

como um coletivo criador de caminhos. Estamos numa aprendizagem circular na

qual é impossível hierarquizar.

Por conseguinte, apoiar-se sobre o experiencial é um dos desafios essenciais da

formação por alternância. Frente a esse desafio, o monitor adota o papel de acompanhador. Seu modo de intervenção é cauteloso e prudente, pois não visa a

tomar espaço, mas à interface entre as atividades da vida escolar e as da vida extra-

escolar dos alunos, numa perspectiva de produção do saber pelo aprendiz. Trata-se

de um processo de integração circular entre os diferentes sujeitos produtores de

saberes.

A aplicação dos instrumentos pedagógicos constitui o dispositivo pedagógico

adaptado à alternância. Em torno do plano de formação articula-se um conjunto de

ferramentas, quais sejam: plano de estudo ou de pesquisa; colocação em comum ou

partilha das experiências vividas na escola; caderno da realidade; colaborações

129

externa; estágio; atividades de retorno; visitas e viagens de estudos; serões de

estudo; visitas às famílias e comunidades; caderno de acompanhamento; projeto

profissional; as fichas de pesquisa; cadernos ou fichas didáticas.

Esses instrumentos ou ferramentas desenvolvidos para pedagogizar a alternância,

fazendo dela um dispositivo de aprendizagem a partir do qual a articulação de seus

instrumentos possibilita uma alternância de integração entre os saberes-fazeres dos

diferentes meios, permite uma formação geral e profissional, vinculando períodos na

escola e no meio externo. Trata-se de vivenciar outra maneira de aprender, na qual

a lógica do programa cede o seu lugar à lógica de produção e de resposta às

necessidades educativas e/ou formativas dos estudantes.

De acordo com Legroux (1997), a dinamização da alternância passa pela

diversidade de fontes utilizadas no ensino, dando-se primazia às experiências

vividas, às histórias de vida do aprendiz: o programa oficial não é abandonado, ele

integra um conjunto de fontes bibliográficas variadas e também procedentes do meio

de vida do aprendiz. Nesse caso, os materiais preparados pelos monitores somam-

se às contribuições dos estudantes. Esse processo coletivo do processo de ensino-

aprendizagem destaca-se como um elemento potencializador da alternância como

pedagogia do/no coletivo.

Os recursos didáticos nessa lógica educativa tornam-se específicos e variados e

permitem a relação de integração entre os diferentes meios, tais como: relatos das

pessoas da comunidade, da família; o saber oral; os recursos do meio vivido, das

diferentes fontes bibliográficas; as fichas pedagógicas; os trabalhos monográficos

preparados pelos alunos; as estratégias de trabalho em equipe; os mapas; os

intercâmbios de experiências em grupos; os recursos audiovisuais.

Para Gimonet (2005), o funcionamento da instituição formativa em alternância

apresenta muitas diferenças da instituição de ensino ou da formação tradicional.

Com efeito, os conteúdos não são determinados pela existência de uma ou de outra

disciplina, mas pelas exigências advindas do contexto de vida ativa dos estudantes.

A lógica das necessidades é bem diferente da lógica dos programas. A organização

das atividades educativas seguirá as necessidades procedentes do meio

socioprodutivo dos estudantes. São as necessidades e as respostas a elas que vão

130

determinar a base das aprendizagens a serem realizadas. Trata-se, portanto, de

caminhos educativos pluridisciplinares que implicam relações estreitas entre os

meios de formação escolares e os meios de vida socioprodutivos. A equipe

pedagógica é necessariamente heterogênea e multidisciplinar.

De acordo com a lógica de aprendizagem que parte da ação, o saber não-formal, ou

“experiencial”, ou o saber da vida, tem lugar central como ponto de partida. O saber

formal ou sistemático, por sua vez, tem um lugar importante, mas não dispõe de

nenhum lugar de superioridade. Para a alternância de interação, é a relação crítica

entre os saberes que permite a invenção, a reapropriação crítica e a produção de

novos conhecimentos.

Na alternância integrativa, a primazia dada aos processos de aprendizagens

indutivos atribui ao saber assistemático (vindo da experiência vivencial) um lugar de

destaque na abordagem pedagógica. Esse saber (vivencial) é considerado um ponto

de partida indispensável ao trabalho pedagógico, porque é a partir dele e superando-

o que o aluno produz novos conhecimentos.

O processo de integração remete a um novo modo de articulação dos saberes. Se

na formação por alternância o meio escolar e o meio socioprodutivo79 completam-se

os conteúdos e os métodos são diferentes da escola clássica, e o elemento de

intencionalidade que os une é um objetivo comum: a educação do estudante. Esse

não é um processo de foco único e exclusivo no aprendiz, pois, segundo Passador

(2003), os agentes externos também aprendem e se beneficiam: a família, a

comunidade, as instituições produtivas de bens ou serviços.

A fim de perceber a complementaridade de cada um, faz-se necessário destacar a

alternância como uma pedagogia da viagem de contínuo vaivém entre vários lugares

e dimensões, buscando superar as dicotomias eu-outro, escola-trabalho, teoria-

prática, homem-mundo, dimensões que se constituem no concreto da experiência

numa direção ético-política que opõe “O homem” a “um homem”, “O mundo” a “um

79 As expressões “meio socioprodutivo” ou “meio produtivo” nos permitem tomar o conceito de ‘empresa’ no sentido abrangente do termo, tal como se encontra em Tilman et al. (1988). Segundo esse autor, o termo ‘empresa’ não deve ser tomado no sentido estreito de empresa industrial (ou usina). Remete, ao contrário, à multiplicidade, seja de bens ou de serviços, privados ou públicos, de grande ou pequena dimensão.

131

mundo”, “A verdade” a “uma verdade”, buscando resistir a esses (as): homens,

mundos e verdades idealizados pelo discurso iluminista e legitimados por certas

concepções que não aceitam a realidade como inacabamento, a vida como

movimento de produção de novos sujeitos e novas práticas, de normas e não de

assujeitamento a elas.

Estamos falando de um humanismo no qual a existência humana é reinventada num

trabalho constante de produção de outros modos de vida, de novas práticas em

educação que se articulam à idéia de cuidar. Isso remete-nos à ética do cuidado em

Foucault.

O cuidado de si visa o bem dos outros, é preciso administrar bem o espaço de poder presente em qualquer relação, administrá-lo no sentido da não dominação, não se trata de uma forma de amor a si mesmo, uma forma de egoísmo ou de interesse individual ou de qualquer forma de ensimesmamento. Para Foucault (apud VEIGA-NETO, 2004), o cuidado de si é o conhecimento de si, mas também e, principalmente, o conhecimento de certas regras de conduta ou de princípios que regulam a relação entre os humanos. Essa ética é uma possibilidade de implementarmos práticas de cuidado que ao relativizarem o poder disciplinar, as estratégias de dominação, possibilitando que princípios como convivência, diálogo, co-responsabilidade, multiplicidade, pluralismo, alteridade, diferença, não permaneçam na retórica, viabilizem o questionamento da atividade de cuidar e, desse modo, contribui para que os humanos não se destruam. Uma ética do cuidado que ao nos forçar a perguntar o que estamos fazendo de nós mesmos, como nos indicou Foucault, ao problematizarmos o que somos, quem é o outro, como vivemos, possam nos abrir ao perigo, às infidelidades do meio (CANGUILHEM, 2000), às variabilidades do viver, ou seja, à possibilidade de experimentação, de criação, de produção de sujeitos solidários e cooperativos. Criar, assim, uma atividade do cuidado, que reconheça o outro em sua alteridade. O cuidar exige essa abertura ao outro e se tomamos o cuidado como atividade de trabalho ele passa a ter uma dimensão real que nos remete a um inacabamento não só conceitual, mas, principalmente, subjetivo e dos seus modos de operar no curso da ação de cuidar. O cuidado nos remete sempre a uma dimensão do “comum”, do construído junto com o outro, é sempre uma construção coletiva. Cuidado, portanto, como obra e processo, sempre aberta a novas composições onde a plasticidade da vida torna-se aliada da invenção de novos modos de existência. (MARCONDES, 2008, p.167)

A lógica educativa da alternância deve ser concebida como aquela que supera a da

oposição binária ou trinária, articulando as múltiplas dimensões em que as

diferenças se completam e se fecundam em permanente interação. Portanto, o

modo de articulação visa à integração efetiva e permanente entre os diferentes

meios, pessoas, ritmos e atividades.

A alternância integrativa é concebida como uma pedagogia do projeto construído

132

para e pelos diferentes agentes, tendo sua base no “plano de formação” erigido a

partir de um diagnóstico participativo amplo da realidade dos educandos e do

desenvolvimento pessoal de cada um. Segundo Begnami (2006, p. 35), o “plano de

formação” contém:

a) finalidades e objetivos discutidos e definidos pala associação com base no contexto. b) temas dos “planos de estudo” baseados na realidade apontada por diagnósticos participativos. c) conteúdos curriculares formais do ensino da base nacional comum e da educação profissional trabalhados a partir dos temas da realidade e de forma interdisciplinar.

O projeto do alternante em formação é articulado ao “plano de formação”, que é o

elemento que dá sentido ao processo formativo do educando, permitindo-lhe agir e

orientar o seu projeto de vida profissional.

Cada um dos parceiros tem as suas responsabilidades no modo de condução da

instituição, onde as responsabilidades da gestão são compartilhadas. A interface no

sistema das decisões ressalta o lugar central do aluno, o que faz com que o

aprendiz seja o condutor principal de seu projeto. A especificidade dos papéis da

escola e do meio socioprodutivo, opostos, mas complementares, mostra a

necessidade de articulá-los. A dificuldade reside na articulação dessas diferentes

lógicas. Para o aprendiz, trata-se de passar de um ambiente, um espaço de vida,

para ir ao outro, relacionando as diferentes situações, o que implica assumir um

contínuo trabalho de vaivém, ou seja, de chegar a libertar-se da situação anterior, a

fim de apreender outra.

Um dos pontos fortes da formação por alternância reside no fato de que essa faz

viver atividades em descontinuidade. Ou seja, uma continuidade de formação numa

descontinuidade de atividades (LERBET, 1990). Essa ruptura obriga o aprendiz a

fazer interações, a ligar dimensões diferentes, embora complementares, a viver uma

situação de diferenças (GÉRARD, 1994). Durante o período no meio socioprodutivo,

o aluno alternante deve apropriar-se de valores, normas, uma maneira de ser,

capacidades e competências ligados ao tipo de atividade do mundo

socioprofissional.

A política da parceria representa uma estratégia da alternância como pedagogia do

coletivo. O trabalho de parceria na escola em alternância reúne um conjunto de co-

formadores que interage nos diversos espaços e tempos que se alternam entre a

133

escola e o meio socioprofissional. Destaca-se, nessa estratégia, o papel dos

monitores como agentes estratégicos, como articuladores e mediadores que

mobilizam os parceiros em torno do projeto educativo do alternante. Trata-se de um

papel de grande importância, pois exige uma estrutura de co-gestão a ser colocada

em ação. Assim, ao lado dos formadores de matérias ditas "escolares" intervêm

outros que pertencem ao meio socioprodutivo e cuja tarefa é acompanhar os

estudantes no meio socioprofissional, compartilhar suas experiências e transmitir-

lhes diversos conhecimentos técnicos que os formadores da escola não conhecem

como eles, por experiência.

Essas intervenções podem contribuir para a preparação dos períodos de estágio

fora do centro de formação. O desafio que se coloca ao monitor e também ao aluno,

nesse caso, consiste em coordenar essas diferentes intervenções. Percebe-se,

então, que o processo de gestão das relações interescolares não é uma tarefa única

e exclusiva do monitor, pois o aluno também é co-gestor do processo.

O educador da alternância, chamado de monitor, mais do que um professor, na

escola tem um papel complexo e ativo. Segundo Gimonet (1998, p. 65), uma função

global e papéis múltiplos, numa sociopedagogia participativa,

[...] de gestão das relações entre atores e entre campos de saberes, o que exige que saiba levar em conta e ler o terreno profissional e a cultura de um território, que saiba criar ligação, de acompanhamento de percursos sempre singulares e alternantes, de ensino dentro de seus campos disciplinares; de animação dos grupos; de individualização das ações; de acompanhamento educativo.

Para o exercício de um papel complexo, o educador deve realizar uma formação

pedagógica com conhecimentos específicos para trabalhar com a alternância;

conhecer a realidade socioprofissional do estudante; desenvolver no processo, a

capacidade de trabalhar em equipe; e comprometer-se com a proposta de trabalho

em alternância (BEGNAMI, 2007)80.

O papel do aprendiz na educação em alternância é, por sua própria natureza 80 Begnami acrescenta que o monitor precisa ainda: a) ter domínio de sua área de conhecimento; b) desenvolver a capacidade comunicativa, relacional para a lida com as diversidades culturais, econômicas e políticas para desenvolver ações e articulá-las ao processo de formação; c) engajar-se no projeto da pedagogia da alternância para tornar-se educador e agente social, comprometendo-se com uma lógica de educação e promoção das pessoas e do meio onde elas vivem.

134

pedagógica, fundamental como agente principal de sua aprendizagem, em uma

relação de parceria, participa de todas as atividades individuais e coletivas da

escola. Deve, também, construir e dirigir seu projeto pessoal, articulado ao projeto

institucional e às atividades desenvolvidas no meio socioprodutivo.

Dessa maneira, os desafios postos aos sujeitos estudantes constituem-se em

efetuar um trabalho de articulação, de relacionar permanentemente esses dois

mundos em tensão, que ao mesmo tempo se opõem e se completam. Referimo-nos,

então, ao papel da alternância como pedagogia de passagem entre mundos,

articulando as ligações necessárias. Isso supõe, da parte do aluno, que ele seja

reconhecido como agente principal do seu percurso.

Nesse contexto, a família tem um papel ativo, independente e integrado na co-

formação escolar. Os pais têm um papel fundamental como parceiros na construção,

na execução e no acompanhamento do projeto educativo da escola, do projeto

educativo (pessoal) do filho, ou da filha ou dos seus filhos (as) estudantes. Assim, os

pais exercem uma função essencial nas decisões tomadas nos CEAs. As famílias,

reunidas na associação de pais e representadas no Conselho de Administração do

CEA, compartilham a gestão em todos os níveis: administrativo, pedagógico e

político da instituição.

É assim que a pedagogia da alternância caracteriza-se como uma pedagogia do

alter, do latim: outro, inconcebível sem a relação de encontro e interação. Uma

sociopedagogia cuja relação se fortalece na alteridade.

A relação com o outro não pode estar pautada na reafirmação do que vemos do nosso próprio ponto de vista, mas na consideração de que nosso ponto de vista é resultado de um acoplamento estrutural dentro de um domínio experiencial tão válido como o do outro, ainda que o dele nos pareça menos desejável. Indicam, assim, a importância de construir práticas que incluam um domínio experiencial em que o outro também tenha lugar e no qual possamos, com ele, construir um mundo (BENEVIDES DE BARROS e BARROS, 2007, p. 7).

Destacar os diferentes papéis dos diferentes atores (monitor, aluno, família,

comunidade, instituições, empresa, sindicato, pessoas, recursos, etc.) resgata o

processo de envolvimento pedagógico-político de auto-organização e de co-gestão

da pedagogia da alternância. Trata-se de mover-se dentro de um paradigma de

condução política que inclui a variabilidade e não dissocia formação e trabalho.

135

Nesse caso, busca-se o que Benevides de Barros e Barros (2007) chamam de “co-

gestão”.

Ao opor o paradigma técnico-burocrático ao paradigma da co-gestão, as autoras

afirmam que o paradigma técnico-burocrático tem sua base no centralismo, na

burocracia, na fragmentação, no poder autocrático e no assujeitamento. O

paradigma da co-gestão tem sua base na descentralização, articulação e integração,

no trabalho em equipe, valorização do conhecimento, da relação, do sujeito, da

autonomia, responsabilização e comprometimento, entre outras características.

Nesse modo de gerir pressupõe-se o co-engendramento.

A gestão não é mais identificada apenas a um cargo ou a um lugar (o lugar do gestor/diretor/coordenador), mas ao processo mesmo de pensar/decidir/executar/avaliar o trabalho, que é prerrogativa de qualquer trabalhador. [...] A gestão é conhecimento técnico, mas também interação de regimes do conhecer, onde o inter, o entre vem paradoxalmente primeiro indicando um plano do coletivo, um trabalhar coletivo que antecede os trabalhadores. Se a gestão é função do gerir, melhor seria então dizer co-gerir, pois se trata de co-engendramento do processo de trabalhar e de subjetivar. Diferentemente do sistema comunicacional top-down. Típico do paradigma técnico-burocrático, a comunicação se dá em rede, sistema de múltiplas conexões, em várias direções, aliançadas na inseparabilidade entre as dimensões do trabalhar aumentando a capacidade de criar e transformar – mais autonomia em cada processo de trabalho e, entre os trabalhadores, aumento das instâncias negociantes. Sujeitos em equipe alteram o rumo reversível (e não irreversível, como antes apontado) de seu isolamento, de um processo fragmentado, individualizado, marcado pela competição e quebra das alianças coletivas. Sujeitos com maior autonomia, co-responsáveis, comprometidos porque expressão de um coletivo do trabalhar que neles se atualiza. Trata-se, portanto, de considerar a equipe como estratégia privilegiada para a constituição desse outro paradigma. (BENEVIDES DE BARROS e BARROS, 2007, p. 18).

Essa relação implica uma integração dos diferentes agentes internos e externos.

Nesse caso, o aluno e o monitor não são únicos, mas se inserem numa relação

plural. A aprendizagem por alternância é de parceria; assim, é necessário que a

comunidade local inteira, com os seus mecanismos associativos (sindicatos,

associações, famílias, grupos cooperativos) participe como pessoas ou organismos-

recursos para ajudar os jovens em suas aprendizagens. Nessa linha de

pensamento, Clénet (1998, p. 18) ao estudar a parceria e a formação em alternância

apresenta algumas considerações:

-a pedagogia que consiste em ensinar o aluno tornou-se insuficiente. Este pode ser capaz de conduzir as suas próprias aprendizagens;

136

-a consideração, pela própria pessoa, na sua globalidade é mais que necessária, é primordial; -o desenvolvimento das qualidades pessoais passa pela aquisição de um saber erigido não como um fim em si; -a comunidade local deve ser aliada na busca de soluções dos problemas de formação dos jovens; -os jovens devem ter a responsabilidade na escolha pelas buscas de suas orientações.

A alternância integrativa é essencialmente de parceria. O sistema é aberto à

multiplicidade de agentes reunidos em torno do projeto construído para e pelos

parceiros, que formam um conjunto constituído pelo monitor; o adolescente ou o

jovem estudante; a família; as lideranças; os profissionais do meio; e os

acompanhadores de estágio.

O processo de parceria na formação em alternância consiste no reconhecimento do

outro, ou dos outros, como pares, e no respeito às suas identidades e diferenças.

Segundo Schneider (2002), esse reconhecimento não supõe a semelhança, nem a

dissimulação ou mesmo a recusa da diferença. Ao contrário, é preciso colocá-las em

negociação dos conflitos de interesses, das divergências.

O projeto de formação de parceria consiste na construção de uma plataforma

comum na qual cada um pode dar sua contribuição dentro de suas especificidades e

de suas diferenças. Evidentemente, as relações de poder sempre presentes devem

encontrar um ponto de equilíbrio para viabilizar ações conjuntas de vários sujeitos de

diferentes instituições, sem desenvolver relações de dominação de um sobre o

outro. É nisso que consiste a riqueza do trabalho e também o desafio da parceria na

formação em alternância.

[...] relações de poder são móveis, ou seja, podem se modificar, não são dadas de uma vez por todas. [...] essas relações de poder são, portanto, móveis, reversíveis e instáveis. Certamente é preciso enfatizar também que só é possível haver relações de poder quando os sujeitos forem livres. Para que haja relações de poder é preciso que haja sempre, pelo menos dois lados, pelo menos uma certa forma de liberdade. Mesmo quando a relação de poder é completamente desequilibrada, quando verdadeiramente se pode dizer que um tem todo o poder sobre o outro, um poder só se exerce sobre o outro a medida que ainda reste a esse último a possibilidade de se matar, de pular pela janela ou de matar o outro. Isso significa que, nas relações de poder, há necessariamente a possibilidade de resistência, pois se não houvesse essa possibilidade de resistência – de resistência violenta, de fuga, de subterfúgios, de estratégias que invertam a situação -, não haveria de forma alguma relações de poder. Sendo essa a forma geral, recuso-me a responder a questão que as vezes me propõe: “ora, se o poder está por todo o lado, então não há liberdade.” Respondo: se há relações de poder em todo o lado social, é porque há liberdade em todo o lado. (FOUCAULT, 2004, p. 277).

137

[...] O poder, no fundo, é menos na ordem do afrontamento entre dois adversários, ou do vínculo de um em relação ao outro, do que da ordem do ‘governo’. Devemos deixar para este termo a significação bastante ampla que tinha no século XVI. Ele não se referia apenas às estruturas políticas e à gestão dos estados; mas designava a maneira de dirigir a conduta dos indivíduos ou dos grupos: governo das crianças, das almas, das comunidades, das famílias, dos doentes. [...] Governar, neste sentido, é estruturar o eventual campo de ação dos outros. [...] Quando definimos o exercício do poder como um modo de ação de um sobre as ações dos outros, quando as caracterizamos como governo dos homens, uns pelos outros – no sentido mais extenso das palavras, incluímos um elemento importante: a liberdade. O poder só se exerce sobre ‘sujeitos livres’ enquanto ‘livres’ – entendendo- se por isso sujeitos individuais ou coletivos que tem diante de si um campo de possibilidades onde diversas condutas, diversas reações e diversos modos de comportamento podem acontecer. [...] Não há, portanto, um confronto entre poder e liberdade, numa relação de exclusão. [...]; mas um jogo muito mais complexo neste jogo a liberdade aparecerá como condição de existência do poder. [...] Porém ela aparece também como aquilo que só poderá se opor a um exercício de poder que tende, enfim, a determiná-la inteiramente. A relação de poder e a insubmissão da liberdade não podem, então, ser separadas. O problema central do poder [...] é a recalcitrância do querer e a intransigência (FOUCAULT, 1995, p. 244).

Dessa forma, reunida em torno de um projeto, a equipe é implicada em diferentes

níveis de elaboração e de execução, e os temas abordados, os objetivos e os

resultados esperados são avaliados no coletivo. Os prazos são definidos no

conjunto, e as competências individuais são articuladas entre si numa visão coletiva.

Os objetivos e as representações são compartilhados, o que permite o exercício das

competências transversais. Também o trabalho coletivo entre os estudantes possui

uma função pedagógica de heteroeducação, de organização e de aprendizagem

coletiva: um espaço de aprendizagem experiencial.

Ao contrário da pedagogia tradicional, na qual o professor é o centro do processo,

na pedagogia da alternância o monitor e o aluno estabelecem uma relação de

parceria que postula o reconhecimento da potencialidade de cada um, que

pressupõe relações de poder que afirmam a autonomia e o potencial de contribuição

de cada parte como princípio básico. Assim, uma grande importância é dada ao

diálogo e à participação, elementos-chave no desenvolvimento das relações de

proximidade, de comunicação e de colaboração mútua, o que desenvolve a

dimensão coletiva da relação pedagógica e da aprendizagem.

Para Cruz (2004), a relação entre o monitor, as famílias e os outros agentes da

sociedade local (sindicatos, associações da comunidade onde vivem seus alunos) é

um fator de fundamental importância ao trabalho da alternância. A relação entre os

138

dois agentes do meio escolar e socioprofissional é fundamental e segue a lógica da

cooperação mútua, numa alternância de interação entre os diferentes meios.

À luz dos princípios da alternância, no processo educativo, uma grande importância

é dada aos problemas de todas as ordens que são vividos no cotidiano. A idéia de

indagar, buscar compreender os problemas, buscar soluções aos problemas que

vivenciam não faz da abordagem pedagógica da alternância um puro imediatismo

nem um pragmatismo. Trata-se de uma visão e uma atitude voltada em prioridade

para o local onde se fazem visíveis as necessidades de desenvolvimento. Assim o

contexto não é algo que se coloca distante. Os contextos social, econômico,

histórico e cultural são concebidos como o lugar fonte de informações e de

conhecimentos, mas também de problemas e necessidades relacionados à vida dos

habitantes locais. Por isso, o contexto é importante, pois representa o meio de

vivência e o lugar de integração do projeto: os relacionamentos sociais (famílias,

comunidades), econômicos (lugar das atividades produtivas) e culturais de todos os

agentes educativos.

Essa pedagogia que intervém no contexto que o vê em movimento pelas mãos dos

homens e objeto de transformação, de desenvolvimento, destaca outro potencial da

pedagogia da alternância: a transformação.

No contexto especificamente da educação em alternância de internato, o período de

vivência com o coletivo é também formativo (QUEIROZ, 2004), pois as atividades

individuais e coletivas são revestidas de uma função pedagógica (os afazeres da

casa, a vida em comum). Trata-se do internato educativo. No internato, o educando

dispõe de um espaço privilegiado para o trabalho em equipe, a convivência, a

socialização e o aprender a ser.

A presença da equipe de monitores-educadores que acompanha o coletivo e cada

caso ajuda a estabelecer um clima de colaboração e respeito. O educando pode

aprofundar o seu projeto profissional vinculado como um todo ao processo formativo.

O currículo em desenvolvimento não apenas na sala de aula não se distancia da

realidade nem da cultura do estudante e de seu ambiente comunitário. As atividades

complementares de caráter informal visam ao estímulo da autonomia, à criatividade

e à auto-estima.

139

No ambiente socioprodutivo, comunitário e familiar, a alternância tenta afirmar-se

como uma pedagogia que não desterra o jovem do seu meio, possibilitando que ele

não se desvincule de sua família, amigos e comunidade. Tenta se afirmar como uma

formação que procura contextualizar sem destruir os vínculos sociais de parentesco

e de suas raízes. Além disso, incentiva o alternante a valorizar a cultura local e de

seu universo vivencial.

O objetivo da educação em alternância é desenvolver processos que integrem o

jovem ao seu meio, de maneira a possibilitar também que o educando olhe o seu

meio, compartilhe seus valores, suas virtudes, o ser camponês, exercite seus

conhecimentos e suas novas aprendizagens em campo. O jovem, tratado como

protagonista da vida social local, pode mais facilmente inserir-se em ações de

desenvolvimento local. Esses elementos de uma filosofia voltada para uma

educação do/no contexto, integra os auspícios da pedagógica da alternância,

colocam-se então como desafios permanentes que entrarão em jogo no

acontecimento dessa pedagogia.

Os elementos de uma espécie de filosofia de abordagem mencionados

anteriormente parecem superdimensionar a alternância enquanto pedagogia. Assim,

estaria ela resolvendo o complexo problema do abandono do campo pelos jovens,

do fetiche da cidade e do modo de vida urbano que exerce um fascínio entre os

jovens do campo? A troca do campo pela cidade é um problema trazido pelos

estudos de Briffaud (1989), que aborda o fenômeno em várias regiões da França. A

pedagogia da alternância estaria operando a tão sonhada recuperação do gosto pelo

campo? Que pedagogia é essa? A “salvação da lavoura”? Ou uma pedagogia que,

com a sua abordagem, sua metodologia e sua filosofia de educação, se insere em

outro contexto de produção partilhada do conhecimento?

Trata-se de propor um outro discurso teórico-prático que vai a contrapelo das

políticas de educação hegemônicas inspiradas nos modelos neoliberais que

estimulam a competição, o desenvolvimento de habilidades e competências

individuais fortemente voltadas para a urbanidade. Nesse sentido, a alternância

insere-se numa proposta diferente e inclusiva que “pode” representar em termos de

novas/outras políticas coletivas de educação que tentam desconstruir práticas

dominantes.

140

Posto isso, é preciso dizer que há alguns desafios e problemas no exercício da

alternância. Segundo Gimonet (1996, p 42), o exercício da alternância autêntica não

é o de uma facilidade pedagógica, “Com ela, saímos de uma pedagogia plana para

um modelo complexo”.

O ensino em alternância é ligado à gestão da complexidade. Um projeto global e

integrado, relações efetivas entre os dois meios. O monitor deve ter uma atuação

pro positiva no processo que é dinâmico e permanentemente desafiador, pois se

trata de um projeto em movimento. No plano da formação, o professor/monitor deve

engajar-se num processo de formação contínua e permanente, além de, igualmente,

ajudar a articular as relações entre os diferentes agentes. Esse ensino exige

reciprocidade e uma grande abertura na gestão das diferentes relações (GIMONET,

1999).

Se para Foucault (1995), não existe uma sociedade sem relações de poder. Ele, o

poder, se manifesta por meio das práticas em que atua, funciona e se espalha

universalmente e de modo capilar.

O que será próprio de uma relação de poder é que essa relação é um modo de ação sobre as ações. Ou seja, as relações de poder encontram-se profundamente arraigadas no nexo social, e não constituem, por cima da sociedade, uma estrutura suplementar cujo desaparecimento se possa sonhar. De qualquer forma, viver em sociedade é viver de modo tal que seja possível que uns atuem sobre as ações dos outros (FOUCAULT, 1995, p. 246).

Ao analisar o saber e sua relação com o poder Foucault vai mais adiante. Para ele o

conhecimento não é uma faculdade humana (ligada à disposição biológica, cerebral,

natural), mas um elemento articulado ao poder, como uma estratégia. Assim, saber

e poder não são pólos distintos, mas sujeitos no jogo. “E para que isso seja possível,

o saber entra como correia transmissora e naturalizadora do poder, de modo que

haja consentimento de todos aqueles que estão nas malhas do poder. No interior

das relações de poder, todos participam, todos são ativos” (VEIGA-NETO, 2005, p.

143).

[...] Temos antes que admitir que o poder produz saber; que o poder e saber são diretamente implicados; que não há relação de poder sem constituição correlata de um campo de saber, nem saber que não constitua ao mesmo tempo relações de poder. Essas relações de <poder-saber> não devem então ser analisadas a partir de um sujeito do conhecimento que seria ou não livre em relação ao poder; mas é preciso considerar, ao contrário, que o sujeito que conhece os objetos a conhecer as modalidades de

141

conhecimento são outros tantos feitos dessas implicações fundamentais do poder-saber e de suas transformações históricas. [...] O saber reconduz e reforça os efeitos de poder. Sobre essa realidade- referência vários conceitos foram construídos e campos de análise foram demarcados: psique, subjetividade, personalidade, consciência, etc. sobre ela técnicas e discursos científicos foram identificados; a partir dela valorizam-se as reivindicações morais do humanismo. Mas não nos devemos enganar: a alma é a ilusão dos teólogos, não foi substituída por uma imagem real, objeto de saber, de reflexão filosófica ou de intervenção técnica. O homem de que nos falam e que nos convidam a liberar já é em si mesmo o efeito de uma sujeição bem mais profunda que ele. (Foucault, 1981, p.30-32).

O desafio que se coloca é o da afirmação de práticas de liberdade nas relações de

poder. Se para Foucault a relação de poder não é má em si mesma, o desafio que

se coloca consiste não simplesmente em negar o poder, mas sim de conceber o

poder como exercício de um jogo, com um mínimo de dominação.

No campo educativo das práticas em alternância, esse entendimento coloca ao

monitor que medeia as relações com os outros sujeitos, principalmente na sociedade

escolar, o exercício de práticas não arbitrárias nas quais os alunos sejam sujeitos e

não assujeitados do autoritarismo de um “educador”.

As contribuições e repercussões da escola em alternância em termos de

desenvolvimento local dependem da gestão global das diferentes faces ou âmbitos

(gerir a complexidade). O exercício de uma autêntica alternância, segundo Gimonet

(1999), que possibilite uma integração em vários níveis entre os dois meios é o

desafio. Ainda segundo o autor, a alternância integrativa é uma pedagogia de

interface com as diferentes dimensões (institucional, pedagógica, didática e

relacional). Ou seja, uma pedagogia que propõe uma formação global e em

movimento, que se mantém aberta ao desenvolvimento do meio e do seu próprio

dispositivo. As relações entre os diferentes agentes são abertas e permanentes. A

articulação dessas dimensões em torno de uma alternância pedagógica concorre

para a eficácia do modelo ao serviço do sucesso escolar e da inserção

socioprofissional.

142

7 O DISCURSO DOS MONITORES: DO CONTEXTO E DAS

PRÁTICAS DOS CEAS NO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO

Os monitores localizam-se em diferentes tipos de estabelecimentos que atendem a

diferentes níveis de ensino em diferentes faixas etárias que agrupados formam

diferentes redes ou sub-redes com diferentes modos de organização e gestão da

alternância.

O quadro seguinte mostra a distribuição dos monitores por tipo de estabelecimento,

por nível de ensino e idade dos alunos:

Tipo de Estabelecimento/Nível de Ensino

EFA

MEPES

EFA

autônoma

EPOR-MST

ECORM Jaguaré

Idade dos

alunos

Número

de monitores

Número

de escolas

Fundamental 4 1 2 2 10 a 14

anos

10 09

Fundamental e médio profissional

1 10 a 14

anos e de 14 a 18

anos

1 1

Médio profissional exclusivo

2 14 a 18

anos

2 2

Total

7

1

2

2

-

13

12

Quadro 3 - Monitores entrevistados por tipos de estabelecimentos, por nível de ensino e por faixa etária dos alunos Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

Conforme apresenta o quadro 3 mostrado anteriormente, a grande maioria das

escolas oferecem o ensino do nível fundamental. O público alvo da pedagogia da

alternância constitui-se majoritariamente de crianças, pré-adolescentes e

adolescentes que se situam na faixa etária de 10 a 15 anos. Isso mostra que a

pedagogia da alternância no Espírito Santo está voltada para o público infanto-

juvenil. Esses dados são apresentados em mais detalhes no quadro 4 que tratará

143

dos diferentes grupos de CEAs espalhados pelo interior do Espírito Santo.

Os sujeitos da pesquisa são 13 monitores apresentam as seguintes características

sociais: sexo, 07 masculinos e 06 femininos; faixa etária, 09 têm mais de 30 anos e

04 menos de 30 anos; estado civil, 07 são casados e 06 solteiros.

É importante destacar que a maioria das escolas, notadamente aquelas do MEPES,

possuem infra-estrutura para habitação no espaço da escola (que inclui o terreno ou

o sítio da escola). Todavia, isso não parece encorajar os monitores casados a

morarem na propriedade da escola, pois a maioria deles, 08 monitores, habitam nas

comunidades rurais no entorno da escola. Outro fator que deve ser considerado é a

relação entre a origem e a condição social dos monitores, visto que na escola rural a

origem dos monitores e de suas famílias é também rural; dos entrevistados 13 são

de origem rural. Quando o monitor atua em um CEA de determinada região de

assentamentos, geralmente, moram no assentamento e compartilham da condição

socioeconômica de assentados.

7.1 AS ESCOLAS EM ALTERNÂNCIA E SEUS AGRUPAMENTOS

Constatamos a partir dos dados obtidos que, no Estado do Espírito Santo, há quatro

grupamentos (redes) de escolas rurais de ensino fundamental e médio que

desenvolvem a pedagogia da alternância. No primeiro agrupamento encontram-se:

- as "Escolas Famílias Agrícolas" (EFA), das quais quinze centros pertencem ao

"Movimento de Educação Promocional do Espírito Santo" (MEPES);

- as "Escolas Populares de Assentamento" (EPA), das quais oito centros pertencem

ao "Movimento dos Trabalhadores Sem Terra no Brasil", setor Espírito Santo (MST-

ES.)81;

81 STEDILE, J. P. et SERGIO,. F., em artigo intitulado A luta pela Terra no Brasil, 1995, 107 p. O Movimento dos Sem-Terra (MST) nasceu no fim dos anos 70, seguindo o agravamento dos problemas agrários durante a ditadura. As famílias de agricultores que foram expulsos da reserva indígena de Anoni, no estado do Rio grande do Sul, em 1978, e que acamparam por 4 anos ao longo de uma estrada, fizeram com que o movimento nascesse. Essas famílias não queriam mudar-se para as periferias das grandes cidades, nem migrar para o norte do país, seguindo a política desejada pelos militares. Seu primeiro congresso aconteceu em 1985, em Brasília. Suas palavras de ordem

144

- as "Escolas Comunitárias Rurais Municipais" (ECORM), das quais três centros

pertencem ao município de Jaguaré; e

- as escolas "autônomas". Esses CEAs formam uma associação de sete centros,

embora não exista relação organizacional entre eles.

A seguir, apresentaremos o Quadro 4 referente à distribuição dos estabelecimentos

em alternância (os CEAs) no Espírito Santo e seus respectivos agrupamentos.

Grupamento das Escolas/

Nível de ensino

EFA -

Escolas Famílias Agrícolas (MEPES)

EFA - Escolas

Famílias Agrícolas

(Autônomas)

EPA -

Escolas Populares de assen-tamento (MST)

ECORM - Escolas

Comunitárias Municipais (Jaguaré)

Total de

estabelecimentos

Escolas fundamentais

10 6 8 3 27

Escolas fundamentais e de ensino médio profissional

3

3

Escolas de ensino médio profissional

2

1

3

Total

15

7

8

3

33

Quadro 4 - Distribuição dos estabelecimentos em alternância (Os CEAs) no Espírito Santo e seus respectivos agrupamentos Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

Conforme detalha o quadro acima, os CEAs nos níveis fundamental e médio no

Estado do Espírito Santo totalizam 33 centros em funcionamento.82

são: “Terra para quem a trabalha”, “ Não para o latifúndio improdutivo”, “ Ocupar, Resistir e Produzir”. O MST, hoje, tornou-se o mais numeroso e mais importante movimento organizado de camponeses de toda a América. Sua reivindicação mais importante é “Uma reforma agrária nacional imediata” para os 11 milhões de camponeses brasileiros que se tornaram Sem Terra. 82 Podemos juntar a esse quadro, também, o Centro de Formação dos monitores fundado pelo MEPES, que se ocupa da formação inicial e continuada dos monitores das escolas do MEPES e outras, principalmente as localizadas no sul do Espírito Santo.

145

7.2 ESCOLARIDADE E EXPERIÊNCIA PROFISSIONAL DOS

MONITORES

monitores com formação secundária 3 monitores com formação superior em curso 4 monitores com formação superior 6 monitores com formação de nível de pós- graduação 3 monitores com formação específica em alternância 11 monitores sem formação específica em alternância 2

Quadro 5 - Nível Qualificação

Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

A maioria dos monitores entrevistados possui formação superior ou, ao menos, a

mesma está em curso, conforme quadro 5. A exigência de escolaridade na área

específica da pedagogia da alternância não se confirma, uma vez que dos 13

monitores da pesquisa, 02 não possuem formação específica na área da alternância.

Esse fator, quando comparado ao período de atuação profissional dos monitores

(QUADRO 6), é no mínimo questionável que no discurso sobre a exigência de

formação específica o que se sobressai como indiscutível é a exigência de formação

específica para atuar nos CEAs do Espírito Santo e do Brasil.

monitores dando aulas por mais de 5 anos 4 monitores dando aulas por mais de 10 anos 5 monitores dando aulas por mais de 15 anos 3 monitores dando aulas por mais de 20 anos 1 monitores dando aulas para ensino fundamental ( 5ª a 8ª série)

10

monitores dando aulas para ensino fundamental ( 5ª a 8ª serie) e secundário

1

monitores do ensino secundário 2 Quadro 6 - Experiência Profissional Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

No que diz respeito à experiência profissional dos monitores o quadro 6 mostra que

a experiência mínima dentre os monitores é superior a 05 anos sendo a maioria dos

monitores abordados, 08 deles, possuem uma experiência variável entre 10 e 15

anos.

146

7.2.1 Exigências, grau de formação oferecido e o público-alvo

O tipo de ensino oferecido nos CEAs corresponde ao nível pós-primário

(fundamental) de quinta a oitava série (04 anos). Em algumas escolas,

especificamente nas do MEPES, os estudantes nesse caso podem continuar a

formação no ensino médio profissional com uma duração de 04 anos.

Em geral, os CEAs são escolas mistas (sexos masculino e feminino) do tipo seriado,

o que significa que cada monitor se ocupa de uma classe de 5ª, 6ª 7ª ou 8ª séries e

dá cursos em diferentes disciplinas. Assim, um monitor pode ser responsável por

duas ou três disciplinas. Esse procedimento é adotado igualmente nas escolas de

ensino médio.

A correspondência entre a formação do monitor e as disciplinas ministradas não é

assegurada nos dois níveis de ensino, o que demonstra a existência de

incompatibilidade entre a formação do monitor e disciplinas sob sua

responsabilidade

Para apresentar os itens indicados – exigências para ingresso, tipo de formação,

duração, público do ensino em alternância, segundo o modelo EFA –, apresentamos

dois quadros, sendo o primeiro relativo ao ensino fundamental e o segundo ao

ensino médio profissional. Neles são mostradas as características gerais dessa

modalidade de formação.

O Quadro 07 a seguir apresenta as exigências para ingresso, tipo de formação,

duração, público alvo do ensino em alternância segundo o modelo CEFFA – EFA

147

Fórmula Tipos de formação

dispensada

Condições de acesso Duração Pré-

requisitos Certificação Contrato Público alvo

Nível funda-mental.

O ensino comporta duas dimensões : geral e a iniciação às técnicas agrícolas.

10 anos ou mais, e ter terminado o ensino primário, ou seja, a 4ª série.

4 anos, como formação regular.

Ter interesse no que concerne ao campo. O nível de ensino é, também, prepara-tório para o ensino secundário.

A Secretaria de Educação do Estado ou do município emite um certificado de conclusão do ensino fundamental.

Termo de compro-misso assinado pela família.

Crianças e jovens do meio rural em idade escolar, e jovens ou crianças sem opção de alguma outra forma de ensino.

Quadro 7 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino fundamental) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

Os tipos de ensino apresentados no quadro 8 compreendem a grande maioria das

escolas em alternância rural do Estado do Espírito Santo, mostrando que são

escolas que se encontram no meio rural83.

Essas escolas, com certa readaptação, inspiram-se nas Casas Familiares Rurais

francesas. Com exceção da pequena empresa familiar, o agente empresa,

geralmente, não é reconhecido como parte integrante do processo de formação. No

caso de estágios, na maioria das vezes, são as famílias, principalmente

representadas pelos pais, que realizam o acompanhamento.

O Quadro 08 a seguir apresenta as exigências para ingresso, tipo de formação,

duração, público alvo do ensino em alternância segundo o modelo CEFFA - EFA:

(ensino médio profissional).

83 Esse nível de ensino, como já enunciamos, compreende, igualmente, a grande maioria das escolas rurais em alternância no Brasil.

148

Fórmula Tipos de formação

dispensadas

Condições de acesso Duração Pré-

requisitos Certificação Contrato Público alvo

Nível médio profis-sional

O ensino comporta 2 dimensões : geral e técnico- profissional.

Ter terminado o ensino fundamental, ou seja, conclusão da 8ª série.

4 anos

Ter interesse na aprendizagem ao que concerne ao meio rural e, principalmente, na profissão de agricultor e técnico em agropecuária.

A secretaria de educação do estado emite o diploma.

Termo de compro-misso assinado pelo aluno e pelos pais.

Como prioridade, jovens do meio rural em busca de um aperfei-çoamento profissional para atuar em suas proprieda-des familiares. Pessoas que desejam ter um diploma de conclusão do ensino médio. Jovens sem outra opção de formação.

Quadro 8 - Características dos CEAs no Espírito Santo (ensino médio) Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

Os tipos de instituições de ensino em alternância em nível médio no Espírito Santo

totalizam atualmente 08 escolas84.

As modalidades de ensino são reunidas num programa que visa à formação do

técnico em agropecuária. Contudo, diferentes aspectos numa mesma formação

podem ser desenvolvidos de acordo com a realidade do aprendiz em alternância.

Essas escolas, com certa readaptação, inspiram-se no modelo das CFR francesas.

Como as escolas apresentadas na tabela 09, o agente empresa não é reconhecido

como parte integrante do sistema de formação profissional, com exceção da fazenda

ou propriedade familiar, vista como empresa familiar.

Na ocorrência de estágios, a maioria deles, geralmente, desenvolvem-se nas

84 As escolas em alternância no nível médio profissional no Brasil não são numerosas. Segundo Queiroz 2004, são 20 no total e segundo a UNEFAB 2007 conta-se atualmente 27. Número considerado pouco significativo para as dimensões geográficas e demográficas do Brasil.

149

propriedades familiares, os proprietários ou chefes de família são nesse caso

considerados acompanhadores de estágio.

7.2.2 Infra-estrutura das escolas

Os monitores entrevistados assinalaram dificuldades encontradas nas escolas em

que atuam ligadas à infra-estrutura, às instalações físicas das escolas que são, às

vezes, inacabadas ou precárias; à falta de monitores para os cursos comuns, de

recursos didáticos e de instrumentos para os trabalhos pedagógicos internos.

Os Centros Educativos em Alternância (CEA) são escolas que possuem uma

“população” de alunos variável entre 34 e 285 estudantes. Essas escolas podem ter

características específicas.

A maioria dos CEAs dispersados pelo Espírito Santo comportam uma estrutura

mínima para acolher e alimentar os jovens, que lá freqüentam (com ou sem

internato), trabalham (propriedades agrícolas) e estudam (sistema escolar).

A maioria dos formadores são chamados “monitores ou eventualmente professores”.

Nesses centros, o período passado na escola desenrola-se de acordo com as

diferentes modalidades de estadias e de funcionamento da escola, que vão do

internato exclusivo até o não-internato. Dessa maneira, os CEAs se diferem na

estrutura de acolhimento, (internato e semi-internato), no tamanho (dependências e

alojamentos) no modo de atendimento e funcionamento (somente nos turnos

matutino e vespertino). Alguns não possuem áreas agrícolas em torno da escola.

7.2.3 O trabalho produtivo na escola

O período passado nas escolas, principalmente naquelas que possuem propriedade

agrícola, não é somente dedicado ao ensino. Há, também, atividades práticas e/ou

produtivas que se aproximam das desenvolvidas pelos estudantes no seu meio de

vida externo.

150

Cada CEA, com exceção das Escolas Comunitárias Rurais Municipais (ECORM),

possui uma área agrícola chamada "terreno de práticas" ou "terreno demonstrativo"

ou chamado apenas de propriedade agrícola da escola. Trata-se de uma área que

deve apresentar as condições para a prática da agricultura diversificada, de acordo

com o clima, a topografia e as culturas de cada região (GIANNORDOLI, 1980).

As áreas agrícolas que constituem os espaços físicos dos CEAs têm uma dimensão

que varia entre 2,5 e 75 hectares. Indagados acerca dos objetivos das áreas

agrícolas, os monitores assinalaram diferentes objetivos, que podem ser situados

como objetivos pedagógicos, econômicos e socioambientais:

- O primeiro é de complementaridade ao ensino. Nesse espaço, os estudantes terão a oportunidade de aprender a trabalhar, cultivar, fazer experiências, e observar a aplicação de técnicas agrícolas, aplicáveis às propriedades na sua pequena região. (F 6) - O segundo objetivo é produzir rendimentos complementares para contribuir para as despesas do CEA, ou seja, gerir recursos alimentares e financeiros para proveito da escola. (F1) - O terceiro é motivar os agricultores e os pais na utilização dos recursos técnicos e de práticas agrícolas baseados na agricultura ecológica e no equilíbrio ambiental. (F4).

7.2.4 As condições socioeconômicas e culturais das famílias

Quanto às condições socioeconômicas e culturais dos pais e das comunidades onde

se encontram os CEAs, os dados das entrevistas permitem-nos afirmar que, em

geral, as famílias se encontram em regiões pobres (às vezes muito pobres). As

crianças começam a trabalhar nas propriedades familiares a partir dos dez anos.

A situação da educação nas regiões é considerada como difícil. A maioria dos CEAs

encontra-se num meio onde predomina a agricultura familiar em pequena escala, em

que as necessidades de escolarização e de formação são elevadas, especialmente

nos níveis pós-primário e médio (MAGALHÃES, 2004).

Esse problema afeta os jovens e os adultos do campo em várias regiões do Espírito

Santo. A quase totalidade dos pais da região de São Bento do Chapéu, uma das

pequenas regiões consideradas no nosso estudo, é analfabeta. Assim, muitas

crianças e jovens que moram perto da escola não têm a motivação, nem o apoio dos

pais para estudar. De acordo com um monitor entrevistado, "aquilo é ainda mais

151

surpreendente quando se constata que, em certas famílias que não habitam distante

da escola, os pais proíbem suas crianças, sobretudo as adolescentes e os jovens,

de estudarem". (F4).

Os CEAs, na maioria dos casos, são as únicas instituições educativas nas regiões

onde se instalaram, e oferecem a educação (reconhecida) de nível pós-primário e

em algumas regiões, o ensino médio profissional.

7.2.5 As escolas e suas jornadas com e sem internato

No interior dos CEAs, as atividades pedagógicas dos monitores são desenvolvidas

por disciplinas e, também, pela equipe. Em seguida, são repartidas entre os

monitores e os alunos. De acordo com a organização da instituição, a equipe de

monitores trabalha com todos os estudantes do centro, sobretudo nos que

funcionam com o regime de internato.

A maioria das escolas são chamadas de Escola Família Agrícola (EFA). Geralmente

elas alternam os períodos internos (passados no centro de formação em regime de

internato ou sem internato) e externos (passados no meio sociofamiliar).

De acordo com os formadores entrevistados, as atividades devem seguir horários

fixados em função das atividades escolares, da preparação das refeições e dos

diversos trabalhos para o funcionamento da instituição.

O período passado fora da escola, notadamente na propriedade familiar, tem

objetivos que variam de um grupo de escolas a outro.

As famílias e os jovens têm papéis, às vezes, específicos de participação na gestão

da instituição e na formação nesse tipo de ensino; assim como participam da gestão

do CEA em suas respectivas associações.

Como já havíamos mencionado, uma das particularidades dos CEAs é a alternância

com o internato ou sem internato. Dentro do CEA, os estudantes aprendem e

desenvolvem atividades socioeducativas, os conhecimentos práticos ligados ao tipo

de agricultura local e de atividades vinculadas ao trabalho rural. Tudo isso na

152

perspectiva de melhorar a qualidade do trabalho, a inserção social, desenvolvendo

ou aplicando novos conhecimentos sistematizados adquiridos na escola e na

propriedade da sua família ou de uma empresa, como afirma o monitor (F4).

De acordo com os monitores do grupo de escolas do MEPES, os estudantes vão

para a escola às segundas-feiras pela manhã e regressam às famílias aos sábados

à tarde.

As tarefas a serem realizadas durante a semana na escola são repartidas entre os monitores e os estudantes. As atividades seguem os horários, fixados em função das atividades escolares, da preparação das refeições e os diversos trabalhos para o funcionamento da instituição (F 2) .

Em relação à organização do trabalho, elaboramos a partir do relato de cada

formador, as grandes linhas de organização do trabalho pedagógico do CEA.

Constatamos nas entrevistas que os diferentes CEAs organizam seus trabalhos de

formação a partir dos "temas geradores" e os adaptam ao seu contexto local e

regional. Nesse caso, há uma trajetória a seguir em dois níveis:

No primeiro, os temas gerais apresentam certa homogeneidade, pois, de acordo

com os monitores, é em nível geral que a legislação educativa aprova os programas

de ensino. Os formadores devem, então, nas suas práticas, seguir uma

programação oficial. É a condição para garantir a certificação no término da

formação. Seguidamente, há uma programação informal ligada aos subtemas.

Assim, há uma real flexibilidade, dado que os conteúdos do ensino podem ser

adaptados à realidade local. A diferenciação entre os temas é constatada por meio

dos subtemas.

Com o objetivo de apresentar o segundo nível no qual a jornada é desenvolvida no

interior do centro, mostramos, a partir do depoimento de monitores, dois esquemas

que compreendem as escolas em regime de internato e as escolas sem internato.

O quadro 10 a seguir apresenta a jornada dos estudantes em internato.

153

Horários de segunda a sexta-feira

Tipos de atividades

6h – 6h30 Higiene do espaço pessoal. Uma equipe se ocupa de preparar o desjejum.

6h30 – 7h00 Desjejum. 7h00 – 11h30 Horário de aulas. 11h30 – 13h00 Almoço. 13h10 – 16h10 Horário de aulas, pela tarde. 16h10 – 16h30 Pequena pausa. 16h30 – 17h40 Atividades no sítio da escola. 17h40 – 18h30 Pausa. 18h30 – 19h40 Lanche da noite. 20h00 – 21h30 Atividades da noite. 22h00 Fim da jornada

Quadro 9 - Jornada dos estudantes em internato85 Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

Horários de segunda a sexta-feira

Tipos de atividades

7h00 – 9h00 Horário de aulas. 9h00 – 9h30 Desjejum. 9h30 – 11h30 Horário de aulas. 11h30 – 13h00 Almoço. 13h00 – 15h20 Horário de aulas. 15h20 – 17h00 Atividades no sítio da escola. 17h00 Fim da jornada.

Quadro 10 - Jornada dos estudantes sem internato Fonte: João Assis Rodrigues (2008).

O modo de alternância praticado de acordo com os formadores entrevistados é

constituído de períodos de estadias regulares na escola e no meio sociofamiliar, e o

período de estadia na escola é sempre igual ao passado em meio externo. Na

totalidade dos casos encontrados, o período nos dois meios é de uma semana.

A esse respeito, o monitor do CEA do nível médio informou que:

85 Os aprendizes em internato chegam numa segunda-feira entre 9h e 9h30. As atividades começam por volta das 10 horas. Nas escolas do MEPES, os aprendizes vão para suas casas no sábado, próximo das 10h, após o desjejum.

154

A EFA de Boa Esperança foi a única escola até 2002, que realizava uma alternância de 15 dias na escola e 15 dias em família. No fim de semana, a maioria dos alunos retornavam às suas casas. Para os que permaneciam, um grupo de dois monitores também permanecia na escola, como responsáveis da escola. Atualmente, porém, o período de alternância é de uma semana, o que, a meu ver, nada mudou para melhor, sobretudo para o monitor que continua na escola alternando apenas de turmas (F 12).

7.3 AS PRÁTICAS PEDAGÓGICAS DOS MONITORES

A dificuldade em falar na linguagem pessoal (primeira pessoa do singular) é

marcante. Os monitores estavam acostumados em falar em terceira pessoa do

singular e isso estava intimamente relacionado ao modo com que trabalhavam e

desenvolviam suas práticas.

Havia uma insistência no olhar teleológico e a certeza de que trabalham para um

mundo melhor que parecia o “ainda não”, mas o melhor está adiante, no futuro. Esse

mundo parecia de alguma maneira, profetizado ou predito, seja por influência

religiosa ou por orientação ideológica. Há uma influência ideológica marcante no

discurso dos monitores. Acredito que tal influência, vem das ideologias libertárias ou

libertadoras, da teologia da libertação, da teoria crítica, do materialismo dialético.

Enfim, parece que estavam imersos no mundo da “revolução necessária”.

Quando falavam de suas práticas, das relações, do trabalho com os outros

monitores, outros personagens da escola, dos instrumentos metodológicos, traziam

diferentes vozes para o nosso estudo. Ou seja, enunciavam questões, tomavam

uma posição diante das enunciações que também interpelavam em suas relações

cotidianas. Seus enunciados não saiam do nada, de abstrações emergidas da

psique, mas de seus posicionamentos valorativos erigidos ao longo da vivência

social e mais especificamente da vivência pedagógica.

Muito do que indagamos não parecia surpreendê-los. Muitos dos temas das

questões por nós colocadas pareciam já ter sido foco de suas reflexões, por isso não

pareciam inseguros (ou vulneráveis) no que diziam. Essa dinâmica, aparentemente

pouco produtiva, de repente nos surpreendia à medida que a disposição em

responder, em argumentar os colocava em situações de dizer algo inesperado,

incerto, inusitado. Essa dinâmica parecia rica em aspectos a serem explorados.

155

A pedagogia da alternância é entendida como uma pedagogia da mudança visto que

estamos numa sociedade doente que parece caminhar para o pior e é preciso fazer

algo. “Meu trabalho pode ajudar a fazer a diferença”(F2). “O que a escola tradicional

faz é corroborar com tudo isso que está aí”. “Por isso temos que persistir no trabalho

de uma pedagogia transformadora” (F8).

A transformação da escola, porém, não se faz no abstrato, de um ponto sem lugar.

“Ela começa na escola real dentro da qual eu estou nas pequenas práticas

metodológicas, organizativas, curriculares, políticas, enfim numa contra escola

dentro da escola”. (F12).

O discurso normatizante era substituído por outro não sem regras ou sem normas,

um pouco teleológico talvez, mas que se pretendia produtor-instaurador de uma

nova ordem, uma ordem melhor. A diferenciação produzida pelas palavras em

contraponto aos discursos normatizantes tampouco formava um discurso qualquer.

Tal perspectiva aparece nas falas:

Para mim é difícil separar a escola do projeto da pedagogia da alternância. Para mim a escola não apenas tem um projeto implícito. Como ela mesma é um projeto e, nesse sentido, participamos de um projeto educativo transformador do campo como atores dessa mudança. Por isso, procuramos oferecer uma educação libertadora. (F7). É claro que temos limitações, mas numa sociedade cheia de problemas, como a falta de desenvolvimento, não podemos fazer um trabalho neutro. É preciso mudar essa sociedade que nos cerca. Fazer pequenas melhorias não adianta. Procuramos direcionar nosso trabalho orientando o aluno para que ele tenha capacidade de mudança. Para isso, a vida coletiva, os saberes aprendidos na escola, a integração da escola ao contexto possibilitam que o aluno aprenda a ser cidadão, trabalhe e aprenda a se organizar dentro e fora da escola. Isso serve ao nível do comportamento, ao nível da aprendizagem e ao nível de ação social. (F13). O resultado de uma pedagogia que integra a escola com o meio socioprodutivo, Vê o contexto como lugar de mudança. Ela intervém para mudar a realidade. (F5) Apesar da várias limitações que nos são impostas, não fazemos um trabalho descolado da realidade. De certo modo, somos uma escola que se inspira nas necessidades do contexto e procuramos responder ao contexto. Isso para nos é essencial na alternância que praticamos. (F11)

O papel de intervenção social é reconhecido pelos pais e agricultores. O diálogo

escola e sociedade não se faz num via de mão única.

Aqui na escola somos às vezes consultados pelos pais ou por agricultores das comunidades próximas. Eles querem saber o modo correto de podar as plantas, como preparar defensivos agrícolas e outros procedimentos da agricultura orgânica, querem saber informações sobre animais doentes, sobre o preparo da terra, enfim demandas de pessoas que querem

156

aprender coisas novas e mais ecologicamente corretas, pois a escola tem uma preocupação especial com o meio ambiente. Nesse caso, nós “os” ensinamos o que conhecemos. Para as coisas que não conhecemos, ou que não podemos fazer, nós os enviamos para conhecer e dialogar com alguma propriedade de alguma família, ou de ex-alunos que desenvolvem práticas inovadoras de agricultura, ou, a outras pessoas: técnicos, ou instituições que poderiam consultar. (F2) As famílias percebem que nossas orientações vão no sentido do desenvolvimento local e na introdução de novas práticas agrícolas que não agridem o meio ambiente, novos cuidados no trato com animais, aves e peixes e junto com isso novos hábitos de higiene, alimentação e na produção em suas propriedades. Enfim conhecimentos e saberes para melhorar a qualidade de suas vidas. (F10) A maioria das famílias tem uma pequena horta perto de casa. Nós incentivamos os alunos a aplicarem seus conhecimentos na horta introduzindo o cultivo de frutas e diversificando os legumes e raízes para melhorar o nível da alimentação doméstica. Olha, os resultados e seus impactos na melhoria da qualidade alimentar são surpreendentes! (F3)

No trabalho pedagógico dos monitores, a abordagem do contexto social, econômico,

histórico e cultural é um elemento chave da pedagogia da alternância. O contexto é

concebido como o lugar onde a vida acontece. Como afirma o monitor F 6.

O lugar onde se desenvolve a vida das pessoas pois é nele que tudo acontece. Tudo o que fazemos em uma escola de educação em alternância está ligado no contexto de vida dos alunos. São os alunos que levam isto para a escola, e somos nós que tentamos trabalhar em cima dos problemas, das necessidades, das demandas. Resumindo: vivemos em função do contexto. (F6)

Por isso, a importância do contexto é fundamental e é concebida como inseparável

das práticas pedagógicas dos monitores. Ele representa o meio de vida e de

trabalho, o lugar de integração do projeto educativo dos estudantes aprendizes.

Nossa indagação sobre o contexto propunha compreender como a valorização do

contexto, que é um importante elemento da proposta pedagógica da alternância, tem

contribuído na construção de sujeitos de engajamento, ou seja, jovens que se

engajam com suas famílias em movimentos de luta por melhorias na saúde,

educação e dignidade no campo. O que significa que o trabalho da escola não é

neutro e situa-se dentro de uma visão não apenas pedagógica, mas também política

em sua relação com o meio onde está inserida.

Segundo Magalhães (2004), a maioria da população das áreas rurais no Estado do

Espírito Santo não tem como concluir nem ao menos o ensino fundamental,

precisando se deslocar para as cidades, enfrentando os problemas do transporte

escolar, da homogeneização no tipo de ensino oferecido a essa população.

157

Como essa é uma realidade do Brasil, é uma tendência que segundo Silva (2003) e

Jesus (2007), tem se agravado nos últimos anos. Sucessivas políticas educacionais

têm alegado que as escolas rurais são mais onerosas e por isso e para “reduzirem

os custos” estimulam crianças e jovens a deslocarem-se para os centros urbanos,

por longos trajetos e estradas precárias.

É nesse contexto de “economia de recursos”, de homogeneização de políticas que

desconsideram a cultura, a história e os valores do campo que emergem os CEAs

no Espírito Santo com uma política diferente que traz consigo uma outra forma de

conceber as relações da escola do campo. Nesse sentido Magalhães (2004 p.88)

escreve: um CEFFA não surge de cima para baixo:

[...] ele somente é criado se assim for do interesse das famílias de uma determinada comunidade, pois são elas que serão as responsáveis pela condução da escola, participando da Associação da Escola, das assembléias de pais, da gestão e do cotidiano escolar. A escola nesta proposta, não se constitui em uma “doação” do poder público. Ela é resultado de um processo coletivo no qual se busca implantar uma escola que possa promover a educação no campo, respeitando a cultura e a realidade destas populações.

Já que são escolas da região, criadas pelas pessoas do lugar, para as pessoas do

lugar. Segundo Gimonet (1999, p. 40), “A associação constitui um lugar de

intercâmbio, reflexão, exercício de responsabilidade, poder, formação e

engajamento. Ela se constitui no exercício da responsabilidade do meio, do trabalho

e do assumir seus próprios destinos”, buscando promover a pessoa humana na sua

dimensão individual e coletiva em primeiro plano.

O engajamento da família, o processo participativo em todos os níveis inclusive na

gestão e no cuidado da escola é uma nova forma trazida pelo CEFFA que propõe

um novo modo de existir que rompe com as formas hegemônicas de gerir e

participar do cotidiano da escola. Essa idéia não ratifica o privatismo pregado pelas

políticas neoliberais que visa a “livrar” o Estado de suas responsabilidades com a

educação e a transformar a escola numa empresa lucrativa. Também não ratifica o

papel do Estado como instância tutelar e dotada de um enorme poder sobre a

escola. O CEFFA é simplesmente uma escola dos agricultores. Sobre esse tema

afirma um dos protagonistas dos CEFAs pelo mundo:

Em nosso movimento é necessário resistir a duas tentações: de uma parte, temos necessidade do Estado, de outra parte, não devemos nos tornar um

158

movimento estatal. Os CEFFAs não devem estar sob o controle absoluto do estado, ser simplesmente uma engrenagem administrativa. Mas é necessário, no entanto, sua ajuda e seu controle. Por outro lado, como movimento, e é sua originalidade, é de essência familiar, como ele é o prolongamento da família, ainda que a maior parte das famílias que confiam seus filhos a nossas instituições seja atualmente católicas, é claro que o movimento não deve tornar-se um movimento sob o controle direto da Igreja. Portanto, o movimento pode ser sustentado pela Estado, ele pode e deve ser numa larga medida ajudado mesmo inspirado pela religião; mas ele não será absorvido nem pelo Estado, nem e pela Igreja. É a família que, em última análise, constitui o impulso do movimento. Temos que permanecer ligados fortemente a esta formula familiar e profissional, senão o movimento perderá todo o seu caráter específico original; e portanto não será mais a escola dos agricultores (NOVÉ-JOSSERAND, 1987 p. 37).

Nessa perspectiva, a escola nasce pela vontade de um coletivo, principalmente dos

agricultores pais e mães de alunos, e é gerida por esse coletivo com preocupações

voltadas ao desenvolvimento sociocultural, mas também político econômico do lugar

onde se situa. Isso implica numa mudança no modo pelo qual a comunidade se

relaciona com a escola, de como os conteúdos são definidos e tratados. Nesse

sentido o currículo é uma construção coletiva, os conteúdos não são definidos de

fora para dentro num processo fragmentado. Trata-se de um arranjo em que todos

se sentem parte integrante da escola. As decisões de pequeno, médio e longo prazo

são tomadas em assembléia, que é o espaço soberano, a instância máxima das

decisões. A participação é real e dentro de um processo de co-gestão. O modo de

gestão dessa escola é diferente segundo o monitor F 7,

Existe a associação regional de pais que se organizam em nível estadual que se chama Rede das Associações dos Centros Familiares de Formação por Alternância do Espírito Santo (RACEFFAES) e a associação local com seu estatuto e com assembléias periódicas que discute e delibera. Todas as escolas ou centros têm a associação que conta com doze representantes que compõem o Conselho Administrativo. Esse conselho gere, estabelece metas, e aprova o projeto político pedagógico do centro e acompanha o trabalho, o projeto e avalia o alcance das metas.

Depois da criação da RACEFFAES um grupo de CEAs colocou em discussão a

questão do incentivo da participação das famílias nos assuntos não apenas

educativos, mas também no próprio fortalecimento da associação. Nesse sentido, os

CEAs públicos do ES se reuniram em 2003, discutiram e estabeleceram em suas

associações alguns princípios de participação da família. Entre eles:

Ser sócio ativo da associação; Conhecer o projeto do CEFFA para o estudo dos seus filhos e dos outros alunos; Decidir e cumprir tarefas no coletivo em nível político e de manutenção; Preparar o projeto CEFFA junto às outras famílias;

159

Ocupar cargo dentro da Associação; Garantir o princípio da gerência na mão do agricultor (Relatório Outubro de 2003, p. 3).

Esses princípios reconhecem a importância da família como parceira em todos os

projetos de formação em alternância no Espírito Santo. Para o monitor F 13 quanto

maior o engajamento da família, maior o impacto positivo no trabalho da escola.

Em minha escola, realizamos um trabalho articulado com a associação dos pais e a comunidade local. O envolvimento das famílias, dos alunos e das organizações sociais locais fortalecem a dinâmica da pedagogia da alternância e as relações interescolares. Os pais participam efetivamente em todas as instâncias da escola. Os pais ajudam na alimentação dos filhos. A associação dos pais ajuda a administrar a escola através do conselho administrativo. No meio externo o papel da família como educadora externa e motivadora é fundamental no CEFFA. Os pais são os verdadeiros parceiros no acompanhamento das atividades externas e dos estágios. Muitos pais e agricultores são mestres de estágio e atendem a diversos alunos. Ainda temos que avançar mais na nossa integração com os outros parceiros. Na verdade, um trabalho que deve ser objeto de construção permanente e integrado à escola (F13).

A intensidade na participação das famílias e de membros da comunidade é variável

de uma escola para outra. Todavia, há casos em que a crise se instala e ocorre a

diminuição da participação das famílias. Quando isso ocorre, é preciso que os três

lados tenham a humildade de sentar juntos e avaliar o que está ocorrendo. Nesse

sentido, a equipe de monitores precisa ser humilde o bastante para ajudar a

articular, abrir espaços e se avaliar no processo (relata um monitor que participa da

formação com os pais no projeto de “Formação dos Pais” no CEFFA onde trabalha).

Mesmo reconhecendo que os pais tiveram um papel decisivo na implantação da escola, percebemos em nosso CEFFA que o papel educativo da família foi pouco a pouco sendo deixado por conta dos monitores. Essa diminuição da participação gerou um efeito negativo ao processo da alternância. Ao perceberem os impactos negativos dessa reduzida participação os próprios pais começaram a discutir junto com um grupo de monitores e levaram o problema para a Associação regional. A (RACEFFAES) que atualmente realiza um projeto de formação das famílias. Eu acho que o plano de formação está funcionando, hoje as famílias se formam para melhor compreender, acompanhar e participar do que se passa no interior da pedagogia da alternância. É por isso que apoiamos o trabalho de formação das famílias que não é a meu ver, um problema só do camponês. Muito daquilo que os pais nos perguntam ou se perguntam durante a formação são levadas aos pais pelos filhos ou filhas que estão estudando e discutindo aqueles temas na escola. Mas não é só isso. As famílias também querem entender de ecologia, de economia, de educação e de novas práticas solidárias. Mas também de novas constituições familiares, novas relações entre pessoas, a sexualidade, o problema das drogas, novos comportamentos, o computador. As novidades que entram no cotidiano como: o celular, a moda, a novela, o funk. (F3).

160

Os tempos mudaram, mudou o modo de acesso às informações, não há modelos a

seguir, receitas a copiar. É tarefa dos pais reinventarem maneiras de educar seus

filhos, o diálogo permanente aliado à busca de informação “encontrando parcerias

solidárias semelhantes aos seus propósitos” (CRUZ, 2004, p. 112). É preciso

repensar a composição familiar ocidental sedimentada em nossas mentes. Noutras

sociedades, mesmo vizinhas, legaliza-se o casamento entre pessoas do mesmo

sexo. Em breve esse será um tema em que deveremos nos posicionar. Será preciso

mudanças significativas nos conceitos e valores arraigados em nossa cultura. E

então, como ficam as certezas num tempo em que as certezas caem por terra?

Para Costa:

Trata-se de um tempo em que são colocadas sob suspeita boa parte das certezas edificadas ao longo dos cinco últimos séculos, ao longo da modernidade. Os sistemas explicativos, as verdades estabelecidas, as metanarrativas, colocam-se sob completa suspeição. Há mudanças radicais não apenas nas formas de pensar sobre o mundo, mas nas formas como o mundo se organiza e funciona, nas formas como ele é gerido, nas formas como o habitamos. As mudanças nos modos de vida decorrentes das novas tecnologias (telemática, informática etc.) indicam transformações, inclusive, nas nossas formas de sermos humanos [...]. Estaríamos radicalmente inscritos na história, em permanente recomposição e reinvenção de nossas identidades. (Costa 2002, p. 149-150).

É tempo de viver a era planetária, em que os novos acontecimentos, fatos e

fenômenos inserem o homem na cotidianidade e na complexidade da vida social, a

novidade chega e passa a fazer parte da vida social com uma rapidez estonteante

(Morin, 2004). As novidades chegam como rápida e simultaneamente. Enquanto se

incorpora uma novidade, outra chega sem intervalo. Um tempo em que o sujeito

“encarnado” do velho espera por um novo que traga mais respostas do que

incertezas ao seu viver.

O processo de ensino-aprendizagem no CEA não é trivializado, isso porque à

medida que se torna objeto de preocupação central do educador. A abordagem

pedagógica está articulada a todo um projeto que envolve princípios inspirados

numa filosofia de educação que tem na sua base a visão do humano. O que se

comprova na fala de um monitor:

Eu já trabalhei em escolas urbanas de redes municipal e estadual. Lá os conteúdos já são predeterminados no livro didático. Ao professor cabe repassar a matéria pedir que façam os exercícios ou deveres e aplicar provas. Quem ficou acima da mínima tudo bem, quem ficou abaixo vai para

161

a recuperação. Como a tal recuperação é mal feita o azar é do aluno e pronto ou então o aluno é promovido sem aprender. O professor se situa num outro patamar e não há diálogo com o aluno e nem com os pais. Os problemas de aprendizagem não são tratados, não há diálogo entre os professores é cada um pra si. Eu não gostava de ser professor e pensava em abandonar tudo. Foi ai que me convidaram pra trabalhar numa escola que utiliza a pedagogia da alternância no Movimento dos Trabalhadores Sem Terra do Brasil o MST. Logo no início me apaixonei e me envolvi me reanimei continuar “professor”. Aqui não se fala na escola isolada mas num bloco de escolas porque fazem parte de um projeto educativo e social mais amplo. Aqui nada se faz no isolamento. Somos chamados de professor e temos algumas diferenças dos CEFFAs e das Escolas Famílias do MEPES. Mas a filosofia participativa com ênfase no comunitário ou no coletivo, a alternância, a abordagem da aprendizagem, a concepção de desenvolvimento local, de agricultura, de ecologia, e do campo são semelhantes aos CEFFAs. (F10).

De acordo com o relato do professor F 10, o trabalho com a pedagogia da

alternância é diferente do modelo de educação predominante no meio rural que

distancia a criança e o jovem do seu meio, seus valores e ignora suas

especificidades. Já na escola da alternância os conteúdos se revestem de

significado para os alunos. O trabalho do monitor nesse processo que trata do

ensinar e do aprender são dimensões criativas, interativas e contextualizadas numa

busca permanente de integração ao contexto. O trabalho do monitor se inscreve no

processo de participação interativa que também é auto-formativo, confirma o monitor

F 8.

Quando comecei a trabalhar com a pedagogia da alternância eu me entusiasmei. Eu fiquei muito empolgado de ver alunos, ex-alunos e os pais participando. Só achava “difícil” as reuniões aos sábados. Eu queria que tudo ocorresse durante a semana. Aos poucos fui percebendo que para a comunidade e os pais dos alunos o sábado era o dia melhor porque dava mais condições aos pais de se reunirem. Então eu tenho reuniões quase todos os sábados na escola.

O trabalho do monitor, ou do educador de um CEA, não é algo mecânico e

desestimulante. Ao contrário, ele se reveste de sentido, pois também é um fazer

constante e criativo. Os saberes trabalhados estão sempre articulados a uma “leitura

crítica” da realidade e sempre contextualizados. O CEA não é uma instituição neutra

e distante dos conflitos sociais.

Nesse sentido, Barros (apud MAGALHÃES 2004, p. 94) alerta que “para pensarmos

diferente do que pensamos, é necessário conhecermos as condições históricas que

nos levaram a ser o que somos hoje, produzindo ruptura nas evidências”. Trata-se

de uma prática pedagógica baseada numa busca constante da problematização da

realidade e processos de produção de sujeitos comprometidos com a transformação

162

de si mesmo e do seu meio social. Esse diferencial é assim percebido pelo monitor

ao afirmar que:

Não estou na escola por acaso, sou ex-aluno e escolhi trabalhar na escola para ajudar no desenvolvimento local, não podemos estar na escola e esquecer de tudo o que ela pode fazer para desenvolver, ajudar as pessoas a crescerem a aprenderem a organizar, a tornarem-se autônomas, para resolverem seus problemas. Meu trabalho nasce do contexto e se volta para ele. Pra mim, desconsiderar o que se passa no contexto onde vive o aluno em alternância é negligenciar ou deixar de lado a sua realidade e abraçar outra que não tem nada a ver com ele. Isso a meu ver não faz sentido. (F3)

Isso demonstra uma prática educativa que considera a realidade como algo não

compartimentado e em constante movimento de construção histórica dos sujeitos do

campo objetivando uma escola.

[...]que contribua para a formação humana, emancipadora e criativa da pessoa; orientada por princípios de justiça e solidariedade. Que assuma, de fato, a identidade do meio rural, não só como forma cultural diferenciada, mas principalmente como instrumento de um projeto de desenvolvimento do campo (SILVA, 2003, p. 243).

A discussão acerca de educação em alternância do campo e o do enfoque

pedagógico dos CEAs nos remete à compreensão dos seus objetivos de formação,

tanto no nível do ensino fundamental quanto no nível do ensino médio profissional.

Se o enfoque da pedagogia da alternância prioriza o contexto, como situar as

práticas pedagógicas em relação às dimensões micro e macro do conhecimento?

Nesse sentido, o monitor do ensino médio comenta:

As notícias que temos do desempenho de nossos ex-alunos e alunas em concursos, de vestibular não são ruins. Mas a preparação para o vestibular não faz parte dos nossos objetivos de formação. Nesse jogo onde não se pode ser neutro, trabalhamos com uma outra filosofia que prima por parâmetros de qualidade numa formação geral e específica com um currículo flexível constantemente problematizado. Acho que não se pode dizer que oferecemos um ensino fraco. Ao contrário, digo com toda a convicção que nosso ensino é intenso, que nosso aluno recebe uma formação qualificada e torna-se mais consciente até mesmo para decidir se quer ou não continuar seus estudos. (F. 12).

Uma educação de qualidade passa pela garantia de acesso aos conteúdos

produzidos historicamente e sua consequente contextualização. Isso é fundamental

para que os trabalhadores do campo possam construir seus projetos, formas de luta

e de desenvolvimento local.

A luta dos trabalhadores do campo, da agricultura familiar, dos pequenos

proprietários, dos assentamentos e da pecuária em pequena escala, tem o seu

163

contraponto nos setores da agricultura patronal, da agricultura e pecuária em larga

escala, de amplo acesso ao crédito. É o setor que domina, não apenas o acesso ao

crédito, mas também as modernas tecnologias de produção, da genética, de

gerenciamento, da produção e de informações do mercado. Nesse processo em que

o saber-poder ou de poder-saber, jogam um jogo dos grandes contra os pequenos.

Também não podemos dissociar educação e política e vê-las como práticas sociais

independentes, pois ambas são faces de um mesmo processo. Em relação a isso,

afirma Barros (1997, p. 210):

Prática pedagógica e prática política não constituem pólos distintos a serem articulados. São práticas que vão se ligando e produzindo no social. Um momento não antecede o outro. O discurso sobre a especificidade do pedagógico reafirma o liberalismo e o tecnicismo pedagógico a que a proposta histórico - critica diz se opor.

O domínio do conhecimento, da tecnologia e da informação está intimamente

articulado ao saber-poder nas relações sócio-culturais, políticas e econômicas. A

luta dos educadores pelos avanços na educação é uma luta pedagógica e política.

Nesse sentido, Frigotto (2001) afirma que a luta da escola, na sociedade capitalista,

é fundamentalmente uma luta pelo conhecimento e da sua articulação com os

interesses de classe. O autor ainda acrescenta que sendo a escola um local de

disputa, a classe trabalhadora (incluindo aí o camponês), tem interesse na qualidade

do saber que se pode desenvolver e veicular através dela e o que se deve discutir é

basicamente é: qual a escola se articula com os interesses dessa classe?.

Basta ver o cotidiano de nosso centro. Nossa abordagem é diferenciada porque o estudante não é tratado como aluno. Também eu não sou um professor. A relação entre os estudantes dentro da política de formação da pedagogia da alternância tem o foco na pessoa em formação, as atividades partilhadas têm a mão e a co-responsabilidade de todos. Todo mundo está envolvido contribuindo nas tarefas de dentro e de fora da sala de aula. Também o aluno em formação vai percebendo que não somos uma escola da exclusão e da reprovação. Aqui se o estudante tem problema de aprendizagem ou algum outro problema, não importa qual, ele não é deixado de lado ( F1).

O CEFFA é uma escola preocupada com a realidade do campo e nela inserimos o

camponês e todo o mais que introduz uma diversidade naquilo, que de modo mais

amplo, chamamos de mundo rural porque hoje “preferimos falar mais de integração

do que de antagonismo entre a cidade campo” (F1). Cada vez mais se percebe que

o camponês não quer se privar de recursos que lhe permitem melhorar a sua

qualidade de vida e também sua sintonia com o mundo mais amplo. O homem do

164

campo se situa cada vez mais ante aos desafios de não ver seus valores e seus

costumes serem devorados ou obscurecidos por valores alienígenas (CRUZ, 2004).

Ao mesmo tempo, ele quer melhores estradas, melhores meios de comunicação,

quer viver em rede, conectado com os outros meios sociais que não os do campo.

Atualmente, o mais simples camponês em qualquer parte do mundo, segundo

Briffaud (1989), não quer o isolamento nem o distanciamento das conquistas

advindas do progresso. A vida conectada ou a vida solidária é uma vida em rede, a

pessoa apóia-se na outra, no coletivo e nos diversos coletivos entre si. Por isso na

Bélgica, Paises Baixos e na França, criou-se uma política pública de promoção da

relação entre os vizinhos.

Segundo Briffaud (1989), são práticas solidárias em que se forma uma espécie de

rede que ao mesmo tempo em que se busca desenvolver práticas de integração e

de qualidade na convivência com o vizinho, se tem também um outro vizinho que

procura fazer o mesmo em relação aos outros, numa atividade circular.86.

Se olharmos práticas da filosofia do cooperativismo incentivado pelas EFAs no

Espírito Santo, perceberemos que essa já é uma prática relativamente conhecida

pelos trabalhadores rurais que tentam organizar-se nos diversos movimentos sociais

do campo: associações, Comunidades Eclesiais de Base, cooperativas e sindicatos

de agricultores, coletivo de mulheres, movimentos de reforma agrária e de

assentados.

Há também outros movimentos de igrejas não católicas voltados para o

desenvolvimento de práticas de difusão de conhecimentos, informações, técnicas e

experiências bem sucedidas, na produção, na comercialização, no estabelecimento

de parcerias na agricultura orgânica, e no cuidado de rios, florestas e em novas

práticas relacionadas ao cuidado de si e dos outros. Encontramos vários exemplos

que podem ser vistos em vários projetos apoiados pelo MEPES, por igrejas, e em

diferentes esferas do poder público municipal ou estadual. Esses projetos, abrem as 86 Na Bélgica onde vivemos por quatro anos, assistimos a uma campanha nacional pelo rádio e pela televisão, com o tema: “dê bom dia ao seu vizinho”. Num programa de rádio (a rádio Bel-RTL), o radialista sempre perguntava: “já deu bom dia ao seu vizinho”? ou “o que você fez hoje para o seu vizinho”? Em que pese a necessidade desse tipo de campanha em sociedades muito individualistas como na velha Europa, onde a densidade demográfica permite sempre ter vizinhos por perto, o que pode, para muitos, não significar nada, destaca-se todavia, a importância de políticas públicas que promovam a integração, a solidariedade e a qualidade de vida.

165

escolas para reuniões de formação; de produção de remédios caseiros; de

distribuição de mudas de plantas, sementes, ervas e plantas medicinais e até para o

cultivo de hortas e viveiros comunitários.

Primeiro forma-se um coletivo preocupado em buscar soluções em conjunto, em torno da idéia de conhecer e utilizar plantas medicinais. Ai vemos a primeira atitude de começar o projeto. Cada comunidade vai dando o seus retoques regionais. Aprende-se muito com isso. Não há como dissociar disso outras práticas solidárias de cultivo, de incentivo ao desenvolvimento da agricultura em pequena escala, que acaba sempre na criação de uma horta comunitária, de pequenas hortas domésticas ou mesmo do cantinho medicinal na casa dessas trabalhadoras rurais. (monitor F 11).

Uma das políticas visíveis em todos os CEAs e presentes no discurso dos diferentes

monitores entrevistados diz respeito à educação para a prática da agricultura não

convencional em que são usados “venenos” e adubos agroquímicos. Ensina-se e

demonstra-se nas visitas de estudos feitas nas propriedades, uma nova postura

diante das práticas que destroem a vida, a natureza e fomentam o espírito do lucro,

da exploração da terra, sem a preocupação com as gerações futuras.

Nesse caso, quando o jovem ou a jovem estudante questiona a postura dos pais

sobre o uso de técnicas nocivas ao meio ambiente, evidencia efeitos do processo

ensino aprendizagem com ele trabalhado. Esse estudante está recriando novas

formas de conceber e intervir no mundo agrícola. Trata-se do desenvolvimento de

uma cultura da resistência à práticas hegemônicas, mas também da abordagem da

natureza que inclui a noção de cuidado.

Acrescentamos o cuidado com o lixo, as garrafas pets, a destinação do óleo usado no trator, da cozinha e até da moto, a destinação dos vidros e das garrafas vazias, das pilhas, a reciclagem e o aproveitamento do lixo orgânico, que não chamamos mais de lixo. Nesse sentido o conceito de destruição do lixo que não é nenhuma destruição, pois, nada se destrói, trata-se apenas de mudar a forma de maltratar a natureza, muitas vezes com a queima de plásticos, óleos e papeis. Então para evitar a palavra destruição em suas várias formas, preferimos substituir o conceito falando de arrumação, organização, reaproveitamento do lixo (F 8).

Trata-se de não fomentar a cultura da obsolescência, do empacotado, da

industrialização. Isso é tido como moderno. Muitos camponeses acabam adotando

uma postura de adoração aos produtos alheios e desprezam os produtos do próprio

meio, tornam-se consumidores de informações e de produtos ligados a uma lógica

alienígena. O indivíduo deixa o lugar de sujeito que lhe é próprio e passa a viver sob

os ditames e os valores impostos pelo grande mercado liberal. Ao negar seu lugar

166

de protagonista e ao tomar o lugar de assujeitado, passa a habitar um outro ideario

de objeto do mercado e do consumismo.

Quando pedimos aos alunos para trazer abóbora, batata doce, mandioca, inhame, frutas e legumes entre outros alimentos, para o seu próprio consumo na escola, eles preferem os produtos industrializados, plastificados porque sentem-se envergonhados de trazer o que produzem nas comunidades e na região. (Afirma o monitor F8).

Diante disso, a família rural não pode congelar os seus hábitos, nem abandoná-los,

deve manter uma postura aberta e refletida sobre a novidade. O trabalho da escola,

envolvendo toda a equipe de monitores, também deve caminhar nessa direção. É

preciso fincar os pés nas raízes das tradições para se construir novos jeitos de

ser/estar no mundo, recriar as “ferramentas” de uso para não tornar vulnerável os

hábitos e costumes do lugar.

Não é só trocar o sapato pelo tênis, o embornal pela mochila, a sacola de pano pela

sacola de plástico, o suco pelo refrigerante. Estamos na era do descartável e do

trocável, tudo está sendo substituído por outro mais industrializado e “moderno”, e

muito mais nocivo ao meio ambiente. Há muita gente no campo e na cidade

entrando adotando a escolha por desinformação e pela intensa propaganda do

consumo.

A formação dos camponeses deve passar pela valorização do que produzem, pelo

desenvolvimento de novas formas de ressignificar seu próprio mundo, sua cultura,

seus costumes, trabalhar sua auto-estima e os valores do campo, inserir-se nas

lutas sociais como sujeitos conscientes e de sua importância como ser humano.

Com relação ao trabalho do monitor e os seus efeitos de aprendizagem, o monitor

F8 após destacar a importância da reflexão, acrescenta que não se pode ficar

somente discutindo, é preciso dar o exemplo. Segundo ele, uma das formas é

demonstrar a sua responsabilidade, o seu compromisso com novas práticas. E diz

“Eu tenho minha pequena propriedade. Nela crio animais, peixes. Eu tenho minha

hortinha e consumo muito do que produzo. Tenho que fazer a minha parte não é”

(F 8).

É importante destacar aqui que a preocupação com práticas de não agressão ao

meio ambiente, com as nascentes, com a agricultura orgânica, com a alimentação,

167

com a criação de animais, com o desenvolvimento local, é antes de tudo uma

preocupação com as gerações, com o coletivo. Traz portando consigo uma

avançada cultura da alteridade.

O monitor F 7 diz:

Participei recentemente de um congresso agro-ecológico. Eu fiquei muito decepcionado e percebi que aqui na escola, estamos muito na frente porque lá no congresso os palestrantes, falavam muito em novas tecnologias, no agrobusness, biotecnologia, no cuidado com o meio ambiente mas tudo concorria para se perceber um novo modo de se ganhar dinheiro com as “novidades da cultura orgânica”. Falou-se até em bio capitalismo, eco capitalismo e eu me perguntava; Como fica as pessoas, o indivíduo, a sociedade, a possibilidade de uma nova sociedade? O foco da nossa proposta de educação agro-ecológica está na integração das práticas ao coletivo. O foco é nas pessoas. A partir dai, ao desenvolvimento de uma cultura da paz e não de uma sociedade fundada nas relações de exploração, no lucro. Procuramos desenvolver uma espécie de eco-democracia.

Nas suas estratégias táticas de vida do/no campo, o camponês sabe que não se

pode negar o coletivo. Ninguém ganha com o isolamento. O camponês de hoje

mudou e vem mudando. Ele quer rapidez, quer encurtar distâncias, quer a melhor

imagem de televisão, a telefonia celular, a internet, as boas vias de transporte para

escoar a sua produção e isso não tem nada a ver com “cultura urbana”.

A interpretação equivocada disso pode levar pessoas do campo a ver o seu meio

social como lugar de atraso, o que pode acabar abalado sua estima e muitas vezes

levá-las a abandonar o campo. Um dos grandes equívocos é pensar que a

proximidade, a rapidez, a estrada asfaltada, o acesso a canais de televisão, a posse

do computador, o acesso à internet, o uso de celular, o trabalho em atividades fora

da roça, são costumes urbanos. Ora, a “desinformação” que leva a tal modo de

pensar e conceber o campo; o meio rural é também uma questão ideológica ligada à

produção social da ignorância e a história que constitui o Brasil contemporâneo; e a

formas instituídas de dominação política e econômica com a consolidação de um

tipo de capitalismo no campo.

O problema do desinteresse do jovem pelo campo é uma questão complexa no

Brasil, e em muitos países que tentam enfrentar e discutir esse fenômeno em

tempos pós-modernos. Esse também é um tema de preocupação das escolas que

trabalham com a pedagogia da alternância não apenas no Brasil, mas também em

vários países.

168

Para Cruz (2004, p. 111):

O trabalho concebido como necessidade natural de efetivar o intercambio material entre o homem e a natureza, [...] e de manter a vida humana (MARX, apud FRIGOTTO, 2002), é parte constitutiva do ser humano, sendo este um direito subjetivo e inalienável. Assim, o objetivo que os alunos e pais devem atingir e não somente estudar a realidade atual, mas também se deixar impregnar por ela por meio do trabalho.

O estudo de Baudoin e Briffaud (1992), apresenta uma pesquisa feita com jovens

filhos e filhas de agricultores na França. De cada 10 jovens consultados 07

gostariam de ir para a cidade e apenas 03 gostariam de ficar no campo. Sobre o

gosto pelo trabalho rural entre os jovens; de cada 10 jovens consultados apenas 02

disseram gostar do trabalho no campo.

Essa difícil missão da escola e da família que forma o jovem para o trabalho precisa

ser objeto de permanente diálogo e de busca de alternativas de ser/ viver no campo.

A família, por um lado, precisa dar continuidade às gerações futuras, proteger o

meio ambiente, produzir a sua alimentação mais saudável, encaminhar o jovem

numa profissão que lhe seja digna e não o massifique. Sobre a questão do

desinteresse do jovem pela vida e o trabalho no campo, diz um monitor:

Acho que há coisas que não sabemos direito como vamos abordar e isso colocamos abertamente para os alunos mas o fato é que não dá pra deixar passar e pronto. Temos que enfrentar. Para mim trabalhar a auto-estima do jovem, os valores éticos, a consciência política estão entre essas coisas. De certo modo é a massificação produzida nos tempos atuais que leva o jovem a ficar desinteressado. Se o aluno não gosta da escola, do trabalho e do campo, temos que primeiro saber o por quê de não estarem interessados e tentar construir meios de formar, se formar e de reconstruir outros valores. Esse é um trabalho da escola em conjunto com a família (F7).

O Brasil sem escolas, o meio rural sempre teve políticas de “produção de ausências”

(CERTEAU, 2001). Nesse sentido, podemos falar de uma política de educação que

produz a desescolarização, que fortalece o latifúndio em detrimento da agricultura

familiar e dos pequenos e médios agricultores. O resultado disso é a exclusão, o

analfabetismo e a criação de pequenas e médias aglomerações urbanas que

abrigam, em sua maioria, os novos pobres expropriados da terra.

O Brasil sem estradas, com políticas de transporte que constrói estradas de ferro e

de asfalto, sistemas de comunicações e rede elétrica para ligar grandes centros

urbanos ou em zonas de alta produção agropecuária e grandes fazendas, ou zonas

de produção de minerais ou mesmo, para destruir florestas de madeira nobre. Por

169

isso a concepção do campo ou do meio rural sem estrada, energia, educação,

serviços de saúde, sem meios de comunicação que não permitem ao camponês

uma vida digna e cidadã é uma concepção distorcida pelo preconceito, pela

produção da desinformação. Integram-se à política das elites à frente do Estado.

Essas políticas deixaram um legado de dois Brasis, que culminou numa sociedade

cindida (PERUZZO, 1994).

De um lado, o Brasil das grandes cidades87 que mantém uma relação centro-

periferia baseada na exclusão, cujos efeitos de pobreza, ausência de infraestrutura e

grandes índices de violência, constituem o verdadeiro Brasil de grande maioria

pobre, portadora do analfabetismo funcional (a mercê do abandono) e do

subdesenvolvimento.

No cotidiano da escola as relações entre o monitor e os alunos é fundada na

autoridade do monitor, mesmo que o monitor não perceba. Se não há sociedade

sem relações de poder, na escola como uma micro sociedade, o monitor tem a

autoridade e necessita dela. Essa autoridade, porém não é baseada nas relações de

dominação é antes um exercício do poder como gerador de afirmação de

subjetividades.

É só não confundir o ambiente de colaboração e de liberdade com libertinagem, nem uma liberdade sem limite. Eu considero uma maneira muito importante de ensinar e de aprender juntos. Estou satisfeito com esta relação, pois a idéia de ter autoridade me dá arrepios. Se defendo a democracia e a liberdade é isto que eu tento colocar em prática. (F3)

È comum escutar do monitor: Minha relação não é baseada na autoridade, mas no

respeito e no diálogo com o aluno. (F8) ou que tem uma relação de autoridade mas,

sem autoritarismo. Eu me torno um colega. Não estou preocupado, pois sou

respeitado sem impor o respeito.(F7)

Os alunos do CEFFA são “bem comportados”, “nossos jovens sabem o que é

normal” (F 9), o que quer dizer que agem da maneira que o monitor aprova, não

manifestando gestos que possam comprometer as regras da escola. A disciplina faz

com que as pessoas não somente façam o que queremos, mas que operem como

queremos (Foucault, 1987). 87 As estatísticas do IBGE (2007), indicam que 84% da população brasileira está nas cidades e 70% da população urbana brasileira, habita nas cidades da costa atlântica. Se incluirmos as cidades de São Paulo e Curitiba que são cidades relativamente próximas da costa. Ou seja, em menos de 30 anos tornamos-nos um país costeiro.

170

Os mecanismos de disciplinamento entram discretamente em jogo para que os

alunos não manifestem comportamentos ou situações que tragam “problemas” para

a escola. Seja os problemas de sala, seja os problemas do conjunto de alunos

noutros lugares, ou os problemas mais caros à desestabilização de um conjunto

historicamente marcado das identidades.

Existe, portanto, um conjunto de regras não escritas, mas que é do domínio do

coletivo e que fazem parte do disciplinamento. Assim, um conjunto de regras

interiorizadas – como não namorar, não fumar, não deixar de cumprir as tarefas, não

se atrasar – e o dever ser cordial, pontual, participativo dentro e fora da sala de aula

refletem um conjunto de regras que determinam o que é normal e o que não é.

Sobre a diferenciação entre lei e norma, Veiga-neto (apud FOUCAULT, 2005, p. 26),

destaca:

Antes que a lei imponha ou proíba pela força explícita, a norma aponta e separa o que é normal daquilo que não o é, ao mesmo tempo em que estabelece os limites toleráveis para os casos desviantes. Como são os discursos científicos que fixam, melhor do que quaisquer outros, essas normas, eles tornam-se também gerais, isso é ao mesmo tempo são apropriados pelo corpo social e dele se apropriam [...]. Nesse sentido os discursos científicos estabelecem, também e até, os critérios modernos para o julgamento moral.

A distinção entre o que é permitido e o que é proibido nas relações entre os sexos

no interior da escola, e intensificada na vida em internato, é fabricada na dimensão

política que as relações escolares abarcam, quando nela se distribuem diferenças

de legitimidade social para o que deve contar na movimentação dos corpos e do

grau de intensidade das interferências discursivas. Dessa maneira:

A questão política se manifesta como decorrente dos diferenciais nas capacidades de cada um interferir nas ações alheias, diferenciais esses presentes em todas as relações que acontecem na rede social (VEIGA-NETO, 2005, p. 26).

Ao falarem sobre o modo de organização da alternância, os monitores procuram

destacar a preocupação de que a escola da alternância é uma escola não

convencional, uma formação que se desenvolve entre dois meios. O modo de

funcionamento da alternância leva em conta a vida ativa do aluno no meio externo.

Constatam-se tentativas de sair da lógica predominantemente escolar. Todavia,

percebe-se que o período passado na escola tem maior importância, tendo em vista

171

as várias dificuldades e limitações para que eles, os monitores, se interem com o

meio de vivência familiar e socioprofissional do aluno.

Aqui na escola o aluno fica o período de uma semana na escola e uma semana no meio familiar. No período de estadia na escola, ele segue um ritmo de funcionamento escolar. No período externo, não temos responsabilidade sobre o aluno que realiza algumas atividades práticas propostas para o período externo. (F2) Nossa escola funciona em regime de internato. Os jovens ficam um período de estudos na escola e um outro período no meio sociofamiliar ou socioprodutivo. Na semana de permanência na escola ou no centro de formação, as atividades seguem um plano elaborado no início da semana. Paralela às atividades pedagógicas, uma série de atividades ligadas ao funcionamento interno são organizadas e distribuídas entre monitores e alunos. (F11) Em nossa escola, o aluno do curso médio profissional tem uma extensa carga horária de estágio obrigatório, um total de 360 horas, haja vista que esses alunos estão em formação profissional. Porém, nós preferimos denominar, ao invés de estágio, de período de atividades com a família. O acompanhamento das atividades externas e/ou estágios não têm sido acompanhadas pelos monitores por falta de recursos econômicos e financeiros da própria escola. Então passamos essas responsabilidades para os pais ou responsáveis. (F13)

A abordagem pedagógica da alternância situa o monitor, e também o aluno, como

atores ativos no trabalho pedagógico desenvolvido no interior da escola. Assim, fala-

se em participação ativa do aluno; no tema gerador; no plano de pesquisa; em

questões provocativas colocadas pelo monitor; em trabalhos em grupo; em

levantamento de opiniões de observações do coletivo; em enquetes; enfim, de

elementos relacionados a um tipo de pedagogia voltada para a ligação entre o que

se passa na realidade do aluno e o que é ensinado por meio dos planos, dos temas

geradores e dos conhecimentos trabalhados na escola.

Eu procuro utilizar de todos os meios que possam trazer a realidade do aluno para

dentro da sala de aula. (F9)

Trabalho com o plano de pesquisa da realidade com socialização em sala de aula. Essa associação é feita a partir de perguntas provocativas dirigidas aos alunos e as atividades de discussão em grupo. Tudo isso a serviço de uma pedagogia ativa na escola. (F7) Começo o meu trabalho a partir de um tema do programa (o que chamamos de tema gerador), indagando os alunos o que eles realizaram, que problemas poderíamos relacionar com o tema gerador da disciplina. Os depoimentos, as questões, as opiniões são muito variadas. Então fazemos um trabalho em grupo para sintetizar e definir os principais pontos a serem trabalhados dentro da minha disciplina naquela semana. (F8) Eu procuro partir dos temas geradores. Os temas geradores surgem após reunião entre todas as escolas da rede de ensino ligadas ao MST. Eles são definidos após a consulta aos alunos, às famílias e às comunidades. Daí desenvolvemos os planos de estudos externos, onde o aluno faz suas pesquisas pessoais e trazem para a socialização em classe. Utilizamos

172

também vários instrumentos didáticos baseados na pesquisa-ação, observação, enquetes na comunidade, participação em atividades externas numa visão de uma pedagogia viva e mobilizante. (F11)

Os monitores concebem os processos de aprendizagem como construção do

conhecimento como algo que vai se acumulando. “A gente pode imaginar a

construção de uma casa onde cada um vai dando sua contribuição”, diz o monitor

(F13). Mas aprendizagem não é apenas restrita à construção; à aprendizagem; é

também à síntese de um processo de problematizar a realidade; de refletir sobre as

experiências individuais, as experiências dos outros, o relacionamento dos

diferentes fatos e situações. Assim, a socialização e a discussão das contribuições

de cada um permitem as trocas, o novo e o enriquecimento dos conhecimentos.

A aprendizagem tem um sentido fortemente orientado para a resposta às

necessidades e o aluno tem um papel de sujeito de sua aprendizagem.

Para mim a aprendizagem tem que partir do particular para o geral e não o contrário. O aluno tem que aprender a pensar, decidir e fazer. Enquanto a escola tradicional se preocupa apenas em aprovar ou reprovar, aqui na escola, quando percebemos que o aluno, a classe não “vai” bem, organizamos uma reunião entre os monitores e decidimos no coletivo como ajudar os mais fracos. (F4) Minha abordagem junto ao aluno consiste em não partir de coisas abstratas, não oferecer esquemas teóricos. Tento criar situações, ir ao terreno, presenciar, colocar a mão na massa. Depois fazemos a ligação com a teoria. É um trabalho que fazemos de modo integrado. (F11)

Trata-se de uma abordagem que prioriza e parte da experiência vivencial. A relação

com o saber nesse caso é focalizada sobre o problema. O método é centrado na

relação educador/educando que não reforça o estatuto normativo pois se apóia no

movimento, na indagação.

O sentido da aprendizagem passa por uma outra dinâmica que permite a

recolocação de novos problemas. A pedagogia problematizadora, no sentido

freireano, articula-se com processos em que se trabalha a realidade, o concreto. O

que possibilita diferentes intervenções, a compreensão e leitura do mundo que é

objeto de transformação e de mudança.

Tenho sempre a preocupação de desenvolver a reflexão a partir das situações concretas, as interrogações, dúvidas trazidas pelos alunos. Para citar o que eu chamaria de situação concreta, eu parto de um exemplo: eu discutia com os alunos a vida social. As diferentes sociedades, os grupos, o trabalho cooperativo, a relação entre os indivíduos. Então eu tomei o exemplo das abelhas e das formigas que são exemplos bem conhecidos dos alunos. Por exemplo: como vivem? O que é uma colméia? Quais são as

173

relações de convivência entre estes insetos e o meio ambiente mais amplo? Dentro das experiências de cada um, escutamos os depoimentos, relações com outros conhecimentos escolares onde os alunos e eu aprendemos coisas novas do cotidiano e do modo de vida das comunidades humanas. Então eu diria que desta forma parte-se do concreto e depois se vai ao abstrato. (F2)

Conceber a pedagogia da alternância na perspectiva da invenção nos remete a uma

filosofia da educação em que o processo de aprendizagem é concebido como

recognição e aprendizagem inventiva. Se no campo da invenção não há receitas

prontas, nem métodos únicos, nada é definitivo, absoluto. Nada está

aprioristicamente garantido (KASTRUP, 1999).

Para mim a aprendizagem tem um sentido. O trabalho pedagógico deve se orientar para a mudança da realidade, deve trazer sempre algo de importante para as pessoas. Para mim uma prática pedagógica descolada da realidade, que não responde às necessidades das pessoas, aos problemas do meio de vida, torna-se simples transmissão e isto para mim é alienação (F1).

Se a aprendizagem desenvolve-se numa lógica diferente daquela preestabelecida

num referencial de programa e que o monitor entra na roda dialógica dos sujeitos

que inventam e reinventam; isso implica a transgressão do papel tradicional do

professor como aquele que se coloca como o centro da aprendizagem. Nesse caso,

os meios pedagógicos utilizados seguem o princípio da metodologia de ensino pró-

ativa. Incentiva-se assim a participação do aluno mediante instrumentos

pedagógicos da alternância, como temas geradores, plano de estudo, pesquisa da

realidade por meio de enquetes, trabalhos de observação da realidade, de execução

e levantamento de experiências vividas. Entretanto, as diferentes falas revelam que

a aprendizagem tenta trabalhar de modo a integrar a relação teoria e prática.

Minha metodologia de trabalho é centrada no aluno. Eu utilizo o método ativo em sala de aula. O aluno é para mim o motor de aprendizagem. É do aluno que partimos: seus conhecimentos e suas experiências, pois é ele quem conhece a sua realidade e suas necessidades. Temos que fazer da sala de aula e da escola um espaço vivo e de construção coletiva do saber. (F3). Minha abordagem metodológica utiliza instrumentos, tais como: pesquisa de campo, relato oral da experiência, relatório sintético sobre fatos. Enfim, atividades que exigem participação do aluno. Temos que considerar o potencial do aluno como alguém que observa o seu contexto, e identifica suas necessidades, elabora questionamentos sobre seu mundo. Ainda no espaço escolar e extra sala de aula temos atividade de aplicação de alguns conhecimentos práticos. (F4)

Os processos que potencializam a participação do aluno desafia o papel do monitor

como mediador de situações que possibilitem que os sujeitos se afirmem num

174

coletivo em que todos agem como criador de caminhos. Ressalta a chamada

aprendizagem circular na qual é impossível hierarquizar. O monitor torna-se

acompanhador, é prudente e usa a cautela necessária para não tomar espaços de

expressão e criação de novas performances. O monitor tem consciência da dinâmica

das relações de poder, ou seja, o poder que enaltece a autoridade pode ser

transformado no poder que afirma práticas de circulação do discurso, de exercício

da alteridade e de multiplicação de autores de discurso.

A semana escolar começa com a revista do caderno de acompanhamento. Isso é feito em sala de aula. Em seguida, divididos em grupos, os alunos fazem a colocação em comum das atividades externas realizadas através do plano de estudos. Dedicamos boa parte do primeiro dia para reunirmos os representantes dos grupos para apresentar a conclusão de cada grupo. Em seguida, discutimos com toda a sala e efetuamos a síntese que é copiada por todos os alunos. As atividades prosseguem com as disciplinas, laboratórios, visita de estudos, atividades de educação física, serões, trabalhos de limpeza das dependências da escola, trabalhos na fazenda da escola e lazer. No fim da semana, preparamos as atividades de alternância externa. (F5)

Se não há alternância integrativa sem um plano de ação, um projeto coletivo que

envolva todos os diferentes sujeitos da escola (GIMONET, 1999), a pedagogia da

alternância deve ser concebida como uma pedagogia do projeto, ou seja, nela

diferentes projetos educativo e/ou formativos se mesclam pois, o projeto do aluno se

articula ao projeto da escola. Não se trata portanto de projetos desarticulados.

Todavia, questionamos: qual é o espaço de manobra da escola para não sucumbir a

processos de desmobilização, descaso, sucateamento que sufocam o trabalho da

escola e repercute no trabalho do professor?

Eu trabalho seguindo as linhas diretivas e ideológicas do MST. Tenho pouco espaço de autonomia. Na verdade, pouco se decide dentro da escola. Acrescenta-se ainda falta de sustentação econômica do Estado. Em resumo, há mais interferência externa e isso enfraquece a autonomia da escola para decidir sobre sua problemática, suas questões econômicas e seus problemas pedagógicos. (F1)

O fato de se ter um projeto não basta é necessário estratégias de ação que apontem

para a autonomia, gestão participativa. Quando esses princípios são desrespeitados,

por quem quer que seja, é preciso reerguer novas bandeiras de luta. Cada CEA

insere-se num dado contexto vivencial e esses centros educativos não são a prova

de crises.

Não trabalho dentro de um projeto explícito. Eu digo que há um projeto implícito com uma lógica compartilhada pelos monitores, mas desvinculadas

175

da família. Acho que as coisas precisam ser mais bem definidas. Por exemplo, as escolas não têm um diretor, isso às vezes atrapalha quando o assunto é hierarquia, autoridade, assinaturas de declarações, conta bancária, enfim, acho que temos que explicitar um projeto, os papéis, os objetivos, prioridades, e isto ainda não faz parte da nossa prática na escola. (F13) Aqui nesta escola não existe um projeto institucional ou pedagógico, explícito como dizem por aí. Mas não dá pra pensar a pedagogia da alternância sem metas coletivas que orienta uma certa direção. É como um plano de metas. Em minha disciplina, eu e os alunos procuramos trabalhar juntos. A unidade dos monitores tem sido difícil, temos problemas de convivência entre nós mesmos e isso de certo modo deixa cada um com sua disciplina entende? (F5).

Cada questionamento precisa ser entendido em relação ao seu contexto, não há

questões universalmente válidas, nem respostas a serem universalmente copiadas.

Também não há universos fechados, problemas sem novas perguntas, criações que

não podem ser recriadas, significações que não podem ser ressignificadas. Para

isso o trabalho em rede dos CEA ajuda a buscar alternativas antes não

experimentadas.

Nesse sentido, encontrar uma escola, um centro que se fechou em si mesmo e

prefere não ouvir, não buscar alternativas, não compartilhar seus problemas e

simplesmente deixar acontecer?. Assim, volta-se a práticas do cada um pra si,

abandona-se o projeto da escola ou a oportunidade de fazê-lo, espera-se que o

governo faça alguma coisa, ou que as soluções de uma crise venham de fora sem

comprometer os sujeitos?. Ora, atitudes como essa não tem nada a ver com uma

escola que se organiza dentro dos princípios de uma pedagogia da alternância.

Pensamos que a escola precisa rever urgentemente seu projeto e interrogar-se

sobre seu modo de gestão, suas relações internas e externas, e buscar caminhos de

um trabalho edificante que passa pela superação dos atuais problemas com o

reencontro urgente das bases de gestão coletivas construídas pelos diferentes

sujeitos e protagonistas da escola.

Processos de gestão coletiva ou co-gestão de co-engendramento, interação em

todos os sentidos e processos de negociações vivos e contínuos. “Sujeitos em

equipe alteram o rumo reversível (e não irreversível) de seu isolamento, de um

processo fragmentado, individualizado, marcado pela competição e quebra das

alianças coletivas. Sujeitos com maior autonomia, co-responsáveis” (BENEVIDES de

BARROS; BARROS, 2007 p. 18).

176

Com relação ao saber, o monitor não é portador soberano do saber. Ele é portador

de um importante saber formal. Suas experiências portam uma visão mais ampla do

mundo (condição oficial para ser monitor). Sua autoridade é reconhecida pelos

alunos, mas seu trabalho é exercido com o objetivo de levar o aluno a partir de sua

realidade a refletir e a exprimir suas conclusões.

Já que o saber não tem dono e já que o saber das pessoas também pode constituir saberes importantes para o meu trabalho, então eu estou num ambiente onde eu e o aluno podemos criar e não apenas repetir o que já está estabelecido no currículo. (F 10) Tenho uma prática de respeitar os conhecimentos, e os valores da cultura das pessoas. Por isso, eu os tomo como principal ponto de partida para começar uma formação capaz de permitir ao aluno vislumbrar seu futuro, de ser alguém que desenvolve sua curiosidade de buscar o conhecimento. (F4) O currículo da escola tradicional estabelece o que é conhecimento válido: é o que consta na grade curricular. Não considera o saber ou os saberes aprendidos da experiência, trazidos pelas pessoas. Você age como se outros saberes não existissem. Aí, sem diálogo, não há espaço para outros saberes. Olha, o trabalho com a pedagogia da alternância nos possibilita ver o outro lado, partir do ponto inverso e mostrar que não apenas há outros saberes também significativos, como também a possibilidade de se dialogarem. (F6)

Ao perguntar a cada um dos monitores sobre a maneira de tratar os diferentes

saberes, constatamos uma polarização das falas no sentido de dar maior

importância ao saber informal. Para os monitores, o saber formal é concebido como

o saber dos livros.

Para mim o saber formal perde o seu lugar quando trabalhamos com os saberes experienciais, como: noções de espaço e tempo, relações sociais, economia, cultura local, conhecimento da natureza e da vida e história local. (F8)

Sem deixar de considerar os conhecimentos aprendidos da vida escolar anterior, os

monitores destacam a importância do saber elaborado a partir das experiências

vividas. Esses saberes devem dispor de um lugar central como ponto de partida e de

chegada. A escola é vista como o lugar de formalização de novos saberes. O

monitor (F10) destaca também o saber informal como ponto de partida e também de

chegada. Ele é um ponto de passagem na relação prática versus teoria. Nesse

sentido, ele afirma:

Eu sigo a teoria de Freire, que nos aconselha a partir dos saberes anteriores, da dimensão empírica, do cotidiano das pessoas. Eu tento nos momentos de trabalho prático na escola fazer uma ligação com o saber formal. O conhecimento vindo da experiência de vida dos alunos é a mais rica fonte de aprendizagem. Vivenciamos freqüentemente situações “onde” não é necessário buscar uma relação com o saber formal. (F10)

177

O saber não-formal é composto de experiências pessoais e coletivas, de saberes

vindos da tradição cultural (história, valores, hábitos e crenças) e de informações.

Esse saber é aprendido no decorrer da vida. A relação entre os diferentes saberes é

baseada na simples associação entre teoria e prática; essa ligação não se dá de

modo efetivo.

Existe uma compreensão de que a teoria é uma coisa e a prática é outra coisa. O

trabalho do educador consiste em colocar uma para dialogar com a outra. Um

conceito de teoria e de prática diferente da perspectiva foucaultiana que, segundo

Veiga-Neto (2005), não são duas coisas ou coisas separadas.

Procuramos partir das situações problemáticas. Não colocamos nunca a teoria na frente. A teoria nos serve para explicar, compreender e enriquecer nossa prática. Assim, devemos integrar a teoria à prática. Por exemplo, para trabalhar a história dos primatas e das sociedades pré-históricas, nós partimos dos fatos concretos: a família, a comunidade, diversos grupos sociais, etc., do contrário, o aluno terá dificuldades de compreender e de fazer associações mais complexas. (F5)

Procuro em sala de aula relacionar o saber com o fazer. Acho que esta integração é

difícil, pois freqüentemente paramos no fazer. (F2)

O trabalho em equipe entre os monitores é regular e ocorre nas atividades teóricas e

práticas, visto como algo essencial no modo de funcionamento da alternância

integrativa. Isso reforça a coesão interna entre os monitores e permite as trocas

entre as diferentes disciplinas do programa.

O trabalho dos educadores na escola é um trabalho em equipe. Isso está de acordo com os próprios monitores e também com as diretrizes do MST. Na equipe, temos espaço de aprendizagem do coletivo, realizamos trocas de idéias, tiramos dúvidas, nos organizamos melhor e isso nos torna mais solidários. Somos uma família. (F10)

O trabalho em equipe é essencial na viabilização do trabalho interdisciplinar e do

ensino de qualidade.

A equipe pedagógica se constitui um grupo estratégico. Seu trabalho influencia na qualidade do funcionamento da alternância. O trabalho em equipe consegue integrar os diferentes monitores, de diferentes disciplinas, que interagem e isso ajuda na aprendizagem do aluno. (F12). As reuniões de organização do trabalho em equipe “ao nível” dos monitores contribuem com meu trabalho, pois essas reuniões têm mais o objetivo de organizar a vida escolar, decidir e planejar as visitas de estudos, discutir problemas da escola. Isso permite um trabalho de modo que a minha disciplina fique ligada a um tema central ao que chamamos de tema gerador. (F13)

178

Minha filosofia de trabalho na escola é centrada no trabalho em equipe. Na equipe realizamos trocas de experiências, colaboramos e recebemos colaboração. Colocamos os problemas e organizamos o nosso trabalho pedagógico. (F5) Fazemos um trabalho de educação na escola com o enfoque voltado para o desenvolvimento sustentável do mundo rural. Nosso trabalho em alternância não é bem aceito pelas autoridades do sistema educativo oficial. Somos uma escola inserida em um meio social difícil, conflituoso, mas também marginalizado porque somos ligados ao movimento nacional dos trabalhadores sem terra. Nós lutamos por uma reforma agrária verdadeira. Então todos os meus alunos pertencem à família de trabalhadores rurais que lutam por um pedaço de terra. Temos dificuldade em estabelecer parcerias externas. (F9).

A prática discursiva dos monitores evidencia elementos de uma pedagogia da

transformação. Isso reforça o discurso da pedagogia da alternância como uma

pedagogia que intervém nos processos de mudança social. Isso porém não bastaria

para considerá-la uma pedagogia da transformação

A defesa de uma educação que não ignora o contexto, que ao contrário, volta-se a

ele, a relevância dada à participação do/no coletivo, a participação do monitor em

todos os eventos, não apenas os intra-escolares, mas também naqueles em que se

estende o espaço de ação da escola (extramuros) da alternância. Essa participação

concebida como essencial para os monitores entrevistados, inclusive para alguns

deles defendida como militância, evidencia um caráter de uma pedagogia que

ultrapassa o âmbito pedagógico alcançando outras esferas do agir humano. No

interior desse movimento dialógico que exige a interação entre diferentes agentes

escolares e os não escolares, a co-responsabilidade, a partilha do saber e do poder.

Exige também uma outra abordagem de ambos que aponta para a produção de

novos sujeitos que se auto-produzem e se movem, criadores de novos modos de ser

e de estar no mundo. O discurso dos monitores da alternância parece, todavia,

permanecer num nível ideal não concretizado nas práticas discursivas dos

educadores da alternância. Eis um dos desafios de tornar a pedagogia da

alternância uma pedagogia edificante.

A escola da alternância carrega dentro de si uma não escola (PINEAU, 1999). As

práticas discursivas dos educadores não apresentaram elementos que fortalecem a

alternância pedagógica demonstrando que as práticas estão demasiadamente

circunscritas ao interior da escola. Se um dos elementos de força da alternância é a

pedagogização do/no espaço extra-escolar, o discurso dos monitores precisa ir mais

além e considerar a estadia fora da escola como período espaço-temporal que

179

dialoga, interpela, se interpõe ao que se passa no interior do escola. A pedagogia da

alternância está também naquilo que faz caducar a escola intramuros. Ela desafia a

escola a sair de dentro de si e a interagir com o mundo exterior quebrando seus

muros e acontecendo conjuntamente. Anuncia, assim, uma outra escola que ajuda a

inaugurar novas alternativas de escola/educação e sua relação com o mundo. Esse

desafio da alternância como uma pedagogia não escolar está posto aos monitores.

Reconhecendo que uma pedagogia que não considera a interdisciplinaridade, que

não a insere num projeto de ser e estar no mundo é uma pedagogia sem futuro. A

interdisciplinaridade destacada como uma abordagem do saber necessário ao

desenvolvimento da pedagogia da alternância apontada como necessária ao

trabalho interno desta pedagogia não pode ser tratada isoladamente de sua

dimensão mais ampla a transdisciplinaridade. É a transdisciplinaridade que convida

para a transgressão do disciplinar e que ultrapasse o interdisciplinar. Um elemento

ainda desconcertante nas discussões da escola que quer no hoje iniciar o amanhã.

Alternância para o desenvolvimento e o desenvolvimento da alternância é um

caminho de mão e contramão que vem sendo percorrido pelo ensino em alternância

no Brasil. Parece todavia, ser de grande atualidade o que Nosella (1977) e

Rodrigues (1999) alertaram: a alternância não é nem pode ser tomada como uma

pedagogia pronta, importável e exportável. Venha de onde vier ela não possui um

modo de usar. Qualquer tentativa de colocá-la acima da história, contexto cultural,

dos valores e das tradições regionais pode converter-se num erro grave. A

pedagogia da alternância somente ganha valor quando re-apropriada criticamente e

reinventada pelos atores locais.

O trabalho em equipe é indispensável, enriquecedor e estimulante, mas corre o risco

da mistificação. A mistificação do coletivo, da equipe, não pode obscurecer o

individual, o sujeito não pode perder a condição do sujeito e tornar-se um

assujeitado. Não há uma concepção única de alternância no ES e muito menos no

Brasil.

180

8 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Abordamos nossa problemática de pesquisa por três ângulos complementares: no

primeiro ângulo foi feita uma abordagem a partir do contexto de produção discursiva

e a sua influência sobre as práticas discursivas em alternância; no segundo ângulo,

uma abordagem examinando se as diferentes produções discursivas sistematizadas

acerca da alternância, a integração entre os agentes, a metodologia, a relação entre

os sujeitos e a articulação da dimensão teórico-prática evidenciam elementos de

reprodução ou de diferenciação na pedagogia da alternância. E finalmente, no

terceiro ângulo, uma abordagem interrogando, a partir do discurso dos educadores

do/no ensino em alternância, se as práticas discursivas contribuem para uma

pedagogia do presente.

As análises dos dados expressos no discurso dos educadores e seus respectivos

agrupamentos nos permitiram assinalar que as diferentes práticas pedagógicas dos

monitores são ligadas ao contexto sociopolítico, econômico e cultural dos atores.

Assim, o modo de alternância foi desenvolvido sob formas específicas, cuja

constituição está relacionada às condições históricas, econômicas e políticas vividas

pelos atores em cada contexto. Destacamos também pontos críticos ligados às

concepções de aprendizagem, de alternância, de educação, de modos de

organização e de funcionamento, ao papel atribuído aos monitores, às abordagens

pedagógicas, aos papéis atribuídos aos atores internos e externos que merecem

interrogações, mas que também merecem uma análise cautelosa, visto que a todo

momento corremos o risco de nos remetermos a modelos, formas e limitações no

nosso próprio discurso de “analisador” de uma prática discursiva em movimento.

Em virtude dessas afirmações, apontamos várias considerações que no presente

nos levam a pensar e a criar pensamento. Como diz Foucault (apud EIZIRIK, 2004),

a provisoriedade dessas considerações afirma o sentido de movimento e sua

circularidade. As práticas discursivas na pedagogia da alternância são produzidas no

hoje, para responder o movimento existencial e porque não dizer também

“resistencial” do presente. Nesse sentido apontamos alguns desequilíbrios nos

modos de funcionamento da alternância, na mediação de seus dispositivos

pedagógicos, nos tipos de papeis desenvolvidos pelos monitores e na relação

181

pedagógica no interior e exterior da escola.

Os monitores centralizam os dispositivos pedagógicos da alternância e dão

primazia ao modo de organização escolar que tem sua base no modo de

organização e funcionamento intramuros da instituição. Há um desequilíbrio

entre o papel interno e a secundarização do papel externo dos monitores que

passam incessantemente de uma atividade à outra nas numerosas atividades

internas das escolas: reuniões, aulas, (os serões para as escolas em internato),

visitas de estudos no exterior, trabalhos na propriedade agrícola da escola,

atividades de aplicação de saberes e de limpeza, e arrumação dos espaços de

uso quotidianos de educadores e estudantes.

O desequilíbrio entre esse ativismo interno e externo parece incompatível com

as exigências do desenvolvimento pedagógico da escola da alternância. Nessa

escola o monitor é, sobretudo, um profissional da educação que tem que estar

ciente da dedicação ao aspecto pedagógico da alternância. O deslocamento

provocado pelo ativismo do modo de organização da escola em desfavor de

uma alternância pedagógica, não pode produzir a inversão dos papéis. O ser

menos educador e mais um “faz de tudo” produz uma secundarização ou

trivialização daquilo que se pode constituir numa prática discursiva

efetivamente voltada para um trabalho de qualidade da pedagogia da

alternância.

Ligado ao desequilíbrio acima apontado está a repartição do tempo em

períodos de 50% na escola e 50% no meio exterior, o que permite somente aos

alunos mudarem de meio, ritmo e atividade. O processo alternante vivido pelos

alunos e seus contextos tem uma característica muito diferente daquela dos

monitores. Ao permanecer na escola o monitor não muda de contexto, ritmo,

nem de lógica espaço-temporal, enquanto o aluno parte para o meio externo.

Para o monitor há uma mudança apenas de público com a alternação de

turmas na escola. O monitor vivencia uma alternância diferente daquela dos

alunos, com suas especificidades e peculiaridades, algo que dificulta, segundo

as afirmações dos próprios monitores, a ação externa dos educadores. Decorre

dessa situação que o monitor não consegue cuidar ou cuida precariamente dos

alunos externos e acaba priorizando os alunos que estão na escola.

182

À unanimidade os monitores declaram que na escola da alternância se trabalha

demais. Há necessidade de mais monitores para dividir tantos afazeres do

cotidiano do CEA. Não estaria na hora de se repensar o modo de organização

da alternância? Por que a homogeneização da experiência de uma semana na

escola e outra no exterior? Por que não pensar em alternativas largamente

desenvolvidas em CEFFAs de outros países? Isso poderia influir na tentativa

de equalizar um outro problema: a carência de profissionais (monitores) da

escola.

No que tange às relações entre a escola e o meio externo, os diferentes relatos

não parecem pôr os monitores em posição de força. Há falta de meios, de

recursos humanos e de estratégias específicas da alternância como uma

pedagogia da/na relação escola-meio. O projeto da escola da alternância tem

mostrado suas fragilidades no que diz respeito ao acompanhamento do aluno

durante os períodos de permanência exterior à escola. No meio externo, resta

muito a fazer em termos de acompanhamento, de criação de condições

efetivas para fazer funcionar uma real pedagogia da alternância, nos termos de

que trata Geay, (1994) e Gimonet, (1998).

O papel educativo externo dos monitores evidencia essa fragilidade. Dessa

maneira, a “ajuda” das famílias no processo torna-se uma forma de

imediatismo, dando lugar ao “cada família faz o que pode” ou o que é possível

fazer, sem nenhum projeto com linhas claras de integração entre a escola e a

família. Examinando as diferentes modalidades de alternância, principalmente

aquelas não integrativas, que além de se organizarem em torno de um único

pólo, dicotomizam também a relação teoria-prática numa espécie de pseudo-

alternância, indagamos: se a família representa um dos pilares da filosofia de

educação da pedagogia da alternância é então necessário que os monitores

revejam, com urgência, os fundamentos de suas práticas para superarem

práticas discursivas que excluem ao invés de incluírem.

Enfocando ainda a relação com o meio externo, vemos que o modo de

funcionamento da alternância que obriga o monitor a se dedicar quase

exclusivamente à organização interna da escola não favorece a integração

entre os monitores e os agentes externos, por exemplo: as famílias, as

183

comunidades, empresas, cooperativas, sindicatos entre outros. Interroga-se

sobre as possibilidades de se desenvolver uma pedagogia de parceria sem

uma agenda das atividades externas, sem um tempo previsto na carga horária

do monitor para as atividades de acompanhamento externo. Sem as condições

propiciadoras, sem um tempo assegurado, torna-se difícil desenvolver uma

efetiva parceria num contexto de relações, de diálogo e de interesses

diferenciados e, portanto complexos.

Uma outra consideração se refere ao número de monitores temporários

contratados que vem aumentando progressivamente nos últimos anos, paralelo

à diminuição de monitores efetivos das escolas. Isso faz parte de uma política

de governos estaduais e municipais, e configuram o modo pelo qual os

diferentes governantes tratam as questões da educação no nosso país.

Todavia, nas escolas da alternância o impacto dessas políticas de

sucateamento é maior e mais grave. O quadro só não fica pior devido ao fato

de as escolas da alternância trabalharem com diferentes formas de

colaboração chamadas de parcerias, no modo de organização e funcionamento

da instituição, na gestão coletiva das atividades internas da escola. Isso tem

feito a diferença. Mas até quando essa situação criticada pelos próprios

monitores perdurará?

O conceito de parceria, termo muito comum na linguagem dos monitores, faz

parte da política da pedagogia da alternância. Mas o que significa parceria

quando as práticas são confundidas com a simples colaboração? A grande

maioria dos monitores não tem em conta a complexidade do conceito como a

co-responsabilidade, a partilha do saber-poder, o aproveitamento das

diferentes potencialidades dos diferentes parceiros. Enfim, as parcerias

mencionadas nas falas dos monitores é mínima e restringe-se ao trio monitor

pais e alunos. O que não é suficiente nem coerente com os princípios da

filosofia dos CEAs mencionados neste trabalho.

No que tange ao papel da família no processo educativo, alguns monitores

questionaram o nível de engajamento das famílias. A pedagogia da alternância

praticada com os camponeses no Brasil é na maioria dos CEAs (dentre eles: os

CEFFAs, as EFAs, os CFRs, CdFRs), ancorada na família, mas se de um

184

lado, os monitores ocupam um demasiado espaço em todo o processo

educativo, inclusive ocupando o espaço das famílias, do outro os mesmos

monitores criticam a não participação da família no processo. Eis ai uma

contradição à medida que os próprios monitores fazem o discurso da inclusão,

mas na realidade, não facilitam a participação efetiva e autônoma das famílias.

Se as famílias são parceiras, é necessário que elas se façam presentes em

todo o processo de formação. Nesse caso, se as condições sociopolíticas e

estruturais de exercício das atividades se concentra nas mãos dos monitores,

como garantir a participação efetiva das famílias? É necessário que se discuta

a “ausência”, ou a falta de “engajamento” das famílias a partir do ângulo da

resistência a formas de poder que aponta a luta por novas formas de exercê-lo

na pedagogia da alternância.

No que tange à formação do monitor se converge a idéia de que a formação

inicial deve ser acompanhada da formação continuada dos educadores em

alternância. Esse pensamento se constitui unânime entre os monitores. Porém,

a falta de formação inicial e, em diversos casos, continuada dos monitores dos

CEAs indica pontos de fragilidade que deveriam estar no centro das

preocupações dos gestores e ordenadores das políticas de formação dos

educadores da alternância. A formação inicial e continuada dos monitores é

uma exigência do presente.

Os desafios da formação inicial e continuada vão ao encontro da questão da

relação entre a produção acadêmica na área da alternância e o seu acesso por

parte dos monitores. Um problema que precisa se tornar objeto de discussão

local, regional e nacional com iniciativas que coloquem ao alcance dos

monitores o conhecimento produzido na área, para que os educadores possam

compartilhar e se apropriar de uma literatura pertinente à pedagogia da

alternância e aos problemas vividos pelas práticas educativas do campo.

A abordagem pedagógica da pedagogia da alternância tem a sua base nas

pedagogias ativas, emancipatórias, pós-construtivistas, e outras leituras das

tendências pedagógicas que apontam para as lutas e os embates que buscam

mudar, transformar a realidade. Os relatos permitiram-nos considerar o

185

conjunto das práticas influenciadas das pedagogias construtivistas, nas quais a

primazia da produção individual ou coletiva do saber tem um sentido mais

importante do ponto de vista pedagógico do que o consumo de informações.

Para além do construtivismo, as diferentes experiências de aprendizagens e

vivências são, em certa medida, objeto das discussões e das problematizações

da própria educação em alternância. Essa percepção e modo de tratar a

aprendizagem na pedagogia da alternância nos levam a considerar a

aprendizagem como produção de saberes e de valores vinculados às

necessidades da sociedade local.

É necessário levar em conta o contexto (a realidade vivida) dos alunos, os

estudos pessoais e coletivos, o reconhecimento dos saberes, as discussões e

interações entre os alunos e entre os monitores. Tudo isso destaca uma

abordagem da aprendizagem que permanece aberta. Isso nos parece um

ponto de força e um potencial de inovação na pedagogia da alternância.

Considerações acerca dos pontos de força das práticas discursivas da/na

pedagogia da alternância.

Nos diferentes relatos desta pesquisa, uma grande

importância é dada ao trabalho em equipe entre os

formadores e os estudantes, na interação social e na

socialização das experiências entre os alunos, destacando-

se uma filosofia de socialização do saber e do saber-fazer no

interior da instituição. Essa filosofia que subjaz o trabalho em

equipe em todos os níveis, com os conteúdos emergentes do

meio dos estudantes e centrados numa perspectiva de

abordar o saber como inacabamento e em constante

evolução, evidenciam práticas de diferenciação e não

reprodução na pedagogia da alternância. Portanto,

elementos de uma pedagogia do presente.

A aplicação de diferentes instrumentos metodológicos,

186

sempre tomando como ponto de partida o "plano de estudo"

e a "colocação em comum". A partir da “colocação em

comum”, a maneira de tratar os outros instrumentos, os

temas, e o modo de conduzir as disciplinas são semelhantes

entre as escolas. Todas as falas, porém, demonstraram que

mesmo desenvolvendo instrumentos diferenciados, a

preocupação com a aprendizagem está ancorada na

problematização e na busca de compreender o mundo

partindo do próprio contexto.

Um conceito de educador (o monitor) com um papel de

acompanhamento dos estudantes. A abordagem diferenciada

do processo ensino-aprendizagem, o processo educativo que

se movimenta em direção à mudança, a experiência do

coletivo como exercício do político destaca-se como inovação

na pedagogia da alternância.

Um ponto de forte consideração na pedagogia da alternância

está na questão metodológica. Assim, uma metodologia em

que a função do monitor é a de estar junto, que efetivamente

desempenha o papel de mediador das relações propiciadoras

de reflexão, de diálogo de acesso ao conhecimento que

representa uma via importante de superação das abordagens

pedagógicas tradicionais centradas no professor.

O ensino ou a formação é compreendido para além de uma

perspectiva da simples transmissão. O monitor não detém o

saber para transmiti-lo aos alunos. Não há um programa

fechado a ser seguido de maneira inflexível. A aprendizagem

tem um sentido fortemente orientado para a mudança das

pessoas e do meio.

187

Outros pontos a destacar

As práticas pedagógicas em alternância no contexto estudado pressupõem a

existência de divórcio entre os saberes formal e não-formal. Os livros e os

textos são tratados, de modo secundários, tal é a força dada ao saber não-

formal. O risco nesse caso é o da mistificação ou do superdimensionamento do

saber do senso comum e em contrapartida o subdimensionamento do saber

formal. Qualquer tentativa de priorizar uma das duas formas fortalece a falsa

dicotomia entre essas duas formas de saberes.

A questão da prática-teoria ou teoria-prática vista como aspectos diferentes no

discurso dos monitores, precisa ser superada por um discurso que ultrapasse a

dicotomia. Isso sim, numa linha edificante, pode possibilitar novos caminhos de

uma abordagem que não trate a relação teoria e prática como dicotomias.

Na alternância pedagógica, altera-se o olhar do outro. A abordagem da

aprendizagem está voltada para as relações de alteridade. Nesse caso,

abandona-se a lógica das prescrições, desenvolve-se objetivos, projetos, novas

relações e papeis diversificados. A pedagogia da alternância com sua

especificidade pedagógica destaca-se como uma abordagem preocupada com

a articulação das relações entre os dois meios e se abre a novos modos de

ser/estar no mundo.

Entre os treze formadores entrevistados, apenas um (o monitor F1) enunciou

claramente a existência de um projeto político pedagógico e a sua importância

como orientador dos objetivos a atingir na organização e na condução do

conjunto das atividades da escola onde atua. No entanto, ainda que os outros

monitores não tenham mencionado a palavra projeto pedagógico ou político,

pode-se perceber a sua existência porque as práticas relatadas o

demonstraram: uma maneira de conduzir e os objetivos a atingir. Uma

formação geral por meio de disciplinas que obedecem à legislação nacional e

uma parte que concebe uma educação ligada à realidade rural. Existe, por

conseguinte, um projeto implícito, qual seja o projeto da pedagogia da

alternância.

Encontramos diferenças entre as expectativas dos monitores em relação ao

188

papel dos pais. Por exemplo, os que subestimam o papel dos pais,

considerando-os simples extensão do monitor em casa: "zelar para que os

alunos possam fazer os deveres sem erros, os trabalhos externos" (F 5). Há,

porém, na maioria dos casos, os que consideram os pais como portadores de

conhecimentos vindos da experiência, enfim, possuidores de conhecimentos

não escolares para ensinar às crianças, aos jovens. Isso evidencia a

necessidade de se ampliar a discussão do papel educativo dos pais e co-

educativos de outros agentes sociais ante a novas abordagens dos saberes na

pedagogia da alternância. Na esteira dessa discussão está a

transdisciplinaridade.

A transdisciplinaridade é uma atitude filosófica ante ao saber humano e

articula-se a uma abordagem não positivista do conhecimento e uma abertura

ilimitada aos múltiplos saberes não formalizados, sobretudo aqueles vindos do

saber popular e da tradição. O caso registrado nesse estudo, trata-se de uma

consideração inovadora dos saberes do homem do campo. Essa atitude

presente no discurso dos monitores é também expressa na metodologia da

alternância principalmente no instrumento denominado “plano de estudo”. Isso

remete a uma abordagem específica da questão não prevista em nosso

objetivo de pesquisa. O que ao nosso ver exige um estudo específico.

Hoje os CEAs, os CEFFAs e as EFAs, enfim, as escolas que trabalham com a

pedagogia da alternância tendo obtido o reconhecimento através de lei do

Conselho Nacional de Educação, não conquistaram ainda a valorização por

parte do Estado. A valorização é bandeira de uma outra luta ainda a ser

travada pelas diferentes escolas que trabalham com a pedagogia da

alternância e passará sem dúvida, por discussões acerca da formação e do

papel do educador. Uma discussão polêmica que se anuncia, pois o nome

“monitor” não é um nome consensual no próprio interior dos CEFFAs, nem vem

conquistando espaço na literatura pedagógica acerca da formação do professor

no Brasil.

A escola da alternância no Brasil jamais se beneficiou de facilidades, e

participa das dificuldades semelhantes às de outras instituições que lutam por

democracia, direitos civis e educação do camponês. O problema do baixo

189

salário, do atraso, da instabilidade profissional e da precariedade de recursos

financeiros mostra que o projeto da pedagogia da alternância se fortalece na

adversidade, apesar das dificuldades a nós relatadas e daquelas que

conhecemos, porque não estamos distantes e sem diálogo com as escolas e

principalmente com os monitores, evidencia a resistência ou re-existência

dessa escola.

Os formadores assinalaram várias vezes o problema da idade dos alunos e

indicaram motivações e abordagens pedagógicas diferenciadas. Eles têm uma

idéia de uma aprendizagem que evolui com a idade. Verifica-se, entretanto que

os instrumentos da pedagogia da alternância são adaptados mais a uma

metodologia de formação de jovens e de adultos. Por conseguinte, os

estudantes que têm mais de 14 anos são mais adaptados a essa metodologia,

a essa modalidade pedagógica. Isso a nosso ver deveria suscitar o debate

sobre a pedagogia da alternância no Brasil, pois, as experiências educativas

vêm se multiplicando justamente junto ao público infantil e pré-adolescente e é

junto a esse público que a pedagogia da alternância vem se expandindo em

grande escala no Brasil. A escola da alternância abre suas portas para um

público que precisa de educação escolar, que quer estudar e habitam em

contextos em que o estado e as políticas públicas de educação não se fazem

suficientemente presentes.

A questão que se coloca, então, está na urgência de se discutir sobre o público

alvo da escola da alternância principalmente, mas não exclusivamente o

público infantil e pré-adolescente independentemente da presença ou ausência

de políticas públicas no meio rural ou em qualquer outro lugar. Outros estudos

acerca da alternância principalmente na Europa, demonstram que a educação

em alternância não é uma modalidade educativa que se desenvolve apenas

junto aos adolescentes e aos jovens camponeses, mas também aos jovens e

adultos do meio urbano.

Todos os formadores do CEA entrevistados são originários da mesma região

onde se encontra a escola; são também ex-alunos. Não há dados suficientes

para afirmá-lo com segurança, mas esses critérios parecem fortemente

considerados para ser formador num CEA. O relato dos formadores (F2), (F4) e

190

(F6) vai nesse sentido. A esse respeito, o formador (F2) considera um ponto

positivo porque conhece as pessoas, as suas línguas nativas e os seus

problemas; vive na comunidade e conhece as suas necessidades. Os CEAs

parecem não abrir mão desse critério de valor ético.

O conceito de desenvolvimento contido nas entrevistas evidencia o

desenvolvimento humano e social e seus efeitos nas políticas locais. Passador

(2003) e Queiroz (2004 e 2006), vêm estudando esse tema: os efeitos dos

pequenos projetos de desenvolvimento sustentável de um assentamento, de

uma comunidade, de uma família. Os estudos dos efeitos de desenvolvimento

local e regional e sua articulação com iniciativas de educação e formação são

elementos que não apenas reforçam as iniciativas dos projetos educativos em

alternância no Espírito Santo, mas são indicadores de significativo interesse

para se pensar em novas políticas educativas.

Não existe uma pedagogia da alternância em forma de modelo ou tipo ideal.

Pensamos que não existe a priori, modelos pedagógicos no campo da

alternância. Com efeito, é o desenvolvimento da alternância que primeiro os faz

existir. A eficácia e a importância de uma iniciativa educativa em alternância

pertencem aos protagonistas locais. Por isso não existem modelos universais e

eficazes de alternância. As formas educativas são objeto de constante re-

apropriação crítica e construção histórica em cada cultura.

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