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PRATICAS PEDAGOGICAS NO ENSINO SUPERIOR: ESTAGIO INTERDISCIPLINAR,FORMAÇÃO POR COMPETÊNCIA E CULTURA DIGITAL O artigo discute o ensinar, o aprender e avaliar com metodologias inseridas na cultura digital. Selecionamos três práticas de docentes universitários em que a reflexão, o trabalho colaborativo e a expressão criadora são eixos para que a aprendizagem ocorra. As autoras analisam três experiências exitosas em que elementos da cultura digital estão presentes, discutindo a presença do portfólio digital, da construção colaborativa em rede e da criação de animações em práticas docentes em cursos de graduação e de pós- graduação na área da saúde, nas licenciaturas, serviço social e gestão de negócios. O referencial teórico se baseia em autores como Eisner, Freire, Fullan & Hargreaves e Vygotsky dentre outros, e nas pesquisas das autoras. As tecnologias digitais integradas às práticas apresentadas no artigo são de acesso gratuito. Os resultados encontrados nas práticas relatadas sugerem que a presença das tecnologias digitais nos processos de ensino e aprendizagem baseadas em critérios negociados a priori de maneira ativa e participativa abrem espaço para o repensar não apenas das aulas mas da construção do planejamento e no currículo delineado pelo curso. Outro dado levantado é que ensinar e aprender na cultura digital não necessariamente precisa de grandes investimentos em tecnologias digitais de informação e comunicação para tornar possível a construção colaborativa de um processo de aprendizagem significativa. Ao trazer o relato das três experiências realizadas no Ensino Superior para discutir o ensinar, aprender e avaliar com metodologias ativas inseridas na cultura digital, espera-se contribuir com as reflexões com relação à importância da integração das tecnologias digitais às práticas pedagógicas de maneira significativa, crítica e que esteja a serviço da promoção da aprendizagem. Palavras-Chave: Ensino Superior, Metodologias Ativas, Cultura Digital XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 3739 ISSN 2177-336X

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PRATICAS PEDAGOGICAS NO ENSINO SUPERIOR: ESTAGIO

INTERDISCIPLINAR,FORMAÇÃO POR COMPETÊNCIA E CULTURA

DIGITAL

O artigo discute o ensinar, o aprender e avaliar com metodologias inseridas na cultura

digital. Selecionamos três práticas de docentes universitários em que a reflexão, o

trabalho colaborativo e a expressão criadora são eixos para que a aprendizagem ocorra.

As autoras analisam três experiências exitosas em que elementos da cultura digital estão

presentes, discutindo a presença do portfólio digital, da construção colaborativa em rede

e da criação de animações em práticas docentes em cursos de graduação e de pós-

graduação na área da saúde, nas licenciaturas, serviço social e gestão de negócios. O

referencial teórico se baseia em autores como Eisner, Freire, Fullan & Hargreaves e

Vygotsky dentre outros, e nas pesquisas das autoras. As tecnologias digitais integradas

às práticas apresentadas no artigo são de acesso gratuito. Os resultados encontrados nas

práticas relatadas sugerem que a presença das tecnologias digitais nos processos de

ensino e aprendizagem baseadas em critérios negociados a priori de maneira ativa e

participativa abrem espaço para o repensar não apenas das aulas mas da construção do

planejamento e no currículo delineado pelo curso. Outro dado levantado é que ensinar e

aprender na cultura digital não necessariamente precisa de grandes investimentos em

tecnologias digitais de informação e comunicação para tornar possível a construção

colaborativa de um processo de aprendizagem significativa. Ao trazer o relato das três

experiências realizadas no Ensino Superior para discutir o ensinar, aprender e avaliar

com metodologias ativas inseridas na cultura digital, espera-se contribuir com as

reflexões com relação à importância da integração das tecnologias digitais às práticas

pedagógicas de maneira significativa, crítica e que esteja a serviço da promoção da

aprendizagem.

Palavras-Chave: Ensino Superior, Metodologias Ativas, Cultura Digital

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

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PRÁTICAS DOCENTES NA CULTURA DIGITAL EM INSTITUIÇÕES DE

EDUCAÇÃO SUPERIOR

Martha Prata-Linhares (UFTM)

Cristina Zukowsky-Tavares (UNASP)

Resumo

O artigo discute o ensinar, o aprender e avaliar com metodologias inseridas na cultura

digital. Selecionamos três práticas de docentes universitários em que a reflexão, o

trabalho colaborativo e a expressão criadora são eixos para que a aprendizagem ocorra.

O artigo discute a presença do portfólio digital, da construção colaborativa em rede e da

criação de animações nas práticas docentes. O referencial teórico se baseia em autores

como Eisner, Fullan & Hargreaves e Vygotsky dentre outros, e nas pesquisas das

autoras. As tecnologias digitais integradas às práticas apresentadas no artigo são de

acesso gratuito. Ao trazer o relato das três experiências realizadas no Ensino Superior

para discutir o ensinar, aprender e avaliar com metodologias ativas inseridas na cultura

digital, esperamos contribuir com as reflexões com relação à integração das tecnologias

digitais às práticas pedagógicas.

Palavras-chave: Ensino Superior. Metodologias ativas. Cultura digital.

1 INTRODUÇÃO

A presença das tecnologias digitais nos ambientes de aprendizagem sejam eles

em salas de aula virtuais ou presenciais em muitos casos ainda é um desafio aos

professores. Os motivos são diversos passando por dificuldades com a infra estrutura

das instituições de ensino superior (IES), currículos rígidos, ou até mesmo pela ausência

de formação para integrar as tecnologias de informação e comunicação (TIC) em suas

práticas ao ensinar e avaliar.

A intenção desse artigo é discutir experiências exitosas em que elementos da

cultura digital estejam presentes. Assim, trazemos três relatos: o primeiro é a respeito da

construção de um e-portfólio no processo de estudo e vivência dos saberes docentes

com pós-graduandos na área da saúde tendo como eixos norteadores a reflexão, criação

e a inserção na cultura digital; o segundo relato trata da adoção da construção do

conhecimento com a utilização do trabalho colaborativo em uma das disciplinas de um

curso Lato Sensu e o terceiro é a criação de animações de massinha de modelar com

alunos de cursos de Licenciaturas e do Serviço Social com a perspectiva da presença da

expressão criadora como mola propulsora da aprendizagem.

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2 O e-portfolio no processo de construção de saberes docentes

O cenário desse relato foi a disciplina de Formação Didático Pedagógica em

Saúde ministrada pelo Centro de Desenvolvimento do Ensino Superior em Saúde –

CEDESS da Universidade Federal de São Paulo, que tem como objetivo a preparação

dos pós-graduandos para o exercício da função docente. A disciplina propõe uma

reflexão crítica do papel da docência no ensino da saúde em consonância com o atual

contexto de políticas de saúde e educação. Com este objetivo, pretende que os pós-

graduandos tenham uma visão ética e humanística do relacionamento professor-aluno

desenvolvendo atributos para que o professor possa se engajar com novas práticas

educacionais no contexto do atual cenário político-educacional. As estratégias de

ensino–aprendizagem utilizadas compreendem uma diversidade de práticas como mapa

conceitual, mesa redonda, trabalho em pequenos grupos, estudo de casos, exposição

dialogada e nesse relato o destaque foi o e-portfólio.

Optamos por descrever e refletir sobre essa prática uma vez que a mesma se

mostra como uma alternativa para a construção de saberes docentes e foi utilizada pela

pesquisadora como principal ferramenta de formação no período de dois anos com os

pós graduandos em saúde. Nesse relato em especial o trabalho foi construído com um

grupo de 30 pós-graduandos de diferentes áreas da saúde.

O processo iniciou com uma sensibilização introdutória e caracterização da

estratégia de ensino e avaliação. No entendimento de Belair e Van Nieuwenhoven

(2012) o desencadear de processos formativos na área educacional com o portfolio

reflexivo podem se reportar a duas funções distintas: a utilização do portfolio para fins

de certificação ou mesmo de promoção profissional e no contexto de formação ou

desenvolvimento profissional. No caso do relato em curso optamos pela segunda

função. O trabalho reflexivo contínuo com o portfólio pode ser construído acionando

plataformas físicas ou digitais de interação, acionando trabalhos individuais ou

coletivos. Nossa opção nessa experiência foi com o trabalho coletivo no cenário virtual.

O e-portfolio foi utilizado como uma ferramenta agregadora de experiências e

vivências com diferentes estratégias de ensino no ambiente digital. Um processo crítico

- reflexivo fundamentou cada documentação processual, registrando como aconteceu a

apropriação de competências pedagógicas/docentes.

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Tudo começou no primeiro dentre dez encontros que completariam 60 horas de

atividades presenciais e à distância na elaboração do e portfolio coletivo de formação. À

princípio a partir do conceito de portfolio foram negociadas coletivamente a estrutura

dos registros, e acordados os critérios de avaliação. Os critérios apontaram a

organização em torno dos itens estabelecidos fomentando produções de qualidade com

o devido fundamento nas reflexões e a construção processual para alimentar o diálogo e

favorecer o feedback. A primeira escrita foi realizada pelos pós graduandos destacando

fragmentos da sua história de vida: “quem eu sou, minhas escolhas profissionais e de

pesquisa, porque estou aqui e minhas expectativas com relação ao curso de formação

didático pedagógica”. As autobiografias foram incorporadas na introdução do e

portfolio o que já estabelecia um vínculo e pertencimento do pós graduando no espaço

em que poderiam exercer protagonismo e autoria. Cada um dos dez encontros

presenciais priorizou saberes da docência em diálogo com os grupos destacando

temáticas como: a constituição do ser docente em saúde, o planejamento educacional, o

currículo e suas interfaces, teorias da aprendizagem e ambientes colaborativos on line, a

ética em sala de aula, o papel das estratégias de ensino, das tecnologias de informação e

comunicação e a avaliação educacional. O processo de construção do e - portfólio

compreendeu também uma avaliação parcial e pontual em um dos encontros por meio

da ferramenta Grupo de Verbalização e Grupo de Observação (G.V.G.O.) em que

verbalizaram suas estratégias de construção do trabalho coletivo, acrescida de uma

avaliação interpares e um registro conclusivo do processo de formação docente.

O e-portfolio facilita a interação entre estudantes e professores, redimensionando

tempos e espaços, permitindo a inclusão de uma nova forma de conceber e agir ao

ensinar tendo em vista o objeto do conhecimento que se tem em foco. Atualmente, o

ensino e a aprendizagem não estão circunscritos ao trabalho dentro de determinado

espaço físico, nem restritos apenas a uma única forma de registro. A interação face a

face pode ser combinada com a educação à distância e provocar mudanças que

abrangem os agentes educacionais no Ensino Superior. Isso implica repensar

inicialmente o pequeno espaço da sala de aula, presencial ou à distância, acionando

variadas linguagens. Ensinar, aprender e avaliar no espaço digital implica na construção

, avaliação e expansão de interfaces em ambientes digitais, páginas da web, em que os

participantes seguem pesquisando textos, vídeos, imagens, áudios, recebendo e

enviando novas mensagens, sintetizando aprendizagens, aprofundando dilemas e

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caminhos para a abordagem e resoluções de problemas, discutindo questões em fóruns

ou em salas de aula virtuais (LOUREIRO e ZUKOWSKY -TAVARES) O e-portfolio

possibilitou respostas a novos desafios para o ensinar e aprender de forma ativa e

contextualizada com a prática docente ou profissional em diferentes áreas do

conhecimento.

Ao escolher o Blogguer (Figura 1) como o formato de interação on line para o e-

portfolio dos cinco grupos da turma (foi definido que teríamos um endereço de cada

“blogfólio” no formato de um hiperlink que foi acessado apenas pelos integrantes da

turma e seus professores). Tínhamos acordado também que todos os pós graduandos em

formação além de colaborarem com os seus registros reflexivos deveriam visitar os e-

portfolios de outros colegas e tecer comentários.

Figura 1: Página introdutória do e - portfolio de um dos grupos no Blogger

É interessante observar como uma equipe descreve os bastidores de suas ações

de formação que denominaram como “making off das ações”. Falam do processo e

percurso de aprendizagem que os acompanhou:

“Desde o primeiro dia de curso, nos reunimos e fizemos o seguinte acordo: TODOS NÓS

IREMOS NOS DEDICAR E PARTICIPAR DAS ATIVIDADES ATÉ O FIM! Foi uma das

frases que marcou cada um de nós e desde então tivemos a certeza que chegaríamos ao final

desta trajetória com louvor. Inicialmente criamos duas formas de comunicação em grupo:

email e whatsapp (A Figura 3 exemplifica esse tipo de diálogo intermediário) Nos dividimos e

cada integrante ficou responsável por reunir todos os “resumos” e formar um único texto que

agrupasse a opinião de todos. Desta forma, pudemos sempre somar informações. Cada um de

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nós tem um perfil: mais descritivo, mais reflexivo, mais teórico...enfim! Concluímos que, o

fato de cada integrante fazer o seu próprio “resumo” foi uma experiência bastante rica. Não

podemos deixar de dizer que nós nos consideramos o grupo mais heterogêneo e mais

atarefado!! Temos horários completamente diferentes, mas acima de tudo, NÃO TEMOS

HORÁRIOS LIVRES. As nossas diferenças se complementaram, a falta de tempo de todos

motivou um ao outro para que tudo desse certo!” (Grupo 3)

Já outra equipe destaca:

“A comunicação constante foi muito benéfica, pois entre nós nos incentivávamos, discutíamos,

tirávamos dúvidas, oferecíamos diferentes pontos de vista e surgiam novas ideias” (Grupo 5).

O envolvimento continuo com o objeto da aprendizagem, a possibilidade de

fazer uso do e portfolio para construção das aprendizagens e vivenciar um modelo de

avaliação alternativo baseado nos critérios negociados a priori de maneira ativa e

participativa abre um espaço para o repensar não apenas das aulas mas da construção do

planejamento no qual se insere e no currículo delineado pelo curso a fim de que se

estabeleça coerência no desenrolar das ações:

A construção dos processos ensino-aprendizagem e avaliação em

ambientes digitais representam um forte estímulo para repensar o

currículo como um todo e o sistema de avaliação que se deseja tendo

em vista prosseguir com a utilização de metodologias mais ativas e

problematizadoras no ensino. Dessa forma “novas metas educacionais

continuarão a emergir, e o processo de crítica e reflexão sobre o que é

importante aprender, e como isso pode ser avaliado autenticamente,

precisa ser institucionalizado e curricularmente planejado”(

RIDGWAY, McCUSKER. E PEAD, 2004, p.4)

Os estudantes registram debates e construções ocorridas em classe e ampliam o

referencial de leitura e estudo (Figura 2) sistematizando-os com metáforas, imagens,

pesquisas, gráficos, mapas, links, vídeos, o que dinamiza o ensinar, aprender e avaliar.

Figura 2: Registros da aula sistematizados no e portfolio e expandidos com

outros referenciais de estudo.

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Um dos grupos concluiu os registros no e-portfolio relatando:

Diante do que nos foi apresentado durante essas duas semanas de ensino inovador em

pedagogia e saúde, pudemos repensar os velhos modelos aos quais estávamos habituados e

perceber um horizonte que se abre para avanços, sem repudiar os paradigmas que nos

conduziram até aqui. (Grupo 4).

Buscando romper com modelos tradicionais de interação professor aluno na

construção e avaliação de aprendizagens podemos ressaltar “ a legitimidade de alternativas

mais abertas e mais dinâmicas como é o caso da implantação de portfolios reflexivos” (SÁ-

CHAVES, p.19, 2004)

Os pós-graduandos em saúde se inseriram na cultura digital de forma criativa e

reflexiva. Ressaltamos que o e- portfolio, permeado pelo trabalho colaborativo favoreceu a

construção de saberes docentes, dentre eles a própria capacidade de avaliar e redirecionar

ações em percurso.

3 Construção de conhecimento de forma colaborativa: acionando metodologias

ativas pelo uso da internet

Atualmente o ensino superior passa por uma grande turbulência no que tange às

questões de utilização de metodologias ativas para propiciar uma aprendizagem

significativa. Este relato traz uma experiência em programa de pós-graduação Lato

Sensu de um curso em Gestão de Negócios, em uma instituição particular na cidade de

São Paulo. Esse curso se desenvolve no período noturno, com profissionais com no

mínimo três anos de experiência profissional.

O currículo do curso é novo e está em andamento há dois anos, é um processo

que está em construção. A proposta do curso é que os alunos sejam co-construtores do

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currículo e do processo ensino aprendizagem em cada disciplina. Nessa perspectiva

procura-se trazer o trabalho colaborativo para a sala de aula, com aulas que façam

sentido para o seu dia a dia de trabalho e que eles possam construir novos

conhecimentos a partir dos já instalados, de forma compartilhada e colaborativa.

Entendemos por trabalho colaborativo sendo aqueles que, segundo Parrilla

(1996, apud ARNAIZ, HERRERO, GARRIDO e DEHARO,1999) todos os

componentes de um grupo compartilham as decisões tomadas, e são igualmente

responsáveis pela qualidade do que é produzido conjuntamente, conforme suas,

possibilidades e interesses.

Dessa forma no processo colaborativo, ao trabalharem juntos, os membros de

um grupo se apoiam, visando alcançar os objetivos comuns, que foram coletivamente

negociados, estabelecendo relações de liderança compartilhada, confiança mútua e

corresponsabilidade pela condução das ações.

Segundo a literatura, Vygotsky (1989) é um dos autores que embasa um grande

número de estudos voltados para o trabalho colaborativo nas escolas. Vygotsky

argumenta que esse tipo de atividade realizada de forma conjunta propicia vantagens

diferenciadas que não estão disponíveis na aprendizagem individualizada. Aqueles que

dela participam alteram seu aprendizado, modificando seus processos de pensamento,

pois são mediados pelos relacionamentos com os demais membros do grupo, gerando

novos modelos referenciais que servirão de base para novos comportamentos,

raciocínios e para os significados que damos às coisas e pessoas.

Para os estudiosos Alvares e Del Rio (1996) aquele que aprende toma

emprestado de forma gradativa, os modelos de seus interlocutores mais capacitados

podendo dessa forma ultrapassar seus limites.

Sendo assim o processo de construção conjunta de um novo conhecimento ou

ampliação de um já existente aumenta o processo de motivação, comprometimento, de

construção de significado e ressignificação, contribuindo para a aprendizagem dos

alunos e para minimizar a reprovação.

Entretanto para que essa construção colaborativa ocorra existe a necessidade de

uma transformação na forma de atuação dos professores, eles devem sair do centro do

processo de aprendizagem para atuarem como orientadores, mediadores desse processo.

Segundo Norwicks e Daniel (1997) esses profissionais enfrentarão dificuldades a partir

de dois parâmetros principais complementares e inter relacionados: a) engajamento

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ativo, que se refere à forma como os professores propiciarão as oportunidades de

aprendizagem de qualidade; b) nível de tolerância: diz respeito aos limites dos desafios

que os professores conseguem enfrentar.

Fullan e Hargreves (2000, p.xi) defendem a conciliação de dois tipos de

atividades: as individuais e as grupais, pois uma sem a outra limita o potencial trabalho

dos professores e alunos, é necessário que haja uma interação entre ambas as

modalidades.

Voltando à experiência no programa de pós-graduação ressaltamos que um dos

propósitos é trazer as metodologias ativas para os processos de aprendizagem dos

alunos. Assim, esse programa tem em sua proposta que os alunos sejam protagonistas

de seu processo de aprendizagem e que os professores atuem como mediadores do

processo de aprendizagem, organizando os temas juntamente com os alunos, e

selecionando os tópicos essenciais que devem estar nos processos de pesquisa sobre os

temas selecionados conjuntamente e presentes nos painéis, seminários, e outros.

Essa experiência ocorreu numa das disciplinas do programa, na qual todo o

processo de construção da dinâmica do componente curricular foi realizado em grupo

tendo o professor como o mediador do processo de aprendizagem, com atividades

coletivas e individuais selecionadas e programadas conjuntamente.

O curso tem uma proposta de ensino híbrido e as atividades presenciais são o

espaço em que se planeja as etapas da pesquisa dos temas a serem trabalhados. O

professor orienta o processo tanto nas atividades presenciais como nas atividades à

distância. Durante o percurso do curso os grupos apresentam seus temas para os demais

colegas, para receber a contribuição de todos. Ao final da disciplina os grupos

apresentam seu trabalho, com analises críticas, comparativas e gerando cenários

possíveis para um futuro desdobramento, além de construírem um artigo de forma

coletiva.

Esses artigos são compartilhados com todos os grupos, encaminhados para a

revista da instituição para serem selecionados e futuramente publicados.

Para a realização desse trabalho os alunos utilizam tecnologias digitais presentes

na internet, na web 2.0 como TWIKI, e Google DRIVE. É uma maneira de ensinar e

aprender que não há necessidade de grandes investimentos em tecnologias digitais de

informação e comunicação para tornar possível a construção colaborativa de um

processo de aprendizagem significativa.

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4 A criação de animações de massinha de modelar com alunos de cursos de

Licenciaturas e do Serviço Social: um processo que tem a expressão criadora como

mola propulsora.

Um dos desafios dos docentes que lecionam para as turmas dos cursos de

Licenciatura e do Serviço Social é buscar a aprendizagem de seus alunos com práticas

que vençam a provocação do cansaço que muitas vezes supera o interesse dos alunos

que realizam esses cursos. As atividades dos cursos são desenvolvidas no período

noturno e seus alunos em grande parte são trabalhadores que realizam seus cursos

depois de uma jornada de trabalho.

Ao perguntar para um grupo de alunos da disciplina “Tecnologias de informação

e comunicação na aprendizagem de Química” de uma universidade pública a respeito de

como eles gostariam que fosse o espaço da sala de aula de seu curso eles responderam

que gostariam que fosse “um espaço diferente”, que “o professor tem que ser diferente”,

que gostariam de ter “mais liberdade”, “mais conforto na sala de aula”, “internet o

tempo todo”, “tecnologias digitais disponíveis e ao alcance de todos” e “trabalho em

grupo”. Ao serem indagados sobre o que seria esse “professor diferente” eles

explicaram que era o professor que saía da frente da sala de aula e o espaço diferente

estava relacionado a não ser uma sala de aula com carteiras enfileiradas, mas sim com

algumas estações de trabalho e mesas para trabalhos em grupo. A liberdade estava

relacionada a ser livre na sala de aula para locomover e aprender de maneira diferente.

Quando trabalhamos trazendo a criação de animações para fazer parte das

aprendizagens dos alunos percebemos que o espaço da sala de aula se aproxima da

perspectiva apontada pelos estudantes da Licenciatura em Química. A aproximação,

além de estar na presença das tecnologias de informação e comunicação e de um

docente que sai da frente da sala de aula e vai ao encontro dos alunos que trabalham ora

em grupos ora individualmente em carteiras não enfileiradas, está também na palavra

liberdade.

O sentido que damos à palavra liberdade é o de permitir e incentivar no

estudante a curiosidade em detrimento à memorização mecânica do ensino dos

conteúdos, não tolher a sua criação e “capacidade de aventurar-se” (FREIRE, p. 24,

1998).

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Na expressão de Harrison & Hummel (2010) as animações são uma

apresentação rápida de uma sequência de imagens estáticas que criam a ilusão de

movimento (Fig. 3). Elas podem ser uma maneira criativa e divertida de contar estórias

e contribuir para a construção de conhecimentos. De acordo com Silva (2007) temos

registro da presença dessa linguagem como recurso para abordar temas da área de saúde

já na segunda década do século XX com o considerado pai da animação Winsor McCay

no vídeo de 6 minutos, “A história de um mosquito” em que conta a história de um

mosquito gigante que atormenta um homem dormindo. Porém da época de McCay para

os dias de hoje muita coisa mudou e a chegada das tecnologias digitais de informação e

comunicação transformaram a nossa realidade e cada vez mais estamos imersos em uma

cultura digital. Assim, além de assistirmos à filmes em salas de cinema, também temos

acesso às essas produções em praticamente qualquer lugar com os dispositivos móveis,

por exemplo. Porém, o mais importante é que não somente temos a possibilidade de

acessar esses conteúdos digitais, mas também podemos ser criadores de conteúdos

digitais.

Em pesquisas recentes Prata-Linhares, Bossler, Caldeira (2014,2015) mostraram

que a experiência na Universidade Federal do Triângulo Mineiro com a criação de

animações proporciona um processo de aprendizagem em que a criatividade e a

ludicidade estão presentes junto a um processo de re elaboração de conhecimento.

Afirmam que enquanto os alunos criam histórias, modelam os bonecos, imaginam os

cenários e os movimentos em cena, os cursistas “expressam-se quanto aos conceitos e

representações da realidade, podendo revelar incertezas e enganos relacionados aos

conteúdos e conhecimentos” (p. 80, 2014). Há uma promoção do diálogo em um

processo de reflexão e análise crítica.

Figura 3: Animação Los Hermanos, Curso do Serviço Social UFTM, 2013

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=pL4nnkvrkEU

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Sendo uma linguagem artística, a animação está inserida no campo das artes e as

funções cognitivas do seu processo de criação também podem ser ressaltadas nas

palavras de Einsner (2002, p 9) ao afirmar que “As funções cognitivas da arte incluem

as mais sofisticadas formas de soluções de problemas imagináveis através dos mais

nobres vôos da imaginação” .

Um aspecto a ser ressaltado é que apesar de ser uma prática que necessita das

tecnologias digitais de informação e comunicação, a criação de animações pode ser

realizada fora de contexto urbano, com dispositivos móveis digitais para tirar fotografias

(celular ou máquinas fotográficas digitais) e acesso a um computador para a edição do

filme. A experiência se mostrou exitosa mesmo em ambientes com poucos recursos

tecnológicos (PRATA-LINHARES, BOSSLER, CALDEIRA, 2014,2015).

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

As práticas relatadas têm aspectos relevantes para serem pensados ao planejar

metodologias para aprendizagem e avaliação em cursos do ensino superior: o trabalho

colaborativo, a reflexão, a expressão criadora e a inserção da cultura digital. Outro dado

que pensamos ser importante é que as tecnologias digitais integradas nas práticas

apresentadas são de acesso gratuito, bastando somente ter internet disponível.

Assim, ao trazer o relato de três experiências para discutir o ensinar, aprender e

avaliar com metodologias ativas inseridas na cultura digital, esperamos contribuir com

reflexões com relação à integração das tecnologias digitais nas práticas pedagógicas.

Apoio financeiro: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq).

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3750ISSN 2177-336X

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DESENVOLVIMENTO DE COMPETÊNCIA PROFISSIONAL EM

CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO LATO SENSU: UMA EXPERIÊNCIA

INOVADORA

CECILIA GAETA

[email protected]

Cecilia Gaeta,

Marcos T Masetto

Resumo.

Em tempos de intensos questionamentos sobre a formação profissional no ensino

superior, nos propomos, neste texto, a apresentar e discutir uma experiência pedagógica

diferenciada: a criação e a realização de um curso de pós-graduação lato sensu cujo

currículo se estruturou para o desenvolvimento profissional por competência. A

elaboração do curso buscou responder ao questionamento sobre como desenvolver uma

formação eficaz que atendesse às expectativas de especialização e de atuação

competente na área específica de “Administração e Organização de Eventos”.

Pretendiamos também, superar duas modalidades de ensino: (i) centrado na transmissão

de conteúdo específico ilustrado por algumas visitas técnicas e estudos de casos; ou (ii)

organizado com algumas atividades isoladas/pontuais de desenvolvimento de

competências. Neste contexto elaboramos uma proposta baseada no “currículo por

competência”, estruturada em dois eixos: (i) construção de acervo de conhecimento

específico utilizando metodologias inovadoras; (2) vivências em situações de

aprendizagem profissionais. Justifica-se esta opção a partir de uma concepção de

competência que assumimos e que foi refinada a partir de estudos bibliográficos de

Sacristan, Perrenoud, Le Boterf, Roldão, Santos, Fleury e Zabalza para definir “quem é

o profissional competente e o que diferencia suas ações”. Em nosso entender o conceito

de competência está intrinsecamente relacionado à ação eficaz: um profissional

competente mobiliza, critica e sinergicamente, recursos que permitam a eficacia em

uma intervenção.

Ao final da experiência ficamos gratificados ao constatar a viabilidade de

desenvolver processos educacionais baseados em situações de aprendizagem

didaticamente organizadas para o desenvolvimento de competencias na pós-graduação

lato sensu. Verificamos também a eficiência de aprendizagem e da preparaçao

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profissional ao envolver os alunos paulatinamente em situações reais e proprias de sua

area de atuação.

Palavras chaves: desenvolvimento de competência, pós-graduação lato sensu,

formação de profissionais.

Introdução.

No contexto de mudança que estamos vivenciando, muito se tem discutido sobre

a formação de profissionais no ensino superior para que possam atender às demandas do

mundo atual. Inserido nesta discussão estão os cursos de pós-graduação lato sensu que

têm em seu propósito atualizar e especializar profissionais para atuação qualificada no

mercado de trabalho. A partir deste panorama consideramos pertinente apresentar e

refletir sobre uma experiência educacional diferenciada: o planejamento e implantação

de um curso de pós-graduação lato sensu com o objetivo de especializar profissionais do

trade turístico especializado na área de eventos.

Este projeto originou-se dos recorrentes comentários de alunos de que, ao final

do curso anteriormente ofertado, se sentiam despreparados para uma atuação

competente. Nosso primeiro diagnóstico, ao analisar o currículo do curso de

especialização que vinha sendo oferecido, apontou a estrutura curricular disciplinar e a

metodologia de transmissão de informações e estudos de casos com professores

“profissionais da área” como insuficiente para atender `as expectativas dos alunos

Apresentou-se então o desafio que norteou nossa pesquisa: como reorganizar o

currículo de um curso de pós-graduação lato sensu para profissionais da área de Eventos

que especializasse para a atuação competente?

Buscamos neste projeto, também superar duas modalidades de ensino que

constatamos em pesquisas anteriores apresentaram-se frágeis em seus resultados: (i) um

processo de ensino centrado na transmissão de conteúdo específico ilustrado por

algumas visitas técnicas e estudos de casos; e (ii) um curso organizado com algumas

atividades isoladas/pontuais de desenvolvimento de competências, sem integração com

o currículo.

Baseamo-nos em um referencial epistemológico que sustentasse um novo

paradigma curricular que se adaptasse às necessidades de especialização de um curso de

pós-graduação lato sensu. Optamos por um currículo que privilegiasse o

desenvolvimento de competência profissional ao longo do curso a partir de situações de

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aprendizagem específicas da área de eventos. Como metodologia optamos pelo estudo

por projetos.

Neste contexto definimos o seguinte objetivo: Construir e implantar de forma

participativa, um currículo de especialização focado no desenvolvimento de

competência profissional na área de Eventos.

Antes de apresentarmos o projeto, sentimos necessidade de discutir o conceito

de competência que balizou nossa ação. Por se tratar de um termo passível de muitas

interpretações, consideramos válida a reflexão sobre “agir com competência” que

construímos e adotamos como norteador de nosso projeto.

Retomando o conceito de competência.

A discussão e aplicação do “ensino por competências” se iniciou na

década de 80 nos países anglo-saxões, se difundiu pela França e daí para os demais

países. Surgiu em um contexto de mudanças de paradigmas educacionais e culturais, e

apresentou-se como uma alternativa ao ensino focado na transmissão do conhecimento e

da fragmentação dos conteúdos, que prepara os estudantes para prestar exames e não

para enfrentar situações reais do mundo de trabalho contemporâneo.

Pozo (1998) defende que para fazer frente à realidade da rápida disseminação da

informação presente no mundo contemporâneo é preciso tornar os alunos, pessoas

capazes de enfrentar situações e contextos que possuem grande velocidade de mudança.

No Brasil esta tendência aporta na década de 1990, influenciada principalmente

pelas discussões de Perrenoud (1999, 2000, 2002) que, conceptualiza competência

como “saber agir”, “saber em ação”, “saber em uso”. O que significa mobilizar

“esquemas de ações” que permitem utilizar conhecimentos e experiências anteriores, no

momento certo e com discernimento para a resolução de um desafio.

A abrangência do termo, desde então, tem promovido uma serie de

interpretações e estudos que vão complementando o sentido original e imprimindo

complexidade ao termo, fazendo com que “competência” ocupe lugar de destaque nas

discussões educacionais do ensino superior no Brasil.

Jobert (2003) aponta que a competência expressa a capacidade de obter um

desempenho em situação real de produção. Interessando-se pela situação de efetivação

da atividade, não se está mais ao lado da teoria, isto é da forma como as coisas

supostamente se apresentam e se regulam, mas da prática. Complementa afirmando que

para agir com competência o individuo reporta-se a seu acervo de conhecimentos,

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habilidades, atitudes e experiências e requisita aqueles que lhe proporcionarão recursos

para resolver adequadamentre a questão profissional que se apresenta.

Machado (2002) caracteriza competência a partir de 3 elementos: pessoalidade

(a competência é própria de pessoas e não de objetos); âmbito de atuação (onde se

exerce a competência e sempre em um contexto de relações) e a mobilização (a

capacidade de recorrer ao que se sabe para alcançar o projetado, o desejado).

Roldão (2009) argumenta que a educação “competencializadora” não dispensa

nenhum saber, antes exige mais e diversos saberes, acrescidos da sua articulação

orientada para a possibilidade de uso (cognitivo, prático, intelectivo, de fruição entre

outros)

Entendemos que o desenvolvimento de competência profissional pressupõe

intenso e complexo processo cognitivo reflexivo: agir com competência significa, diante

de uma determinada situação, ser capaz de mobilizar de modo eficiente, um conjunto de

recursos pessoais e profissionais que compõem seu acervo, visando uma ação eficaz.

Em outras palavras, entendemos que agir com competência significa que diante

de uma situação específica, será necessário compreender o contexto, analisar a

problemática, estabelecer necessidades e prioridades e elaborar um plano de

intervenção. A partir de então, identificar, selecionar, combinar e ativar em seu acervo

pessoal e profissional, os conhecimentos, habilidades e atitudes que deverão ser

utilizados para enfrentar a situação. Esta mobilização precisa ser eficiente, ou seja, de

forma correta, pertinente, criativa, simultânea e sinérgica para se obter uma ação eficaz

de intervenção.

Figura 1. Conceito de competências

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Masetto e Gaeta (2015)

O planejamento participativo e a fomação da equipe:

Outra preocupação que norteou a elaboração do projeto foi a integração dos

professores e coordenadores de curso ao novo paradigma. Sendo que a maioria deles

eram profissionais da área de eventos e precisavam se aproximar de questões

pedagógicas, organizamos diversas atividades durante o planejamento do novo currículo

utilizando dinâmicas de sensibilização, planejamento participativo para a elaboração do

projeto, elaboração de tutoriais e material de apoio didático, oficinas de planos de

ensino, e um sistema de monitoria e acompanhamento.

Percebemos também a importância estratégica de ter o coordenador de curso a

favor do projeto. Ele se tornou a peça chave para fazer o curso acontecer: desde resolver

problemas institucionais (espaços de aprendizagem, processos de secretaria acadêmica,

disponibilização de material didático especifico, aplicação de controles financeiros,

estabelecimento de parcerias com o mercado de eventos, entre outros) até a mobilização

e motivação de alunos e professores para a adesão e manutenção do projeto. Além de

incluirmos o coordenador como membro ativo e com poder decisório em todas as ações

referentes ao planejamento e implantação do curso, construímos junto com ele um

tutorial para orientação da equipe e um instrumento de monitoria do processo que

facilitasse seu trabalho e apontasse objetivamente as necessidades de intervenção.

Processo de desenvolvimento da competência profissional:

A competência profissional não se desenvolve espontaneamente. No nosso

entender requer um processo de construção simultâneo e sinérgico entre:

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A construção e/ou atualização, organização e sistematização de saberes proprios

de uma determinada profissão.

O desenvolvimento da capacidade de mobilizar de forma crítica e sinérgica os

recursos que possui para uma ação eficaz.

Neste sentido organizamos o currículo do curso de formação de profissionais de

Eventos em dois eixos articulados ao longo do curso:

Conjunto de atividades de caráter interdisciplinar, para o desenvolvimento de

referencial teórico e prático referentes à criação, planejamento, logística e gestão

de recursos em eventos. Tratando-se de um curso de especialização, focamos na

construção de acervo para o desenvolvimento de competência profissional

específica para eventos.

Conjunto de atividades supervisionadas, transversal ao currículo, para apoio ao

“Projeto pratico de eventos” que prevê a criação, organização e administração de

evento real, A prática reflexiva em situações profissionais de aprendizagem.

Perrenoud (1999, p.33) explica: é na possibilidade de relacionar

pertinentemente, os conhecimentos anteriores e os problemas que se reconhece a

competência.

O curso se desenrola em num processo contínuo de integração entre as atividades

promovidas pelos eixos que vão aumentando de complexidade a cada etapa do

desenvolvimento da competência profissional. As etapas baseiam-se em metodologias

que buscam integração entre a teoria e a prática, orientando-se para análise e

intervenção em situações-problema reais visando sua solução e proporcionando a

construção paulatina e crítica da competência profissional.

Figura 2. Tutorial de apresentacao da estrutura do curso

Gaeta (2012)

A estrutura do curso:

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O perfil do egresso estabelecido e que balizou a organização curricular, foi:

Ao final do curso, espera-se que o egresso tenha desenvolvido

competência para a administração e organização de eventos, estando preparados

para planejar, criar e gerir negócios relativos aos diversos segmentos desse

setor, de forma eficiente e rentável”. (Projeto Pedagógico 2012, p.6)

A etapas iniciais do curso inserem o aluno no curso, explicando seus objetivos e

funcionamento, explicitando seu papel como produtor de um evento real al‟em de

contextualiza o universo em que irá trabalhar, integrando-o ao panorama dos negócios

neste segmento, clarificando e especificando conceitos sobre gestão de negócios,

classificação e tipologia de eventos, e ressaltando a sistemática de planejamento de um

evento em: pré-evento, trans-evento e pós-evento.

As etapas seguintes giram em torno do Pré evento. Os alunos em grupos,

apoiados em suas experiências anteriores, nas discussões das etapas iniciais preparam-se

para apresentar uma proposta consistente e justificada para a realização de um evento.

Após esta apresentação os professores e alunos se debruçarão nas propostas de eventos,

discutirão referenciais teóricos-práticos específicos para analise técnica da viabilidade

econômica e operacional das proposições. Ao final, os alunos terão tido oportunidade de

desenvolver a competência necessária para a elaboração de projetos de eventos e

juntamente com os professores elegem a proposta mais adequada para ser realizada.

As próximas etapas têm o foco no trans evento, ou seja a realização do evento

projetado. Em um movimento de construção teórico - prática e conjunta entre

professores e alunos desenvolvem-se atividades integradas que oferecendo subsídios

para o planejamento e execução do evento. No dia em que o evento ocorre outros

profissionais da área são convidados a participar, observando os processos e atitudes

dos alunos e elaborando um relatorio critico que será estudado na etapa posterior. „É um

momento crucial do curso, pois os alunos estarão interagindo com seu público

potencial, em uma situação de atividade profissional real. Várias situações problemas

podem surgir e eles precisam mobilizar vários recursos desenvolvidos no curso até

então, para soluciona-las. Os professores estarão presentes dando o apoio que for

necessário, mas a execução do evento será da responsabilidade dos alunos. A

oportunidade é de exercitar a competência profissional desenvolvida para o

planejamento operacional e a organização de eventos.

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Chegamos às etapas finais: pós- evento. Alunos, professores e profissionais da

área convidados, tem oportunidade de discutir a avaliação do evento realizado na etapa

anterior, nos aspectos: planejamento, processo, atitude e resultados, sob o ponto de

vista da gestão do negócio. Os relatórios elaborados durante o evento servem de ponto

de partida para a confrontação entre conceitos e referenciais teóricos desenvolvidos nas

etapas anteriores, o resultado operacional do evento e desempenho dos alunos. É

também neste momento que os alunos terão a oportunidade de avaliar seu desempenho

enquanto profissionais de eventos, a competência desenvolvida e os ajustes necessários.

Esta etapa culminará com um detalhado relatório elaborado por cada aluno, que deverá

conter: a justificativa, descrição e avaliação técnica do evento no ponto de vista do

aluno e sua auto avaliação no processo. Este relatorio apresenta a formatação e

característica do TCC (trabalho de conclusão de curso).

Considerações finais.

Os resultados têm sido positivos. O curso está em andamento desde 2012, com

duas turmas de 40 alunos por ano. As avaliações finais tanto dos alunos como dos

professores, coordenadores e da instituição têm sido favoráveis. Os profissionais que

tem avaliado os eventos tem demonstrado surpresa positiva pela competência

demonstrada pelos alunos

O processo de monitoria construído e preenchido regularmente pelos

coordenadores em pareceria com todos os envolvidos, tinha como objetivo: acompanhar

e avaliar e acompanhar as turmas do curso de pós-graduação em Administração e

Organização de Eventos em seus aspectos organizacionais, gerenciais e pedagógicos. Os

dados têm apontado que diminuíram consideravelmente os comentários de final de

curso dos alunos sobre sentirem-se despreparados para a atuação competente. Os

professores estão mais envolvidos no processo de aprender e comprometidos com os

resultados. Seus planos de trabalho estão mais elaborados e focados na construção

conjunta de competência profissional, Há mais entrosamento e troca de experiências. E

uma verdadeira colaboração na execução do evento. Gerencialmente a instituição

aponta resultados positivos, com evasão baixa.

Pedagogicamente constatamos também a eficiência de aprendizagem e da

preparaçao profissional ao envolver os alunos paulatinamente em situações reais e

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proprias de sua area de atuação. Os eventos organizados apresentam excelente

qualidade demonstram competência profissional dos alunos.

O processo que vivenciamos nos permite enfatizar a viabilidade de desenvolver

processos educacionais baseados em situações de aprendizagem didaticamente

organizadas para o desenvolvimento de competências na pos-graduacao lato sensu.

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ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR: CONSTITUIÇÃO DOS COMPONENTES

PRÁTICOS DA FORMAÇÃO EM OUTROS OLHARES

Elize Keller-Franco (UNASP)

Silvana Alves Freitas (PUC-SP, bolsista CNPq)

Thiago Schulze (IFSP)

Resumo

As mudanças que vêm ocorrendo no contexto mundial e nacional, o avanço e a

disseminação das tecnologias da comunicação e da informação, a internacionalização da

economia dentre outros fatores, têm confrontado o Brasil a rever seus programas de

formação e pensar em processos inovadores para formação de profissionais no Ensino

Superior. Nesse sentido, um dos aspectos que tem ocupado o centro dos debates refere-

se aos componentes práticos da formação, em especial o estágio. Neste trabalho,

focaremos essa temática trazendo para análise uma pesquisa de abordagem qualitativa

realizada em cursos de formação inicial de professores. Com base na interpretação dos

dados obtidos mediante análise documental, considera-se que o redimensionamento dos

componentes práticos da formação e das questões problemáticas que lhes vêm sendo

colocadas passam pela superação do paradigma técnico-disciplinar que funciona por

separação para dar espaço à viabilização de propostas curriculares integradoras na

perspectiva interdisciplinar em que prática e teoria encontram-se imbricadas ao longo

do curso.

Palavras-chave: Formação docente; Estágio Interdisciplinar; Currículo Inovador.

1 INTRODUÇÃO

As mudanças no mundo contemporâneo impactam a educação como um todo,

tanto por seu conteúdo e suas demandas, como pela velocidade em que elas têm

ocorrido, impondo desafios no âmbito da educação institucionalizada, especialmente no

Ensino Superior, responsável pela formação de docentes, cidadãos, profissionais e

sujeitos neste contexto social. É a formação desses sujeitos que nos mobiliza em buscar

novos olhares sobre os cursos de Licenciaturas no sentido de (re)pensar a formação por

eles oferecida.

Dentre os vários aspectos a serem (re)vistos, a prática constitui-se em fator de

especial relevância, como salienta García (1999), por ser um dos componentes que mais

tem despertado atenção na formação inicial de professores. Para Tardif (2011), o

principal desafio para a formação de professores nos próximos anos será o de abrir um

espaço maior para os conhecimentos práticos dentro do currículo. O autor defende que a

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revisão da formação profissional dos professores deve se apoiar num sólido repertório

de conhecimentos fortemente articulado com as práticas profissionais.

A importância dos saberes experienciais na profissionalização do ensino e na

formação docente nos leva a indagar como os cursos de Licenciatura têm concebido e

organizado os componentes práticos, em especial o estágio, em seus currículos de

formação de professores.

A partir deste questionamento nos propomos neste trabalho a relatar, analisar e

discutir uma experiência em andamento nos cursos de Licenciatura em Artes, Ciências e

Linguagem e Comunicação da Universidade Federal do Paraná-Unidade Litoral, nos

quais os componentes práticos da formação, em especial o estágio, inseridos em uma

proposta curricular alternativa vêm sendo ressignificados e trabalhados sob perspectivas

interdisciplinares.

Nossas considerações apoiam-se em uma pesquisa de abordagem qualitativa,

utilizando como procedimentos a análise documental e a observação in loco.

2 O ESTÁGIO NA FORMAÇÃO DE PROFESSORES

Para Tardif (2011), os saberes que servem de base para a formação docente não

se resumem aos conhecimentos teóricos obtidos na universidade e produzidos pelas

pesquisas na área da educação, englobam os saberes que se constroem na prática

cotidiana dos professores, na relação com os pares e no confronto com as condições da

profissão. Esses saberes experienciais são dinamizados na confluência da história de

vida individual, da história familiar, do contexto social, do contexto de trabalho na

escola com suas rotinas, regras e valores, dos atores educativos, das experiências

escolares prévias e da bagagem formativa.

[...] Se é verdade que a experiência do trabalho docente exige um

domínio cognitivo e instrumental da função, ela também exige uma

socialização na profissão e uma vivência profissional através das quais

a identidade profissional vai sendo pouco a pouco construída e

experimentada e onde entram em jogo elementos emocionais,

relacionais e simbólicos que permitem que um indivíduo se considere

e viva como um professor e assuma, assim, subjetivamente e

objetivamente, o fato de fazer carreira no magistério (TARDIF, 2011,

p.108).

Considerar a prática como campo de conhecimento, que se produz na interação

entre os cursos de formação e o “lócus” no qual se desenvolvem as práticas educativas,

implica conferir a ela um estatuto epistemológico capaz de superar a visão tradicional

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que atribui à formação prática um caráter de aplicação de conhecimentos produzidos

fora do contexto real em que acontece o exercício da profissão, ou ainda, uma

instrumentalização técnica baseada na imitação e reprodução de modelos.

Pimenta e Lima (2012) com base em Sacristán defendem que a proposta da

epistemologia da prática

considera inseparáveis teoria e prática no plano da subjetividade do

professor, pois sempre há um diálogo do conhecimento pessoal com a

ação. Esse conhecimento não é formado apenas na experiência

concreta do sujeito em particular, podendo ser nutrido pela “cultura

objetiva”, ou seja, pelas teorias da educação, de modo a possibilitar

aos professores trazê-lo para as situações concretas, configurando seu

acervo de experiência „teórico-prático‟ em constante processo de

elaboração. Assim, a teoria, além de seu poder formativo, dota os

sujeitos de pontos de vista variados sobre a ação contextualizada. Os

saberes teóricos propositivos se articulam, pois, aos saberes de ação

dos professores e da prática institucional, ressignificando-os e sendo

por eles ressignificados (PIMENTA; LIMA, 2012, p 49).

Essa concepção em que teoria e prática são inter-relacionadas não tem tido

representatividade nos cursos de formação de professores. Usualmente, esses cursos

apresentam uma organização curricular em que os componentes curriculares são

dicotomizados em teóricos e práticos. Essa fragmentação encontra eco no próprio marco

legislatório voltado para os cursos de formação docente, em que são propostas cargas

horárias especificas para práticas, para estágios e para conteúdos de natureza científica

cultural (RESOLUÇÃO CNE/CP n.º 2/2002 e RESOLUÇÃO CNE/CP n. 2/2015).

Observa-se, ainda, que essa contraposição entre teoria e prática “se traduz em espaços

desiguais de poder na estrutura curricular, atribuindo-se menor importância à carga

horária denominada prática” (PIMENTA; LIMA, 2012, p. 34).

Schon (2000) destaca que a visão dominante nos meios acadêmicos confere uma

posição privilegiada ao conhecimento geral e teórico, posição esta, que se manifesta

numa hierarquia de conhecimentos: em primeiro lugar a ciência básica, em seguida a

ciência aplicada e por último o ensino prático. O status das profissões estaria, também,

intimamente relacionado à ênfase que é atribuída na formação do conhecimento

denominado científico.

No movimento teórico recente que confere estatuto epistemológico aos saberes

experienciais é possível perspectivar a superação da pretensa dicotomia entre atividades

teóricas e atividades práticas. Nessa concepção, todos os componentes curriculares são

ao mesmo tempo teóricos e práticos.

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Essa perspectiva pressupõe alterações na dominante lógica disciplinar que

orienta a organização curricular de grande parte dos cursos de formação de professores.

Na lógica disciplinar, há uma nítida separação entre disciplinas ditas “científicas”

(psicologia, filosofia, didática, sociologia, etc.) que se apresentam como unidades

autônomas, fechadas em si mesmas e as disciplinas mais voltadas para os saberes

práticos como as metodológicas e os estágios. Essas últimas ficam para o final do curso

quando os alunos vão “aplicar” os conhecimentos declarativos nos espaços onde se dá o

exercício profissional, na maioria das vezes, sem um adequado acompanhamento e sem

um processo de reflexão que estabeleça relações entre os fundamentos teóricos e

situações do contexto profissional.

Para Tardif (2011), a formação de professores gravita em torno “da lógica

disciplinar” que ao se desenvolver com base na especialização e fragmentação se torna

pouco significativa para o aluno. O autor argumenta que seria aconselhável abrir um

espaço maior para a lógica profissional nos programas de formação de professores:

Essa lógica profissional deve ser baseada na análise das práticas, das

tarefas e dos conhecimentos dos professores de profissão; ela deve

proceder por meio de um enfoque reflexivo, levando em conta os

condicionantes reais do trabalho docente e as estratégias utilizadas

para eliminar esses condicionantes na ação (TARDIF, 2011, p. 242).

A perspectiva aqui apresentada pressupõe mudanças na concepção e na

organização das práticas nos cursos de formação de professores, o que nos impulsiona a

buscar alternativas, como as que passamos a relatar e analisar a seguir.

3 A UFPR LITORAL E OS NOVOS CENÁRIOS NA FORMAÇÃO DOCENTE:

O ESTÁGIO INTERDISCIPLINAR

A UFPR Setor Litoral nasce no século XXI em meio a uma virada paradigmática

da ciência e da universidade e como tal busca constituir-se sob um novo paradigma

educacional. Em seu Projeto Político Pedagógico (2008), expressa a missão de

consolidar-se como um agente de desenvolvimento comunitário, tendo como objetivo

propiciar à região litorânea e Vale do Ribeira, qualidade de vida compatíveis com a

dignidade humana e a justiça social.

Está localizada no município de Matinhos, região litorânea do Paraná que

enfrenta desafios econômicos, sociais, ambientais e educacionais decorrentes de uma

ocupação desordenada, com fluxo intenso nos meses de verão e interrupção nas demais

épocas do ano. A universidade alicerça seu compromisso com o desenvolvimento

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socioeconômico e cultural em um projeto educacional que integra os poderes públicos

federal, estadual e municipal, unindo forças em torno de um projeto de universidade

emancipatório e inovador.

Nesse contexto, a formação de professores adquire papel relevante para

viabilização desse novo paradigma de desenvolvimento sustentável e recebe um espaço

de centralidade na proposta que desencadeou a criação dos cursos de formação inicial

de professores (Licenciaturas) instituídas a partir de 2008 com os cursos de Licenciatura

em Ciências e Artes e em 2009 o curso de Licenciatura em Linguagem e Comunicação.

O seu Projeto Político Pedagógico (PPP) baseia-se na perspectiva

interdisciplinar da construção do conhecimento e na valorização da formação integral

dos estudantes. Tem por objetivo construir o processo ensino-aprendizagem associado à

realidade local e à necessidade de formação em todos os níveis de ensino.

Para situar o estudante, desde o início do curso, acerca das questões ambientais,

culturais, políticas, econômicas e sociais dessas regiões, unindo a teoria e a prática

profissional, os espaços curriculares de aprendizagem superam a tradicional organização

disciplinar. São constituídos de três eixos: os Projetos de Aprendizagem, os

Fundamentos Teórico-Práticos e as Interações Culturais e Humanísticas.

No espaço dos projetos de Aprendizagem, os alunos, orientados por

professores, desenvolvem projetos que ampliam a aprendizagem e os desafiam a

construir processos autônomos na busca do conhecimento, aliando os interesses

pessoais com as necessidades da comunidade.

Os fundamentos teórico-práticos são selecionados com base nas diretrizes

curriculares de cada curso e nos saberes necessários à execução dos projetos de

aprendizagem, organizados por módulos contemplam uma abordagem integrada e

contextualizada do conhecimento.

As Interações Culturais e Humanísticas visam possibilitar a sensibilização, a

compreensão e a valorização da cultura local e articular os saberes científicos, culturais,

populares e pessoais. Esse espaço constitui-se de oficinas oferecidas por docentes,

discentes e membros da comunidade e viabilizam a participação integrada de estudantes

de diversos cursos.

Além desses três eixos, o currículo se organiza em fases com focos norteadores:

1ª Fase: Conhecer e Compreender; 2ª Fase: Compreender e Propor; 3ª Fase: Propor e

Agir.

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3.1 O estágio na UFPR Litoral

Os Projetos Políticos Pedagógicos dos três cursos analisados dedicam um

capítulo às orientações, normatizações e finalidades relativas aos estágios. Os cursos

dispõem de uma Comissão Orientadora de estágio (COE) a qual possui a

responsabilidade de buscar parcerias e proceder aos Termos de Convênios e

Compromisso firmados entre os estudantes e o campo de estágio; divulgar, facilitar e

mediar o acesso dos estudantes aos campos de estágio; articular reuniões semestrais

com os orientadores e supervisores; realizar visitas ao campo de estágio; gerir demandas

apresentadas por supervisores, orientadores, estagiários e instituições campo de estágio,

dentre outros (PPC Linguagem e Comunicação, 2011; PPC Licenciatura em Ciências,

2010; PPC Licenciaturas em Artes, 2008).

O PPC traz orientações detalhadas para elaboração dos planos de atividades

elaborados pela COE, pelo professor orientador e pelos alunos, bem como atribuições

de cada um desses. A elaboração e apresentação de ementas com um direcionamento

específico para cada semestre permitem antever um programa intencional de estágio.

A avaliação do estágio se dá a partir de um processo contínuo, envolvendo

responsabilidade, presença em campo, ética nas ações desenvolvidas, competência

teórico-metodológica, capacidade de articulação entre os conhecimentos produzidos em

sala e a vivência em campo, postura acadêmico-profissional durante o processo,

relatórios, resenhas, artigos, portfólios, seminários parciais e finais das atividades

desenvolvidas, sendo de responsabilidade do estudante, professor orientador e

supervisor de campo.

Dessa forma, observa-se que as Licenciaturas da UFPR Litoral ao serem

concebidos e normatizados de forma clara e completa, apresentam um cenário diferente

ao encontrado na pesquisa realizada por Gatti e Nunes (2009) em que o estágio nas

licenciaturas apresentava-se de forma bastante imprecisa.

Quanto ao lócus, o mesmo é desenvolvido em contextos formais e não formais

de ensino, promovendo a articulação entre a universidade, o Núcleo Regional de

Educação de Paranaguá e as Secretarias Municipais de Educação do Litoral Paranaense

e Vale do Ribeira. Podem, ainda, constituir campos de estágio as ONGS, movimentos

sociais, classes em assentamentos, canteiros de obras, instituições de caráter

sociocultural, instituições de educação a distância (EAD), projetos ou programas

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institucionais que desenvolvam ações pedagógicas (PPC Linguagem e Comunicação,

2011; PPC Licenciatura em Artes, 2008; PPC licenciatura em Ciências, 2010).

O estágio na UFPR Litoral ganha uma dimensão ampliada ao ser concebido não

só como um recurso de aprendizagem para formação inicial, mas também, para a

formação continuada de professores.

Art. 2º - [...] Parágrafo único: O período em que os estagiários estão

em campo contribui para o seu desenvolvimento acadêmico,

retroalimenta temáticas a serem trabalhadas dentro do curso e

potencializa parcerias entre a universidade e a comunidade,

subsidiando, assim, pesquisas de estudantes e professores do curso,

bem como a realização de atividades de extensão, de formação

continuada, conforme preconiza o Projeto Político Pedagógico do

Setor Litoral (PPC Linguagem e Comunicação, 2011, p. 57).

Para que o estágio tenha significado na formação do futuro professor é

fundamental que pesquisa, crítica, ação e avaliação sejam construídas

e compartilhadas pelos envolvidos: estagiário, supervisor (campo) e

orientador (UFPR) [...] (PPC Linguagem e Comunicação, 2011, p.

55).

A compreensão da Universidade sobre a importância de estabelecer relações

articuladoras de formação com o campo que recebe os futuros docentes caminha na

direção acenada por Roldão (2007) em que a universidade e os contextos de trabalhos

estabeleçam processos mútuos de formação/investigação. Destaca-se, ainda, que essa

relação de parceria investigação/formação deve contemplar possibilidades formativas

também à universidade e seus docentes. Os professores que atuam na formação inicial

da graduação encontram-se muitas vezes distanciados, ou até em alguns casos, nunca

exerceram a profissão no contexto profissional (educação básica) para o qual estão

formando os futuros docentes.

Buscar aproximação com os “práticos da profissão” (TARDIF, 2011) deve ser

considerada uma modalidade importante de formação continuada para os docentes

universitários. Nesse intercâmbio, o estágio torna-se uma via tanto para a formação

continuada dos professores formadores como para os professores da escola que são

desafiados “a rever suas certezas, suas concepções do ensinar e do aprender e seus

modos de compreender, de analisar, de interpretar os fenômenos percebidos nas

atividades de estágio” (PIMENTA; LIMA, 2011, p.114).

3.2 A perspectiva interdisciplinar do estágio na UFPR Litoral

A proposta Pedagógica que vem sendo desenvolvida na UFPR Litoral concebe o

conhecimento e o processo formativo como uma totalidade articulada com a realidade

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concreta em seus contextos profissionais e socioculturais. A articulação entre a teoria e

a prática, entre o ensino, a pesquisa e a extensão e a abordagem interdisciplinar da

construção do conhecimento, são princípios fundantes do projeto que se viabilizam nas

etapas curriculares: 1ª Fase: Conhecer e Compreender - Compreensão crítica da

realidade (um a dois semestres); 2ª Fase: Compreender e Propor - Aprofundamento

metodológico científico (um a quatro semestres); 3ª Fase: Propor e Agir - Transição

para o exercício profissional (um a dois semestres), bem como, na organização

curricular constituída dos três eixos: Projetos de Aprendizagem (PA), Interações

Culturais e Humanísticas (ICH) e os Fundamentos Teórico-práticos (FTP).

Tal concepção e organização curriculares vêm delineando um novo caminho na

direção apontada por Zabalza (2004, p.174) “faz anos que venho defendendo que o

estágio prático não é mais um componente dos cursos (como se representasse mais uma

disciplina ao currículo), mas um componente transversal da formação que deve influir e

ser influenciado por todas as disciplinas”.

Essa direção é visível no Curso de Artes, onde o estágio supervisionado

obrigatório, como é comumente chamado, recebe a denominação de “vivências nos

espaços educacionais”, constituindo módulos que se integram aos demais.

Observa-se como um primeiro aspecto distintivo, a mudança da terminologia,

pois o termo estágio supervisionado carrega conotação negativa e autoritária, como

consideram Pimenta e Lima (2011), caracterizando formas rígidas e burocráticas de

aproximação com os contextos profissionais. Essa expressão, segundo as autoras, é

herança da pedagogia tecnicista, que fortaleceu o estágio como componente prático e

isolado das disciplinas teóricas dos currículos.

Destaca-se, nesse curso, a superação do estágio como um apêndice extra no

currículo, pois: “Todos os módulos do Curso de Licenciatura em Artes foram

desenhados com o objetivo de subsidiar a integração entre as quatro linguagens

artísticas e as práticas pedagógicas do professor de Artes em formação” (PPC

Licenciatura em Artes, 2008, p.39). Cada semestre aborda uma das linguagens artísticas

(Artes Visuais, Dança, Música e Teatro). O módulo “Vivências nos espaços

Educacionais” (estágio) foca a linguagem artística que está sendo trabalhada naquele

semestre: “Vivências Educativas em Artes Visuais”, “Vivências Educativas em Dança”

etc. Os demais módulos, e, em especial o módulo Seminário de Prática de Ensino de

Artes, também, abordam a linguagem vivenciada naquele semestre.

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O estágio concretizado dessa forma possibilita um vai e vem entre os saberes

trabalhados no curso e os saberes da prática, numa perspectiva interdisciplinar em que a

prática e a teoria se encontram indissociadas na análise, na reflexão e no trabalho

docente:

Trata-se de pensar em uma estrutura curricular dinâmica que articula

formação intelectual com a dimensão prática, propiciando que os

futuros profissionais compreendam o mundo do trabalho e suas

possibilidades de intervenção para superar os desafios encontrados em

um determinado contexto sócio-cultural. Dentro de uma proposta

flexível de módulos que articulam os saberes, habilidades e

competências necessárias à formação do futuro professor de Artes, a

presente proposta estimula uma aprendizagem mediada pelo

pensamento crítico e reflexivo e pelas ações em direção à autonomia

do sujeito (PPC Artes, 2008, p 37, 38).

Nos demais cursos, o estágio está fundamentado em uma nova abordagem que o

concebe como um campo de conhecimento e espaço de produção de saberes docentes

em que os dados da realidade são tomados como objeto de reflexão em conjunto com os

referenciais teóricos da formação.

Art. 9º - [...] as atividades de Estágio Supervisionado visam à inserção

gradativa do profissional em formação nos processos escolares,

devendo abarcar três situações, que embora distintas, não são lineares,

ou seja, é desejável que se desenvolvam dialeticamente, por meio da

ação/reflexão/ação nos espaços e processos da escola campo. Está

implícita em todos os momentos a observação, o diálogo, a pesquisa, a

ação e o aprofundamento teórico.

INSERÇÃO I – envolve atividades relacionadas com o diagnóstico do

contexto social em que se organiza o trabalho pedagógico, bem como

a análise das correlações que se estabelecem entre o cotidiano das

organizações escolares, a comunidade interna e externa e as

exigências da sociedade contemporânea.

INSERÇÃO II – caracteriza-se pela análise multidimensional do

processo educacional em sala de aula e nos demais espaços

educativos, abordando propostas de construção do conhecimento

centrado no processo ensino-aprendizagem percebido em todas as suas

dimensões: características, etapas, tipologias e teorias, seus fatores de

influência e problemas, suas práticas didático-pedagógicas, suas

práxis avaliativas.

INSERÇÃO III – intervenção do profissional em formação no

processo educativo garantindo o aperfeiçoamento da evolução e das

especificidades dos processos utilizados na educação básica,

focalizando, sobretudo, o conhecimento específico da área das

ciências, permeado por princípios filosóficos e políticos que sustentam

a docência emancipatória (PPC Licenciatura em Ciências, 2010, p.98).

O estágio é apresentado como um importante componente formativo que deve

ser desenvolvido “de forma articulada com o processo de formação e com a realidade

local, proporcionando ao estudante a construção da aprendizagem relacionada às

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diferentes áreas do conhecimento científico, social, cultural e docente de forma

dinamizada e contextualizada” (PPC Licenciatura em Ciências, 2010, p.97).

No entanto, a sua estruturação na matriz curricular, ainda, conserva uma

configuração muito próxima dos formatos tradicionais em que o estágio constitui um

componente curricular ao lado dos demais, aí incluídos para atender as exigências de

caráter legal.

Essa realidade levou-nos a considerar a possibilidade de que a persistente

questão do estágio, em que teoria e prática se encontram fragmentadas, só poderá ser

equacionada quando deixarmos de pensar no estágio como um componente curricular

extra e darmos vez para propostas curriculares mais integradoras e interdisciplinares.

Defendemos essa ideia, considerando a possibilidade de que na proposta da

UFPR Litoral esse componente curricular poderia ser dispensado, pois o “estágio” (ou o

que se espera dele) está implícito e ao mesmo tempo intencionalmente presente, de

forma natural e integrada no currículo desde o início do curso.

O presente projeto pedagógico do curso segue a estrutura do PPP do

Setor Litoral e, a partir dela, elege eixos norteadores que ajudam a

conectar os saberes artísticos e pedagógicos necessários à formação de

um professor de Artes atuante e transformador.

Na primeira fase (Conhecer e compreender) privilegia-se o estímulo

ao conhecimento e a compreensão do papel do licenciado em artes,

problematiza-se os aspectos da atuação profissional na realidade local

articulada ao contexto regional, estadual e nacional. Neste momento, a

observação e debate da realidade devem auxiliar no desenvolvimento

do senso crítico, estimulando a (re) interpretação e a (re) significação

do que se observa, a partir da articulação entre os pressupostos

teórico-práticos e as diferentes áreas de conhecimentos e saberes

artísticos.

A segunda fase (Compreender e Propor) corresponde ao segundo e

terceiro ano do curso. Os módulos contribuem para que o estudante

articule o contexto local com os diversos aspectos teórico-prático-

pedagógicos e artísticos que serão abordados nessa fase. O trabalho

proporciona o desenvolvimento e aprofundamento dos conteúdos

necessários para compreender a articulação entre os processos

educacionais e as diferentes linguagens artísticas. A construção desse

conhecimento dá-se por aplicação constante dos conhecimentos

sistematizados, pela reflexão e pela investigação da prática artística e

da prática pedagógica.

Na terceira fase (Propor e Agir) objetiva-se uma imersão do estudante

nas experiências vivenciadas ao longo do curso e uma atuação mais

efetiva no seu universo de trabalho. Busca-se uma reflexão das

experiências vivenciadas nos projetos de aprendizagem, nas interações

culturais e humanísticas, nos fundamentos teórico-práticos e nas

vivências nos espaços educacionais, que possibilitam realizar a síntese

à medida que se encerra o curso. Os projetos de aprendizagem

trabalhados desde o primeiro ano do curso constituem espaços

pedagógicos que no terceiro ano devem ser finalizados (e

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3770ISSN 2177-336X

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transformados em trabalhos de conclusão de curso), constituindo,

assim, uma das ferramentas essenciais no aprendizado e no exercício

profissional do futuro professor de Arte. Nos fundamentos teórico-

práticos, trabalhados ao longo do curso, almeja-se a integração entre

os saberes artísticos (Artes Visuais, Dança, Música e Teatro) com as

práticas pedagógicas e com outros saberes, estimulando a atuação

conjunta de professores de diversas formações em um mesmo módulo,

privilegiando a interdisciplinaridade como princípio fundamental para

o desenvolvimento do curso. Esse projeto curricular procura, ainda,

tomar como ponto de partida o contexto no qual o curso está inserido,

a história de vida dos professores em formação, matrizes culturais a

partir das quais as vidas desses estudantes foram construídas, seus

desafios, e suas particularidades em articulação com a realidade

social. Ao fazer isso, objetiva-se instrumentalizá-los para agir dessa

mesma forma com seus futuros estudantes no contexto sócio-cultural

em que vivem. (Projeto Pedagógico do Curso de Licenciatura em

Artes, 2008, p.38, 39).

É possível considerar que os cursos de Licenciatura da UFPR Litoral, em

especial, Ciências e Linguagem e Comunicação ao incluir o termo estágio na matriz

curricular para adequar-se as exigências legais acabaram por perder sua identidade.

Reconhecemos a importância de Diretrizes Nacionais, mas indagamos se a legislação a

respeito das práticas sob a forma de normatizações não tem sido um fator impedidor de

avanços ao segmentar formação científico-acadêmica e formação prática?

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A experiência analisada aponta para uma transformação em relação ao estágio.

Observa-se um programa intencional de estágio nos Projetos Pedagógicos dos três

cursos contendo detalhamentos sobre objetivos, atividades, formas de acompanhamento

e avaliação. Chama atenção a estreita parceria entre a universidade e as escolas de

educação básica, o apoio institucional e as políticas de estágio que favorecem o

estabelecimento de nexus entre os saberes trabalhados nos cursos de formação com o

campo de atuação dos profissionais.

No entanto, a principal contribuição da pesquisa, emergiu da característica

distintiva da proposta curricular da UFPR Litoral. Ao partir de situações

problematizadoras reais, ampliar a compreensão destas no diálogo com o conhecimento

sistematizado e produzir novas compreensões voltadas para propostas de transformação,

caminha na direção de uma concepção de formação que supera a dicotomização entre

formação teórica e prática.

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Nessa organização curricular, a problematização, a análise, a pesquisa e a

proposição das situações do ensinar e aprender presentes nos ambientes profissionais

permeiam todos os momentos do processo formativo numa perspectiva interdisciplinar.

A experiência analisada levantou a possibilidade de que enquanto conservarmos

organizações curriculares que funcionam por especialização e fragmentação,

dificilmente conseguiremos desfazer o nó do estágio que deflagra a dicotomização entre

teoria e prática.

REFERÊNCIAS

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Porto Editora, 1999.

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níveis iniciais da docência. Educação e Linguagem, São Bernardo do Campo, ano 10,

v.1, n.15, p. 18-42, jan./jun. 2007.

SCHON, D. Educando o profissional reflexivo: Um novo design para o ensino e a

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TARDIF, M. Saberes docentes e formação. 12 ed. Petrópolis: Vozes, 2011.

ZABALZA, M. A. O ensino universitário: seu cenário e seus protagonistas. Porto

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3772ISSN 2177-336X