PRCapLiv214159 biocombustiveis compl P · 92 visÃo 2035: brasil, paÍs desenvolvido Ë 0Õ 4ËÕ
Transcript of PRCapLiv214159 biocombustiveis compl P · 92 visÃo 2035: brasil, paÍs desenvolvido Ë 0Õ 4ËÕ
VISÃO 2035: Brasil, país desenvolvido
Agendas setoriais para o desenvolvimento
BIOCOMBUSTÍVEIS
BIOFUELS
Artur Yabe Milanez
Rafael Vizeu Mancuso
P. 89-104
Respectivamente, gerente setorial e engenheiro do Departamento do Complexo Agroalimentar e de Biocombustíveis da Área de Indústria e Serviços do BNDES.
90 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
Resumo
O Brasil possui um setor de biocombustíveis, particularmente em relação ao etanol, que se
desenvolveu bastante desde o Proálcool, cuja relevância estratégica vem crescendo, entre
outros fatores, pelo risco de um apagão energético na próxima década, bem como pelos
compromissos do Acordo de Paris até 2030. Ao longo do presente artigo, são apresentados
destaca-se o Programa RenovaBio, a produtividade agrícola (variedades protegidas), o me-
lhoramento genético, o etanol de segunda geração e novos combustíveis (como o biogás).
Palavras-chave: Políticas públicas. Produtividade agrícola. Etanol de segunda geração.
Novos biocombustíveis. Bioeconomia.
Abstract
Brazil has an industry of biofuels, ethanol in particular, that has been very well developed
since the creation of Proálcool, the growth of its strategic relevance being associated with,
among other factors, the risk of a general energy blackout in the next decade, as well as with
the commitments of the Paris Agreement until 2030. Throughout this article, several fac-
tors that can influence the growth of this market will be presented. To unlock the industry,
regulatory, tax and financial aspects should be considered. To optimize it, the RenovaBio
Program, agricultural productivity (protected varieties), genetic improvement, second-ge-
neration ethanol and new fuels (such as biogas) stand out. Furthermore, a transformation in
the sector would be subject to factors that are currently distant from generating a significant
impact, like the Biofuturo Platform, electrification of vehicles with biofuels and biorefineries.
Keywords: Public policies. Agricultural productivity. Second-generation ethanol. New bio-
fuels. Bio-economy.
91BIOCOMBUSTÍVEIS
Introdução
No Brasil, o setor de biocombustíveis, em particular o etanol, vem se desenvolvendo
continuamente desde a criação do Programa Nacional do Álcool (Proálcool) nos anos 1970,
sendo impulsionado, nas últimas duas décadas, principalmente por políticas governamentais
em 2003.
Os principais players do mercado mundial de etanol são Estados Unidos da América
(mas também de sebo bovino), cujos maiores produtores e consumidores também são EUA
etanol (basicamente cana-de-açúcar no Brasil, milho nos EUA, trigo na Europa e, de forma
ainda incipiente, material celulósico, sobretudo no Brasil e nos EUA). Vale mencionar que
uma parte relevante do consumo de etanol ocorre nos próprios países onde existe produ-
o etanol ainda não conseguiu alcançar a condição de commodity internacional.
A competição no mercado brasileiro varia conforme o elo da cadeia produtiva anali-
não exista um mercado tão competitivo.
-
culos , abastecidos com gasolina, álcool hidratado ou ambos em qualquer proporção.
O consumidor pode escolher o produto ou combinação que julgue mais interessante. Os
veículos
das commodities. Quando ocorre elevada oferta, o preço tende a cair. Já quando a oferta se
-
Domesticamente, observa-se que a continuidade de vendas de veículos , combinada
92 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
-
do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), até 2030 o Brasil importará mais de
2 derivadas do
limitação do aumento da temperatura terrestre em até 2º C até 2030. Para tanto, estima-
praticamente dobrando a produção atual.
-
de origem fóssil. Por outro lado, é necessário que a contribuição ambiental dos bio-
2 seja reconhecida por meio da imple-
-
portes, nos níveis doméstico e internacional, promovendo a produção e o consumo
de biocombustíveis.
Como destravar o setor de biocombustíveis
Considerando apenas o segmento sucroenergético, nesse cenário de crescimento de
na expansão quanto na construção de novas usinas. Contudo, para que esse cenário de
o crescimento do setor, conforme detalhado a seguir.
Aspectos regulatórios
Um fator crítico para o setor de biocombustíveis é o preço da gasolina, produto subs-
tituto do etanol, e como ele é regulado. No Brasil, a produção de gasolina é concentrada
Petrobras) limitou, em período recente, o aumento do preço da gasolina no mercado in-
93BIOCOMBUSTÍVEIS
(Cide).1
investimento em expansão de capacidade produtiva de etanol.
Apesar de a nova diretoria da Petrobras estar neste momento praticando preços de
Aspectos tributários
A carga tributária no Brasil consiste em um relevante componente de custo de
Intermunicipal e de Comunicação (ICMS) somente no estado consumidor, no caso do
etanol a receita do ICMS é dividida também com o estado produtor. Nesse caso, há uma
tendência de os estados produtores de etanol (como São Paulo, Paraná e Minas Gerais)
consumo. Quanto maior a diferença tributária entre os combustíveis, maior é a atrativi-
dade do etanol. Já pelo lado dos estados não produtores de etanol, há menor interesse em
fomentar o consumo do etanol, haja vista a possibilidade de queda de receita tributária
sem a contrapartida de aumento de investimentos na produção de etanol.
estimular o maior consumo em estados não produtores de etanol. A criação de tributos que
2 também poderia contribuir para aumentar o consumo de
combustíveis de baixo carbono, como é o caso do etanol de cana e de outros biocombustíveis.
Aspectos financeiros
1 3
3 de gasolina.
94 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
As empresas de referência (usinas) nesse setor são aquelas que conseguem obter algum
de obra, tecnologia, entre outros.
Pelo lado da receita, as usinas que conseguem combinar a produção de açúcar e etanol,
Enquanto na década passada houve um período de euforia pelos investimentos no
mercado de biocombustíveis, a primeira metade da presente década apresentou um ce-
nário extremamente desfavorável, em que diversos fatores (controle do preço da gasolina,
aumento de custos de produção como arrendamento de terras, intempéries climáticas,
recuperação judicial e falência.
Depois de um período de recuperação nos últimos anos, a maioria dos grupos eco-
investimentos ante as experiências traumáticas vivenciadas.
Nesse cenário, uma alternativa que poderia proporcionar redução da volatilidade e
melhora na previsibilidade da formação de preços do etanol hidratado – uma das pos-
preço preestabelecidas.
2
Novamente reforça-se a importância de que a regulação do preço da gasolina não
2
95BIOCOMBUSTÍVEIS
Como potencializar o setor de biocombustíveis
novas tecnologias, como o etanol de segunda geração (E2G), e novas variedades de cana,
é de fundamental importância a implementação de políticas públicas que incentivem a
produção e o consumo de biocombustíveis, como é caso do RenovaBio, que será detalhado
-
-
Política pública (RenovaBio)
estratégia conjunta para reconhecer o papel estratégico de todos os tipos de biocombus-
brasileira, tanto no que se refere a sua contribuição para a segurança energética, com
efeito estufa no setor de combustíveis.
-
biocombustíveis, atribuindo-se notas diferentes para cada produtor, conforme emissão
de CO2
Portanto, a adequada implementação e a regulamentação do RenovaBio, que foi apro-
3
Produtividade agrícola
da produtividade agrícola e, consequentemente, redução da produtividade industrial
3
96 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
da competitividade industrial desse setor.
em 2012. Posteriormente, dado o fato de as novas variedades de cana desenvolvidas
terem normalmente produtividade maior, esse programa passou a concentrar-se exclu-
sivamente nas variedades protegidas, isto é, que ainda não caíram em domínio público.
bem como em sua aquisição, pode retomar uma curva de crescimento na produtividade
do canavial brasileiro, que tem se mantido estável nos últimos anos.
Inovação (melhoramento genético)
De acordo com o diagnóstico feito pelo BNDES em 2013, o melhoramento gené-
tico da cana-de-açúcar tem apresentado ganhos decrescentes ao longo das últimas
esse processo, destaca-se a necessidade de acelerar os investimentos em pesquisa e
4
Nesse sentido, vale destacar o investimento feito em 2014 pela BNDESPAR no Centro
-
volvimento e na aprovação, para plantio comercial, da primeira variedade transgênica de
da transgenia, já presente nas grandes culturas agrícolas há quase vinte anos e que tem
sido responsável por boa parte dos ganhos de produtividade.
Além do melhoramento transgênico, cabe destacar também o rápido avanço da ca-
produtividade da cana-de-açúcar tradicional, além de se adaptar a ambientes mais adver-
buscar água em maiores profundidades, o que permite superar uma das barreiras ao cres-
para plantio. Os experimentos iniciais apontam para indicadores muito positivos, porém,
4 Para mais detalhes desse estudo, ver Nyko et al. (2013).
97BIOCOMBUSTÍVEIS
Por ser mais produtiva e apresentar mais concentração de fibra, a cana-energia
é uma matéria-prima mais adequada para o E2G. A expectativa é de que, com a am-
Inovação (etanol de segunda geração)
A inovação do E2G pode tornar-se um grande diferencial competitivo, ao per-
de produção de cana.
versus alimentos”, pois torna a produção de etanol
serve como um importante benefício ao produtor agrícola.
-
nóstico5 que apontou para a necessidade de incentivo a investimentos no E2G no Brasil,
primeiras plantas em escala comercial da nova tecnologia, equiparando-se aos EUA na
corrida tecnológica pelo desenvolvimento do E2G. A primeira planta inaugurada foi a
Ademais, o BNDES tem trabalhado em conjunto com o governo brasileiro para avaliar
a implementação de instrumentos de política que incentivem o consumo de E2G, já que,
conforme inúmeros casos de indústria nascente, embora os custos iniciais sejam mais
et al.,
5 Para mais detalhes sobre esse diagnóstico, ver Nyko et al. (2010).
98 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
internacional em torno do desenvolvimento do E2G, como no caso da Plataforma
um aumento do número de países exportadores, contribuindo para a criação de um
mercado internacional.
Novos biocombustíveis (biogás)
-
ampliar as alternativas de tratamento de resíduos orgânicos, o biogás tem sido alvo de
diversas iniciativas de fomento ao redor do mundo, com destaque para países como
Alemanha e EUA.
orgânico e de CO2
eletricidade e em veículos, em substituição ao diesel e, com algum processamento, ao
difere da energia eólica ou solar, podendo ser estocado a custos baixos, seja na forma
de matéria-prima, seja como gás comprimido. Além disso, em virtude de sua estabi-
lidade, o biogás pode atuar como mecanismo regulador da intermitência das fontes
não somente é de baixa emissão como também mitiga a poluição que seria causada,
em caso de não aproveitamento, pelos próprios resíduos que constituem suas fontes
atendimento da demanda por energia elétrica em áreas distantes do meio rural.
-
CO2 e para a sustentabilidade ambiental.
São necessárias não apenas políticas públicas que gerem estímulos essenciais para
o desenvolvimento e a adoção de tecnologias de produção do biogás, mas também
medidas que incentivem o consumo do produto (por exemplo, o RenovaBio).
que incentive sua maior inserção, o biogás terá papel fundamental a desempenhar
2 definidas pelo Acordo de
Paris e no aumento da competitividade e sustentabilidade do setor agroindustrial
do Brasil.
99BIOCOMBUSTÍVEIS
Como transformar o setor
Plataforma para o Biofuturo
O Acordo de Paris, celebrado na 21ª Conferência das Partes da Convenção-Quadro das
-
mento da urgência da transição para uma economia global de baixo carbono, no qual quase
Nacionalmente Determinadas Pretendidas (Intended Nationally Determined Contributions –
o conjunto da economia.
-
mento dos biocombustíveis. Posteriormente, o Brasil, sob a liderança do Itamaraty, logrou
a criação da Plataforma para o Biofuturo, aliança internacional de vinte países que busca
promover o desenvolvimento dos biocombustíveis avançados.
Considerando-se: o estágio crítico do desenvolvimento dessas tecnologias poten-
mudança do clima no setor de transportes, criando oportunidades para o Brasil e os
demais países parceiros.
Atualmente, o Brasil tem uma capacidade de produção de etanol que praticamente
-
guir. Para que isso ocorra, é necessário que mais países desenvolvam também a produção
No mercado de E1G, não há previsão de mudança nos principais países produtores,
pois as características de custo, clima e solo limitam a área de produção. Porém, com a
inserção da tecnologia do E2G, o número de concorrentes pode aumentar, na medida
a entrar no mercado.
100 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
versus -
o alternativo de terra para produção de combustíveis, resultando, argumenta-se, em um
aumento dos preços dos alimentos. Em relação ao segundo fator, sustentabilidade ambien-
2. Contudo, no
2 -
ambiental dos EUA.
-
do etanol de cana em outros países, o BNDES reuniu em uma mesma publicação diversas
técnico que avaliou a viabilidade da produção de biocombustíveis nos países-membros da
Nesse contexto, com a colaboração internacional proporcionada pela Plataforma para
o Biofuturo, políticas públicas consistentes e resilientes certamente terão mais chances
de ser implementadas ou ampliadas, nos níveis nacional e internacional. Isso contribuirá
-
volvimento dos biocombustíveis avançados, bem como a oferta de outros bioprodutos e
biomateriais em substituição aos de origem fóssil, além de permitir desenvolver um co-6
Eletrificação veicular com biocombustíveis
Como alternativa para os veículos a combustão interna, destaca-se a evolução da ele-
em contínua evolução, o custo e o peso ainda excessivos das baterias, o elevado tempo de
recarga, a carente infraestrutura de recarga e a limitada autonomia são alguns dos princi-
6 et al. (2017).
101BIOCOMBUSTÍVEIS
com baixa malha ferroviária (em desenvolvimento), a alta participação do transporte rodo-
ainda está em estágio inicial de desenvolvimento tecnológico.
motor a combustão interna com um ou mais motores elétricos para propulsão. Em linhas
bateria e menor o motor a combustão. Por terem a opção de serem reabastecidos com
-
xibilidade de abastecimento do que os veículos puramente elétricos, além de também
2
se concentra a maior parte da frota de veículos elétricos, como EUA, China e Europa.
de biocombustíveis.
Nesse cenário, apesar de ainda distante, o Brasil ocupa posição privilegiada no
de CO2
país tem elevada participação de fontes hidráulicas. Ademais, ao desenvolver híbridos
baseados em biocombustíveis, o Brasil poderia se tornar plataforma de exportação des-
ses veículos para países sem disponibilidade de energia elétrica renovável em volume
Biorrefinarias
-
desenvolvimento da tecnologia 2G, haverá a oferta de açúcares provenientes da celulose,
cujo processamento para açúcar alimentício não é adequado. Assim, esses açúcares 2G não
102 VISÃO 2035: BRASIL , PAÍS DESENVOLVIDO
commodity
incentivará outros investimentos em química renovável.
Ademais, a oferta de biomassa em custos competitivos permitirá a transição de outros
segmentos que atualmente se baseiam em insumos fósseis, como a petroquímica, o que
representa uma grande oportunidade para a produção, em uma mesma planta, de químicos
verdes e E2G. O conjunto de produtos químicos, sobretudo aqueles com diversas aplica-
building blocks –, compreende uma grande diversidade de
-
logias de conversão de biomassa, que tem sido comumente denominado de biotecnologia
como os biocombustíveis de maior densidade energética (querosene de aviação, diesel e
Conclusão
da relevância da questão ambiental, juntamente com o progressivo esgotamento dos
recursos naturais fósseis. Recentemente, a política de estabilidade do preço da gasolina
com outros fatores, resultou na estagnação de investimentos. Assim, para destravar o
potencial de crescimento do setor, é necessária, entre outras medidas, a manutenção da
da incorporação de novas tecnologias, como o E2G, novas variedades de cana e novos
biocombustíveis, será necessária a implementação de políticas governamentais como o
RenovaBio, que serão fundamentais para acelerar esses avanços, permitindo vislumbrar a
ampliar a participação internacional do etanol brasileiro, por meio de iniciativas como
a Plataforma para o Biofuturo, além de incentivar a migração do setor para o paradigma
bioprodutos sustentáveis, incluindo não apenas combustíveis, mas também produtos
químicos de maior valor agregado.
103BIOCOMBUSTÍVEIS
Referências
A contribuição da biotecnologia
industrial ao desenvolvimento brasileiro.
Perspectivas do
etanol na matriz de transportes do Brasil. Campinas, 2016. In:
Químicos com base
energia para o desenvolvimento sustentável.
et al. De promessa a realidade: como o etanol celulósico pode revolucionar a indústria BNDES
Setorial
produção de etanol hidratado carburante? BNDES Setorial
Plataforma para o Biofuturo. BNDES Setorial
et al. A corrida tecnológica pelos biocombustíveis de segunda geração: uma perspectiva comparada. BNDES Setorial
crise estrutural? BNDES Setorial, Rio de Janeiro, n. 37, p. 399-442, mar. 2013. Disponível em:
. Building partnerships