Pré vestibulares populares
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O ENSINO DE BIOLOGIA NA EDUCAÇÃO POPULAR: UMA EXPERIÊNCIA A
PARTIR DO CONTEXTO PRÉ-UNIVERSITÁRIO EM SÃO JOSÉ DO NORTE.
Marcelo de Oliveira1
Vilmar Alves Pereira2
Universidade Federal do Rio Grande – PET Conexões de Saberes da Educação Popular e
Saberes Acadêmicos.
Eixo Temático: PAULO FREIRE e a Educação Popular (ambientes diversos)
Resumo:
O presente trabalho é um relato de experiência de dois anos em ensino de Biologia no
curso popular pré-universitário OUSADIA, localizado no município de São José do Norte –
RS. Este curso popular é um dentre os oito que compõe o programa PAIETS - Programa de
Apoio e Ingresso ao Ensino Técnico e Superior - projeto de extensão de notável repercussão
na comunidade proposto pela Universidade Federal do Rio Grande - FURG, cujo objetivo é
que neste ambiente possibilite as pessoas que não têm recurso financeiro para pagar um curso
pré-vestibular, práticas em educação popular. O objetivo desse texto é mostrar que neste
ambiente é possível uma aprendizagem significativa, já que são abordadas questões do
cotidiano da localidade como: a pesca, a agricultura e economia local. A partir dessa realidade
traçamos um paralelo junto as idéia que servem de base e fundamentam a nossa prática.
Palavras-chave: ensino de Biologia, educação popular, pré-universitários populares
Contexto do Município e do Curso Pré-Universitário Ousadia
O município de São José do Norte é conhecido como encontro das águas, pois
geograficamente está localizado próximo à desembocadura da Laguna dos Patos. Um
ecossistema de fundamental importância, onde acontece o encontro das águas doces que
1 Acadêmico do curso de Ciências Biológicas - Licenciatura da Universidade Federal do Rio Grande – FURG
([email protected]) 2 Doutor em Educação, professor e pesquisador no Instituto de Educação e nos Programas de Pós-Graduação
em Educação em Ciências e Educação Ambiental da Universidade Federal do Rio Grande. Brasil. ([email protected])
descem a laguna e encantadamente deságuam nas águas salgadas no Oceano Atlântico. A
maioria dos nortenses são pescadores ou dependem de alguma forma da pesca artesanal.
Filhos de pescadores são nossos principais atores no contexto deste pré-universitário popular.
No município vivem aproximadamente 25 mil habitantes de (IBGE 2010) Uma parte dessa
população corresponde a famílias do meio rural (aproximadamente 7 mil) que sobrevivem da
agricultura e plantio da cebola, assim como da pesca artesanal, importante e fundamental
renda dos Nortenses. Também destacamos a indústria madeireira como forma de emprego
para essa comunidade. A silvicultura está na região desde dec.80 e traz grande impacto
as áreas de preservação, dunas e banhados, acarretando na descaracterização dos habitats
naturais/nativos da planície costeira.
Ensino de Ciências e Biologia no contexto tradicional.
Nos anos de 1980, e poderíamos dizer até o começo dos anos de 1990, vivíamos um
ensino centrado exclusivamente na necessidade de fazer com que os estudantes adquirissem
conhecimentos científicos. Não se escondia o quanto a transmissão (massiva) de conteúdos
era o que importava. Um dos índices de eficiências de um professor – ou de um transmissor
de conteúdos era a quantidade de páginas repassadas aos estudantes – os receptores. Um
estudante competente era aquele que sabia mais, isto é, que era depositário do conhecimento.
Talvez pudessem recordar quantos conhecimentos que não foram tão úteis e
amolaram em dias de provas e avaliações. Quantas classificações botânicas, quantas famílias
zoológicas cujos nomes ainda perambulam em nossa memória como cadáver insepulto,
quantas configurações eletrônicas de elementos químicos, quantos conceitos de genética
sabidos por um tempo – até o dia de uma prova – e depois desejadamente esquecidos. Nesse
paradigma os professores que faziam com que os estudantes adquirissem esses
conhecimentos.
Quando se faz essas considerações, não há como não evocar, mais uma vez, as
concepções de uma educação bancária, que Paulo Freire denunciava, com veemência, já em
tempos anteriores aos referidos. Também a ele podemos creditar muitas das alterações nas
tendências referidas. Para Freire:
O ensino dos conteúdos não pode ser feito, a não ser
autoritariamente, vanguardistamente , como se fossem coisas,
saberes, que se podem superpor ou justapor ao corpo consciente dos
educandos, ensinar, aprender, conhecer não têm nada que ver com
essa prática mecanicista. (FREIRE, 1997)
Hoje não se pode mais conceber propostas para ensino de Biologia sem incluir nos
currículos componentes que estejam orientados na busca de aspectos sociais e pessoais dos
estudantes. Pensamos no contexto atual, como uma necessidade emergente de uma
alfabetização científica, como uma das dimensões para potencializar alternativas que
privilegiam uma educação mais comprometida. Acreditamos que se possa pensar mais
amplamente nas possibilidades de fazer que @s educand@s, ao entenderem a Biologia e
Ciências, possam compreender melhor as manifestações do universo, e principalmente a
compreender a diversidade da vida. É importante fazer que eles entendam que a ciência pode
ser uma linguagem construída pelos homens e pelas mulheres para explicar nosso mundo
natural. (CHASSOT, 1995).
2. A Experiência do Ensino de Biologia na Educação Popular;
As aulas foram planejadas previamente através de pesquisas e levantamento de temas
relevantes no momento histórico atual. Sabemos que o Exame Nacional do Ensino Médio –
Enem - trouxe uma proposta inovadora apresentada pelo Ministério da Educação através da
sua utilização como forma de seleção unificada nos processos seletivos das universidades
públicas federais. Esta proposta teve como principais objetivos democratizar as oportunidades
de acesso, possibilitar a mobilidade acadêmica e induzir a restauração dos currículos do
Ensino Médio (INEP 2011). Isso fez com que a estrutura dos pré-universitários populares se
remodelasse e se auto-avaliasse já que as questões não são fragmentadas por disciplinas,
como a educação tradicional nos apresentantou até o momento, como a própria biologia, e
sim, as questões por áreas do conhecimento como: Ciências das Naturezas e suas
Tecnologias. Competências essas que englobam compreender as ciências naturais e suas
tecnologias e elas associadas como construções humanas, percebendo seus papeis nos
processos de produção e no desenvolvimento social e econômico da sociedade.
Destacamos alguns temas que tem sido diálogos de frutíferas discussões neste
ambiente de aprendizagem:
Degradação ambiental e desfragmentarão de ambientes naturais acarretando extinção
de espécies de flora e fauna nativa. Geralmente este assunto tem trazido calorosas discussões
nas aulas de Biologia, já que os educando têm consciência crítica e convivem no município
com a expansão da monocultura do pinnus eliotis para utilização da pasta de celulose para a
indústria do papel. É importante registrarmos que esta espécie alvo para silvicultura é uma
exótica e o ecossistema local não suporta árvores de grande porte, acarretando na
descaracterização das extensas dunas e dos pequenos animais endêmicos que delas
sobrevivem. Essa realidade tem sido pauta nas discussões e preocupação dos educandos do
curso. A partir do contexto local podemos estudar as grandes questões ambientais globais.
Outro tema gerador é o explotamento dos estoques pesqueiros da Laguna dos Patos, já
que muitos dos atores educacionais são de família cujos pais e avós são/foram pescadores e
retiraram do meio ambiente o recurso para a sua sobrevivência. Neste contexto, nossas aulas
se direcionaram para o entendimento dos sistemas ecológicos que são governados por
princípios gerais físicos e biológicos. Compreendemos que os humanos são uma parte
importante na biosfera e que os impactos humanos no mundo natural têm se tornado
freqüentemente um foco da Ecologia. Nossos estudos possibilitaram a compreensão de que as
comunidades de pescadores artesanais do estuário da Lagoa dos Patos estão vulneráveis a
flutuações anuais de captura do pescado, que derivam em parte da variabilidade climática
além do declínio dos estoques pesqueiros nos últimos 20 anos.
Ao se problematizar as questões climáticas, os estudos se ampliaram em diversos
temas geradores. Através dos encontros compreendemos que a biodiversidade do planeta pode
ser contada através de uma história com escala de tempo geológico, e que as espécies co-
evoluíram ao longo desse tempo. As mudanças no clima deslocaram as distribuições de
plantas e animais. Os humanos têm causado extinções irreversíveis em espécies de flora e
fauna em detrimento do desenvolvimento econômico. Percebemos que há necessidade de
planos de conservação para espécies específicas e conservação de habitats importantes para
futuras gerações, tais como a Floresta Amazônica.
A partir desses temas geradores, as nossas aulas seguiram em um rumo que os
próprios educados foram trazendo questões ambientais de temas ligados ao ensino de biologia
que possibilitaram que eles avaliassem propostas teóricas de intervenção no ambiente que
considerassem a qualidade de vida humana ou medidas de conservação, recuperação e
utilização sustentável da biodiversidade. Esta práxis possibilitou a construção coletiva do
conhecimento, pois não se tratou de uma educação bancária, mas de uma práxis que
privilegiou o trabalho coletivo de todos os educandos/educadores num processo de reflexão
crítica e discussão das questões atuais envolvem as ciências da natureza.
Consideramos que o ensino de Biologia no ambiente dos cursinhos pré-Enem populares
possibilitam uma educação fundamentada na prática libertadora, embasada no princípio que
ninguém educa ninguém, ninguém educa a si mesmo, os homens se educam entre si mediados
pelo mundo, pelas experiências de cada um, pela evolução do processo e buscando um novo
passo a cada dia. Com base nisso, estas vivências para a construção do meu sujeito são de
grande valia, pois ao longo de minha práxis no contexto destes espaços tenho educado-me
constantemente e aos pouco conseguimos distanciar-nos do pensamento de que ensinar é
transferir conhecimento, mas criar possibilidades para a sua produção e construção. Contudo,
quem ensina aprende ao ensinar, e quem aprende ensina ao aprender (FREIRE, 1996). Enfim,
[...] o educador já não é mais o que apenas educa, mas o que
enquanto educa, em diálogo com o educando que, ao ser educado, também
educa. Ambos assim se tornam sujeitos do processo em que crescem juntos
em que os "argumentos de autoridade" já não valem. E que, para ser-
se,funcionalmente autoridade, se necessita de estar sendo com as liberdades,
e não contra elas. (FREIRE, 2003)
O estímulo a leitura foi uma metodologia usada constantemente nas aulas de Biologia.
A partir de notícias de jornais com manchetes atuais. Leituras de artigos científicos e revistas
especializadas em Ciências e Meio Ambiente. Buscamos matérias que de alguma forma
tivessem haver com o contexto em que os atores envolvidos estivessem vivendo, muitas vezes
a sugestão de leitura emanou da própria turma. Assim nossas idéias vão de encontro à Freire,
que diz:
A leitura do mundo precede a leitura da palavra, daí que a posterior
leitura desta não possa prescindir da continuidade da leitura daquele.
Linguagem e realidade se prendem dinamicamente. A compreensão do texto
alcançada por sua leitura crítica implica na percepção das suas relações entre
o texto e o contexto. (FREIRE, 1921).
Os ideais Freirianos tem sido de extrema valia para a emancipação crítica dos sujeitos
envolvidos no curso pré-universitário Ousadia – São José do Norte.
Considerações Finais:
O ensino de biologia no contexto da educação popular é mais prazeroso e menos
mecanicista tanto para os educando quanto para os educadores envolvidos nessa prática, pois
não envolve decorar conceitos. Os pré-universitários populares é uma forma de que a classe
dos trabalhadores, pescadores, agricultores, têm para se preparar para as provas do Enem e ter
uma real oportunidade de transformar suas realidades.
Referências:
INEP - Instituto Nacional de Pesquisas Educacionais Anuísio Teixeira
http://www.enem.inep.gov.br/enem
FREIRE, Paulo. Pedagogia do oprimido. 35ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2003.
FREIRE, Paulo. A importância do ato de Ler. 23ª ed. São Paulo: Autores Associados,
Cortez, 1989.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não – cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Editora
Olho d`Água, 1997.
CHASSOT, Attico. Para que(m) é útil o ensino? Canoas: Editora da Ulbra.