Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto...

26
ESTUDOS ORIGINAIS Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 417 A emergência e as variações na distribuição de fenotipos de estirpes bacterianas pa- togénicas resistentes aos antimicrobianos têm sido relacionadas com a exposição da população àqueles fármacos, sendo geralmente aceite, hoje em dia, a existência de uma relação di- recta, embora complexa, entre a utili- zação dos antimicrobianos e a prevalên- cia de microrganismos patogénicos re- sistentes entre as comunidades huma- nas. Esta noção baseia-se, sobretudo, no postulado de que a emergência destas estirpes tem como causa principal a se- lecção de estirpes mutantes, portadoras de genes que codificam os diferentes mecanismos de resistência, e que, exis- tindo na população em percentagens que são diminutas em condições «selva- gens», se podem tornar mais signifi- cativas em condições de exposição mas- siva e/ou prolongada aos antimicrobia- nos. Assim, nos casos em que estes mu- tantes possuam um perfil de virulência adequado, as populações resistentes vão tornar-se mais prevalentes a nível da comunidade, assumindo um papel preponderante na colonização das mu- cosas dos portadores e dos doentes por eles infectados e resultando numa re- dução das taxas de resposta microbio- lógica e clínica aos antibióticos, tradu- zindo-se num acréscimo da mortalida- de, da morbilidade, da qualidade de vida e dos custos associados à prestação de cuidados de saúde. As preocupações com o que se con- vencionou designar por «resistência an- Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto respiratório em Portugal continental LUIS CALDEIRA*, ÉLIA REMÍSIO**, ÂNGELA ANTÓNIO**, PEDRO AGUIAR***, ANTÓNIO FONSECA****, ANTÓNIO FARIA VAZ*****, VASCO MARIA***** INTRODUÇÃO *Médico Infecciologista **Licenciada em Ciências Farmacêuticas ***Bioestatista ****Licenciado em Informática *****Médico da carreira de Clínica Geral Observatório do Medicamento e dos Produtos de Saúde (OMPS), INFARMED RESUMO Apresentam-se os resultados de um estudo destinado a caracterizar e avaliar a adequação da prescrição de antibióticos para infecções respiratórias por parte dos médicos de Medicina Geral e Familiar (MF). Para o efeito, foi inquirida, entre os meses de Dezembro de 2001 e Janeiro de 2002, uma amostra aleatória de MF, estratificada por etapas sucessivas, quanto ao tipo de an- tibiótico prescrito em infecções do foro respiratório. Participaram no estudo, enviando pelo menos uma ficha adequadamente preenchida, 247 médicos de Clínica Geral e da carreira de Medicina Geral e Familiar. Foi avaliado um total de 2.200 prescrições, correspondendo a 2.257 indicações. A idade média dos doentes foi de 31,87. As indicações para a prescrição de antibióticos com 100 ou mais inquéritos válidos foram, por ordem decrescente de frequência, a amigdalite (663, 29,38%), bronquite (430, 19,05%), otite (315, 13,96%), sinusite (232, 10,28%), faringite (228, 10,10%), rinite/rinofaringite (212, 9,39%), e a pneumonia (116, 5,14%). Os grupos ATC3 de antimicrobianos mais prescritos foram, por ordem decrescente de frequência, os beta- lactâmicos/penicilinas (50,55%), os macrólidos (23,09%), as cefalosporinas (14,77%), as quinolonas (8,32%), as tetraciclinas (2,45%) e as sulfonamidas/trimetoprim (0,59%). No refe- rente ao nível ATC5, o antimicrobiano mais prescrito foi a associação amoxicilina/ácido clavulâni- co (35,36%), a qual foi, também, o antibiótico mais prescrito em cada uma das situações clíni- cas referidas. No que respeita ao perfil dos fármacos escolhidos para cada indicação, foram evi- denciadas situações de clara inadequação, salientando-se a larga e não justificada utilização da associação amoxicilina/ácido clavulânico no tratamento da amigdalite/faringite. Os antibióti- cos foram frequentemente prescritos em situações clínicas nas quais não estão formalmente in- dicados e as recomendações do FEM quanto a fármacos de primeira linha apenas foram obser- vadas para a pneumonia. Os autores concluem pela possibilidade de obter benefícios clínicos e económicos significativos melhorando a prática clínica corrente nesta área específica através de intervenções apropriadas. Palavras-Chave: Antimicrobianos; Antibióticos; Infecções Respiratórias; Utilização de Fármacos.

Transcript of Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto...

Page 1: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 417

A emergência e as variaçõesna distribuição de fenotiposde estirpes bacterianas pa-togénicas resistentes aos

antimicrobianos têm sido relacionadascom a exposição da população àqueles

fármacos, sendo geralmente aceite, hojeem dia, a existência de uma relação di-recta, embora complexa, entre a utili-zação dos antimicrobianos e a prevalên-cia de microrganismos patogénicos re-sistentes entre as comunidades huma-nas.

Esta noção baseia-se, sobretudo, nopostulado de que a emergência destasestirpes tem como causa principal a se-lecção de estirpes mutantes, portadorasde genes que codificam os diferentesmecanismos de resistência, e que, exis-tindo na população em percentagensque são diminutas em condições «selva-gens», se podem tornar mais signifi-cativas em condições de exposição mas-siva e/ou prolongada aos antimicrobia-nos. Assim, nos casos em que estes mu-tantes possuam um perfil de virulênciaadequado, as populações resistentesvão tornar-se mais prevalentes a nívelda comunidade, assumindo um papelpreponderante na colonização das mu-cosas dos portadores e dos doentes poreles infectados e resultando numa re-dução das taxas de resposta microbio-lógica e clínica aos antibióticos, tradu-zindo-se num acréscimo da mortalida-de, da morbilidade, da qualidade de vidae dos custos associados à prestação decuidados de saúde.

As preocupações com o que se con-vencionou designar por «resistência an-

Prescrição de antibióti-cos para infecções dotracto respiratório emPortugal continentalLUIS CALDEIRA*, ÉLIA REMÍSIO**, ÂNGELA ANTÓNIO**, PEDRO AGUIAR***, ANTÓNIO FONSECA****, ANTÓNIO FARIA VAZ*****, VASCO MARIA*****

EDITORIAISINTRODUÇÃO*Médico Infecciologista**Licenciada em Ciências

Farmacêuticas***Bioestatista

****Licenciado em Informática*****Médico da carreira de Clínica

Geral

Observatório do Medicamento e dos Produtos de Saúde (OMPS),

INFARMED

RESUMOApresentam-se os resultados de um estudo destinado a caracterizar e avaliar a adequação daprescrição de antibióticos para infecções respiratórias por parte dos médicos de Medicina Geral eFamiliar (MF). Para o efeito, foi inquirida, entre os meses de Dezembro de 2001 e Janeiro de2002, uma amostra aleatória de MF, estratificada por etapas sucessivas, quanto ao tipo de an-tibiótico prescrito em infecções do foro respiratório. Participaram no estudo, enviando pelo menosuma ficha adequadamente preenchida, 247 médicos de Clínica Geral e da carreira de MedicinaGeral e Familiar. Foi avaliado um total de 2.200 prescrições, correspondendo a 2.257 indicações.A idade média dos doentes foi de 31,87. As indicações para a prescrição de antibióticos com 100 ou mais inquéritos válidos foram, por ordem decrescente de frequência, a amigdalite (663,29,38%), bronquite (430, 19,05%), otite (315, 13,96%), sinusite (232, 10,28%), faringite(228, 10,10%), rinite/rinofaringite (212, 9,39%), e a pneumonia (116, 5,14%). Os gruposATC3 de antimicrobianos mais prescritos foram, por ordem decrescente de frequência, os beta-lactâmicos/penicilinas (50,55%), os macrólidos (23,09%), as cefalosporinas (14,77%), asquinolonas (8,32%), as tetraciclinas (2,45%) e as sulfonamidas/trimetoprim (0,59%). No refe-rente ao nível ATC5, o antimicrobiano mais prescrito foi a associação amoxicilina/ácido clavulâni-co (35,36%), a qual foi, também, o antibiótico mais prescrito em cada uma das situações clíni-cas referidas. No que respeita ao perfil dos fármacos escolhidos para cada indicação, foram evi-denciadas situações de clara inadequação, salientando-se a larga e não justificada utilização daassociação amoxicilina/ácido clavulânico no tratamento da amigdalite/faringite. Os antibióti-cos foram frequentemente prescritos em situações clínicas nas quais não estão formalmente in-dicados e as recomendações do FEM quanto a fármacos de primeira linha apenas foram obser-vadas para a pneumonia. Os autores concluem pela possibilidade de obter benefícios clínicos eeconómicos significativos melhorando a prática clínica corrente nesta área específica através deintervenções apropriadas.

Palavras-Chave: Antimicrobianos; Antibióticos; Infecções Respiratórias; Utilização de Fármacos.

Page 2: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

timicrobiana» («antimicrobial resistance»)têm-se materializado, nos últimos anos,no delinear de numerosas acções, inter-nacionais e nacionais, destinadas aaprofundar o conhecimento sobre asrelações entre a utilização de antimicro-bianos e a emergência de estirpes resis-tentes, no sentido de tentar reduzir assuas consequências clínicas, sociais eeconómicas. Estas acções têm, geral-mente, partido do pressuposto de queo combate à resistência bacteriana nãopassa, apenas, pelo desenvolvimento denovos fármacos antimicrobianos e denovas estratégias de tratamento dasdoenças infecciosas, mas também poruma racionalização da utilização dosfármacos já existentes, baseada, quan-to possível, num conhecimento da rea-lidade epidemiológica de cada região noque respeita à prevalência de resistên-cias, aliado ao aprofundamento dosconhecimentos sobre as relações entrea exposição a cada fármaco ou grupo defármacos e à emergência específica defenotipos resistentes. Como exemplo,salientamos as recomendações emana-das pelo Conselho das Comunidades,em Novembro de 2001 (2002/77/EC),sobre «A Utilização Prudente de AgentesAntimicrobianos em Medicina Huma-na», onde se definem as linhas mestraspara as necessárias acções, comunitá-rias e de cada estado membro, nasáreas da vigilância, educação, informa-ção, prevenção, controlo e investigaçãoneste campo.

A exposição das populações aos fár-macos antimicrobianos resulta da sualarga utilização, quer ao nível da indús-tria alimentar, que absorve uma percen-tagem significativa dos antimicrobianosdispensados na maioria dos países in-dustrializados, quer através do seu usoem medicina humana. A disponibiliza-ção de numerosos princípios activos porparte da indústria farmacêutica no fi-nal do século XX, nem sempre eviden-ciando vantagens terapêuticas, veio au-mentar a pressão sobre o prescritor e o

dispensador, traduzindo-se, em últimaanálise, numa maior acessibilidade aestes agentes terapêuticos por parte dodoente/consumidor e gerando índicescrescentes da utilização e exposição daspopulações aos antimicrobianos.

Os cuidados de saúde primáriosabsorvem a maior parte dos antimicro-bianos utilizados em medicina humana.Neste particular, Portugal apresenta-secomo um dos países com maior índicede utilização deste grupo de fármacosa nível da comunidade europeia, deacordo com os resultados dum estudocomparativo dos níveis de utilização pa-ra o ano de 19971, segundo o qual Por-tugal regista uma utilização global percapita da ordem das 29 doses diáriasdefinidas (DDD) por 1.000 habitantespor dia, apenas ultrapassado pelaFrança (36 DDD/1.000 habitantes//dia) e pela Espanha (32 DDD/1.000habitantes/dia), e correspondendo auma utilização cerca de 38% superiorà média comunitária (21 DDD/1.000habitantes/dia) e cerca de 321% supe-rior à da Holanda, que foi o país que re-gistou menor índice de utilização. Paraalém disso, os resultados da actividadede monitorização do consumo de an-timicrobianos em Portugal entre osanos de 1995 e 2002, compilados peloINFARMED no âmbito do programaESAC2, confirmam esta posição de des-taque ao nível europeu e revelam umconsumo crescente ao longo dos anos,com um acréscimo percentual globalda ordem dos 24%.

Sendo difícil de admitir que estas di-ferenças nos índices de utilização este-jam associadas com variações correlati-vas na incidência das patologias quemotivam a prescrição, quer ao nível dosdiferentes estados membros, quer noque diz respeito à realidade nacional aolongo dos últimos anos, a hipótese deuma utilização incorrecta, desde logopor desnecessária, de antimicrobianosna área dos Cuidados Primários de Saú-de, não pode deixar de ser considerada

418 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 3: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

como possível e de merecer análise ade-quada. Para o efeito, torna-se necessá-rio complementar as actuais acções demonitorização do volume de antimicro-bianos consumidos na comunidadecom dados relativos ao tipo de indica-ções clínicas que motivam esta prescri-ção, a fim de permitir avaliar a adequa-ção da mesma e, em última análise, de-terminar áreas de intervenção a fim decorrigir eventuais desvios a esta ade-quação na utilização.

A utilização de antimicrobianos aonível do Serviço Nacional de Saúde, járeferenciada, foi alvo de uma monitori-zação levada a cabo pelo INFARMED, deforma sistemática, entre os anos de1995 e 1999, permitindo uma razoávelcaracterização do perfil dos fármacosprescritos com maior frequência, ex-pressa em DDD/1.000 habitantes/dia,de acordo com a classificação AnatomicTherapeutic Chemical (ATC) da Organi-zação Mundial de Saúde, e por Subre-gião de Saúde. Esta acção de monitori-zação permitiu estabelecer o perfil dadispensa de antimicrobianos em Portu-gal, independentemente das indicaçõespara as quais foram prescritos.

No entanto, são raros os estudos con-duzidos em Portugal com o objectivo dedeterminar os tipos de antibióticos maisprescritos para cada indicação, bem co-mo os factores que determinam essaescolha, tendo em conta a variedade demedicamentos geralmente disponíveispara o tratamento de cada tipo de infec-ção. De facto, a maioria dos fármacosantimicrobianos detentores de autori-zação para introdução no mercado na-cional e não sujeitos a restrições do pon-to de vista da prescrição estão aprova-dos para utilização nas indicações rela-cionadas com patologia infecciosa maisfrequentemente encontradas na áreados cuidados de saúde primários, desig-nadamente na patologia das vias respi-ratórias.

O Observatório Nacional de Saúde(ONSA) publicou, recentemente, os re-

sultados de um programa de notificaçãode prescrição de antimicrobianos, deacordo com a indicação e as variáveisdemográficas dos doentes, entre a Redede Médicos Sentinela, durante o ano de20013, verificando-se que, neste grupode médicos, as penicilinas foram ogrupo de antimicrobianos (ClassificaçãoFármaco-Terapêutica) mais frequente-mente prescrito e que cerca de metadedas prescrições de fármacos destegrupo foram da associação amoxicili-na/ácido clavulânico. Outros resulta-dos interessantes deste estudo pren-dem-se com a elevada densidade deprescrição nos grupos etários mais jo-vens (menos de10 anos) e com a taxade utilização de fluoroquinolonas nasinfecções da pele e tecidos moles (20%).

Outro estudo retrospectivo, tambémrecente4, levado a cabo na Unidade deSaúde de Vialonga, Subregião de Saúdede Lisboa durante o ano de 2000, reve-lou uma taxa de prescrição de antimi-crobianos em 23,3 % das consultas,sendo o grupo mais frequentementeprescrito, independentemente da indi-cação, o dos macrólidos (30 %) e tendoa benzilpenicilina sido responsável porapenas 2,2 % das prescrições de antimi-crobianos, apesar de a amigdalite ter si-do, individualmente, o diagnóstico quemais frequentemente motivou a pres-crição. Estes resultados, para além deatestarem a importância de que se re-veste a prescrição de fármacos destegrupo, parecem apontar para a falta deadesão às recomendações terapêuticasmais actuais, reforçando a necessidadede um maior aprofundamento do perfilde prescrição de antimicrobianos paracada indicação.

Foi tendo em conta esta necessidadeque se desenhou o presente estudo,através do qual se pretende analisar a distribuição da prescrição dos di-ferentes subgrupos de antibióticos, deacordo com a classificação ATC, paracada uma de um grupo de indicaçõesrelacionadas com patologia infecciosa

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 419

Page 4: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

das vias respiratórias.

Realizámos um estudo observacional,transversal, de avaliação de prevalênciade prescrição, com o objectivo de carac-terizar a prescrição de antibióticos nasinfecções do tracto respiratório porparte dos médicos de clínica geral e dacarreira de medicina geral e familiar docontinente português em Dezembro de2001. O estudo baseou-se num inqué-rito tendo por população-alvo o univer-so dos médicos de clínica geral e da car-reira de medicina geral e familiar exer-cendo funções nos centros de saúde erespectivas extensões do continenteportuguês.

Escolha das variáveisEstabeleceu-se como variável depen-dente o tipo de antimicrobiano prescritopara um conjunto de infecções das viasaéreas, tendo em consideração a eleva-da prevalência destas patologias emmedicina comunitária e a frequênciacom que estas, tomadas na sua genera-lidade, são motivo de prescrição de an-timicrobianos na generalidade dos paí-ses industrializados. As patologias espe-cíficas escolhidas para constituir a va-riável dependente foram designadas deacordo com a nomenclatura CIPS 2Definida.

A variável dependente foi designadapor «ATC», tendo em conta a opção pelaclassificação Anatomical TherapeuticChemical dos fármacos que constituemo domínio desta variável5. Foram aindadefinidos, para efeito da análise, trêsvariáveis/nível para a classificaçãoATC, correspondendo as designações«ATC3», «ATC4» e «ATC5», respectiva-mente, aos códigos de 3o, 4o e 5o níveisdaquela classificação. A variável depen-dente ATC foi ainda avaliada de acordocom as seguintes características: • DOS: Dose unitária do fármaco pres-

crito, em miligramas (mg) ou unidadesinternacionais (UI), de acordo com aaplicabilidade;• VIA: Via de administração do fárma-co prescrito, sendo admitidas apenas asvias «oral», «IV» e «IM» para o tipo de in-dicações escolhidas para a variável in-dependente;• POS: Posologia do fármaco prescrito,expressa em número de tomas/dia.

Foram escolhidos, como variáveis in-dependentes relativas ao prescritor e aolocal da prescrição, os seguintes parâ-metros:• SXM: Sexo do médico inquirido;• IDM: Idade do inquirido, posterior-mente estratificada em quatro gruposetários:

Grupo I: até aos 30 anos de idade;Grupo II: dos 31 aos 60 anos;Grupo III: dos 61 aos 65 anos;Grupo IV: mais de 65 anos;

• GCM: Grau da carreira médica;• APC: Anos de prática clínica;• RSM: Região de Saúde, compreen-dendo as regiões Norte (NOR), Centro(CEN), Lisboa e Vale do Tejo (LVT), Alen-tejo (ALE) e Algarve (ALG); SRS: Sub-re-gião de Saúde;

Relativamente ao acto de prescriçãode antimicrobianos, foram definidas asseguintes variáveis independentes:• IND: indicação para a qual foi pres-crito o antimicrobiano. As indicações--alvo escolhidas para a constituiçãodesta variável foram: amigdalite, faringi-te, otite, sinusite, rinite/rinofaringite,bronquite, pneumonia e laringite;• IDD: Idade do doente, posteriormenteestratificada em quatro grupos etários:

Grupo I: até aos 12 anos de idade;Grupo II: dos 13 aos 40 anos;Grupo III: dos 41 aos 64 anos;Grupo IV: 65 ou mais anos;SXD: Sexo do doente;

• COM: Presença de co-morbilidadespodendo afectar o tipo de prescrição;• ASC: Classificação da indicaçãoquanto ao tipo de apresentação em «agu-da», «crónica» ou «crónica agudizada»;

420 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

EDITORIAISMATERIAL E MÉTODOS

Page 5: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

• LMG: Classificação da indicaçãoquanto à gravidade em «ligeira», «mode-rada» ou «grave».

Metodologia do estudo De uma população de 6.334 médicosportugueses de clínica geral e da carrei-ra de medicina geral e familiar foi selec-cionada uma amostra aleatorizada, anível nacional, cuja dimensão foi deter-minada pela necessidade de obter umnúmero de 250 médicos participantes(aproximadamente 4% da população),preenchendo 10 fichas de inquérito ca-da no espaço máximo de duas sema-nas, para um total de 2.500 fichas, ouseja, uma amostra aleatória de 2.500doentes alvo de prescrição.

Assumindo uma taxa de respostamáxima de 15%, foi endereçado, pelocorreio, um convite à participação auma amostra aleatorizada, a nível na-cional, com estratificação por sub-re-gião de saúde, representada por umconjunto de 2.815 médicos de clínicageral e da carreira de medicina geral efamiliar do continente. Aos potenciaisparticipantes, adiante designados porinquiridos, era pedido o envio de umaresposta confirmando ou não a sua dis-ponibilidade em participar, de formaanónima, e a indicação do endereço pre-ferencial para futuras remessas de cor-reio. Foi enviado um segundo convite àparticipação e um pedido de devoluçãodos cadernos, mesmo que não comple-tamente preenchidos.

O inquérito era constituído por umaficha relativa a dados individuais domédico e por 10 fichas relativas aosdoentes incluídos no estudo, que deve-riam ser preenchidas, de forma conse-cutiva, sempre que, durante uma con-sulta de rotina ou de urgência, fossediagnosticada um infecção das vias res-piratórias (incluindo o tracto ORL) e fos-se julgado necessário prescrever um an-tibiótico.

O anonimato foi assegurado atravésda contratação de uma empresa, legali-

zada na Comissão Nacional de Protec-ção de Dados Pessoais, para fazer a im-pressão e distribuição das fichas. Estasfichas encontravam-se codificadas, sen-do essa codificação efectuada pela em-presa, não tendo o INFARMED acessoà correspondência médico-código. Umavez que os inquéritos, depois de preen-chidos pelos médicos, foram enviadosdirectamente para o INFARMED, a em-presa contratada não teve acesso aosdados.

Médicos inquiridosParticiparam no estudo, enviando pelomenos uma ficha adequadamentepreenchida, 247 médicos de clínica ge-ral e da carreira de medicina geral e fa-miliar, constituindo a amostra dosmédicos inquiridos. Dos participantes,127 (52,70%) eram do sexo masculinoe 114 (47,30%) do sexo feminino,situando-se a quase totalidade dosmédicos participantes no grupo etário I(31-60 anos) (238; 96,75%). A dis-tribuição dos inquiridos pelas cinco Re-giões de Saúde e pelas 18 Sub-regiõesde Saúde é apresentada no Quadro I.

A maioria dos médicos participantestinha o grau de Assistente (163/244;66,80%) ou de Assistente Graduado(49/244; 20,08%). A distribuição dosmédicos inquiridos quanto ao númerode anos de prática clínica esteve deacordo com a do ano de licenciatura edo grau da carreira médica, com 17(7,17%) dos inquiridos referindo 10 oumenos anos, 68 (28,69%) entre 11 e 20anos e 152 (64,14%) com mais de 20anos de prática clínica.

DoentesFoi avaliada uma amostra de 2.202fichas correspondentes a consultas emque foram diagnosticadas infecções dotracto respiratório, incidindo sobre 925doentes do sexo masculino (42,61%) e

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 421

EDITORIAISRESULTADOS

Page 6: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

422 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

QUADRO I

DISTRIBUIÇÃO DOS MÉDICOS INQUIRIDOS POR REGIÃO E SUB-REGIÃO DE SAÚDE

Região Sub-Região % N Total por Sub-Região (%)Norte Braga 8,13 20

Bragança 0,81 2Porto 13,01 32 65 (26,42)Viana do Castelo 1,63 4Vila Real 2,85 7

Centro Aveiro 8,54 21Castelo Branco 3,25 8Coimbra 4,47 11 69 (28,05)Guarda 2,44 6Leiria 4,88 12Viseu 4,47 11

Lisboa e Vale do Tejo Lisboa 22,76 56Santarém 4,47 11 83 (33,74)Setúbal 6,5 16

Alentejo Beja 2,03 5Évora 3,25 8 19 (7,72)Portalegre 2,44 6

Algarve Faro 4,07 10 10 (4,07)Total 100 246

1.246 do sexo feminino (57,39%). Aidade média dos doentes foi de 31,87anos (desvio padrão 24,42 anos; míni-mo um ano e máximo 90 anos). No querespeita ao grupo etário, 655 (30,31%)dos doentes tinham 12 anos ou menos,751 (34,75%) tinham entre 13 e 40anos, 474 (21,93%) tinham entre 41 e64 anos e 281 (13,0%) tinham 65 anosou mais.

A distribuição das indicações foi aapresentada no Quadro II.

No que respeita à classificação dasindicações quanto à duração (variávelASC), 1.874 (85,65%) das indicaçõesforam consideradas agudas, 273(12,48%) foram consideradas crónicasagudizadas e apenas 41 (1,87%) foramconsideradas crónicas. No que respei-ta à gravidade (variável LMG), a maio-ria foi considerada moderada (1.506,68,45%), sendo 548 (24,91%) classifi-cadas como ligeiras e 146 (6,64%) clas-sificadas como graves.

QUADRO II

DISTRIBUIÇÃO DAS INDICAÇÕES QUE MOTIVARAM APRESCRIÇÃO DE ANTIMICROBIANOS

Indicação % NAmigdalite 29,38 663Bronquite 19,05 430Otite 13,96 315Sinusite 10,28 232Faringite 10,10 228Rinite/rinofaringite 9,39 212Pneumonia 5,14 116Laringite 1,91 43Infecção respiratória 0,35 8

não especificada Bronquiolite 0,31 7Síndroma gripal 0,09 2Abcesso amigdalino 0,04 1Total 100,00 2.257

Page 7: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

No que respeita à existência de co-morbilidades passíveis de afectar aprescrição, estas foram referidas ape-nas em 12,49% das prescrições, peloque as co-morbilidades que afectaramde forma significativa o tipo de prescri-ção serão discutidas individualmentepara cada tipo de indicação.

Antimicrobianos prescritosTOTAL DE PRESCRIÇÕES

Foi avaliado um total de 2.200 prescri-ções, correspondendo a 2.257 indica-ções. Os grupos ATC3 de antimicrobia-nos mais prescritos foram, por ordemdecrescente de frequência, os betalactâ-micos/penicilinas (J01Cx*,6; 1.112//2.200 prescrições; 50,55%), os macró-lidos (J01F; 508/2200 prescrições;23,09%), as cefalosporinas (J01D; 325//2.200; 14,77%), as quinolonas (J01M;183/2.200; 8,32%), as tetraciclinas(J01A; 54/2.200; 2,45%), e as sulfona-midas/trimetoprim (J01E; 13/2200;0,59%). No referente ao nível ATC5 (Fi-

gura I), o antimicrobiano mais prescri-tos foi a associação amoxicilina/ácidoclavulânico (J01CR02; 778/2.200;35,36%).

RESULTADOS POR INDICAÇÃO

Os resultados a seguir apresentados re-ferem-se ao total de respondentes a ca-da pergunta, com excepção dos respei-tantes ao ATC nível 3 e à co-morbilida-de, em que a análise foi feita tendo emconta os seis grupos de ATC3 mais pres-critos já referidos. Ainda em relação àsco-morbilidades, dos 42 tipos diferentesque surgiram neste estudo apenas seapresentam em quadro as 13 mais fre-quentes (superior a 1,5% dos casos).

AmigdaliteA amigdalite foi a indicação mais fre-quente, correspondendo a 663/2.200(30,14%) prescrições. A maioria dosdoentes (310/657; 47,18%) pertenciamao grupo etário II (13-40 anos), seguidodo grupo etário I (12 ou menos anos)(253/657; 38,51%). Os antimicrobianos(AMs) mais prescritos para o diagnósti-co de «amigdalite», de acordo com o ní-vel de classificação ATC3, foram, por

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 423

16,00

14,00

8,00

10,00

12,00

6,00

4,00

0,00

2,00

pneum sinus farin rinite otite bronq amigd

ATC5 50

ATC5 80

ATC5 90

ATC5 100

Figura 1. Distribuição dos fármacos mais prescritos por indicação.

*Corresponde a um grupo composto dos antimicro-bianos ATC J01C, das diferentes associações de pe-nicilina G e das penicilinas G sem classificaçãoATC (por exemplo, penicilina clemizol).

Page 8: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

ordem decrescente de frequência, os be-talactâmicos/penicilinas (J01Cx; 406//660; 61,52%), os macrólidos (J01F;182/660; 27,58%) e as cefalosporinas(J01D; 67/660; 10,15%), sendo a pres-crição de AMs de outros grupos apenasresidual (J01M; 4/660; 0,61% e J01E;1/660; 0,15%). A prescrição para estediagnóstico dispersou-se por 27 fárma-cos no nível ATC5. Quando analisadosneste nível, o medicamento maisfrequentemente prescrito foi a associa-ção amoxicilina/ácido clavulânico,(J01CR02; 222/663; 33,48%), seguidada penicilina G (J01CEx; 98/663;14,78%), da amoxicilina (J01CA04;84/663; 12,67%), da claritromicina(J01FA09; 80/663; 12,07%) e da azitro-micina (J01FA10; 70/663; 10,56%). Es-tes cinco fármacos, no seu conjunto,constituíram 83,56% do total de pres-crições para esta indicação (Figura I).

As amigdalites foram classificadasem «agudas» em 656/659 (99,54%) doscasos, sendo a maioria considerada degravidade «moderada» (465/663;70,14%), 23,23% (154/663) de gravida-de «ligeira» e 6,64% (44/663) «grave». Asco-morbilidades mais frequentementereferenciadas como tendo afectado aprescrição foram a «alergia/intolerânciaà penicilina», referida em 31/660(4,70%) dos casos, seguida da «doençapulmonar obstrutiva crónica (DPOC)» e«diabetes», ambas em 5/660 dos casos(0,76%), embora apenas a «alergia/in-tolerância à penicilina» tenha realmenteafectado o tipo de prescrição, motivan-do, na maioria dos casos (83,87%), aopção por um macrólido.

No que respeita ao grau de gravidade,este não afectou de forma estatistica-mente significativa o tipo de antibióticoprescrito, no nível ATC3, notando-se, noentanto, uma tendência para umamaior utilização de associações de peni-cilina G nos casos de maior gravidade.Já o grupo etário do doente influencioude forma estatisticamente significativa(p=0,023) a taxa de prescrição de be-

talactâmicos/penicilinas (J01C) comum máximo para o grupo etário I (12 oumenos anos) (65,61%) e um mínimopara o grupo etário IV (65 ou mais anos)(36,36%). Ao nível ATC5, observou-seuma associação semelhante (p<0,001)para a amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR02), que apresentou risco maiselevado (44,66%) de prescrição nogrupo etário I (12 ou menos anos) e mí-nimo (24,10%) para o grupo etário III(41-64 anos). A este nível, pelo contrá-rio, o risco de prescrição de penicilinaG (J01CEx) foi significativamente(p<0,001) mais elevado (21,94%) para oGrupo etário II (13-40 anos) e mínimo(5,53%) para o Grupo etário I (12 ou me-nos anos). A análise inferencial a estenível ATC revelou ainda associações es-tatisticamente significativas com a gra-vidade da indicação («ligeira», «modera-da», «grave») para a amoxicilina/ácidoclavulânico (J01CR02), que apresentouum maior risco de prescrição nas for-mas «ligeiras» e «moderadas» (p=0,015),para a penicilina G (J01CEx), que apre-sentou risco mais elevado de prescriçãonas formas «graves» (p<0,001), para aamoxicilina (J01CA04), relativamentemais prescrita nas formas «ligeiras» doque nas «moderadas» (p=0,012) e paraa claritromicina (J01FA09), que apre-sentou maior risco de prescrição nasformas «moderadas» e «graves»(p=0,026).

A análise inferencial do tipo de an-timicrobiano prescrito no nível ATC3com as variáveis independentes relacio-nadas com o prescritor, sexo (SXM),anos de prática clínica (APC) e região desaúde (RSM) revelou uma relação esta-tisticamente significativa com a variá-vel APC (p=0,02) para os betalactâmi-cos/penicilinas (J01C), com uma pro-babilidade mais elevada de prescriçãopor parte dos médicos com menornúmero de anos de prática (≤10 anos deprática) e com a variável RSM para ascefalosporinas (J01D), relativamente àsquais se registaram diferenças estatis-

424 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 9: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

ticamente significativas (p=0,02) norisco de prescrição entre as váriasregiões, com a Região Algarve apresen-tando uma taxa mais baixa de pres-crição de cefalosporinas (0,00%), con-tra uma taxa de prescrição de 14,55%na Região Centro, e para os macrólidos(J01F), que apresentaram uma taxa deprescrição mínima de 17,84% na RegiãoCentro e máxima de 50,00% na RegiãoAlgarve (p<0,001).

Uma análise semelhante no nívelATC5 para os cinco fármacos mais frequentemente prescritos revelou uma relação estatisticamente significa-tiva (p=0,033) com a variável APC paraa amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR02), com um máximo de pres-crições para o grupo de inquiridos com10 anos ou menos de prática (42,86%)e um mínimo para os com mais de 20anos de prática (29,01%) e com a variá-vel RSM para a amoxicilina/ácidoclavulânico (p=0,003) com o máximo naRegião Centro (44,13%) e o mínimo naRegião Algarve (25,00%), para a penici-lina G (p<0,001) com o máximo na Re-gião Norte (25,42%) e o mínimo na Re-gião Centro (5,16%) e para a claritromi-cina (p<0,001) com o máximo na RegiãoAlgarve (25,00%) e o mínimo na RegiãoCentro (4,23%).

FaringiteA faringite foi também uma indicaçãofrequente, sendo responsável por 228prescrições (10,36% do total), sendo221/227 (97,36%) classificadas «agu-das», 127/228 (55,70%) consideradas«moderadas», 95/228 (41,67%) conside-radas «ligeiras» e apenas 6/228 (2,63%)classificadas como «graves». O grupoetário mais frequente foi o II (13-40anos) (118/220; 53,64%), seguido dogrupo etário III (41-64 anos) (53/220;24,09%) e do grupo etário I (12 oumenos anos) (30/220; 13,64%).

O diagnóstico de «faringite» apresen-tou uma distribuição de prescrição mui-to semelhante à encontrada para a

amigdalite quanto ao nível ATC3, ten-do o grupo dos betalactâmicos/penici-linas sido o mais frequentemente pres-crito (J01C; 118/228; 51,75%), segui-do do dos macrólidos (J01F; 79/228;34,65%) e do das cefalosporinas (J01D;23/228; 10,09%), sendo também aprescrição dos restantes grupos resi-dual (J01M; 5/228; 2,19% e J01A; 3//228; 1,32%). No que respeita ao nívelATC5, a distribuição foi diferente da daamigdalite, com uma expressão signifi-cativamente menor da penicilina G(J01CEx) e da amoxicilina (J01CA04),tendo a prescrição dispersado-se por23 fármacos diferentes. Neste nível, aassociação amoxicilina/ácido clavulâ-nico (J01CR02) foi a mais frequente-mente prescrita (73/228; 32,02%),seguida da azitromicina (J01FA10;54/228; 23,68%), da amoxicilina(J01CA04; 38/228; 16,67%), da clari-tromicina (J01FA09; 21/228; 9,21%) eda cefixima (J01DA23; 6/228; 2,63%).Estes cinco fármacos, no seu conjunto,representaram 84,21% do total de pres-crições para esta indicação (Figura 1).

As co-morbilidades referidas comopodendo afectar a prescrição foram, àsemelhança do que se observou para aindicação «amigdalite», a «alergia/intole-rância à penicilina» (6/228 casos;2,63%), a «DPOC» (6/228 casos; 2,63%)e a «diabetes» (4/228 casos; 1,75%), em-bora, na prática, apenas a variável «aler-gia/intolerância à penicilina» tenha in-fluenciado de forma relevante a escolhado antibiótico, condicionando uma pre-ferência pela utilização de um macróli-do em 83,33% dos casos. O grau degravidade da doença (LMG) e a sua clas-sificação quanto à forma de apresen-tação (ASC) não influenciaram de for-ma relevante a escolha do antimicrobia-no para esta indicação no nível ATC3.No entanto, à semelhança do registadopara a amigdalite, verificou-se uma as-sociação estatisticamente significativa(p=0,028) entre as taxas de prescriçãoe o grupo etário dos doentes rela-

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 427

Page 10: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

tivamente aos betalactâmicos/penicili-nas (J01C), com um máximo de prescri-ção para o grupo etário I (12 ou menosanos) (76,67%) e um mínimo no grupoetário III (41-64 anos) (43,40%), relaçãoque se verifica, igualmente, para a asso-ciação amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR 02) no nível ATC5 (p<0,001), aqual apresentou maior risco de prescri-ção para o Grupo etário I (12 ou menosanos).

Na análise dos níveis ATC3 e ATC5quanto às principais variáveis caracte-rísticas dos médicos prescritores, não seregistaram associações estatisticamen-te significativas entre as taxas de pres-crição de qualquer dos grupos terapêu-ticos e os anos de prática clínica ou asregiões de saúde.

BronquiteA bronquite foi o segundo motivo maisfrequente para a prescrição de antimi-crobianos, com um total de 429 prescri-ções (19,50% do total). O grupo etáriocom maior representatividade foi oGrupo IV (≥ 65 anos; 159/417; 38,13%)seguido do Grupo etário III (41-64 anos;140/417; 33,57%), sendo que estes doisgrupos representaram, em conjunto,71,70% dos diagnósticos de bronquite.

A maioria dos casos foram considera-dos «agudos» (232/426 casos; 54,46%),sendo os restantes considerados «cróni-cos agudizados» (171/426 casos;40,14%) ou apenas «crónicos» (23/426casos; 5,40%). No que respeita à gravi-dade, a maioria das situações foramconsideradas «moderadas» (306/428casos; 71,50%), 82/428 (19,16%) foramclassificadas como «ligeiras» e 40/428(9,35%) foram consideradas «graves».

As co-morbilidades passíveis de afec-tar a escolha do antimicrobiano foramreferidas num número considerável decasos (108/430; 25,12%), sendo a enti-dade mais frequente a «DPOC» (40/428casos; 9,35%), seguida da «diabetes»(24/428 casos; 5,61%), da «alergia/in-tolerância à penicilina» (14/428 casos;

3,27%), da «insuficiência cardíaca»(10/428 casos; 2,34%), da «HTA»(8/428 casos; 1,87%), do tabagismo(5/428 casos; 1,17%) e, em menor grau,por outras co-morbilidades. A «alergia//intolerância à penicilina» associou-secom uma variação significativa no tipode antimicrobiano prescrito, sendo,nestes casos, o grupo dos macrólidos omais frequentemente utilizado (10/14casos; 71,43%). No entanto, co-morbili-dades tais como, a «diabetes», a «insufi-ciência cardíaca», a «HTA» e a «DPOC»pareceram influenciar positivamente aopção por uma quinolona. No caso do«tabagismo», a escolha recaiu, preferen-cialmente, sobre um betalactâmico dogrupo J01C.

O grupo mais frequentemente pres-crito para o diagnóstico de «bronquite»,no nível ATC3, foi o dos betalactâmi-cos/penicilinas (J01C; 178/428;41,59%), seguido do dos macrólidos(J01F; 99/428; 23,13%), das quinolo-nas (J01M; 87/428; 20,33%), das ce-falosporinas (J01D; 38/428; 8,88%),das tetraciclinas (J01A; 24/428; 5,61%)e das sulfonamidas/trimetoprim (J01E;2/428; 0,47%). Na análise referente aonível ATC5, a associação amoxicili-na/ácido clavulânico (J01CR02) foi amais frequentemente prescrita (150//430; 34,88%), seguida da claritromici-na (J01FA09; 51/430; 11,86%), da azi-tromicina (J01FA10; 40/430; 9,30%),da ciprofloxacina (J01MA02; 35/430;8,14%), da moxifloxacina (J01MA14;34/430; 7,91%), da amoxicilina(J01CA04; 28/430; 6,51%) e da doxici-clina (J01AA02; 24/430; 5,58%). Estessete fármacos representaram, no seuconjunto, 84,19% do total de prescri-ções para esta indicação (Figura 1).

O facto de a indicação se apresentarnas formas «aguda», «crónica» ou «cróni-ca agudizada», parece ter influenciado,de forma estatisticamente significativa,a escolha do antimicrobiano na análiseao nível ATC3. Assim, as tetraciclinas(J01A) evidenciaram maior risco de

428 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 11: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

prescrição (p=0,004) nas formas «cróni-cas» (13,04%), os betalactâmicos/peni-cilinas (J01C) maior risco (p=0,021) nassituações «agudas» (47,84%), os macró-lidos (J01F) foram mais frequentementeprescritos (p=0,027) para situações«crónicas» (30,43%) e as quinolonas(J01M) para situações «crónicas agudi-zadas» (30,41%) (p<0,001). No res-peitante à gravidade da doença, no ní-vel ATC3, verificaram-se associações es-tatisticamente significativas (p=0,042)entre a prescrição e a gravidade dadoença para os macrólidos (J01F), maisprescritos em situações «ligeiras»(30,43%) e para as quinolonas (J01M),mais frequentemente prescritas emsituações «graves» (42,50 %) (p<0,001).No referente ao grupo etário dos doentes(IDD), apenas se verificou associaçãoestatisticamente significativa (p=0,009)para o grupo dos betalactâmicos/peni-cilinas (J01C), com maior risco de pres-crição (58,00%) no grupo etário I (12 oumenos anos) e, naturalmente, para asquinolonas (p<0,001), que não foramprescritas neste mesmo grupo etário eapresentaram um máximo de prescri-ção no grupo etário III (41-64 anos)(26,43%). Uma análise inferencialdestas variáveis referentes aos doentescom os cinco medicamentos mais pres-critos para o diagnóstico de bronquite,no nível ATC5, mostrou um risco mais elevado de prescrição de azitromicina(J01FA10) nas formas «aguda»(p=0,019) e «ligeira» (p=0,006) e da ci-profloxacina (J01MA02) nas formas«crónica agudizada» (p=0,003) e «grave»(p<0,001).

Na análise ao nível ATC3 relativa-mente às principais características dosmédicos prescritores (SXM, APC, RGM),registaram-se associações estatistica-mente significativas quanto ao sexo nogrupo dos betalactâmicos/penicilinas(J01C), com uma maior tendência paraa prescrição (p=0,007) por parte dos in-quiridos do sexo feminino relativamenteaos do sexo masculino (48,62% contra

35,59% das prescrições, respectiva-mente) e no grupo das cefalosporinas(J01D), com um maior risco de prescri-ção (p=0,002) por parte dos inquiridosdo sexo masculino relativamente aosdo sexo feminino (12,71% contra 3,87%das prescrições, respectivamente).Relativamente aos anos de prática clíni-ca (APC), observou-se uma associaçãoestatisticamente significativa (p=0,004)para o grupo das betalactâmicos/peni-cilinas (J01C), com risco mais elevadode prescrição por parte dos médicoscom 10 anos ou menos de prática(66,67%) e menor risco entre os médi-cos com 11-20 anos de prática(36,81%). No que respeita às regiões desaúde (RSM), observaram-se relaçõesestatisticamente significativas com astaxas de prescrição para as quinolonas(J01M), com um máximo na RegiãoCentro (30,91%) e um mínimo naRegião Algarve (0,00%) (p=0,002), e paraas tetraciclinas (J01A), com um máxi-mo na Região Alentejo (21,21%) e ummínimo para a Região Norte (1,82%)(p<0,001).

Numa análise dos cinco medica-mentos mais frequentemente prescritosquanto às variáveis dos prescritores, aonível ATC5, verificou-se uma associaçãoestatisticamente significativa (p<0,001)entre a prescrição de amoxicilina/áci-do clavulânico (J01CR02) e o SXM, comtaxas de prescrição de 44,20% e27,54%, respectivamente, para os sexosfeminino e masculino e para o mesmomedicamento relativamente aos APC,com maior risco de prescrição (66,67%)por parte dos médicos com 10 ou menosanos de prática clínica (p<0,001).

OtiteA otite foi o terceiro motivo mais fre-quente para a prescrição de antimicro-bianos, com um total de 314 prescrições(14,27%). O grupo etário mais frequentepara esta indicação foi o grupo I (12 oumenos anos) (202/308; 65,58%), segui-do do grupo II (13-40 anos) (71/308;

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 429

Page 12: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

23,05%). As otites foram classificadascomo «agudas» na quase totalidade doscasos (302/315; 95,87%), sendo amaioria de gravidade «moderada»(237/315 casos; 75,24%), 58/315 con-sideradas «ligeiras» (18,41%) e 20/315consideradas «graves» (6,35%).

Apenas em 9/315 casos (2,86%)foram referidas co-morbilidades quepudessem afectar o tipo de antimicro-biano descrito, sendo a mais frequentea «alergia à penicilina» (4/314 casos;1,27%). Em três dos casos de «alergia àpenicilina» foi prescrito um macrólido e,no outro caso, uma cefalosporina..

O grupo ATC3 mais frequentementeprescrito para o diagnóstico de «otite» foio dos betalactâmicos/penicilinas(J01Cx; 192/314; 61,15%), seguido dodas cefalosporinas (J01D; 88/314;28,03%), do dos macrólidos (J01F;25/314; 7,96%), do das quinolonas(J01M; 6/314; 1,91%) e do das sulfona-midas/trimetoprim (J01E; 3/314;0,96%). Na análise ao nível ATC5, a as-sociação amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR02) foi a mais frequentementeprescrita (154/315; 48,89%), seguidada amoxicilina (J01CA04; 35/315;11,11%), da cefuroxima (J01DA06;25/315; 7,94%), do cefaclor (J01DA08)e da cefixima (J01DA23), ambos com23/315 prescrições (7,30%). Estes cinco medicamentos representaram, no seu conjunto, 82,54% do total de prescrições para esta indicação(Figura 1).

A gravidade da doença (LMG) e a for-ma de apresentação (ASC) não se evi-denciaram como factores de influênciasignificativa para o risco de prescriçãode antimicrobiano na análise inferencialno nível ATC3. A este nível, verificou-seapenas uma associação estatistica-mente significativa (p=0,012) entre ogrupo etário do doentes (IDD) e a pres-crição de betalactâmicos/penicilinas(J01C), com risco mais elevado de pres-crição no grupo etário I (12 ou menosanos) (66,34%).

Na análise aos níveis ATC3 e ATC5relativamente às características dosmédicos prescritores não se registaram,para a otite, diferenças estatisticamentesignificativas quanto ao sexo, anos deprática clínica ou região de saúde paraqualquer dos grupos terapêuticos oufármacos tomados individualmente.

SinusiteA sinusite motivou um total de 232prescrições (10,55%). A distribuição porgrupos etários revelou uma maior fre-quência do grupo etário II (13-40 anos)(106/227; 46,70%), seguido do grupoetário III (41-64 anos) (85/227;37,44%). A maioria das sinusites foramclassificadas como «agudas» (146/231;63,20%), sendo 73/231 classificadascomo «crónicas agudizadas» (31,60%) e12/231 como «crónicas» (5,19%). Quan-to à gravidade, a maioria foi classificadacomo «moderada» (166/232; 71,55%),56/232 foram classificadas como «ligei-ras» (24,14%) e 10/232 como «graves»(4,31%).

Foram mencionadas co-morbilidadessusceptíveis de afectar a prescrição em23/232 casos (9,91%), sendo a maisfrequentemente apontada a «diabetes»(6/232; 2,59%), tendo a «alergia/intole-rância à penicilina» sido mencionadaem 3/232 (1,29%) casos. A presença deco-morbilidades não pareceu influen-ciar de forma significativa a atitude pe-rante a prescrição, à excepção da «aler-gia/intolerância à penicilina», caso emque foi, geralmente, preferido ummacrólido.

O grupo ATC3 mais frequentementeprescrito para o diagnóstico de «sinu-site» foi o dos betalactâmicos/penicili-nas (J01C; 65/232; 28,02%), seguidode perto pelo das cefalosporinas (J01D;60/232; 25,86%) e, com expressão umpouco menor, pelos das quinolonas(J01M; 44/232; 18,97%) e dos macróli-dos (J01F; 42/232; 18,10%), tendo odas tetraciclinas (J01A; 17/232; 7,33%)e das sulfonamidas/trimetoprim (J01E;

430 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 13: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

4/232; 1,72%) tido uma expressão re-duzida na prescrição. Na análise porATC5, o medicamento mais frequente-mente prescrito foi a associação amoxi-cilina/ácido clavulânico (J01CR02;57/232; 24,57%), seguido da moxi-floxacina (J01MA14; 34/232; 14,66%),da azitromicina (J01FA10; 28/232;12,07%), da cefuroxima (J01DA06;19/232; 8,19%), da doxiciclina(J01AA02; 17/232; 7,33%), da cefixima(J01DA23; 13/232; 5,60%), da clari-tromicina (J01FA09, 12/232; 5,17%) edo cefaclor (J01DA08; 9/232; 3,88%).Estes oito antimicrobianos represen-taram, no seu conjunto, 81,47% do to-tal de prescrições para esta indicação(Figura 1).

O grupo etário dos doentes afectoude forma estatisticamente significativaa prescrição do AM ao nível ATC3 parao grupo dos betalactâmicos/penicilinas(J01C) com risco de prescrição mais ele-vado (p=0,003) no grupo etário I (12 oumenos anos) (66,67%). Também a clas-sificação da doença quanto à forma deapresentação (ASC) afectou de formaestatisticamente significativa a prescri-ção deste grupo de AMs, com risco deprescrição mais elevado (p=0,014) nasformas de apresentação «aguda»(34,25%). Ao nível ATC5, as variáveisASC e LMG influenciaram de forma es-tatisticamente significativa o risco deprescrição da moxifloxacina (J01MA14),que foi mais elevado nas formas «cróni-ca» (p=0,047) e «grave» (p=0,036).

Na análise ao nível ATC3 relativa-mente às características dos médicosprescritores, não se registaram, para aindicação «sinusite», diferenças estatis-ticamente significativas quanto ao sexo,anos de prática clínica ou região desaúde para qualquer dos grupos tera-pêuticos. Uma análise semelhante aonível ATC5 para os cinco fármacos maisprescritos revelou apenas uma associa-ção estatisticamente significativa(p=0,033) entre as taxas de prescriçãoda azitromicina (J01FA10) e o sexo do

prescritor, com uma tendência parataxas de prescrição mais elevadas en-tre os prescritores do sexo masculino(16,53%) relativamente aos do sexofeminino (7,34%).

Rinite/rinofaringiteO diagnóstico de rinofaringite aguda re-fere-se, habitualmente, a uma infecçãodo tracto respiratório superior inespe-cífica, no sentido em que não há predo-mínio de sintomas ou sinais referentesaos seios perinasais, à faringe ou aotracto respiratório inferior, cuja etiolo-gia se aceita ser, habitualmente, viral7.No presente estudo, a rinofaringite foianalisada em conjunto com a rinite,tendo estas duas indicações motivadoum total de 212/2.200 prescrições deantimicrobianos (9,64%).

O grupo etário mais frequente foi o I(12 ou menos anos) (85/210; 40,48%),seguido do II (13-40 anos) (65/210;30,95%).

A grande maioria das «rinites/rino-faringites» foram classificadas como«agudas» (201/210; 95,71%). Quanto àgravidade, a maioria dos casos foramconsiderados «moderados» (123/210;58,57%), 87/210 foram classificadoscomo «ligeiros» (41,43%) e apenas2/210 casos foram classificados como«graves» (0,95%).

A presença de co-morbilidades pas-síveis de afectar a prescrição foi assina-lada em 16/212 casos (7,55%), sendoa «alergia/intolerância à penicilina» as-sinalada em 6/212 casos (2,83%). Apresença de co-morbilidades não pare-ceu, na prática, ter afectado o tipo deantimicrobiano prescrito. Em quatrodos casos de «alergia/intolerância àpenicilina» foi prescrito um macrólido,tendo sido prescrita uma cefalosporinae uma tetraciclina nos outros dois ca-sos.

O grupo ATC3 mais frequentementeprescrito para o diagnóstico de «rini-te/rinofaringite» foi o dos betalactâmi-cos/penicilinas (J01C; 114/212;

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 431

Page 14: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

53,77%), seguido pelos dos macrólidos(J01F; 52/212; 24,53%), das ce-falosporinas (J01D; 30/212; 14,15%),das quinolonas (J01M; 6/212; 2,83%),e dos das sulfonamidas/trimetoprim edas tetraciclinas (J01E e J01A, amboscom 5/212; 2,36%). Relativamente aonível ATC5, o medicamento mais frequentemente prescrito foi a associa-ção amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR02; 83/212; 39,15%), seguidada azitromicina (J01FA10; 33/212;15,57%), da amoxicilina (J01CA04;31/212; 14,62%), da claritromicina(J01FA09; 17/212; 8,02%) e da cefixi-ma (J01DA23; 9/212; 4,25%). Estescinco antimicrobianos representaram,no seu conjunto, 81,60% do total deprescrições para esta indicação (Fi-gura 1).

Ao nível ATC3, verificou-se uma associação estatisticamente significati-va (p=0,001) entre o grupo etário (IDD)e a prescrição de betalactâmicos/peni-cilinas (J01C), com um risco de pres-crição mais elevado no grupo I (12 oumenos anos) (69,41%). Uma análisesemelhante no nível ATC5 revelou umaassociação estatisticamente significati-va (p=0,014) entre o risco de prescriçãode amoxicilina (J01CA04) e a variávelIDD, com maior risco para o grupo etá-rio I (12 ou menos anos) e para a azi-tromicina (J01FA10), com risco maisbaixo neste mesmo grupo etário(p=0,015).

Na análise ao nível ATC3 relativa-mente às características dos médicosprescritores, verificou-se apenas umaassociação estatisticamente significati-va entre as taxas de prescrição dos be-talactâmicos/penicilinas (J01C) e asregiões de saúde, com um máximo de68,42% na Região Alentejo e um míni-mo de 27,27% na Região Algarve(p=0,022). No nível ATC5, verificaram--se variações estatisticamente signi-ficativas com as regiões de saúde paraa prescrição de amoxicilina/ácidoclavulânico (J01CR02) (máximo de

68,42% para a Região Alentejo e míni-mo de 18,18% para a Região Algarve;p=0,013) e para a prescrição de amoxi-cilina (J01CA04) (máximo de 26,74%para a Região LVT e mínimo de 0,00%para a Região Alentejo; p=0,001).

PneumoniaA pneumonia motivou um total de116/2.200 prescrições de antimicro-bianos (5,27%). O grupo etário mais fre-quente foi o IV (65 ou mais anos)(46/115; 40,00%), seguido do III (41-64anos) (37/115; 32,17%).

Quase todos os casos foram classi-ficados como «agudos» (107/113;94,69%), sendo a maioria consideradade gravidade «moderada» (84/116;72,41%), 22/116 considerados «graves»(18,97%) e 10/116 (8,62%) considera-dos «ligeiros».

Foram assinaladas co-morbilidadespassíveis de afectar a prescrição numnúmero considerável de casos (25/116;21,55%), sendo as mais frequentes a«DPOC» e a «diabetes», com 8/115 ca-sos cada (6,96%), a «insuficiência car-díaca» em 5/115 casos (4,35%) e o«tabagismo» apenas em 2/115 casos(1,74%). Apenas a «diabetes» se pareceucorrelacionar com um risco aumenta-do de prescrição de quinolonas.

A prescrição para o diagnóstico de«pneumonia», no nível ATC3, distribuiu--se de forma relativamente equitativapelos grupos dos betalactâmicos/peni-cilinas (J01C; 35/115; 30,43%) e dasquinolonas (J01M; 33/115; 28,70%),tendo os grupos dos macrólidos (J01F;24/115; 20,69%) e das cefalosporinas(J01D; 21/115; 18,26%) surgido comexpressão um pouco menor, emboranotável, e o grupo das tetraciclinasapresentado apenas uma expressãoresidual (2/115; 1,74%). Quanto ao ní-vel ATC5, o medicamento mais frequentemente prescrito foi a associa-ção amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR02; 34/116; 29,31%), seguidada claritromicina (J01FA09; 19/116;

432 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 15: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

16,38%), da moxifloxacina (J01MA14;13/116; 11,21%), da ciprofloxacina(J01MA02; 12/116; 10,34%), da ceftri-axona (J01DA13; 10/116; 8,62%) e dalevofloxacina (J01MA12; 8/116;6,90%). Estes seis antimicrobianosrepresentaram, no seu conjunto,82,76% do total de prescrições para estaindicação (Figura 1).

Ao nível ATC3, o grupo etário dosdoentes influenciou de forma estatisti-camente significativa o risco de prescri-ção de betalactâmicos/penicilinas(J01C), que, à semelhança do observa-do com outras patologias, foram maisprescritos no grupo etário I (12 oumenos anos) (73,33%) (p=0,002) e dequinolonas (J01M), significativamentemais prescritas no grupo etário IV (65ou mais anos; 39,13%) (p=0,01), comoseria esperado. Por outro lado, osmacrólidos foram prescritos preferen-cialmente (p=0,014) para situações con-sideradas «ligeiras» (40,00% contra0,00% em situações «graves»). Na aná-lise da taxa de prescrição ao nível ATC5de acordo com as variáveis relativas aosdoentes, observou-se um risco aumen-tado de prescrição (p=0,008) de amoxi-cilina/ácido clavulânico (J01CR02) noGrupo etário I (12 ou menos anos), àsemelhança do que se registou relati-vamente a outras indicações para estaassociação, e de prescrição de claritro-micina (J01FA09) em situações «li-geiras» (p=0,047).

Na análise ao nível ATC3 relativa-mente às características dos prescrito-res, registou-se uma associação estatis-ticamente significativa (p=0,006) entrea taxa de prescrição de betalactâmi-cos/penicilinas (J01C) e os anos de prá-tica clínica, com uma maior tendênciapara a prescrição por parte dos médi-cos com 10 anos ou menos de práticarelativamente aos mais experientes(64,71% das prescrições), também àsemelhança do que se verificara já emoutras indicações. Ao nível ATC5, verifi-caram-se associações estatisticamente

significativas entre as taxas de prescri-ção de amoxicilina/ácido clavulânico(J01CR02) e o sexo dos prescritores(37,74% para o sexo feminino contra20,97% para o sexo masculino)(p=0,048) e entre a prescrição deste me-dicamento e os anos de prática clínica(p=0,004), com uma maior tendênciapara a prescrição por parte dos médi-cos com 10 ou menos anos de prática(64,71%) relativamente aos mais expe-rientes.

LaringiteA laringite foi uma causa relativamenterara de prescrição de antimicrobianos,tendo motivado apenas 43/2.200 pres-crições (1,95% do total).

Quase todos os casos foram classifi-cados como «agudos» (41/43; 95,35%).A maioria das situações foram classifi-cadas como «moderadas» (28/43;65;12%), sendo 10/43 (23,26%) consi-deradas «ligeiras» e 5/43 (11,63%) con-sideradas «graves».

Foram assinaladas co-morbilidadespassíveis de afectar o tipo de prescriçãoem 6/43 casos (13/95%), sendo asmais frequentemente assinaladas a«alergia/intolerância à penicilina» e a«diabetes», com 2/43 casos cada(4,65%).

Os grupos ATC3 de antimicrobianosmais frequentemente prescritos paraeste diagnóstico foram os dos betalac-tâmicos/penicilinas (J01C; 19/43;44,19%), seguidos do dos macrólidos(J01F; 15/43; 34,88%), das cefalospo-rinas (J01D; 4/43; 9,30%), das tetraci-clinas (J01A; 3/43; 6,98%) e dasquinolonas (J01M; 2/43; 4,65%).

Outras patologiasAs restantes prescrições foram motiva-das por patologias com escassa expres-são, como «infecção respiratória não es-pecificada» (8/2200; 0,36%), «bron-quiolite» (7/2200; 0,32%), «síndromagripal» (2/2200; 0,09%) e «abcessoamigdalino» (1/2200; 0,05%).

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 433

Page 16: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

DETERMINAÇÃO DA DOSE DIÁRIA PRESCRITA

Foi determinada a «dose diária prescri-ta» (DDP) multiplicando a dose por toma(em mg) pela posologia diária para cadaum dos 11 medicamentos mais fre-quentemente prescritos para a gene-ralidade das indicações avaliadas: do-xiciclina (J01AA02), amoxicilina(J01CA04), amoxicilina/ácido clavulâ-nico (J01CR02), cefuroxima (J01DA06),cefaclor (J01DA08), ceftriaxona(J01DA13), cefixima (J01DA23), clari-tromicina (J01FA09), azitromicina(J01FA10), ciprofloxacina (J01MA02) emoxifloxacina (J01MA14). O resultado,expresso em número de doses diáriasdefinidas (DDD) para cada um dos fár-macos, é apresentado no Quadro III. Amédia para o conjunto de fármacos con-siderado foi de 1,33 DDD.

Qualidade da AmostraForam recebidos 247 inquéritos, compelo menos uma ficha adequadamentepreenchida, que apesar de correspon-derem a uma taxa de resposta aproxi-mada de 9% dos 2.815 médicos a quem

foi endereçado o convite à participação,representam 98,8% do número demédicos participantes previsto nametodologia do estudo.

Quanto à representatividade daamostra, esta foi comprovada compa-rando-se a distribuição, por Região deSaúde, dos 247 médicos participantescom a população dos médicos portu-gueses de clínica geral e da carreira demedicina geral e familiar (Quadro IV).

Dispersão da PrescriçãoA existência de uma dispersão signifi-cativa na prescrição ao nível ATC5 paracada uma das indicações consideradasfoi uma das hipóteses formuladas parao estudo. Sendo a dispersão na prescri-ção dependente de factores como o uni-verso de fármacos disponíveis para otratamento de cada indicação, por umlado, e da dimensão da amostra avalia-da, por outro, a sua magnitude poderáreflectir, sobretudo, a actual diversidadedo mercado nacional de medicamen-tos, pelo menos no que se refere à quan-tidade de antimicrobianos disponíveispara o tratamento das indicações rela-cionadas com patologia infecciosa dotracto respiratório.

434 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

QUADRO III

DOSE DIÁRIA PRESCRITA

ATC5 N Total Média Mediana Mínimo MáximoJ01AA02 43 81,00 1,88 2,00 1,00 2,00J01CA04 220 357,22 1,62 1,50 0,38 4,00J01CR02 645 800,61 1,24 1,50 0,19 3,00J01DA06 82 140,70 1,72 2,00 0,50 3,00J01DA08 51 54,03 1,06 1,13 0,25 1,50J01DA13 18 8,56 0,48 0,50 0,00 1,00J01DA23 60 49,68 0,83 1,00 0,25 1,00J01FA09 204 266,82 1,31 1,00 0,30 2,00J01FA10 229 352,90 1,54 1,67 0,33 3,33J01MA02 54 55,50 1,03 1,00 0,50 2,00J01MA14 78 79,25 1,02 1,00 1,00 2,00Total 1.684 2.246,26 1,33 1,50 0,00 4,00

DDP expressa em número de DDDs.

EDITORIAISDISCUSSÃO

Page 17: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

Para efeitos da avaliação da disper-são foi criado um indicador (ATC5p) quereflecte o número de fármacos ao nívelATC5 prescritos para as percentagens(p) de 50%, 80%, 90% e 100% de cadaindicação, ponderado relativamente aonúmero total de prescrições para essamesma indicação, sendo as percenta-gens calculadas de forma cumulativa epor ordem decrescente das taxas deprescrição para cada fármaco indivi-dual. A fórmula utilizada para o cálcu-lo deste indicador de dispersão relativafoi:

ATC5p =

número de fármacos prescritos para p % das indicações

p × número total de prescrições para a indicação

Obtiveram-se, deste modo, os valores deATC550, ATC580, ATC590 e ATC5100 quesão apresentados no Quadro V e naFigura 2:

Como se pode verificar, a maiordispersão, em qualquer das per-centagens consideradas, obser-vou-se para a pneumonia e amenor para a amigdalite. O valorpara o ATC590 variou conside-ravelmente entre as várias indi-cações, com um máximo de 7,66para a pneumonia e um mínimode 1,34 para a amigdalite. O va-lor deste indicador foi de 2,07 paraa bronquite, o que, considerandoque a maioria dos fármacos estãoindicados simultanea-mente para esta indicaçãoe para a pneumonia, revelauma variação considerávelna abordagem terapêuticadestas duas indicações.

Adequação da Prescrição para Cada IndicaçãoA hipótese, inicialmente co-locada, de que existe inade-quação na prescrição deantimicrobianos para as in-

dicações relacionadas com patologia in-fecciosa das vias respiratórias, foi ava-liada à luz de normas e recomendaçõesterapêuticas publicadas para as indica-ções consideradas.

Torna-se necessário, desde já, escla-recer que, na inexistência de directivasconcretas para a prescrição de antimi-crobianos no âmbito dos Cuidados deSaúde Primários dependentes do Ser-viço Nacional de Saúde, e perante a au-sência de estudos epidemiológicosalargados que permitam orientar, deforma clara, essa prescrição, é de umaforma meramente relativa que se deveentender o termo «adequação». O con-ceito de «qualidade» na prescrição deve-rá ser também encarado numa perspec-tiva semelhante, tendo em conta, em úl-tima análise, as restrições geográficase temporais de quaisquer recomen-dações na área da patologia infecciosa.

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 437

QUADRO IV

DISTRIBUIÇÃO DOS MÉDICOS PORTUGUESES E DA AMOSTRA POR REGIÃO DE SAÚDE

Médicos Região Amostra Portugueses de Saúde (%) IC (95%) (%)Norte 26,42 (20,91; 31,93) 29,82Centro 28,05 (22,43; 33,66) 26,63LVT 33,74 (27,83; 39,65) 34,65Alentejo 7,72 (4,39; 11,06) 5,07Algarve 4,07 (1,60; 6,53) 3,82

QUADRO V

DISPERSÃO DA PRESCRIÇÃO (ATC5) PARA CADA UMA DAS INDICAÇÕES

ATC5 50 ATC5 80 ATC5 90 ATC5 100Pneumonia 5,17 6,47 7,66 13,79Rinite 1,89 2,95 4,19 8,02Sinusite 2,59 4,31 5,27 8,62Faringite 1,75 2,74 4,39 9,21Otite 1,27 1,98 2,47 6,98Amigdalite 0,90 0,94 1,34 3,77Bronquite 1,40 2,03 2,07 6,28

Page 18: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

438 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

penicil: anti-bacterianos beta-lactâmicos, penicilinas, J01C; macrol: macrólidos, J01F; �cefal: outros anti-bacterianos beta-lactâmicos, J01D; quinol: quinolonas, J01M; cotrim: sulfonamidas e trimetoprim, J01E

40

50

60

30

20

0

10

penicil macrol cefal quinol tetrac cotrim

50,55

23,09

14,778,32

2,45 0,59

303540

25201510

05

amoxi/clav pen G amoxi claritro azitro

33,48

14,7812,67 12,07

10,56

amoxi/clav: amoxicilina+ácido clavulânico, J01CR02; pen G: benzilpenicilina, �incluindo benzatínica e associações, J01CEx; amoxi: amoxicilina, J01CA04; claritro: �claritromicina, J01FA09; azitro: azitromicina, J01FA10

Todas as indicações (ATC3) Amigdalite (ATC5)

25

30

35

20

15

0

10

5

amoxi/clav azitro amoxi claritro cefixima

32,02

23,68

16,67

9,21

2,63

303540

25201510

05

am/cla clar azit cipr moxi amox doxi

34,8

11,869,3 8,14 7,91

6,51 5,58

amoxi/clav: amoxicilina+ácido clavulânico, J01CR02; azitro: azitromicina, J01FA10; amoxi: amoxicilina, J01CA04; claritro: claritromicina, J01FA09

am/cla: amoxicilina+ácido clavulânico, J01CR02; clar: claritromicina, J01FA09; azit: azitromicina, J01FA10; cipr: ciprofloxacina, J01MA02; moxi: moxiflixacina, J01MA14; amox: amoxicilina, J01CA04; doxi: doxiciclina, J01AA02

Faringite (ATC5) Bronquite (ATC5)

40

50

60

30

20

0

10

amoxi/clav amoxi cefurox cefacl cefixima

48,89

11,11 7,94 7,3 7,3

25

30

20

15

10

0

5

am/cla moxi azit cfrx doxi cfix clar

24,57

14,66

12,07

8,19 7,335,6 5,17

amox/clav: amoxicilina ácido clavulânico, J01CR02; amoxi: amoxiciclina, J01CA04; cefurox: cefuroxima, J01DA06; cefacl: cefaclor, J01DA08;

am/cla: amoxicilina+ácido clavulânico, J01CR02; moxi: moxifloxacina, J01MA14; azit: azitromicina, J01FA10; cfrx: cefuroxima, J01DA06; doxi: doxiciclina, J01AA02; cfix: cefixima, J01DA23; clar: claritromicina, J01FA09

Otite (ATC5) Sinusite (ATC5)

354045

3025

0

201510

5

amoxi/clav azitro amoxi claritro cefixima

39,15

15,5714,62

8,024,25

25

30

35

15

20

0

10

5

am/clar clar moxi cipr cftrx levo

29,31

16,38

11,21 10,348,26 6,9

amox/clav: amoxicilina+ácido clavulânico, J01CR02; azitro: azitromicina, J01FA10; amoxi: amoxicilina, J01CA04; claritro: claritromicina, J01FA09

am/cla: amoxicilina+ácido clavulânico, J01CR02; clar: claritromicina, J01FA09; moxi: moxifloxacina, J01FA14; cipr: ciprofloxacina, J01MA02; cftrx: ceftriaxona, J01DA13; levo: levofloxacina, J01MA12

Rinite/Rinofaringite(ATC5) Pneumonia (ATC5)

Figura 2. Dispersão da prescrição (ATC5) para cada uma das indicações.

Page 19: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

Como documento de referência paraesta avaliação foi escolhido o Formulá-rio Europeu de Medicamentos (FEM),na sua tradução em Português8, cujaescolha se justifica quer pela sua actua-lidade à luz de documentos mais recen-tes9, quer pelo acto de ter sido divulga-do entre os clínicos que exercem fun-ções nesta área de cuidados médicos.

Da análise dos resultados deste estu-do, verificamos que o medicamento an-timicrobiano mais frequentementeprescrito para as indicações do foro res-piratório avaliadas foi a associaçãoamoxicilina/ácido clavulânico, que foi,também, o medicamento mais frequen-temente prescrito para qualquer das in-dicações consideradas, e representan-do, por si só, 35,36% do total de prescri-ções. Estes achados estão em conformi-dade com os dados provenientes dasacções de monitorização de utilizaçãoantimicrobianos, sendo de assinalarque esta associação se encontra entreas escolhas recomendadas no FEMcomo de primeira linha no tratamentoda otite média aguda, na sinusite agu-da e na agudização da bronquite cróni-ca, nos casos em que se justifica a uti-lização de um antimicrobiano.

AMIGDALITE E FARINGITE

A amigdalite/faringite é uma causa fre-quente de sintomatologia em adultos ecrianças, tendo sido responsável por 1a 2% da totalidade das consultas médi-cas nos EUA em 199610. Sendo a eti-ologia viral a mais frequente, é causa-da por estreptococos b-hemolíticos doGrupo A de Lancefield (Streptococcuspyogenes) em 5 a 15% dos casos, e, ex-cepcionalmente, por outros agentesbacterianos, tais como o Arcanobacte-rium haemolyticum e estreptococos dosgrupos G ou C11. A terapêutica reco-mendada pelo FEM é a penicilina Gbenzatínica, na dose de 1,0 ou 1,2 MU,em toma única por via intramuscular,podendo ser utilizada a penicilina V, ac-tualmente dificil de adquirir em Portu-

gal, ou, como alternativa, em doentescom história de alergia à penicilina, autilização de um macrólido12.

A associação amoxicilina/ácidoclavulânico foi o medicamento indivi-dualmente mais prescrito para a indica-ção «amigdalite», sendo de notar que re-presentou, só por si, 33,48% das pres-crições para esta indicação, enquantoque a penicilina G, em todas as formase associações, representou apenas14,78% das prescrições, com valorespróximos dos da amoxicilina (12,67%).Se considerarmos que os casos deamigdalite aguda de etiologia não viraldeverão ser, em mais de 95%, causadospor Streptococcus pyogenes, para o qualnão estão ainda descritos, a nível mun-dial, casos de resistência à peniclina Gou às aminopenicilinas, torna-se impor-tante aprofundar os motivos desta esco-lha por parte de cerca de 1/3 dos pres-critores. Na verdade, esta opção, paraalém de não parecer justificada do pon-to de vista microbiológico, corre o riscode comprometer a adesão do doente,quer devido ao perfil de tolerância maisdesfavorável da amoxicilina/ácido cla-vulânico quando comparada com aamoxicilina, quer quanto ao maiornúmero de tomas requerido quandocomparada com a penicilina G naposologia recomendada. Acresce que ocusto médio do fármaco é significativa-mente superior ao de qualquer das ou-tras opções referidas, configurando,deste modo, uma dispersão significati-va e não justificada de recursos econó-micos para o tratamento desta indica-ção. O facto de se verificar uma associa-ção estatisticamente significativa entreo risco de prescrição de amoxicilina/áci-do clavulânico para o diagnóstico deamigdalite e os anos de prática clínicados prescritores, com risco aumentadoentre aqueles que têm 10 ou menosanos de prática, poderá apontar para anecessidade da revisão curricular pré--graduada nesta matéria e de maisabrangentes acções de formação pós-

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 439

Page 20: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

-graduada, a par de uma melhor regula-mentação e fiscalização da promoçãocomercial destes medicamentos porparte das entidades produtoras.

É ainda importante notar que seobservam diferenças significativasquanto às opções terapêuticas ao nívelATC5 entre os diagnósticos de «amig-dalite» e de «faringite». Na realidade, nãosão de esperar diferenças quanto à etio-logia bacteriana entre estas duas enti-dades nosológicas, pelo que se afiguradifícil de explicar a baixa frequência daopção pela penicilina G no caso da farin-gite, na qual a amoxicilina/ácido clavu-lânico continua a ser a principal opção(32,02% dos casos).

Nos doentes apresentando como co-morbilidade passível de afectar a esco-lha do antibiótico a «alergia/intolerân-cia à penicilina», a escolha recaíu, emmais de 80% dos casos, sobre um ma-crólido. No entanto, embora em concor-dância com as recomendações do FEM,esta escolha poderá ser discutível seconsiderarmos as taxas de resistênciade Streptococcus pyogenes á eritromici-na (e, por extensão, à claritromicina eà generalidade dos macrólidos) reporta-das por Cristino e Fernandes13, que secifram em cerca de 36% em 1999.

BRONQUITE

O diagnóstico clínico de bronquite agu-da refere-se a uma doença caracteriza-da por uma inflamação do tracto respi-ratório no qual a tosse, seca ou produti-va, se apresenta como o sinal predomi-nante, embora subsistam, ainda,controvérsias quanto à melhor definiçãode caso para esta entidade nosológica14.Na abordagem terapêutica do diagnósti-co de bronquite há que ter em conside-ração a forma de apresentação, particu-larmente se se trata de doença aguda(geralmente definida com base numaduração dos sintomas inferior a três se-manas) ou de doença crónica ou cróni-ca/agudizada, uma vez que tanto osagentes microbianos implicados como

o risco de complicações associado acada uma das formas podem diferirsignificativamente. Na forma aguda, osagentes mais frequentemente implica-dos (≥ 90% dos casos) são virais (virusinfluenza B, influenza A, parainfluenza3 e respiratório sincicial, coronavirus,adenovirus, rinovirus), sendo a etiolo-gia não-viral em adultos sem patologiaantecedente do foro cardiorespiratóriobastante rara (5 a 10% dos casos) e,geralmente, da responsabilidade deagentes como a Bordetella pertussis, oMycoplasma pneumoniae e a Chlamydiapneumoniae. Meta-análises recentesdos estudos controlados e aleatoriza-dos destinados a avaliar a efectividadedo tratamento da bronquite aguda comdiferentes antibióticos não lograramdemonstrar claramente o benefício dasua utilização no que se refere à gravi-dade e duração da doença, ocorrênciade complicações e taxa de absentismodela resultante15. Exceptua-se o casoda B. pertussis, responsável por umapercentagem indeterminada, emboraprovavelmente baixa, de casos de tossearrastada no adulto imunizado e quebeneficia de antibioterapia estando, en-tão, indicada a utilização de um macró-lido. De acordo com o referido no FEM,«a utilização de antibióticos na bron-quite aguda é, quase sempre, uma ati-tude incorrecta».

No caso da bronquite crónica, oumais propriamente das suas agudiza-ções, embora predominem também osvírus como agentes etiológicos, a su-perinfecção bacteriana é mais fre-quente, sendo o pneumococo e oHaemophilus sp os principais agentes aconsiderar para a escolha do antibióti-co, sendo o segundo, eventualmente,mais frequente em idades avançadasou em doentes com hábitos tabágicos.É, no entanto, ainda controverso o be-nefício desta intervenção farmacológica,particularmente nos casos em que nãoseja evidente o agravamento da dispneiaou da viscosidade e/ou purulência da

440 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 21: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

expectoração16,17. De acordo com oFEM, «a utilização de antibióticos nasagudizações de bronquite crónica éaceitável, embora controversa».

A bronquite foi a segunda patologiaque mais frequentemente motivou aprescrição de antibióticos. sendo desalientar que mais de metade dos ca-sos (54,46 %) foram de formas agudasdesta patologia, indicando que nãoparece ser rara a opção dos clínicosavaliados por uma intervenção farma-cológica com antibióticos perante os ca-sos de infecção aguda das vias respi-ratórias na ausência de sintomatologiasistémica. Acresce que, neste estudo, aopção foi, em 41,59% dos casos, porum fármaco do grupo dos betalactâmi-cos/penicilinas e pela associação amo-xicilina/ácido clavulânico em 34,88%,em conformidade com o recomendadono FEM. A doxiciclina, apresentada noFEM como a segunda escolha, foi ape-nas prescrita em 5,58% dos casos e osmacrólidos (terceira opção do FEM) em23,13% dos casos. De salientar, por fim,a importância relativa das quinolonas,designadamente através da ciprofloxa-cina e da moxifloxacina, que constituí-ram o terceiro grupo mais frequente-mente prescrito para esta indicação.

OTITE

Sendo uma causa frequente de otalgiana criança18, a otite média, particula-mente na forma aguda, tem, na maio-ria dos casos, etiologia viral, à semelhan-ça das restantes afecções das vias aéreassuperiores. Nos casos de etiologia bacte-riana, os agentes mais frequentementeisolados são o Streptococcus pneumoni-ae (39%), o Haemophilus influenzae(29%) e a Moraxella catarrhalis (10%)19.A necessidade de tratamento antibióti-co na otite média aguda da criança é mo-tivo de bastante controvérsia, dado quea grande maioria dos casos (mais de80%) melhoram espontaneamente ape-nas com medicação sintomática e queas complicações graves são bastante

raras. Uma meta-análise recente20 deestudos controlados por placebo concluique os antibióticos proporcionam umbenefício pequeno para a otite médiaaguda da criança, manifestado sobre-tudo pela redução de frequência de dortardia (aos dois a sete dias) e não se ten-do verificado benefício sobre outras pos-síveis consequências da otite média agu-da, tais como as sequelas auditivas fun-cionais ou a mastoidite.

O FEM considera a intervenção comantimicrobianos justificada nos casosem que o doente tem febre e/ou em queo tímpano se apresenta ruborizado eabaulado, ou quando os sintomas seprolongam por mais de 24-48 horas.Nestes casos, os antimicrobianos re-comendados são a amoxicilina ou, emalternativa, o cotrimoxazol.

No presente estudo, a maioria doscasos de otite (65,58%) ocorreram,como seria de esperar, em crianças com12 ou menos anos, sendo a quase tota-lidade de casos considerados agudos(95,87%), o que se enquadra bem noperfil epidemiológico desta patologia,pelo que parece não ser rara a opçãopela prescrição de antibióticos para estapatologia por parte dos médicos in-quiridos. A escolha do antimicrobianorecaíu na associação amoxicilina/ácidoclavulânico em 48,89% dos casos,sendo a amoxiclina prescrita em11,11% e o cotrimoxazol em menos de1% dos casos. A associação estatistica-mente significativa da prescrição debeta-lactâmicos/penicilinas com ogrupo etário mais jovem dos doentespoderá ser apenas aleatória, dado quenão possui qualquer justificação de or-dem científica, ou, eventualmente, en-contrar explicação de teor cultural(crenças do prescritor). De salientar,ainda, a utilização frequente de cefa-losporinas de primeira e segunda gera-ção para o tratamento desta patologia.

SINUSITE

A sinusite aguda é definida como uma

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 441

Page 22: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

afecção inflamatória dos seios perina-sais manifestada por tosse e rinorreiaanterior ou posterior com duração en-tre uma semana e 30 dias21, muito em-bora esta definição, que implica a dis-tinção com as formas crónicas (commais de 30 dias de duração) não dê in-dicações importantes quanto ao grau etipo de contaminação bacteriana a ní-vel dos seios perinasais. A doença temgeralmente início numa infecção viralposteriormente complicada por su-perinfecção bacteriana, estando, nestescasos e na população pediátrica, oStreptococcus pneumoniae (36%), o Hae-mophilus influenzae (23%) e a Moraxellacatarrhalis (19%) implicados na maio-ria dos casos. No adulto, o Streptococcuspneumoniae e o Haemophilus influen-zae, isoladamente ou em conjunto, sãoresponsáveis por cerca de dois terçosdos casos, sendo a Moraxella catarrhalisrelativamente rara (2%)22. Uma revisãorecente23 de estudos aleatorizados con-clui que, embora os dados da literatu-ra sejam escassos, a utilização de an-tibióticos na sinusite maxilar agudaparece estar justificada nos casos comsinais radiológicos ou com confirmaçãomicrobiológica (o que, por implicar apunção directa dos seios, não constituipráctica clínica corrente), sendo, nestescasos, recomendada a utilização depenicilina ou amoxicilina durante setea 14 dias. Na realidade, tendo em con-ta os agentes bacterianos mais preva-lentes nas regiões temperadas, a uti-lização da associação amoxicilina/áci-do clavulânico no tratamento da sinu-site aguda do adulto apenas se justificanos casos em que estão implicadas es-tirpes produtoras de beta-lactamases.Tendo em conta que, em Portugal, a ta-xa de produção de beta-lactamases porparte de Haemophilus spp se cifra emtorno dos 10%24 (embora se reconheçaa necessidade de estudos actualizadosnesta área) e que a Moraxella catarrha-lis, embora produtora de beta-lactama-se na maioria dos casos, é distintamen-

te rara como causa de sinusite agudado adulto, aquela escolha parece, emverdade, difícil de justificar.

Num documento conjunto do Ame-rican College of Physicians e da Ameri-can Society of Internal Medicine (ACP-ASIM)25, o tratamento da sinusite agu-da está em adultos recomendado ape-nas nos casos em que os sintomas seapresentem de forma persistente ougrave, sendo mesmo mencionado queos casos agudos não requerem terapêu-tica antibiótica. Esta posição, emboracontroversa, é particularmente fácil deadmitir em crianças, que apresentamuma taxa de remissão espontânea de 40a 45%26. O FEM recomenda, para os ca-sos de sinusite com indicação paratratamento antibiótico, a escolha daamoxicilina ou, em alternativa, do cotri-moxazol, por um período de 10 dias.

No presente estudo, os diagnósticosde sinusite distribuíram-se, predomi-nantemente, pelos grupos etários entreos 13 e 40 anos (46,70) e entre os 41 e64 anos (37,44%), sendo a maioria dassituações consideradas agudas(63,20%), o que também se enquadrano perfil epidemiológico habitualmentedescrito para esta patologia. No entan-to, e em dissonância com o recomen-dado no FEM, a associação amoxicili-na/ácido clavulânico foi, mais uma vez,o fármaco eleito em 24,57% dos casos,sendo as taxas de prescrição quer deamoxicilina, quer de cotrimoxazol ape-nas residuais. Saliente-se a escolha poruma quinolona recentemente lançadano mercado (moxifloxacina) como se-gunda escolha nesta patologia, repre-sentando 14,66% das prescrições paraesta indicação, que foi, como ficou re-ferido, a que apresentou mais elevadoíndice de dispersão de prescrição para90% das prescrições (11 fármacos).

RINITE

Esta infecção inespecífica do tractorespiratório superior, caracterizada porpredomínio de tosse e rinorreia, é difí-

442 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

Page 23: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

cil de distinguir da sinusite com baseem dados meramente clínicos e parti-lha, com esta, das etiologias microbio-lógicas mais frequentes. Hickner e cola-boradores27 consideram que a maioriados casos de rinite diagnosticados aonível dos cuidados de saúde primáriossão causados por infecções virais nãocomplicadas do tracto respiratório su-perior, devendo o diagnóstico clínico derinite bacteriana ser reservado para oscasos com sete ou mais dias de duraçãoe/ou com claro envolvimento concomi-tante dos seios perinasais. Nestes caso,e apenas nestes, estará indicado o re-curso à antibioterpia, devendo ser uti-lizados os esquemas de tratamento eduração recomendados para a sinusite.O FEM não faz uma referência especí-fica a esta situação, pelo que não caberáutilizá-lo como meio de aferir a ade-quação da prescrição.

Note-se, no entanto, que a maioriadas situações de rinofaringite que mo-tivaram prescrição de antimicrobianosforam consideradas moderadas(58,57%) ou ligeiras (41,43%), o quecontraria os critérios atrás referidos,sendo, mais uma vez, a associaçãoamoxicilina/ácido clavulânico a maisfrequentemente utilizada (39,15%), aamoxicilina a terceira escolha para osmédicos inquiridos (14,62%) e o cotri-moxazol prescrito apenas em 2,36% doscasos. De salientar, ainda, a semelhan-ça da distribuição dos antibióticos es-colhidos para o tratamento da rinite/ri-nofaringite com as escolhas feitas paraa faringite.

PNEUMONIA

A avaliação diagnóstica da pneumoniaadquirida na comunidade é hoje em diarelativamente complexa, uma vez que,pela sua potencial gravidade, resultantequer da variedade de agentes implica-dos, quer do facto de estar afectado umórgão nobre cuja disfunção aguda podepôr em risco a vida do doente, levantaa necessidade de, desde logo, ser feita

uma exploração clínica e radiológica ri-gorosa no sentido de despistar precoce-mente os casos com maior risco vital eque necessitam de tratamento em am-biente hospitalar. Para o efeito, é útil re-correr a métodos de avaliação de risco,tais como o PSI (pneumonia severity in-dex) estabelecido por Fine e colabora-dores28,29. Uma vez estabelecido o diag-nóstico, é indiscutível a indicação parao início, tão precoce quanto possível, detratamento antibiótico que, na impos-sibilidade de obter um diagnóstico mi-crobiológico precoce, deverá ter um es-pectro alargado. Neste sentido, reco-menda-se, hoje em dia, a utilização deum macrólido ou de uma quinolonacom espectro de actividade alargadopara os casos em que, pela inexistênciade critérios de gravidade, o tratamentoambulatório seja possível, sendo a uti-lização da associação amoxicilina/áci-do clavulânico igualmente aceitável, so-bretudo nos casos em que se suspeitade aspiração30. Para os casos necessi-tando internamento, a utilização deuma cefalosporina de terceira geração,tal como a ceftriaxona, é geralmenteaceite, associada a um macrólido noscasos em que, pelas características epi-demiológicas, se possa suspeitar do en-volvimento de um agente intracelular.

No nosso estudo, o diagnóstico depneumonia foi relativamente raro(5,14%), predominou nos adultos e, so-bretudo, idosos (65 ou mais anos:40,00%) sendo a maioria dos casos con-siderados de gravidade moderada(72,41%), o que está em concordânciacom o perfil epidemiológico habitual-mente descrito para esta patologia ecom a adequação do seu tratamento emambulatório. Neste contexto, a escolhados antimicrobianos ao nível ATC5pareceu, de modo geral, não se afastarde forma significativa das recomen-dações emanadas por autoridades téc-nico-científicas nesta matéria, embora,como nas restantes indicações estuda-das, tenha predominado a prescrição da

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 445

Page 24: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

associação amoxicilina/ácido clavulâ-nico (29,31%), seguida da claritromici-na (16,38%), e da moxifloxacina(11,21%). A associação estatisticamentesignificativa da prescrição de amoxicili-na/ácido clavulânico com a menoridade dos doentes poderá, neste caso,não reflectir mais do que a ausência deprescrição de quinolonas neste grupoetário. Já a associação da prescriçãodesta associação com o menor númerode anos do prescritor, que observámostambém em outras indicações, deverámerecer, em nosso entender, melhordiscussão, à luz do balanço entre os as-pectos particulares da promoçãocomercial destes medicamentos juntodo prescritor e a solidez e abrangênciada sua formação técnico-científica.

Esta avaliação do perfil de prescrição deantibióticos para indicações relaciona-das com patologia infecciosa das viasrespiratórias nos cuidados de saúdeprimários revelou uma considerável dis-persão dos fármacos prescritos, situan-do-se o indicador ATC590, que corres-ponde a 90% das prescrições para cadaindicação, entre 1,34 para a amigdalitee 7,66 para a pneumonia, sobretudo setivermos em conta a relativa uniformi-dade dos agentes bacterianos implica-dos, num contexto em que a abordagemterapêutica é, sistematicamente, empí-rica.

No que respeita ao perfil dos fárma-cos escolhidos para cada indicação,foram evidenciadas situações de clarainadequação, salientando-se a larga uti-lização da associação amoxicilina/áci-do clavulânico no tratamento da amig-dalite/faringite, a par com a relativa ra-ridade da benzilpenicilina, fármaco uni-versalmente recomendado para osdoentes sem história de intolerância àspenicilinas. Esta escolha, que represen-ta um aumento altamente significativo

dos custos com o tratamento de cadacaso individual (cerca de 15 vezes), nãotem qualquer tipo de justificação cientí-fica, e deve levar a uma análise apro-fundada das suas causas, contemplan-do, designadamente, a efectividade daformação pré e pós-graduada dos clíni-cos em Portugal.

No confronto com as recomendaçõesdo Formulário Europeu de Medicamen-tos, e salvaguardando a relatividade esubjectividade desta avaliação tendo emconta a inexistência de recomendaçõesformais e (porventura, por impossibili-dade) universais nesta matéria, é de sa-lientar, desde logo, a frequência eleva-da de situações clínicas nas quais a uti-lização de antibioterapia é discutível,tais como a bronquite aguda, a otitemédia aguda, a sinusite aguda e a rini-te aguda, muito embora o desenho doestudo não permita avaliar a frequên-cia com que estas situações são aborda-das pelos clínicos sem recurso à antibio-terapia. Por outro lado, é notória a nãoadesão às recomendações presentesnaquele formulário e noutros documen-tos do mesmo teor na maioria das situa-ções, sendo excepção a pneumoniaadquirida na comunidade. Esta diver-gência de escolhas materializa-se sobre-tudo na preferência pela associaçãoamoxicilina/ácido clavulânico para to-das as indicações consideradas, opçãoque, como fazemos notar com base nosdados epidemiológicos existentes (que,admitimos, são insuficientes), nos pare-ce longe de estar justificada e cujas cau-sas importa esclarecer, sobretudo por-que esta escolha parece ser tanto maisfrequente quanto menor é o número deanos de experiência do prescritor.

Em conclusão, os resultados desteestudo demonstram, de forma inequí-voca, a existência de utilização inapro-priada de antimicrobianos nos cuida-dos primários de saúde, em Portugal,tendo ainda permitido delinear algunsproblemas concretos a merecer solução.Este facto deverá, em nosso entender,

446 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

EDITORIAISCONCLUSÃO E RECOMENDAÇÕES

Page 25: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

ser encarado não apenas à luz das actuais preocupações com o problemada resistência microbiana, mas tam-bém, e desde logo, quanto ao custo//efectividade dos cuidados de saúdeque são prestados à população por-tuguesa.

1. Cars O, Mölstad S, Melander A. Varia-tion in antibiotic use in the European Union.Lancet 2001; 357:1851-3.

2. European Surveillance of AntimicrobialConsumption, ESAC. In URL http://www.ua.ac.be/main.asp?c=*ESAC .

3. Falcão JM, Pisco AM, Simões JA et al.Prescrição de antibacterianos em ClínicaGeral: Um estudo na Rede Médicos-SentinelaRev Port Clin Ger 2003; 19:315-29.

4. Palma R M. Prescrição de antibióticos noServiço de Atendimento Complementar. RevPort Clin Ger 2002;18:35-52.

5. WHO Collaborating Centre for Drug Sta-tistics Methodology. Anatomical TherapeuticChemical (ATC) classification index with Defi-ned Daily Doses (DDDs) 2002.

6. Corresponde a um grupo composto dosantimicrobianos ATC J01C, das diferentes as-sociações de penicilina G e das penicilinas Gsem classificação ATC (por exemplo, penicili-na clemizol).

7. Hickner JM, Bartlett JG, Besser RE,Gonzales R, Hoffman JR, Sande MA et al.Principles of appropriate antibiotic use foracute rhinosinusitis in adults: background.Ann Intern Med 2001;134:498-505.

8. Formulário Eutropeu de Medicamentos,(Apêndice). INFARMED, Junho de 1998.

9. Gonzales R, Bartlett JG, Besser RE, Coo-per RJ, Hickner JM, Hoffman JR, Sande MA.Principles of appropriate antibiotic use fortreatment of acute respiratory tract infectionsin adults: background, specific aims, and me-thods. 2001; 134:479-86.

10. Cooper RJ, Hoffman JR, Bartlett JG,Besser RE, Gonzales R, Hickner JM et al.Principles of appropriate antibiotic use foracute pharyngitis in adults: background. AnnIntern Med. 2001;134:509-17.

11. Bartlett JG. Pocket Book of InfectiousDisease Therapy. Lippincott Williams & Wil-kins; 2002.

12. Sanford JP, Gilbert DN, Moellering RC,

Sande MA. The Sanford guide to antimicro-bial therapy 2001-2002 (Belgian/Luxem-bourg Edition).

13. Melo-Cristino J, Fernandes ML. Strep-tococcus pyogenes isolated in Portugal: ma-crolide resistance phenotypes and correlationwith T types. Portuguese Surveillance Groupfor the Study of Respiratory Pathogens. MicrobDrug Resist 1999; 5:219-25.

14. Snow V, Mottur-Pilson C, Gonzales R.Principles of appropriate antibiotic use fortreatment of acute bronchitis in adults. AnnIntern Med 2001; 134:518-20.

15. Orr PH, Riegler SL, Macdonald A,Moffatt ME. Randomized placebo-controlledtrials of antibiotics for acute bronchitis: a criti-cal review of the literature. J Fam Pract. 1993;36:507-12.

16. Murphy TF, Sethi S, Niederman MS.The role of bacteria in exacerbations of COPD.A constructive review. Chest 2000; 25:483-7.

17. American Thoracic Society. Standardsfor the diagnosis and care of patients with chro-nic obstructive pulmonary disease. Am J Res-pir Crit Care Med 1995; 152(5 Pt 2):S77-121.

18. Browning GG. Childhood otalgia: oti-tis media. BMJ 1990; 300:1005-6.

19. Klein JO. Otitis Externa, Otitis Media,Mastoiditis. In. Mandell, Douglas & Bennett’sPrinciples and Practice of Infectious Diseases.Churchill Livingstone; 1995. p.581.

20. Glasziou PP, Del Mar CB, Sanders SL,Hayem M. Antibiotics for acute otitis media inchildren (Cochrane Review). In: The CochraneLibrary, 3, 2002.

21. Gwaltney JM. Sinusitis. In. Mandell,Douglas & Bennett’s Principles and Practiceof Infectious Diseases. Churchill Livingstone;1995. p.586.

22. Gwaltney JM. Sinusitis. In. Mandell,Douglas & Bennett’s Principles and Practiceof Infectious Diseases. Churchill Livingstone;1995. p.585.

23. Williams JW, Aguilar C, Makela M,Cornell J, Hollman DR, Chiquette E, Simel DL.Antibiotics for acute maxillary sinusitis(Cochrane Review). In: The Cochrane Library,4, 2001.

24. Lavado B, Pato V. Antibiotic resistancein H. influenzae in Portugal. APUA Newsletter1994; 12:5-6.

25. Snow V, Mottur-Pilson C, Hickner JM.Principles of appropriate antibiotic use foracute sinusitis in adults. Ann Intern Med2001;134: 495-7.

26. Wald E, Chipolis D, Ledesma-Medina

Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48 447

EDITORIAISREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Page 26: Prescrição de antibióti- cos para infecções do tracto ...repositorio.ul.pt/bitstream/10451/5656/1/Antibióticos_tracto... · o combate à resistência bacteriana não passa,

ESTUDOS ORIGINAIS

J. Comparative effectiveness of amoxicillinand amoxicillin-clavulanate potassium inacute paranasal sinus infection in children.Pediatrics 1996; 7:795-800.

27. Hickner JM, Bartlett JG, Besser RE etal. Princples of Appropriate Antibiotic Use forAcute Rhinoinusitis in Adults: Background.Ann Intern Med 2001;134:498-505

28. Fine MJ, Anbell JE, Yealy DM et al. Im-proving the appropriateness of hospital carein community acquired pneumonia: a predic-tive rule to identify patients at low risk formortality and other adverse medical out-comes. N Eng J Med 1997;336:243-50.

29. In URL: http://www.emedhome.com/pdf/PSI.pdf.

30. Bartlett JG. Pocketbook of InfectiousDisease Therapy. Lippincott, Williams &Wilkins; 2002. p. 246.

AgradecimentosA todos os médicos que aceitaram participarneste estudo.

Endereço para correspondência:Luis CaldeiraOMPSINFARMEDParque de Saúde de LisboaAv. do Brasil, 531794-004 LisboaTelef.: 217987100Fax: 217987316E-mail: [email protected]

Recebido para publicação em 10/12/03Aceite revisto para publicação em 08/06/04

448 Rev Port Clin Geral 2004;20:417-48

ANTIBIOTIC PRESCRIBING FOR RESPIRATORY INFECTIONS IN PORTUGAL

ABSTRACTThe authors present the results from a prospective study aimed at the characterization and eva-luation of the adequateness of the prescription of antimicrobials for systemic use in respiratoryinfections in primary care. For the purposes of the study, ten similar questionnaires concerningthe type of antibiotic which was prescribed for respiratory tract infections were submitted to asample of general practitioners (GP), randomized by successive staging, at the national level,between December 2001 and January 2002. Two hundred forty seven GP have participated inthe study by sending back, at least, one adequately filled questionnaire. A total of 2200 pres-criptions were evaluated, corresponding to 2257 therapeutic indications. Mean patient’s age was31.87 years. The indications leading to antibiotic prescription in those with 100 or more valida-ted questionnaires were tonsillitis (663, 29.38%), bronchitis (430, 19.05%), otitis (315,13.96%), sinusitis (232, 10.28%), pharyngitis (228, 10.10%), rhinitis/rhinopharyngitis (212,9.39%) and pneumonia (116, 5.14%). The most frequently prescribed antimicrobials at the ATC3level were betalactam/penicillins (50.55%), macrolides (23.09%), cephalosporins (14.77%),quinolones (8.32%), tetracyclines (2.45% and sulphonamides/trimethoprim (0.59%). At theATC5 level, the most frequently prescribed antimicrobial was amoxycillin/clavulanic acid(35.36%), which was also the most frequently prescribed antibiotic for each individual indica-tion. As far as the choice for the antibiotic for each indication is concerned, some inadequacieswere detected, namely regarding the large and unjustified use of amoxycillin/clavulanic acidfor the treatment of tonsillitis. Also, antimicrobials were frequently prescribed for situations forwhich they are not currently formally indicated, and the recommendations of the European DrugFormulary regarding first-line treatment for the concerned indications were not observed, withthe exception of pneumonia. The authors conclude that significant clinical and economic benefitmay be obtained by improving current clinical practice through appropriate interventions.

Key words: Antimicrobials; Antibiotics; Respiratory Infections; Drug Use.