PRESENÇA, ESCUTA E COMPREENSÃO INTEGRATIVA: UM … · minha vida, e, em cada fase, surgiam...

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP FÁTIMA APARECIDA GOMES MARTUCELLI PRESENÇA, ESCUTA E COMPREENSÃO INTEGRATIVA: UM OLHAR DIALÓGICO SOBRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA São Paulo 2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

FÁTIMA APARECIDA GOMES MARTUCELLI

PRESENÇA, ESCUTA E COMPREENSÃO INTEGRATIVA:

UM OLHAR DIALÓGICO SOBRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

São Paulo2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fátima Aparecida Gomes Martucelli

PRESENÇA, ESCUTA E COMPREENSÃO INTEGRATIVA: UM

OLHAR DIALÓGICO SOBRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE.

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Dissertação apresentada à Banca Examinadorada Pontifícia Universidade Católica de SãoPaulo, como exigência parcial para a obtençãode titulo de MESTRE em Psicologia Clínica –Núcleo de Psicossomática e PsicologiaHospitalar, sob a orientação da Profa. Dra.Mathilde Neder

São Paulo2011

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO

PUC-SP

Fátima Aparecida Gomes Martucelli

PRESENÇA, ESCUTA E COMPREENSÃO INTEGRATIVA: UM

OLHAR DIALÓGICO SOBRE A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

MESTRADO EM PSICOLOGIA CLÍNICA

Banca examinadora:

____________________________

____________________________

____________________________

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SDEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado a duas mulheres que fazem do meu

existir uma dádiva:

Minha mãe, Neide Mendes, um exemplo de força e dignidade

perante a vida, e minha filha, Brunna, o sonho mais querido e a

alegria de todas as manhãs, quando desperto, ao ver que você é

a minha doce realidade.

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AGRADECIMENTOS

Agradeço, especialmente, a querida orientadora Prof. Dra. Mathilde Neder pela presença cheia

de entusiasmo, luz e graciosidade. Esse meu trilhar não seria possível sem a condução de suas

mãos generosas e afetivas. Meu carinho pela eternidade.

À amiga-irmã Maria Cristina Longobardo Simone, com seus dons de fada, que esteve

presente, literalmente, em todos os momentos, trazendo alívio, segurança, ternura e alegria.

Sua presença é uma bênção em minha vida.

À Tereza Vignolli (Tequinha), pelos poemas preparados para essa dissertação. É uma honra

tê-los como forma de alma no trabalho. Você é a encarnação do amor. A tradução perfeita do

que Buber fala sobre a Relação Dialógica. Que feliz encontro!

À Maria Cecília Maeda, por aceitar o convite de fazer essa travessia. Suas contribuições na

qualificação foram fundamentais, dando uma boa forma.

Ao Nicolau Tadeu Arcaro, por dispor do seu precioso tempo para a leitura minuciosa e

sugestões valiosas.

Ao amigo Luiz Alfredo Liliental, por atender os meus chamados e, carinhosamente, fazer

parte da banca de examinadores.

Ao querido amigo Ênio Britto, por estar sempre por perto. Sua presença é um presente!

À querida Diva Mazbouh, que fez mais do que a correção dessa dissertação, dialogou, sugeriu

e mergulhou comigo nesse projeto.

À especial e muito querida Bruna Bertolete pela formatação e por olhar os últimos detalhes na

conclusão do trabalho.

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Às amigas Cecilia Souto e Lilian Frazão, pelo suporte, presença e amor incondicional. Vocês

são exemplos que escolho seguir.

Às amigas do Instituto Sedes Sapientiae, departamento de Gestalt-terapia: Bia, Eviene,

Myriam e Rosana, pela nossa história construída com alegria, compromisso e afeto.

Aos professores do Núcleo de Psicossomática e Psicologia Hospitalar da PUCSP, pelos

ensinamentos e respeito na singularidade de cada aluno.

Ao querido professor Esdras de Vasconcellos, pelas aulas inesquecíveis. Sua dedicação é um

exemplo a ser seguido.

Aos queridos amigos da PUC: Périsson, Patrícia, Claudinha, Maria Mello, Carla, Irit, Ciça e

Roberto. Cada um, da sua forma, me ajudou a dar mais esse passo.

Aos meus clientes que, todos os dias, com suas presenças, me contam sobre a confiança e

esperança de dias melhores.

Aos meus alunos, que despertam, em mim, a curiosidade e o entusiasmo em aprender.

À querida Nandinha, pelos cuidados com o meu bem mais precioso: minha filha Brunna.

Ao Dr. Bezerra de Menezes, por orientar meus caminhos.

Aos amigos: Dra Maria Inês Pacheco Trigo, Dr. Vicenzo Izzo e Dr. Paulo Serafini pelos

encontros dialógicos e escuta integrativa.

Aos mestres: Paulo Barros, Carlos Alberto Penteado e Osvaldo Cebinelli, que me inspiram a

diária construção de ser psicoterapeuta.

Finalmente, agradeço a Deus, por sua infinita grandeza e bondade, e por ter me dado a força

necessária para trilhar este caminho e, principalmente, conseguir finalizá-lo.

Esta dissertação de Mestrado teve o apoio do CAPES.

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RESUMO

Por meio desse estudo, pretende-se ampliar a compreensão da relação médico-paciente,

sugerindo-se elementos que facilitem essa relação. Para tanto foi feita uma revisão

bibliográfica para obter um panorama histórico desde os primórdios da medicina, com foco na

atitude da relação médico-paciente e a qualidade da escuta e presença diante da dor e

sofrimento, até a atualidade. A análise dos estudos demonstrou que os avanços da medicina e

da tecnologia não substituem a relação médico-paciente, considerada uma fonte primeira e

fundamental para a adesão de tratamentos, suporte para o enfrentamento das adversidades

advindas de doenças agudas e crônicas. Apresenta-se a abordagem Gestalt-terapia de Fritz

Perls com escopo teórico, cuja ênfase é na relação do indivíduo com o seu meio, e uma

abordagem que visa a relação. Os conceitos principais da Gestalt-terapia são: contato, funções

de contato, fronteira de contato, suporte e awareness, e os conceitos são compreendidos na

relação do homem com o seu meio, favorecendo uma presença integrativa no seu ser e estar

no mundo. Acredita-se que essa abordagem pode oferecer instrumentos facilitadores para a

qualidade na presença, escuta e compreensão integrativa da relação médico-paciente. A

Relação Dialógica de Buber insere o diálogo no “entre” e na alteridade do encontro.

Apresenta uma Atitude terapêutica com base na Inclusão, Presença e Compromisso com o

Diálogo, bem como condições necessárias para estabelecer um encontro de qualidade,

caminhos sugeridos para uma melhor prática clínica na relação médico-paciente.

Palavras chave: relação médico paciente, relação dialógica, gestalt-terapia

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ABSTRACT

The present study aims to provide a better understanding on the doctor-patient relationship,

suggesting elements to facilitate it. For so, bibliography was reviewed so as to achieve a

history overview from the beginning of medicine, focused on the attitude of the doctor-patient

relationship, the quality of hearing and presence upon pain and suffering until present days.

Such relationship is taken as a first and essential source to adhere to treatments, support to

face the obstacles arising out of acute and chronic illnesses. We also discuss the Fritz Perls’

Gestalt-therapy approach, focusing on the theoretical scope of the individual relationship to its

environment. The main concepts of the Gestalt-therapy are: contact, contact roles, contact

limits, support and awareness, and they are part of men’s relationship to his environment,

favoring an integrative presence in the self and the world. We believe such approach may

provide facilitating instruments to improve the quality of presence, hearing and integrating

understanding of the doctor-patient relationship. Buber’s Dialogic Relationship inserts the

dialogue in the “between” and the alternation of the encounter. It indicates a therapeutic

attitude based on Inclusion, Presence and Commitment to the dialogue, as well as the

conditions required to have a high-quality encounter. Those are suggestions for a better

clinical practice of the doctor-patient relationship.

Keywords: Doctor-patient relationship; dialogic relationship; Gestalt-therapy.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO....................................................................................................................10

OBJETIVO............................................................................................................................... 17

CAPÍTULO I ........................................................................................................................18

1.1 UM PANORAMA HISTÓRICO DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE .......................21

1.2 A INTERFACE DA RELAÇÃO MÉDICO–PACIENTE. ...............................................35

CAPÍTULO II.......................................................................................................................42

RESILIÊNCIA: O ENFRENTAMENTO DAS ADVERSIDADES.......................................42

CAPÍTULO III .....................................................................................................................45

A PSICOSSOMÁTICA E A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE ..........................................45

CAPÍTULO IV .....................................................................................................................50

GESTALT-TERAPIA: UM CAMINHO PARA INSTRUMENTALIZAR À QUALIDADE

DO ENCONTRO.NA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE ....................................................50

CAPÍTULO V.......................................................................................................................62

ABORDAGEM DIALÓGICA : O ENTRE NA RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE ..............62

CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................68

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...................................................................................73

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INTRODUÇÃO

na vidacomo no verso

deixar no brancosurgir o inédito

(TECA, 2011)

Quando iniciamos uma pesquisa, entramos, primeiramente, em contato com uma

inquietação, uma lacuna, um interesse. Não há uma forma muito definida, apenas um

desconforto e, com ele, começam a surgir perguntas e questões.

Vamos rastreando essas interrogações, procurando por outras que se inquietaram

também. Gosto dessa imagem, pois nos tira da solidão; tem sempre o “outro” para viabilizar

encontros na incessante busca do eterno perguntar.

O tema sobre a relação médico-paciente foi trazendo desdobramentos ao longo da

minha vida, e, em cada fase, surgiam questões diferenciadas sobre o tema.

Tivemos o privilégio da companhia de um médico da família, que acompanhou meu

crescimento, as cirurgias a que minha mãe foi submetida, as cólicas renais do meu tio, o

diagnóstico de câncer do meu avô e sua morte. Nesse dia de visita, ele frequentava nossa casa

e participava da nossa rotina. Eu, ainda pequena, não via uma figura de autoridade médica, e

sim um bom amigo que era médico. Hoje me dou conta da riqueza desse encontro.

Já mulher, e tentando engravidar, eu e meu marido buscamos o tratamento de

Reprodução Assistida. Passando por três equipes, percebemos a diferença na relação médico-

paciente.

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Apenas uma equipe teve um olhar voltado para o casal e um acompanhamento não

apenas técnico, mas também afetivo. Interessante ressaltar que essa equipe realmente

trabalhava em conjunto.

O médico responsável pelo meu caso costumava viajar para o exterior enquanto outro

da equipe me acompanhava. Não me sentia insegura, confiava na equipe.

GAYATTO (2006) declara que a relação médico-paciente é influenciada pela

qualidade da equipe de saúde e o paciente é o grande beneficiado, pois encontra suporte para o

seu processo de enfrentamento da doença.

Surgiram algumas questões: os médicos recebem um treinamento sobre a relação

médico-paciente? A qualidade da relação médico-paciente depende só do médico? Os médicos

estão preparados para dar más notícias? As instituições de saúde oferecem trabalhos

terapêuticos, como encontro grupal e dinâmico, aos profissionais que, todos os dias, trabalham

com a dor, limites, morte e medos?

Buscando responder a essas perguntas, comecei a delinear minha pesquisa com o

objetivo de ampliar a compreensão da relação médico-paciente realizando um estudo teórico

da revisão de literatura sobre a relação médico–paciente.

As bases de dados das pesquisas foram: Web of Science, Pubmed, Scielo e Lilacs, nas

quais as palavras-chaves foram: relação médico-paciente, relação dialógica e Gestalt-Terapia.

Com os textos coletados e lidos, busquei em livros e, novamente, na Web, para ter um

panorama histórico da relação médico-paciente.

O trabalho teve esta configuração: a relação médico-paciente do panorama histórico

até o momento contemporâneo.

Na pesquisa, foram introduzidos livros mais antigos por ter consultado obras originais.

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Após a análise do material selecionado, fui construindo um diálogo com as análises

selecionadas: a abordagem teórica da Gestalt-Terapia e a Abordagem Dialógica.

Segundo Paula (2003), uma das principais reclamações dos pacientes a respeito da

medicina moderna recai sobre a inabilidade do médico em se comunicar com eles. O uso da

tecnologia vem ocupando um grande espaço na prática médica para diagnosticar o paciente,

de forma que pouco tempo é dedicado a ouvir o relato da história clínica. Os médicos parecem

estar perdendo o contato com os pacientes, e diante do tecnicismo que domina a prática

médica hoje em dia, o paciente é tratado, não raramente, como um corpo desprovido de

vontade e história.

Acredita-se que os grandes avanços da tecnologia, num espaço curto de tempo, trazem

muitas informações para serem assimiladas e processadas pelo médico, que outrora utilizava

não apenas a técnica, mas também sua sensibilidade e intuição.

Assim, busca-se, com esse estudo, ampliar a compreensão da relação médico-paciente,

sabendo-se que o diálogo e a presença efetiva têm um elevado potencial terapêutico para

ambos: médico e paciente.

Portanto, o estudo desse assunto, com maior profundidade, apresenta-se como algo

relevante e de grande importância para uma qualidade no exercício profissional e pessoal.

O avanço proporcionado por esse estudo bibliográfico é que a escuta, a presença e a

compreensão integrativa não estão no médico e muito menos no paciente, mas no entre da

relação.

Quando olhamos para um álbum familiar de fotografias, podemos ter uma visão das

etapas vividas e construídas. São registros que contextualizam a nossa história e trazem a

possibilidade de resgatar situações que ficaram esquecidas e que, com atualizações pertinentes

para o presente, podem trazer a essência novamente. É a oportunidade que temos, no presente,

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quando olhamos o passado: podemos escolher o que resgatar e podemos, nesse presente, ousar

novas buscas para um novo vir-a-ser. Este trabalho, por meio de uma revisão bibliográfica,

teve esse “olhar”. Pelos capítulos apresentados, tecemos uma configuração da história com o

momento contemporâneo da relação médico-paciente.

O capítulo I –1.1 Um panorama histórico da relação médico-paciente, começa com

os segredos dos médicos antigos, visita Hipócrates e chega até a atualidade. No início da

humanidade, a Medicina configurava-se uma prática preocupada em oferecer alívio e conforto

aos pacientes que experimentavam os sofrimentos da carne. Qualquer pessoa poderia

desempenhar essa função, desde que possuísse sensibilidade, iniciativa, bom senso e uma boa

dose de altruísmo. Acreditava-se que a doença era produto de forças sobrenaturais que

acometiam o indivíduo.

PERES (2005) destaca Hipócrates, considerado o pai da Medicina, que insurge-se no

seu tempo contra a passividade do médico diante da doença, não mais a admitindo como

infortúnio tramado pelo destino ou como punição divina.

1.2 – A interface da relação médico-paciente revela a complexidade da relação

médico-paciente que, apesar dos avanços tecnológicos, continua sendo ferramenta primária e

indispensável com a qual médico e paciente trocam informações. Os autores DOYLE e O

CONNEL, (1996); ALMANZA-MUÑOS e HOLLAND, (1999); VANDEKIEF, (2001)

revelam que elementos como a empatia, a compreensão, o interesse, o desejo de ajudar e o

bom humor são indispensáveis para conseguir um ambiente de conforto emocional no qual o

paciente terá conhecimento de sua doença e de seu diagnóstico, e o médico agirá segundo seus

conhecimentos, experiência clínica e capacidades humanas. VICTORINO, A.B;

NISENBAUM, E.B.; GIBELLO; BASTOS, M.Z.N; ANDREOLI, P.BA (2007) mostram a

necessidade de trabalhar em dois pólos: verificar que a informação seja compreendida

corretamente e, se necessário, corrigi-la (com ênfase na tarefa) e preocupar-se com a reação

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afetiva envolvida na passagem da informação. Esta última implica considerar os sentimentos e

expectativas que o paciente tem com relação ao profissional de saúde (transferência), bem

como com os sentimentos e expectativas que o profissional de saúde tem do paciente

(contratransferência).

Pensar na relação médico-paciente é deparar-se com uma especialidade que irá nos

acompanhar do nascimento até a morte. Ficamos despidos diante do outro, não só das roupas

que cobrem nosso corpo, mas também os nossos sentimentos ficam expostos. Defrontamo-nos

com nossos medos e com a finitude. Por outro lado, temos o médico que, também em sua

humanidade, se apresenta com limites, receios e a própria consciência da sua finitude. É uma

profissão paradoxal, que lida com a dor e o alívio, com o medo e a esperança, com o

emergente e com a cronicidade, com a vida e com a morte. Difícil a arte de exercitar o ofício

que se depara com o limite da existência o tempo todo. O revelador e, bem provavelmente,

encantador, é como esse limite é vivido por cada singularidade. Essa é a verdadeira arte da

obra interminável do “estar-na-vida”.

O Capítulo II - Resiliência: O enfrentamento das adversidades na relação médico-

paciente, é dedicado a todos profissionais que, mesmo sem ter condições dignas de trabalho,

assumem grande responsabilidade sobre a vida das pessoas, lutam e se dedicam ao trabalho da

saúde.

O Capítulo III - A psicossomática e a relação médico-paciente traz a possibilidade

de o leitor entrar em contato com teóricos como Lipowiski e Groddeck, desbravadores de sua

época, quando deram importância a uma atitude terapêutica na relação médico-paciente.

“(...) o doente não é o produto da sua doença, mas a doença é o produto do doente, ainda que

se deva saber que toda afecção provoca repercussões no paciente, transformando-o”.

(GRODDECK 193, 1980, p.107)

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O capítulo IV, Gestalt-terapia: um caminho para instrumentalizar a relação

médico-paciente, expõe a abordagem da Gestalt-terapia, seus conceitos principais e sua

compreensão de saúde e de doença. É uma abordagem primordialmente relacional, que visa a

qualidade do encontro consigo mesmo e com o outro.

“Ninguém é autossuficiente; o indivíduo só pode existir num campo circundante. É

inevitavelmente, a cada momento, uma parte de algum campo. Seu comportamento é uma

função do campo total, que inclui ambos: ele e seu meio.” (PERLS, p 31,1998)

No Capítulo V – A Relação Dialógica: o entre na relação médico-paciente,

apresentamos a atitude dialógica de Martim Buber e levantamos algumas possibilidades de

inclusão dessas atitudes no encontro médico-paciente.

“Quando iniciamos uma relação dialógica, mesmo que, às vezes, ela não seja recíproca na terapia,

experimentamos a liberação do nosso próprio potencial assim como o do paciente. A prática da

arte terapêutica torna-se não somente uma expressão do nosso ser, mas uma etapa do nosso vir-a-

ser.” (HYCNER. R; JACOBS.L. p.94.1997)

Nas considerações finais, concluímos que a importância da relação médico-paciente

está no entre, na alteridade que ocorre no encontro de cada consulta.

“O diálogo não está centrado em apenas uma das pessoas, mas se origina em ambas”

(HYCNER. R; JACOBS. L., p.100, 1997)

Esta dissertação teve o privilégio de contar com a poetisa e amiga Teresa Vignoli

(Teca), que preparou cada abertura de capítulo e encerramento do trabalho com poemas

especialmente criados para esse trabalho.

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Utilizando a metáfora do inicio dessa introdução, sobre o álbum de fotografias,

escolhemos algumas fotos para construirmos novos álbuns contendo o lá e então da nossa

história com as atualizações do presente.

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OBJETIVO

Objetivo Geral:

O objetivo deste trabalho é ampliar a compreensão da relação médico-paciente sob o

panorama histórico da relação médico-paciente até a atualidade.

Objetivo Específico:

a) Identificar os fatores que dificultam a relação médico-paciente;

b) Apresentar a Gestalt-terapia como um instrumento facilitador e compreensivo na

relação médico-paciente;

c) Apresentar a Relação Dialógica como uma atitude terapêutica que favorece a qualidade

do encontro entre médico e paciente.

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CAPÍTULO IA RELAÇÃO MÉDICO PACIENTE

ante sala

escuto o silêncio:

perguntas, imagens, segredos

povoam as cadeiras.

o que me aguarda, quem me aguarda

atrás da porta?

sou todo espera, sou todo mistério, sou todo dúvidas.

(TECA, 2011)

Segundo Canella, os indivíduos e as pessoas, interagem entre si e com o mundo que as

contém. É nessa totalidade que existe a interrelação a que chamamos de relacionamento. O

autor define indivíduos como unidades com corpo e espírito formando uma nova unidade, a

dos humanos, sujeitos às leis que regem sua singularidade sujeitos a outras leis que emanam

da pluralidade.

FERREIRA (1988) define relacionamento como a capacidade, em maior ou menor

grau, de relacionar-se, conviver ou comunicar-se com os seus semelhantes. Ligação de

amizade, afetiva, profissional, etc., condicionada por uma série de atitudes recíprocas; relação.

O foco deste trabalho é a relação médico-paciente, a sutileza desse encontro,

geralmente cercado de medos, fragilidades, fantasias, expectativas, desejos e tantos outros

sentimentos oriundos da vulnerabilidade inerente ao humano.

Um exercício de nos colocarmos na posição de paciente pode nos ajudar a entender o

significado da doença para o paciente. Você se lembra da última vez em que ficou doente? O

que sentiu quando estava com 39°C de temperatura, com tosse, necessitando ficar de repouso?

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Como isso afetou o seu dia-a-dia? Aquela reunião que você não pôde ir, aquela prova para a

qual não conseguiu estudar? Esse exercício de nos colocarmos na posição de paciente pode

nos ajudar a entender o significado da doença para o paciente.

MORATO (2003) faz algumas considerações e diferenciações a respeito de duas

palavras chaves: DOENÇA e ENFERMIDADE. O termo doença é usado para designar a

disfunção de um determinado órgão ou aparelho, enquanto a enfermidade tem um significado

mais amplo, da vivência da doença, como a pessoa que está doente se sente, quais as

consequências que traz para a sua vida profissional e pessoal.

Existe uma necessidade de o médico compreender a enfermidade de cada paciente, não

apenas a doença, afinal não há a tuberculose andando por aí, mas sim a D. Maria que está com

tuberculose. Deve haver um equilíbrio entre o conhecimento da doença (fisiopatologia,

métodos diagnóstico...) e da enfermidade, para, então, ajudar o paciente na sua totalidade.

O médico deve possuir as melhores evidências técnicas para tratar o paciente e, ao

mesmo tempo, a arte de fazer chegá-las até ele, de acordo com o contexto de vida peculiar de

cada um.

MORETO (2003) ressalta a necessidade de dissolver a técnica em humanismo. Dentro

desse aspecto, é necessário contemplar outros níveis de significância estatística, que conferem

alto nível de evidência a um estudo; segue-se o nível de significância clínico, isto é, o grau em

que é possível aplicar este estudo à população e ao paciente em questão. E vem somar-se um

terceiro nível de significância, denominada pessoal, em que, além da doença, do tratamento e

do prognóstico, é necessário levar em consideração a influência dos valores, crenças, atitudes,

modos e expectativas do paciente, os quais determinarão, em último termo, a eficácia do

tratamento. Assim, pode-se notar que o paciente não é um receptor passivo de informações,

mas tem seu modo próprio de interpretar a sua doença e interferir no tratamento.

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Para MORETO (2003), o momento em que se dá o encontro entre o médico e o

paciente é sempre único. A necessidade de ouvir cuidadosamente o paciente deve se estender

a toda consulta médica, desde o início, quando o paciente narra o motivo que o levou lá, até o

momento de abrir a porta do consultório e dizer: “Doutor, o que eu tenho não é câncer, não

é?”.

Para MORETO (2003), o médico deve “ouvir com o terceiro ouvido” tudo o que o

paciente está dizendo, e saber identificar o que está por trás das suas palavras, pois a

importância de ouvir o paciente não está apenas relacionada ao diagnóstico real do que o

paciente está sentindo, mas também funciona como um método terapêutico.

A história da humanidade, demarcada por fatos e transformações, traz novos valores,

costumes, possibilidades e esperanças. As relações são atualizadas, exigindo ajustes criativos

para tornar o diálogo acessível conforme a nova demanda da contemporaneidade solicita.

Ter a leitura da relação médico-paciente através de um panorama histórico até a

atualidade amplia a compreensão dessa arte do estar-com e seus desdobramentos na qualidade

de vida.

Passamos para uma leitura histórica sobre a relação médico-paciente.

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1.1 UM PANORAMA HISTÓRICO DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

tear do cuidar

A linha do tempotece,

dia a dia,abrigo para a dor.

A linha da vida,algodão e alma,presença e cor,

sabe depurar o amor.

(TECA, 2011)

Um olhar para o desenvolvimento histórico de um tema traz a possibilidade de

compreensão de um campo e também mostra uma direção futura. A história contém o

percurso realizado e, simultaneamente, a necessidade de novas buscas. Sistematicamente,

vamos construindo novos saberes que serão questionados, refletidos e ampliados. A relação

médico-paciente, à luz do contexto histórico, nos permite uma profunda reflexão da

atualidade.

GOLDENSTEIN (2006), em uma revisão bibliográfica sobre a história da relação

médico-paciente, relata o surgimento do médico “primitivo”, que se integra a uma cosmologia

sobrenatural e explica as doenças como sendo causadas por espíritos, fantasmas, homens com

poderes mágicos. O “curador” da medicina primitiva era, especialmente, um curador

espiritual, um “xamã”, que curava seus pacientes não somente com drogas, mas também com

amuletos e rituais, expelindo de seus corpos os maus espíritos; estabelecia, com seus doentes,

uma forma nítida de relacionamento “médico”, em que a confiança, o acolhimento e a

explicação para adoecer tinham, muitas vezes, um efeito curativo.

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THORWALD (1962), em seu livro O Segredo dos Médicos Antigos, faz um

levantamento minucioso sobre os sinais do surgimento da figura do médico e, por meio de

descobertas arqueológicas, revela que os povos da Antiguidade, como os egípcios, já

realizavam operações complexas, fato que comprova grande desenvolvimento e

inteligência desse povo, que fez grandes avanços na Medicina graças ao seu sofisticado

processo de mumificação de corpos. Os mumificadores, ao abrirem os corpos dos faraós para

retirar as entranhas, aprendiam muito sobre a anatomia humana.

Sabe-se que os gregos foram os pioneiros no estudo dos sintomas das doenças. Eles

tiveram como mestre, Hipócrates (considerado, até hoje, o pai da Medicina).

Em uma pequena ilha do mar Egeu, na Grécia, próximo ao litoral da Ásia Menor – a ilha

de Kós – floresceu, no século V a.C., uma escola médica destinada a mudar os rumos da

Medicina, sob a inspiração de um personagem que se tornaria, desde então, o paradigma de

todos os médicos – Hipócrates.

A escola hipocrática separou a Medicina da religião e da magia, afastou as crenças em

causas sobrenaturais das doenças e fundou os alicerces da medicina racional e científica. Ao

lado disso, deu um sentido de dignidade à profissão médica, estabelecendo as normas éticas de

conduta que devem nortear a vida do médico, tanto no exercício profissional como fora dele.

Na coleção de 72 livros contemporâneos da escola hipocrática, conhecida como

Corpus Hippocraticum, há sete livros que tratam exclusivamente da ética médica. São eles:

Juramento, Da Lei, Da Arte, Da Antiga Medicina, Da Conduta Honrada, Dos Preceitos,

Do Médico. Sobressai, entre eles o Juramento, a ser proferido por todos aqueles

considerados aptos a exercer a Medicina, no momento em que são aceitos como tal pelos seus

pares e admitidos como novos membros da classe médica. O Juramento hipocrático é

considerado um patrimônio da humanidade. Por seu elevado sentido moral e, durante séculos,

tem sido repetido como um compromisso solene dos médicos ao ingressarem na profissão.

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Juramento de Hipócrates

“Eu juro, por Apolo médico, por Esculápio, Hígia e Panacea, e tomo portestemunhas todos os deuses e todas as deusas, cumprir, segundo meu poder e minharazão, a promessa que se segue: Estimar, tanto quanto a meus pais, aquele que meensinou esta arte; fazer vida comum e, se necessário for, com ele partilhar meusbens; ter seus filhos por meus próprios irmãos; ensinar-lhes esta arte, se elestiverem necessidade de aprendê-la, sem remuneração e nem compromisso escrito;fazer participar dos preceitos, das lições e de todo o resto do ensino, meus filhos, osde meu mestre e os discípulos inscritos segundo os regulamentos da profissão,porém, só a estes. Aplicarei os regimes para o bem do doente segundo o meu podere entendimento, nunca para causar dano ou mal a alguém. A ninguém darei porcomprazer, nem remédio mortal nem um conselho que induza a perda. Do mesmomodo não darei a nenhuma mulher uma substância abortiva. Conservarei imaculadaminha vida e minha arte. Não praticarei a talha, mesmo sobre um calculosoconfirmado; deixarei essa operação aos práticos que disso cuidam. Em toda casa, aíentrarei para o bem dos doentes, mantendo-me longe de todo o dano voluntário e detoda a sedução, sobretudo dos prazeres do amor, com as mulheres ou com oshomens livres ou escravizados. Àquilo que no exercício ou fora do exercício daprofissão e no convívio da sociedade, eu tiver visto ou ouvido, que não seja precisodivulgar, eu conservarei inteiramente secreto. Se eu cumprir este juramento comfidelidade, que me seja dado gozar felizmente da vida e da minha profissão, honradopara sempre entre os homens; se eu dele me afastar ou infringir, o contrárioaconteça”.”

(REZENDE, 2009 , no livro À Sombra do Plátano, Editora UNIFESP)

REBOLLO (2006), em um estudo biográfico de Galeno de Pérgamo, contribui para a

compreensão panorâmica da relação médico-paciente. Trazemos assim um recorte de sua

história:

Galeno de Pérgamo foi o mais famoso médico da Antiguidade, depois de Hipócrates.

Seu prestígio se estendeu à Idade Média europeia, à ciência árabe e aos primeiros fisiologistas

modernos, como por exemplo, o médico inglês William Harvey (1578/1657). Ele nasceu em

Pérgamo, na Ásia Menor, em 129. Seu pai, Nicon, era um arquiteto de posses, e lhe deu

esmerada educação. Estudou Gramática, Retórica, Lógica e Filosofia. Seu pai tinha planejado

uma carreira tradicional para Galeno, na Filosofia ou na Política, e teve o cuidado de expô-lo a

influências literárias e filosóficas. No entanto, Galeno revelou que, por volta de 145, seu pai

teve um sonho em que o deus Esculápio apareceu e ordenou a Nicon que seu filho estudasse

Medicina.

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Novamente, nenhuma despesa foi poupada e, após sua inicial educação liberal, aos 16

começou, a estudar no prestigiado santuário local, dedicado a Esculápio, o deus da Medicina,

por quatro anos. Fez seus estudos médicos em Pérgamo e, mais tarde, em Esmirna, Corinto e

Alexandria.

Em 157, de volta a Pérgamo, foi designado médico dos gladiadores. Graças às

violentas atividades de seus clientes, adquiriu grandes conhecimentos de anatomia humana, ao

vivo, e obteve enorme experiência no tratamento cirúrgico de fraturas e ferimentos graves. Em

162/164 estabeleceu-se em Roma e desfrutou de certo renome entre as classes abastadas, mas

retornou a Pérgamo pouco depois, em 166, possivelmente para escapar de uma epidemia de

"peste". Voltou a Roma em 169, e logo se tornou o médico preferido da corte imperial. Teve,

entre seus clientes, diversos senadores e os imperadores Marco Aurélio (121/180), Cômodo

(162/192) e Septímio Severo (145/211). Foi nessa época que desenvolveu a maior parte de sua

atividade profissional e científica, escreveu a maior parte de sua obra e fez suas famosas

conferências públicas sobre Anatomia e Fisiologia.

Os estudos experimentais de Galeno foram pioneiros e verdadeiramente

revolucionários para a época. Suas descobertas de Anatomia e Fisiologia, como, por exemplo,

a descrição dos nervos sensoriais e motores, são importantes até hoje. Dissecava regularmente

animais como porcos, bodes e macacos, e fazia também diversas experiências; extrapolava,

então, suas descobertas para os seres humanos. Acabou cometendo, é claro, diversos erros,

mas fez muitas descobertas fundamentais. Foi ele quem demonstrou, pela primeira vez, que os

rins secretam urina, que os nervos saem do cérebro e que as artérias contêm sangue, e não ar.

Entre suas obras, destacam-se: Comentários a Hipócrates, Sobre as Seitas; Sobre a Melhor

Doutrina; Sobre a Medicina Empírica; De Anatomicis Administrationibus (em quinze

volumes), De Usu Partium Corporis Humani; Método Terapêutico.

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Na Idade Média, era comum que o médico procurasse curar praticamente todas as

doenças utilizando o recurso da sangria. Essa era feita, principalmente, com a utilização de

sanguessugas. Nesse período, os conhecimentos avançaram pouco, pois havia uma forte

influência da Igreja Católica, que condenava as pesquisas científicas.

GOLDENSTEIN (2066) destaca que, após a queda do Império Romano, o

Cristianismo teve sua ascensão. Doença e sofrimento passaram a ser vistos como punições

divinas diante dos pecados da vida humana, pecados esses que deveriam ser enfrentados com

um silêncio respeitoso e rezas de penitência. Cuidar dos pobres doentes e sofredores passou a

ser obrigação dos fiéis em busca da salvação da alma. Surgiram os primeiros hospitais no

século IV d.C., com a finalidade de aliviar a dor e preparar para a morte os menos favorecidos.

Nesse contexto histórico, apareceram os “médicos padres” e os monges, que se encarregavam

tanto do cuidado da alma quando do corpo do doente. Mesmo os poucos médicos da época,

que praticavam uma medicina privada na casa dos nobres, tinham por obrigação a salvação da

alma, visto que o pior que poderia acontecer, tanto ao médico como ao paciente, era morrer

sem se confessar a um padre. A vida eterna da alma tinha mais importância que os sofrimentos

temporais do corpo, e o consolo e as conversas espirituais representavam a parte mais

importante do encontro médico, até porque os exames físicos limitavam-se a sentir o pulso e

inspecionar a urina. A terapêutica se dava por meio de dietas, sangrias, reposicionamento de

ossos, pequenas cirurgias e uso de laxantes.

No período do Renascimento Cultural (séculos XV e XVI), houve um grande avanço

da Medicina. Movidos por uma grande vontade de descobrir o funcionamento do corpo

humano, médicos buscaram explicar as doenças por meio de estudos científicos e testes de

laboratório.

No século XVII, William Harvey (1578-1657) fez uma nova descoberta: o sistema

circulatório do sangue. A partir daí, os homens passaram a compreender melhor a Anatomia e

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a Fisiologia. Os diagnósticos continuaram sendo feitos da forma como fazia Galeno: por meio

de escritos e das histórias contadas pelo próprio paciente, observação por parte do médico dos

sinais da doença, aparência física e comportamento do paciente; raramente, com o exame

físico corporal do paciente.

O século XVIII marca a Revolução Francesa e o nascimento da Moderna Medicina.

GOLDENSTEIN (2006) relata que, com o advento da revolução, as universidades francesas

foram fechadas e a Medicina passou a ser praticada nos hospitais. Isso fez uma enorme

diferença, visto que a Medicina passou a ser exercida junto ao leito dos doentes, transferindo-

se o foco da atenção médica para o corpo doente do paciente. Os pacientes foram, então,

diagnosticados pela investigação de seus sintomas, pelos sinais detectados na inspeção de seus

corpos, pelo toque, palpação, audição e visão, e não mais a partir do que relatavam aos

médicos.

No século XIX, todo o conhecimento ficou mais apurado após a invenção do

microscópio acromático. Com essa invenção, Louis Pasteur (1822-1895) conseguiu um

enorme avanço para a Medicina, ao descobrir que as bactérias são responsáveis pela causa de

grande parte das doenças.

Nesse início de milênio, o diálogo entre ciência e sociedade tornou-se relevante e

imperativo em razão dos impactos diretos nos avanços científicos sobre o indivíduo, alterando

o comportamento e a própria estrutura social, principalmente na área das ciências biológicas,

devido às infinitas perspectivas que se abriram com o desenvolvimento tecnológico.

SVENAEUS (2000) observa que a ciência médica moderna e tecnológica iria mudar a

natureza da relação médico-paciente pelo risco do paciente ser reduzido a um objeto de estudo

e desaparecer como pessoa. Inicia-se um conflito entre os avanços tecnológicos e a

humanização do encontro médico-paciente. A voz do paciente passou a ser ameaçada pelo

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zunido alto da tecnologia médica, o computador passou a ser o juiz em assuntos como

diagnóstico e terapêutica e deve, pouco a pouco, substituir a própria voz do médico.

POTTER (1971) salienta que a Bioética surgiu como um esforço interdisciplinar das

áreas envolvidas, isto é, das ciências da vida e da saúde, para reavaliar os valores humanos por

meio da busca de respostas a tantas transformações, questionamentos e conflitos morais.

Segundo a Organização Mundial da Saúde, saúde não é apenas a ausência de

problemas como câncer, diabetes, entre outros, mas consiste no bem estar físico, mental,

psicológico e social da pessoa. É um estado cumulativo, que deve ser promovido durante toda

a vida, de maneira a assegurar-se de que seus benefícios sejam integralmente desfrutados em

dias posteriores. Nesse contexto, diretrizes de organizações supranacionais compostas por

eminentes intelectuais do globo relacionados à área de saúde estabeleceram um novo

paradigma de abordagem em Medicina.

FRANCESCONI E GOLDIM (2005), em uma pesquisa bibliográfica sobre Bioética,

relatam que, a partir dos anos 70, o movimento bioético assumiu importância crescente. Os

pacientes têm mais autonomia e, juridicamente, é rejeitada qualquer discriminação na prática

clínica. Até o fim dos anos 80, prevalecia o modelo hipocrático no relacionamento dos

profissionais de saúde-pacientes. Aqueles, em nome do bem do ato de suas profissões,

definiam as condutas sem consultar os pacientes.

Durante o século XX, o progresso científico e o avanço tecnológico da Medicina,

aliados à evolução do pensamento e dos costumes, trouxeram novos conceitos e novos

aspectos relativos à ética médica. A validade do juramento de Hipócrates passou a ser

questionada, se não em seu significado simbólico, pelo menos em seu conteúdo. Surgiram,

então, numerosas propostas no sentido de "atualizar" ou "modernizar" o texto do juramento.

Essa tendência se acentuou nos últimos anos.

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Para REZENDE, J. (2003), as alterações sugeridas visam, principalmente,

compatibilizá-lo com a Bioética e adaptá-lo à problemática decorrente da prática médica atual.

Pretende-se evitar a conivência dos médicos com as falhas dos atuais sistemas de saúde

sempre que houver prejuízo para os doentes e os interesses financeiros da indústria

farmacêutica e de equipamentos médicos, que procuram influenciar a conduta do médico.

Frequentemente, no entanto, o avanço tecnológico traz consigo questões éticas. Isso é

facilmente detectado ao observarmos o que os problemas morais dos avanços das técnicas de

fertilização in-vitro, da manipulação genética e do uso de células-tronco estão provocando nos

dias atuais. Aceita-se a prática médica como intervenção planejada visando somente o bem-

estar do paciente e apresentando uma razoável expectativa de sucesso.

COHEN, C. e GOBBETLI, G. (2004) trazem, nos seus estudos, que a reflexão da

Bioética surgiu por meio da percepção das mudanças das relações psicossociais ocasionadas

pelos grandes avanços científicos e tecnológicos, fazendo renascer o conflito entre ciências

biológicas e ciências humanas. Isso pode ser observado, atualmente, quando se relaciona a

Bioética à reflexão sobre temas como eutanásia, aborto, reprodução assistida, clonagem e

terapias gênicas. Tais temas provocam conflitos em valores socialmente pré-estabelecidos,

com mudanças bruscas, como por exemplo, nas definições de vida, saúde e morte. Tais

valores, por serem novos, necessitam da criação de parâmetros para serem incorporados na

vida social e na elaboração individual.

Observa-se uma mudança gradual e progressiva de cada vez mais ouvir-se a posição do

enfermo com relação às condutas diagnósticas e terapêuticas propostas. A disseminação do

consentimento livre e esclarecido no cenário clínico é, atualmente, mais um exemplo da

valorização do princípio do respeito à autonomia dos pacientes.

O Guia da Relação, publicação de 2001 do Conselho Regional de Medicina de São

Paulo, explica que, no consentimento livre esclarecido, o médico tem o dever de informar ao

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paciente sobre os riscos do ato médico, dos procedimentos e das consequências dos

medicamentos que forem prescritos. O termo não pode ser imposto, não exclui nenhuma

responsabilidade do médico e não tem valor para evitar um possível pedido de indenização

futura. Deve ser apresentado em linguagem acessível e simples e, após o entendimento, pode

ser assinado pelo paciente e pelo médico. Não existe um modelo de termo de consentimento

que deve ser elaborado pelas instituições de saúde, submetido à avaliação da Comissão de

Ética Médica e, quando necessário, ao próprio Conselho Regional de Medicina.

No caso de pesquisa clínica envolvendo medicamento ou tratamento ainda em teste, o

consentimento é rigoroso e deve seguir as normas da resolução Nº 196/96 do Conselho

Nacional de Saúde. Nesse caso, médicos e pacientes devem agir conforme determinação dos

Comitês de Ética em Pesquisa (CEP) da Instituição.

Com essa abordagem, o Conselho de Medicina exerce sua competência legal de

fiscalizar o exercício profissional e promover a prática da ética médica. Ao mesmo tempo, age

como órgão comprometido com a defesa dos direitos dos cidadãos, com a valorização

profissional e com o atendimento médico humanizado e de boa qualidade. A Medicina nunca

esteve tão preparada para eliminar sofrimento e salvar vidas.

Existe hoje, portanto, uma enorme expectativa de que a Medicina possa resolver tudo.

Mesmo que as conquistas científicas sejam velozes e promissoras, ainda faltam respostas para

muitas situações.

Se, por um lado, a Medicina domina exames precisos e procedimentos complexos,

realiza transplantes e decifra genes, por outro, tem, por vezes, deixado de lado aspectos

elementares da relação humana. Já a ausência de políticas públicas eficazes, a deterioração dos

serviços de saúde e das relações de trabalho, as deficiências do ensino médico, dentre outros

fatores, geram problemas que poderiam ser evitados.

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Felizmente, a sociedade exerce cada vez mais a cidadania, avança na tomada de

consciência de seus direitos e passa a exigir melhor atendimento em saúde, atenção digna e

justiça. Os Conselhos de Medicina, por sua vez, são, hoje, instituições abertas e

comprometidas com os anseios da população.

O Guia da Relação (2001) pretende, justamente, contribuir para a consciência de um

convívio humano baseado na confiança, no diálogo franco e no respeito mútuo, objetivo que

vai além das relações profissionais. Destaca atitudes que contribuem para uma relação

médico-paciente.

Por parte do médico:

Prestar um atendimento humanizado, marcado pelo bom relacionamento pessoal e pela

dedicação de tempo e atenção necessários.

Saber ouvir o paciente, esclarecendo dúvidas e compreendendo suas expectativas, com

registro adequado de todas as informações no prontuário.

Explicar detalhadamente, de forma simples e objetiva, o diagnóstico e o tratamento,

para que o paciente entenda claramente a doença, os benefícios do tratamento e também as

possíveis complicações e prognósticos.

Após o devido esclarecimento, deixar que o paciente escolha o tratamento sempre que

existir mais de uma alternativa. Ao prescrever medicamentos, dar a opção do genérico, sempre

que possível.

Atualizar-se constantemente por meio da participação em congressos, estudo de

publicações especializadas, cursos, reuniões clínicas, fóruns de discussão na internet, etc.

Ter consciência dos limites da Medicina e falar a verdade para o paciente diante da

inexistência ou pouca eficácia de um tratamento.

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Estar disponível nas situações de urgência, sabendo que essa disponibilidade requer

administração flexível das atividades.

Indicar o paciente a outro médico sempre que o tratamento exigir conhecimentos que

não sejam de sua especialidade ou capacidade ou quando ocorrer problemas que

comprometam a relação médico-paciente.

Reforçar a luta das entidades representativas da classe médica (Conselhos, Sindicatos e

Associações,) prestando informações sobre condições precárias de trabalho e de remuneração

e participando dos movimentos e ações coletivas.

Por parte do paciente:

Lembrar-se de que, como qualquer outro ser humano, o médico tem virtudes e

defeitos, observando que o trabalho médico é uma atividade naturalmente desgastante.

Considerar cada médico principalmente por suas qualidades, lembrando que, em todas

as áreas, existem bons e maus profissionais. Ter claro que o julgamento de toda a classe

médica por conta de um péssimo médico não faz sentido.

Não exigir o impossível do médico, que só pode oferecer o que a ciência e a Medicina

desenvolveram. Da mesma forma, jamais culpar o médico pela doença.

Respeitar a autonomia profissional e os limites de atuação do médico. Ele não pode ser

responsabilizado, por exemplo, por todas as falhas dos serviços de saúde, muitas vezes

sucateado por seus gestores. Nesse sentido, é direito do paciente denunciar e reivindicar para

que o Estado cumpra sua obrigação. Existem órgãos competentes para isso, como os

Conselhos de Saúde e o Ministério Público, além da direção dos próprios serviços.

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Não exigir, dos médicos, exames e medicamentos desnecessários, lembrando que o

sucesso do tratamento está muito mais na relação de confiança que se pode estabelecer com o

médico.

Seguir as prescrições médicas (recomendações, dosagens, horários etc.) e evitar a

automedicação.

CAPRARA e RODRIGUES (2004) trazem consideráveis contribuições sobre o tema

da relação entre médicos e pacientes. Por meio de uma revisão de bibliografia, verificou-se

que, na metade do século XX, o tema: relação médico-paciente foi abordado por autores como

Jaspers (1991), Balint (1988), Parsons (1951), Donabedian (1990), mas é a própria história da

Medicina que traz, no seu bojo, essa questão, como um indicador dos processos de mudanças

a que vem se submetendo. Edward Shorter (1999) enfatiza como a descoberta dos

sulfamídicos e da penicilina, nos anos 30-40, influenciou uma importante transformação tanto

na prática quanto na formação médica.

O desenvolvimento da Bioquímica, da Farmacologia, da Imunologia e da Genética

também contribuiu para o crescimento de um modelo biomédico centrado na doença,

diminuindo, assim, o interesse pela experiência do paciente, pela sua subjetividade. As novas

e sempre mais sofisticadas técnicas assumiram um papel importante no diagnóstico em

detrimento da relação pessoal entre o médico e o paciente.

A tecnologia foi se incorporando no exercício da profissão, deixando-se de lado o aspecto

subjetivo da relação. Enquanto os avanços tecnológicos mostravam-se significativos, não se

percebiam mudanças correspondentes nas condições de vida, como também não se verificava

o aperfeiçoamento das práticas de saúde, compostas pela comunicação, pela observação, pelo

trabalho de equipe e por atitudes fundamentadas em valores humanitários sólidos.

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JASPERS (1991) conclui que, atualmente, há recursos para lidar com cada fragmento

do homem, mas falta ao médico a habilidade para dar conta do mesmo homem em sua

totalidade.

CAPRARA e RODRIGUES (2004) destacam alguns paradoxos que acompanham a

história recente da medicina:

a) Esperava-se que, com os avanços da medicina, os médicos estivessem satisfeitos com a

escolha da profissão. O que as pesquisas apontam são profissionais desiludidos e insatisfeitos.

b) Um segundo paradoxal está ligado aos benefícios derivados da prática médica e que

poderiam reduzir os medos e a ansiedade das pessoas. Mas, ao contrário, elas estão sempre

mais preocupadas com uma série de riscos atrelados ao estilo de vida, em um processo de

procura obsessiva de um estado perfeito de saúde.

c) O terceiro paradoxo levantado pelas autoras é pelo fato de a eficácia e os sucessos da

medicina moderna terem de ser acompanhados pelo desaparecimento das outras formas de

medicina. O que acontece é o oposto, observa-se um aumento impressionante, em todo o

mundo ocidental, da utilização das medicinas não convencionais.

As autoras concluem que, apesar dos sucessos da Medicina moderna, os custos da

saúde continuam aumentando em um verdadeiro processo de explosão dos gastos da

assistência sanitária. Com o contexto histórico apresentado, observou-se que, em cada

período, houve avanços na busca do controle de doenças, na cura e nos diagnósticos mais

precisos por meio da tecnologia. O momento atual retrata questões da Bioética e uma

participação da comunidade sobre os direitos do paciente. A relação médico-paciente

independe dos grandes avanços e das descobertas científicas e sempre será um tema de

relevância.

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GOLDENSTEIN (2006) salienta que a revolução tecnológica da Medicina no século

XX acaba influindo, decisivamente, no chamado encontro médico. À medida que a Medicina

avança nos recursos e aparelhagens, a objetivação do paciente passa a ser mais presente. O

médico não deixa de ter contato com seu paciente, mas passa a examiná-lo como um

organismo biológico, objetivado em explanações gráficas, químicas e numéricas.

A presença humana jamais poderá ser substituída, os autores SILVA, C.L (2009),

GOLDENSTEIN (2006), FRANCESCONI E GOLDIN (2005) e BALINT (1988) apontam

para a importância da qualidade relação médico-paciente. É o próximo desafio da Medicina:

um retorno à qualidade do encontro.

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1.2 A INTERFACE DA RELAÇÃO MÉDICO–PACIENTE.

pro cura

pé ante pé: te vejo.

me vês?

(Teca, 2011)

De um lado, há o paciente em busca de respostas sobre suas dores físicas, permeado de

angústia, medo e ansiedade por um diagnóstico e tratamento a serem seguidos. Do outro, um

médico e uma equipe com formação e disponibilidade para receber, tratar e orientar. O médico

e a equipe, também, durante o processo de relação com o paciente, passam por medo, angústia

e ansiedade. O que une médico e paciente é o cerne do humano com seus sonhos, desejos e fé,

bem como suas fragilidades, impossibilidades e finitude. O médico que ajuda o outro ser a

nascer também acompanha o ser morrer. Esses ciclos do existir são inerentes ao ser vivo. O

cuidador também foi, um dia, cuidado no seu próprio nascer, adoecer, e será no morrer.

SILVA, C.L. (2009) enfatiza como é complicado ser frágil e vulnerável numa

sociedade como a nossa, que estimula o ser poderoso, forte e inatacável, e o fato de que a

crescente incorporação tecnológica à medicina permite, por exemplo, a estabilização de

muitas doenças terminais, como no caso de doentes que podem ser indefinidamente mantidos

artificialmente em vida durante longo período, leva a esquecer a possibilidade sempre presente

da morte, e que a finitude é uma certeza existencial.

MARTINS (1991) tece interessantes considerações sobre as características do trabalho

do médico, que, conforme atesta a experiência, podem se aplicar a outros profissionais, como

os envolvidos com a enfermagem, o atendimento psicológico, a assistência social e a

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reabilitação física. Afirma o autor que há, nesse tipo de trabalho, componentes específicos que

podem se converter em fatores de risco para a saúde mental do profissional.

De forma sucinta, estes fatores são:

a) o contato íntimo e frequente com a dor e o sofrimento;

b) o contato íntimo e frequente com a perspectiva da morte e com o morrer;

c) o lidar com a intimidade corporal e emocional;

d) o lidar com pacientes difíceis – queixosos, rebeldes e não aderentes ao tratamento,

agressivos, hostis, reivindicadores, autodestrutivos, cronicamente deprimidos;

e) o lidar com as incertezas e limitações do conhecimento científico que se contrapõem

às demandas e expectativas dos pacientes que desejam certezas e garantias.

VICTORIANO, A,B; NISENBAUM, E.B; GIBELLO; BASTOS MZ, N, ANDREOLI,

P.B.A (2007) realizaram uma revisão bibliográfica sobre como comunicar más notícias.

Existem muitas razões para que a equipe de saúde tenha dificuldade em comunicar más

notícias. Uma preocupação comum é a de como a má notícia irá afetar o paciente, sendo essa

uma justificativa para o fato de escondê-la.

Os autores MULLER (2002) e VANDEKIEF (2001) citam o Código de Ética Médica

que, desde 1847, já declarava: “A vida de uma pessoa doente pode ser diminuída não apenas

pelos atos, mas também pelas palavras ou maneiras do médico”. Isto é, portanto, uma

obrigação sagrada, a de guardá-lo cuidadosamente a este respeito e evitar todas as coisas que

tenham a tendência de desencorajar o paciente e deprimir seu espírito.

Os autores VANDEKIEF (2001); MULLER (2002) e LIMA (2003) enfatizam não

somente um diagnóstico terminal, mas também o diagnóstico de uma doença crônica (por

exemplo, do diabetes mellitus), a revelação para uma gestante da má-formação de seu filho,

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ou ainda, a confirmação para uma mulher de meia idade de uma suspeita clínica de esclerose

múltipla. Por outro lado, uma má notícia pode ser simplesmente um diagnóstico dado numa

hora inoportuna, como uma angina instável que requer uma angioplastia durante a semana do

casamento da filha, por exemplo. A má notícia pode ser compreendida, como aquela que

altera drástica e negativamente a perspectiva do paciente em relação ao seu futuro. Essa

definição implica que a resposta do paciente dependerá, entre outras coisas, de sua perspectiva

de futuro, sendo essa única, individual e influenciada pelo seu contexto psicossocial.

Concluem que os principais fatores que dificultam a comunicação da equipe de saúde e do

médico, para transmitir más notícias, são: preocupação em como a má notícia irá afetar o

paciente; receio de causar dor ao paciente; receio de falha terapêutica, de problema judicial,

do desconhecido, de dizer não sei e de expressar suas emoções.

FRANCESCONI e GOLDIM (2005) ressaltam que alguns princípios básicos devem

ser observados no momento em que os profissionais da saúde enfrentam essa realidade:

a) Ambiente adequado: buscar a privacidade e cadeiras para todos os participantes do

encontro são requisitos mínimos.

b) Preparo para a entrevista: dispor de todas as informações necessárias. Solicitar

ajuda a um profissional de saúde com mais experiência ou da área da saúde mental caso

antecipe dificuldades mais significativas por parte do paciente. Considerar que o apoio

religioso, neste momento, pode ser importante.

c) Conteúdo: apresentar os fatos gradualmente, em linguagem clara, respeitando a

pauta definida pelo paciente. Isso significa que, uma vez posta a notícia, devemos

observar a sua reação: o tipo de pergunta que ele formula e o significado oculto da

pergunta, quando cabível. Respondê-las de forma simples e objetiva; evitar uma larga

dissertação a respeito do assunto.

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d) Atitude: manter uma atitude adequada, evitando extremos, como uma tristeza

exagerada ou um excessivo otimismo, desproporcional à realidade dos fatos. Dispor de

lenços de papel, contemplando a possibilidade de o paciente chorar. Manter silêncio na

medida correta, dando tempo para que o paciente ou seus familiares extravasem suas

emoções.

e) Preocupação com o período pós-notícia: perguntar que tipo de apoio adicional

pode ser oferecido e dispor de medicações sedativas para serem usadas, caso necessário.

Os profissionais de saúde podem auxiliar os pacientes e familiares a associarem a

esperança com base na realidade a todos os demais estágios. Muitas vezes, essa tarefa pode ser

a de restituir uma “esperança de ter novas esperanças”.

Nas inter-relações familiares, na família do paciente terminal, a angústia despertada pelaterminalidade pode ser polarizada num ou mais elementos, expressa ou negada, emsituação que pede o enfrentamento da perda possível, que se aproxima ou que aconteceu.O sofrimento ocorre, mas a reação familiar dá-se, também, no sentido processualconstrutivo, de adaptação.A família do paciente terminal merece atenção especial no hospital, dado seuenvolvimento com seu familiar em atendimento. E, de algum modo, pelos cuidadoshumanistas e humanizantes, todos e cada um dos profissionais da equipe estão sendolevados a praticar a psicologia nos tratos relacionais, junto ao paciente terminal e seusfamiliares, no hospital. (NEDER, 1996, p.3)

FRANCESCONI e GOLDIN (2005) ressaltam a importância para instrumentalizar e

capacitar a equipe de saúde e o médico, profissionais da área de saúde mental, como

psicólogos e psiquiatras, ministrando palestras ou trabalhos grupais para um melhor

conhecimento de suas próprias dificuldades relacionais.

BALINT (1988) realizava seminários de pesquisa que consistiam em grupos de

supervisão de atendimento com médicos clínicos que buscavam o entendimento das

dificuldades encontradas na sua prática clínica. Em um desses seminários, como tema de

discussão, abordou a questão das substâncias que habitualmente são prescritas pelos clínicos

gerais. A discussão revelou que a droga mais frequentemente utilizada na clínica geral era o

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próprio médico, isso é, que não apenas importavam o frasco de remédio ou a caixa de pílulas,

mas o modo como o médico os oferecia ao paciente, e toda a atmosfera na qual a substância

era administrada e recebida.

A questão médico-paciente se fez presente nas discussões, mostrando a necessidade,

para esse grupo de médicos, de encontros sistematizados com o objetivo de estudar a relação

médico-paciente, abordando as seguintes questões: estudar as implicações psicológicas na

clínica geral, tornando o médico mais sensível aos conceitos de inconsciente, transferência,

contrato terapêutico, entre outros; treinar, para esse trabalho, os clínicos gerais, e conceber um

método apropriado para efetuar tal treinamento. Balint observou que o paciente, além de suas

queixas clínicas, levava ao consultório sua história pessoal, e que o médico deveria estar

atento para ouvi-la. Essa “atenção” poderia ser sensibilizada com grupos de estudo e com um

trabalho pessoal.

SILVA, C.L. (2009) cita a importância de criar espaços de escuta em grupo nas

instituições de formação e atuação desses profissionais, o que pode ser uma alternativa para o

sofrimento ser compartilhado, acolhido e elaborado. Cuidar para que a formação dos

profissionais de saúde contemple estudos sobre a morte nas suas várias dimensões também

contribui para preparar melhor o futuro profissional que, pelo dever do ofício, estará lidando,

constantemente, com a angústia fundamental e inarredável da precariedade do existir humano.

A autora reforça que refletir sobre esses aspectos não é importante somente para o

desenvolvimento de recursos que possam trabalhar em favor da saúde mental do profissional,

mas contribui também para melhorar a atenção prestada ao paciente e seus familiares, pois não

se deve esquecer de que as representações e sentimentos a respeito de algo orientam atitudes,

ações e relações.

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Os trabalhos de BALINT (1988) com a valorização da escuta para perceber o paciente

e responder às suas necessidades trazem a mudança de paradigma do modelo biomédico para

um modelo biopsicossocial.

Os pesquisadores JABAAIJ, LEA; FASSAERT, T; DULMEN, V.S TIMMERMANS,

A.; ESSEN, G.A.V; SCHELLEVIS, F.(2008) revelam, em sua pesquisa, que a familiaridade

entre paciente e clinico geral não influencia o conteúdo da consulta. A importância da

habilidade do médico na comunicação favorece a abertura do paciente para relatar vários

temas emergentes em sua vida durante uma consulta. Foi observada que essa abertura

independe do tempo que médico e paciente se conhecem, ficando evidente que a atitude

empática do médico com uma escuta atenta favorece a qualidade do encontro.

Uma reflexão importante aborda as condições de atendimento que os médicos ligados

ao Sistema Unificado de Saúde (SUS) e outros hospitais têm para oferecer aos seus pacientes,

como a longa espera para agendamento de consulta, a longa espera para atendimento no dia da

consulta e o tempo de consulta que o médico pode despender perante uma longa jornada de

muitos atendimentos.

Segundo o autor MARTINS C. (1996), a medicina de massa, que depende, entre outras

causas, da explosão populacional e do subdesenvolvimento próprio dos povos do terceiro

mundo, impõe às populações condições de dependência externa, a começar pelas muitas horas

de espera, às vezes ao relento, que acentuam a tendência regressiva interna. Isso,

evidentemente, dificulta o relacionamento com o médico, com a enfermagem, com toda a

organização assistencial.

AZEVEDO (1996), em seus estudos sobre a situação da Medicina brasileira e o papel

do médico, analisa o atual estado da previdência social no país e suas implicações na relação

médico-paciente. O paciente não mais confia cegamente no médico como em outros tempos,

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mas se coloca numa posição de exigir um direito garantido pela constituição, julgando

constantemente a postura do médico. Os recursos que, hoje, têm o Sistema Único de Saúde

(SUS), não são suficientes para socorrer toda a população e proporcionar um atendimento de

qualidade a todos, assim a relação médico-paciente vê-se modificada diante de tal situação. O

autor propõe que a solução esteja na modificação do atual Sistema Único de Saúde, exigindo

assim uma reforma constitucional.

As questões são:

Pode-se ter uma qualidade na relação médico-paciente com todos esses fatores de exposição

ao “stress”?

Qual o tempo necessário para uma escuta com qualidade?

O que é uma escuta de qualidade?

Essas perguntas vão delinear os próximos capítulos com base em outras pesquisas.

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CAPÍTULO IIRESILIÊNCIA: O ENFRENTAMENTO DAS ADVERSIDADES NA RELAÇÃO

MÉDICO-PACIENTE

dueto

estar juntoa cada passo,

estar juntoa cada lua,

estar juntono espaço da vida.

ser tudo o que se é,abrir-se ao todo que é o outro

(Teca, 2011)

Ao longo deste estudo, as pesquisas foram apontando as condições precárias de

atendimento ambulatorial. Médicos e pacientes necessitam de pausa para reflexão. Um busca

cuidados e o outro nem sempre tem recursos adequados para oferecer. Mas o que faz esse

profissional obstinado a cuidar do outro e, muitas vezes, sem o tempo adequado de consulta,

com exames demorados e pacientes insatisfeitos, a continuar o seu ofício?

ADAMS (2002) constata a exaustão presente na vida de grande parte dos médicos.

Para ele, esse esgotamento decorre de uma série de fatores que vão desde o tempo

insuficiente da consulta, do impedimento de formação de maior vínculo e intimidade com o

paciente, do difícil entendimento da vida de seu paciente, até a falta de tempo para desfrutar a

sua própria pessoa.

Profissionais que trabalham em emergência, centros de terapia intensiva e

especialidades cirúrgicas geralmente são os mais afetados devido ao “stress” inerente à

função.

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ARAÚJO (2010) afirma que o conceito de resiliência foi emprestado da física,

especificamente da mecânica, compreendida como a propriedade dos metais de resistir a

golpes e recuperar sua estrutura interna. Resiliência é, portanto, a capacidade do metal de

recuperar rapidamente sua forma ou sua condição inicial, depois de haver sido forçado. No

campo das ciências humanas, pode ser definida como a capacidade para sobrepor-se à

adversidade.

Na literatura especializada, com frequência, são encontradas referências a uma

personalidade resiliente. Resiliência, no entanto, não deve ser confundida com um traço de

personalidade, mas considerada um constructo multidimensional e multideterminado,

devendo ser entendida como um produto de múltiplos níveis sistêmicos promovidos ao longo

do tempo. Considerando a interdependência entre os indivíduos e os sistemas sociais em que

estão inseridos, sabe-se que a relação entre seres humanos e a adversidade não é linear nem

unidirecional. Os fatores de risco e de proteção podem ser biológicos, psicológicos, sociais,

espirituais, ambientais, bem como qualquer combinação entre eles.

NEDER (2011) atesta que resiliência é a capacidade para o enfrentamento, para o

fortalecimento ao encarar a adversidade, salienta a resiliência como a capacidade de

adaptação ou recuperação, para resistência ou superação com flexibilidade. É destacada,

também, na experiência do resiliente, a capacidade para ressignificação da situação

problemática, o que lhe possibilita ou facilita o processo positivo de construção ou

reconstrução. Com isso, o resiliente consegue reverter as condições em seu favor, enfrentar

situações de risco, de enfermidade, confiar e contar mais consigo mesmo, assim como

promover seu autoconhecimento e autocuidado.

A compreensão da atitude resiliente amplia as possibilidades para aprimoramento na

relação médico e paciente.

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ARAÚJO (2010), citando JOB (2000), descreve as características comuns às pessoas

resilientes, classificadas de acordo com os seguintes padrões:

Padrão disposicional: característica que o indivíduo tem à sua disposição e

pelos recursos pessoais de que pode fazer uso a qualquer tempo.

Padrão relacional: característica dos papéis individuais diante dos

relacionamentos que influenciam a resiliência.

Padrão situacional: característica que se manifesta nas diversas situações

comuns ou em presença de estressores e que aparece como: habilidade para avaliações

cognitivas, resolução de problemas, reflexão sobre as situações, exploração da

natureza e criatividade.

Padrão de crenças pessoais, filosóficas e religiosas: consiste na crença de que o

autoconhecimento e a reflexão sobre si e sobre a natureza dos fatos que ocorrem

consigo são plenos de significados pessoais, que motivam o existir.

A Associação Brasileira de Medicina, com o apoio da Associação Médica Mundial,

organizou o primeiro seminário internacional no ano de 2011, com o objetivo de definir o

conceito de resiliência em Medicina e de identificar as características e estratégias que

possibilitam ao médico ser forte em situações adversas. A resiliência pode ser aprendida

como uma atitude diante da adversidade.

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CAPÍTULO III

A PSICOSSOMÁTICA E A RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

asa e chão

janela da alma:

meu corpo fala

(Teca, 2011)

“O médico cuida. A natureza sara”

Hipócrates

O que é Psicossomática ?

CANELLA (2010) traz o nascimento da palavra “psicossomática”, surgida quando

Heinroth, em 1918, procurava estudar as relações entre mente e corpo, criando também a

expressão “somatopsíquica”. CAPRA (2006) diz que o termo “psicossomático” exige um certo

esclarecimento. Na medicina convencional, era usado para referir-se a um distúrbio sem uma

base orgânica claramente diagnosticada. Em virtude da forte tendência biomédica, os

“distúrbios psicossomáticos” eram considerados muito mais imaginários do que reais. A nova

acepção do termo é inteiramente diferente; deriva do reconhecimento de uma interdependência

fundamental entre corpo e mente em todos os estágios de doença e saúde. Afirmar que um

distúrbio tem causas puramente psicológicas seria tão reducionista quanto acreditar que

existam doenças puramente orgânicas sem quaisquer componentes psicológicos. Para o autor,

todos os distúrbios são psicossomáticos no sentido de que envolvem uma interação contínua de

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corpo e mente em sua origem, desenvolvimento e cura. É um pensamento sistêmico que

compreende a saúde e a doença como um processo.

LIPOWISKI (1984) lamenta que o termo ‘psicossomática’ seja comumente usado para

se referir à dicotomia mente/corpo, minando uma abordagem holística dessa área. Defende a

conotação holística nesse campo, a condição inseparável de mente e corpo e a sua mútua

dependência.

Os autores LIPOWISKI, (1984); RODRIGUES, (1989) e PRITEE, (1987) ressaltam o

conceito de holismo, básico para a medicina psicossomática, introduzido na medicina por

Smutes, em 1926. O termo advém de “holos”, que significa todo. Esse conceito estabelece

noções acerca da natureza biopsicossocial do homem na saúde, na doença, bem como sobre o

respectivo tratamento. O estudo e a pesquisa devem sempre levar em conta a pessoa como um

todo, não como partes isoladas.

Para TEDESCO (2007), a psicossomática busca compreender a existência humana, a

saúde e a doença segundo a visão integrada de corpo-alma, como unidade.

EKSTERMAN, A. (2010) traz três teses centrais sobre a Medicina Psicossomática:

1. A etiopatologia somática está comprometida, em casos determináveis ou deforma universal, com a função psicológica.

2. A ação assistencial é um processo complexo de interação social que, além deincluir os conhecidos atos semiológicos, diagnósticos e terapêuticos, contémelementos da vida efetiva e irracional dos participantes.

3. A natureza essencial do ato médico é humanista e, portanto, a terapêutica deveestruturar-se em função da pessoa doente e não apenas organizar-se, preventivaou curativamente, a partir do reconhecimento de uma patologia.

O autor propõe que o conceito de medicina psicossomática integre as três perspectivas:

a doença com sua dimensão psicológica; a relação médico-paciente com seus múltiplos

desdobramentos; a ação terapêutica voltada para a pessoa doente, este estendido como um

todo biopsicossocial.

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Essa visão de totalidade, ressaltada pelos autores que acompanham a medicina

psicossomática, muda a compreensão na relação médico-paciente.

CANELLA (2010) afirma que a medicina psicossomática nada mais é do que o

exercício integral da arte de curar, pois considera, simultaneamente, o corpo e o espírito, a

relação direta entre soma e psique. O autor relata o mito de Asclépio, o deus da Medicina:

“Asclépio foi filho de Apolo com Coronis, a mais bela das mortais daqueles tempos. O deus a

amou e possuiu-a, resultando daí uma gravidez. No entanto, Coronis temia que o deus imortal a

desprezasse quando ela ficasse velha, como sempre a mulher temia a velhice, a perda dos

encantos e de seu poder de sedução, e assim desprezou o deus do sol e da sabedoria, entregando-

se mesmo grávida a Isquis, um camponês de sua terra natal. Apolo foi avisado da traição por uma

gralha, que naqueles tempos era branca como a neve. Furioso, o deus fez com que a gralha se

tornasse preta como o seu luto pela perda da amada, que o traía; e após matar Isquis, pediu a sua

irmã, Ártemis, que com suas flechas eliminasse Coronis. Quando a infeliz estava na pira para ser

incinerada, o deus resolveu salvar seu filho a quem deu o nome de Asclépio, retirando-o do corpo

inanimado de Coronis através do umbigo, e o levou para o centauro Quirão para que o educasse.

Foi com Quirão, um preceptor universal de conhecimentos, que Asclépio aprendeu a arte da

Medicina. Apolo, o deus do sol, era tido como orientador das pulsões humanas para a

consciência, era a divindade do – “conhecer-te a ti mesmo”, do “nada em demasia” e o guardião

da sabedoria. No santuário de Epidauro onde a cura total do corpo só era conseguida quando

antes se cura a mente, só havia cura pela metanoia, pela transformação dos sentimentos. Centro

cultural e espiritual. o santuário de Epidauro possuía um Odeon para a música, um ginásio para

exercícios e um estádio para esportes, teatro e biblioteca, tudo voltado para a harmonia, cujo

valor tranquilizante para o corpo e a alma estava a serviço da cura. O principal método

terapêutico era a nooterapia, uma purificação física e psíquica do humano como um todo”.

A cura, segundo o mito, vem do campo, de um todo. O homem é visto e compreendido

no meio em que vive. Não existe a cura de um sintoma, mas a harmonização de um Todo

adoecido.

A compreensão da psicossomática traz a possibilidade de uma relação médico-paciente

mais integrada com o foco no todo e não apenas no sintoma.

George Groddeck (1866-1934), em sua genialidade, trouxe contribuições

determinantes para uma nova visão da relação médico-paciente e da cura. O autor,

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considerado o pai da psicossomática, tem uma visão de homem integrada ao contexto da sua

historicidade e relações.

SILVA, M.C.C.O (2009) faz um levantamento bibliográfico sobre Groddeck com

contribuições significativas para o tema desse trabalho: a relação médico-paciente. Começa

por expor o raciocínio sistêmico ao tratamento médico:

(...) no mundo médico assim como também no mundo leigo, o tratamento individualizado tem apenaso valor de um slogan. A expressão é assim, na medida do possível, inadequada. É suficienteconhecer sua tarefa para saber que não se trata nunca de um ser humano em sua existênciaindividual e autônoma; mas sempre de um conjunto de condições de vida que não cessam de atuarsobre o homem, deformá-lo e modificá-lo. Quem quer que lide com doentes, seja ele médico ou nãosabe que em sua terapêutica tanto quanto em seu diagnóstico, é conveniente levar em consideraçãoos hábitos, o meio ambiente e, sobretudo o contexto familiar.(GRODDECK 1913, 1980, p.7,8)

Groddeck faz uma diferença do que é uma relação médico-paciente e um tratamento

psicoterápico

(...) O médico trata uma fatia da vida, e nunca uma personalidade. Mas ele trata de maneirapessoal, isto quer dizer que ele mesmo, o médico (...) deve ser subjetivo no mais alto grau,procurando agir a partir de uma vasta experiência e apreciar o caso particular de vários pontos devista diferentes. (GRODDECK 1913, 1980, p.8)

A visão sistêmica intrapessoal seria:

(...) mesmo em sua própria pele, o homem não é unidade, ele se compõe de inumeráveis corpúsculosvivos que certamente formam uma unidade estreita e que encontram constantemente relaçãorecíproca e intensa. (GRODDECK 1913, 1980, p.8)

A autora SILVA, M.C.C.O (2009) ressalta que, para Groddeck, a ação do médico é

cuidar, e não curar, que o médico se preocupe com o doente, e não com a doença. Ao

considerar o sujeito dentro da totalidade da sua vida, é possível perceber uma sutileza que,

para Groddeck, funciona como uma explicação para o processo do adoecer: “o ser humano é o

produto da sua existência. São os seus hábitos que o adoecem.” (GRODDECK, 1913, 1980,

p.35).

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A autora demonstra, em sua análise, que Groddeck pensa no diagnóstico como um

instrumento importante e um roteiro de conduta, porém não substitui a relação médico-

paciente.

(...) considerar o conjunto da situação e das condições de existência do doente. Somente oconhecimento completo desses elementos permitirá as conclusões para o tratamento e a tarefa domédico consiste em cuidar e não dar diagnósticos.(...)O diagnóstico não deixa dúvida do problema, mas este não é o que conta, é a terapêutica.Teremos bons estudos sobre o tratamento dessas doenças através dos livros, que digo, volumesinteiros e bibliotecas completas, isso não servirá de nada. Se, ao contrário, decidimos estudar nãoos livros, mas o homem em si, e todas as condições da vida do paciente, seria bem possível quedescobríssemos a terapêutica adequada. (GRODDECK 1913,1980, p. 223)

Groddeck ressalta a importância de uma presença firme e confiante do médico na

relação médico-paciente. O paciente, quando busca ajuda, necessita de um direcionamento

para o seu tratamento e consequentemente a adesão.

Groddeck diz que o paciente precisa voltar a ter esperança.

Queremos a esperança da cura. Bem mais, no fundo, não esperamos, desde o primeiro momento,aajuda, mas a certeza de cura. Não se sabe mais apreciar a sua situação, perdeu-se a confiança emsi. Essas duas coisas espera-se do médico. Não nos deixamos induzir ao erro pelas fortes palavrasdo paciente que exige a verdade, apenas a verdade. Este quer ainda, ter esperança, certeza de cura,mas nunca a verdade.(GRODDECK, 1913,1980, p.110)

Groddeck alerta sobre a possível vaidade do médico de acreditar em sua onipotência:

(...) Este é um erro fundamental crer que o médico deva ou possa reparar o homem que apresentedefeitos, o recoloque em funcionamento, como fazemos com uma máquina enguiçada; este trabalhoé reservado á própria vida humana, a esta vida que, única, dispões dos conhecimentos e dos meiosnecessários para curar, a vida que é melhor do que qualquer engenheiro. (GRODDECK, 1913,1980, p. 229)

Georg Groddeck deixa um legado na compreensão do homem como um todo, na

relação médico-paciente e na sua compreensão de cura.

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CAPÍTULO IV

GESTALT-TERAPIA: UM CAMINHO PARA INSTRUMENTALIZAR A RELAÇÃO

MÉDICO-PACIENTE

aqui

dançar no arque nos une,

ser elo,ser vida,

ser escuta.

ser a músicaque criamos.

ser o canto,ser a voz

que nasce em nós.

(Teca, 2011 )

A teoria norteadora deste trabalho é a Gestalt-terapia, uma abordagem com ênfase na

qualidade do encontro, assim como nos aspectos criativos e saudáveis do homem. Enquanto

pesquisadores, temos sempre uma teoria e uma visão filosófica norteando nosso olhar e nossa

compreensão. Esta escolha teórica e filosófica implica em uma atitude no estar em relação. É

necessário ter uma coerência interna e prática neste ser e fazer teoria. Muitos caminhos são

possíveis para compreender a dor e o sofrimento humano, além das várias possibilidades de

instrumentos ou recursos para atenuá-los. Para esse estudo, apresentamos a Gestalt-terapia

como um caminho possível de instrumentalizar a relação médico-paciente, que foca na

qualidade da presença, ampliando a percepção de si mesmo e do meio que o circunda.

Juliano (1999) ressalta que a principal característica do terapeuta para executar bem

esse trabalho é a qualidade da sua presença: uma atitude descontraída e atenta, inteira,

disponível, energizada, ficando com o fenômeno tal qual ele se apresenta como é, mais do que

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com aquilo que foi, poderia ou deveria ser. O autor sinaliza a atitude de um contínuo ir e vir

entre a percepção da pessoa que lá está (paciente) e, ao mesmo tempo, perceber em si mesmo

(médico) como essa pessoa o mobiliza e impacta. Em outras palavras, estar em contato com o

outro mas, ainda assim, centrado no seu próprio eixo.

Esse encontro de qualidade forma um novo todo, maior do que a soma de suas partes.

Forma-se uma nova rede, um novo conjunto interrelacionado em que o movimento de um

interfere no movimento do outro. A presença e escuta atentas do médico podem favorecer a

adesão do paciente aos tratamentos e intervenções cirúrgicas que, geralmente, são

procedimentos invasivos que causam dores físicas e psíquicas. Os impactos vivenciados em

graus diferentes pedem uma presença que, além da necessária precisão técnica, tenha também

suporte e acolhimento.

BLASCO (2003) diz que o médico é a interseção entre a cura e o cuidado, entre a

tecnologia e a confiança, entre as forças econômicas e a igualdade social.

Passaremos a realizar uma leitura sobre os conceitos principais da Gestalt-terapia como

possíveis instrumentos facilitadores para a qualidade da relação médico-paciente.

Os conceitos da Gestalt-terapia só podem ser compreendidos dentro de um campo

onde o indivíduo está inserido. São conceitos apreendidos na dinâmica relacional: contato e

suas funções de contato, ajustamento criativo, awareness, suporte, homeostase,

presentificação, figura e fundo.

Quando há adoecimento do indivíduo, observa-se um contato empobrecido consigo

mesmo e com o campo relacional. A Gestalt-terapia estuda esse adoecimento através dos

conceitos: mecanismos de defesa, cristalizações, interrupções de contato e ajustamento

disfuncional. Ela compreende o adoecer como uma manifestação possível do ser. Não temos

um estômago doente, mas temos um ser em sua totalidade doente. A questão fica na descrição

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fenomenológica desse adoecer. O processo da descrição do sentir vai delineando um caminho

compreensível desse “estar” adoentado.

IVANCKO (2009) sinaliza que, muitas vezes, adoecer é a forma que temos para

enfrentar ou não determinada situação para a qual não estamos preparados ou temos

dificuldade de confrontar. Portanto, a doença não significa um mal, mas apenas uma

manifestação que, de certa forma, nos protege de algumas situações ou expressa insatisfações

temporárias. Por isso é tão comum que, ao se suprimir o sintoma por meio de medicação ou

cirurgia, outra doença se manifeste e substitua a função da doença anterior, pois, de algum

modo, precisamos dessa forma de defesa.

A Gestalt-terapia compreende os sintomas como ajustamentos que, em algum

momento, foram criativos, perderam o brilho do novo e cristalizaram-se. Vamos repetindo um

padrão de atitudes, sem entrar em contato com o novo, que surge a cada instante.

As funções de contato – olhar, ouvir, cheirar, tatear, saborear – traduzem milhares de

informações para a fronteira-de-contato (aproximação e afastamento). Conforme a

singularidade de quem passa por essa experiência de foco e contato, pode gerar aproximação

ou afastamento. Essa elasticidade é saudável e, quando forçamos um comportamento,

perdemos a elasticidade e passamos para a rigidez ou o afrouxamento.

Ao longo do trabalho, fizemos algumas perguntas como:

Na relação médico-paciente é possível ter um encontro de qualidade em um consultório de

ambulatório, visto que a média de duração de um atendimento é de 10 minutos?

O que é uma boa qualidade de escuta?

Essa boa qualidade é pelo tempo de duração da consulta ou por um estar genuinamente

presente?

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HYCNER (1995) diz que presença é algo muito difícil de ser definido, mas sua

ausência é profundamente sentida.

No encontro das relações de ajuda, o mais significativo é estarmos diante do humano,

de um outro que não tem, na maioria das vezes, a solução ou a cura, mas tem a presença plena.

Presença traz mais que uma companhia, traz a “escuta” do sofrimento, tira da solidão.

BUBER (1973) fala da importância da presença: “O que esperamos quando estamos

desesperados e, mesmo assim, procuramos um outro homem? Certamente uma presença, por

meio da qual somos informados de que, apesar de tudo, há significado”.

A Gestalt-terapia foi elaborada pelo médico Fritz Perls, que desejou quebrar

paradigmas, experienciar outras formas de compreensão do ser.

“O pior buraco em que posso pensar é o de uma pessoa que não tenha ouvidos. Isso é usualmenteencontrado em pessoas que falam, falam, falam e esperam que o mundo as ouça. Elas usam asfrases de outras pessoas meramente como trampolim para replicar, se é que ouvem tanto essaspessoas certamente não ouvem; do meio ambiente. No máximo, abstraem o conteúdo epermanecem em vazio intelectual. Temos uma polaridade peculiar neste mundo: escutar versusbrigar. As pessoas que escutam não brigam, e as pessoas que brigam não escutam. Se as facçõeslitigantes da nossa sociedade – parceiros de casamento, oponentes em negócios – abrissem osouvidos e escutassem seus oponentes, as hostilidades no nosso ambiente e entre as naçõespoderiam diminuir enormemente.O “Eu estou dizendo-lhe o que você necessita” seria trocado por “Eu estou escutando o que vocêquer”, e as bases para a discussão racional abrir-se-iam.Isso se aplica tanto aos nossos conflitos internos como à situação mundial em geral.Mas como abrirmos os ouvidos e os olhos do mundo° Considero o meu trabalho uma pequenacontribuição para o problema, a qual poderia conter a possibilidade de sobrevivência da espéciehumana.” PERLS (1969) p.13

A autora Frazão (2011) traz uma importante contribuição, localizando o leitor com um

panorama sobre a abordagem da Gestalt-Terapia. A Gestalt-terapia foi criada pelo médico

alemão Frederick Perls (1893-1970), segundo filho de uma família judaica alemã. A formação

acadêmica e intelectual de Fritz Perls deu-se no início do século XX, época de muita

efervescência cultural e científica, tendo participado de modo vivaz desse ambiente rico e sido

fortemente influenciado por ele.

No começo do século XX, surge a Psicologia da Gestalt, cujos principais expoentes

foram Wolfgang Köhler, Kurt Koffka e Max Wertheimer. Os psicólogos da Gestalt

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descobriram que não percebemos as coisas por meio da soma de suas diferentes partes, e sim

do todo, e revelaram também que nossa percepção é influenciada não apenas por aquilo que

vemos, mas também por fatores internos.

Perls utilizou parte das descobertas da Psicologia da Gestalt no âmbito da terapia

clínica, criando a Gestalt-terapia. Mais que uma preocupação com saúde e doença, a Gestalt-

terapia, em consonância com as ideias do Movimento em Prol do Desenvolvimento Humano

(Human Growth Movement), volta-se para as questões relativas ao crescimento e

desenvolvimento da pessoa em sua totalidade (visão holística do homem). Algo que se

evidencia no subtítulo – Estimulação e Crescimento na Personalidade Humana – da primeira

publicação em inglês da abordagem, escrita por Perls, Hefferline e Goodman: Gestalt

Therapy: Excitement and Growth in the Human Personality (1951).

Em seu livro Gestalt-Terapia Explicada (1976), Perls apresenta uma definição de

saúde em que se pode perceber a influência do neuropsiquiatra alemão Kurt Goldstein (1878-

1965): “Saúde é o equilíbrio apropriado da coordenação de tudo aquilo que somos” (grifo

nosso), enfatizando que ela não é algo que temos, e sim o que somos, e se manifesta em nossa

totalidade existencial. Dessa forma, os assim chamados “distúrbios mentais” não abrangem

apenas a dimensão mental, mas a pessoa na sua totalidade.

A Gestalt-terapia concebe saúde e doença como processos que favorecem ou

dificultam o desenvolvimento do indivíduo, o qual, por sua vez, não se restringe a fases

específicas, e sim, a um processo de crescimento e transformação constante que ocorre ao

longo de toda a existência humana.

A Gestalt-terapia desenvolveu-se na metade do século XX, quando existiam

basicamente duas abordagens psicoterapêuticas: a psicanalítica e a comportamental. Surgiu no

âmbito da psicologia humanista, conhecida também como Terceira Força ou Movimento em

Prol do Desenvolvimento Humano (Human Growth Movement). Essa abordagem psicológica

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trouxe uma nova visão do homem, enfatizando não apenas seus conflitos e dificuldades, mas

também suas possibilidades e potencialidades. A psicologia humanista, de maneira geral, e a

Gestalt-terapia, em particular, são influenciadas pela Fenomenologia e pelo Existencialismo.

Segundo a Fenomenologia, nada pode ser descrito sem levar em conta o olhar do

sujeito: sua intencionalidade. Para conhecer algo, é preciso considerar não apenas a coisa em

si, mas também aquele que a conhece, e é dessa forma que se pode ter acesso à experiência

como ela ocorre e do modo como é vivenciada. Isso tem importantes consequências no

trabalho psicoterapêutico, uma vez que o que poderíamos chamar de “realidade” só existe por

meio da experiência do sujeito que a vivencia. Assim, para apreender a realidade do paciente,

o psicoterapeuta deve suspender o próprio julgamento e a experiência pessoal a respeito das

coisas (suspensão fenomenológica), a fim de compreender aquela pessoa que o procura.

O processo de tomada de consciência – que denominamos “awareness”– é um dos

principais pilares do trabalho clínico em Gestalt-terapia. Os conceitos básicos da Gestalt-

terapia foram realizados pela experiência vivencial e influência de alguns pressupostos

teóricos e filosóficos do seu fundador e colaboradores. Os conceitos básicos da Gestalt-terapia

são: figura e fundo, contato, fronteira de contato, homeostase, suporte e ajustamento criativo.

A Gestalt-terapia é uma abordagem dinâmica e relacional, e fazer um recorte em seus

conceitos é um recurso didático para ilustração, explicação e compreensão da abordagem.

Esclarecemos que os conceitos inter e intra se comunicam e não funcionam isoladamente,

sempre são compreendidos organismo-meio. Eles se complementam no funcionamento

saudável. A ruptura desse funcionamento sistêmico é o que Perls denomina doença.

Apresentaremos, de forma mais detalhada, os conceitos que se transformam em verdadeiros

instrumentos na arte do encontro terapêutico. Acreditamos que a abordagem gestáltica pode

contribuir na instrumentação, compreensão e sensibilização na relação médico-paciente.

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Segundo, Juliano (1999), a Gestalt-terapia é, principalmente, uma postura diante da

vida, que implica um contato vivo com o mundo, com a pessoa do outro, na sua singularidade,

sem pré-concepção de qualquer ordem. Esse contato se apoia na vivência, na experiência de

primeira mão, no aqui e agora, o que estimula uma presença constante e atenta, com ênfase na

percepção sensorial; focaliza o fluxo e a direção da energia corporal.

Conceitos que retratam o funcionamento saudável do homem para a Gestalt-Terapia:

FIGURA E FUNDO:

Segundo a Psicologia Gestalt (Wertheimer, Koffka. Kohler – 1912), o cérebro é um

sistema dinâmico no qual se produz uma interação entre os elementos, em determinado

momento, por meio de princípios de organização perceptual como proximidade, continuidade,

semelhança, segregação, preenchimento, unidade, simplicidade e figura/fundo. Sendo assim, o

cérebro tem princípios operacionais próprios, com tendências autoorganizacionais dos

estímulos recebidos pelos sentidos.

O processo de formação de figura/fundo é um processo dinâmico no qual as urgências e recursosdo campo progressivamente emprestam suas forças ao interesse, brilho e potência da figuradominante. Não tem sentido, por conseguinte, tentar lidar com qualquer comportamentopsicológico fora do seu contexto sociocultural, biológico e físico. Simultaneamente, a figura éespecificamente psicológica: tem propriedades específicas observáveis de brilho, limpidez,unidade, fascinação, graça, vigor e desprendimento. (PERLS, HEFFERLLINE, GOODMAN,1997, p. 46)

CONTATO:

Quanto à relação Figura e Fundo, temos uma seleção da percepção, e surge uma figura

clara e nítida. Essa figura é o inicio do conceito de contato.

Para a relação médico-paciente, é o momento inicial da consulta. O médico entra em

contato com a nova singularidade que está diante dele.

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Primordialmente, o contato é a ”awareness” da novidade assimilável e comportamento comrelação a esta; e rejeição da novidade inassimilável. O que é difuso, sempre o mesmo, ouindiferente, não é um objeto de contato. (PERLS, HEFFERLLINE, GOODMAN, 1997, p. 44)

FUNÇÕES DE CONTATO:

Pelos órgãos do sentido e da percepção, entramos em contato com o meio, tendo uma

consciência plena do vivido. As funções de contato são: olhar, cheirar, tatear, ouvir e saborear.

Por meio delas, podemos selecionar o que será nutritivo ou tóxico para nossas escolhas. Na

relação médico-paciente, através das funções de contato, temos muitas informações do campo

que podem contribuir para uma melhor compreensão não apenas do sintoma mais da pessoa

que relata o sintoma.

Perls, Hefferlline e Goodman fazem um convite ao leitor para experienciar o contato,

as funções e a fronteira de contato:

Você pode experimentar isso agora mesmo se, em lugar de meramente olhar para os objetos à suafrente, também se conscientizar do fato de que estes são objetos em seu campo oval de visão, e sevocê sentir como esse oval de visão está, por assim dizer, rente aos seus olhos – isto é o olhar deseus olhos. Note em seguida como nesse campo oval os objetos começam a ter relações estéticas, devalor espacial e colorativo. E, da mesma maneira, você pode experimentar isso com os sons “láfora”: estes têm sua raiz de realidade na fronteira de contato, e nessa fronteira são experienciadosem estruturas unificadas. (PERLS, HEFFERLLINE, GOODMAN, 1997, p. 42)

FRONTEIRA DE CONTATO:

“É na fronteira que os perigos são rejeitados, os obstáculos superados e o assimilável

são selecionados e apropriados.” (PERLS, HEFFERLLINE, GOODMAN, 1997, p.44)

As funções de contato são experienciadas na fronteira de contato entre eu e o meio.

Com o olhar, ouvir, paladar, cheirar e tatear, temos pistas se podemos nos aproximar ou

devemos nos afastar. É uma bússola que sinaliza a direção que iremos tomar.

Para a relação médico-paciente, é importante estar atento sobre a elasticidade da

fronteira. A postura atenta do médico durante a consulta dará subsídios de como abordar

temas mais difíceis com o cliente.

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A experiência se dá na fronteira entre o organismo e seu ambiente, primordialmente a superfície dapele e os outros órgãos de resposta sensorial e motora. A experiência é função dessa fronteira, epsicologicamente o que é real são as configurações inteiras desse funcionar, com a obtenção dealgum significado e a conclusão de alguma ação. (PERLS, HEFFERLLINE, GOODMAN, 1997, p.41)

AWARENESS

É uma forma de experienciar. É o processo de estar em contato vigilante com o evento

mais importante do campo indivíduo/ambiente, com total apoio sensoriomotor, emocional,

cognitivo e energético”. (YONTEF, 1993, p. 215.)

Existe contato sem awareness, contatos mais superficiais, mas não temos awareness

sem contato. É uma consciência plena que envolve a totalidade do ser na experiência da

relação.

HOMEOSTASE:

A compreensão da potencialidade do indivíduo de ajustar-se ao equilíbrio e à saúde

traz uma nova configuração na relação médico-paciente. A doença não é algo que se instalou,

é um processo do indivíduo no estar em relação, consigo mesmo e com o meio.

O processo homeostático é aquele pelo qual o organismo mantém equilíbrio e, consequentemente,sua saúde sob condições diversas. A homeostase é, portanto, o processo por meio do qual oorganismo satisfaz suas necessidades. Uma vez que suas necessidades são muitas e cadanecessidade perturba o equilíbrio, o processo homeostático perdura o tempo todo. Toda vida écaracterizada pelo jogo continuo de estabilidade e desequilíbrio no organismo. Quando o processohomeostático falha em alguma escala, quando o organismo se mantém num estado de desequilíbriopor muito tempo e é incapaz de satisfazer suas necessidades, está doente. Quando falha o processohomeostático, o organismo morre . (PERLS, 1988, p. 20)

SUPORTE:

Inclui todas as experiências assimiladas e integradas do nosso vivido, dando origem ao

auto-suporte.

Na relação médico-paciente, o suporte é desenvolvido na relação. A presença, escuta e

confirmação vão delineando um terreno seguro onde a dor, o medo, a ansiedade e as angústias

vão tendo espaço para serem acolhidos.

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A experiência ocorre no campo organismo-meio, do qual o indivíduo é parte. Mas o homem em si éuma totalidade composta de partes que se inter-relacionam dinamicamente na busca de auto-regulação que objetiva um equilíbrio dinâmico. Essas partes referem-se às dimensões orgânicas,emocionais, cognitivas e culturais do indivíduo. Essa inter-relação de partes que compõem atotalidade do homem é denominada suporte, um conceito-chave em Gestalt-terapia.(CARDELLA,2002,p.49)

AJUSTAMENTO CRIATIVO:

Para Juliano (1999 ) existem dois grandes grupos de pessoas:

Algumas pessoas tendem a “apartar-se de si mesmas”, presas no seu interior, com dificuldade defazer intercâmbios criativos com o mundo. Outras tendem também a “apartar-se de si mesmas”, ase trancar do lado de fora, permanecendo exaustivamente em contato com o mundo exterior,espalhando-se por todos os lados. Em ambos os casos, essa impossibilidade provoca insatisfação eansiedade.

Quando temos o espaço e a possibilidade de falar sobre nossos medos, receios e

angústias com um outro que tenha uma escuta interessada, temos uma liberação de energia

que, antes, ficava a serviço de segurar esses sentimentos. A dor compartilhada dissolve as

amarras e recebe o calor do acolhimento, possibilitando novas soluções de problemas de

forma criativa.

Na relação médico-paciente, podemos constatar a importância de, após um

diagnóstico, o paciente e o médico encontrarem ajustamentos criativos para lidar com o novo

que se revela. Como exemplo, podemos pensar que um paciente crônico necessita buscar

formas saudáveis de viver com a doença e não para a doença. Viver com a doença é encontrar

ajustamentos-criativos, dando novas formas e novo sentido do estar-no-mundo.

Todo contato é ajustamento criativo do organismo e ambiente. Resposta consciente no campo (...).Criatividade e ajustamento são polares, são mutuamente necessários. Espontaneidade é apoderar-se, crescer e incandescer com o que é interessante e nutritivo no ambiente. (PERLS, Hefferlline,Goodman, 1997, p. 45)

Conceitos que retratam o funcionamento não-saudável do homem para a Gestalt-

Terapia:

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Ciornai (2004) afirma que o funcionamento não saudável será aquele caracterizado por

interrupções, inibições e obstruções desses processos, com a consequente formação de figuras

fracas, desvitalizadas, mal definidas e nebulosas. Ficamos presos a situações inacabadas ou

cristalizamos nosso pensar e nosso estar em relação. Perdemos o contato genuíno e reparador

com o meio que, sempre em constante mudança, traz o frescor do novo e da descoberta. Todos

nós temos momentos defendidos, cristalizados e com pouca nitidez das figuras que se

apresentam. São momentos ou até períodos das nossas vidas em que podemos transformar os

infortúnios em oportunidades para reflexões, elaborações e mudanças, o que caracteriza um

comportamento saudável. No funcionamento não saudável, o indivíduo não consegue

transcender, tornando suas ações em repetições com a tentativa de resolução do problema

(fechar a Gestalt).

Como dito anteriormente, a psicologia humanista e a Gestalt-terapia também foram

influenciadas pelo Existencialismo – corrente filosófica que enfatiza questões ligadas à

liberdade individual, responsabilidade e subjetividade do ser humano. Ou seja, concebe o

homem como essencialmente livre. De forma geral, a Gestalt-terapia busca lidar com as

questões que impedem ou dificultam os processos saudáveis de crescimento e

desenvolvimento, resgatando-os. Ao mesmo tempo em que o gestalt-terapeuta procura ajudar

o paciente a fechar Gestalten abertas, busca também ampliar suas possibilidades de

“awareness”, até mesmo para que se dê conta de suas potencialidades e as utilize.

Para BARROS (2006), o método da Gestalt-terapia pode ser compreendido em três

instâncias:

1. O QUE SE PASSA NO TERAPEUTA:

O Como e O quê em vez do Porquê; Esquecer a mente e voltar aos sentidos;

awareness.

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2. O QUE O TERAPEUTA FAZ:

Contato, Suporte, Foco, Experimentos.

3. O PROCESSO:

Figura e Fundo, Repetições e Mudança , o Eu, o Tu e o Nós.

BARROS (2006) traz os conceitos da Gestalt-terapia em forma de atitudes nas relações

de ajuda.

Tellegen (1984) destaca os tópicos principais com os quais Perls se preocupava:

a) Uma concepção da relação corpo-mente que fosse realmente integradora ao invés de

dualista;

b) Uma noção de configuração ou estrutura que abrangesse a complexidade das inter-

relações de fatores biológicos, psicológicos e socioculturais dos quais a experiência e o

comportamento do homem são resultantes;

c) Um método de pensamento que, afastando-se das explicações causais lineares, se

aproximasse do método dialético ao focalizar interação e mudança enquanto processos

contínuos de diferenciação, integração e rediferenciação de opostos.

A relação médico-paciente, para um bom contato, necessita de foco no momento do encontro.

Resgatar a atitude do médico antigo da família: com o olhar e a escuta que aproxima, que confirma,

que busca caminhos possíveis juntos.

O foco é no cliente?

O foco é no médico?

O foco é no entre. Surge o diálogo.

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CAPÍTULO V

A RELAÇÃO DIALÓGICA: O ENTRE NA RELAÇÃO MÉDICO – PACIENTE

comungar

fino caminho,ilumina sonhos.

fina teiado sentir,

pesca ouros.

estar no barcoda vida

sem medo de navegartraz o mar.

(Teca, 2011)

Martin Buber e a relação dialógica

“O principal pressuposto para o surgimento de um diálogo genuíno é que cada um deveria olharo seu parceiro como a pessoa que ele realmente é. Torno-me consciente dele, consciente de queele é diferente, essencialmente diferente de mim, de uma maneira única e definida que lhe éprópria; e aceito a quem assim vejo, de forma que eu possa plenamente dirigir o que digo a ele,como pessoa que é”. (MARTIN BUBER, 1965b, p. 79)

Para compreendermos um pensamento, precisamos conhecer quem pensa, qual o seu

contexto vivencial e suas relações. Antes de descrevermos os conceitos da “Atitude

dialógica”, resgatamos alguns dados que dão uma compreensão de Buber na construção de sua

valiosa obra.

Martin Buber (1878 -1965) nasceu em Viena e morreu em Jerusalém. Era filósofo,

escritor e pedagogo, judeu de origem austríaca e de inspiração sionista. Tinha educação

poliglota; em casa aprendeu ídiche e alemão, na escola, hebraico, francês e polonês. Sua

formação universitária se deu em Viena. Professor de História das Religiões e Ética Judaica na

Universidade de Frankfurt, foi destituído do cargo pelos nazistas. Em 1938, foi lecionar

Sociologia na Universidade de Jerusalém. Tinha, nesta época, 60 anos. Era um período de

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intensa atividade intelectual, e suas pesquisas se aprofundaram em diversas áreas: Bíblia,

Judaísmo, Hassidismo, estudos políticos, sociológicos e filosóficos.

Possuía grande fé no humano: vivia o “ser homem” e pôde superar todas as suas

dificuldades, buscando uma solução para o problema existencial do homem atual.

Influenciado pela mística judaica, desenvolveu um pensamento que ultrapassa a Metafísica ou

mesmo a Teologia, e estabelece uma verdadeira “Ontologia” da existência humana. Uma

grande influência na obra de Buber foi o Hassidismo, fonte principal para a descoberta

norteadora sobre a ideia do homem total, do homem na sua plenitude de ser-com-outro. O

movimento caracteriza-se por um esforço de renovação da mística judaica. A ênfase do

pensamento hassídico girava em torno de algumas características centrais:

Crença na universalidade da presença divina;

Senso de totalidade da união com Deus;

Necessidade de haver alegria no serviço divino;

O sentido de comunidade.

Para Buber, a problemática de Deus é considerada a partir da existência humana, pois a

palavra de Deus se faz presente na história do homem. Não é Deus em si que interessa o

homem, mas é a relação entre ele e Deus que é profundamente significativa. Buber exprime a

unidade que vê entre Deus, o homem e o mundo; não se trata de uma união mística, mas de

uma comunhão.

Em suas publicações filosóficas, deu ênfase à sua idéia de que não há existência sem

comunicação e diálogo, que objetos não existem sem a interação. As palavras princípio, EU-

TU (relação) e EU-ISSO (experiência) demonstram as duas dimensões da filosofia do diálogo

que, segundo Buber, abarcam a existência. A relação Eu-Tu corresponde a um interesse

genuíno no outro como pessoa em sua singularidade. Na relação Eu-Isso, a atitude é

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totalmente dirigida a um propósito, um objetivo em mente. A pessoa é “coisificada”, é

considerada um objeto, um meio para atingir um fim. No entanto, em determinados

momentos, é natural do ser humano moderno focalizar intensamente um objetivo, colocando

as pessoas em um plano secundário. Isso não seria bom nem mau, mas torna-se um problema

quando predominante, mostrando um desequilíbrio nessa atitude do indivíduo.

Buber é bem claro ao afirmar que não se pode viver sem o Isso, pois aquele que vive

só com o Isso não é homem. O homem deve estar sempre disponível e aberto ao encontro EU-

TU.

A existência dialógica caracteriza-se pela alternância de ora Eu-Tu, ora Eu-Isso. A

relação dialógica não é somente uma descrição fenomenológica das atitudes do homem no

mundo ou uma fenomenologia da palavra, mas é, sobretudo, uma ontologia da relação.

Entende-se por dialógico o contexto relacional total em que a singularidade de cada pessoa évalorizada; relações diretas, mútuas e abertas entre as pessoas são enfatizadas, e a plenitude epresença do espírito humano são honradas e abraçadas. (HYCNER, 1995, p.30).

O homem possui a capacidade de interrelacionamento com seu semelhante, ou seja, a

intersubjetividade. A intersubjetividade é a relação entre o sujeito e o outro sujeito. O

relacionamento, segundo o filósofo Martin Buber, acontece entre o Eu e o Tu, e denomina-se

relacionamento EU-TU. A interrelação, segundo Martin Buber, envolve o diálogo, o encontro

e a responsabilidade existentes entre dois sujeitos, ou a relação que existe entre o sujeito e o

objeto. No âmago dessa abordagem, residem respostas únicas para situações únicas.

“A psicoterapia dialógica define-se basicamente por uma abordagem, atitude ou postura emrelação à existência humana em geral, e ao processo de psicoterapia em particular. Por suaprópria natureza, é sempre um processo em andamento, exigindo a crença de que a base últimade nossa existência é relacional ou dialógica por natureza: somos todos fios de um tecido inter-humano. (HYCNER,1995,P.31)

Para Buber, o significado do inter-humano não pode ser encontrado em qualquer um

dos parceiros nem nos dois juntos, mas apenas no diálogo entre ambos, “no entre que é vivido

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por ambos”, sendo sua realidade maior do que cada um dos indivíduos e maior do que a soma

total dos dois indivíduos. Fazem parte de uma esfera mais ampla – o inter-humano.

Hycner (1997) enfatiza que o dialógico é uma forma de abordar os outros, não devendo

ser identificada com a fala comum, mas uma fala que seria uma manifestação auditiva da

atitude dialógica. As palavras seriam um impedimento ao verdadeiro diálogo, uma defesa

psicológica contra o verdadeiro encontro. Afirma que alguns dos encontros mais curativos

ocorrem quando os olhos do cliente encontram os do terapeuta, sem palavras, e mesmo assim

muito é falado entre eles. Seria o encontro de algo profundo dentro de ambos, um encontro no

silêncio, uma fala autêntica, uma interpretação e fusão de espíritos humanos que enriquecem a

ambos e os tornam inteiros.

Yontef (1998) sinaliza cinco condições para que uma relação dialógica se estabeleça:

Inclusão - implica um comprometimento existencial mais profundo por meio da

compreensão empática, penetrando-se na fenomenologia do outro sem perder o próprio

referencial.

Presença – a pessoa na relação é envolvida, ativa, energizada, totalmente atenta e

genuína.

Compromisso com o diálogo – é a abertura e a rendição ao que acontece entre

duas pessoas, sem ser previsto ou comandado por qualquer das partes.

Característica vivencial – corresponde a estar presente com inteireza e estar

disponível para a relação com o outro.

Não-exploração – é não-utilização do outro para suprir necessidades narcísicas ou

quaisquer tipos de manipulação. Seria o abuso do poder.

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Quando o homem percebe que pode haver uma atitude dialógica que permanece como

fundo para a alternância entre o modo EU-TU e o modo EU-ISSO de existência e a vivencia,

estabelece com o mundo e com os seus parceiros uma relação criativa, e torna-se autor do seu

destino. Pronuncia sua própria palavra, e deixa os outros livres para também pronunciá-la.

Essa palavra é a vida se manifestando diante de um outro que tem uma presença, uma

escuta. A alteridade se faz presente, aquele que escuta recebe também a presença que está

legitimando-o da sua humanidade, profissão e capacitando-o como alguém confiável.

“O face-a-face se realiza através do encontro; ele penetra no mundo das coisas para continuaratuando indefinidamente, para tornar-se incessantemente um Isso, mas também para tornar-senovamente um TU irradiando felicidade e calor. A arte ‘se encarna’: seu corpo emerge datorrente da presença, fora do tempo e do espaço, para a margem da existência.” (BUBER, 1974,p. 61)

GOLDENSTEIN (2006) cita os autores ABRAMOVITCH e SCHWARTZ (1996) pelo

trabalho que eles desenvolveram sobre o pensamento dialógico de Buber para a Medicina

atual.

Esses autores, ao reconhecerem uma “crise humanística” na Medicina devido à

dificuldade no estabelecimento e manutenção de um diálogo pessoal entre médicos e pacientes

no qual o paciente não se sinta “objeto” ou mesmo “doença”, estabelecem uma proposta

dialógica baseada em Buber. Tal proposta compreende três diferentes estágios:

Uma fase inicial de encontro pessoal baseado na relação “EU-TU” de Buber.

(Deverá ter as seguintes características para que possa se constituir em um encontro

pessoal: confirmação mútua; reconhecimento da singularidade; disponibilidade para o

encontro como tempo, espaço e confiança mútua).

Uma segunda fase, onde o médico examinaria o paciente, realizaria testes

laboratoriais e de imagem – baseada especialmente no relacionamento “Eu-Isso” e que

envolve considerações objetivas.

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(O exame deve ser entendido como um encontro entre o paciente e o intelecto do

médico. O médico precisa ser objetivo).

A terceira fase, envolvendo os achados da fase de exame com a fase de relação

pessoal, constituindo a fase de integração por meio do diálogo, ou de cura por meio do

encontro.

(A dificuldade se dá na necessidade de integração entre as duas fases anteriores, na

forma como comunicar ao paciente o diagnóstico, o prognóstico, as alternativas de

tratamento para essa pessoa em particular, e na maneira como se conduzir a partir de

dentro de um curso aceitável para ambos, paciente e médico).

Finalizamos com uma citação de Buber:

“O principal pressuposto para o surgimento de um diálogo genuíno é que cada um deveria olharo seu parceiro como a pessoa que ele realmente é. Torno-me consciente dele, consciente de queele é diferente, essencialmente diferente de mim, de uma maneira única e definida que lhe éprópria; e aceito a quem assim vejo, de forma que eu possa plenamente dirigir o que digo a ele,como pessoa que é.”(MARTIN BUBER, 1965b, p.79)

O encontro genuíno do humano abre o diálogo da relação médico-paciente. São

pessoas diferentes com posições diferentes nesse encontro. O que nos tira da solidão é a

humanidade que habita em cada um.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

encontros

fio de sentidos, colar de pérolas raras.

humano caminho de se conhecer

.(Teca, 2011)

Entro em contato com a dificuldade de dar uma boa forma de fechamento, pois ainda

ficam reverberando as questões da presença, escuta e compreensão integrativa na relação

médico-paciente. Talvez seja esta a questão conclusiva possível: o fenômeno não se esgota, e

a cada novo encontro, é uma nova escuta, uma nova presença e uma nova compreensão. Um

exercício desafiante para a relação do encontro com o humano, como diz Husserl: “ficar com

as coisas mesmas” quando ele se reporta à redução fenomenológica.

Neste estudo sobre a relação médico-paciente, procurou-se focar a qualidade da

presença, escuta e compreensão que ocorre entre médico e paciente. O foco não foi

especificamente direcionado para o médico ou para o paciente, mas na alteridade do encontro

e compreensão integrativa.

O olhar dialógico possibilita uma facilidade da presença e da escuta. O paciente traz

suas queixas, o médico foca a atenção nessa escuta e, quando faz a devolutiva, apresenta duas

possibilidades de conduta: a primeira é, especificamente e somente, dar encaminhamentos,

como solicitação de exames clínicos ou receita de medicamentos pertinentes à queixa do

paciente. O sintoma teve uma escuta e direcionamento. A segunda possibilidade é começar um

diálogo que sinaliza uma atitude interessada do médico em saber o como esse sintoma se

manifesta nesse paciente. Faz perguntas que possibilitem ampliar as questões da queixa

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quando o outro tem que voltar para si mesmo para responder e assim, ele se olha novamente

diante de um outro que também o está olhando. Ele vai se ouvir novamente diante de um outro

que também o está ouvindo.

Começa, então, um encontro singular neste momento presente único, que tem olhar,

escuta e presença para o paciente. Esse momento tem seus efeitos curativos e reparadores.

Não me refiro a milagres, apesar de acreditar que eles existam na esfera do sagrado, a

referência ao momento curativo se dá quando o paciente encontra suporte na presença de um

profissional atento e ciente de sua própria humanidade.

Essa consciência do profissional, da sua humanidade com seus medos, receios e

impotências, o torna menos defendido na relação médico-paciente e amplia suas condições de

estar diante do sofrimento e angústia do outro, tornando o diálogo possível. O paciente e o

sintoma narrado tiveram uma escuta e um olhar integrativo, o foco fica na relação.

Por meio da análise dos artigos contemporâneos apresentados neste trabalho,

observamos que o que caracteriza uma relação médico-paciente satisfatória não é o tempo ou

a continuidade do paciente com um médico específico, mas a qualidade de escuta e a presença

em cada encontro.

Ao pensar na relação médico-paciente com base na Gestalt-terapia e atitude dialógica,

chegamos a algumas considerações:

O cuidador necessita de cuidados. O preparo para se tornar um médico é uma

tarefa árdua e solitária, abrangendo desde a grande competição no vestibular, o alto

custo do sustento e manutenção da faculdade, a consecução do curso de residência, até

os muitos plantões de início de carreira. Não só os médicos, mas toda a equipe de

cuidadores, necessitam de cuidados, lazer e tempo para descanso. Necessitam também

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de treinamentos, oficinas, “workshop” para terem espaço na elaboração dos lutos,

dificuldades e limites da profissão que lida com a vida e a morte simultaneamente.

A base da relação médico-paciente é construída a cada encontro. O “aqui” e

“agora” é o momento do encontro. O olhar que recebe muitas informações, o tom de

voz que conta sem palavras, mas com sons de tristeza ou alegria, a pele fria que fala do

medo, o rubor que conta vergonhas.

O contato e suas funções (olhar, ouvir, tatear, degustar e olfato) possibilita uma

compreensão mais integrada.

A compreensão da relação médico-paciente se processa no campo do “entre”.

Significa não ter controle ou manipulação. O “entre” é a ponte que permite a

travessia. Não é a travessia.

O “entre” não é um constructo secundário, mas o verdadeiro lugar e o berço do que aconteceentre os homens; não tem recebido atenção particular, porque, distintamente da almaindividual e de seu contexto, não exibe uma continuidade uniforme, mas está sendorenovadamente reconstituída de acordo com os encontros dos homens entre si.

Buber (1965 p. 203)

Vários autores estudados neste trabalho salientam a importância do espaço para os

médicos e a equipe de saúde, a fim de participarem de grupos de supervisão com o enfoque na

relação, e também de “Workshop” vivencial para treinarem sua própria escuta e poderem falar

sobre seus medos, angústias e limitações.

Ao final do trabalho, nos deparamos com um paradoxo: as pesquisas apontam a

necessidade do médico-equipe participarem, de forma sistematizada, de grupos terapêuticos,

treinamento e supervisão; e por outro lado, temos as instituições que também necessitam ser

sensibilizadas para essa necessidade, o que nem sempre é tarefa fácil. Como podemos

observar, outras questões vão surgindo. Que essas indagações possam estimular novos

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estudos. Que nossas pesquisas possam ser pontes para conscientização e transformação. Não

sejam apenas grafias, e sim estímulos de novas construções.

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CONVERSA COM O POETA(Teca – 2011)

CARRETO

Amar é mudara alma de casa.

Mário Quintana

Os terapeutassão todos ciganos.

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