PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS - sicad.pt · O Governo entende que, mais de 20 anos depois...

58
2972 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N. o 122 — 26-5-1999 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS Resolução do Conselho de Ministros n. o 46/99 O Governo entende que, mais de 20 anos depois de terem sido criadas em Portugal as primeiras estruturas institucionais vocacionadas para enfrentar o problema da droga e da toxicodependência, é tempo de adoptar, finalmente, uma verdadeira estratégia nacional de luta contra a droga, na linha do que já sucede em diversos outros países. Os ensinamentos da experiência destes anos, a cons- ciência das fragilidades e das capacidades existentes, o conhecimento científico entretanto produzido sobre as mais diversas vertentes do fenómeno da droga, a notícia de experiências inovadoras que se vão fazendo noutros países, a noção dos novos desafios lançados pela própria evolução do fenómeno do consumo, a recorrente dis- cussão pública sobre o caminho a seguir e, sobretudo, a constatação da persistente gravidade do problema da droga e da toxicodependência, a nível nacional e inter- nacional, fazem da elaboração deste documento um imperativo para Portugal. A estratégia nacional de luta contra a droga pretende ser um instrumento orientador das diversas políticas sec- toriais relativas à droga e à toxicodependência, voca- cionado para nortear a actividade dos diferentes orga- nismos da Administração Pública com competência nesta área e servir de referência para a sociedade portuguesa. Para a sua elaboração, entendeu por bem o Governo convocar o nosso melhor conhecimento científico, con- fiando a uma comissão de reputados especialistas a tarefa de apresentar ao Governo uma proposta. Essa comissão, constituída a 16 de Fevereiro de 1998 por despacho do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro [despacho n. o 3229/98 (2. a série)], entregou ao Governo o relatório final das suas actividades no dia 2 de Outubro passado. O referido relatório constitui um documento notável e é por isso a base em que assenta muito do essencial da estratégia nacional de luta contra a droga, adoptada pelo Governo através da presente resolução. É de elementar justiça, pois, prestar o merecido reco- nhecimento público aos membros da comissão pelo tra- balho desenvolvido em tão curto espaço de tempo, reco- nhecimento esse extensivo a todos quantos — e foram muitos — generosamente lhe prestaram colaboração, a diferentes títulos. Tendo a comissão declinado, por sua iniciativa, a tarefa adicional que lhe tinha sido solicitada, nos termos do citado despacho, de promover por si mesma, nos termos que tivesse por convenientes, a discussão pública do relatório, o Governo, ouvida a comissão, organizou o processo de discussão pública, por forma a permitir a mais ampla participação possível dos interessados. Em conformidade, foram enviadas centenas de cópias do relatório da comissão às mais diversas entidades públicas e privadas com intervenção na área da toxi- codependência e, paralelamente, foi o mesmo divulgado através da Internet, tendo daí resultado dezenas de observações escritas sobre as propostas em discussão. Do mesmo modo, foram organizadas audiências públicas de norte a sul do País (Porto, Faro e Lisboa, depois na Guarda e mais tarde em Évora), todas com a presença de membros da comissão e abertas à participação do público, sendo que as primeiras três foram formalmente integradas no processo de discussão pública. Paralelamente, tiveram ainda lugar diversas outras iniciativas de debate público do documento, formal- mente não integradas no processo de discussão pública, mas cujos contributos puderam, também, ser conside- rados neste processo decisório, com destaque para o colóquio promovido pela Universidade do Porto e para o inédito seminário organizado pelo Supremo Tribunal de Justiça, ambos contando com a participação de mem- bros da comissão. No âmbito deste processo de consulta, foi também ouvido o Conselho Nacional da Toxicodependência, órgão de consulta do Primeiro-Ministro onde se encon- tram representadas as entidades da sociedade civil inte- ressadas na matéria. De igual modo, o processo de elaboração da estratégia beneficiou, ainda, da publicação, em Abril de 1998, do relatório da Comissão Eventual da Assembleia da Repú- blica para o Acompanhamento e Avaliação da Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico de Droga e da realização do seminário posteriormente organizado pela mesma comissão parlamentar, já em 1999, embora este tivesse ocorrido depois de formal- mente encerrada a discussão pública. Importa, também, sublinhar que a participação do público na discussão da estratégia que agora se apresenta não se confinou aos mecanismos institucionais, tendo extravasado amplamente para a comunicação social, onde foram publicados, sob diversas formas, inúmeros e relevantes contributos, das mais diversas personali- dades e instituições, que muito enriqueceram a prepa- ração deste documento e a discussão cívica de uma pro- blemática tão relevante para a sociedade portuguesa. A estratégia nacional de luta contra a droga é um documento essencialmente voltado para o futuro, que pressupõe a apreciação do passado constante do rela- tório final da comissão e do referido relatório parlamentar. Cinco convicções profundas norteiam a estratégia que a seguir se apresenta. A primeira convicção radica no reconhecimento da dimensão mundial do problema da droga, que reclama respostas à escala internacional e continental, impõe um reforço da cooperação internacional e determina a articulação da estratégia nacional com as estratégias e políticas supranacionais. A segunda convicção é uma convicção humanista, que leva em conta a complexidade dos dramas humanos que tantas vezes se traduzem no consumo de drogas e na dependência, que considera o toxicodependente, no essencial, como um doente, exige a garantia de acesso a meios de tratamento a todos os toxicodependentes que se desejem tratar, incluindo os que por qualquer motivo se encontrem nos estabelecimentos prisionais, e implica a promoção de condições para uma efectiva reinserção social, bem como a adopção de um enqua- dramento legal adequado, justo e proporcionado, res- peitador dos princípios humanistas em que assenta o nosso sistema jurídico.

Transcript of PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS - sicad.pt · O Governo entende que, mais de 20 anos depois...

2972 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS

Resolução do Conselho de Ministros n.o 46/99

O Governo entende que, mais de 20 anos depois deterem sido criadas em Portugal as primeiras estruturasinstitucionais vocacionadas para enfrentar o problemada droga e da toxicodependência, é tempo de adoptar,finalmente, uma verdadeira estratégia nacional de lutacontra a droga, na linha do que já sucede em diversosoutros países.

Os ensinamentos da experiência destes anos, a cons-ciência das fragilidades e das capacidades existentes, oconhecimento científico entretanto produzido sobre asmais diversas vertentes do fenómeno da droga, a notíciade experiências inovadoras que se vão fazendo noutrospaíses, a noção dos novos desafios lançados pela própriaevolução do fenómeno do consumo, a recorrente dis-cussão pública sobre o caminho a seguir e, sobretudo,a constatação da persistente gravidade do problema dadroga e da toxicodependência, a nível nacional e inter-nacional, fazem da elaboração deste documento umimperativo para Portugal.

A estratégia nacional de luta contra a droga pretendeser um instrumento orientador das diversas políticas sec-toriais relativas à droga e à toxicodependência, voca-cionado para nortear a actividade dos diferentes orga-nismos da Administração Pública com competêncianesta área e servir de referência para a sociedadeportuguesa.

Para a sua elaboração, entendeu por bem o Governoconvocar o nosso melhor conhecimento científico, con-fiando a uma comissão de reputados especialistas atarefa de apresentar ao Governo uma proposta.

Essa comissão, constituída a 16 de Fevereiro de 1998por despacho do Ministro Adjunto do Primeiro-Ministro[despacho n.o 3229/98 (2.a série)], entregou ao Governoo relatório final das suas actividades no dia 2 de Outubropassado.

O referido relatório constitui um documento notávele é por isso a base em que assenta muito do essencialda estratégia nacional de luta contra a droga, adoptadapelo Governo através da presente resolução.

É de elementar justiça, pois, prestar o merecido reco-nhecimento público aos membros da comissão pelo tra-balho desenvolvido em tão curto espaço de tempo, reco-nhecimento esse extensivo a todos quantos — e forammuitos — generosamente lhe prestaram colaboração, adiferentes títulos.

Tendo a comissão declinado, por sua iniciativa, atarefa adicional que lhe tinha sido solicitada, nos termosdo citado despacho, de promover por si mesma, nostermos que tivesse por convenientes, a discussão públicado relatório, o Governo, ouvida a comissão, organizouo processo de discussão pública, por forma a permitira mais ampla participação possível dos interessados.

Em conformidade, foram enviadas centenas de cópiasdo relatório da comissão às mais diversas entidadespúblicas e privadas com intervenção na área da toxi-codependência e, paralelamente, foi o mesmo divulgadoatravés da Internet, tendo daí resultado dezenas deobservações escritas sobre as propostas em discussão.Do mesmo modo, foram organizadas audiências públicasde norte a sul do País (Porto, Faro e Lisboa, depois

na Guarda e mais tarde em Évora), todas com a presençade membros da comissão e abertas à participação dopúblico, sendo que as primeiras três foram formalmenteintegradas no processo de discussão pública.

Paralelamente, tiveram ainda lugar diversas outrasiniciativas de debate público do documento, formal-mente não integradas no processo de discussão pública,mas cujos contributos puderam, também, ser conside-rados neste processo decisório, com destaque para ocolóquio promovido pela Universidade do Porto e parao inédito seminário organizado pelo Supremo Tribunalde Justiça, ambos contando com a participação de mem-bros da comissão.

No âmbito deste processo de consulta, foi tambémouvido o Conselho Nacional da Toxicodependência,órgão de consulta do Primeiro-Ministro onde se encon-tram representadas as entidades da sociedade civil inte-ressadas na matéria.

De igual modo, o processo de elaboração da estratégiabeneficiou, ainda, da publicação, em Abril de 1998, dorelatório da Comissão Eventual da Assembleia da Repú-blica para o Acompanhamento e Avaliação da Situaçãoda Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico deDroga e da realização do seminário posteriormenteorganizado pela mesma comissão parlamentar, já em1999, embora este tivesse ocorrido depois de formal-mente encerrada a discussão pública.

Importa, também, sublinhar que a participação dopúblico na discussão da estratégia que agora se apresentanão se confinou aos mecanismos institucionais, tendoextravasado amplamente para a comunicação social,onde foram publicados, sob diversas formas, inúmerose relevantes contributos, das mais diversas personali-dades e instituições, que muito enriqueceram a prepa-ração deste documento e a discussão cívica de uma pro-blemática tão relevante para a sociedade portuguesa.

A estratégia nacional de luta contra a droga é umdocumento essencialmente voltado para o futuro, quepressupõe a apreciação do passado constante do rela-tório final da comissão e do já referido relatórioparlamentar.

Cinco convicções profundas norteiam a estratégia quea seguir se apresenta.

A primeira convicção radica no reconhecimento dadimensão mundial do problema da droga, que reclamarespostas à escala internacional e continental, impõeum reforço da cooperação internacional e determinaa articulação da estratégia nacional com as estratégiase políticas supranacionais.

A segunda convicção é uma convicção humanista, queleva em conta a complexidade dos dramas humanos quetantas vezes se traduzem no consumo de drogas e nadependência, que considera o toxicodependente, noessencial, como um doente, exige a garantia de acessoa meios de tratamento a todos os toxicodependentesque se desejem tratar, incluindo os que por qualquermotivo se encontrem nos estabelecimentos prisionais,e implica a promoção de condições para uma efectivareinserção social, bem como a adopção de um enqua-dramento legal adequado, justo e proporcionado, res-peitador dos princípios humanistas em que assenta onosso sistema jurídico.

2973N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

A terceira convicção é a de que ao humanismo háque juntar uma atitude pragmática, que permita umaabertura, sem dogmas, à inovação e aos resultados cien-tificamente comprovados das novas experiências, admi-tindo soluções que possam, ao menos, reduzir efecti-vamente os danos para os próprios toxicodependentes,para a saúde pública e para a segurança da comunidade.

A quarta convicção é a de que neste domínio, comoem tantos outros, mais vale prevenir do que remediar.E se não haverá melhor prevenção do que a promoçãode um verdadeiro e solidário desenvolvimento, importa,sem dúvida, apostar em adequadas políticas específicasde prevenção da droga, que saibam mobilizar as dife-rentes instituições da sociedade civil e, sobretudo, ospróprios jovens.

A quinta convicção, mas certamente não a menosimportante, é a de que o reforço do combate ao tráficoilícito de drogas e ao branqueamento de capitais cons-titui um imperativo para o Estado de direito que somos,a bem da segurança, da saúde pública e da própria esta-bilidade das instituições.

Da estratégia nacional de luta contra a droga decorrea necessidade de criar, no âmbito do Ministério da Jus-tiça, um grupo de trabalho encarregue da revisão dachamada «lei da droga», por forma a dar seguimentoàs orientações aqui fixadas e a ponderar as questõesainda em aberto.

Por outro lado, importa proceder à constituição deum outro grupo de trabalho para a aplicação técnicada «lei da droga», destinado a promover os mecanismosnecessários para viabilizar a eficácia das soluções pre-vistas na lei, nomeadamente no que se refere à realizaçãode exames e perícias médicas a toxicodependentes, exa-mes laboratoriais e tratamento em alternativa à penade prisão. Esse grupo será posteriormente constituídopor despacho conjunto dos ministros com competêncianesta área.

Assim:Nos termos da alínea g) do artigo 199.o da Cons-

tituição, o Conselho de Ministros resolve:Aprovar a estratégia nacional de luta contra a droga,

anexa à presente resolução e que dela faz parteintegrante.

Aprovada em Conselho de Ministros de 22 de Abrilde 1999. — O Primeiro-Ministro, António Manuel de Oli-veira Guterres.

Estratégia nacional de luta contra a droga

Uma parte importante da droga apreendida em Por-tugal — cerca de 27% das apreensões de heroína em1997 — provém da longínqua Tailândia, em plena Ásia,bem do outro lado do Mundo (1).

Outras drogas, sobretudo haxixe, chegam a Portugalvindas do Norte de África, de Marrocos. Outras aindavêm de mais longe, da África Negra, designadamentede Angola. E outras há que têm origem no Brasil, naVenezuela, na Colômbia e noutros países da AméricaLatina e da América Central. Por outro lado, algumada droga que circula entre nós, não pouca, é importadade países europeus, incluindo alguns dos nossos par-ceiros comunitários.

Neste circuito global a partir dos centros de produção,neste trânsito com os mais variados percursos e destinos,a droga faz escalas, usa verdadeiras estações de trans-

ferência e mobiliza intermediários, sobretudo nos paísescom uma larga fronteira marítima, como também é ocaso de Portugal.

A droga atravessa continentes, cruza oceanos, vencefronteiras.

Seria, pois, um erro grosseiro ignorar a dimensão pla-netária do problema da droga.

Quando Portugal assumiu a responsabilidade de pre-sidir à organização da sessão especial da AssembleiaGeral das Nações Unidas, que teve lugar em Nova Ior-que, em Junho de 1998, teve ocasião de dirigir em Vienaas negociações para a elaboração de uma histórica decla-ração política, que seria acompanhada por diversos pla-nos de acção e outros documentos sectoriais. Não foiuma negociação fácil. Cada palavra, incluindo as quesimplesmente designavam a problemática da droga, foiatentamente examinada e objecto de discussão. O con-senso, porém, começou a desenhar-se quando alguémsugeriu que se usasse a expressão «o problema mundialda droga» (the World drug problem). O Mundo concor-dou — teve de concordar — que tinha um problema.O mesmo problema. Um problema em comum.

A presente estratégia nacional de luta contra a drogaassenta, por isso, na convicção profunda de que é neces-sária uma resposta adequada e eficaz da comunidadeinternacional face ao fenómeno da droga e da toxico-dependência. E de que a nossa estratégia nacional sedeve articular com as estratégias e as políticas desen-volvidas no âmbito da Organização das Nações Unidase da União Europeia. Mais: não é hoje sequer pensáveluma estratégia nacional sensata que não inclua comoum dos seus pilares a participação activa de Portugalna definição das estratégias e das políticas supranacio-nais e que não tome como uma das suas prioridadeso reforço da cooperação internacional nos diferentesdomínios em que se concretizam as respostas face aoproblema da droga e da toxicodependência.

Nada disto pressupõe, porém, o imobilismo das estra-tégias e das políticas internacionais. Estranho seria, aliás,que numa altura em que, a conselho fundamentado dosespecialistas, todos começam a despertar para a neces-sidade da avaliação das iniciativas promovidas nestecampo, a própria estratégia da comunidade internacio-nal escapasse a esse imperativo de avaliação, como seum dogma fosse. E pior seria que não dispusesse daagilidade bastante para se adaptar aos ensinamentos daexperiência e dos saberes científicos, bem como à cons-tante evolução do fenómeno da droga, acompanhandode perto as novas tendências que se desenham e queclamam por respostas prontas e adequadas.

Não está em causa, diga-se desde já, o espaço parapolíticas especificamente adaptadas à realidade portu-guesa, visto que o problema da droga, sendo emborauniversal, não se põe da mesma maneira em todas aslatitudes. Nem as estratégias internacionais anulam essapossibilidade de adaptação ou a criatividade na definiçãoe desenvolvimento das políticas. Como não se devemexcluir, bem pelo contrário, as iniciativas de âmbito local,territorialmente delimitadas ou particularmente ajusta-das a populações e situações específicas.

Aliás, e em rigor, carecendo o País de uma estratégianacional, ela não dispensa, antes deve estimular, múl-tiplas acções e iniciativas, enquadradas pela definiçãocoerente de um conjunto de opções. Essa estratégianacional apresenta-se, assim, como decisiva para asse-gurar a coordenação dos diferentes organismos da

2974 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

Administração Pública com competência nesta área eservir de referência para a sociedade portuguesa, mobi-lizando-a para enfrentar este problema.

Importa, por outro lado, enraizar o desenvolvimentoda estratégia nacional de luta contra a droga no conhe-cimento. O conhecimento dos efeitos das diferentes dro-gas, das técnicas e circuitos que vão da produção aotráfico, mas também o conhecimento da expressão con-creta e diversificada do fenómeno das drogas e das toxi-codependências na sociedade portuguesa. Daí que umadas opções estratégicas a fazer diga respeito, justamente,ao reforço da investigação científica, bem como à cons-tituição de um verdadeiro sistema nacional de infor-mação sobre a droga e a toxicodependência.

Só assim, aliás, se evitará uma atitude social e políticameramente reactiva, que se arrisca a degenerar em reac-cionária e a ser absolutamente ineficaz, porque alheiaàs causas profundas do fenómeno e à própria naturezae características dos comportamentos que se exprimempelo uso e abuso das drogas.

A presente estratégia nacional de luta contra a drogapretende, pois, assentar no conhecimento e não no pre-conceito, nos princípios e não nos slogans, no pragma-tismo e não no dogma.

Contudo, embora se enraíze no conhecimento, nãodeixa por isso a presente estratégia nacional de ser umaestratégia política, naquele sentido mais nobre da polí-tica que envolve a feitura de escolhas em ordem aobem comum.

Assim sendo, a presente estratégia não é, nem poderiaser, um mero produto tecnocrático, que resulte da somaaritmética dos diversos saberes científicos, antes seassume como um conjunto estruturado de verdadeirasopções políticas, definidas a partir do conhecimento dis-ponível da realidade que se pretende transformar.

Uma estratégia que rejeita, por igual, quer a seduçãoda passividade estratégica — tão conveniente para quemreceia a responsabilidade por opções políticas claras —,quer o desnorte de um combate cego que mobiliza todoo aparelho coercivo do Estado para uma investida emque se confundem inimigos e aliados, vítimas e crimi-nosos, doença e doentes.

Finalmente, a presente estratégia de luta contra adroga pretende, também, constituir-se como verdadeiraestratégia nacional.

Não porque o Governo através dela se demita dasresponsabilidades inerentes ao mandato para o qual foilegitimado pelo voto dos Portugueses. Longe disso; apresente estratégia estrutura-se a partir da afirmaçãoclara de princípios, da definição segura de objectivose do estabelecimento preciso de opções onde, se bemse ajuíza, não faltará nem ousadia e inovação, nem rea-lismo e bom senso.

A vontade do Governo é adoptar uma estratégia ver-dadeiramente nacional, no duplo sentido que consiste,por um lado, no facto de resultar de um processo ampla-mente participado, em que tiveram ocasião de intervir,também, as diferentes forças políticas, e, por outro, nofacto de esta ser uma estratégia que faz apelo às ini-ciativas das instituições da sociedade civil e procuramobilizar a sociedade portuguesa, no seu conjunto esobretudo os jovens, para enfrentar o grave problemada droga.

O Governo, acolhendo a opinião da Assembleia daRepública, expressa pela Comissão Eventual para o

Acompanhamento e Avaliação da Situação da Toxico-dependência, do Consumo e do Tráfico de Droga, aban-donou no título deste documento a expressão «combateà droga» — susceptível, no entender dos deputados, deter uma conotação predominantemente repres-siva (2) —, substituindo-a, porém, na designação da pre-sente estratégia, por «luta contra a droga».

Todavia, o Governo gostaria que a divulgação destaestratégia soasse na sociedade portuguesa como um ver-dadeiro «toque a reunir» e que ela a todos pudessemobilizar: as instituições, as famílias e, sobretudo, asmais jovens gerações. É que esta não é uma estratégianeutra. Digamo-lo claramente, sem ambiguidades, nemhesitações: esta é uma estratégia de luta.

CAPÍTULO I

O fenómeno da droga em Portugal e no Mundo

O fenómeno da droga em Portugal

1 — O conhecimento sobre o fenómeno da droga em Portugal

O nível de conhecimento sobre o fenómeno da drogaem Portugal é, ainda, insatisfatório, escasseando osdados para uma completa caracterização da realidade.

Na verdade, se a natureza essencialmente clandestinado consumo de drogas ilícitas dificulta, obviamente, operfeito conhecimento da dimensão e característicasdesse fenómeno, também é certo que não estão sufi-cientemente estabelecidos os respectivos instrumentosde medição, nem as metodologias de recolha de dadose de análise do problema.

Essa escassez de dados sobre o fenómeno douso/abuso de drogas e da sua evolução é, sem dúvida,um dos mais graves problemas que a presente estratégianacional de luta contra a droga se dispõe a enfrentar.

A recente criação do Instituto Português da Drogae da Toxicodependência (IPDT) tem, de resto, comoum dos seus principais objectivos a racionalização demeios neste domínio — antes dispersos pelo Observa-tório Vida, do Projecto VIDA, e pelo Gabinete de Pla-neamento e Coordenação do Combate à Droga —,meios esses que agora se concentram no novo Centrode Informação sobre a Droga e a Toxicodependência,do IPDT.

A este novo Instituto foi cometida, entre outras, afinalidade de recolher, tratar e divulgar dados e infor-mações relativos ao consumo e ao tráfico ilícitos dedroga, tendo em vista a constituição de um verdadeirosistema nacional de informação sobre a droga e a toxi-codependência [artigos 2.o, 3.o, alíneas a) e b), e 13.odo Decreto-Lei n.o 31/99, de 5 de Fevereiro].

2 — Síntese dos dados sobre o fenómeno da droga em Portugal

Os dados sobre a expressão actual do fenómeno dadroga em Portugal têm vindo a ser compilados e publi-cados em diversos relatórios e documentos oficiais.Sendo desnecessário reproduzir aqui, mais uma vez, osestudos existentes, valerá a pena recordar os seus prin-cipais resultados e extrair deles as conclusões possíveisquanto à dimensão do fenómeno da droga no nossopaís.

No que se refere a dados directos sobre os índicesde consumo em Portugal, os estudos efectuados apon-tam, de um modo geral, para valores menos graves do

2975N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

que na grande maioria dos países ocidentais. É essaa conclusão do estudo internacional feito em 1995 juntodos jovens de 16 anos que então frequentavam o 10.o,11.o e 12.o anos. «Apenas» 6,5 % desses jovens reco-nheciam ter pelo menos uma vez na vida experimentadocannabis, registando-se um valor muito inferior tantopara a heroína como para o ecstasy (0,5 %). Quantoa consumos verificados nos últimos 30 dias, esses índiceseram, naturalmente, ainda mais baixos: 3,3 % no casoda cannabis e apenas 0,2 % no caso da heroína (3).

Contudo, o número total de consumidores no meioescolar, considerados os mesmos graus de ensino (10.o,11.o e 12.o anos), nesse mesmo ano de 1995, seria bemsuperior, ascendendo a 13,81 % para a prevalência decannabis ao longo da vida, 9,55 % nos últimos 12 mesese 4,77 % nos últimos 30 dias. Quanto à heroína, os núme-ros registados foram de 1,37 % ao longo da vida e 0,46 %nos últimos 30 dias. No 7.o, 8.o e 9.o anos verificaram-se,na mesma altura, valores mais baixos, com 3,15 % deprevalência de cannabis ao longo da vida, 1,94 % nosúltimos 12 meses e 1,39 % nos últimos 30 dias, sendoos valores para a heroína, respectivamente, de 0,8 %,0,33 % e 0,22 % (4).

A insuficiência dos dados disponíveis torna ainda maisdifícil traçar um quadro comparativo da evolução dofenómeno nos últimos anos.

Em todo o caso, um estudo sistemático efectuadopelo GPCCD na região de Lisboa, junto de 7711 alunosdo ensino público, permite concluir que se registou umaestabilização ou ligeira descida nos índices de consumode drogas ilícitas entre 1992 e 1998. De facto, enquantoem 1992 os valores de consumo de drogas (heroína,haxixe, cocaína e ecstasy), em termos de prevalência aolongo da vida, eram de 5,68% e de 16,18%, no 3.o cicloe no secundário diurnos, respectivamente, esses valorescaíram em 1998 para 5,20% e 15,52%. Do mesmo modo,o consumo de idênticas drogas nos últimos 12 mesesera em 1992, nos mesmos graus de ensino, de 3,31%e 16,18%, tendo descido para 3,04% e 11,23% em 1998.E também o consumo nos últimos 30 dias, que em 1992era de 2,27% e 7,1%, respectivamente no 3.o ciclo eno secundário diurnos, desceu, embora muito ligeira-mente, para 2,11% e 7,03% em 1998.

Só no ensino nocturno, para os mesmos 3.o ciclo esecundário, registou-se um aumento, também ligeiro,pois aí a prevalência ao longo da vida era em 1992de 18,02%, sendo em 1998 de 20,06%, e a prevalêncianos últimos 30 dias era de 6,43%, tendo subido para7,01%. Já o consumo nos últimos 12 meses regista umadescida de 10,35% para 9,98% (5).

No que se refere às tendências por tipo de droga,o mesmo estudo, para além dos elevados índices deconsumo de álcool e tabaco, revela que o consumo detranquilizantes no meio escolar da Grande Lisboasupera em 1998 o consumo total das chamadas «drogasilícitas clássicas», fenómeno a que se junta um elevadoconsumo de medicamentos estimulantes.

Por outro lado, o estudo indica uma descida entre1992 e 1998 do consumo de haxixe e de heroína, tantono 3.o ciclo como no secundário diurnos, a par de umaligeira subida do consumo de cocaína (6).

Já no ensino nocturno (3.o ciclo e secundário) teráhavido uma relativa estabilização ou pequena subidado consumo de haxixe e uma descida considerável doconsumo de heroína e cocaína, mais acentuada quantoà primeira.

Quanto ao consumo de ecstasy/MDMA, a sua juven-tude não permite ainda dados comparativos consisten-tes. Contudo, ainda o mesmo estudo no meio escolarda Grande Lisboa indicava em 1998 um consumo aolongo da vida de 1,60%, 2,66% e 3,26%, respectiva-mente para o 3.o ciclo diurno, secundário diurno e3.o ciclo e secundário nocturnos. Estes valores do con-sumo de ecstasy superam os do consumo de cocaínae heroína nos estudantes do ensino diurno, mas per-manecem a enorme distância dos índices de consumode haxixe (7).

Expressiva é a descida verificada na percentagem deamostras positivas nos rastreios toxicológicos efectuadosnos três ramos das Forças Armadas, quer junto dos can-didatos, quer junto dos próprios militares. Em termosglobais, os índices de amostras positivas, que eram de4,8% em 1995, caíram para 3,4% em 1996 e para 2,2%em 1997 (8).

A dimensão do fenómeno da droga é, também, usual-mente aferida à luz de indicadores indirectos, os maisimportantes dos quais podem ser sumariados da seguinteforma:

a) Descida contínua do número de primeiras con-sultas nos centros de atendimento a toxicode-pendentes (CAT) desde 1996 (9889 em 1996,9183 em 1997 e 8935 em 1998), dado ainda maisrelevante porque se verifica, apesar do substan-cial aumento do número bruto de consultasocorrido no mesmo período, em razão doenorme alargamento da rede de atendimento;

b) 95,4% dos toxicodependentes em tratamentonos CAT em 1997 eram consumidores deheroína, 11,6% eram seropositivos ao HIV,23% à hepatite B e 21,1% à hepatite C;

c) Indícios de uma tendência para a diminuiçãodo número total de toxicodependentes com sida,ocupando estes, no entanto, um espaço propor-cionalmente superior no universo de novos casosde sida;

d) Aumento contínuo das mortes por overdose, ten-do-se atingido em 1997 os 235 casos, 224 dosquais envolvendo, isoladamente ou não, opiá-ceos (9);

e) Aumento do número total de presumíveis in-fractores da lei da droga interceptados pelasautoridades policiais, com sinais de inversão, em1997 e 1998, da tendência para predomínio,entre estes, de traficantes. Em 1997 os consu-midores presumíveis infractores eram já 57,5%.Estas intervenções das autoridades em 1997tiveram lugar, sobretudo, em situações queenvolviam heroína (48,5%), haxixe (21,4%) oumais de uma droga (23,9%). As intervençõesem casos que envolviam cocaína não excederamos 5,3% (10);

f) O total de condenados por violação da lei dadroga tem vindo a aumentar, mas a categoriacom maior volume de condenados em 1997 pas-sou a ser a dos consumidores, com 52,2%, con-tra 43,6% de traficantes e apenas 4,2% de tra-ficantes consumidores. No total, 54,6% das con-denações em 1997 são imputáveis à heroína (11);

g) A quantidade total de droga apreendida baixousubstancialmente em 1998 face ao ano anterior,

2976 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

sobretudo no que se refere ao haxixe, cujasapreensões desceram abruptamente de 9621 kgem 1997 para 5543 kg em 1998. Algo de seme-lhante ocorreu com as apreensões de cocaína,que tinham subido entre 1996 e 1997 e desceramfortemente de 3162 kg em 1997 para apenas621 kg em 1998. O contrário, porém, sucedeucom as apreensões de heroína, que se tinhamficado pelos 57,3 kg em 1997 e que aumentaramem 1998 para 96,5 kg. Por seu turno, a apreensãode ecstasy subiu de 525 para 1127 unidades, entre1997 e 1998. Refira-se, ainda, que o númerode operações de apreensão aumentou paratodas as drogas, salvo no que se refere ao ecs-tasy (12). Quanto ao tipo de droga transportadapelos presumíveis infractores interceptadospelas autoridades, as percentagens respeitantesà cannabis e à cocaína têm-se mantido estáveisdesde 1994, enquanto a percentagem relativaà heroína baixou consideravelmente de 78% em1995 para 48% em 1997 (13).

Não raro, os dados disponíveis podem sugerir leiturascontraditórias da realidade, sobretudo se consideradosisoladamente, devendo, por isso, procurar-se uma leituraintegrada dos mesmos.

Nestes termos e sempre sob a reserva que a escassezde informação recomenda, poderão, em síntese,extrair-se três conclusões dos dados disponíveis.

Em primeiro lugar, e apesar da persistente gravidadedo fenómeno da droga em Portugal, parece verificar-se,em termos gerais, uma relativa estabilização dos índicesde consumo de drogas ilícitas clássicas, senão mesmouma descida desses valores, mais acentuada para aheroína, acompanhada de uma tendência para uma alte-ração qualitativa expressa, sobretudo, no preocupantecrescimento do consumo de novas drogas sintéticas,designadamente de ecstasy.

Em segundo lugar, os dados disponíveis revelam quea heroína é, sem margem para dúvida, a droga de maisnefastos efeitos sociais e sanitários, responsável pelaquase totalidade das consultas nos CAT, pelos elevadosíndices de seropositividade ao HIV e às hepatites, pelocrescente número de casos de toxicodependentes comsida, pelo desemprego que afecta um número consi-derável de toxicodependentes, pela maior parte dasintervenções das autoridades junto de presumíveisinfractores, pela maioria das condenações por violaçãoda lei da droga e, ainda, pelo contínuo crescimento doscasos de overdose. Se o consumo de heroína se poderádizer, tendencialmente, em decréscimo, não deixa deser preocupante o aumento da quantidade de heroínaapreendida em 1998 e, também, o aumento do respectivonúmero de apreensões.

Em terceiro lugar, o haxixe continua a ser, de longe,a droga ilícita mais consumida entre nós, não obstantea substancial diminuição da quantidade desta drogaapreendida em 1998 (14).

Fenómeno da droga no Mundo

3 — Síntese dos dados sobre o fenómeno da droga no Mundo

O fenómeno da droga permanece grave à escala mun-dial, tendo o consumo atingido, também, o quotidianodos países em vias de desenvolvimento e pulverizado

a distinção clássica entre países produtores e paísesconsumidores.

Apesar de — como salienta no seu relatório de 1998o Órgão Internacional de Controlo de Estupefacientes(OICE), das Nações Unidas — se poder atribuir, emparte, aos tratados internacionais a contenção da expan-são do fenómeno da droga, quase eliminando o desviode drogas do circuito lícito para o circuito ilícito e man-tendo o consumo, sobretudo de opiáceos, longe dosníveis do final do século passado, regista-se uma ten-dência, em certas zonas do Globo, designadamente naAmérica do Norte, para uma expansão do consumo decannabis e, de um modo geral, para uma prescriçãoexcessiva de substâncias psicotrópicas (anfetaminas, bar-bitúricos, hipnóticos . . .).

Pode dizer-se que em 1998, sobretudo na Europa enos Estados Unidos da América, prosseguiu o aumentodo consumo de drogas sintéticas psicoactivas, como ostranquilizantes benzodiazepinas (bennies) e os estimu-lantes tipo anfetaminas, designadamente o ecstasy eoutras substâncias do tipo designer drugs, que conhe-ceram em 1998 uma expansão planetária sem prece-dentes. Na Europa, dá-se uma prevalência de novas dro-gas destinadas a combater os efeitos do stress e a depres-são, crescendo o número dos consumidores com maisde 65 anos; nos Estados Unidos da América o destaquevai para o uso de drogas — como o estimulante metil-fenidato Ritalin — destinadas a melhorar a performanceescolar ou laboral, ou com o intuito de beneficiar oaspecto físico ou atlético ou, mesmo, o desempenhosexual.

Regista-se, também, algum aumento do consumo deopiáceos, sobretudo na Ásia Ocidental e no Leste Euro-peu, e, em especial, da heroína fumada, particularmentenos Estados Unidos da América.

Por outro lado, constata-se um importante cresci-mento da utilização médica de morfina e alguma escas-sez de drogas disponíveis para fins médicos.

Paralelamente, surgem novos desafios para o controlodo circuito das drogas, como a divulgação da concepçãoe a comercialização de drogas ilícitas por computador,via Internet (15).

Podem descortinar-se, ainda, outras tendências, paraalém da prevalência do consumo de estimulantes sin-téticos (predominantemente recreativo no Ocidente,mas não no resto do Mundo) e da estagnação ou descidado consumo de heroína na Europa, nomeadamente: aexpansão e a diversificação de culturas ilícitas; a des-centralização das organizações criminosas e o aumentodo número de pequenas redes de tráfico, com a con-sequente fragmentação dos mercados; o uso múltiplode drogas (com progressiva preferência, também naEuropa, por formas de consumo não injectável), e, final-mente, a associação do tráfico de droga a outros pro-dutos, ao crime organizado em geral e às próprias estru-turas de certos Estados (16).

No que se refere à União Europeia, verifica-se umaestabilização do consumo de cannabis, embora esta per-maneça a droga mais consumida, oscilando os índicesde consumo entre os 5% e os 20%-30% da populaçãoe chegando a atingir em certos países quase 40% dosjovens adultos. O uso recente (últimos 12 meses) rondaos 1% a 9% da população adulta e quase 20% dosjovens adultos.

2977N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

Em segundo lugar, surgem já as anfetaminas (suce-dâneos sintéticos de efedrina), cujo consumo tem vindoa aumentar e a situar-se nos 1%-9% entre os adultose 16% entre os jovens adultos. Tem ocorrido uma esta-bilização ou crescimento do consumo de ecstasy/MDMA,experimentado por 0,5% a 3% da população adulta.Pouco expressivo é o consumo de cocaína — emboratenha subido ligeiramente nos últimos tempos — e, deum modo geral, o de crack. Apesar das tendências diver-gentes em certos países, regista-se uma estagnação oudiminuição do consumo de heroína, não excedendo osopiómanos 0,2%-0,3% da população da União Euro-peia. Aliás, em 1998 baixaram, precisamente, as apreen-sões de heroína e marijuana, tendo aumentado as dehaxixe, anfetaminas e cocaína.

Por outro lado, o número de overdoses estabilizouou diminuiu na Europa. Também as taxas de sida bai-xaram, enquanto as taxas do HIV permanecem estáveisou a diminuir e a prevalência da hepatite C continuaelevada.

Se pode falar-se numa estabilização dos índices glo-bais de consumo na Europa Ocidental, já na EuropaCentral e de Leste se verifica uma tendência para oaumento generalizado dos consumos (17).

4 — A globalização e a droga

É hoje evidente a dimensão mundial do problemada droga.

Os circuitos que vão da produção à distribuição nãoconhecem fronteiras e beneficiam da progressiva eli-minação de controlos fronteiriços ou barreiras alfan-degárias, quer no que se refere à promoção do comérciointernacional, quer no quadro do processo de integraçãoeconómica em certas regiões, como na Europa.

As ligações entre o tráfico de droga e outras dimen-sões do crime organizado, bem como as suas conexõescom o comércio de armas e o terrorismo, ameaçam já,em diversos pontos do Globo, a integridade e a efectivasoberania dos Estados.

A actuação dos traficantes à escala planetária, bene-ficiando da melhoria dos sistemas de transportes e comu-nicações e percorrendo os caminhos abertos — ou alar-gados — pelo processo de globalização, permite, poroutro lado, uma importante sofisticação de processos,incluindo a utilização da Internet como veículo paraa produção e comercialização de drogas ilícitas, bemcomo a exploração dos mais imaginativos e complexosexpedientes para promover o branqueamento de capi-tais, nomeadamente a partir dos chamados «paraísosfiscais».

A própria dimensão do negócio ilícito da droga ea sua penetração obscura na economia legal ameaçama estabilidade das economias e dos mercados finan-ceiros.

De algum modo, a globalização não facilita apenasa circulação da droga e do dinheiro sujo do tráfico,antes constitui o quadro para uma mais intensa apro-ximação cultural que, se pode envolver a comunicaçãode valores, envolve, também, a divulgação de antivalores,modas e padrões de conduta nalguns casos favoráveisao consumo de drogas.

Por outro lado, não pode ignorar-se a complexa inter-dependência entre os mercados da droga. E isto nãoapenas porque se torna imperioso considerar os reflexos

que uma qualquer intervenção pontual poderá ter nessesistema interdependente. Mais do que isso, a interde-pendência dos mercados da droga revela, também, quesó uma acção à escala internacional pode produzir resul-tados consistentes. Assim sendo, uma estratégia nacionalde luta contra a droga, não obstante as característicasespecíficas que pode e deve ter, deverá enquadrar-senuma estratégia internacional e contribuir, por todosos meios ao seu alcance, para que essa estratégia sejaadequada e eficaz.

A estratégia internacional e as políticas europeias

5 — A estratégia da comunidade internacional

A primeira convenção multilateral sobre o problemada droga remonta a 1912. Trata-se da Convenção Inter-nacional sobre o Ópio, ou Convenção da Haia, elaboradana sequência da primeira conferência internacionalsobre drogas, ocorrida em Xangai, em 1909.

O problema do consumo de ópio tinha assumido, con-virá recordá-lo, proporções gigantescas, sobretudo naChina (mais de 10 milhões de opiómanos em 1906, numapopulação de cerca de 450 milhões de habitan-tes) — apesar da proibição do consumo vigente desde1800 —, em consequência da produção massiva de ópionaquele país e do combate às restrições ao comérciodessa droga travado nas famosas Guerras do Ópio, quecolocaram frente a frente a China e o Reino Unidoe outras potências coloniais interessadas nesse negó-cio (18). Quando em 1907 as autoridades chinesas pro-curaram assegurar a eliminação progressiva da produçãode ópio e estabeleceram um acordo com o GovernoBritânico (que em 1868 consagrara, finalmente, restri-ções ao comércio de ópio) tendo em vista uma reduçãodas importações, já as importações de outras proveniên-cias e o alastramento do fenómeno a outros países asiá-ticos e a algumas potências coloniais europeias reve-lavam a manifesta insuficiência das soluções de tipobilateral (19).

A Convenção de 1912 surge, assim, para responder,sobretudo, ao problema do ópio, considerado, então,praticamente, como o único com verdadeira dimensãointernacional, embora se fizesse menção a outras drogas.

Já sob a égide da Sociedade das Nações, as confe-rências de Genève, em 1925, conduzem a duas novasconvenções e à introdução de um sistema de controloaperfeiçoado, com o estabelecimento de um mecanismode informações obrigatório e a constituição do Perma-nent Central Board, antecessor das actuais estruturasde controlo internacional.

Hoje, a atenção do sistema da Organização dasNações Unidas face ao problema da droga passa, sobre-tudo, pelo Conselho Económico e Social e por umadas suas comissões especializadas, a Comissão de Estu-pefacientes. O seu dispositivo operativo é o Programadas Nações Unidas para o Controlo Internacional daDroga (PNUCID).

Uma das áreas mais relevantes da acção recente doPNUCID, para além da promoção da cooperação inter-nacional aos mais diversos níveis, prende-se com a pro-moção do desenvolvimento alternativo, tendo em vistaa erradicação de determinadas culturas ilícitas, no qua-dro de um plano global para a eliminação da produçãoilícita de coca e de papoila do ópio.

Cumpre mencionar, ainda, o acompanhamento destaproblemática por diversas agências especializadas da

2978 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

ONU, como é o caso da Organização Mundial de Saúde.Aliás, a questão da droga encontra eco, também, emnumerosas convenções multilaterais elaboradas sob aégide da ONU — como a Convenção dos Direitos daCriança — e em vários programas sectoriais das NaçõesUnidas, como é o caso do recente Programa de AcçãoMundial para a Juventude.

Os principais instrumentos jurídicos da estratégia dacomunidade internacional são as três convenções inter-nacionais específicas sobre o problema da droga: a Con-venção Única sobre Estupefacientes, de 1961, modifi-cada pelo Protocolo de 1972; a Convenção sobre Sub-stâncias Psicotrópicas, de 1971, e a Convenção contrao Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de SubstânciasPsicotrópicas, de 1988.

A primeira daquelas convenções visa, essencialmente,limitar a fins médicos ou científicos a produção, fabrico,exportação, importação, distribuição, comércio e uso dosestupefacientes constantes de uma lista anexa à Con-venção.

A segunda pretende atingir idêntica finalidade no quese refere às substâncias psicotrópicas, também identi-ficadas por listagem, embora consagrando um sistemade controlo mais ligeiro, adequado ao uso clínico, sobprescrição médica, de muitas dessas substâncias.

Em causa nessas convenções está, portanto, asseguraro controlo de um mercado lícito de drogas.

Por seu turno, a Convenção de 1988 pretende con-trolar o acesso aos chamados «precursores», produtosquímicos essenciais e solventes (susceptíveis de desviodo seu uso industrial e comercial corrente para o fabricoilícito de drogas), colmatar as lacunas das convençõesanteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráficoilícito e ao branqueamento de capitais.

É ao abrigo destas convenções internacionais que fun-ciona o OICE, a quem cabe acompanhar a implemen-tação das convenções e zelar pela prossecução dos seusobjectivos.

Segundo os dados fornecidos pelo OICE no seu rela-tório anual referente a 1998, a Convenção de 1961 foijá ratificada por 166 Estados (152 na sua forma modi-ficada pelo Protocolo de 1972), a de 1971 teve 158 rati-ficações e a de 1988, que logrou entrar em vigor apenasdois anos após a sua adopção, recolheu já 148 rati-ficações.

Da maior importância são, também, o Esquema Mul-tidisciplinar Completo para as Actividades Futuras deLuta contra o Abuso de Drogas, de 1987, e o ProgramaGlobal de Acção. Relevantes são, igualmente, diversasresoluções entretanto adoptadas pelo Conselho Econó-mico e Social, nomeadamente as que fixam adicionaisexigências de controlo e informação.

Recentemente, a 20.a Sessão Especial da AssembleiaGeral das Nações Unidas sobre a Droga, realizada emJunho de 1998, em Nova Iorque — e a cujo comité pre-paratório Portugal presidiu — adoptou uma importantedeclaração política (20) onde se afirma o princípio daresponsabilidade comum e partilhada dos Estados, supe-rando a velha distinção entre países produtores e con-sumidores, e se confere uma relevância sem precedentesà vertente da redução da procura, sem prejuízo do com-bate à oferta que antes tendia a monopolizar todas asatenções. Por outro lado, é notória no documento umaespecial preocupação com as novas tendências no con-sumo de drogas, especialmente no que se refere ao con-

sumo de anfetaminas tipo estimulantes. Esta declaraçãopolítica consubstancia um compromisso formal dos Esta-dos no sentido da luta contra a droga, especialmentena prossecução dos objectivos e no alcançar das metasemergentes dos diferentes documentos sectoriais adop-tados na mesma Sessão Especial.

São seis os documentos sectoriais adoptados.Em primeiro lugar, a Declaração de Princípios Orien-

tadores sobre a Redução da Procura, que fornece orien-tações para a elaboração, desenvolvimento e avaliaçãode estratégias e programas nacionais que visem reduzira procura de estupefacientes e substâncias psicotrópicas,estabelecendo-se como meta o ano de 2003 para a cria-ção de novas estratégias neste sector ou para o relan-çamento das já existentes, por forma a obter resultadossignificativos até ao ano de 2008.

Em segundo lugar, temos o Plano de Acção contraa Produção Ilícita, Tráfico e Consumo de EstimulantesTipo Anfetaminas e Seus Precursores, que visa chamara atenção para o problema do consumo de drogas sin-téticas, cujo controlo se mostra particularmente difícilpelo surgimento de novas variedades — as designerdrugs — alegadamente distintas das já sujeitas a enqua-dramento legal. Por outro lado, este Plano de Acçãoaponta para a promoção da redução da procura destasdrogas e da informação sobre as mesmas, bem comopara a limitação do fornecimento e o reforço do sistemade controlo dos estimulantes tipo anfetaminas e seusprecursores. A declaração política fixa em 2003 a metapara a criação e reforço das legislações nacionais e dosprogramas destinados a dar eficácia ao Plano de Acção.

Em terceiro lugar, foi adoptado um documento sobre«Controlo de precursores», que, na linha das directrizesemitidas sobre a matéria pelo OICE, procura evitar odesvio de certos produtos químicos para a produçãoilícita de drogas, sem afectar o abastecimento das indús-trias com fins lícitos. Para o efeito, recomenda-se o aper-feiçoamento do controlo do comércio de precursoresquímicos e da legislação nacional relevante, bem comoa troca de informação, a recolha de dados e a inten-sificação da cooperação internacional. A acção preco-nizada inclui a preparação de uma lista de substânciaspara especial vigilância de operações suspeitas, sobre-tudo pelos Estados produtores, em conformidade, aliás,com a Resolução do Conselho Económico e Socialn.o 1996/29, secção I, de 24 de Julho de 1996. A decla-ração política fixa em 2008 a meta para a eliminaçãoou redução significativa da produção ilícita, comercia-lização e tráfico de substâncias psicotrópicas, incluindoas drogas sintéticas e o desvio de precursores.

Em quarto lugar, a 20.a Sessão Especial da AssembleiaGeral das Nações Unidas adoptou o documento «Medi-das para promover a cooperação judiciária», que res-peita à extradição, auxílio judiciário mútuo, transmissãode processos penais, outras formas de cooperação e for-mação, entregas controladas e tráfico ilícito por mar.Este documento visa reforçar a cooperação multilateral,regional, sub-regional e bilateral entre as autoridadesjudiciais, policiais e administrativas que lidam com orga-nizações criminosas envolvidas em casos de droga e acti-vidades afins, recomendando, também, aos Estados queincentivem a colaboração entre os diversos serviços com-petentes, incluindo os do sistema de saúde e de segu-rança social, e que assegurem a necessária formaçãodos seus recursos humanos. A declaração política prevê

2979N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

a revisão ou reforço até 2003 da implementação dasmedidas de cooperação judiciária.

Em quinto lugar, foi aprovado um documento res-peitante ao «Branqueamento de capitais», também aquise sublinhando a importância da cooperação interna-cional, regional e sub-regional, sobretudo em matériade troca de informação. Este documento consagra, entreoutros, o princípio «conheça o seu cliente» e a regrada notificação obrigatória de operações suspeitas comoformas de conferir maior eficácia aos sistemas de con-trolo, recomendando a declaração política que os Esta-dos que ainda o não tenham feito adoptem até 2003legislação nacional adequada e programas contra o bran-queamento de capitais.

Finalmente, e em sexto lugar, foi aprovado o Planode Acção sobre Cooperação Internacional em Matériade Erradicação e Desenvolvimento Alternativo, tendoem vista a erradicação de culturas ilícitas da papoilado ópio, do arbusto de coca e da planta de cannabis.Para o efeito, prevê-se o reforço da cooperação inter-nacional no sentido da promoção do desenvolvimentoalternativo das populações rurais atingidas pela elimi-nação dessas culturas e o reforço da vigilância, avaliaçãoe intercâmbio de informação, bem como a adopção demedidas repressivas no controlo das culturas ilícitas. Adeclaração política fixa o ano de 2008 como meta paraa eliminação ou redução substancial do cultivo ilícitodo arbusto de coca, da planta de cannabis e da papoilado ópio.

São, pois, de extraordinária importância as decisõespolíticas adoptadas em 1998, na 20.a Sessão Especialda Assembleia Geral das Nações Unidas.

6 — As políticas europeias e o Conselho da Europa

Deve, nesta sede, deixar-se aqui uma referência àrelevância da actividade do Conselho da Europa nodesenvolvimento das políticas europeias relativas àdroga e à toxicodependência.

Em especial, é notória a importância da ConvençãoEuropeia sobre o Branqueamento, Despistagem,Apreensão e Confisco dos Produtos do Crime, celebradaem 1990 sob a égide, justamente, do Conselho daEuropa. Na verdade, boa parte da política prosseguidaao nível da União Europeia em matéria de branquea-mento de capitais, incluindo a que se traduziu nos ins-trumentos jurídicos relevantes acima mencionados, é tri-butária desta Convenção do Conselho da Europa.

Por outro lado, o Grupo de Cooperação em Matériade Luta contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Estu-pefacientes e Substâncias Psicotrópicas (Grupo Pom-pidou), actualmente presidido pelo Ministro da Justiçade Portugal, constitui um espaço muito importante decooperação à escala regional, em que muito se empe-nham a União Europeia e os respectivos Estadosmembros.

7 — As políticas da União Europeia

A questão da droga tem merecido uma atenção cres-cente por parte da União Europeia. As sucessivas alte-rações dos próprios tratados constitutivos têm reforçadoas competências comunitárias sobre a matéria, reconhe-cendo hoje que o combate à toxicodependência é umaquestão de interesse comum e que a Comunidade com-plementará a acção dos Estados membros no sentido

da redução dos danos para a saúde causados pela droga,nomeadamente através da informação e da prevenção(n.o 4 do artigo K.1 do Tratado da União Europeiae n.o 1 do artigo 152.o do Tratado CE).

Note-se, aliás, que também o Acordo de Schengen,se no seu Acto Final consagra o direito de os Estadosaderentes prosseguirem a sua própria política nacionalrelativamente à prevenção e ao combate à toxicode-pendência, impõe, expressamente, que os Estados asse-gurem que as suas políticas nacionais não têm quaisquerrepercussões nos países que seguem uma política maisrestritiva.

As traves mestras das políticas prosseguidas ao níveleuropeu são, no essencial, as traves mestras da estratégiainternacional que tem vindo a ser prosseguida e de queacima se deu sumariamente conta.

São já muitas as intervenções comunitárias em maté-ria de luta contra a droga e a toxicodependência,devendo mencionar-se aqui as seguintes:

a) O Plano de Acção Europeu de Luta contra asDrogas, 1990-1995, em conformidade com adecisão do Conselho Europeu de Dublim, em25-26 de Junho de 1990;

b) O Regulamento (CEE) n.o 3677/90, do Con-selho, de 13 de Dezembro, que estabelece asmedidas a adoptar para evitar o desvio de deter-minadas substâncias para o fabrico ilegal deestupefacientes e de substâncias psicotrópicas;

c) A Directiva, do Conselho, n.o 91/308/CEE, de10 de Junho, relativa à prevenção da utilizaçãodo sistema financeiro para efeitos de branquea-mento de capitais, destinada a combater,nomeadamente, o tráfico de estupefacientes;

d) A Directiva n.o 92/109/CEE, do Conselho, de14 de Dezembro, relativa à produção e colo-cação no mercado de certas substâncias utili-zadas na produção ilegal de estupefacientes ede substâncias psicotrópicas;

e) A resolução do Conselho dos Ministros daSaúde de 16 de Maio de 1989, relativa a umarede europeia de dados sanitários em matériade toxicodependência;

f) O Regulamento (CEE) n.o 302/93, do Conselho,de 8 de Fevereiro, que institui um ObservatórioEuropeu da Droga e da Toxicodependência,sediado em Lisboa e dotado de uma Rede Euro-peia de Informação sobre a Droga e a Toxi-codependência (REITOX);

g) A resolução do Parlamento Europeu de 15 deJunho de 1995 sobre um plano de acção daUnião Europeia em matéria de luta contra adroga, 1995-1999 (JO, n.o C 166, de 31 de Julhode 1995);

h) A resolução do Parlamento Europeu sobrebranqueamento de capitais de Junho de 1996(A4-0187/96 e JO, n.o C 198, de 8 de Julho de1996);

i) A Acção Comum n.o 96/750/JAI, de 17 deDezembro, adoptada pelo Conselho, relativa àaproximação das legislações e das práticas dosEstados membros da União Europeia, tendo emvista a luta contra a toxicodependência e a pre-venção e combate ao tráfico ilícito de droga(sem prejuízo da política de cada Estado em

2980 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

matéria de prevenção ou de combate à toxi-codependência e ao tráfico de droga);

j) O Programa de Acção sobre a Prevenção daToxicodependência, 1996-2000, que integrarecomendações diversas relativas à informaçãoe à educação e permite financiar projectos deredução de danos (Decisão n.o 102/96);

k) ) A Acção Comum n.o 97/396/JAI, de 16 deJunho adoptada pelo Conselho, relativa aointercâmbio de informações, avaliações de riscoe controlo das novas drogas sintéticas, nasequência do Conselho Europeu de Dublim, de13-14 de Dezembro de 1996;

l) A acção comum, de 5 de Dezembro de 1997,que cria um mecanismo de avaliação da apli-cação e concretização a nível nacional dos com-promissos internacionais em matéria de lutacontra o crime organizado e a acção comum,de 19 de Março de 1998, que estabelece umprograma de intercâmbio, formação e coope-ração destinado aos responsáveis pela acçãocontra a criminalidade organizada (ProgramaFalcone);

m) A acção comum que cria uma rede judiciáriaeuropeia, adoptada pelo Conselho em 29 deJunho de 1998;

n) O Plano de Acção contra a Criminalidade Orga-nizada, aprovado pelo Conselho Europeu deAmesterdão em Junho de 1997 (JO, n.o C 251,de 15 de Agosto de 1997);

o) A Acção Comum n.o 98/699/JAI, de 3 deDezembro de 1998, adoptada pelo Conselho,relativa ao branqueamento de capitais, identi-ficação, detecção, congelamento, apreensão eperda de instrumentos e produtos do crime;

p) A recomendação do Parlamento Europeu aoConselho referente à cooperação europeia noâmbito da sessão extraordinária da AssembleiaGeral das Nações Unidas sobre a droga de 16de Outubro de 1998 (A4-0211/98), a qual, entreoutras recomendações, sugere prioridade aosaspectos sociais do problema da droga, às polí-ticas de redução da procura e à diminuição dosriscos sanitários, solicita ao Conselho, com aassistência do OEDT, que promova a avaliaçãodas convenções da ONU em matéria de estu-pefacientes, tendo em vista a sua actualizaçãoface às novas drogas sintéticas, e pede, também,ao Conselho que reafirme e reforce o seu vín-culo às Convenções das Nações Unidas de 1961,1971 e de 1988.

É por estes instrumentos que, no essencial, passam,portanto, as orientações políticas prosseguidas ao nívelda União Europeia.

Um aspecto recorrente é a afirmação da importânciada cooperação internacional e das convenções dasNações Unidas, sendo que muitas das acções implemen-tadas se inscrevem, justamente, no quadro da suaimplementação.

Especial destaque merecem as acções comuns de 1996(sobre a aproximação das legislações nacionais), de 1997(sobre o controlo de drogas sintéticas) e de 1998 (sobreo branqueamento de capitais), bem como o Programade Acção para 1996-2000 (sobre a prevenção).

CAPÍTULO II

Estratégia nacional: princípios, objectivos geraise opções estratégicas

Princípios

8 — Princípios

A estratégia nacional de luta contra a droga assentaem oito princípios estruturantes.

1 — Princípio da cooperação internacional — o prin-cípio da cooperação internacional, definido à luz dadimensão mundial do problema da droga, significa avalorização da intervenção de Portugal, no plano inter-nacional e europeu, na definição e concretização deestratégias e iniciativas comuns face ao problema dadroga, bem como a articulação das políticas nacionaiscom os compromissos internacionalmente assumidos.Assim, o princípio da cooperação internacional envolvecinco implicações concretas para a estratégia nacionalde luta contra a droga, a saber:

a) Valorização da participação activa de Portugalna avaliação e definição da estratégia da comu-nidade internacional face à questão da droga,bem como no desenvolvimento de iniciativasinternacionais de cooperação neste domínio, emconformidade, nomeadamente, com o princípioda responsabilidade partilhada;

b) Harmonização das políticas nacionais com aestratégia internacional adoptada no quadro daOrganização das Nações Unidas e com os com-promissos internacionais a que, voluntaria-mente, o Estado Português se encontre juridi-camente vinculado;

c) Valorização da participação activa de Portugalna avaliação e definição da política comum daUnião Europeia face ao problema da droga,bem como no desenvolvimento das iniciativascomunitárias de cooperação;

d) Harmonização das políticas nacionais com osinstrumentos políticos e jurídicos em vigor noquadro da União Europeia, bem como com oscompromissos assumidos ao abrigo do Acordode Schengen;

e) Valorização e promoção de iniciativas de coo-peração bilateral e multilateral face ao problemada droga e da toxicodependência, em especialcom a Espanha e os países de língua oficial por-tuguesa, bem como no quadro da cooperaçãoibero-americana.

2 — Princípio da prevenção — o princípio da preven-ção traduz-se na primazia das intervenções preventivasdestinadas a combater a procura de drogas, por via dasadequadas acções formativas e informativas da comu-nidade ou de determinados grupos alvo, tendo por impli-cações concretas:

a) A promoção de iniciativas de prevenção primá-ria, dentro e fora da escola, especialmente nosespaços e instituições frequentados por adoles-centes e jovens, incluindo o meio laboral e asForças Armadas;

b) O recurso aos meios de comunicação social paraa divulgação de informação e a mobilização da

2981N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

comunidade para o problema da droga, inclusivemediante a sensibilização dos respectivos pro-fissionais;

c) A selecção de grupos-alvo e a identificação dassuas diferentes características, bem como dosseus potenciais factores de risco ou de pro-tecção;

d) O conhecimento e a divulgação da perigosidadeinerente ao uso ou abuso dos diferentes tiposde drogas e às diversas metodologias do res-pectivo consumo.

3 — Princípio humanista — o princípio humanistasignifica o reconhecimento da plena dignidade humanadas pessoas envolvidas no fenómeno das drogas e temcomo corolários a compreensão da complexidade e rele-vância da história individual, familiar e social dessaspessoas, bem como a consideração da toxicodependên-cia como uma doença e a consequente responsabilizaçãodo Estado na realização do direito constitucional à saúdepor parte dos cidadãos toxicodependentes e no combateà sua exclusão social, sem prejuízo da responsabilidadeindividual. Deste princípio decorrem várias implicaçõesconcretas para a estratégia nacional de luta contra adroga:

a) Garantia de condições de acesso a tratamentopara todos os toxicodependentes que se desejemtratar, através de uma rede pública nacional deatendimento e prestação de cuidados de saúde,bem como por via da comparticipação finan-ceira, para o tratamento e reinserção social;

b) Garantia de padrões mínimos de qualidade dasinstituições prestadoras de serviços na área dotratamento e reinserção social de toxicodepen-dentes, através de um sistema exigente de licen-ciamento e fiscalização;

c) Promoção de incentivos à efectiva reinserçãosocial e profissional dos toxicodependentes, coma adopção de medidas excepcionais de descri-minação positiva;

d) Adopção de políticas de redução de danos quepossam preservar nos toxicodependentes a cons-ciência da sua própria dignidade e constituir ummeio de acesso a programas de tratamento oude minimização da respectiva exclusão social;

e) Definição criteriosa do enquadramento legaldos diferentes comportamentos relacionadoscom o fenómeno das drogas, em obediência aosprincípios humanistas que enformam o nossosistema jurídico, enquanto sistema de umEstado de direito democrático, designadamenteos princípios da subsidiariedade ou da ultimaratio do direito penal e da proporcionalidade,com os seus corolários, que são os subprincípiosda necessidade, da adequação e da proibiçãodo excesso;

f) Garantia de acesso ao tratamento para os reclu-sos toxicodependentes e promoção da medidade tratamento em alternativa à execução depena.

4 — Princípio do pragmatismo — o princípio do prag-matismo, enquanto princípio inspirador da estratégianacional de luta contra a droga, complementa o princípio

humanista e determina uma atitude de abertura à ino-vação, mediante a consideração, sem dogmas ou pré--compreensões, dos resultados cientificamente compro-vados das experiências ensaiadas nos diversos domíniosdo combate à droga e à toxicodependência e a con-sequente adopção de soluções adequadas à conjunturanacional e que possam proporcionar resultados práticospositivos. Este princípio implica concretamente:

a) Promoção de políticas de redução de danos que,ao mesmo tempo que minimizam os efeitos doconsumo nos toxicodependentes e salvaguardama sua inserção sócio-profissional, possam defen-der a sociedade, favorecendo a diminuição dorisco de propagação de doenças infecto-conta-giosas e a redução da criminalidade associadaa certas formas de toxicodependência;

b) Acompanhamento interessado e crítico das expe-riências inovadoras em curso noutros países nosdiversos domínios do combate à droga e à toxi-codependência, designadamente em matéria deredução de danos e administração terapêuticade substâncias, bem como da avaliação dos res-pectivos resultados;

c) Adopção das soluções que se revelem adequa-das à conjuntura nacional, considerada a natu-reza dos problemas com que se defronta a socie-dade portuguesa, os meios disponíveis e as prio-ridades decorrentes da estratégia nacional deluta contra a droga, bem como o disposto nasconvenções internacionais.

5 — Princípio da segurança — o princípio da segu-rança envolve a garantia da protecção de pessoas e bens,nos domínios da saúde pública e da defesa de menores,bem como em matéria de prevenção e repressão docrime, tendo em vista a manutenção da paz e da ordempública. Do princípio da segurança emergem algunscorolários essenciais:

a) Combate ao tráfico ilícito, incluindo a aplicaçãode sanções penais adequadas aos traficantes eaos traficantes-consumidores;

b) Consagração legal de mecanismos que permi-tam, em todos os casos, a apreensão de drogasilícitas pelas autoridades policiais e a prosse-cução das actividades investigatórias necessáriasao combate ao tráfico;

c) Manutenção do desvalor legal do consumo eda posse de drogas;

d) Previsão de sanções diferenciadas por actos queenvolvam drogas mais perigosas para a saúdeou cuja aquisição tenda a estar associada a com-portamentos ofensivos para bens jurídicosessenciais da comunidade;

e) Promoção, na mesma linha das implicações doprincípio do pragmatismo, de políticas de redu-ção de danos, que possam favorecer a diminui-ção do risco de propagação de doenças infec-to-contagiosas, a redução da criminalidade asso-ciada à toxicodependência ou a integração sociale profissional dos toxicodependentes;

f) Promoção de medidas especiais de segurançanas escolas e outros locais frequentados por ado-lescentes e jovens.

2982 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

6 — Princípio da coordenação e da racionalização demeios — o princípio da coordenação e da racionalizaçãode meios é um princípio organizatório da AdministraçãoPública, envolvendo a exigência de mecanismos queassegurem uma coordenação ou articulação eficaz entreos diversos departamentos, serviços e organismos com-petentes em matéria de droga e toxicodependência, bemcomo a optimização dos recursos, evitando a sobrepo-sição e o desperdício. Deste princípio decorrem asseguintes consequências:

a) Existência de um sistema de coordenação inter-departamental em matéria de droga e toxi-codependência;

b) Eliminação das sobreposições de atribuições ecompetências existentes entre os diferentesorganismos do Estado;

c) Optimização da gestão dos recursos humanose materiais existentes, incluindo a promoção deiniciativas de formação profissional e de ava-liação nesta área;

d) Coordenação dos financiamentos a conceder aprojectos e iniciativas a cargo de entidades pri-vadas e avaliação dos respectivos resultados.

7 — Princípio da subsidiariedade — o princípio dasubsidiariedade implica uma distribuição de atribuiçõese competências que permita que as decisões e as acçõessejam confiadas ao nível da Administração mais próximodas populações, salvo quando os objectivos visados sejammelhor realizados a nível superior. Deste princípiodecorrem três subprincípios:

a) O subprincípio da descentralização, que exigeo envolvimento das autarquias locais em matériade toxicodependência, sobretudo na área da pre-venção primária;

b) O subprincípio da desconcentração, que postulaum modelo de estruturação dos organismos daadministração central na área da droga e datoxicodependência que não se esgote em ser-viços centrais, antes inclua serviços mais pró-ximos das populações, designadamente ao nívelregional;

c) O subprincípio da centralização, que determinaa atribuição de responsabilidades à administra-ção central em matéria de luta contra a drogae a toxicodependência quando isso permita amelhor realização dos objectivos visados.

8 — Princípio da participação — o princípio da par-ticipação traduz-se na intervenção da comunidade nadefinição das políticas relativas à droga e à toxicode-pendência, bem como na sua mobilização para os dife-rentes domínios da luta contra a droga. Do princípioda participação decorrem as seguintes implicaçõesconcretas:

a) Valorização do Conselho Nacional da Toxico-dependência e dos demais mecanismos de par-ticipação orgânica e procedimental dos cida-dãos, das suas associações representativas e dasinstituições interessadas na definição das polí-ticas relativas à droga e à toxicodependência;

b) Apoio às iniciativas das instituições da sociedadecivil nos domínios da prevenção primária, secun-dária e terciária;

c) Incentivo ao funcionamento de uma rede deinstituições privadas prestadoras de serviços nasáreas do tratamento e reinserção social de toxi-codependentes, por via da comparticipaçãofinanceira a conceder às famílias, sobretudo asmais carenciadas;

d) Sensibilização e mobilização das famílias, dosprofessores, das escolas, das instituições dasociedade civil, dos profissionais da comunica-ção social e, sobretudo, dos próprios jovens paraa problemática da droga e da toxicodependênciae para o papel de cada um face à questão dadroga.

Objectivos gerais

9 — Objectivos gerais

São seis os objectivos gerais da estratégia nacionalde luta contra a droga:

1.o Contribuir para uma adequada e eficaz estra-tégia internacional e europeia face ao problemamundial da droga, nas vertentes da redução daprocura e da oferta, incluindo o combate aotráfico ilícito e ao branqueamento de capitais;

2.o Assegurar uma melhor informação da sociedadeportuguesa sobre o fenómeno da droga e datoxicodependência e sobre a sua evolução, bemcomo sobre a perigosidade das diferentes dro-gas, numa perspectiva de prevenção;

3.o Reduzir o consumo de drogas, sobretudo entreos mais jovens;

4.o Garantir os meios necessários para o tratamentoe a reinserção social dos toxicodependentes;

5.o Defender a saúde pública e a segurança de pes-soas e bens;

6.o Reprimir o tráfico ilícito de drogas e o bran-queamento de capitais.

Opções estratégicas

10 — Opções estratégicas

A estratégia nacional de luta contra a droga, à luzdos seus princípios estruturantes e em conformidadecom os objectivos definidos, desenvolve-se a partir de13 opções estratégicas fundamentais.

1 — Reforçar a cooperação internacional e promovera participação activa de Portugal na definição e avaliaçãodas estratégias e políticas da comunidade internacionale da União Europeia.

2 — Descriminalizar o consumo de drogas, proibin-do-o como ilícito de mera ordenação social.

3 — Reorientar a aposta na prevenção primária,mobilizando os jovens, os pais, as escolas, as instituiçõesda sociedade civil e os profissionais da comunicaçãosocial e revendo o conteúdo das mensagens e das acçõescom base na identificação de factores de risco, de fac-tores protectores e das características específicas dosgrupos destinatários, garantindo a continuidade dasintervenções preventivas, inserindo uma informaçãorigorosa sobre a perigosidade dos diferentes tipos dedrogas lícitas e ilícitas, incluindo as novas drogas sin-téticas, e conferindo prioridade às acções dirigidas aofim da infância e início da adolescência, bem como apopulações com comportamentos de risco.

2983N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

4 — Alargar e melhorar a qualidade e a capacidadede resposta da rede de prestação de cuidados de saúdeaos toxicodependentes, tendo em vista assegurar acessoao tratamento a todos os toxicodependentes que se dese-jem tratar.

5 — Estender as políticas de redução de danos,nomeadamente através dos programas de trocas deseringas e de administração, em baixo limiar, de medi-camentos de substituição, como a metadona, bem comoatravés da instalação de centros especiais de informaçãoe motivação junto de toxicodependentes com compor-tamentos de risco de particular gravidade.

6 — Promover e incentivar a implementação de ini-ciativas de apoio à reinserção social e profissional dostoxicodependentes, incluindo medidas excepcionais dedescriminação positiva.

7 — Garantir condições de acesso ao tratamentopelos reclusos toxicodependentes e alargar as políticasde redução de danos nos estabelecimentos prisionais,em articulação com os serviços competentes do Minis-tério da Saúde e as instituições do Serviço Nacionalde Saúde.

8 — Garantir os mecanismos necessários para viabi-lizar a aplicação pelas entidades competentes de medi-das como o tratamento voluntário dos toxicodependen-tes em alternativa à pena de prisão ou a outras medidassancionatórias.

9 — Incrementar a investigação científica e a forma-ção de recursos humanos no domínio das drogas e datoxicodependência, com especial prioridade à investi-gação sobre a perigosidade das diferentes drogas e àinvestigação interdisciplinar sobre o fenómeno do seuconsumo em Portugal, e implementar um Sistema Nacio-nal de Informação sobre Droga e Toxicodependência.

10 — Estabelecer metodologias e procedimentos deavaliação das iniciativas públicas e privadas na área dadroga e da toxicodependência.

11 — Adoptar um modelo simplificado de coordena-ção política interdepartamental para o desenvolvimentoda estratégia nacional de luta contra a droga, em subs-tituição do Projecto VIDA, a extinguir, e conferir aoInstituto Português das Drogas e da Toxicodependênciaresponsabilidades em matéria de prevenção primária,dotando-o de serviços regionais e da incumbência dedinamizar parcerias com as autarquias locais.

12 — Reforçar o combate ao tráfico de droga e aobranqueamento de capitais e aperfeiçoar a articulaçãoentre as diversas autoridades, no plano nacional einternacional.

13 — Duplicar o investimento público para 32 milhõesde contos (ao ritmo de cerca de 10 % ao ano) nospróximos cinco anos, por forma a financiar a execuçãoda estratégia nacional de luta contra a droga, nas áreasda prevenção (primária, secundária e terciária), inves-tigação e formação, em especial, para subsidiar as famí-lias no quadro do sistema de apoios ao tratamento eà reinserção social dos toxicodependentes e para apoiaras iniciativas de interesse público promovidas pelas ins-tituições particulares de solidariedade social e demaisinstituições da sociedade civil. Este investimento públicocontemplará, também, o desenvolvimento de um pro-grama especial de prevenção da toxicodependência nosestabelecimentos prisionais.

CAPÍTULO III

Cooperação internacional

11 — A importância estratégica da cooperação internacional

A primeira opção estruturante da presente estratégianacional de luta contra a droga aponta para o reforçoda cooperação internacional, como corolário lógico doreconhecimento da dimensão mundial do problema dadroga.

Uma resposta política eficaz face ao problema dadroga carece, efectivamente, de uma concertação aonível da comunidade internacional e das organizaçõesinternacionais de âmbito regional.

Reforçar a cooperação é, pois, uma prioridade.Mais: a participação activa de Portugal na definição

e avaliação das estratégias e das políticas da comunidadeinternacional e da União Europeia constitui parte inte-grante e fundamental da estratégia nacional de luta con-tra a droga.

Portugal, aliás, tem já sido chamado a funções deconsiderável responsabilidade no contexto da actividadeda ONU em relação à questão da droga. Já acima sesublinhou, de modo particular, a importância do factode Portugal ter presidido ao Comité Preparatório da20.a Sessão Especial da Assembleia Geral da Organi-zação das Nações Unidas, que teve lugar em Junho de1998, em Nova Iorque.

Desde 1995, Portugal é, também, membro perma-nente da Comissão de Estupefacientes e um portu-guês (21) é membro do OICE — duas estruturas fun-damentais do sistema das Nações Unidas com compe-tências em matéria de droga.

Esta presença de inegável prestígio e relevância polí-tica à escala mundial tem permitido a Portugal, em razãoda sua posição e da sua experiência, contribuir parao diálogo entre os diferentes países e influenciar o desen-volvimento da estratégia da comunidade internacional,como sucedeu recentemente em Nova Iorque com avalorização da vertente redução da procura.

No âmbito do Conselho da Europa, como já se salien-tou, Portugal, através do Ministro da Justiça, presideactualmente ao Grupo de Cooperação em Matéria deLuta contra o Abuso e o Tráfico Ilícito de Estupefa-cientes e Substâncias Psicotrópicas (Grupo Pompidou).

No quadro da União Europeia, Portugal tem, tam-bém, particulares responsabilidades, devido ao facto deLisboa ter sido escolhida para sede do ObservatórioEuropeu da Droga e da Toxicodependência (OEDT),a agência especializada no âmbito da União Europeia— a que Portugal presidiu entre 1994 e 1997 — que tempor objectivo fornecer informações fiáveis e comparáveissobre o fenómeno das drogas e das toxicodependênciase seus efeitos.

Do mesmo modo, a Federação Europeia das Asso-ciações Nacionais e Regionais de Intervenientes emToxicodependência (ERIT) tem, desde 1998, um técnicoportuguês como seu presidente (22).

Registe-se, por outro lado, que a relevância da coo-peração internacional se deve traduzir, igualmente, naharmonização das políticas nacionais com a estratégiainternacional e com os compromissos internacionaisassumidos, bem como com os instrumentos políticos ejurídicos em vigor no quadro europeu.

Por seu lado, Portugal empenhar-se-á na prossecuçãodos objectivos traçados na sessão especial de Nova Ior-que e, no âmbito da cooperação, apoiará os esforçosa desenvolver nesse sentido por outros países com quemmantém relações privilegiadas, nomeadamente com ospaíses africanos de língua oficial portuguesa.

13 — Conselho da Europa

O Conselho da Europa constitui hoje um importanteespaço de cooperação em matéria de droga.

Já acima se recordou, aliás, que foi sob a égidedo Conselho da Europa que foi adoptada a importanteConvenção Europeia sobre o Branqueamento, Despis-tagem, Apreensão e Confisco dos Produtos do Crime,de 1990.

A 11.a Conferência Ministerial, que teve lugar emTromsoe, na Noruega, em Maio de 1997, aprovou umadeclaração política e o programa de trabalho do Grupode Cooperação em Matéria de Luta contra o Abusoe o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psi-cotrópicas para o triénio de 1997-2000, que norteia acooperação a desenvolver em diversos domínios, desig-

2984 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

12 — Organização das Nações Unidas

A Organização das Nações Unidas é o espaço pri-vilegiado para a definição e desenvolvimento da estra-tégia da comunidade internacional face ao problemada droga.

No futuro, importa manter e intensificar o empenha-mento de Portugal no trabalho da ONU referente aesta problemática.

A consciência das suas responsabilidades não impedePortugal de promover a avaliação da estratégia da comu-nidade internacional e de participar activamente, sempreconceitos, no debate sobre os seus resultados e asua adequação à permanente evolução do fenómenoda droga e da toxicodependência.

Não se trata de pretender lançar um debate que, emrigor, já existe no seio da comunidade internacional.Nem se trata de precipitar alterações radicais da estra-tégia que tem vindo a ser prosseguida e que tem con-gregado os esforços da generalidade dos países doMundo. Convirá recordar, a propósito, que a maisrecente convenção internacional, precisamente a Con-venção contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e deSubstâncias Psicotrópicas, data apenas de 1988, tendorecolhido, a um ritmo sem precedentes, o número neces-sário de ratificações para entrar em vigor escassos doisanos depois, em 1990 — há menos de uma década. Noano passado esta mesma Convenção tinha já obtido 148ratificações, incluindo a da União Europeia, sendo quenenhum dos Estados aderentes fez até hoje sequer men-ção de se desvincular dos compromissos internacionaisassumidos.

Seja como for, não seria aceitável o imobilismo daestratégia internacional, como se de um dogma setratasse.

Importa, por isso, que também a estratégia interna-cional se submeta à avaliação técnica e política a quehoje, reconhecidamente, devem ser submetidas as diver-sas iniciativas face ao fenómeno da droga e da toxi-codependência.

Aliás, a fixação feita em Nova Iorque de um conjuntode metas a atingir até aos anos de 2003 e 2008 exigirá,inevitavelmente, que se faça um balanço dos resultadosobtidos em ordem à definição das políticas futuras.

nadamente em matéria legislativa e judicial, mas tam-bém no que se refere à recolha de dados e intercâmbiode conhecimentos e experiências, bem como nas áreaseducativo-pedagógica e sanitária, tendo em vista umaabordagem multidisciplinar dos problemas relacionadoscom o consumo e o tráfico ilícito de estupefacientese substâncias psicotrópicas.

A presente estratégia nacional de luta contra a drogareafirma a relevância da cooperação internacional noquadro do Conselho da Europa e assume as prioridadesconstantes do programa de trabalho adoptado para otriénio de 1997-2000.

14 — União Europeia

A dinâmica e as consequências do processo de inte-gração europeia exigem que uma parte importante doesforço de cooperação internacional de Portugal emmatéria de droga se desenvolva ao nível da UniãoEuropeia.

Na verdade, a eliminação dos controlos fronteiriçosintracomunitários, aliada à livre circulação de pessoase capitais, coloca no quadro da União Europeia desafiosespecíficos no controlo do tráfico e do mercado ilícitode drogas, num contexto de globalização do própriofenómeno da droga.

Um dos aspectos mais relevantes para efeitos dessecontrolo e da definição das políticas a nível europeué a troca de informação.

A cooperação há-de continuar a desenvolver-se a pro-pósito das diferentes políticas relevantes da União Euro-peia, da protecção da saúde pública à redução da pro-cura, do comércio de precursores às questões econó-micas e relativas ao branqueamento de capitais, do com-bate à criminalidade organizada à cooperação adua-neira, policial e judicial. Uma cooperação que deverácontinuar a ser prosseguida de modo cada vez mais inte-grado, no quadro do funcionamento do chamado GrupoHorizontal «Drogas» (transpilar).

Por outro lado, importa que Portugal contribua paraa construção de uma política europeia face à droga eà toxicodependência, por forma que a própria UniãoEuropeia esteja à altura das suas responsabilidades nadefinição e desenvolvimento da estratégia da comuni-dade internacional.

Portugal procurará, também, no quadro da Presidên-cia do Conselho Europeu no 1.o semestre do ano 2000,dar seguimento às preocupações expressas na presenteestratégia e conferir a relevância devida à problemáticada droga e da toxicodependência.

15 — Cooperação bilateral e com os paísesde língua oficial portuguesa

Em matéria de cooperação bilateral, Portugal cele-brou já diversos acordos internacionais (23).

Importa conferir prioridade às relações com a nossavizinha Espanha, em razão, sobretudo, da proximidadegeográfica e das afinidades do fenómeno da droga nosdois países. Aliás, os dados existentes sobre a prove-niência das drogas apreendidas em Portugal revelamque uma parte importante da droga que circula entrenós provém da nossa vizinha Espanha ou encontra-seem trânsito com destino ao mercado espanhol ou aoutros países via Espanha. Essa cooperação passa, desig-

2985N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

nadamente, pelos instrumentos previstos no AcordoLuso-Espanhol sobre Cooperação em Matéria de Lutacontra a Droga, de 1987, e da Comissão Mista Luso--Espanhola sobre Cooperação em Matéria de Luta con-tra a Droga, à qual, na sequência do acordado na suaúltima reunião, em Maio de 1998, se pretende agoraconferir maior operacionalidade, sobretudo nos domí-nios da prevenção primária, da assistência sócio-sani-tária, da reinserção social, da troca de informação, dacooperação internacional e dos controlos fronteiriços.

Do mesmo modo e por razões semelhantes, importaintensificar a cooperação bilateral com Marrocos.

De uma forma geral, é necessário, ainda, assegurara boa execução dos acordos bilaterais já celebrados ealargar a cooperação neste domínio com os países delíngua oficial portuguesa.

Essa cooperação, aliás, tem já, também, expressãonum quadro multilateral, através do Acordo de Coo-peração entre os Governos Integrantes da Comunidadedos Países de Língua Portuguesa (CPLP) para a Redu-ção da Procura, Prevenção do Uso Indevido e Combateà Produção e ao Tráfico Ilícito de Estupefacientes eSubstâncias Psicotrópicas, assinado em 18 de Junho de1997.

16 — Cooperação ibero-americana

Portugal tem-se já empenhado na promoção da coo-peração ibero-americana, tanto ao nível bilateral comoao nível multilateral.

No plano bilateral, Portugal tem acordos de coope-ração estabelecidos com o Brasil, a Venezuela, a Argen-tina, Cuba e o Uruguai, participando, ainda, em acçõesde cooperação com outros países. É o caso do programainternacional de combate à droga no Peru, que envolvea promoção do desenvolvimento alternativo, tendo emvista o abandono da produção da folha de coca e ocombate à exclusão social por via da recuperação e rein-serção social de crianças e jovens toxicodependentes.Com esse mesmo país firmou-se, também, recente-mente, um acordo de cooperação tendo em vista o apoiotécnico e financeiro e que inclui a área da redução dedanos.

No plano multilateral, cumpre salientar o importanteseminário euro-ibero-americano sobre «A cooperaçãonas políticas sobre a droga e a toxicodependência», pro-movido pelo Presidente da República, por ocasião daCimeira lbero-Americana, que teve lugar na cidade doPorto, em Outubro de 1998. Desse seminário resultariaa Declaração do Porto, de 9 de Outubro, que aponta,justamente, para o reforço da cooperação na área datoxicodependência, nomeadamente ao nível da infor-mação — o que supõe, nomeadamente, a fiabilidade ea compatibilidade dos sistemas informáticos. Por outrolado, preconiza-se uma cooperação que tenha por eixoa cooperação entre as cidades. Na mesma Declaração,realça-se a necessidade de mais recursos para a reduçãoda procura, equilibrando-os com os atribuídos à reduçãoda oferta, bem como o reforço das políticas de reduçãode riscos e de combate à exclusão social dos toxi-codependentes.

A cooperação ibero-americana relativa à droga e àtoxicodependência deve ser intensificada no futuro, nalinha do preconizado na Declaração do Porto. Importa,também, estabelecer ou reforçar os seus mecanismos,tendo em vista a promoção do intercâmbio de expe-

riências, da formação e do desenvolvimento alternativo.A cooperação ibero-americana pode, e deve, servir deeixo para uma mais alargada cooperação entre a Europae a América Latina, nomeadamente no quadro do meca-nismo de coordenação e cooperação em matéria dedroga entre a União Europeia, a América Latina e asCaraíbas, no âmbito do qual se aprovou, na cidade doPanamá, o primeiro Plano de Acção Global em Matériade Droga.

CAPÍTULO IV

Enquadramento legal

A política legislativa e a droga

17 — O debate público sobre a descriminalizaçãodo consumo de drogas

Na sociedade portuguesa, como um pouco por todoo Mundo, tem-se desenvolvido um intenso e rico debatepúblico sobre a problemática do enquadramento legaldo consumo de drogas.

Essa discussão, que não é de agora, ganhou uma novaprojecção entre nós nos últimos anos.

São de destacar, de entre todas, as iniciativas do Pre-sidente da República no sentido da promoção de umadiscussão pública alargada sobre esta questão (24).

Por outro lado, o debate generalizou-se desde queo Governo tomou a iniciativa de nomear uma comissãopara elaborar uma proposta de estratégia nacional decombate à droga e, sobretudo, desde que essa comissãoapresentou o seu relatório final onde, entre muitasoutras, se contava a proposta de descriminalização doconsumo privado de drogas, bem como da sua detenção(posse) e aquisição para esse consumo.

São evidentes os méritos desse debate numa socie-dade democrática como a nossa.

Importa reconhecer, porém, que nem sempre a apre-sentação das diversas soluções alternativas ocorre como necessário rigor terminológico e a suficiente identi-ficação das suas consequências previsíveis, contribuindopara semear na opinião pública algumas confusões — eilusões.

O natural interesse da comunicação social pelo tema,se tem permitido a divulgação desse debate e a suaabertura à participação das mais diversas personalidadesde elevada responsabilidade institucional e projecçãopública, bem como de muitos interessados, tem pro-vocado, também, pela incontornável natureza da lin-guagem própria dos meios de comunicação de massas,alguma simplificação dos termos de uma discussãonecessariamente complexa, ao mesmo tempo que, comojá tem sido salientado, confere ao enquadramento legaldas drogas no direito português uma relevância talvezdesproporcionada no contexto da discussão da estratégiaa adoptar entre nós face ao problema da droga.

Em todo o caso, não está em causa, evidentemente,que a política legislativa ocupe um lugar importantena presente estratégia nacional de luta contra a droga.

Para uma boa compreensão dessa política legislativa,tal como preconizada na estratégia que aqui se apre-senta, será conveniente dar conta daquelas que serãoas alternativas teoricamente disponíveis e, do mesmopasso, clarificar a terminologia adoptada, por forma aminimizar os equívocos que a complexidade do temae a confusão instalada poderiam suscitar.

2986 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

18 — Proibicionismo e antiproibicionismo: uma dicotomia redutora

As diferentes alternativas que têm sido avançadas,apesar do muito que as distingue, são tradicionalmentereconduzidas a uma de duas matrizes: a matriz anti-proibicionista e a matriz proibicionista.

Esta terminologia, que conserva alguma utilidade eaqui se perfilha por mera comodidade de exposição,não deve ser usada, porém, sem uma prévia advertênciade que se trata de uma dicotomia manifestamente redu-tora e que envolve uma simplificação que pode induzirem erro.

Na verdade, nem as propostas «antiproibicionistas»excluem necessariamente uma regulação que imponhadeterminadas proibições, nem as propostas «proibicio-nistas» se esgotam numa vertente puramente repressiva,sobretudo quando, como frequentemente sucede, o qua-dro sancionatório consagra soluções — como o trata-mento de toxicodependentes em alternativa à aplicaçãode uma pena — bem reveladoras de que as finalidadesda proibição se tendem a desligar de propósitos pura-mente repressivos.

19 — Legalização: as alternativas «antiproibicionistas»

Feita esta advertência, melhor se compreenderá quese encontrem entre as alternativas ditas «antiproibicio-nistas» não apenas a pura liberalização do consumo edo comércio de drogas — solução ultraliberal que, podedizer-se, tem tido escassos defensores — e que envol-veria a total ausência de regras, que não as do fun-cionamento livre do mercado, em todo o circuito quevai da produção ao consumo de drogas, mas tambéma regulação, em que a legalização do consumo está asso-ciada à legalização da própria distribuição ou comérciode drogas, seja este confiado, em monopólio, ao Estadoou aberto à intervenção de agentes económicos privados,mediante um regime habitualmente designado de«comércio passivo» (25) . A ideia de «comércio passivo»passa por regras em matéria de condições de acessoà actividade, licenciamento, localização, horários de fun-cionamento, proibição de venda a menores, bem comode marcas, insígnias e publicidade, fiscalização, controlode origem e de qualidade. Tais regras poderiam envol-ver, ainda, a atribuição do monopólio da venda ou dis-tribuição de drogas às farmácias ou a instituições desaúde, eventualmente sob a condição adicional dereceita médica com especificação do tipo de droga edas respectivas quantidades.

Do ponto de vista económico, se a liberalização con-duziria, necessariamente, à formação do preço das dro-gas por força das regras do mercado, no jogo livre daoferta e da procura, conjugado com os efeitos das polí-ticas fiscais que poderiam ter em conta os diferentesgraus de perigosidade das diversas drogas — em qual-quer caso produzindo preços previsivelmente inferioresaos vigentes num contexto proibicionista, com óbviasvantagens do ponto de vista do combate à exclusão eà criminalidade associada à toxicodependência —, já asmodalidades de regulação consentem diferentes regimeseconómicos, que vão do referido regime liberal, de pre-ços livres com sujeição da venda a tributação, até àdistribuição gratuita de drogas pelo Estado aos toxi-codependentes, passando por mecanismos de regulaçãoadministrativa dos preços, por forma a excluir a dis-tribuição gratuita generalizada e a substituí-la por uma

venda efectiva, a preços controlados, com minimizaçãoou total ausência de lucro para o agente económico.

Em qualquer destas hipóteses, a consagração de umsistema de comércio legal de drogas, com mais ou menosrestrições, tem sido apresentada como uma forma deexpropriar aos actuais traficantes e suas organizaçõescriminosas um negócio tenebroso de uma dimensão tale com tão obscuras ramificações que se tornou umaséria ameaça para a segurança e a integridade dosEstados.

No limite, poderá ainda, talvez, qualificar-se como«antiproibicionista» uma solução mais moderada queconsistiria numa mera legalização do consumo, em quea licitude do consumo, bem como da detenção e daaquisição para esse consumo — estabelecida em nomeda liberdade individual, ou apenas em nome da ideiade que o toxicodependente é um doente que não deveser punido pela sua doença —, longe de configurar umdireito subjectivo dos interessados ou de se materializarnuma expressa autorização administrativa ou numaregulação, coexistiria com a proibição do comércio,inviabilizando, na prática, que o acto de compra e venda,obviamente essencial ao consumo, se produzisse no con-texto de um mercado não clandestino, com todas asconsequências daí decorrentes, nomeadamente do pontode vista do preço das drogas e da criminalidade asso-ciada, mas também, por razões práticas, do ponto devista do combate ao tráfico.

Bem vistas as coisas, estas três alternativas — meralegalização do consumo, regulação e liberalização —,tradicionalmente rotuladas de «antiproibicionistas», têmem comum um maior ou menor grau de legalização,que pode ir do simples consumo até à totalidade docircuito económico. Mas também é certo que, por issomesmo, a expressão «legalização» não serve para dis-tinguir entre si as várias soluções «antiproibicionistas»,razão pela qual o termo «legalization debate» vem sendosubstituído na terminologia da Organização das NaçõesUnidas por «regulation debate», visto que é essa — aregulação — e não outra a proposta «antiproibicionista»que tem estado, de facto, no centro da discussão.

E note-se, por outro lado, que qualquer dessas alter-nativas poderia, ainda, ser concebida para todas ou ape-nas algumas das drogas actualmente consideradas ilícitase de forma a abranger apenas o consumo «privado»ou também o consumo «público» dessas drogas.

Em rigor, poderia, também, admitir-se um regimemisto, que fosse «antiproibicionista» para o consumopropriamente dito e simultaneamente «proibicionista»para a detenção e aquisição de drogas para esse con-sumo. Contudo, como é óbvio e a experiência de diversospaíses comprova (26), uma tal solução — que se poderiajustificar filosoficamente pela afirmação da liberdadeindividual, «apenas» restringida por imperativos práti-cos, sobretudo relativos ao combate ao tráfico — cor-responderia, na realidade, à proibição indirecta do con-sumo, já que é bem evidente que este não poderá razoa-velmente efectivar-se sem a detenção ou posse de drogaspelo consumidor. Na verdade, o consumidor intercep-tado no próprio acto de consumo não seria sancionadopelo acto de consumir, mas poderia sê-lo pela detençãoou posse de drogas, a menos que contasse, como porvezes conta, com a tolerância das autoridades.

Trata-se, pois, sem a menor dúvida, de uma soluçãode tipo «proibicionista», em que a legalização estrita

2987N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

do consumo, pela lógica circunscrita ao consumo pri-vado, não teria, em si mesma, qualquer relevância prá-tica ou sequer um interesse simbólico digno de nota.

Não parece, seja como for, que se deva tomar estasolução como verdadeira alternativa, sobretudo face aum quadro legal que já é «proibicionista». Na verdade,a evolução de uma proibição directa para uma proibiçãoindirecta do consumo de drogas surgiria, inevitavel-mente, aos olhos da opinião pública como uma alteraçãoda realidade, efectivamente inexistente: a proibição nãoteria desaparecido, apenas se teria escondido atrás deuma nuvem de alguma hipocrisia. Adiante-se, pois,desde já, que se rejeita o tratamento legal diferenciadodo consumo e da detenção de drogas para consumo,pelo que a proibição indirecta do consumo não seráconsiderada no presente documento como uma realalternativa, centrando-se a reflexão sobre a política legis-lativa no binómio consumo-detenção de drogas.

20 — Ilicitude: as alternativas «proibicionistas»

As principais alternativas «proibicionistas» são, tam-bém elas, variadas.

Se o que distingue e é comum às soluções «antiproi-bicionistas» é o maior ou menor grau de legalização,aquilo que identifica as soluções «proibicionistas» seráa ilegalidade ou ilicitude do consumo (directa ou indi-recta, via proibição da detenção ou posse) e, por maioriade razão, do comércio de drogas.

Em tese, essa ilicitude pode, também, como é óbvio,aplicar-se a todas ou apenas a algumas das drogas eao consumo público ou também ao consumo privado.

Na esmagadora maioria dos países e também em Por-tugal até ao presente, a ilicitude característica do «proi-bicionismo» concretiza-se num ilícito criminal e, por-tanto, num modelo de criminalização (directa ou indi-recta) do consumo.

Dessa criminalização decorre, por regra, um sistemade penalização ou de sanções penais cujo paradigmasão, ao menos entre nós, as penas de prisão e de multacomo penas principais típicas, mas que admite, hoje,teoricamente múltiplas outras soluções, que começamna possibilidade de previsão de uma pena de prisãodiminuta que praticamente afasta a condenação em pri-são efectiva — salvo em certos casos de cúmulo jurídicoou de substituição do pagamento de multa — e que seestendem ao tratamento em alternativa à pena de prisão,à aplicação de outras sanções, como a simples admoes-tação ou o trabalho em favor da comunidade, aos meca-nismos do não exercício da acção penal ou da suspensãoprovisória do processo, ou do regime de prova ou, ainda,à própria dispensa ou isenção de pena, aí já num cenáriode verdadeira criminalização com despenalização.

Noutro plano, poderia ainda conceber-se, como jáfoi proposto, uma particular formulação do tipo decrime, que, ao invés do actual tipo de crime de perigoabstracto, passaria a configurar-se como crime de perigoconcreto (concreto-individual ou concreto-comum), oque vale por dizer que se manteria a criminalizaçãomas o ilícito criminal só se verificaria demonstrada quefosse, em concreto, a efectiva ameaça para um bem jurí-dico essencial da comunidade (27).

Mas as soluções de tipo «proibicionista» não se esgo-tam na criminalização. Isto é, a ilicitude não tem deconcretizar-se, necessariamente, num ilícito de tipocriminal.

Na verdade, pode conceber-se uma alternativa, comoa vigente em Espanha e em Itália, em que a ilicitudese traduz num ilícito de mera ordenação social, cujasinfracções configuram contra-ordenações, dando lugarapenas a sanções administrativas, por regra a coima eoutras sanções ou medidas acessórias, ou alternativas,aplicadas por autoridades administrativas, sem prejuízodo direito de recurso para os tribunais. Também aquisão admissíveis soluções que poderiam permitir o tra-tamento de toxicodependentes ou a adopção de outrasmedidas em alternativa à aplicação da coima ou deoutras sanções administrativas, bem como a aplicaçãoda simples admoestação para casos de menor gravidadeou de primeira infracção, ou mesmo a previsão da dis-pensa ou isenção de sanção, num cenário a que pode-ríamos chamar de ilícito de mera ordenação social comdespenalização.

21 — As principais alternativas e os conceitos de descriminalizaçãoe despenalização

Eis, em suma, as mais importantes de entre todasas alternativas que se deparam na definição da políticalegislativa da estratégia nacional de luta contra a droga:num quadro «antiproibicionista», a liberalização, a regu-lação ou a mera legalização do consumo; num quadro«proibicionista», a criminalização ou o ilícito de meraordenação social.

Já as expressões «descriminalização» ou «despena-lização», recorrentes neste debate, não identificam, pro-priamente, um modelo de enquadramento legal mas,sobretudo, um movimento face a uma situação anterior.

Com efeito, existindo entre nós, neste momento, ummodelo de criminalização, a adopção de qualquer outrodos modelos acima referidos corresponderia a um movi-mento de «descriminalização», ainda que ele fosse ape-nas parcial.

Esta afirmação, contudo, já não vale para o termo«despenalização». Na verdade, a ocorrer uma transiçãodo nosso modelo de «criminalização» para um outromodelo «proibicionista», como o do ilícito de mera orde-nação social, poderia manter-se uma «penalização»directa ou indirecta do consumo, através de sançõesadministrativas — ao menos utilizando o conceito de«pena» no seu sentido mais amplo, de modo a abrangeraquilo a que na doutrina jurídica se designa por «penasnão criminais», como aqui especialmente se justificaatento o sentido do termo na linguagem corrente queserve de veículo a esta discussão. Ou seja, não ocorrerianesta hipótese verdadeira «despenalização», senão degrau ou intensidade.

Já se a transição se desse para uma solução lega-lizadora em qualquer dos modelos «antiproibicionistas»,teríamos, aí sim, não apenas uma «descriminalização»mas uma «despenalização» — pois se um comporta-mento é legal não poderá, obviamente, ser penalizado,seja sob que forma for.

Mas a verdade é que não só pode não haver, comose viu, total despenalização com transição de modelo,desde que o novo modelo seja, ainda, igualmente «proi-bicionista», como poderia existir um movimento des-penalizador no interior do próprio modelo de crimi-nalização. Na verdade, já acima se explicou que sãoconcebíveis situações de criminalização com dispensaou isenção de pena, justamente chamadas de crimina-

2988 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

lização com despenalização ou de crime sem pena. Ora,qualquer alargamento dessas situações no direito posi-tivo português, ainda que não acarretasse subversão domodelo global de criminalização, poderia, sem favor,ser rotulado de «despenalização».

Em suma, a «despenalização» não é um exclusivoda transição para modelos «antiproibicionistas», podeocorrer, ao menos para certas situações, no interior demodelos «proibicionistas», seja num quadro de crimi-nalização, seja num quadro de ilícito de mera ordenaçãosocial.

22 — A proposta da Comissão

O que a Comissão para a Estratégia Nacional de Com-bate à Droga propôs no seu relatório final foi, por una-nimidade, a descriminalização do consumo privado dedrogas (constantes das tabelas) e, por maioria, a descri-minalização da detenção (ou posse) e da aquisição des-sas drogas para esse consumo privado (28).

Sendo assim, a Comissão sugere um movimentodescriminalizador e, consequentemente, a alteração doartigo 40.o do Decreto-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro.

Já acima se explicou, contudo, que a ideia de «descri-minalização» não identifica, só por si, o modelo alter-nativo de enquadramento legal a adoptar, apenasexcluindo o modelo actual de criminalização.

Porém, visto que a Comissão não propõe a descri-minalização da venda de drogas, que continuaria a cons-tituir crime, resultam, obviamente, excluídos os cenáriosda liberalização e da regulação do comércio de drogas.

Restariam, portanto, como aparentemente compatí-veis com a proposta da Comissão, as alternativas damera legalização do consumo e da proibição do consumoatravés do ilícito de mera ordenação social, ambas abran-gendo a detenção e aquisição mas restringindo-se aoconsumo privado, já que o consumo público permane-ceria tipificado como ilícito criminal.

É isto que resulta do texto do relatório final apre-sentado pela Comissão.

Em todo o caso, não será despiciendo tomar em contaque o parecer jurídico do Prof. Faria Costa, que serviude referência às conclusões da Comissão sobre estamatéria, expressamente indica que a única alternativaà criminalização da detenção para consumo que podeser considerada compatível com as convenções inter-nacionais é, justamente, a sua proibição por meio doilícito de mera ordenação social — argumento que leva-ria a excluir, liminarmente, o modelo de mera legali-zação do consumo (29).

Recorde-se a conclusão desse parecer: «Sendo certo,porém, que as convenções impõem, isso sim, uma proi-bição do consumo, no sentido de uma impossibilidadede total liberalização, tal proibição, caso escape àsmalhas do direito penal — por opção do legislador ordi-nário, repita-se —, terá de caber ao direito adminis-trativo [. . . ], nomeadamente através de um direito admi-nistrativo de natureza sancionatória como é o direitode mera ordenação social» (30).

E valerá a pena, também, atentar no esclarecimentoprestado posteriormente pelo Prof. Daniel Sampaio, jus-tamente um dos membros da corrente que, sobre esteponto, fez vencimento na Comissão: «A Comissão pro-põe ‘descriminalizar’ o consumo privado, assim comoa posse ou aquisição para esse consumo. Isto significasimplesmente que ninguém deverá ser preso por con-

sumir drogas [. . . ]. É preciso esclarecer que não se estáa propor a ‘legalização’ das drogas, nem a sua difusãoliberal, nem se está a diminuir a luta contra o tráfico.Descriminalizar não significa despenalizar» (31).

Para uma perfeita compreensão dos precisos termosem que se encontra feita a proposta da Comissão,importa, ainda, registar que a Comissão declara nomesmo relatório final que «não defende o isolamentode Portugal nas organizações internacionais ou qualqueratitude de ruptura com as convenções internacionais,embora o parecer solicitado a um professor de Direitosugira que tal confronto não é líquido», pelo que «oGoverno, na hipótese de partilhar a opinião maioritáriada Comissão, deveria sim procurar apoios conducentesa uma progressiva evolução das posições das instânciasinternacionais na direcção desejada» (32).

23 — A lei e a prática: o modelo holandês

Convirá, ainda, ter presente que a abordagem legaldesta questão, apesar de ser sem dúvida relevante, nãofornece, por si só, uma completa e rigorosa perspectivasobre o funcionamento dos diferentes modelos. Na ver-dade, não é raro que se estabeleça uma distância sensívelentre aquilo a que os anglo-saxónicos chamam law inbooks e law in action, isto é, entre o que está escritona lei e a experiência prática que ao abrigo dela — ouà margem dela — se desenvolve.

Mesmo nos países — e são, de longe, a maioria — emque as respectivas ordens jurídicas consagram a proi-bição directa ou indirecta do consumo por via de ummodelo de criminalização, encontramos, com os maisdiversos fundamentos e recorrendo, por vezes, aos maisimaginativos expedientes, determinadas práticasque — ao arrepio do que aparentemente reclamaria acredibilidade da função dissuasora do direito penal — sematerializam numa atitude pragmática de tolerânciapara com o consumo de drogas ilícitas ou, pelo menos,de algumas drogas ilícitas, sem contudo lhe retirar ocarácter de comportamento marginal e, as mais dasvezes, clandestino.

Este facto tem sido assinalado, nomeadamente, pelasanálises de direito comparado empreendidas pelos orga-nismos competentes da União Europeia (33) e foi motivode uma recente recomendação do Parlamento Europeuapelando à realização de um estudo com o reveladorpropósito de verificar se um tal comportamento per-missivo é ou não conforme com as convenções inter-nacionais em vigor (34).

Peculiar é, deste ponto de vista, o modelo holandês,a propósito do qual se têm gerado não poucos equívocos.

Na verdade, ao contrário do que muitas vezes seafirma, na Holanda a detenção de cannabis permanececrime punível com pena de prisão e multa (35). AHolanda possui, portanto, um quadro legal «proibicio-nista», num modelo de criminalização.

Contudo, fazendo uso de um princípio geral do seusistema jurídico — o princípio da oportunidade no exer-cício da acção penal, que não vigora entre nós, ao menosnestes termos —, as autoridades holandesas competen-tes definiram «prioridades» ou «orientações» de queresulta, na prática, e de um modo geral, a não per-seguição penal dos possuidores de cannabis até umacerta quantidade — 5 g. Esta solução estende-se, ainda,aos conhecidos coffee shops, estabelecimentos devida-

2989N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

mente licenciados e sujeitos a uma regulamentação,essencialmente local, de teor restritivo, a que se juntaum conjunto de guidelines de âmbito geral, mas cujoalvará é omisso quanto ao mais importante negócio paraque de facto estão «autorizados»: a venda de pequenasquantidades — os mesmos 5 g por transacção — dehaxixe.

O modelo holandês, portanto, assenta na aplicaçãodo princípio da oportunidade da acção penal, exercidode tal modo que se traduz na tolerância — que alguns,muito impropriamente, designam por «liberaliza-ção» — não apenas face ao consumo e posse de peque-nas quantidades de cannabis mas, também, face à suaaquisição e venda em determinados estabelecimentos,com o intuito, sem dúvida meritório, de obter uma sepa-ração dos mercados relativos à chamadas drogas «leves»e «duras».

Com essa separação de mercados esperam as auto-ridades holandesas alcançar, como a evolução das esta-tísticas parece já sugerir, uma redução do consumo daschamadas «drogas duras», em resultado da introduçãopor esta via de uma autêntica barreira à transição dedrogas menos danosas para outras com efeitos mais pre-judiciais, transição essa muitas vezes fruto, como é hojereconhecido, da aludida confusão de mercados e agen-tes.

É importante dizer, porém, como as autoridadesholandesas têm explicado que este é um modelo adop-tado por razões essencialmente pragmáticas, que nãoenvolve, de modo algum, uma legalização do circuitoeconómico, designadamente das operações de cultivo,produção, importação ou exportação e colocação nomercado. Ou seja: a droga cuja venda é tolerada noscoffee shops é de um modo geral oriunda de plantaçõesobjectivamente ilegais, algumas existentes a pretexto daprodução de sementes para outros fins lícitos. O abas-tecimento do sistema faz-se, portanto, eminentemente,através de tráfico ilícito, em operações clandestinas comprodutores internos ou externos.

A apresentação deste modelo não pode, pois, ser feitacom total rigor sem dar conta destes incontornáveis «sal-tos lógicos» do sistema, que ajudam a explicar, em boaparte, por que é que as respeitáveis farmácias holandesasnão surgem na «linha da frente» da comercializaçãoou por que é que o Estado Holandês não poderia,mesmo que quisesse — e já confessou não querer, aomenos no actual quadro internacional (36) —, assegurarele próprio a distribuição ou comercialização de can-nabis.

Feitos estes esclarecimentos sobre as soluções dis-poníveis e a terminologia adoptada, pode agora dar-seconta da política legislativa preconizada na presenteestratégia nacional de luta contra a droga.

24 — Rejeição da legalização unilateral do comércio de drogas

Como ficou já dito, a estratégia nacional de luta contraa droga não pode ignorar a dimensão mundial do pro-blema e a relevância absolutamente vital da cooperaçãointernacional neste domínio. Daí que um dos princípiosestruturantes da presente estratégia nacional seja, jus-tamente, o princípio da cooperação internacional, deque decorre, quanto ao que aqui interessa, a articulaçãoda estratégia nacional com a estratégia internacionale com as políticas europeias, bem como a sua harmo-

nização com os compromissos internacionais a que,voluntariamente, o Estado Português se encontre vin-culado (37).

Nestas condições, rejeita-se frontalmente a total irres-ponsabilidade que representaria a adopção unilateralde modelos radicalmente opostos à estratégia da comu-nidade internacional, nomeadamente a que se encontravertida nas convenções internacionais que Portugalratificou.

Por isso, a presente estratégia nacional de luta contraa droga exclui da preconizada política legislativa qual-quer mecanismo de legalização unilateral do comérciode qualquer tipo de drogas ilícitas para consumo, sejanum modelo de liberalização, seja num modelo deregulação.

De facto, tais modelos contrariam, objectivamente,a estratégia da comunidade internacional e as conven-ções internacionais em vigor, que se destinam a regulartodo o sistema de controlo do funcionamento de ummercado lícito internacional de drogas para fins estri-tamente médicos ou científicos e a impedir que essasdrogas possam ser desviadas desse circuito para o sim-ples consumo. As restrições inerentes a um tal sistemasão, pois, manifestamente incompatíveis com a legali-zação de um mercado paralelo para consumo sem fina-lidade médica, razão, aliás, pela qual esse modelo, assimdesenhado, não tem tido consagração no direito com-parado.

De resto, as próprias autoridades holandesas recusam,expressamente, alterar a sua política de mera tolerânciada venda de pequenas quantidades de droga «leves»justamente com este argumento (38).

É preciso notar, portanto, que a imediata consequên-cia da adopção unilateral de uma qualquer dessas formasde legalização do comércio para consumo não poderiadeixar de ser a desvinculação ou recesso por Portugaldas convenções internacionais vigentes sob a égide daOrganização das Nações Unidas.

Tal atitude, embora juridicamente viável, seria poli-ticamente insustentável, a vários títulos.

Em primeiro lugar, Portugal perderia de imediatotudo aquilo que permitiu aos sucessivos governos doPaís, à nossa diplomacia e aos nossos técnicos consolidarao longo da última década uma posição internacionalde inegável prestígio nesta área, expressa na atribuiçãode invulgares responsabilidades nas mais diversas orga-nizações internacionais, com a inerente possibilidade deinfluenciar, efectivamente, a evolução da estratégiainternacional.

Em segundo lugar, a legalização do comércio por umpaís isolado constitui um puro absurdo na falta de umalegalização de todo o circuito económico, logo desdea produção ou cultivo das drogas e abrangendo os movi-mentos transfronteiriços.

Na verdade, estando o mercado lícito internacionalsujeito a controlos para garantir que a droga que nelecircula não é desviada para o consumo, só restaria aoEstado que optasse pela legalização unilateral do comér-cio abastecer-se, por si ou através dos agentes econó-micos autorizados, no mercado negro clandestino ou,em alternativa, reconverter parte importante da sua agri-cultura e da sua indústria para garantir ele próprio oabastecimento deste mercado, em regime de auto-su-ficiência. Não será preciso sublinhar a evidência do totalabsurdo desta ideia.

2990 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

Em terceiro lugar, a inevitável —e desejada— des-cida dos preços das drogas decorrente da legalizaçãodo comércio não poderia deixar de atrair os toxicode-pendentes de outros países, sobretudo no contexto euro-peu de liberdade de circulação de pessoas. Uma cir-culação que poderia não se ficar pelo chamado «turismoda cannabis», que hoje tanto preocupa as autoridadesholandesas, mas que se estenderia aos consumidoresdas chamadas drogas «duras», se a solução fosse válidatambém para elas. São evidentes as dramáticas conse-quências sociais e de saúde pública deste previsível movi-mento migratório e a ruptura a que levaria todo o sis-tema português de assistência aos toxicodependentes,desfazendo esse novo «paraíso das drogas» num ver-dadeiro pesadelo.

Em quarto e último lugar, a legalização unilateraldo comércio de drogas seria dificilmente compatível coma própria integração europeia de Portugal ou, ao menos,como reconhecem as autoridades holandesas, com a ade-são ao sistema de eliminação de controlos fronteiriçosprevisto no Acordo de Schengen. Na verdade, essa posi-ção não seria apenas dissonante da política traçada anível europeu mas, mais do que isso, constituiria umaverdadeira ameaça para os demais Estados membrosda União Europeia, que ficariam ainda mais expostosa indesejados movimentos de importação descontroladade drogas. Aliás, o Acordo de Schengen, como se salien-tou no local próprio, se declara a autonomia de cadaEstado para definir a sua política neste campo, exigetambém a ratificação das convenções das Nações Unidase proíbe, expressamente, os Estados signatários dedesenvolverem políticas relativas à droga que prejudi-quem as políticas mais restritivas prosseguidas pelos seusparceiros do espaço Schengen.

E é por tudo isto, também, que quando a Comissãodas Liberdades Públicas e dos Assuntos Internos resol-veu submeter em 1997 ao plenário do Parlamento Euro-peu uma proposta de recomendação —que aliás nãoviria, neste ponto, a ser aprovada— no sentido da des-penalização do consumo de drogas e da regulação docomércio de cannabis, entendeu que tinha de proportambém, como fez, a promoção de iniciativas para arevisão das convenções internacionais a que tambéma própria União Europeia está vinculada «de modo aautorizar (sic) as Partes a despenalizarem o consumode substâncias ilícitas, a regulamentarem o comércioe a produção de cannabis e seus derivados[. . . ]» (39).

De resto, quase todas as personalidades que em Por-tugal se manifestaram em favor de sistemas de lega-lização do comércio de drogas —de todas ou apenasdas chamadas drogas «leves»— tiveram, como seria deesperar, o elevado sentido da responsabilidade, quequase sempre passou despercebido na comunicaçãosocial, de chamar a atenção para o facto de tal propostasó ser viável «no contexto de uma nova convenção mul-tinacional» (Almeida Santos), ou «não num país isolado,mas em indispensável concertação internacional» (Car-dona Ferreira), ou «à escala planetária» (FigueiredoDias), ou «simultânea em todos os países» ao menos«na Europa» (Victor Cunha Rego), ou «envolvendovários países» (João Menezes Ferreira), ou «num grandeespaço geopolítico, que não poderia ser constituído porum único país com a dimensão de Portugal» (CarlosRodrigues Almeida).

E é neste mesmo sentido que parece apontar, tam-bém, o consenso dos partidos políticos com assento naAssembleia da República.

Sucede que não existe, ao menos de momento, esseoutro quadro internacional sem o qual a legalização docomércio de drogas não poderia deixar de ser umaabsurda irresponsabilidade.

Por outro lado, importa ter em conta o provável cres-cimento do consumo decorrente do aumento da aces-sibilidade e da própria visibilidade do fenómeno dasdrogas, mesmo admitindo a tese defendida por algunseconomistas de que se trataria aqui de produtos de pro-cura relativamente inelástica, menos sensível às osci-lações do mercado. De facto, num cenário de tomadade decisão sobre essa matéria seria necessário consideraros índices de consumo das agora chamadas «drogas líci-tas», como o álcool e o tabaco, de modo a avaliar, porcontraposição, até que ponto é que a proibição relativaa certas drogas, embora de toda a evidência não elimineos consumos, não contribui para a contenção do seucrescimento.

25 — Rejeição da mera legalização do consumo de drogas

Num contexto de proibição do comércio de drogaspara consumo, a legalização desse consumo —que, pelasrazões acima apontadas, aqui se considera sempre emconjunto com a legalização da detenção e aquisi-ção— seria, sem dúvida, problemática, apesar das van-tagens que poderiam advir de um melhor controlo sani-tário dos consumos e da não consideração dos toxico-dependentes como «delinquentes».

Antes do mais, importa notar que parece incontor-nável o facto de também esta alternativa contrariar asconvenções internacionais, que impõem a proibição dadetenção para consumo de drogas ilícitas.

Recorde-se que foi esse o sentido do já citado parecerjurídico do Prof. Faria Costa, solicitado pela Comissãopara a Estratégia Nacional de Combate à Droga (40).

E tem de recordar-se, também —agora já não a pro-pósito da legalização do comércio mas do consumo—,que a Comissão das Liberdades Públicas e dos AssuntosInternos chegou a propor ao plenário do ParlamentoEuropeu uma proposta de recomendação que defendiaa alteração das convenções internacionais «de modo aautorizar as Partes a despenalizarem o consumo de subs-tâncias ilícitas]» (41).

Mas há, também, considerações de substância a fazer.Desde logo, é evidente que a legalização do consumo

num contexto de proibição do comércio não propor-cionaria o acesso legal, ainda que eventualmente con-dicionado, às drogas, tal como é geralmente preconizadode um ponto vista «antiproibicionista». Seria, pois, umafalsa solução, susceptível de ser acusada de alguma hipo-crisia ou de inconsequência, na medida em que o con-sumo, apesar de lícito, não poderia efectuar-se sem oenvolvimento com a marginalidade de um mercado clan-destino, alimentando um negócio ilegal.

Em segundo lugar, é preciso reconhecer que a meralegalização do consumo implicaria o desaparecimentode qualquer desvalor desse consumo na letra da lei,remetendo a luta contra a droga sobretudo para o campoda prevenção, o que poderia levar a que essa opçãofosse vista, ainda que abusivamente, como um sinal às

2991N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

gerações mais novas de incentivo ou pelo menos deneutralidade em relação ao consumo de drogas.

Em terceiro lugar, essa legalização —a incidir sobrequalquer tipo de drogas— representaria, também, aausência de um desvalor legal para um comportamentoque, sobretudo no caso das chamadas drogas «duras»,pode constituir uma efectiva ameaça para a saúdepública da comunidade, nomeadamente em razão dorisco de propagação de doenças infecto-contagio-sas — para não falar, também, dos elevados custos detodo o sistema de apoio ao tratamento e reinserçãode toxicodependentes.

Em quarto lugar, legalizar o consumo mantendo aproibição da produção e do comércio não teria qualquerefeito significativo sobre os preços das drogas —que per-maneceriam inflacionados, sobretudo no caso das cha-madas drogas «duras», como a heroína (42)— perma-necendo, por isso, o consumo dessas drogas tenden-cialmente associado à insegurança pública, por via dacriminalidade que invade os tribunais e as prisões e queconstitui, para muitos, a única forma de alimentar adependência que cresce na proporção inversa da inser-ção social e profissional com que é compatível.

Em quinto lugar, a mera legalização do consumo,ainda que apenas «privado», poderia prejudicar, na prá-tica, a protecção dos interesses dos menores.

Em sexto lugar, uma tal solução, se poderia tornarmais atractiva a aproximação dos toxicodependentes aosistema de tratamento e de apoio à ressocialização,impediria, também, o funcionamento dos mecanismoscoercivos que, em determinadas situações, impulsionam,justamente, essa aproximação.

Mas há mais: é que, em sétimo lugar, a mera lega-lização do consumo afectaria gravemente o combate aotráfico ilícito, na medida em que as autoridades dei-xariam de poder perseguir expeditamente ao menos opequeno tráfico, na incerteza de poderem proceder àsrespectivas apreensões ante a alegação óbvia de quese trataria sempre de droga para consumo.

É certo que nem todos estes argumentos valem paratodas as drogas. Todavia, a introdução de uma distinçãoentre os diferentes tipos de drogas por forma a excluiralgumas da proibição iria colidir com as convençõesinternacionais em vigor, para além de exigir, sem dúvida,uma criteriosa avaliação científica dos respectivos efei-tos.

Daí que importe acompanhar e promover a inves-tigação científica sobre a perigosidade das diferentesdrogas, não apenas tendo em vista a intervenção dePortugal na definição das estratégias internacionais eeuropeias sobre a matéria, mas também a benefício daspolíticas de prevenção e da própria política legislativainterna, como adiante se dará conta.

Mas sempre convirá acrescentar que a mera lega-lização do consumo das chamadas drogas «leves», des-ligada da legalização do comércio, em nada contribuiria,ao contrário do que tantas vezes se diz, para a separaçãode mercados entre drogas «leves» e «duras», separaçãoessa que poderia estancar a transição do consumo deumas para outras. Bem pelo contrário, sem a legalizaçãodo comércio, ou ao menos a tolerância selectiva dasautoridades ao funcionamento desse comércio —comono modelo holandês—, a mera legalização do consumomanteria ambos os mercados mergulhados, como hojeestão, na mesma clandestinidade.

Em qualquer caso, deve sublinhar-se que a «alter-nativa» da mera legalização do consumo de qualquertipo de drogas ilícitas não o chega a ser de facto emrazão de ser contrária às convenções internacionais rati-ficadas por Portugal, de que decorre, como se fez notar,a exigência de proibição da detenção e aquisição dedrogas ilícitas para consumo, por forma a tratar taiscondutas como infracções.

26 — Solução legal adoptada: a descriminalização do consumoe sua proibição como ilícito de mera ordenação social

A estratégia nacional de luta contra a droga optapela descriminalização do consumo de drogas e pelasua proibição como ilícito de mera ordenação social,com a consequente alteração do artigo 40.o do Decre-to-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro. Essa opção respeitanão apenas ao consumo propriamente dito mas tambémà detenção (posse) e aquisição para esse consumo. Jáo cultivo para consumo, porque se alia perigosamenteao tráfico, justifica a manutenção de uma sanção detipo criminal.

Na verdade, a criminalização e a consequente mobi-lização do aparelho judicial devem estar, sobretudo, aoserviço do combate ao tráfico ilícito de drogas e aobranqueamento de capitais.

A opção pela descriminalização do consumo de dro-gas decorre, essencialmente, do princípio humanista,que é um dos princípios estruturantes da presente estra-tégia e que exige o respeito pelos princípios humanistasfundamentais do nosso sistema jurídico, nomeadamenteos princípios da subsidiariedade ou última ratio dodireito penal e da proporcionalidade, com os seus coro-lários que são os subprincípios da necessidade, da ade-quação e da proibição do excesso.

De facto, a criminalização não se justifica por nãoser meio absolutamente necessário ou sequer adequadopara enfrentar o problema do consumo de drogas edos seus efeitos, sem dúvida nefastos.

Nem a defesa da saúde pública, nem a salvaguardada segurança pública quando mediatamente ameaçada,nem mesmo a protecção da saúde dos consumidoresmenores têm necessariamente de fazer-se criminali-zando os consumidores de drogas pelo simples factode consumirem, possuírem, deterem ou adquirirem dro-gas exclusivamente para o seu consumo. Pelo contrário,esses desideratos podem ser suficientemente alcançados,com não menos eficácia, através da criminalização dotráfico, que sempre diminui a acessibilidade, aliada àproibição administrativa, por via do ilícito de mera orde-nação social, do consumo de estupefacientes e substân-cias psicotrópicas, bem como da sua detenção e aqui-sição para consumo — tudo isto em complemento dereforçadas políticas públicas preventivas e de reduçãode danos.

E a esta panóplia de instrumentos há ainda que juntaro regime autónomo sancionador da condução automóvelsob a influência de certas drogas, tal como recentementeconsagrado, e reforçado, na revisão do Código daEstrada.

Também não se mostra necessário criminalizar adetenção e a aquisição de drogas ilícitas para consumosó para viabilizar o combate ao tráfico pelas autoridadespoliciais. Na verdade, esse propósito fica integralmentesalvaguardado no quadro de um regime sancionadorcomo o ilícito de mera ordenação social, pelo que a

2992 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

descriminalização também desse ponto de vista seimpõe — não tanto por imperativos de coerência lógicaface à descriminalização do consumo mas, sobretudo,porque também ela se revela desnecessária na existênciade uma alternativa não menos eficaz.

Na verdade, no quadro do ilícito de mera ordenaçãosocial podem as autoridades policiais proceder à iden-tificação dos suspeitos, apreender a droga e desenvolveras investigações necessárias ao desencadear de uma per-seguição penal dos traficantes, inclusive nos casos dedetenção de droga para efeitos de tráfico.

Que fique claro: não se trata de legalizar ou sequerde despenalizar, ao menos no sentido amplo do termo.Trata-se de substituir a proibição através de um ilícitocriminal, pela proibição através de um mais adequadoilícito de mera ordenação social.

A prisão ou a multa —que, recorde-se, é a sançãomais frequentemente aplicada aos consumidores— nãotêm constituído a resposta adequada ao problema domero consumo de drogas.

Por outro lado, como a experiência revela, não semostra que a sujeição do consumidor a procedimentocriminal, com todas as suas consequências, constitua omeio mais adequado e eficaz de intervenção, seja noscasos de primeiras infracções ou de consumidores oca-sionais, para os quais se tem revelado excessivo, e porisso desproporcionado, mobilizar todo o sistema de reac-ção penal, seja no caso de toxicodependentes, para osquais se deve privilegiar a prioridade ao tratamento emalternativa à aplicação de sanções, que pode e deve serconsagrada no âmbito do ilícito de mera ordenaçãosocial.

Pelo contrário, em muitos casos o contacto com osistema judicial e, por vezes, com os próprios estabe-lecimentos prisionais, aliado ao correspondente estigmasocial e, em certos casos, ao próprio registo criminaldessas situações, produz efeitos prejudiciais à desejadarecuperação e, sobretudo, à ressocialização dos toxi-codependentes.

De tudo isto se conclui pela desproporção que repre-senta a tipificação como ilícito criminal do simples con-sumo de drogas, bem como da detenção e aquisiçãode drogas para consumo. Além disso, a opção pelo ilícitode mera ordenação social potencia, pela sua próprianatureza, uma mais profunda utilização de certas mani-festações do princípio da oportunidade, permitindointroduzir um sistema sancionatório mais flexível comvista a um melhor tratamento processual do casoconcreto.

Por outro lado, a não intervenção do direito penalpermitirá criar um espaço próprio para a intervençãode um sistema de controlo administrativo através doilícito de mera ordenação social e da consequente atri-buição de competência para aplicação de sanções emedidas às autoridades administrativas, de modo a favo-recer a necessária intervenção das entidades competen-tes na área da prevenção (primária, secundária e ter-ciária), com ganhos evidentes de eficácia, racionalizaçãoe optimização de meios.

Esta solução, para além de aliviar os tribunais deum número considerável de processos por consumo dedroga, com vantagens para o funcionamento da justiçaem geral, permitirá, ainda, que o consumidor possa sur-gir numa posição processual distinta do arguido por trá-fico e beneficiar de medidas de protecção adequadas,

se for caso disso — com nítida demarcação de estatutorelativamente à situação actual —, o que contribuirápara uma maior celeridade e eficácia da investigaçãoe reforço da prova relativa a processos por crime detráfico.

No actual contexto, a manutenção de uma proibiçãoconstitui, todavia, um imperativo, por diversas razões,a começar por todas aquelas que atrás se invocaramcontra a mera legalização do consumo (43). Com efeito,sem a proibição legal seria de prever um aumento doconsumo, sobretudo entre os menores, decorrente deuma maior acessibilidade e da ausência de um desvalorlegal desse consumo. Por outro lado, sem a ilicitudeda detenção (posse) de drogas resultaria, na prática,gravemente prejudicado o combate ao tráfico.

Em qualquer caso, a previsão de um ilícito semprese impõe à luz das convenções internacionais, nos termosdas quais o Estado Português está vinculado a proibira detenção e aquisição de drogas ilícitas para consumo.Assim sendo, o ilícito administrativo constitui não ape-nas a solução mais adequada num contexto de proibiçãodo comércio deste tipo de drogas mas também a únicaalternativa à criminalização que se mostra compatívelcom as convenções internacionais em vigor.

Recorde-se que é justamente essa a conclusão do járeferido parecer jurídico do Prof. Faria Costa (44).

Finalmente, importará dizer que, como se explicou,a opção pela descriminalização, substituindo-a pelo ilí-cito de mera ordenação social, é conforme com a pro-posta feita pela Comissão para a Estratégia Nacionalde Combate à Droga.

O que aqui se deve realçar é que não se trata deo Estado impor abusivamente aos cidadãos comporta-mentos saudáveis mas, sobretudo, de, respeitando asconvenções internacionais, conservar o desvalor legalque possa dissuadir comportamentos potencialmenteprejudiciais para a saúde e a segurança públicas, bemcomo para a saúde dos menores e, ao mesmo tempo,deixar intocados os mecanismos que permitem às auto-ridades intervir onde a autoridade dos educadores jánão chega e, sobretudo, perseguir eficazmente o tráfico.

27 — Conformidade da solução legal adoptada com a Constituição

A descriminalização preconizada está em perfeitaconformidade com a Constituição portuguesa, que aliásrejeita, de um modo geral, imperativos constitucionaisde criminalização.

Como é entendimento corrente, mesmo a tutela dosdireitos fundamentais constitucionalmente protegidos,incluindo aqueles direitos, liberdades e garantias quebeneficiam de um regime mais exigente, a ponto denão poderem ser suspensos nem em situação de estadode sítio ou de estado de emergência (artigo 19.o, n.o6, da Constituição), não tem, necessariamente, que serfeita por via do direito criminal.

A ponderação sobre a intervenção do direito penalé, pois, remetida para o legislador ordinário, não semque ele deva atender nessa ponderação aos princípiose regras constitucionais.

Alguns, inclusivamente, têm visto nessa liberdade dolegislador ordinário, consentida pela Constituição, o fun-damento para restringir a situações excepcionais a facul-dade de as convenções internacionais consagrarem

2993N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

novos imperativos criminalizadores, faculdade essa queficaria reservada para os casos em que a criminalizaçãoé verdadeiramente indispensável para o objectivonuclear visado. Mas sempre se pode responder quesendo tais convenções infraconstitucionais, não deixamde ser, também elas, obra do legislador ordinário, quede alguma forma exerce a sua liberdade conformadoraao decidir da vinculação internacional do Estado.

O problema, aliás, costuma ser colocado justamentedo ângulo oposto, em que se pergunta se é conformeà Constituição criminalizar na lei o consumo de drogas,na medida em que, para alguns, isso poderia colidircom os princípios da autonomia da pessoa ou da liber-dade individual e, sobretudo, com o direito à reservada intimidade da vida privada e familiar (artigo 26.o,n.o 1, da CRP) e à inviolabilidade do domicílio (arti-go 34.o da CRP), tal como devem ser interpretados àluz da Declaração Universal dos Direitos do Homem.A esse propósito, é uso recordar outros valores comdignidade igualmente constitucional a que a crimina-lização visaria responder, como é o caso do direito àsaúde (artigo 64.o da CRP), justificando-se, então, acriminalização pela consequente ponderação dessesvalores constitucionais conflituantes.

A resposta claramente dominante vai, pois, no sentidode não extrair da Constituição, ao menos neste caso,nem uma proibição de criminalizar, nem uma proibiçãode descriminalizar, razão pela qual a opção estratégicafeita se ajusta perfeitamente ao direito constitucionalportuguês.

Mas se alguma coisa houvesse que retirar da Cons-tituição nesta matéria seria, bem mais facilmente, oimperativo de descriminalizar em razão da raiz cons-titucional dos princípios estruturantes do nosso Estadode direito democrático, como sejam os princípios daliberdade e, em especial, os princípios da proporcio-nalidade e da subsidiariedade do direito penal.

28 — Conformidade da solução legal adoptadacom o direito internacional

Uma questão, sem dúvida pertinente, é a de saberse a descriminalização preconizada colide ou não comas convenções internacionais a que Portugal se encontravinculado, posto que é, também, opção estratégica assu-mida harmonizar as políticas internas com a estratégiainternacional vertida nesses compromissos.

Importa tirar todas as ilações das convenções inter-nacionais em vigor.

A já referida Convenção Única de 1961 sobre Estu-pefacientes, modificada pelo Protocolo de 1972, limi-ta-se, quanto ao que aqui nos interessa, a possibilitaràs Partes a proibição da detenção de estupefacientesque não se destinem a fins de investigação médica oucientífica (artigo 2.o, n.o 5) e a obrigá-las a adoptar asmedidas legislativas «necessárias» para limitar a essesfins a mesma detenção de estupefacientes [artigo 4.o,alínea c)]. Quanto ao tráfico, mais adiante se prescrevea criminalização sob reserva das respectivas disposiçõesconstitucionais [artigo 36.o, n.o 1, alínea a)], coerentecom a regra da proibição da detenção que seja instru-mental ao tráfico, sob pena de idêntica criminalização[artigos 33.o e 36.o, n.o 1, alínea a)].

Já quanto à detenção para consumo, sendo emboracontroverso se estará subordinada ao regime de auto-

rização (previsto no artigo 33.o), o qual remeteria ime-diatamente para o direito administrativo, certo é quenão está necessariamente sujeita a condenação ou san-ção penal, podendo em alternativa, ou cumulativamente,as Partes submeter as pessoas envolvidas a medidas detratamento ou afins [artigo 36.o, n.o 1, alínea b)]. Con-tudo, a detenção não deixa aí de configurar uma «infrac-ção», donde se conclui que tanto pode correspondera um ilícito criminal, como a um mero ilícito admi-nistrativo.

É neste sentido que se pronuncia o referido parecerdo Prof. Faria Costa, onde se diz a propósito da Con-venção de 1961: «se é inequívoca a visão do consumocomo uma situação perniciosa — atitude ou comporta-mento absolutamente indesejável e que deve ser com-batido em tantas frentes —, não se impõe como umadecorrência inequívoca da vontade das Partes, expressano texto normativo da Convenção, um seu sanciona-mento criminal, ficando a intervenção do direito penaldependente da sua efectiva necessidade e eficácia. Aproibição do consumo, sem dúvida imposta — subli-nhe-se de novo — [. . .] não exigirá necessariamente asua criminalização, podendo ser remetida a outros ramosdo direito, máxime o direito administrativo. (45)»

Nestes termos, a opção estratégica adoptada não éapenas conforme com a Convenção de 1961, porqueesta admite a não criminalização do consumo (no sen-tido de detenção e aquisição para consumo), é tambémconforme com a Convenção porque, exigindo ela a proi-bição da detenção e aquisição para consumo, tal proi-bição existe na opção feita por meio de um ilícito admi-nistrativo, como é o ilícito de mera ordenação social.

Do mesmo modo, a Convenção sobre as SubstânciasPsicotrópicas, de 1971, assenta na lógica da proibiçãode utilização de substâncias psicotrópicas, excepto parafins científicos ou médicos ou salvo receita médica [arti-gos 7.o, n.o 1, alínea a), e 9.o, n.o 1], tendo em vistanão apenas combater o tráfico mas, também, prevenire combater o abuso dessas substâncias.

E, de modo análogo à Convenção de 1961, prevê-sea criminalização do tráfico [artigos 22.o, n.o 1, alínea a),e 21.o], enquanto para a detenção e aquisição para con-sumo se admitem alternativas à condenação ou sançãopenal.

Contudo, também na Convenção de 1971 se não afastaa exigência de uma proibição, como explica o Prof. FariaCosta no mesmo parecer: «a letra da lei mostra-nosque, podendo o consumo implicar a prática de condutasque caibam na alínea anterior — que se refere ao trá-fico —, se o intuito do agente não for utilizar a subs-tância para o seu próprio consumo, poderá existir trá-fico; este modelo de construção da norma explicar-se-áfacilmente pela intenção de evitar os espaços vazios depunição». E mais adiante: «Em resumo, porque o dis-posto na Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicasdenota grandes semelhanças com o previsto na Con-venção Única sobre Estupefacientes, diremos apenasque o uso de substâncias psicotrópicas se deve limitaràs utilizações médica ou científica, pelo que quer o trá-fico quer o consumo daquelas substâncias se apresentamcomo indesejáveis. No entanto, também aqui estas duasrealidades são tratadas de forma distinta: quanto aotráfico, parece impor-se a criminalização; relativamenteao consumo, a ideia fulcral é a de tratamento e rein-tegração social, referindo-se mesmo a possibilidade de

2994 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

não condenação que, como vimos, se não confunde coma de não aplicação de uma pena», no mais remetendopara o que acima se transcreveu a propósito da Con-venção de 1961 (46).

Em suma, a opção estratégica de descriminalizar oconsumo de drogas, bem como a posse, detenção e aqui-sição para esse consumo, substituindo-a pela sua proi-bição através do ilícito de mera ordenação social, é con-forme à Convenção de 1971, nos mesmos termos emque o é face à Convenção de 1961.

Toda esta questão, contudo, tem um novo enqua-dramento desde a entrada em vigor da Convenção dasNações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacien-tes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, norteada pelopropósito de reforçar o combate ao tráfico ilícito e aobranqueamento de capitais, controlar o acesso aos cha-mados «precursores» (substâncias necessárias ao fabricodos estupefacientes e substâncias psicotrópicas) e col-matar lacunas das Convenções de 1961 e de 1971.

Uma das vertentes mais importantes da Convençãode 1988 é, justamente, a enunciação das condutas queas Partes devem qualificar como infracções penais. Reto-ma-se, assim, o dever de criminalização do tráfico, espe-cificando-se, porém, o dever de criminalizar a detençãoque seja instrumental a esse tráfico [artigo 3.o, n.o 1,alínea a)].

Já as questões relacionadas com o consumo surgemtratadas no n.o 2 do mesmo artigo 3.o, que importa trans-crever: «sob reserva dos princípios constitucionais e dosconceitos fundamentais do respectivo sistema jurídico,as Partes adoptam as medidas necessárias para tipificarcomo infracções penais no respectivo direito interno,quando cometidas intencionalmente, a detenção, a aqui-sição ou o cultivo de estupefacientes ou substâncias psi-cotrópicas para consumo pessoal em violação do dis-posto na Convenção de 1961 modificada e na Convençãode 1971».

É pacífico que desta disposição não se retira, de modoalgum, qualquer obrigação de criminalizar o próprioconsumo das drogas a que se referem as tabelas anexasàs mencionadas convenções internacionais. Mas nãoparece, também, facilmente contestável que da mesmanorma resulta, ao invés do que sucedia, ao menos demodo explícito, nas convenções anteriores, a regra dacriminalização da detenção e aquisição de drogas paraconsumo.

O problema reside no alcance desta regra ou, de outroprisma, no alcance das excepções que expressamentelimitam o âmbito dessa regra.

Com efeito, como se conclui da simples leitura dopreceito, a obrigação de adoptar «as medidas necessáriaspara tipificar como infracções penais» a detenção e aaquisição de drogas — já que o problema se não põeaqui quanto ao cultivo — só existe quando a isso se nãoopuserem os princípios constitucionais ou os conceitosfundamentais dos sistemas jurídicos de cada uma dasPartes signatárias da convenção.

Ora, se, como vimos, não existirão, talvez, obstáculosconstitucionais insuperáveis à criminalização da deten-ção e aquisição de drogas para consumo ou mesmo àsua previsão em sede de tratados internacionais, já essacriminalização colide, como se explicou, com «conceitosfundamentais do nosso sistema jurídico», que se expri-mem pelos acima referidos princípios da subsidiariedadeou ultima ratio do direito penal e da proporcionalidade,

cujos corolários são os subprincípios da necessidade,da adequação e da proibição do excesso.

E em abono deste entendimento mais uma vez sepode invocar o parecer do Prof. Faria Costa sobre oproblema da criminalização da detenção para consumona Convenção de 1988: «diversamente do que sucedequanto ao tráfico, não existe uma obrigatoriedade abso-luta de criminalização, pois ela pode ser afastada desdeque conflitue com os princípios constitucionais ou comos conceitos fundamentais do sistema jurídico interno[. . . ] Saliente-se que cremos constituir um dos conceitosfundamentais do nosso direito penal o princípio da sub-sidiariedade ou ultima ratio da sua intervenção. Peloque, em regra, terá de caber ao legislador ordinárioajuizar da idoneidade do direito penal para combatero consumo de estupefacientes e substâncias psicotró-picas — e a criminalização de tal comportamento sódeverá ocorrer se, para além de necessária, for eficazno combate ao mesmo» e à protecção do bem jurídicosubjacente à proibição do consumo de estupefacientese substâncias psicotrópicas que «só poderá ser a saúdepública» (47).

É certo que idênticos princípios, afinal corolários doprincípio da liberdade, são partilhados — e, portanto,seriam invocáveis — por outros Estados de direito, oque poderá, sem dúvida, prejudicar a possibilidade deao abrigo da referida norma internacional se alcançaruma efectiva harmonização ou uniformidade de soluçõeslegislativas no direito interno das Partes. Mas tem dereconhecer-se que é a própria norma que não impõeessa uniformidade, antes admite, expressamente, solu-ções divergentes ao abrigo de princípios como os quemanifestamente existem no nosso sistema jurídico.

Decorre do exposto que a disposição internacionalem causa — e terá sido esse o compromisso políticointernacionalmente possível — não retirou ao legisladordos Estados signatários a faculdade de, ponderando osconceitos fundamentais do respectivo sistema jurídico,optar por não criminalizar a detenção e aquisição dedrogas para consumo. É essa ponderação soberana queresulta feita na presente estratégia nacional de luta con-tra a droga. E isto, como terá ficado claro, não apenaspor argumentos de coerência lógica face à descrimi-nalização do próprio consumo — argumentos esses quenão permitiriam, só por si, assegurar uma compatibi-lidade da opção em causa com as convenções inter-nacionais. Mas, sobretudo, porque a criminalização daposse, detenção e aquisição de drogas para consumocolide, no entendimento que se perfilha, com princípiosbasilares da nossa ordem jurídica.

A conclusão a extrair, portanto, é afinal aquela quecom exemplar clareza sustentou o Prof. Faria Costa:«as Convenções da ONU que vinculam o Estado Por-tuguês não impõem a criminalização do consumo deestupefacientes ou substâncias psicotrópicas. Assimsendo, tal criminalização apresenta-se como uma opçãopara o legislador ordinário». E logo acrescenta: «Sendocerto, porém, que as convenções impõem, isso sim, umaproibição do consumo, no sentido de uma impossibi-lidade de total liberalização, tal proibição, caso escapeàs malhas do direito penal — por opção do legisladorordinário, repita-se — terá de caber ao direito admi-nistrativo [. . . ], nomeadamente através de um direitoadministrativo de natureza sancionatória como é odireito de mera ordenação social» (48).

2995N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

Em suma, a opção estratégica de descriminalizar oconsumo de drogas, bem como a detenção e aquisiçãopara esse consumo, não colide com as convenções inter-nacionais a que Portugal se encontra vinculado, sendoque a substituição dessa criminalização pelo ilícito demera ordenação social corresponde à obrigação inter-nacional de estabelecer no direito interno uma proibiçãodessas condutas, coisa que não sucederia com qualquerdas alternativas que preconizam a sua legalização, sejamelas a liberalização, a regulação ou mesmo a mera lega-lização do consumo.

E, como resulta do exposto, já se vê que não podeobjectar-se, sequer, contra a opção feita que ela pre-judicaria o alegado compromisso internacional de per-mitir uma prática de actuação das autoridades repres-sivas, que não as inibisse de chegar até aos canais dotráfico, visto que estabelecendo-se, como se preconiza,a proibição da detenção e aquisição por meio do ilícitode mera ordenação social em nada se reduz a margemde manobra na penetração nos circuitos de distribuiçãoe, portanto, no combate ao tráfico.

Nestas condições, sendo a opção estratégica preco-nizada inteiramente conforme às convenções interna-cionais, não há motivo para fazer a sua concretizaçãodepender de «apoios conducentes a uma progressivaevolução das posições das instâncias internacionais nadirecção desejada», por forma a evitar a «ruptura comas convenções internacionais», como prudentementesugerido pela Comissão para a Estratégia Nacional deCombate à Droga (49), sugestão essa que, segundo ovoto de vencido de dois dos seus membros, «parecelimitar-se, na prática, a recomendar que o Governo dePortugal anime a discussão internacional desta maté-ria» (50).

Do mesmo modo, não parecem existir riscos de «iso-lamento de Portugal nas organizações internacio-nais» (51), já que a substituição da criminalização peloilícito de mera ordenação social tem tradição no direitocomparado, incluindo em Estados membros da UniãoEuropeia bem próximos de nós, como já de seguidase dará conta.

29 — A solução legal adoptada e o direito comparado

Não será este, obviamente, o local próprio para umaextensa exposição sobre o enquadramento legal das dro-gas no direito comparado. Mas justifica-se deixar aquialgumas notas sobre a matéria.

A generalidade dos países ocidentais consagram,como é sabido, a criminalização da detenção e aquisiçãode drogas para consumo e, diversos deles, também dopróprio consumo.

Se na maior parte dos casos essa criminalização cor-responde à previsão de variáveis penas de prisão oumulta, também é certo que nem sempre a essa crimi-nalização corresponde a efectiva previsão e aplicaçãode uma pena. Isto em resultado de uma tolerância prag-mática das autoridades ou do exercício do princípio daoportunidade, mas também por força de mecanismosvários, sobretudo em casos de primeira infracção oude menor gravidade, como o não exercício da acçãopenal, a suspensão provisória do processo, o regime deprova, a dispensa de pena ou a isenção de pena.

Por outro lado, as sanções clássicas de prisão oumulta, que tendem a poder ser cada vez mais frequen-

temente substituídas pelo tratamento dos toxicodepen-dentes, coexistem hoje com outras penas com dimensãopedagógica, como sucede com a simples advertência oua pena de trabalho em favor da comunidade.

Em todo o caso, sem menosprezo pelos dados refe-rentes à aplicação prática da lei e dos seus mecanismos,o quadro que se recolhe do direito comparado é — tantoquanto é possível sumariar em poucas palavras — deuma generalizada consideração como ilícito criminal dadetenção e aquisição de drogas para consumo, e porvezes, também, do próprio consumo.

Em diversos países esta via foi recentemente refor-çada em importantes documentos de orientação política.

No texto introdutório à estratégia norte-americanapara o controlo das drogas (The National Drug ControlStrategy, 1997) o Presidente Bill Clinton foi claro: «Wewill continue to oppose all calls for the legalization ofillicit drugs [. . . ] the current drug legalization movementsends the wrong message to our children.»

Não foi menos explícito o Governo Britânico: «TheGovernment continues to reject legalisation or ‘descri-minalisation’ because of the risks of wider use and theneed to send a strong anti-drugs signal to young peoplein particular [. . . ] the Government considers that thecase for change has not been made. It therefore remainsstrongly opposed to the legalisation of cannabis or anyother drug controlled [. . . ]» (52).

Nem mesmo a própria Holanda admite, no actualcontexto, introduzir alterações à sua legislação. E sãomuito elucidativas as razões invocadas: «there must bea danger that legalisation, irrespective of how it wascarried out, would increase the availability of the drugsin question (hard drugs) and act as signal to young peo-ple that such drugs were not so harmful after all [ . . . ]The Government is not prepared to take that risk. Thereare other arguments against legalisation too. After anyform of legalisation it is probable that prices on thelegal and any remaining illegal markets for hard drugsin the Netherlands would be considerably lower thanin neighbouring countries. In such situation it is ine-vitable that the ‘drug tourism’, wich is already so bitterlyresented by the governments of neighbouring countriesand indeed by local authorities in the Netherlands, wouldincrease [. . . ] Nor do we consider it desirable for allcoffee shops to be closed, but the complete legalisationof the sale of cannabis would be equally undesirable[. . . ] experts in the field of international criminal laware of the opinion that the international agreementsratified by the Netherlands leave no scope whatsoeverfor legalising the sale of drugs for recreational purposes[. . . ] Legalisation would require the Nethertlands notonly to denounce the UN conventions in question, butalso the Schengen Agreement [. . . ] the government doesnot believe it would be acting responsibly if it were togo it alone and legalise the supply of soft drugs whileneighbouring countries did not» (53).

Por outro lado, não teve sequência, como é sabido,o relatório elaborado em França por iniciativa deSimone Veil, ao tempo do governo Balladur, e que ficouconhecido pelo nome do presidente da comissão queo redigiu, Roger Henrion. Recorde-se que o relatórioHenrion recomendou a descriminalização do uso da can-nabis e apontava, também, para a futura regulação doseu comércio. Bem pelo contrário, a Comissão Inter-ministerial de Luta contra a Droga e a Toxicodepen-

2996 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

dência, sob a presidência de Alain Juppé, adoptou em1995 um programa governamental que insistia na com-ponente repressiva (a par da vertente preventiva, sani-tária e de redução de danos), limitando-se, no essencial,a dar sequência ao plano governamental de luta contraa droga apresentado em 1993 — antes ainda do relatórioHenrion — por Édouard Balladur (54).

Na mesma linha o Governo Federal Alemão não aco-lheu a proposta de um Estado federado no sentido davenda de cannabis nas farmácias (55).

Refira-se, a propósito, que em Abril de 1988 a Orga-nização de Unidade Africana (OUA) considerou e rejei-tou a ideia de descriminalizar ou legalizar a cannabise pediu ao PNUCID um plano especial de erradicação.

Neste quadro, porém, dois países europeus sobres-saem porque tiveram a ousadia de ir mais longe, explo-rando um caminho respeitador das convenções inter-nacionais vigentes: optaram pela descriminalização,mantendo embora a proibição através do ilícito de meraordenação social. Foi o que sucedeu em Espanha e emItália.

Em Espanha, a posse de droga para consumo próprioestá sujeita a sanções meramente administrativas, omesmo sucedendo com a detenção e o consumo emlugares públicos. A tais infracções administrativas podeser aplicada não apenas a sanção pecuniária — multaou, entre nós, coima — mas também a suspensão dalicença de condução de veículos com motor até trêsmeses e a retirada da licença de porte de arma.

Em Itália, desde 1990 e em termos mais alargadosdepois do referendo de 1993, a detenção e aquisiçãode droga para uso pessoal é também passível de sançãoadministrativa, que em certos casos pode ser de meraadvertência. O regime legal inclui incentivos ao trata-mento dos toxicodependentes, cuja recusa injustificadapode dar lugar a sanções adicionais. As sanções, natu-ralmente transitórias, podem incluir a proibição de fre-quentar certos locais públicos, obrigação de exercíciode actividade não remunerada em favor da comunidadeou apreensão de veículos (56).

A descriminalização e proibição da posse e aquisiçãode drogas ilícitas para consumo através do ilícito demera ordenação social tem, pois, paralelo no direitocomparado em países membros da União Europeia esignatários das convenções internacionais celebradas soba égide da Organização das Nações Unidas.

30 — Orientações para a revisão da lei da droga:a criminalização do incitamento ao consumo

A descriminalização e consequente proibição pelodireito administrativo do consumo de drogas ilícitas,bem como da detenção e aquisição para esse consumo,recairá, indistintamente, sobre o consumo público e pri-vado, fundamentalmente por cinco razões:

Em primeiro lugar, porque, como já se fez notar,a proibição da detenção e aquisição de drogas para con-sumo, ainda que «privado», é imposta pelas convençõesinternacionais a que Portugal está vinculado.

Em segundo lugar, porque, apesar de qualquer proi-bição ter diminuto efeito sobre o consumo verdadei-ramente «privado», não desapareceu o interesse na con-servação do desvalor legal desse consumo, tendo emconta, entre outras razões, a protecção de menores.

Em terceiro lugar, porque o consumo «público»,

podendo embora constituir, em determinadas situações,um grave incitamento ao consumo, não carece de sercriminalizado autonomamente como tal, ao contráriodo que pareceu à Comissão para a Estratégia Nacionalde Combate à Droga (57) e outros têm também sus-tentado, ao menos para as chamadas drogas «duras».

De facto, não se adoptando a distinção entre consumo«público» e «privado», resultará que deve ser dado cum-primento ao disposto no artigo 3.o, n.o 1, alínea c), suba-línea iii), da Convenção de 1988, nos termos do qualdeverá ser tipificado como infracção penal «o facto deincitar ou instigar publicamente outrem, por qualquermeio, [ . . . ] a usar ilicitamente estupefacientes ou subs-tâncias psicotrópicas», cabendo à apreciação casuísticadas situações de consumo, incluindo do consumo dito«público», avaliar do preenchimento do referido tipolegal de crime. E pode até ser que determinadas situa-ções que poderiam cair numa definição de consumo«privado» devam, em certas circunstâncias, configurarum incitamento ao consumo. Como será de admitir quealgumas situações por vezes consideradas de consumo«público» não configurem verdadeiro incitamento.

Em qualquer dos casos, o consumo, ainda que emfunção das circunstâncias do caso concreto não con-figure incitamento ao uso, e portanto não constituacrime, não deixará de estar abrangido pela proibiçãoadministrativa, o que sempre permitirá a intervençãodas autoridades.

Em quarto lugar, porque seriam sem dúvida proble-máticas as consequências da distinção de regimes entrea detenção e aquisição para consumo «privado» e paraconsumo «público», na medida em que deixaria às auto-ridades chamadas a intervir a ingrata tarefa de discerniros motivos dessas condutas, frustrando-se, em muitassituações, os propósitos da proibição enquanto instru-mento preventivo do chamado consumo «público».

Finalmente, porque assim se evita uma distinção com-plexa e certamente dúbia entre o que é «público» eo que é «privado», distinção, aliás, não desprovida deum certo carácter falacioso, já que não poderia deixarde se permitir a fruição em público — com a conse-quente exibição pública dos efeitos das drogas — apesarde a lei remeter o acto de consumo para a intimidadeprivada.

31 — Orientações para a revisão da lei da droga:as chamadas drogas «leves» e «duras»

A proibição pelo ilícito de mera ordenação socialabrangerá, também, o conjunto das tradicionalmentechamadas drogas ilícitas, sejam elas rotuladas de «duras»ou «leves».

Trata-se, mais uma vez, como já atrás se explicou,de uma incontornável consequência das convençõesinternacionais vigentes, que remetem para uma proi-bição cujo âmbito não pode depender desta distinção.

Já neste documento se deu conta, porém, de todoo interesse que esta questão merece, a ponto de fazerparte de uma das opções estratégicas proclamadas oacompanhamento do debate internacional e o aprofun-damento da investigação científica sobre a matéria. Eisto, como se disse, não apenas para efeitos da par-ticipação activa de Portugal na definição das estratégiasda comunidade internacional e da União Europeia, mastambém para efeitos da política legislativa, de que aquise cuida.

2997N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

É já hoje evidente que as drogas não são todas iguaisnos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociaisdo seu consumo. Este ponto é, aliás, particularmentevalorizado na estratégia de prevenção adoptada, cons-tituindo, de resto, condição de credibilidade da men-sagem que há-de animar as acções preventivas.

Ora, não pode o Estado ignorar na sua política legis-lativa aquilo que apregoa na sua política de prevenção.

Por isso, o novo quadro legal deve conter sançõesadministrativas diferenciadas em função da perigosidadeinerente ao consumo das diferentes drogas, ponderadosos demais factores relevantes para a fixação da moldurasancionatória, sem prejuízo do reconhecimento e divul-gação dos efeitos nefastos de todas as drogas.

De resto, a fixação de sanções diferenciadas — porexemplo no caso da cannabis e seus derivados, haxixee marijuana —, para além de coerente com as mensagensem sede de acções preventivas, poderá contribuir, tam-bém, em certa medida, para desencorajar a transiçãopara drogas mais perniciosas.

32 — Orientações para a revisão da lei da droga:as sanções administrativas

O quadro sancionatório a adoptar por meio do ilícitode mera ordenação social não poderá deixar de ter pre-sente o princípio humanista que enforma a presenteestratégia nacional de luta contra a droga. Isto implica,naturalmente, a fixação de sanções verdadeiramenteadequadas às pessoas e às situações em causa.

Ora, é fora de dúvida que a sanção característica doilícito de mera ordenação social — a coima, aplicadapor uma autoridade administrativa — sendo uma sançãode tipo pecuniário, não será, muitas vezes, a medidaajustada aos casos de consumo de drogas ou da suadetenção e aquisição para consumo. É manifesto que,sobretudo no caso de toxicodependentes, a espiral dedestruição frequentemente provoca uma dramática dela-pidação do património pessoal e familiar, quando nãomesmo a ruptura com os meios de obtenção lícita desustento, pelo que uma sanção pecuniária, para alémde deslocada por não promover a recuperação de quemdela precisa, tenderia a ser meramente virtual.

E o problema também não se resolveria por meiodo recurso às sanções acessórias previstas no regimequadro das contra-ordenações, muitas delas desajusta-das da situação de que aqui cabe tratar.

Só que nada disto prejudica o mérito da opção peloilícito de mera ordenação social e muito menos res-suscita vantagens do modelo criminalizador. Bem pelocontrário, cumprirá recordar, sumariamente, a muitomais flagrante desadequação da pena de prisão previstana nossa actual lei da droga — ainda que raramenteaplicada de modo efectivo aos consumidores — e a natu-reza, na prática igualmente pecuniária, da pena de multahoje vigente, com a agravante de poder ser substituídapor prisão efectiva em caso de não pagamento.

O que se preconiza é um regime contra-ordenacionalespecial, em que, para além da coima, em vez dela ousubsidiariamente a ela, ou no quadro da suspensão doprocesso de contra-ordenação, se preveja a aplicaçãode outras medidas mais apropriadas.

Desde logo, a desintoxicação e o internamento emcomunidade terapêutica, no caso de toxicodependentes,como alternativa de sanções administrativas.

A ideia, aliás, já foi expressamente defendida entrenós (58).

As sanções administrativas, principais ou acessórias,devem ser equacionadas na linha da experiência espa-nhola ou italiana, admitindo outras que se revelem apro-priadas, posto que compatíveis com o alcance das garan-tias processuais próprias do ilícito de mera ordenaçãosocial e com os limites constitucionais. E não podeexcluir-se, também, o arquivamento ou a dispensa desanção administrativa em certas situações, pois que seelas se admitem em sede de ilícito criminal, por maioriade razão se deverão admitir, para situações idênticas,no ilícito administrativo.

Por outro lado, deve consagrar-se como sanção aces-sória, ou no quadro de regulamentação administrativaprópria, a medida de suspensão da licença ou da auto-rização de funcionamento dos estabelecimentos públicosonde se verifique, de forma reiterada ou ostensiva, aprática da contra-ordenação de consumo de drogasilícitas.

Mas muitas das soluções já hoje constantes do regimegeral das contra-ordenações conservarão pertinência nocaso presente. É o caso da admoestação, que poderáter lugar para primeiras infracções ou casos de menorgravidade. É o caso, também, das sanções acessóriasde perda de objectos pertencentes ao agente e, even-tualmente, da própria inibição de exercício de certasactividades profissionais.

E não parece necessário, sequer, reforçar especial-mente os poderes legais das autoridades policiais e fis-calizadoras, pois no quadro do regime geral do ilícitode mera ordenação social se encontram já os meca-nismos suficientes para a intervenção necessária à inves-tigação dos factos, à garantia da ordem pública e à per-seguição do tráfico, incluindo a identificação pelas auto-ridades administrativas e policiais do respectivo agente,bem como a apreensão provisória e posterior perda deobjectos utilizados na prática de contra-ordenações,sobretudo quando perigosos, ainda que não possa haverlugar a procedimento contra o agente ou que não lheseja aplicada uma coima.

Por outro lado, recorde-se que a eficácia das sançõesadministrativas poderá sempre beneficiar da já existentetipificação como ilícito criminal da desobediência aordem legítima emanada de autoridade competente.

Mais do que uma adaptação, nos termos referidos,do regime jurídico do ilícito de mera ordenação social,a solução preconizada exigirá uma adaptação do apa-relho administrativo que vier a ser incumbido de zelarpela sua aplicação, atenta a relevância e complexidadesocial do problema do consumo de drogas e da toxi-codependência.

33 — Outras alterações legislativas

A revisão da chamada «lei da droga» (Decreto-Lein.o 15/93, de 22 de Janeiro, rectificado e republicadoa 20 de Fevereiro do mesmo ano), decorrente da opçãode descriminalização de que acima se deu conta, deveráconstituir uma oportunidade para considerar um con-junto de outras alterações ao mesmo diploma, desig-nadamente as que têm sido sugeridas por diferentespersonalidades e autores, às quais se juntam, agora, aspropostas da Comissão para a Estratégia Nacional deCombate à Droga (59).

2998 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

Especial consideração deverão merecer as possibili-dades seguintes:

a) Confirmar, por disposição expressa, a licitudeda prescrição médica de drogas autorizadas,nomeadamente drogas de substituição;

b) Proibir a utilização como prova de consumo deestupefacientes ou substâncias psicotrópicaspara efeitos de investigação do respectivo ilícito,dos resultados das perícias ou exames médicos,bem como da prova recolhida para caracteri-zação do estado de toxicodependência;

c) Eventual revisão dos elementos do crime de trá-fico ou das suas consequências legais, ponde-rando, especialmente, os que se prendem comos conceitos de detenção, posse, transporte, ofe-recimento, cedência, empréstimo e compra emconjunto;

d) Redefinir a figura do traficante-consumidor,nomeadamente tendo em conta os casos em queeste não destina, em exclusivo, o produto dadroga traficada ao alimentar da sua toxicode-pendência, mas reserva uma parte para satis-fazer necessidades básicas de subsistência.

A aplicação da lei

34 — Promover a aplicação dos mecanismos previstosna lei da droga

Os dados disponíveis sobre a aplicação do Decre-to-Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, a actual lei da droga,constam dos relatórios oficiais que têm vindo a ser publi-cados e foram sumariados no relatório da Comissão (60).

Se é verdade que esses dados permitem confirmarque são muito poucos os consumidores condenados emprisão efectiva pelo crime de consumo, permitem, tam-bém, concluir que, em diversos aspectos, a aplicaçãoda lei não corresponde ainda aos objectivos visados pelolegislador, sendo pouco utilizados os mecanismos quepretendiam garantir uma adequação do regime legal àsituação específica em que se encontram os toxicode-pendentes e à natureza dos ilícitos praticados.

Desde logo, o instituto da suspensão provisória doprocesso, que substituiu a figura do não exercício daacção penal, raramente é utilizado (61).

Do mesmo modo, é extremamente restrito o recursoà suspensão de execução da pena mediante a obrigaçãode tratamento voluntário do toxicodependente, seja emcasos de consumo, seja em caso de outros crimes, emflagrante contraste com o confessado propósito do legis-lador de o contacto com o sistema formal da justiçaservir para mobilizar os utensílios jurídicos «no máximoda sua valência, para que o toxicodependente ou o con-sumidor habitual se liberte da escravidão que o domina,mediante os incentivos adequados do tratamento e dareabilitação». O mesmo sucede com a obrigação de tra-tamento como injunção complementar de outra medida.

Igualmente diminuta é, também, a utilização do cha-mado «regime de prova».

Por outro lado, sendo a pena de multa a mais aplicadaaos toxicodependentes, verifica-se o reduzido númerode casos em que é aplicada a simples admoestação dosconsumidores ou a dispensa de pena (em 1997 estassoluções foram aplicadas, no total, em 240 casos, dis-tribuindo-se de forma quase igualitária num universo

de 2238 casos). E mais rara ainda é a pena de prestaçãode trabalho a favor da comunidade (não mais de oitopenas deste tipo em todo o ano de 1997).

Evidentemente, este quadro sofrerá alterações umavez que se proceda à preconizada descriminalização doconsumo, bem como da detenção e aquisição paraconsumo.

Mas não só isso não afectará a pertinência de muitosdestes mecanismos na lei da droga — por exemplo noque se refere ao tratamento em alternativa de pena aaplicar aos traficantes-consumidores —, como a nãoresolução dos problemas que estão na origem destesbloqueios acabará por se reflectir no insucesso de solu-ções análogas a consagrar no novo regime do ilícitode mera ordenação social.

Importa, antes do mais, assegurar a sensibilização dosaplicadores do direito, promovendo as necessáriasacções de formação, em colaboração com o Centro deEstudos Judiciários e a Ordem dos Advogados.

Mas importa, também, garantir os meios e os pro-cedimentos necessários ao bom funcionamento destesmecanismos.

Neste aspecto, é absolutamente crucial a nova cláu-sula já consagrada no Decreto-Lei n.o 72/99, de 15 deMarço, sobre o sistema de apoios ao tratamento e rein-serção social de toxicodependentes, já que aí agora seexige que «as unidades privadas de saúde só podemcelebrar convenções, nos termos do presente diploma,desde que se disponibilizem, com menção expressa naprópria convenção, para aceitar toxicodependentes quese encontrem em cumprimento de medidas tutelares,de penas substitutivas de prisão, bem como em trata-mento ou internamento impostos em processo penal,de liberdade condicional, ou de outras medidas flexi-bilizadoras da pena de prisão» (cf. artigo 5.o, n.o 2).

Complementarmente, deverá dotar-se os tribunaiscom uma lista actualizada das instituições para ondepodem ser encaminhados toxicodependentes para tra-tamento.

35 — Perícias ou exames médicos

Outro problema a resolver — e que é da maior impor-tância para uma boa aplicação da lei — é o da difi-culdade de realizar, ao menos com a devida celeridade,as perícias ou exames médicos necessários à determi-nação do estado de toxicodependência, que tendem aser substituídos em julgamento pela mera convicção dojulgador, assente, sobretudo, na confissão do arguidoou na demonstração documental de que o mesmo estásujeito a tratamento médico.

Esta situação, que se fica a dever, sobretudo, à escas-sez de serviços de saúde pública especialmente habi-litados e disponíveis para realizar estes exames, é agra-vada pelas dificuldades de articulação que ainda per-sistem, a que se junta a pressão no sentido de reduzira morosidade dos processos — a qual tende a afastarprocedimentos que não sejam minimamente expeditos.

O crescimento da rede de prestação de cuidados desaúde aos toxicodependentes permite, agora, superareste problema.

Importa, antes do mais, delimitar melhor, à luz dosconhecimentos científicos disponíveis, os casos em queverdadeiramente se justificará a determinação do estadode toxicodependência por via de um exame médico destetipo — por exemplo, será de reanalisar os casos em que

2999N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

seja de presumir inimputabilidade ou imputabilidadediminuída, bem como os casos de aplicação de medidade internamento — ou, ao menos, fixar as condições emque o mesmo poderá ser dispensado por indicação deum perito.

Por outro lado, na falta de suficientes instituiçõeslocais do sistema de saúde devidamente habilitadas paraeste tipo de serviços, deverão reforçar-se os meios aodispor dos peritos médicos dos tribunais e alargar asua intervenção neste tipo de casos.

A isto haverá que juntar a consagração legal da pos-sibilidade de solicitação directa de exames a instituiçõesde saúde da área de residência do toxicodependente,devendo dotar-se os tribunais com uma lista destasinstituições.

36 — Grupo de trabalho para a aplicação técnica da lei da droga

Para assegurar uma boa aplicação dos mecanismosprevistos na lei da droga e ponderar as formas concretasde superar os bloqueios existentes, deverá ser criadoum grupo de trabalho para a aplicação técnica da leida droga, com a duração máxima de dois anos.

Este grupo, que submeterá as suas propostas aoMinistro da Justiça, deverá debruçar-se, nomeadamente,sobre a problemática dos exames e perícias médicas atoxicodependentes, dos exames laboratoriais e do acessoa estabelecimentos, públicos e privados, para tratamentode toxicodependentes em alternativa de pena ou deoutras medidas.

Na composição deste grupo, convirá que estejamrepresentados, a nível elevado, as magistraturas, judiciale do Ministério Público, os institutos de medicina legal,a Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, o Instituto deReinserção Social e o Serviço de Prevenção e Trata-mento da Toxicodependência (SPTT).

CAPÍTULO V

Prevenção

As estratégias preventivas

37 — Prevenção: reduzir a procura de drogas

O modelo de prevenção em geral adoptado pelas ciên-cias psicossociais apoia-se, em grande parte, numa pers-pectiva de saúde pública, englobando três níveis clás-sicos: prevenção primária, prevenção secundária e pre-venção terciária.

A prevenção primária — conceito inicialmente utili-zado pelos técnicos de saúde pública — refere-se ao con-junto de intervenções que têm como objectivo intervirsobre as causas das doenças, possibilitando, assim, queestas não se cheguem a manifestar.

A prevenção secundária diz respeito ao diagnósticoprecoce e imediato tratamento de uma determinadaafecção, pressupondo a detecção rápida dos sintomasligeiros das doenças e a aplicação de uma terapêuticaeficaz.

A prevenção terciária relaciona-se com a interrupçãode um processo patológico e com o esforço para evitarque dele decorra uma perda de capacidades (total ouparcial) que impeça o indivíduo de se integrar na socie-dade após o fim da perturbação em causa.

Recentemente, tem-se vindo a assistir, sobretudona área psicossocial, à substituição das expressões

«prevenção secundária» e «prevenção terciária» por ter-mos mais precisos, como «tratamento» e «reabilitação/reinserção».

É, também, habitual distinguir, no âmbito da pre-venção primária, a prevenção inespecífica da prevençãoespecífica, consoante a acção preventiva se dirige àsvariáveis que estão na origem de um conjunto de com-portamentos de risco ou toma como alvo privilegiado,quando não único, o próprio consumo de substânciasou a passagem do uso ao abuso.

Mas no caso das toxicodependências não é raro fazeruso da palavra «prevenção» sem recorrer a qualqueradjectivação. Neste sentido, a prevenção engloba todasas iniciativas que, apoiadas em princípio numa estratégiaglobal de actuação e em pressupostos teóricos sólidos,visam reduzir a procura das diferentes drogas.

Não obstante este sentido amplo que pode ter o termo«prevenção», importa, em termos operacionais, distin-guir e tratar separadamente as suas diferentes dimen-sões, cuidando-se neste capítulo, de forma especial, daprevenção primária.

A prevenção pode ser considerada como um conjuntode estratégias destinadas a criar e manter estilos de vidasaudáveis, englobando o envolvimento das comunidades,das suas instituições e dos seus sistemas (62).

Deste ponto de vista, a prevenção compreende a difu-são de informação sobre o problema da droga (ex.: cam-panhas nos meios de comunicação social), a garantiade informação e educação sobre o modo de atingir emanter a saúde em geral, o desenvolvimento de acti-vidades alternativas saudáveis (ex.: desportos e dança)e a existência de um contexto de políticas promotorasde saúde. Assim, os programas preventivos do uso/abusode drogas devem cobrir uma vasta série de temas, desde,obviamente, a informação sobre as drogas, a saúde ea sua promoção até à capacidade de tomar decisõese resolver problemas, passando pela valorização dascompetências de comunicação, pelo reforço das resis-tências à pressão negativa do grupo, pela apresentaçãode alternativas ao uso de drogas e pela afirmação daidentidade e auto-estima.

38 — A prevenção e a complexidade das causas da procura de drogas

Visando a prevenção, em última análise, reduzir aprocura de drogas, importa identificar as causas pro-váveis dessa procura, para poder agir sobre elas.

Apesar de todas as incertezas do conhecimento actualsobre a matéria, é hoje claro que a clássica dicotomiasaúde-doença se revela redutora para traduzir a com-plexidade do problema. Na verdade, verifica-se umaforte e progressiva tendência para levar em linha deconta múltiplas variáveis, incluindo as que dizem res-peito a características de ambientes restritos (microcon-textos) e de sistemas sociais (macrocontextos).

A maioria dos modelos preventivos conceptualiza oconsumo como o resultado de um processo complexo,em que interagem factores relacionados com o «perfilbiológico» do indivíduo e outros originários das influên-cias sócio-culturais e trajectos pessoais e interpessoaisespecíficos que participam na construção da identidade.

O que se pretende com uma abordagem preventivaé, de uma forma geral, reduzir a vulnerabilidade doindivíduo relativamente a condições susceptíveis deaumentar os riscos de utilização de drogas e ou do desen-volvimento de dependência.

3000 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

Daí que os objectivos do trabalho preventivo no ter-reno possam obedecer a uma dupla perspectiva: facilitara aquisição de competências e ou promover mudançasambientais, nos sistemas e estruturas sociais (63).

Em concreto, as intervenções preventivas assumemo objectivo de modificar alguns dos factores intrapes-soais que favorecem o consumo de drogas ou de alterarcircunstâncias situacionais e sociais específicas, porforma a facilitar a aquisição pelos destinatários de umsistema de respostas que permitam responder com onão consumo aos diversos tipos de solicitações.

39 — Identificar factores de risco e factores de protecção

Embora a investigação sobre o uso/abuso de drogasnão seja completamente conclusiva, é possível identificarum conjunto de variáveis relacionadas com os principaisfactores susceptíveis de influenciar o início dos consu-mos e que deverão ser tidos em conta na formulaçãodas estratégias preventivas.

Importa, antes do mais, identificar os factores de riscoque os estudos epidemiológicos e a experiência clínicatêm permitido associar ao consumo de drogas. Trata-sede factores de fragilidade preexistentes ou ligados aacontecimentos negativos nas narrativas de vida dos indi-víduos consumidores de drogas que aumentam a pro-babilidade de ocorrência de comportamentos que com-prometem a saúde — tal como entendida pela Orga-nização Mundial de Saúde e, portanto, nas suas vertentesbiológica, psicológica ou social.

Por outro lado, é essencial não esquecer que existem,também, factores protectores, observáveis em indivíduosque não apresentam os mesmos comportamentosquando sujeitos a idênticas situações de risco.

O desenvolvimento humano saudável resultaria,assim, de um equilíbrio entre factores de risco e factoresde protecção.

A nível individual, podem considerar-se como factoresde risco os seguintes:

a) Insucesso escolar e abandono precoce da escola;b) Comportamentos violentos e anti-sociais com

início na infância, nomeadamente persistênciade atitudes contra a lei e a ordem;

c) Experimentação de drogas em idade precoce;d) Pouca resistência à pressão do grupo na ado-

lescência e frequência sistemática de gruposjuvenis onde existe abuso de álcool e outras dro-gas (o grupo pode constituir um factor de vul-nerabilidade, se existe experimentação e uso fre-quente de drogas, ou um factor protector, seveicula valores contrários ao uso ou abuso dedrogas);

e) Baixa auto-estima.

A nível familiar, os mais importantes factores de riscoserão os seguintes:

a) Precariedade económica do agregado familiar,com carências de habitação e emprego estáveis;

b) Famílias desagregadas ou em ruptura, com mar-cadas dificuldades de comunicação;

c) Ausência de suporte emocional dos adultos emrelação às crianças, com falta de carinho e envol-vimento afectivo desde a primeira infância;

d) Expectativas irrealistas face ao desempenho dosmais novos.

A nível escolar, podem indicar-se os factores de riscoseguintes:

a) Estabelecimentos de ensino incorrectamentedimensionados e com más instalações (ex.: faltade instalações desportivas e de lazer);

b) Escolas com mau clima escolar, nomeadamenteausência de regras e conflitos permanentes;

c) Pouca participação estudantil.

Os factores protectores mais frequentemente salien-tados na literatura científica são os seguintes:

a) Boa auto-estima, crenças de auto-eficácia, capa-cidade de resolução de problemas, competên-cias de relacionamento interpessoal e expecta-tivas de sucesso realistas;

b) Famílias com intimidade, envolvimento afectivo,padrões de comunicação claros e fronteiras níti-das [em que a colaboração intrafamiliar se dánum contexto de interdependência, por contra-ponto a um hiperenvolvimento ou hiperdistan-ciamento (64)] e famílias sem história de con-sumo de tóxicos;

c) Escolas promotoras do envolvimento dos alunosnas actividades, sendo os estudantes ouvidos nastomadas de decisão e valorizada a sua compe-tência em diversas áreas;

d) Comunidades activas nos programas de preven-ção, fomentando a discussão do problema e autilização de estratégias para o resolver.

40 — Conhecer a evolução do fenómeno do consumo de drogas

A definição de estratégias preventivas supõe, poroutro lado, conhecer a expressão actualizada do fenó-meno do consumo de drogas.

Na verdade, registam-se sensíveis evoluções nas carac-terísticas da dependência de tóxicos que não podemdeixar intocadas as acções de prevenção.

É o que hoje sucede com as novas tendências doconsumo, na direcção do uso e abuso de anfetaminas,a partir da difusão do ecstasy, distribuído sobretudo emdiscotecas e em festas rave.

Por outro lado, é necessário procurar conhecer o dife-rente sentido que podem ter os comportamentos assu-midos pelos diferentes grupos, mesmo quando essescomportamentos são objectivamente idênticos: o quemotiva o consumo de haxixe por adolescentes prova-velmente não será o mesmo que motiva esse mesmoconsumo por intelectuais de meia-idade; o uso dacocaína pode ter explicação no facto de ser, em certosmeios, um «produto de eleição» ou constituir aí uma«muleta química» ou pode ser apenas uma mera «drogade escape» durante os tratamentos da dependência deheroína por antagonistas.

Só um vasto e preciso estudo epidemiológico, nãoexistente ainda em Portugal, permitirá identificar cor-rectamente os diversos «perfis dos utilizadores de dro-gas», sem ceder à tentação de generalizações abusivas.

41 — Adaptar as estratégias de prevenção aos destinatários

A intensidade do programa preventivo, as compo-nentes em que se divide e os resultados que pretende

3001N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

obter têm de ser definidos previamente e adaptadosaos seus diferentes destinatários.

As populações com baixo nível de risco devem seralvo de intervenções sobretudo de carácter informativo,visando a promoção do desenvolvimento psicossocialdos indivíduos.

Pelo contrário, as populações com alto nível de risco,em função da sua maior vulnerabilidade ao uso de dro-gas, por factores intrínsecos ou extrínsecos, deverão serpreviamente estudadas e alvo de intervenções preven-tivas mais intensas e adequadas às dificuldades detec-tadas (ex.: adolescentes de bairros degradados onde pre-dominam o desemprego, consumos tóxicos e a desa-gregação familiar).

42 — Qualidades essenciais das acções preventivas

É possível sumariar algumas das qualidades essenciaisque devem marcar as acções preventivas.

Em primeiro lugar, as acções preventivas devem, sem-pre que possível, ser marcadas pela proactividade, istoé, devem preceder o aparecimento do problema quese pretende prevenir, o que pressupõe a prévia iden-tificação de unidades alvo junto de determinado grupode indivíduos que possam ser caracterizados como umapopulação em risco.

Em segundo lugar, as acções preventivas devem pau-tar-se pelo princípio da focalização, ou seja, devem serdirigidas a determinadas populações ou sistemas sociais«saudáveis» ou «em risco», envolvendo, de preferência,grupos de indivíduos definidos a partir da observaçãodas modificações dos sistemas sociais.

Em terceiro lugar, as acções preventivas devem sermarcadas pela intencionalidade, de modo a fortalecera adaptação psicológica dos indivíduos ainda nãoafectados.

Em quarto lugar, as acções preventivas devem terem conta o princípio da continuidade, que dê espaçopara debates esclarecedores em pequenos grupos, quepermita compreender a evolução do crescimento e atrajectória pessoal dos seus destinatários e que facilitea articulação com a intervenção a cargo de outras estru-turas, para além de viabilizar a inflexão atempada dasestratégias cuja execução mostrou serem ineficazes.

Finalmente, as acções preventivas devem sujeitar-seà sua avaliação, entendida como o conjunto de pro-cedimentos destinados a examinar os efeitos das estra-tégias preventivas, de modo a testar a sua eficácia.

43 — A avaliação dos programas de prevenção

A avaliação dos programas de prevenção do abusode drogas é essencial para a transmissão de experiênciase para a análise dos resultados, permitindo, por essavia, melhorar a qualidade das intervenções.

O lugar da avaliação é, aliás, central na presente estra-tégia nacional de luta contra a droga, merecendo umespecial desenvolvimento a propósito da temática dainvestigação e, sobretudo, da chamada investiga-ção/intervenção.

Sem prejuízo, portanto, de adiante se voltar ao tema,convirá aqui dizer que essa avaliação deverá responderàs seguintes perguntas básicas (65):

Qual a natureza e a dimensão do problema?Que intervenções são susceptíveis de afrontar o

problema?

Que grupo alvo se pretende atingir com a inter-venção?

A intervenção atinge de facto o grupo alvo?A intervenção está a ser executada de acordo com

o plano delineado?A intervenção é eficaz?

Há que distinguir dois tipos de avaliação: a avaliaçãodos resultados, também chamada avaliação sumativa,e a avaliação do processo, ou avaliação formativa (66).

A avaliação sumativa pretende determinar se os indi-víduos que estiveram na intervenção preventiva apre-sentam ou não taxas mais baixas de consumo no pós--teste do que os sujeitos que não participaram na acçãoe se as atitudes em face das drogas se tornaram cla-ramente menos positivas nos membros do grupo expe-rimental, levando a uma menor intenção de consumirdrogas.

A avaliação formativa, que diz respeito à execuçãoda acção preventiva, descreve as actividades do pro-grama que foram planeadas e as que foram efectiva-mente realizadas.

Na ausência de correctos instrumentos de avaliaçãodo fenómeno das toxicodependências, as políticas deprevenção deparam-se com inúmeras dificuldades. Masa sua passagem à prática é de instante importância: tal-vez em nenhuma outra área seja tão verdadeiro o velhoaforismo «mais vale prevenir do que remediar».

44 — Prioridades nas estratégias de prevenção primária

A política de prevenção primária deve articular-secom os objectivos gerais da presente estratégia nacionalde luta contra a droga e as opções que a norteiam.

Importa, pois, dar seguimento à opção estratégica dereorientar a prevenção primária por forma a mobilizaros jovens, os pais, as escolas e as instituições da socie-dade civil e a rever o conteúdo das mensagens e dasacções com base na identificação de factores de risco,de factores protectores e das características específicasdos grupos destinatários, garantindo a continuidade dasintervenções preventivas, inserindo uma informaçãorigorosa sobre a perigosidade dos diferentes tipos dedrogas lícitas e ilícitas, incluindo as novas drogas sin-téticas e conferindo prioridade às acções dirigidas aofim da infância e início da adolescência e a populaçõesde risco.

O foco das acções preventivas deve, na verdade, diri-gir-se essencialmente para o fim da infância (9/10 anos)e início da adolescência (12/13 anos), tendo em atençãoos factores de vulnerabilidade já descritos anterior-mente. Isto não invalida que o trabalho preventivo sedeva iniciar no seio da família por ocasião dos anospré-escolares e continue durante a escolaridade.

Devem merecer especial atenção na definição dasestratégias preventivas os jovens que abandonam o sis-tema escolar sem concluírem a escolaridade, os filhosdos toxicodependentes, os jovens que pertencem a mino-rias com problemas de integração e os imigrantes.

Por outro lado, o próprio conteúdo das mensagenspreventivas deve ser repensado.

A informação relativa às drogas tem de evitar os peri-gos da banalização e da diabolização. Para isso, importarecusar a desvalorização dos riscos que os consumospressupõem e, ao mesmo tempo, rejeitar a culpabili-

3002 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

zação e a discriminação dos toxicodependentes. A cre-dibilidade das mensagens preventivas junto dos seusdestinatários depende, em boa parte, da atenção ao con-texto e à população alvo a que se dirigem e à con-sideração dos toxicodependentes não como meros«objecto problema» mas como cidadãos com deveres,direitos e um problema grave a resolver.

É fundamental, também, que as mensagens preven-tivas façam realçar as consequências dramáticas doestado de dependência, a começar pela modificação daprópria relação do utilizador com o produto, que é ine-rente à dependência, salientando a consequente pola-rização totalitária de todos os interesses do utilizadorna substância, com marcado prejuízo do seu relacio-namento interpessoal.

Não obstante, constitui, sem dúvida, condição essen-cial de credibilidade das mensagens preventivas o escla-recimento dos diferentes graus de perigosidade dasvárias drogas, incluindo nesse esclarecimento não ape-nas as actuais drogas ilícitas mas outras substâncias psi-coactivas susceptíveis de provocar dependência, porforma a evitar generalizações facilmente detectáveispelos destinatários como falsas. Por exemplo, não devefalar-se de «droga» no singular, colocando no mesmoplano a heroína e o haxixe.

Por outro lado, esse esclarecimento deverá ter emconta as novas tendências em matéria de consumo, oque significa uma especial atenção às novas drogas sin-téticas, como a metilenodioximetanfetamina (MDMAou ecstasy), cujo uso é crescente em Portugal, sobretudoem festas particulares, nas discotecas e no âmbito dachamada «cultura rave», contando com a inadvertidapublicidade através da «informação» dos meios decomunicação social.

As respostas na área da prevenção deverão, ainda,assegurar uma intervenção integrada pela abordagemglobal das diversas vertentes dos comportamentos derisco: sanitária (doenças sexualmente transmissíveis, tra-tamento face ao consumo de substâncias), escolar (aban-dono e insucesso), criminal (aumento da criminalidaderelacionada com as drogas) e social (deterioração dotecido social associada ao consumo, sobrecarga da segu-rança social). Essa intervenção integrada deverá favo-recer, também, a racionalização de meios, na linha doque se procurou com o Protocolo de Cooperação entreo Governo e a Câmara Municipal do Porto, denominado«Contrato Cidade».

No que se refere ao modo de transmitir as mensagenspreventivas, deve ter-se em conta que os jovens são osmediadores mais eficazes junto dos outros jovens. É,por isso, da maior importância privilegiar o trabalhocom jovens devidamente sensibilizados para o problemae preparados pela frequência de acções de formação.

Por outro lado, importa investir fortemente no tra-balho de rua, de um modo flexível e móvel, de formaa garantir uma relação com os jovens no seu meio habi-tual. Esta acção é, aliás, prioritária para muitos utili-zadores de droga que não frequentam a escola nemaparecem nos centros de tratamento.

Estruturas organizativas da prevenção primária

45 — Um novo modelo organizativo

A determinação das estruturas organizativas da pre-venção primária obedece ao princípio da coordenaçãoe da racionalização de meios.

A coordenação, porém, deve estabelecer-se não ape-nas ao nível das diferentes intervenções em sede deprevenção primária, mas, também, entre as diversas ver-tentes da prevenção — primária, secundária e terciá-ria — que, de algum modo, se complementam. Por outrolado, essa coordenação há-de envolver, ainda, a neces-sária articulação das intervenções nos planos da reduçãoda procura e do combate à oferta.

Assim sendo e porque as estruturas de coordenaçãodo desenvolvimento da estratégia nacional de luta contraa droga extravasam, como se vê, o plano da prevençãoprimária e mesmo o da prevenção em sentido amplo,dessas estruturas se dará conta em capítulo próprio.

Por seu turno, o objectivo de racionalização de meiospassa aqui pela atribuição de responsabilidades de direc-ção e execução em matéria de prevenção primária aoInstituto Português da Droga e da Toxicodependência,recentemente criado, o qual será dotado de delegaçõesregionais que permitam uma maior proximidade comos problemas e as populações.

No entanto, as responsabilidades do IPDT não pre-judicam o princípio de que a resposta pública aosproblemas levantados pelo fenómeno da droga e da toxi-codependência deverá ser assegurada pelos serviços sec-toriais que com ele directamente se confrontam, sobre-tudo no âmbito dos Ministérios da Educação, da Saúde,da Justiça, do Trabalho e da Solidariedade, da Admi-nistração Interna e da Defesa Nacional, bem como dodepartamento responsável pela política de juventude,os quais deverão progressivamente incluir nas suas estra-tégias e actividades respostas à realidade social que setraduz pelo consumo e tráfico de drogas.

Contudo, em conformidade com o proclamado prin-cípio da subsidiariedade, preconiza-se uma progressivatransferência de responsabilidades na área da prevençãoprimária para as autarquias locais, designadamente paraos municípios, incluindo na promoção do planeamentoe da articulação local das intervenções dos serviços daadministração. Para isso, prevê-se, numa primeira fase,o estabelecimento de parcerias entre os municípios inte-ressados e a administração central, através do IPDTe das suas delegações regionais, com recurso aos ins-trumentos de financiamento previstos na lei.

Do modelo organizativo aqui sumariamente expostodecorre a necessária transferência para o IPDT das fun-ções de execução e coordenação da prevenção primáriaque têm sido exercidas pelo Projecto VIDA.

46 — A extinção do Projecto VIDA e a redistribuiçãodas suas competências

O Projecto VIDA, criado em 1987, desempenhou umpapel extremamente importante na coordenação e naexecução das políticas de prevenção em Portugal nosúltimos anos. Contudo, e apesar de ter sido sujeito aquatro reestruturações em menos de 12 anos (1990,1992, 1996 e 1998), a experiência revelou as insuperáveislimitações do seu modelo orgânico para a eficaz pros-secução das tarefas a desenvolver neste campo. Limi-tações essas que contribuíram, sem dúvida, para a ava-liação feita da sua actividade no relatório da Comissãopara a Estratégia Nacional de Combate à Droga (67).

O Projecto VIDA, recorde-se, tem, ainda hoje, estru-tura semelhante à de um «alto-comissariado», sendodirigido por um «coordenador», assistido por uma

3003N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

comissão interdepartamental. O Projecto VIDA estádotado dos recursos próprios de um gabinete equiparadoao de subsecretário de Estado (um adjunto e uma secre-tária pessoal), a que acrescem núcleos coordenadoresdistritais, funcionando junto dos governos civis e inte-grando quase sempre um único coordenador, com a mis-são de articular, a partir da reunião de um plenáriode representantes, os serviços da administração centralcom implantação local.

É uma estrutura excessiva para coordenar e insufi-ciente para executar.

Excessiva para coordenar, na medida em que a coor-denação pode efectuar-se por via de uma estrutura maissimplificada e mais próxima do nível político, comoadiante se verá.

Insuficiente para executar, porque o desenvolvimentoda prevenção primária exige outro modelo orgânico eoutro tipo de meios, como os que agora se procuraconcentrar no IPDT.

Aliás, a estrutura orgânica do Projecto VIDA reve-lou-se insuficiente para assegurar, por meios próprios,algumas tarefas previstas na lei, a que se vieram juntaras iniciativas lançadas no âmbito da prevenção primáriae que nem sempre lograram impedir zonas de sobre-posição e, portanto, de gestão menos racional de meios.

Na prática, o Projecto VIDA foi procurando supriras suas limitações institucionais pela contratação «arecibo verde» de mais de duas dezenas de colaboradores,sem com isso obter, apesar do esforço meritório detodos, a estabilidade que as missões prosseguidas exi-giam. Limitações particularmente evidentes ao nível dosnúcleos distritais, onde escasseiam os recursos humanose abundam os problemas logísticos, problemas a queacresce o da compatibilização dos quotidianos profis-sionais dos representantes dos diversos serviços com opapel a desempenhar por cada um deles no respectivonúcleo.

Não deve, no entanto, menosprezar-se o mérito demuitas das realizações levadas a cabo no âmbito do Pro-jecto VIDA, nem ignorar-se o serviço prestado à comu-nidade por aqueles que nele colaboraram ao longo demais de uma década.

Em rigor, não se trata tanto de extinguir uma estru-tura, mas de adoptar um mais adequado modelo orgâ-nico — que, no plano da prevenção primária, passa,essencialmente, por um verdadeiro instituto público, oIPDT, e por parcerias com as autarquias locais — porforma a permitir melhorar a eficácia da resposta e atéalargá-la a áreas até aqui ainda carecidas, como as daprevenção primária na comunidade, da formação, dainvestigação e da informação sobre a droga e a toxi-codependência, bem como a relativa à cooperaçãointernacional.

A extinção do Projecto VIDA e dos respectivosnúcleos distritais, aliada à transferência das suas funções,no âmbito da prevenção primária, para o novo Instituto,não teve, contudo, que ocorrer em simultâneo com acriação do IPDT, justamente porque a relevância dotrabalho em curso não se compadece com o vazio orgâ-nico e de responsabilidades.

O caminho, contudo, é claro: a extinção do ProjectoVIDA deverá ocorrer logo que esteja implementado umnovo modelo de coordenação política e que as dele-gações regionais do IPDT possam suceder, nesta área

da prevenção primária, aos actuais núcleos distritais doProjecto VIDA, assim se evitando a existência do refe-rido vazio que só poderia ser prejudicial à luta contraa droga.

47 — A coordenação interdepartamental no âmbitoda prevenção primária

Um dos princípios estruturantes da presente estra-tégia nacional é, como se disse, o da coordenação.

Apesar das responsabilidades confiadas ao IPDT noâmbito da prevenção primária, já acima se sublinharamas competências neste domínio dos diferentes serviçossectoriais no respectivo quadro específico de inter-venção.

É, pois, necessário assegurar a articulação, coerênciae complementaridade destas diferentes intervenções emmatéria de prevenção primária.

Pelas razões já apresentadas, das estruturas compe-tentes para promover esta coordenação se tratará maisadiante.

48 — O papel do Instituto Português da Drogae da Toxicodependência

Ao IPDT ficam reservadas, para além de outras,importantes responsabilidades em matéria de prevençãoprimária, na linha do que foi já consagrado no diplomalegal que procedeu à sua criação. Essas responsabili-dades dizem respeito, sobretudo, à intervenção primáriana comunidade — onde se incluem, por exemplo, ascampanhas nacionais de sensibilização —, a qual deveser complementada pela intervenção preventiva dos ser-viços sectoriais, quando existam. O apoio à actividadee à formação dos profissionais desses serviços é outradas relevantes incumbências do IPDT.

Nos termos da lei, o IPDT tem como um dos seusfins «promover junto dos jovens e da população emgeral a prevenção do consumo de drogas». Em con-formidade, entre as suas atribuições contam-se as de«promover a intervenção na comunidade, tendo em vistaa prevenção do consumo de droga e a redução dos fac-tores de risco» e «desenvolver instrumentos de apoioà intervenção preventiva na comunidade e de avaliaçãode projectos e programas» [v. artigos 2.o e 3.o, alíneas e)e f), do Decreto-Lei n.o 31/99, de 5 de Fevereiro].

Para este efeito, o IPDT foi dotado de uma Direcçãode Serviços de Intervenção na Comunidade (artigo 14.o),que inclui uma Divisão de Programas e Projectos e umaDivisão de Formação (artigo 14.o, n.o 2). A esta Direcçãode Serviços cabe, entre outras tarefas, coordenar e pro-mover a actividade do IPDT no âmbito da prevençãoprimária, apoiar os profissionais dos diferentes serviçossectoriais e organizações privadas que actuem nessaárea, preparar ou mesmo assegurar acções de formaçãodirigidas a esses agentes, desenvolver e apoiar progra-mas e projectos no âmbito da prevenção primária e coor-denar a atribuição dos respectivos apoios financeirosou outros (v. artigo 14.o, n.o 1).

À Direcção de Serviços de Intervenção na Comu-nidade incumbe, também, assegurar o funcionamentode um serviço de atendimento telefónico e aconselha-mento na área das toxicodependências [artigo 14.o, n.o 1,alínea j)], no seguimento da experiência da LinhaAberta, criada em 1987 e mais tarde designada «Linha

3004 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

Vida», a qual vinha sendo assegurada pelo ProjectoVIDA.

É ainda a esta Direcção de Serviços que caberá pla-nificar e apoiar a actividade das delegações regionaisdo IPDT em matéria de intervenção na comunidade,tendo em vista a prevenção do consumo [artigos 14.o,n.o 1, alínea b), e 18.o], em consequência do subprincípioda desconcentração que constitui corolário do princípioda subsidiariedade.

49 — O papel das autarquias locais

O princípio da subsidiariedade que norteia a presenteestratégia nacional implica uma distribuição de com-petências que, em certa medida, pode conduzir a pro-cessos de descentralização. Essa descentralização é, deresto, geralmente considerada da maior importância nasacções de prevenção, de modo que a sua organizaçãopossa ocorrer localmente, perto das populações alvo aatingir.

A ideia de grupos de coordenação locais e regionais,assegurando redes integradas, já foi mesmo sugeridapelo Comité Económico e Social da União Europeia,no seu Parecer CES n.o 51/95, sobre «prevenção contrao abuso de drogas».

De algum modo, os próprios núcleos distritais do Pro-jecto VIDA procuraram já dar resposta a este tipo depreocupação, estabelecendo mecanismos de coordena-ção e articulação da acção local dos diferentes serviçosda administração central, que para o efeito se fazemrepresentar nos chamados plenários de núcleo distrital.A estas juntam-se, ainda, estruturas de nível concelhiocom envolvimento das câmaras municipais.

Contudo, isto não chega.Não basta, na verdade, procurar uma concertação dos

serviços da administração central para a organizaçãoe execução das acções preventivas de incidência local.Do que se trata é de estimular o próprio empenhamentoautárquico, promovendo o envolvimento das câmarasmunicipais e, até, das juntas de freguesia na prevençãodo consumo de drogas e da toxicodependência (68).

É preciso, pois, que as autarquias locais assumam,progressivamente, mais responsabilidades em matériade prevenção primária.

Os passos a dar nessa direcção devem, no entanto,ser firmes e seguros.

São conhecidas as limitações financeiras das autar-quias e a sua generalizada impreparação em recursoshumanos e meios técnicos nesta área.

Como é sabido que são ainda embrionários os con-selhos locais de acção social previstos, no âmbito dadenominada «rede social», na Resolução do Conselhode Ministros n.o 197/97 e cuja vocação transcende, emmuito, este domínio da prevenção primária (69).

Assim, a presente estratégia nacional de luta contraa droga faz a opção de promover o empenhamentoautárquico na prevenção primária, estruturando-o, aomenos numa 1.a fase, a partir de parcerias entre as autar-quias locais interessadas e a administração central,representada pelo IPDT, por via das respectivas dele-gações regionais.

Essas parcerias, a regular por protocolo, são instru-mentos que apresentam a desejável flexibilidade e quedefinirão, à medida das necessidades efectivas de cadacaso, um modelo de colaboração e articulação, bem

como de planeamento e execução de intervenções ade-quadas aos problemas locais. Do mesmo modo, poderãofixar, em termos ajustados a cada uma das situações,os mecanismos pertinentes de financiamento, nos ter-mos da lei geral, recorrendo, nomeadamente, à figurado acordo de colaboração ou, se apropriado, do própriocontrato-programa (v. Decretos-Leis n.os 77/84, de 8 deMarço, e 384/87, de 24 de Dezembro, alterado peloDecreto-Lei n.o 157/90, de 17 de Maio).

50 — A prevenção no meio escolar

Como se disse, as responsabilidades do IPDT noâmbito da prevenção primária não excluem, de modoalgum, as responsabilidades dos serviços sectoriais.

Entre eles avultam os serviços do Ministério da Edu-cação, a quem cabe a decisiva tarefa de promover aprevenção no meio escolar.

Essa tarefa tem sido desenvolvida, desde 1990, peloProjecto Viva a Escola (PVE), como projecto pilotode prevenção primária de toxicodependências em meioescolar, desde 1993 integrado no mais vasto Programade Promoção e Educação para a Saúde (PPES), queconduziu à constituição da Rede Nacional de EscolasPromotoras de Saúde (70).

De referir é, também, o Projecto Férias, através doqual tem sido possível promover a divulgação de estilosde vida saudáveis e desenvolver acções de formação.

Particularmente meritório tem sido o Projecto PATO(Prevenção de Álcool, Tabaco e Outros), destinado acrianças do 1.o ciclo do ensino básico e da responsa-bilidade do Projecto VIDA. Este Projecto, implemen-tado no ano lectivo de 1994-1995, desenvolve-se em qua-tro anos e assenta em protocolos celebrados entre oProjecto VIDA, o PPES, a Escola Técnica Psicossocialde Lisboa e a Associação Arisco.

É da maior importância o desenvolvimento da inter-venção preventiva nas escolas e a revisão das suas orien-tações à luz das opções da presente estratégia nacionalde luta contra a droga, designadamente neste capítuloda prevenção. A generalização dos programas de pre-venção para a saúde, a revisão dos currículos escolarese a formação dos professores são vectores de especialrelevância.

Importa, também, assegurar a sua boa articulaçãocom o IPDT, especialmente ao nível do planeamentoe da formação de recursos humanos. Como é importantegarantir uma eficaz colaboração no terreno entre o dis-positivo implementado pelo Ministério da Educação eos serviços locais do Ministério da Saúde, na linha daResolução do Conselho de Ministros n.o 34/95, de 10de Agosto. A articulação com o Ministério da Saúdepara a promoção da Rede de Escolas Promotoras deSaúde mostra-se, também, crucial, bem como a cola-boração com o Ministério da Administração Interna,na linha do Projecto Escola Segura.

51 — O papel dos serviços sectoriais

Para além da já referida intervenção dos serviços doMinistério da Educação no meio escolar, são de salientaras especiais responsabilidades de outros serviços sec-toriais, no quadro dos seus espaços de intervenção.

É o caso do SPTT, do Ministério da Saúde, dotadode centros de informação e acolhimento (CIAC), como

3005N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

estruturas adstritas às suas delegações regionais e des-tinadas à informação, sensibilização e formação na áreadas toxicodependências.

É o caso, também, do Instituto Português da Juven-tude (IPJ), que deverá desempenhar um importantepapel na dinamização de projectos juvenis de prevençãodas toxicodependências, na linha do que sucede como programa «Haja saúde» ou através da abertura, noslocais mais carenciados, de espaços de prevenção ines-pecífica onde possam ocorrer, igualmente, acções deformação. O IPJ deverá, ainda, contribuir para a pro-moção de actividades de prevenção «jovem a jovem»,com o apoio técnico do IPDT.

Nesta linha, os serviços do Ministério do Ambienteestão particularmente vocacionados para a participaçãoem programas de promoção e divulgação de estilos devida saudáveis, em contacto com espaços naturais,cabendo aqui um papel muito particular às áreasprotegidas.

Do mesmo modo, é de realçar a relevância da inter-venção primária que pode e deve continuar a ser desen-volvida pelos serviços do Ministério da Defesa Nacional,por ocasião do seu contacto com muitos jovens inte-grados nas Forças Armadas, na sequência do Programade Prevenção e Combate à Droga e ao Alcoolismo nasForças Armadas, criado em 1988.

Na mesma linha, importa prosseguir e desenvolvero trabalho de prevenção primária, sobretudo de for-mação e informação, já iniciado no âmbito das auto-ridades policiais.

Finalmente, uma palavra para a Direcção-Geral dosServiços Prisionais, do Ministério da Justiça, para subli-nhar que não é menos importante a prevenção primárianos estabelecimentos prisionais. Sobre o papel desteorganismo se falará adiante mais desenvolvidamente.

52 — A prevenção em meio laboral

Compreende-se que não haja um serviço especifica-mente encarregue da prevenção das toxicodependênciasem meio laboral, onde predomina uma grande hete-rogeneidade de situações.

Mas é certo que a prevenção em meio laboral suscitaproblemas próprios, que devem ser encarados. Essesproblemas, que revestem especial complexidade naque-las empresas em que se desenvolve uma actividade ondeo consumo de drogas ilícitas possa ameaçar gravementeinteresses colectivos relevantes, são hoje um desafioincontornável no mundo do trabalho.

Se a questão deve ser referida nesta sede, a propósitodas estruturas organizativas da prevenção, é para subli-nhar que este é um domínio a que o IPDT deverá dar,também, atenção.

Em especial, cumpre criar condições para a formaçãodos gestores e dos quadros médios e superiores dasempresas no sentido de os preparar para incidênciasda droga e da toxicodependência no meio laboral e deos sensibilizar para o apoio de que carecem os traba-lhadores toxicodependentes.

Deve aqui registar-se, porém, que este é um terrenoem que as responsabilidades pertencem, sobretudo, àsociedade civil e, de modo especial, aos agentes eco-nómicos empregadores. E não apenas no que se refereà promoção da prevenção primária e da formação— com o necessário apoio dos organismos públicos com-

petentes, sobretudo do IPDT —, mas também no enca-minhamento dos trabalhadores toxicodependentes paratratamento e seu posterior reenquadramento profis-sional.

Deve realçar-se, neste domínio, as experiências desen-volvidas no quadro das Forças Armadas através dos pro-gramas que ali têm vindo a ser implementados.

Por outro lado, importa garantir nas empresas o inte-gral respeito pelos direitos fundamentais dos trabalha-dores toxicodependentes à reserva da intimidade da suavida privada, assegurando a necessária confidencialidadedos dados pessoais referentes à sua situação clínica,designadamente nos procedimentos justificativos de fal-tas para consultas médicas. Nesta linha, poderá reve-lar-se necessário a criação de um normativo respeitanteao controlo do consumo de drogas nas empresas.

Refira-se, finalmente, que a Organização Internacio-nal do Trabalho tem sustentado a relação entre a pro-blemática da droga e os princípios de igualdade de opor-tunidades e de tratamento consagrados na Convençãocontra a Discriminação em Matéria de Emprego.

53 — O papel das instituições particulares de solidariedade sociale das organizações não governamentais

A prevenção primária não é tarefa exclusiva da Admi-nistração Pública. É uma tarefa nacional, no sentidoem que importa mobilizar para ela a sociedade civile as suas instituições.

Existem já muitas iniciativas meritórias neste campo.Importa, contudo, envolver cada vez mais as insti-

tuições particulares de solidariedade social e as orga-nizações não governamentais neste trabalho.

Para isso, é importante que continue a existir umsistema de apoios a iniciativas da sociedade civil, devi-damente enquadrado por um planeamento selectivo, nalinha do chamado «Programa Quadro Prevenir», defi-nido de harmonia com a presente estratégia nacionalde luta contra a droga.

Mas não é menos importante, como se salienta noutrolocal, sujeitar essas iniciativas à adequada avaliação deprocessos e resultados e extrair dessa avaliação as con-sequências necessárias, nomeadamente quanto à con-cessão de apoios futuros.

CAPÍTULO VI

Tratamento

54 — A importância estratégica do tratamentodos toxicodependentes

A garantia do acesso a tratamento de todos os toxi-codependentes que se desejem tratar é uma prioridadeabsoluta na presente estratégia nacional de luta contraa droga.

O princípio humanista em que se funda a estratégianacional, a consciência de que a toxicodependência éuma doença e o respeito pelas responsabilidades doEstado na realização do direito constitucional à saúdepor parte de todos os cidadãos justificam esta opçãoestratégica fundamental e a consequente mobilizaçãode meios para lhe dar o devido seguimento.

Acresce que o tratamento configura, ainda, umaforma de prevenção — a prevenção secundária —, con-

3006 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

tribuindo, pois, para reduzir os consumos, proteger asaúde pública e, em certos casos, proteger a segurançade pessoas e bens.

55 — A evolução da ideia de tratamento

Quando se desenhou na sociedade portuguesa umapolítica de intervenção face ao fenómeno das toxico-dependências, foi genericamente assumido que a abs-tinência do consumo de drogas constituía o objectivoúltimo da acção dos intervenientes nesta área, fosse naprevenção primária, desencorajando o início dos con-sumos, ou na prevenção secundária, ajudando os con-sumidores a parar os seus consumos. O tratamento dostoxicodependentes consistia, portanto, num conjunto deintervenções visando a paragem de todos os consumostóxicos.

Numa 1.a fase, valorizava-se muito a dependência emrelação às substâncias e a desabituação, imaginando quea extinção da dependência física conduziria, automa-ticamente, à resolução do problema. No entanto, rapi-damente se percebeu que esta concepção do tratamentoera extremamente limitada e que só uma intervençãolevando em conta os aspectos psicológicos e a integraçãofamiliar, social e laboral poderia conduzir a uma abs-tinência duradoura.

De uma forma ou de outra, mantinha-se a perspectivaradical do tratamento, considerando a abstinência comouma meta a atingir de forma absoluta em todos os casos.

A consciência de que tal objectivo não era atingívelpor muitos toxicodependentes, definitiva ou provisoria-mente, mas que no entanto era possível alcançar outrastransformações capazes de melhorar a esperança e qua-lidade de vida e promover uma melhor integração social,levou a valorizar outras intervenções que não conduzemobrigatoriamente à paragem definitiva dos consumos.

Nesta óptica, passaram a ser considerados novosobjectivos terapêuticos, como a diminuição dos consu-mos, a alteração da via de administração das substâncias,a redução dos comportamentos de risco, a melhoria dasaúde física e psicológica e do funcionamento social/laboral/familiar, a redução da actividade criminal e apassagem da dependência a consumos ocasionais.

Da mesma forma, os tratamentos por substituição,sobretudo com metadona, que no seu início eram con-siderados apenas como uma via para atingir a absti-nência, passaram a ser aceites como programas tera-pêuticos de manutenção, de carácter eventualmentedefinitivo, mas que podem constituir, em certos casos,ponto de partida para a libertação de qualquer depen-dência.

Esta forma de encarar o tratamento aproxima-se dasestratégias de redução de danos, mas nem por isso aideia de abstinência é abandonada como uma possibi-lidade real. Aliás, as estratégias de redução de danosnão raras vezes constituem os primeiros passos rumoa processos terapêuticos que ambicionam a paragemdos consumos. Trata-se, apenas, de admitir que a abs-tinência ou o seu desejo não podem constituir-se emcondições obrigatórias para a prestação dos cuidadosnecessários.

Por outro lado, sendo a heroína a substância cau-sadora da dependência que motiva cerca de 95% dospedidos de ajuda aos serviços especializados, as estru-turas terapêuticas desta área foram especialmente adap-

tadas ao tratamento de heroinómanos; também foi emrelação à heroína que as terapêuticas psicofarmacoló-gicas mais se desenvolveram. E é verdade que as gra-víssimas consequências sanitárias e sociais da heroínajustificam que ela continue a estar no centro das aten-ções. No entanto, não se deve esquecer a emergênciada utilização das novas drogas de síntese, nomeada-mente o ecstasy/MDMA, a utilização banalizada dohaxixe, o uso da cocaína em determinados meios sociais,a sua utilização crescente em associação com a heroínae, ainda, o abuso de psicofármacos, já para não falardos novos e preocupantes padrões juvenis de consumode álcool. Embora seja, indubitavelmente, a heroína asubstância que mais danos pessoais e sociais provocana comunidade, importa, também, procurar interven-ções terapêuticas adequadas às outras substâncias.

56 — A diversidade dos métodos de tratamento e o princípioda responsabilização de técnicos qualificados

O tratamento de toxicodependentes, embora tenharegistado progressos nos últimos anos, é difícil e nãopermite ortodoxias sectárias ou certezas absolutas.

Existe uma grande diversidade de modelos de inter-venção, sobretudo nas comunidades terapêuticas, mastambém nas outras estruturas assistenciais. Desde asdesabituações físicas, realizadas em ambulatório ouinternamento, às psicoterapias de diversos modelos,individuais ou de grupo, à terapia familiar, aos inter-namentos de longa duração em comunidade terapêutica,passando pela utilização de fármacos antagonistas (nal-trexone) ou agonistas (metadona e LAAM), várias sãoas combinações possíveis.

A diversidade dos métodos de tratamento é enrique-cedora, logo, de manter, sendo necessário favorecer odiálogo entre os diversos modelos.

Em todo o caso, deve aqui dizer-se que o estabe-lecimento de critérios de admissão fundados em pos-turas ideológicas ou religiosas dos toxicodependentespode dificultar o seu processo de maturação e indivi-dualização, quando não mesmo configurar, em deter-minados casos, uma chocante exploração da situaçãode particular vulnerabilidade em que os toxicodepen-dentes se encontram.

Perante a inevitável diversidade dos modelos de tra-tamento, o que importa, em termos gerais, é assegurarrequisitos mínimos de qualidade dos serviços prestados,nomeadamente através da responsabilização de pessoaltécnico qualificado.

Este tipo de exigência foi já reforçada no novo regimejurídico do licenciamento, funcionamento e fiscalizaçãodo exercício da actividade das unidades privadas queactuem na área da toxicodependência (Decreto-Lein.o 16/99, de 25 de Janeiro), devendo agora ser objectode controlo pelas autoridades competentes em sede delicenciamento e fiscalização, de modo a não admitir aprestação de serviços por entidades que não reúnamum conjunto de requisitos básicos de qualidade.

Por outro lado, importa promover, também, a ava-liação dos resultados dos diferentes programas detratamento.

57 — Promover a avaliação dos diversos programas

É necessário promover a monitorização, a médio elongo prazos, dos resultados alcançados pelos diferentes

3007N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

programas de tratamento, sejam eles promovidos porserviços públicos ou por unidades privadas.

Nesta avaliação — a que adiante se fará mais desen-volvida referência a propósito da investigação — apre-senta-se como vantajoso recorrer a entidades externas,como as universidades, vocacionadas para esse tipo detarefas.

A avaliação reveste-se, porém, de considerável com-plexidade.

Desde logo, é sabido que o percurso dos toxicode-pendentes passa, muitas vezes, por várias tentativas detratamento, intercaladas com recaídas mais ou menosgraves e prolongadas. Muitos deles acabam por alcançaros seus objectivos depois de ensaiarem diversos modelosterapêuticos. Mesmo quando o corolário das diversasintervenções se traduz em êxito final, muito difícil seráavaliar o contributo de cada uma delas para aquele resul-tado. A avaliação individualizada da eficácia dos diversosprogramas e modelos é, em grande parte, dificultadapor este facto.

Acresce que uma apreciação comparada se mostrafrequentemente enganadora, atentas as diferençasquanto ao tipo de população assistida nos diversosmodelos e aos respectivos critérios de admissão.

A avaliação, em todo o caso, é uma tarefa necessária,devendo para o efeito convocar-se o conhecimento cien-tífico disponível.

58 — Garantir o acesso ao tratamento

A garantia do acesso ao tratamento para todos ostoxicodependentes que se desejem tratar implica odesenvolvimento de uma política global, em múltiplasdirecções.

Nos últimos anos a capacidade de resposta do sistemafoi extraordinariamente alargada, sendo mesmo supe-radas as metas ainda há bem pouco fixadas neste domí-nio pela Assembleia da República (Lei n.o 7/97, de 8de Março).

O crescimento dessa capacidade de resposta nãoassentou, apenas, no enorme investimento feito na redepública, sobretudo na extensão a todos os distritos doPaís da rede de CAT (71) do SPTT (72), que passaramde apenas 23 e 9 extensões em 1995 para 36 e 9 extensõesem 1999.

Hoje o número de lugares em comunidades terapêu-ticas convencionados pelo Estado, através do SPTT,ascende a 1050, quando era de 184 em 1995, há apenasquatro anos. Contando com os 34 outros lugares emcomunidades terapêuticas do Estado, verifica-se umtotal de 1084, que excede a meta de 1000 camas fixadapela Assembleia da República. A estas haverá aindaque juntar 644 lugares não convencionados em comu-nidades terapêuticas privadas.

O total de camas em clínicas de desabituação, porseu turno, ascende já a 104 (55 convencionadas e 49estatais), o que ultrapassa, também, a meta de 100 camasestabelecida pelo Parlamento.

A garantia de meios de tratamento passa também,como se vê, pelo aumento da oferta através de unidadesprivadas, sobretudo no que se refere a internamentosde longa duração em comunidades terapêuticas. Natu-ralmente, só poderá falar-se de verdadeira acessibilidadepor parte dos toxicodependentes desde que esta ofertaesteja abrangida por convenções, por forma a assegurar

a comparticipação pelo Estado no custo dos serviçosprestados.

Desse ponto de vista, reveste-se de especial signifi-cado o novo sistema de apoio ao tratamento e da rein-serção social dos toxicodependentes, norteado pelo pro-pósito de promover as condições de acessibilidade, des-locando para a equidade e a eficácia de resposta dosistema as atenções que numa fase anterior se tiveramde centrar no alargamento das infra-estruturas (Decre-to-Lei n.o 72/99, de 15 de Março).

Em primeiro lugar, o novo sistema veio conduzir àactualização substancial do montante das compartici-pações — cujo limite máximo passou, no que se refereàs comunidades terapêuticas, para 132 contos por toxi-codependente, quando era de apenas 72 em 1991.Quanto ao remanescente do custo total do tratamento(20%), que deve ser suportado pelo próprio toxicode-pendente, convirá agilizar os procedimentos que levamà intervenção dos centros regionais de segurança socialem casos limite, verificados certos pressupostos rela-cionados com a situação financeira dos toxicodepen-dentes ou das suas famílias.

Em segundo lugar, deve destacar-se o facto de o novoregime legal ter passado a admitir a possibilidade de,verificadas certas condições, serem abrangidas entidadescom fins lucrativos. Em todo o caso, esta vertente pri-vada do sistema de tratamento continuará, certamente,a assentar, sobretudo, no meritório trabalho das IPSS.

Importa, ainda, estudar a possibilidade de alargar acomparticipação actual no que se refere aos tratamentospor via de certas modalidades terapêuticas mais dis-pendiosas, como é o caso da utilização de fármacos anta-gonistas (naltrexone).

Quanto à rede de CAT, já acima se deu conta doseu extraordinário crescimento nos últimos anos. Anecessidade do seu futuro alargamento deve, agora, afe-rir-se à luz de uma consideração global das estruturasafectas ao tratamento de toxicodependentes, que leveem conta os meios disponíveis no sector público e nosector privado. Especial atenção deverá merecer a par-ticular incidência do problema da droga em certasregiões e as suas características específicas, sobretudoao nível demográfico e cultural, nomeadamente pesandoa capacidade de envolvimento das famílias e das estru-turas comunitárias no próprio processo de tratamento.

Mais importante afigura-se, hoje, o problema das lis-tas de espera que ainda subsistem em diversos CAT,sobretudo nas regiões mais densamente povoadas e ondeo problema da droga se faz sentir com mais intensidade.Eliminar as listas de espera nos CAT é um imperativopara a presente estratégia nacional de luta contra adroga. Para tanto importa, sobretudo, assegurar umamais racional gestão dos meios disponíveis e reforçaros recursos humanos e os meios materiais ao dispordo SPTT, procurando superar as dificuldades de mobi-lizar profissionais para esta área.

É necessário, ainda, aumentar, por via de convenções,o número de lugares disponíveis nas comunidades tera-pêuticas, sobretudo na Região Norte e, particularmente,para menores, grávidas, mães com filhos pequenos ecasos de duplo diagnóstico.

Por outro lado, importa envolver todo o sistema desaúde — e não apenas o SPTT — no tratamento dostoxicodependentes.

3008 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

Desde logo, os médicos de família devem assumirum papel de primeira linha na informação e apoio àsfamílias e no tratamento, ou encaminhamento para tra-tamento, dos toxicodependentes, necessitando para issode ter acesso à formação adequada. Aliás, um númerocrescente de médicos de família começa já a consideraras toxicodependências como um verdadeiro problemade saúde da população. A sua intervenção, por via deum diagnóstico precoce e do consequente aconselha-mento, pode ser decisiva para combater a actual situaçãode recurso tardio às estruturas de tratamento.

Por outro lado, os próprios hospitais e centros desaúde devem envolver-se mais neste trabalho. Há hos-pitais psiquiátricos e departamentos de saúde mentalhospitalares que têm já consultas para toxicodependen-tes e até programas de substituição, aceitando mesmoum certo número de internamentos. Mas há, ainda,muito a fazer neste campo.

Para além da participação dos hospitais psiquiátricose departamentos de psiquiatria dos hospitais gerais,importa que este problema tenha resposta adequadaao nível das maternidades e serviços de obstetrícia, dosserviços de doenças infecto-contagiosas e de ortopedia.Para tanto, é necessário capacitar os técnicos para acolaboração no tratamento destes doentes.

No caso das Forças Armadas, o tratamento de toxi-codependentes tem já sido assegurado pelas estruturaspróprias do Ministério da Defesa Nacional, com des-taque para a Unidade de Tratamento Intensivo de Toxi-codependências e Alcoolismo (UTITA), do Hospital deMarinha, em Lisboa.

59 — Tratamentos de substituição

Sem prejuízo da prioridade que deve continuar adar-se, obviamente, aos tratamentos livres de drogas,em ordem à abstinência do consumo de drogas, há situa-ções limite, que devem aferir-se numa triagem correcta,em que se justifica considerar a inclusão em programasterapêuticos de substituição, como sucederá nos casosem que a múltiplas tentativas de tratamentos livres dedrogas correspondem consecutivos insucessos.

As toxicodependências configuram, aliás, uma doençade evolução complexa e, se nem sempre é possível curar,é sempre imperioso tratar ou cuidar dos doentes. Nessesentido, há que aproveitar todos os contactos para tentardiminuir os prejuízos físicos ou psicológicos, mesmoquando os consumos se mantêm.

A aproximação às estruturas de saúde permite, poroutro lado, facultar informação séria sobre os riscosenvolvidos e sobre a forma de os evitar ou minimizar.Permite, ainda, o rastreio de doenças infecto-contagio-sas, o seu acompanhamento ou vacinação quando ade-quada, a divulgação e facilitação dos meios de protecçãorelacionados com as doenças sexualmente transmissíveise a gravidez indesejada.

Não se trata, como por vezes se imagina, de «con-denar» definitivamente o doente à «substituição de umadependência por outra», mas de constituir uma plata-forma de equilíbrio físico, psicológico, social e familiarque poderá até permitir novas tentativas em programaslivres de drogas.

Nos últimos anos assistiu-se a um significativo alar-gamento dos programas com tratamentos de substitui-ção, que abrangem hoje mais de 4000 toxicodependen-

tes. Praticamente todos os CAT têm programas de meta-dona ou LAAM, contando com o apoio de centros desaúde e hospitais na respectiva administração. Nestalinha, teve recentemente início um programa experi-mental de administração de metadona nas farmácias,resultante de um acordo do SPTT com a Ordem dosFarmacêuticos e a Associação Nacional das Farmácias.O número de lugares em programas de substituição ea respectiva difusão geográfica no território nacionalsão ainda muito inferiores às necessidades, razão pelaqual a presente estratégia nacional de luta contra a drogaassume a opção de estender os programas de tratamentocom drogas de substituição, alargando e diversificandoos locais de administração, sem prejuízo de um rigorosocontrolo pelas entidades competentes e por técnicos desaúde habilitados.

Quanto ao uso de heroína em programas terapêuticosespeciais, de âmbito necessariamente restrito, importarecusar atitudes de experimentalismo voluntarista eacompanhar com a melhor atenção — e sem precon-ceitos — o desenvolvimento e os resultados das expe-riências em curso noutros países, sobretudo na Suíça,bem como a avaliação que delas se espera por parteda Organização Mundial de Saúde e por outras enti-dades idóneas. Em todo o caso, para além de ser neces-sário avaliar a adequação dessas experiências à naturezados problemas que se vivem no nosso país, os elevadosinvestimentos necessários à sua prossecução — desig-nadamente no apoio médico, social e psicológico pres-tado aos doentes incluídos nesse tipo de programas —desencorajam, à partida, que elas sejam consideradasuma prioridade em Portugal, pelo menos enquantooutros programas devidamente testados e de resultadosreconhecidamente positivos não tenham sido suficien-temente desenvolvidos entre nós.

60 — Atendimento a grupos com comportamentos de risco

Uma das preocupações que deve nortear o aperfei-çoamento do sistema de prestação de cuidados de saúdeaos toxicodependentes é a garantia de programas espe-cialmente dirigidos a grupos específicos ou populaçõescom comportamentos de risco.

A diversidade das situações dos toxicodependentesexige respostas variadas, adaptadas a cada caso. É neces-sário que essas respostas estejam acessíveis para quese possa afirmar que cada toxicodependente tem, defacto, o tratamento adequado.

Grupos particulares de doentes têm, ainda, extremasdificuldades em encontrar respostas adequadas ao seucaso. Por exemplo, são ainda escassos os programasespecíficos de atendimento para toxicodependentes comsida ou para grávidas toxicodependentes, que apenasexistem em Lisboa, no Porto e em Coimbra. O problemaagrava-se quando há necessidade de recorrer a comu-nidades terapêuticas. Já acima se registou a necessidadede mais lugares em comunidades terapêuticas paramenores, grávidas, mães com filhos pequenos e casosde duplo diagnóstico, designadamente toxicodependen-tes com patologia mental associada. É urgente alargara capacidade de resposta para doentes nestas situações.

Mais adiante se referirá a necessidade de respostaadequada para os toxicodependentes sem abrigo, desig-nadamente através de centros de abrigo ou centros de

3009N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

noite, e de equipas de apoio social directo, bem comopara o tratamento de toxicodependentes reclusos ou emalternativa à aplicação de sanções.

61 — Articulação entre serviços

A articulação dos serviços do SPTT com os centrosde saúde, hospitais gerais e psiquiátricos, departamentosde psiquiatria, centros regionais de segurança social,centros de emprego, Instituto de Reinserção Social, esta-belecimentos prisionais e escolas é muito importantepara o bom funcionamento de todo o sistema de tra-tamento e reinserção social dos toxicodependentes.

Esta articulação tem registado importantes progressose revela-se essencial a vários níveis, nomeadamente nocaso do acompanhamento de toxicodependentes compatologia orgânica associada (sida, hepatites, tuber-culose), no acompanhamento da gravidez e na imple-mentação de programas de substituição com metadona.

Por outro lado, é decisiva a colaboração de todosos serviços públicos, bem como das unidades privadasque prestam serviços nesta área, para a instalação dosistema nacional de informação sobre a droga e a toxi-codependência, a cargo do Instituto Português da Drogae da Toxicodependência.

CAPÍTULO VII

Redução de danos

62 — A importância estratégica da redução de danos

O princípio do pragmatismo, que nesta estratégianacional complementa o do humanismo, determina oreconhecimento da importância das políticas de reduçãode danos, também chamadas de redução de riscos.

Convirá, antes do mais, clarificar em que é que con-sistem as políticas de redução de danos e os objectivosque visam atingir.

63 — Conceito de redução de danos

As expressões «redução de danos» ou «redução deriscos» designam as políticas que visam eliminar ou mini-mizar os danos, ou os riscos, causados pelo consumode drogas, em todas as situações, mesmo quando o con-sumo se mantém. A ideia está bem expressa na afir-mação de E. Buning e G. Van Brussel: «Se um con-sumidor de drogas (homem ou mulher) não consegueou não quer renunciar ao consumo de drogas, deve-seajudá-lo a reduzir os danos que causa a si mesmo eaos outros.»

A ideia, entenda-se, não é desistir do tratamento dostoxicodependentes e muito menos decretar generica-mente a sua condição de «incuráveis». Trata-se, issosim, de estruturar um novo tipo de intervenção nas toxi-codependências, complementar das estratégias de pre-venção e de tratamento/reinserção.

Não pode, pois, confundir-se a circunstância de oobjecto específico destas políticas não ser propriamentedirigido «contra» o consumo de drogas, com um qual-quer tipo de alheamento ou sequer menosprezo quantoaos efeitos próprios do consumo dessas substâncias. Doque se trata é de, em certas situações limite, prescindirda abstinência como objectivo imediato e necessário,

por forma a assegurar uma intervenção quando o con-sumo de drogas se apresenta como um dado de factoincontornável. E se essa intervenção é, numa primeiraanálise, inspirada por uma atitude eminentemente prag-mática, não é menos verdade que responde, também,à preocupação ética de respeitar e promover os direitosdos toxicodependentes.

64 — Objectivos específicos das diferentes políticasde redução de danos

As políticas de redução de danos tiveram o seu prin-cipal impulso e começaram a desenvolver-se com algumaautonomia em torno do objectivo de prevenir o riscode propagação de doenças infecto-contagiosas, em espe-cial a contaminação pela sida e pelas hepatites B e C,que decorre de certas práticas de consumo e de outroscomportamentos de risco mais ou menos frequentes emdeterminados grupos de toxicodependentes.

Mas as políticas de redução de danos visam, também,prevenir a marginalização social e a delinquência.

De facto, embora muitos toxicodependentes se man-tenham bem integrados, pelo menos de um ponto devista exterior, a dificuldade de compatibilizar a toxi-codependência com a frequência escolar ou com oemprego, quando não mesmo com os laços familiarese sociais, precipita frequentemente uma exclusão que,constituindo em si mesma um problema social, tendea gerar no toxicodependente uma espiral destruidorada consciência da sua própria dignidade e a dificultaro seu tratamento e recuperação.

Por outro lado, a necessidade de dinheiro, cada vezmais dinheiro, para alimentar o ritmo dos consumos,começando por agravar a ruptura dos laços sociais,sobretudo com familiares e amigos, remete, por vezes,os toxicodependentes para a criminalidade, com todasas consequências que daí decorrem para si mesmos epara a segurança da comunidade.

Para além destes objectivos essenciais, as políticasredução de danos têm, ainda, sido utilizadas como formade promover e facilitar o relacionamento dos toxico-dependentes com as estruturas de saúde. E isto nãoapenas para divulgar práticas sanitárias protectorasjunto de um grupo que apresenta comportamentos derisco mas, também, para criar condições que permitammotivar os toxicodependentes para programas de tra-tamento.

Em certos países, existem já políticas de redução dedanos directamente destinadas a promover uma menoradulteração pelos traficantes das substâncias utilizadas,sobretudo no caso das drogas injectáveis e das drogasingeridas, nomeadamente LSD e ecstasy/MD/MA porforma a reduzir os riscos para a saúde dos consumidores,como é o caso dos riscos de abcessos, lesões venosase mesmo overdoses. Neste sentido, são promovidos estu-dos periódicos sobre a qualidade das substâncias do mer-cado negro e há laboratórios que, a pedido, informamsobre a qualidade das drogas que lhes são entreguespara análise.

Há, hoje, uma considerável variedade de políticas deredução de danos.

Os programas de troca de seringas serão, talvez, osmais conhecidos de entre todos os que se enquadramneste tipo de políticas. Visam, sobretudo, salvaguardara saúde pública e minimizar os danos para a saúde dos

3010 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

toxicodependentes por via do combate ao risco de pro-pagação de doenças infecto-contagiosas inerente à par-tilha de seringas contaminadas. Mas estes programascombatem, também, a marginalização social, contri-buindo para aumentar as probabilidades de acesso acuidados médicos e a apoio social (73).

Por outro lado, a consciência das más condições sani-tárias em que, na maior parte dos casos, os toxicode-pendentes se injectam — e que são responsáveis porabcessos e outros acidentes — levou ao desenvolvi-mento, em certos países europeus, de medidas tendentesa promover boas práticas de injecção, quer pela difusãode informação, quer pelo ensino e facilitação de locaisprotegidos, os chamados shooting-rooms, isto é, insta-lações em que os toxicodependentes se podem injectarem condições higiénicas, dispondo de material esteri-lizado e assistência de técnicos de saúde. Em todo ocaso, importa registar que a maior parte das experiênciasexistentes neste campo não se destinam a garantir aostoxicodependentes a possibilidade de injectar sempreem boas condições, mas visam apenas o ensino de umaboa prática, tendo por isso horários e capacidades muitolimitados.

A difusão deste tipo de programas será responsávelpela ligação que muitos precipitadamente estabelecementre as políticas de redução de danos e o consumopor via injectável. Contudo, de uma forma geral, as polí-ticas de redução de danos podem ser chamadas a pre-venir riscos inerentes a qualquer tipo de drogas, bemcomo a todas as formas e graus de consumo. Por essarazão, aliás, estas políticas dirigem-se não apenas aostoxicodependentes mas a todos os consumidores de dro-gas, ainda que meramente ocasionais. Hoje, por exem-plo, assumem um especial relevo as questões ligadasàs novas drogas de síntese.

Os programas de administração de medicamentos desubstituição em baixo limiar, entre nós sobretudo meta-dona, constituem, também, um exemplo típico de polí-ticas de redução de danos.

Estes programas visam atingir, praticamente, todosos objectivos normalmente prosseguidos pelas políticasde redução de danos: substituindo uma droga injectávelpor medicamento activo por via oral, reduz-se o riscode propagação de doenças infecto-contagiosas; substi-tuindo uma droga geradora de uma dependência de efei-tos anti-sociais por uma substância cujos efeitos são com-patíveis com a manutenção da frequência escolar, doemprego e dos laços familiares e sociais, combate-sea exclusão social dos toxicodependentes; substituindouma droga de preço exorbitante e que reclama múltiplosconsumos por um medicamento distribuído gratuita-mente e que exige menos consumos, afasta-se a cri-minalidade geradora de marginalização e insegurançapública. Por outro lado, através da administração con-trolada de medicamentos de substituição, previne-se orisco de adulteração da qualidade das substâncias con-sumidas e de overdose. Finalmente, estes programasgeram contactos vários dos toxicodependentes com asestruturas de saúde, possibilitando a prevenção deoutros comportamentos de risco, sobretudo no que serefere a cuidados de higiene e relações sexuais, paraalém de criarem não apenas condições mas oportuni-dades de transição para programas de tratamento livresde drogas.

65 — Redução de danos e tratamento

Apesar de a evolução para verdadeiros programasde tratamento poder ser proporcionada pela adminis-tração de medicamentos de substituição, como os pro-gramas de administração de metadona de baixo limiar,não se deve confundir programas de redução de danoscom programas de tratamento.

Os programas de tratamento incluem intervençõespsicoterapêuticas e, ou, sócio-terapêuticas que consti-tuem uma ajuda importante no processo de recuperação,enquanto os programas de redução de danos, emboranão se devam limitar à administração de medicamentosde substituição, incluem, essencialmente, uma interven-ção social e sanitária.

Assim, é indispensável que estejam disponíveis ver-dadeiros programas de tratamento para quem o desejar.Por outro lado, é importante que quem está incluídoem programas de redução de danos conheça os seusobjectivos limitados, saiba da existência dos programasde tratamento e a eles tenha acesso facilitado.

66 — Experiências de redução de danos em Portugal

Só na segunda metade dos anos 80 se começou aexprimir a preocupação com a redução de danos emPortugal, com a realização de rastreios em relação adoenças de contágio por via endovenosa ou sexual. Pelamesma altura, iniciou-se a informação sistemática sobrea prevenção, o fornecimento ou facilitação de acessoa preservativos e a promoção de uma atitude compreen-siva e colaborante por parte dos farmacêuticos no queà venda de seringas dizia respeito.

Em Coimbra iniciou-se, em Maio de 1993, uma inter-venção mais dinâmica, intitulada «Stop sida», com a cria-ção de um kit — com seringa, preservativo e informa-ção — a ser distribuído ou trocado nas farmácias, a exis-tência de trabalho de rua e a criação de um centrode aconselhamento (drop in), mais tarde chamado «Cen-tro Laura Ayres».

Em Outubro de 1993, a Associação Nacional de Far-mácias e a Comissão Nacional de Luta contra a Sidaimplementaram um programa de troca de seringas nasfarmácias («Diz não a uma seringa em segunda mão»)de todo o País, que constitui a mais importante e eficazmedida de redução de danos até hoje iniciada entrenós.

Iniciaram-se, também, outras iniciativas de apoiomédico e social em bairros de tráfico e meios de pros-tituição. Os gabinetes de apoio (boutiques), por exemplo,são serviços de apoio a toxicodependentes de caráctersocial e sanitário, que fornecem habitualmente alimen-tação, banho, lavagem de roupas, rastreio de doençase cuidados de enfermagem ou mesmo consultas médicas,mas que não se reclamam do tratamento das toxico-dependências. Os centro de abrigo (sleep in), por seulado, são, também, serviços de apoio que fornecem dor-mida e outras valências de carácter social ou sanitáriomas que, normalmente, encerram durante o dia.

Para os chamados «arrumadores» foram iniciados noPorto, enquadrados pelo Contrato Cidade, programasespecíficos de reinserção social, complementados porum programa de substituição por metadona de baixolimiar. Trata-se de programas de administração de meta-dona sem exigência de regularidade de frequência ou

3011N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

paragem de consumos tóxicos, mas coadjuvados pormedidas de apoio social e sanitário.

Na mesma linha, tem sido desenvolvido no Algarve(Quarteira) um programa junto de prostitutas, tendoem vista a motivação para programas de tratamentoda toxicodependência.

No Casal Ventoso, foi feito o lançamento, em 1996,de uma importante operação integrada — que envolvea Câmara Municipal de Lisboa, o Governo, serviços daadministração central, autoridades policiais, o Gabinetede Reconversão do Casal Ventoso e o Gabinete deApoio do Centro Social do Casal Ventoso —, operaçãoessa que incluiu, também, medidas de redução de danos,designadamente um programa de administração demetadona de baixo limiar, acompanhado da construçãode um centro de abrigo, um centro de acolhimento,equipas de rua e outras acções de apoio médico e social,incluindo um vasto programa de realojamento.

Existe, ainda, embora a dar os primeiros passos, umacolaboração entre os CAT e os centros de diagnósticopneumológico (CDP) em relação à difusão da tuber-culose entre os toxicodependentes.

Quanto aos programas de administração controladade metadona já acima se deu conta da experiência desen-volvida em Portugal, que tem conhecido enorme desen-volvimento nos últimos anos (74).

67 — Reforçar as políticas de redução de danos

Importa, antes do mais, aperfeiçoar a informação,tornando-a mais rigorosa e específica e salientando apossibilidade de contaminação através da utilizaçãocomum não apenas das seringas mas também da própriaágua, dos recipientes (colheres e caricas), de filtros ealgodões. Por outro lado, é importante a construçãode barreiras psicológicas que dificultem a passagem àforma injectável ou que promovam a passagem do con-sumo endovenoso ao consumo fumado. A divulgaçãodos resultados de análises às drogas apreendidas, comespecial relevo para as drogas de síntese, pode con-tribuir, também, para prevenir situações de risco acres-cido em função da respectiva composição. Finalmente,devem acautelar-se os riscos de más interpretações dainformação, como por exemplo o erro de deduzir dafragilidade do VIH que as seringas voltam a ser segurasalgum tempo depois de utilizadas por, pretensamente,o VIH ter sido destruído pela exposição ao ar.

Em qualquer caso, a construção de mensagens pre-ventivas eficazes supõe conhecer melhor as práticas dostoxicodependentes. Tal objectivo implica a utilização dasetnometodologias e a colaboração descomplexada comos próprios toxicodependentes ou suas organizações,quando existam.

É necessário, também, promover a instalação de cen-tros especiais de informação e motivação junto de toxi-codependentes com comportamentos de risco de par-ticular gravidade.

Por outro lado, importa prosseguir o programa detroca de seringas, assegurando a cobertura de todo oterritório nacional. A recente revisão da composição doskits eliminou muitos dos problemas que se punham nessecampo mas não são de excluir outros aperfeiçoamentos,sobretudo no que se refere à articulação com outrosprogramas, onde tal se revelar necessário. São de estu-dar, também, processos alternativos de troca, seja atra-

vés de distribuidores automáticos, seja pela atribuição,em certas localidades, de responsabilidades nesta áreaa outras entidades, a começar pelas estruturas de saúde.

Uma das mais importantes prioridades estratégicasassumidas em matéria de redução de danos é o alar-gamento dos programas de administração controladade medicamentos de substituição, nomeadamente meta-dona, de forma a garantir a admissão a todos os queconstituem indicações para essa modalidade terapêutica.

No caso específico das grávidas toxicodependentes,importa garantir a articulação destes programas comas maternidades e serviços de obstetrícia.

São igualmente necessários novos programas de admi-nistração de metadona de baixo limiar, para fazer facea situações mais graves, sobretudo, para já, na GrandeLisboa e no Grande Porto, mas também em Setúbale no Algarve.

Outros programas de redução de danos devem, tam-bém, ser prosseguidos.

Desde logo, programas integrados de tratamento desubstituição e de medicação antiviral ou tuberculostá-tica. Depois, programas gratuitos e acessíveis de rastreiode hepatites, sida e tuberculose. E ainda programas des-tinados a promover e facilitar o acesso dos toxicode-pendentes às consultas de planeamento familiar a meioscontraceptivos.

Noutra linha, importa promover acções dirigidas apopulações específicas.

Para este efeito, são da maior importância as equipasde rua, a realizar por técnicos com formação adequada,nomeadamente em etnometodologias, junto das zonasde consumo, dos toxicodependentes sem abrigo, dos cha-mados «arrumadores», dos pertencentes a minorias, dapopulação que se prostitui e dos frequentadores de ravese discotecas after-hours, com a finalidade de promovercomportamentos de redução de danos, nomeadamenteinformando sobre estruturas sanitárias e sociais deapoio, fornecendo preservativos e seringas, ou incitandoa cuidados sanitários e de higiene, bem como ao rastreiode doenças infecto-contagiosas e a outras medidas,incluindo, nos casos em que tal se revele adequado,o encaminhamento para programas de administraçãode metadona de baixo limiar ou, quando possível, paraprogramas de tratamento.

Do mesmo modo, importa proceder à criação de gabi-netes de apoio (boutiques) e centros de abrigo (sleepin)junto às zonas com maior número de consumidores,mobilizando, para o efeito, a colaboração das autarquiaslocais e de instituições da sociedade civil, com o neces-sário apoio técnico e financeiro.

Numa óptica de prevenção, mas ainda num quadrode redução de riscos, importa sensibilizar e prepararos médicos de família para a promoção de apoio coor-denado aos filhos de toxicodependentes, que envolvapediatras, psicólogos e departamentos de saúde mentalinfantil e juvenil, de forma a poderem ser tomadas, emdevido tempo, as medidas que forem consideradasnecessárias. Quando se mostrar ajustado à especial gra-vidade do caso concreto, haverá, naturalmente, queequacionar a possibilidade de recorrer à figura daadopção.

Do mesmo modo, importa que a prevenção contribuapara preservar a integração social, apoiando a manu-tenção dos estudos ou do emprego, por via da promoção

3012 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

nas escolas e nas empresas de uma atitude mais tolerantepara com os consumidores e direccionada para o incen-tivo ao tratamento.

Finalmente, diga-se que deve evitar-se que os pro-gramas de redução de danos contribuam para criar umaimagem social de subestimação dos efeitos das drogas,gerando a ideia falsa de que o consumo das drogas éinofensivo ou de que a abstinência não é uma metadesejável. Para esse efeito, as políticas de redução dedanos devem desenvolver-se por programas integrados,de que conste uma informação rigorosa e onde não faltea educação para a saúde e a prevenção (75).

Quanto às entidades competentes para a prossecuçãodas políticas de redução de danos, para além das óbviasresponsabilidades das estruturas do SPTT e do envol-vimento das farmácias, importa aprofundar a mobili-zação de outras estruturas de saúde e, em certos casos,também da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais, dosorganismos competentes da segurança social, das autar-quias locais, das instituições particulares de solidarie-dade social e de outras instituições da sociedade civilde reconhecida idoneidade e prestígio, como a CruzVermelha e a AMI.

CAPÍTULO VIII

Os estabelecimentos prisionais e a toxidependência

68 — Os crimes de droga e o número de reclusos

Muitos reclusos estão no sistema prisional por crimesrelacionados com a droga. Os dados disponíveis quantoao número de reclusos condenados por crimes de drogapara os anos de 1993 a 1997 são, respectivamente: portráfico, 1237, 1432, 1606, 2157 e 3123; por tráfico-con-sumo, 179, 197, 215, 238 e 268; por consumo, 36, 12,10, 14 e 42.

É certo, por outro lado, que a maioria dos condenadosa cumprir pena de prisão efectiva por crimes directa-mente relacionados com a droga não são meros con-sumidores ou traficantes-consumidores. Todavia,importa ter presente que na população condenada,essencialmente por crimes contra o património, umapercentagem muito significativa indica que a motivaçãodesse crime é a toxicodependência.

De um modo geral, pode dizer-se que tem vindo averificar-se um relativo aumento da aplicação da penade prisão efectiva no âmbito da lei da droga, que em1993 representava 3,6% das penas aplicadas, em 1996,9,4%, e em 1997, 6,1%.

Em 1993, a pena mais aplicada aos traficantes-con-sumidores era a de prisão efectiva (38,3%); em 1994,houve um acréscimo na aplicação de prisão efectiva,cifrada em 43,7% das condenações, tendência que semantém em 1995 (46%), sofrendo uma ligeira dimi-nuição em 1996 (41,7%) e sendo de 30,7% em 1997.Desenvolve-se, agora, a tendência para a suspensão dapena de prisão. Já no caso de traficantes, a aplicaçãoda pena de prisão efectiva é dominante, seguida da pri-são suspensa, tendo sido mantido em cerca de 70%o índice de aplicação daquela nos últimos três anos (76).

O que se passa é que a percentagem real de con-denados por consumo de drogas é superior à dos con-denados por tráfico, situando-se a dos traficantes-con-sumidores em cerca de 5%. Dizendo de outro modo:

pelo consumo de droga praticamente não se vai paraa cadeia, mas o risco de uma condenação por consumoé maior do que por tráfico.

Se compararmos o número de reclusos condenadospor crimes de droga com o número total de reclusoscondenados, verificamos que, de 1993 a 1997, a per-centagem varia entre 21,3% em 1993, 30,2% em 1994,30% em 1995, 28,8% em 1996 e 36,5% em 1997.

Sendo certo que a população prisional global passoude 11 332 reclusos no ano de 1993, para 14 634 em 1997e que entre aquelas datas os reclusos por crimes dedroga passaram de 1526 para 3653, é evidente que osreclusos por crimes de droga contribuíram, numa fatiasignificativa, para o verificado aumento da populaçãoprisional.

Quanto ao excessivo recurso à prisão preventiva,parece resultar evidente do facto de esta ser muitas vezesaplicada mesmo quando o arguido tem em curso umprograma de tratamento de toxicodependência e a pri-são preventiva pode legalmente ser dispensada (77).

69 — Tratamento de toxicodependentes reclusos

Os indicadores disponíveis no sistema judicial e, emparticular, no sistema prisional evidenciam a existênciade um número elevado de reclusos toxicodependentes,somando-se a este problema altas incidências de doençasinfecciosas, especialmente hepatites, sida e tuberculose.

O tratamento e reinserção social de reclusos toxi-codependentes era já em 1996 uma das preocupaçõesdo Governo, inscrita no Programa de Acção para o Sis-tema Prisional (Resolução do Conselho de Ministrosn.o 62/96, de 29 de Abril), através de um Plano Nacionalde Saúde para os Estabelecimentos Prisionais.

Neste sentido, durante os últimos anos, verificaram-seprogressos importantes na área da prestação de cuidadosde saúde nos estabelecimentos prisionais, quer atravésda instalação e, ou, melhoria de estruturas e equipa-mentos, quer do recrutamento de pessoal de saúde.

E foi também para responder àquela preocupaçãoque o Ministério da Justiça alargou e diversificou asestruturas e programas de tratamento da toxicodepen-dência em meio prisional:

A «ala G» (comunidade terapêutica) no Estabe-lecimento Prisional de Lisboa, criada em 1992,viu duplicada a sua lotação, tendo acontecidoo mesmo com a Casa de Saúde das Caldas daRainha;

Foram criadas alas/unidades livres de droga nosEstabelecimentos Prisionais de Lisboa (ala A),Leiria, Porto e Santa Cruz do Bispo, estandoprevista, a curto prazo, a entrada em funciona-mento da unidade instalada no EstabelecimentoPrisional de Tires. Estas alas/unidades são«zonas diferenciadas e protegidas», onde fun-cionam programas desmedicalizados de carizpsico-sócio-terapêutico;

Foram instalados programas de substituição commetadona nos Estabelecimentos Prisionais deLisboa e do Porto;

Incentivou-se, na dimensão local, a articulação comos serviços de saúde especializados, exterioresà DGSP (centros de atendimento a toxicode-pendentes). Neste sentido e de acordo com as

3013N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

realidades locais, a articulação visa a intervençãoespecializada dos técnicos dos CAT junto dosreclusos toxicodependentes e a garantia de con-tinuidade, em meio prisional, de tratamentos ini-ciados no exterior, nomeadamente com terapêu-ticas de substituição ou de antagonistas;

Desenvolveram-se acções de cooperação com ins-tituições particulares de solidariedade social emalguns estabelecimentos prisionais, por forma a,nomeadamente, alargar o apoio ao tratamentodos reclusos toxicodependentes;

Alargou-se o âmbito de aplicação do RegimeAberto Voltado para o Exterior (RAVE),podendo ser utilizado para efeitos de tratamentoda toxicodependência em meio livre.

O tratamento e ressocialização dos toxicodependentespresos é um imperativo para a presente estratégia nacio-nal de luta contra a droga, expresso na opção estratégicade assegurar a todos os toxicodependentes presos oacesso a meios de tratamento idênticos aos disponíveisfora do meio prisional, opção essa que se inspira noprincípio humanista que norteia esta mesma estratégia.

Considera-se prioritário aproveitar o tempo de per-manência na prisão para promover o tratamento, coma possibilidade de aceder a qualquer modalidade tera-pêutica considerada indicada.

Importa, por isso, garantir a continuidade e o alar-gamento dos programas em meio prisional, nomeada-mente desabituação com apoio psicofarmacológico, tra-tamento com antagonistas, terapêuticas de substituiçãoe programas sócio-terapêuticos.

Mas importa, também, implementar os mecanismosque permitam o recurso a modalidades de tratamentoque tenham implicações no regime prisional, nomea-damente o internamento em comunidades terapêuticase o ingresso em unidades residenciais de reinserção.

Para o bom desenvolvimento destas orientações estra-tégicas, será criado, no âmbito do Plano Nacional deSaúde para os Estabelecimentos Prisionais, um pro-grama especial de prevenção da toxicodependência, nasvertentes da prevenção primária, secundária e terciária,contando com o envolvimento dos Ministérios da Justiçae da Saúde, a orçamentar por rubrica própria financiadapelas verbas afectas à prossecução da presente estratégianacional.

70 — Políticas de redução de danosnos estabelecimentos prisionais

Face às actuais características dos indivíduos queingressam nas prisões (número elevado de toxicodepen-dentes, alta incidência de doenças infecciosas, nomea-damente sida, hepatites e tuberculose) e atendendo,ainda, aos seus comportamentos e à sua grande mobi-lidade (em 1998 entraram no sistema prisional 6732reclusos e saíram 6497), podemos considerar a popu-lação prisional como de alto risco e, por isso, alvo prio-ritário de uma política de redução de danos.

Daí que nos últimos anos se tenha iniciado uma polí-tica de redução de danos nos estabelecimentos prisio-nais, em que se destacam algumas acções: facilitaçãoe promoção do acesso a preservativos e lixívia, progra-mas de educação para a saúde dirigidos à populaçãoreclusa, módulos de formação específicos dirigidos aopessoal de vigilância e técnico.

Ainda nesta perspectiva, a DGSP instalou dois pro-gramas de substituição com metadona nos Estabeleci-mentos Prisionais de Lisboa e do Porto, com carácterexperimental. A avaliação destes programas, feita emarticulação com o SPTT, aponta para o ano de 1999o alargamento do número de doentes a integrar e paraa instalação de dois novos programas, no Estabeleci-mento Prisional de Tires e num estabelecimento pri-sional de condenados.

Também se tem dado continuidade a outras medidas,difundidas com carácter de obrigatoriedade, como o ras-treio à entrada e, ou, periódico de doenças infecto-con-tagiosas. Nos estabelecimentos prisionais de maiordimensão têm-se posto em funcionamento consultas deinfecciologia e no hospital prisional aumentou-se onúmero de horas de consulta desta especialidade.

Importa continuar a implementar este tipo de medi-das.

Quanto à troca de seringas nas prisões, assunto deespecial complexidade e que não se resume apenas aquestões de segurança, importa, conforme recomendadopela Comissão para a Estratégia Nacional de Combateà Droga (78), estudar as experiências existentes noutrospaíses, bem como as implicações legais dessa solução,tendo em vista uma decisão política sobre a matéria,onde se deverá tomar em conta, naturalmente, a opiniãojá expressa por membros da referida Comissão e peloProvedor de Justiça, nas suas recomendações, de 1996e 1999, bem como o parecer da Comissão Eventual parao Acompanhamento e Avaliação da Situação da Toxi-codependência, do Consumo e do Tráfico de Droga,da Assembleia da República (79).

71 — Articulação dos serviços prisionaiscom os serviços de saúde

A passagem do toxicodependente pela cadeia, quandose torna irremediável perante a gravidade do crime pra-ticado, pode constituir uma oportunidade única de ape-lar ao tratamento.

Assim, é imprescindível articular na área da toxico-dependência os serviços de saúde em geral, exterioresaos serviços prisionais, sejam públicos ou privados, comos serviços de saúde da Direcção-Geral dos ServiçosPrisionais, hoje dotada de estruturas com um maior graude autonomia.

Aliás, a necessidade desta articulação foi já assumidapela referida Resolução do Conselho de Ministrosn.o 62/96, de 29 de Abril, que aponta para a colaboraçãodo SPTT, por intermédio dos CAT. Neste sentido éde realçar a articulação que já se vai estabelecendo eque permite o acesso de reclusos toxicodependentes aprogramas de tratamento, com carácter ambulatório, emfuncionamento nos CAT, quer através da presença detécnicos dos CAT nos estabelecimentos prisionais, querdeslocando os reclusos às consultas no exterior.

Nesta matéria e ainda no seguimento da resoluçãoreferida, foi celebrado, a 21 de Março de 1997, um pro-tocolo entre os Ministérios da Justiça e da Saúde, ondese consagra a colaboração da Direcção-Geral dos Ser-viços Prisionais com as administrações regionais desaúde, visando a prestação de cuidados de saúde emgeral e com o SPTT na área das toxicodependências.

O recente alargamento da concessão de regime abertovoltado para o exterior para efeitos de tratamento de

3014 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

toxicodependentes vem, também, na mesma linha econta para a sua concretização com uma maior ofertade programas em meio livre e com a implementaçãode mecanismos que possibilitem, realmente, o recursoa modalidades de tratamento que tenham implicaçõesno regime prisional.

72 — Articulação dos serviços prisionais com o Institutode Reinserção Social

É necessário melhorar a articulação do Instituto deReinserção Social com a Direcção-Geral dos ServiçosPrisionais, sendo de adoptar mecanismos e procedimen-tos de cooperação concreta.

Aliás, a articulação do Instituto de Reinserção Socialcom os próprios tribunais e com outros serviços daAdministração Pública é absolutamente vital para a boaprossecução das suas finalidades, neste caso ao serviçoda ressocialização dos toxicodependentes (80).

Em especial, importará clarificar melhor o alcancedas missões próprias do Instituto de Reinserção Socialface às que são específicas do Serviço Nacional de Saúdeou da Direcção-Geral dos Serviços Prisionais.

Refira-se, a propósito, que importa, também, zelarpela efectiva utilidade dos relatórios produzidos peloInstituto de Reinserção Social para instrução dosprocessos.

73 — Promoção de estudos

É necessário, nesta área, prosseguir ou lançar estudosque permitam, além do mais, conhecer cada vez melhor,por um lado, a realidade quantitativa — e nesta, a dis-tinção entre o número de processos e o número deinfractores ou arguidos não deixa de ser importante —que leve a saber com rigor quantos toxicodependentesse encontram nas prisões e quais os que praticaram cri-mes de droga ou com esta conexos.

Mas, por outro lado, são também da maior impor-tância os estudos que permitam conhecer as fórmulasmais eficazes de aproveitar o período de prisão paratratar e reabilitar os toxicodependentes.

CAPÍTULO IX

Reinserção social

74 — A reinserção social como prevenção

Não é por acaso que a reinserção social dos toxi-codependentes é entendida como prevenção terciária.É que a ressocialização previne, de facto, o consumode drogas, na medida em que contribui para evitar uma«recaída», quando não mesmo para minimizar a con-juntura social que determinou o início ou o agravamentodos consumos.

Em rigor, não há tratamento sem reinserção social,de tal modo o êxito do processo de reabilitação/tra-tamento está intimamente condicionado pela ressocia-lização, familiar e profissional, do toxicodependente.

Não pode, pois, tomar-se a ressocialização como umaetapa posterior ao tratamento, como se fosse possívelcurar primeiro e só depois reinserir. Bem pelo contrário,a reinserção faz parte do tratamento e este nunca estácompleto sem ela.

75 — A exclusão social e as medidas de descriminação positiva

Para uma estratégia nacional de luta contra a drogaverdadeiramente inspirada por um princípio humanista,promover a reinserção social dos toxicodependentes é,necessariamente, um imperativo. É preciso, pois, supe-rar a tendência para considerar este um vector menorou até dispensável na luta contra a droga.

Para tanto, importa, antes do mais, identificar a diver-sidade dos problemas que se colocam neste campo.

Desde logo, é necessário ter em conta que a exclusãosocial dos toxicodependentes se traduz muitas vezes emformas de isolamento social pouco reconhecidas comoefectivos factores de marginalização.

De facto, em Portugal muitos toxicodependentes con-seguem até conservar o seu emprego, continuar a estu-dar ou permanecer em casa dos familiares. Contudo,vivem frequentemente um verdadeiro isolamento socialem resultado do abandono de todos os amigos não toxi-codependentes e, em muitos casos, da substituição dassuas relações de amizade por relações funcionais decumplicidade em torno do consumo de drogas. Expe-rimentam, por isso, uma profunda solidão quando paramos seus consumos.

Daí que a dificuldade mais generalizada no processode ressocialização dos toxicodependentes seja a criaçãode novas amizades fora dos ambientes propícios àrecaída, o que exige o reaprender de outros tipos derelacionamento.

Noutros casos, também frequentes, não é possível,ou não é sequer benéfico, o regresso a casa dos paisapós a saída de uma comunidade terapêutica, carecendoentão os toxicodependentes de um apoio residencialenquadrado, como os chamados «apartamentos de rein-serção», durante um período preparatório visando a suaplena autonomia.

Há, também, outros toxicodependentes sem formaçãoprofissional e experiência de emprego, com uma esco-laridade variável, que necessitam sobretudo de formaçãoprofissional. Esta poderá ser feita nos centros de for-mação profissional do IEFP, em instituições privadascom o apoio de bolsas de formação ou em instituiçõesde formação profissional para toxicodependentes oupessoas com dificuldades especiais de reinserção.

Mas há ainda casos de extrema exclusão social, detoxicodependentes sem domicílio, completamente sepa-rados das famílias, sem emprego, com habilitaçõesescolares limitadas, nenhuma formação ou experiênciaprofissional e aptidões sociais muito reduzidas. Estesrecorrem com frequência a crimes contra o património,à prostituição ou a simulacros de actividade profissional(os chamados «arrumadores») para subsistir e alimentaros consumos.

Para estes, é necessário um maior envolvimento dasestruturas de suporte social, por vezes para os ajudara suprir as necessidades básicas (alimentação e aloja-mento), programas de formação profissional adequadosà sua instrução e capacidades e uma intervenção globalde apoio à reorganização da sua vida, com acompa-nhamento, também, na procura e manutenção deemprego.

É frequentemente neste grupo de toxicodependentesem extrema exclusão social que se encontram os ex-re-clusos, em que às dificuldades gerais de ressocializaçãose juntam as inerentes ao estigma social que ainda se

3015N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

alia a esse passado prisional. São situações que, nor-malmente, carecem de um acompanhamento adaptadoà condição própria dos toxicodependentes ex-reclusos.

Finalmente, alguns toxicodependentes, particular-mente nos casos de duplo diagnóstico — em que umadepressão grave ou uma psicose coexiste com a toxi-codependência —, podem necessitar de um apoio aindamaior, que passa por situações de emprego protegido,por empresas de reinserção e por residências.

Já se vê que a superação dos problemas que se colo-cam à reinserção social dos toxicodependentes exige aadopção de medidas adequadas à diversidade das situa-ções de exclusão e que, em alguns casos, configuramuma verdadeira descriminação positiva. A não ser assim,nem a ressocialização se alcança, nem o tratamento seconclui, nem a «recaída» no consumo de drogas seprevine.

76 — As estruturas de apoio à reinserção social

É, sem dúvida, necessário reforçar as estruturas deapoio à reinserção social, não obstante o esforço feitonesta área nos últimos anos.

Essas estruturas, na medida em que o tratamentose prolongue até à efectiva ressocialização, incluem, como apoio do Ministério da Saúde, os centros de dia, emque os toxicodependentes aprendem a organizar a suavida e desenvolvem competências sociais, hábitos deocupação e trabalho e actividades pré-profissionalizan-tes e as comunidades terapêuticas, que incentivam osmesmos valores através de programas específicos e davida comunitária em geral.

Por outro lado, temos como estruturas específicas,apoiadas pelo Ministério do Trabalho e da Solidarie-dade, os apartamentos de reinserção social (81), queconstituem um meio intermédio entre a vida na comu-nidade terapêutica e a autonomia completa, dado tra-tar-se de residências temporárias destinadas a apoio atoxicodependentes que se confrontam com problemasde reinserção social, familiar, escolar ou profissional,designadamente após a saída de unidades de tratamento,estabelecimentos prisionais, centros tutelares ou deoutros estabelecimentos da área da justiça. Nesta linha,devem referir-se, também, as instituições de formaçãoprofissional, em número muito reduzido, que disponi-bilizam cursos suportados de forma especial, atendendoà população a que se destinam. A estas estruturas jun-tam-se, ainda, as chamadas equipas de intervençãodirecta ou equipas de rua, nas quais se fez um grandeinvestimento nos últimos anos (82), e que são unidadesde intervenção directa junto de populações toxicode-pendentes e suas famílias, bem como, de uma formageral, junto de comunidades afectadas pelo fenómenoda toxicodependência com o objectivo de fomentar aintegração dos toxicodependentes em processos de recu-peração, tratamento e de reinserção social, através deacções articuladas de sensibilização, orientação e enca-minhamento.

Estas acções são desenvolvidas por instituições pri-vadas, sob a orientação técnica da Direcção-Geral daAcção Social, através dos centros regionais de segurançasocial e serviços sub-regionais.

A intervenção nesta área de um conjunto de insti-tuições privadas revela-se cada vez mais importante,tendo sido alargados os mecanismos destinados a per-mitir-lhes desenvolver actividades de reinserção de toxi-

codependentes através do Programa Quadro Reinserir,do Projecto VIDA.

Papel importante na reorganização das relaçõessociais dos toxicodependentes em recuperação é odesempenhado pelos grupos de auto-ajuda, designada-mente os promovidos pelos Narcóticos Anónimos.

A estas estruturas específicas haveria, ainda, que jun-tar as iniciativas gerais dirigidas aos ex-reclusos, da res-ponsabilidade do Instituto de Reinserção Social e a arti-culação nesta área entre o Ministério da Justiça e oMinistério da Saúde, ao abrigo do já referido protocolode 21 de Março de 1997.

Por outro lado, o programa em curso nas ForçasArmadas contempla a reinserção sócio-profissional dosmilitares objecto de tratamento, sob o acompanhamentoda UTITA, com o envolvimento dos familiares, sendoincentivada a frequência de grupos de auto-ajuda.

77 — Prioridades para a reinserção social dos toxicodependentes:o Programa Vida Emprego

O panorama do sistema de apoio à reinserção socialdos toxicodependentes foi profundamente alterado, ereforçado, com o recente lançamento do Programa VidaEmprego, da iniciativa do Projecto VIDA e do Institutode Emprego e Formação Profissional.

Este Programa foi criado e regulado através da Reso-lução do Conselho de Ministros n.o 136/98, de 4 deDezembro.

Trata-se de um mecanismo de apoio ao emprego deex-toxicodependentes, respondendo, assim, a uma dasmais importantes exigências de uma ressocializaçãoefectiva.

O Programa Vida Emprego inclui um conjunto vastode medidas específicas de apoio à formação profissional,ao estágio e à integração sócio-profissional, bem como,de um modo geral, de apoio ao emprego e ao auto--emprego de toxicodependentes. Esse conjunto de medi-das inclui, entre outras:

a) Um subsídio mensal a atribuir aos estagiáriosex-toxicodependentes;

b) A comparticipação nos encargos com um orien-tador de estágio e um tutor encarregue do acom-panhamento personalizado;

c) Um prémio financeiro para as empresas que,findo o estágio, optem pela contratação destesestagiários e se comprometam a manter o postode trabalho pelo menos por quatro anos;

d) Subsídios às entidades empregadoras para com-participação nos encargos com a remuneraçãoe a segurança social dos trabalhadores admitidosao abrigo deste Programa;

e) A comparticipação nas despesas de investi-mento e funcionamento iniciais com a consti-tuição de empresas promovidas por ex-toxi-codependentes.

O Programa Vida Emprego constitui, assim, um ins-trumento essencial para a prossecução da opção estra-tégica de promover e incentivar a implementação deiniciativas de apoio à reinserção social e profissionaldos toxicodependentes. Daí que uma das mais relevantesprioridades neste domínio seja, justamente, asseguraro seu bom desenvolvimento no terreno.

3016 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

78 — O sistema de apoios e outras prioridadespara a reinserção social dos toxicodependentes

A concretização da opção assumida na presente estra-tégia nacional de luta contra a droga em matéria dereinserção social não se esgota, naturalmente, no Pro-grama Vida Emprego.

Desde logo, há que ter em conta a necessidade deprevenir a própria desinserção, por via da promoção,em articulação com as escolas e as empresas, do acessoprecoce dos toxicodependentes a tratamento. Mas háoutras prioridades específicas no que se refere à pro-moção da ressocialização.

Em primeiro lugar, importa assegurar o pleno apro-veitamento do sistema de apoios ao tratamento e à rein-serção social dos toxicodependentes, recentementeregulado pelo Decreto-Lei n.o 72/99, de 15 de Março.

Este sistema aplica-se aos serviços prestados por uni-dades privadas, com ou sem fins lucrativos, e estrutura-seem geral, como acima se explicou, a partir de três orien-tações fundamentais: o Estado financia as famílias dostoxicodependentes e não as instituições que lhes prestamserviços, privilegia a promoção da equidade no acessoaos serviços e comparticipa, verificadas certas condições,nos encargos com os serviços prestados por unidadesprivadas ainda que com fins lucrativos.

No quadro deste novo regime jurídico estão previstosacordos de cooperação a celebrar entre o Estado, atravésdos centros regionais de segurança social, e as insti-tuições privadas, os quais se destinam à contratualizaçãodas condições de financiamento e de comparticipaçãodo Estado em actividades que, no âmbito do apoio àreinserção social de toxicodependentes, se desenvolvempor meio de equipas de intervenção directa ou equipasde rua e de apartamentos de reinserção social [v. arti-gos 2.o, alínea a), e 10.o a 14.o do Decreto-Lei n.o 72/99,de 15 de Março].

Podem ainda, quando isso se justifique, ser celebradosacordos de cooperação para outras respostas inovadorasde apoio ou reinserção social, como sucede com o Cen-tro de Acolhimento aos Sem-Apoio.

A estes apoios há que juntar os que, através de sub-sídios com carácter eventual, é necessário conceder atoxicodependentes isolados ou às suas famílias, paracomparticipação nas despesas de utilização de unidadesde tratamento ou inerentes ao tratamento ambulatório.

Em segundo lugar, é necessário promover o apoioao desenvolvimento de grupos vários de auto-ajuda,capazes de integrar a diversidade psicossocial dostoxicodependentes.

Em terceiro lugar, importa criar incentivos que faci-litem o desenvolvimento de uma rede de clubes e colec-tividades recreativas e culturais, ou outras organizaçõesjuvenis, que se disponham a desempenhar um papelactivo na integração de toxicodependentes em recu-peração.

Em quarto lugar, em complemento do Programa VidaEmprego, há ainda lugar para o desenvolvimento deexperiências de emprego protegido em serviços públicos,autarquias e empresas e de apoio à criação de empresasde reinserção, vocacionadas para responder a situaçõesmais graves.

Finalmente, será ainda necessária a criação de resi-dências permanentes, inspiradas nos modelos de comu-nidades terapêuticas e apartamentos de reinserçãosocial, para toxicodependentes com doenças ou defi-

ciências (v. psicóticos) que dificultem, de forma defi-nitiva, a sua plena inserção social.

CAPÍTULO X

Combate ao tráfico e ao branqueamento de capitais

Combate ao tráfico ilícito de drogas

79 — Reforçar o combate ao tráfico ilícito de drogas

O reforço do combate ao tráfico é uma opção estra-tégica fundamental para Portugal.

As dramáticas consequências do tenebroso negóciodo tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezespor verdadeiras organizações criminosas, e que atingenão apenas a vida dos jovens mas também a vida dasfamílias e a saúde e segurança da comunidade, são detal modo chocantes que se torna um imperativo mobi-lizar todos os esforços para combater o tráfico com redo-brada determinação (83).

No caso de Portugal, esse combate é particularmentedifícil em razão da nossa extensa costa marítima, a quese junta a eliminação de controlos fronteiriços internosno quadro do processo de integração europeia. Masesses desafios terão de ser enfrentados, por um lado,com o reforço dos meios disponíveis e, por outro, como recurso a novas metodologias de controlo.

Entre as acções a empreender estarão, decerto, algu-mas das previstas no Livro Branco apresentado peloGrupo de Planeamento em 1995 e que ainda não tiveramplena realização, nomeadamente em matéria de reforçoda vigilância e dos meios disponíveis, mas também dacoordenação entre as autoridades.

Contra a criminalidade organizada, na qual se incluio grande tráfico de droga, é decisiva a intelligence, paraa qual a cooperação internacional se reveste da maiorimportância.

Do mesmo modo, importa assegurar o bom funcio-namento de modernos equipamentos de telecomunica-ções, complementado pela oportuna e completa explo-ração da informação recolhida, através de especialistasem vários domínios, sob a devida coordenação.

Em todo o caso, a óbvia necessidade de reforçar ocontrolo selectivo das fronteiras aéreas, marítimas e ter-restres (nomeadamente através do sistema LAOS), comrecurso aos meios técnicos adequados, não pode fazerdescurar o combate ao chamado «pequeno tráfico», quedeverá merecer toda a atenção das autoridades policiais.

Finalmente, importa ter presente que o reforço dosmecanismos específicos de combate ao tráfico em nadaafecta a utilidade da adopção de outros dispositivos denatureza essencialmente preventiva (84).

80 — Um combate integrado

O combate ao tráfico deve ser feito de formaintegrada.

O desenvolvimento de um combate integrado ao trá-fico supõe, em primeiro lugar, a valorização da par-ticipação de cada uma das entidades competentes noseu campo específico de actuação.

Mas, sobretudo, a ideia de um combate integradoexige a consonância desse combate com os objectivosgerais visados na luta contra a droga, nomeadamenteno que se refere ao encaminhamento, nos termos da

3017N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

lei, dos toxicodependentes para tratamento, ainda queenvolvidos no chamado «pequeno tráfico».

81 — A importância da coordenação

O sucesso no combate ao tráfico ilícito de drogadepende, em boa parte, de uma boa coordenação entreas diversas autoridades com competência nesta área.

Por essa razão, este é um dos domínios em que maisse faz sentir na presente estratégia nacional de luta con-tra a droga o princípio da coordenação e da raciona-lização de meios, que a inspira.

Aliás, as convenções internacionais referem a neces-sidade de cada Estado signatário se dotar de um sistemainterno de coordenação das actividades repressivas (85).

Do mesmo modo, a 20.a Sessão Especial da Assem-bleia Geral das Nações Unidas recomendou aos Estadosque incentivem «uma estreita colaboração entre todosos serviços competentes, tais como alfândegas, guardacosteira e polícias, assegurando que lhes seja dada anecessária formação» (86).

Os esforços no sentido da coordenação levaram àcelebração, em 19 de Janeiro de 1995, de um protocoloentre as diversas forças policiais e aduaneiras com vistaà sua acção nacional e regional.

Mais recentemente, foi constituída a Unidade deCoordenação e Intervenção Conjunta Nacional(UCICN), integrando a Polícia Judiciária, a GNR, aPSP, a DGAIEC e o Serviço de Estrangeiros e Fron-teiras.

82 — O Grupo de Planeamento

Entre nós, a coordenação vem sendo institucional-mente assegurada, desde 1976, através da representaçãodas autoridades competentes em matéria de combateao tráfico no Grupo de Planeamento, antes integradono extinto Gabinete de Planeamento e de Coordenaçãodo Combate à Droga e recentemente transferido parao IPDT.

Este órgão, regulado pelo ainda vigente DespachoNormativo n.o 134/83, de 17 de Junho, tem por atri-buições planear as actividades preventivas e repressivasdirigidas contra o tráfico ilícito de drogas e colaborarna definição dos objectivos da luta contra a droga.

Esta articulação das intervenções no plano do con-trolo da procura e do combate à oferta é da maior impor-tância. Daí que seja vital a existência de uma estruturacomo o Grupo de Planeamento.

A problemática da futura inserção orgânica do Grupode Planeamento será abordada mais adiante, a propósitodas estruturas de coordenação da presente estratégianacional de combate à droga.

83 — Optimização dos recursos

Importa, também, assegurar na actuação dos órgãosde polícia criminal o pleno aproveitamento da capa-cidade e dos meios dos diversos organismos.

Um esforço particular deve ser feito no bom apro-veitamento dos meios disponíveis da Brigada Fiscal daGNR ou das informações disponíveis na DGAIEC, emresultado dos seus contactos internacionais ou das liga-ções internacionais dos seus sistemas informáticos. Domesmo modo, é necessário enquadrar melhor a IGAEnesta nova área de actuação, quer quanto ao controlo

do mercado lícito de droga quer, especialmente, no quetoca ao combate ao branqueamento de capitais.

Contudo, não poderá negligenciar-se a necessidadede proceder ao reforço dos meios ao dispor dos órgãosde polícia criminal, nomeadamente em matéria de recur-sos técnicos, como é o caso dos necessários aparelhosde raios X para controlo de contentores e objectossimilares.

Importante, também, é dotar o Laboratório de PolíciaCientífica da Polícia Judiciária com as condições neces-sárias para passar a determinar o princípio activo dadroga apreendida.

84 — Meios de prova

O uso de registos mecânicos não autorizados, desig-nadamente fotografias ou material áudio-visual, nainvestigação de processos por tráfico de droga — porexemplo quando se filma ou fotografa o afluxo de pes-soas a certo local de venda —, apesar de geralmenteaceite pelos tribunais, pode ser motivo de alguma con-trovérsia jurídica (87).

Daí que seja conveniente, a bem da certeza jurídicade todos e das próprias autoridades, consagrar expres-samente em próxima alteração legislativa aquela queé já a interpretação dominante da nossa jurisprudênciasobre esta matéria.

85 — Controlo de estimulantes tipo anfetaminas e seus precursores

Em face do moderno consumo de drogas sintéticas,a 20.a Sessão Especial da Assembleia Geral das NaçõesUnidas, em Junho de 1998, aprovou, como atrás se disse,um Plano de Acção contra a Produção Ilícita, Tráficoe Consumo de Estimulantes Tipo Anfetaminas e SeusPrecursores.

Uma das dificuldades no combate à produção e aotráfico neste campo é o surgimento de novas drogas— as designer drugs —, que procuram escapar ao enqua-dramento legal estabelecido.

Recorde-se que a mesma sessão especial da Assem-bleia Geral da ONU aprovou um documento sobre«Controlo de precursores», que aponta para novas meto-dologias de fiscalização das substâncias de uso comercialfrequente. E porque a todo o momento surgem subs-tâncias não incluídas nas tabelas de precursores, é reco-mendada uma lista especial de vigilância, enquanto ocontrolo formal não for instituído, preconizando-se aalteração da incriminação.

86 — Cooperação judiciária

Importante é, também, o documento aprovado emNova Iorque sobre «Medidas para promover a coope-ração judiciária» e que respeita à extradição, auxíliojudiciário mútuo, transmissão de processos penais,outras formas de cooperação e formação, entregas con-troladas e tráfico por mar.

Nele se faz apelo ao uso das modernas tecnologiasde comunicação e outras, a fim de agilizar tal coo-peração.

É patente a preocupação de uma maior cooperaçãonão apenas entre os serviços de detecção e repressãocomo entre «as autoridades judiciárias». Com efeito,um maior envolvimento das magistraturas em realiza-

3018 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

ções e reuniões internacionais, de carácter não apenasteórico como pragmático, será da maior utilidade.

Registe-se, ainda, o relevo dado à «adopção de medi-das tendentes a reforçar a cooperação entre o sistemade justiça penal, sistemas de saúde e de segurança social,com vista a reduzir o consumo e os problemas de saúdeque lhe estão associados».

Perpassa ao longo de todo o documento a vantagemda celebração de protocolos, acordos ou tratados entreos Estados de modo a reforçar a cooperação judiciária.

Ainda numa preocupação de modernidade, incitam-seos Estados membros a considerar o «uso do telefonee vídeo para recolha de testemunhos ou declarações,desde que essas tecnologias sejam seguras e estejamde acordo com o direito interno e recursos disponíveis»,assim como, numa outra vertente, se apela à introduçãode medidas de protecção para juízes e magistrados doMinistério Público, testemunhas e membros das forçasde repressão, em casos de tráfico ilícito de droga, sempreque as circunstâncias o justifiquem.

Combate ao branqueamento de capitais

87 — Reforçar o combate ao branqueamento de capitais

O combate ao branqueamento de capitais, neste casoem consequência do tráfico ilícito de drogas, é um neces-sário prolongamento do combate a esse tráfico.

Acresce que a dimensão do fenómeno do branquea-mento de capitais à escala internacional constitui, hoje,uma reconhecida ameaça para a integridade, confiançae estabilidade dos próprios sistemas financeiros e comer-ciais, quando não do próprio sistema constitucional edemocrático dos Estados.

Daí que a presente estratégia nacional de luta contraa droga assuma a opção estratégica de reforçar o com-bate ao branqueamento de capitais oriundos do tráficoilícito de drogas.

Entre nós, esse reforço não passará tanto por novasmedidas legislativas mas, essencialmente, por uma maioreficácia dos sistemas de controlo e dos mecanismos decooperação internacional.

88 — A criminalização do branqueamento de capitais

A lei portuguesa já criminaliza o branqueamento decapitais e permite às autoridades identificar, localizare congelar ou apreender os bens provenientes do tráficoilícito de drogas, conforme o disposto na Convençãodas Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estu-pefacientes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, e reco-mendado no documento «Luta contra o branqueamentode capitais», adoptado 10 anos depois, na 20.a SessãoEspecial da Assembleia Geral das Nações Unidas, emJunho de 1998. O nosso regime legal assegura, também,a transposição da Directiva do Conselho n.o 91/308/CEE,de 10 de Junho.

Entre nós a incriminação de branqueamento não seconfina aos bens ou produtos provenientes do tráficoilícito de estupefacientes, substâncias psicotrópicas eprecursores, mas estende-se aos que sejam resultadode outros crimes igualmente graves, incluindo a cor-rupção e outra criminalidade económica.

Por outro lado, as obrigações de colaboração como sistema judiciário não recaem apenas sobre as ins-tituições financeiras e equiparadas, mas também sobre

diverso tipo de empresas, como as concessionárias daexploração de jogo, de mediação imobiliária ou de com-pra de imóveis para revenda, bem como todas aquelasque comercializem bens de elevado valor unitário.

Do mesmo modo, a lei vigente já permite, verificadoscertos pressupostos, o acesso a contas bancárias porordem da autoridade judiciária competente (v. Decreto--Lei n.o 15/93, de 22 de Janeiro, rectificado e republicadoa 20 de Fevereiro do mesmo ano).

Em todo o caso, serão de ponderar eventuais aper-feiçoamentos na lei de modo a adaptá-la à diversidadee à constante evolução dos mecanismos criminosos debranqueamento de capitais.

89 — A questão da inversão do ónus da prova

A questão da inversão do ónus da prova no que serefere ao crime de branqueamento de capitais tem sidoalvo de alguma controvérsia.

Na verdade, as dificuldades sentidas na demonstraçãoda prática de elementos do crime principal, a montantedo crime de branqueamento, bem como dos próprioselementos típicos deste, muitas vezes ocorridos fora doterritório nacional, trouxeram para a ordem do dia apossibilidade de recorrer nestas situações a um meca-nismo que habitualmente se designa de «inversão doónus da prova», como forma de forçar os suspeitos afazerem prova da origem lícita dos seus bens.

A ideia, norteada pelo meritório propósito de reforçara eficácia do combate ao branqueamento de capitais,encontrou já eco em convenções internacionais, massempre sem prejuízo dos princípios constitucionaisvigentes nos diversos Estados signatários dessas con-venções.

Sucede que a adopção de um tal mecanismo na legislaçãoportuguesa, como na da generalidade dos Estados de direito,iria, forçosamente contrariar o princípio constitucional dapresunção de inocência, consagrado no artigo 32.o, n.o 2,da Constituição Portuguesa e de que decorre o princípioin dubio pro reo (88).

Em todo o caso, o tema, tal como colocado pelaComissão para a Estratégia Nacional de Combate àDroga, merece um estudo mais aprofundado, nomea-damente à luz do direito comparado (89).

Em especial, será útil analisar a constitucionalidadee a pertinência de mecanismos utilizados noutros paísesnão para estabelecer, mesmo como questão prejudicialde natureza civil, a culpabilidade ou a inocência de umapessoa para efeitos criminais, mas a estabelecer, no qua-dro de um processo cível especial, a origem licita ouilícita de um determinado bem, para efeitos, designa-damente, de comprovação da propriedade dos capitaisou bens entretanto apreendidos ou identificados em pro-cesso penal.

Não obstante todas as diferenças, terá utilidade estu-dar, neste contexto, o grau de similitude desses meca-nismos com outros já admitidos no nosso direito positivo.

É o caso da possibilidade de envio para meios cíveisda discussão sobre a propriedade de bens apreendidospor se suspeitar que representam produto de um crimeou de conversão ou transformação, quando surge umterceiro a invocar a constituição, de boa fé, de direitossobre esses bens (artigos 17.o, n.o 5, do Decreto-Lein.o 325/95, de 2 de Dezembro, e 36.o-A do Decreto-Lein.o 15/93, na redacção que lhe foi dada pela Lei n.o 45/96,de 3 de Setembro).

3019N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

É o caso, ainda, da discussão cível sobre a regularpropriedade da herança jacente, quando o Estado pre-tende contestar a legitimidade dos que se apresentamcomo candidatos à sucessão (artigo 1132.o do Códigode Processo Civil).

90 — Melhorar a eficácia do sistema de controlodo branqueamento de capitais

Importa melhorar substancialmente a eficácia do sis-tema de controlo do branqueamento de capitais, no qua-dro de programas como os previstos na Convenção dasNações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacien-tes e Substâncias Psicotrópicas, de 1988, e que deverãoser implementados até 2003, conforme estabelecido nadeclaração política aprovada na 20.a Sessão Especial daAssembleia Geral das Nações Unidas, em Junho de 1998e tendo em conta a Resolução n.o 5 (XXXIX), de 24 deAbril de 1996, da Comissão de Estupefacientes.

Nos termos do documento «Luta contra o branquea-mento de capitais», aprovado na referida sessão especial,é necessário assegurar a plena aplicação do princípio«conheça o seu cliente», responsabilizando os agenteseconómicos e financeiros pela identificação e verificaçãodos requisitos relevantes dos respectivos clientes, bemcomo pela notificação obrigatória às autoridades deinformações sobre os movimentos financeiros suspeitos.

Para tanto, importa reforçar a confiança e a comu-nicação entre as autoridades e as entidades possuidorasde informações relativas a operações suspeitas.

Como sucede cada vez mais noutros países, especialatenção deverão merecer, obviamente, as operações fei-tas ao abrigo do regime especial das chamadas «zonasfrancas» ou «off-shores».

Por outro lado, é necessário dar à informação reco-lhida um tratamento mais consistente e útil para o desen-volvimento das acções de investigação.

Atendendo à natureza das operações de branquea-mento de capitais e à sua frequente complexidade téc-nica, importa assegurar, ainda, que as tarefas de inves-tigação — sobretudo a cargo da Polícia Judiciária —sejam confiadas, nestes casos, a pessoal especializado,garantindo-se uma boa articulação entre os departamen-tos encarregues da perícia investigatória do branquea-mento e os responsáveis pela investigação dos principaiscrimes de que ele resulta, quando não seja possível pro-ceder à desejável junção dessas tarefas num mesmodepartamento.

91 — Desenvolver a cooperação internacional

Conforme foi reconhecido no documento «Luta con-tra o branqueamento de capitais», adoptado na 20.a Ses-são Especial da Assembleia Geral das Nações Unidas,em Junho de 1998, «só através da cooperação inter-nacional e através do estabelecimento de redes de infor-mação bilaterais e multilaterais, tais como o GrupoEgmont, que permitirão aos Estados o intercâmbio deinformação entre as autoridades competentes, será pos-sível combater eficazmente o problema do branquea-mento de capitais».

A própria Convenção das Nações Unidas de 1988já constitui, aliás, importante expressão dessa coope-ração internacional neste domínio.

O PNUCID, por seu turno, lançou em Outubro de1996 um importante programa mundial de combate aobranqueamento de capitais.

Noutro plano, o Grupo de Acção Financeira Inter-nacional (GAFI), criado pelo G7 em 1989, tem pro-tagonizado relevantes esforços de cooperação nestaárea, sendo de realçar as 40 recomendações por si adop-tadas em 1990 e que foram actualizadas em 1996.

Outras organizações internacionais têm aprofundado,também, a cooperação em matéria de combate ao bran-queamento de capitais.

A Convenção Relativa ao Branqueamento, Detecção,Apreensão e Perda dos Produtos do Crime, adoptadaem 1990 sob a égide do Conselho da Europa e ratificadapor Portugal pelo Decreto do Presidente da Repúblican.o 73/97, de 13 de Dezembro, fornece um quadro decooperação da maior importância para Portugal e cujoscompromissos se assumem como parte integrante dapresente estratégia nacional. Já se salientou, de igualmodo, a importância da cooperação no quadro do Con-selho da Europa, cuja actividade releva também nodomínio do branqueamento de capitais.

Importa, sobretudo, harmonizar procedimentos eassegurar a troca expedita de informações entre os diver-sos Estados em relação a operações financeiras sus-peitas.

CAPÍTULO XI

Investigação e formação

Investigação sobre drogas e toxicodependências

92 — A importância estratégica da investigação científica

O incremento da investigação científica constitui umadas mais relevantes opções estruturantes da presenteestratégia nacional de luta contra a droga.

Só uma aposta no conhecimento da complexidadedas causas e da diversidade das expressões do fenómenodas drogas e das toxicodependências pode permitir umaatitude que não seja meramente reactiva e fundamentardecisões políticas mais lúcidas e eficazes. Daí o destaqueque se entendeu dar à investigação científica no quadrodesta estratégia nacional (90).

Há muito a fazer neste campo.Quando se realizou a Conferência de Viena, já na

segunda metade da década de 80, em 1987, o conhe-cimento existente sobre o fenómeno das drogas era,ainda, de um modo geral escasso, disperso e inconsis-tente, não resultando da aplicação de métodos verda-deiramente científicos, norteados por quadros teóricosestabelecidos, designadamente interdisciplinares.

Não espanta, portanto, que essa Conferência tenharecomendado aos países da ONU um esquema mul-tidisciplinar articulador de múltiplas iniciativas eentre elas «institutos de estudos superiores, centrosde investigação dos grandes estabelecimentos esco-lares». E quanto à prevenção, dizia-se claramente:«seria preciso intensificar a investigação científica».

Desde então — e não passou muito mais de umaescassa dezena de anos — são crescentes os sinais deinteresse pela investigação científica nesta área, tantoao nível das universidades como das próprias estratégiasdos Estados, como, ainda, ao nível europeu.

Não será este o lugar próprio para inventariar as inves-tigações realizadas ou pendentes, discutir as suas meto-dologias ou dar conta dos resultados dos estudos feitosnas mais diversas áreas (91).

3020 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

O que aqui importa clarificar é o que se espera exac-tamente da investigação científica nesta área e de quemodo se concretiza a opção estratégica de incrementaressa investigação, tendo em conta aquele que é o dis-positivo nacional de investigação sobre drogas e toxi-codependências.

93 — Investigação administrativa e académica

O dispositivo nacional de investigação sobre drogase toxicodependências reparte-se em duas grandes cate-gorias: a investigação administrativa e a investigaçãoacadémica.

A investigação administrativa é a desenvolvida pelosorganismos oficiais do «combate à droga» e pelos ser-viços de prevenção e tratamento das toxicodependên-cias.

Em razão do relativo desinteresse das universidades,a investigação administrativa tem predominado, deven-do-se-lhe, de um modo geral, os estudos mais sistema-tizados sobre a matéria, sobretudo no que se refere àdescrição epidemiológica e da intervenção, menos noque tem que ver com a explicação do fenómeno dasdrogas. Os estudos epidemiológicos, como os estudosde carácter estatístico do então GPCCD, tendem adescrever a dimensão e caracterização do fenómeno,sob o ponto de vista sócio-demográfico, quer atravésdo método dos indicadores indirectos, quer através dosinquéritos em meio escolar. Os estudos de avaliação,por seu turno, tendem a descrever o funcionamento ea eficácia dos serviços ou, como sucedeu com os estudosiniciados em 1991 pelo SPTT, a caracterizar, do pontode vista sócio-demográfico, a população em tratamento.

A investigação académica é a que se desenvolve noscentros de investigação das universidades.

Em rigor, poderiam distinguir-se três tipos de inves-tigação académica: a investigação conducente aos grausde mestre e doutor (largamente predominante), a inves-tigação apoiada pela Fundação para a Ciência e Tec-nologia e a investigação encomendada, seja pelos dis-positivos oficiais de «combate à droga» ou seja pelasautarquias, pela Comissão Europeia, pelo Conselho daEuropa ou por outras instituições públicas ou privadasinteressadas no esclarecimento de aspectos específicos.

A investigação académica, investindo sobretudo nainvestigação fundamental, ocupa-se predominante-mente da explicação, da interpretação e dos métodosdescritivos não epidemiológicos. Muito secundaria-mente se ocupa da intervenção. Em todo o caso, é notó-rio o alargamento das áreas científicas interessadas naprodução de conhecimentos. Hoje predominam as ciên-cias psicológicas e do comportamento, em especial asdisciplinas clínicas (psicologia clínica, psicopatologia,psicanálise), contrastando com o relativo distanciamentodo pólo biologia/farmacologia/toxicologia e do pólo ciên-cias sociais/criminais.

94 — As missões da investigação científica e a convocação dos saberes

O conhecimento científico das drogas, estabelecendorelações objectivas e o significado histórico-social dasdrogas, é absolutamente necessário para permitir deci-sões esclarecidas e consequentes, apesar de estas nãose resumirem a conclusões técnicas. As sábias estratégiasde gestão social do uso das drogas constituem-se na

interpenetração das esferas culturais: na abertura daciência para a ética e a justiça; na abertura da justiçae da ética para a ciência.

Mas se o conhecimento científico deve auxiliar a pre-paração e fundamentação das decisões políticas, isto nãosignifica que os critérios de organização da investigaçãosobre drogas estejam condenados à dispersão por umamultiplicidade de questões particulares, suscitadas a pro-pósito da necessidade de enfrentar problemas concretos.Pelo contrário, é preciso não perder de vista que a ciên-cia das drogas constitui um campo interdisciplinar espe-cífico e unitário, com a sua própria racionalidade teóricaou lógica integradora.

O que se pede à investigação sobre as drogas é, afinal,o que se pede de outros saberes: descrever os fenó-menos, explicá-los, interpretá-los e organizar os conhe-cimentos produzidos em função das condições de exis-tência e do desenvolvimento humano.

Os dispositivos da investigação, que se desejam está-veis, hão-de desenvolver-se, portanto, a partir de trêsgrandes linhas, logicamente articuladas: a descrição, aexplicação/interpretação e a investigação/intervenção.

A descrição ou observação do fenómeno da drogaprocura responder às seguintes questões: qual a dimen-são actual do fenómeno? (a tradicional pergunta, «quan-tos são»?); qual a sua dinâmica temporal? (tem aumen-tado ou diminuído?); quem são os actores das drogas?(consumidores ocasionais, regulares, toxicodependen-tes, consumidores-traficantes, traficantes. . .); quais sãoos padrões de uso? (tipos de drogas, estilos de vida,dinâmicas individuais, grupais, sociais); qual a sua dinâ-mica espacial? (dimensões ecossociais e sócio-demo-gráficas).

Diga-se, desde já, que esta é uma questão crucial.Precisamos de saber mais sobre o fenómeno da drogae sobre a sua evolução.

Já a explicação e a interpretação do fenómeno das drogashá-de ser mais plurifacetada. De acordo com a chamada«lei do efeito», a explicação, neste domínio, implica a con-jugação de três macrovariáveis: as substâncias, os indivíduose os contextos.

Significa isso mobilizar o conhecimento nas áreas dabiologia das drogas e das toxicodependências, dos estu-dos neurobiológicos e neurofarmacológicos e dos estu-dos de desenvolvimento embrionário. E Portugal dispõede condições para significativos avanços na explicaçãodos processos biológicos das dependências, visto queconta com departamentos de investigação de grandequalidade e com cientistas que têm desenvolvido pro-jectos de investigação cujos resultados são internacio-nalmente conhecidos.

Como significa mobilizar a investigação das ciênciaspsicológicas e do comportamento, para lá mesmo dapsiquiatria, da psicopatologia e da psicologia clínica, coma sua abordagem clássica da dependência como toxi-comania. Não sendo hoje homogénea a investigação nasciências psicológicas e do comportamento sobre drogase existindo linhas de ruptura investigatória que superamo paradigma etiológico e patológico, importa valorizaras diferentes áreas de estudo em que se desdobra avasta literatura das ciências psicológicas e do compor-tamento, nomeadamente a psiquiatria, a psicanálise, apsicologia cognitivo-comportamental e os estudos psi-cossociológicos — estes mostrando (sobretudo por viade métodos etnográficos e biográficos, mas também por

3021N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

recurso a teorias sistémicas e à terapia familiar) quesubjacentes aos comportamentos de consumo existemestruturas de vida diferentes. Não se trataria, pois, essen-cialmente, de um fenómeno de patologia individual ousocial, mas um problema a interpretar na dramática davida quotidiana à luz de uma verdadeira psicologiaecossocial.

Esta mobilização dos vários saberes diz ainda respeitoàs próprias ciências sociais, que hão-de contribuir paraexplicar/interpretar o fenómeno das drogas enquantofactor social, analisar os contextos sócio-culturais esócio-históricos do consumo de substâncias psicoactivase estudar a vertente económica do fenómeno, em espe-cial os mercados das drogas e os seus actores. Para estasgrandes questões estão vocacionadas a sociologia, aetnologia e a antropologia cultural, bem como a própriaeconomia.

Não pode esquecer-se, neste contexto, a investigaçãosobre a relação entre as drogas e outros fenómenosconexos, designadamente do foro sanitário (comporta-mentos, doenças infecto-contagiosas. . .) e criminal.Esta última reveste-se de particular relevância — paraa comunidade, para a Administração Pública, para olegislador e para o aplicador da lei —, até porque osestudos têm vindo a desfazer algumas ideias estabele-cidas sobre a natureza da relação entre o consumo dedrogas e a prática de delitos, permitindo concluir comsegurança que «nem todas as drogas estão associadasao crime, nem todos os crimes associados às drogas» (92).

95 — Investigação e intervenção: a importânciaestratégica da avaliação

Outro vector da investigação científica nesta área éo binómio investigação-intervenção, que se reveste degrande acuidade.

Sendo muito recentes as preocupações neste domínio,é hoje reconhecido que, para além de uma adequadafundamentação científica, os programas de intervençãonão podem dispensar uma metódica e rigorosa avaliaçãodos seus resultados, devendo as opções sobre os pro-gramas futuros ter em conta essa avaliação.

Na verdade, face às insuficiências do conhecimentosobre o fenómeno das drogas e das toxicodependênciase à constante evolução da própria expressão desse fenó-meno, não é possível dar por consolidadas «soluções»que não passam, verdadeiramente, de tentativas.

Mas são necessárias algumas cautelas quando se falade avaliação, até para evitar que se pretenda avaliarprogramas que, pela sua própria natureza, não obede-cem sequer à primeira de todas as condições para umaefectiva avaliação: a possibilidade da própria avaliação.Com efeito, há programas que não são, tal como foramdesenhados, avaliáveis.

Há, de facto, o risco de se confundir com avaliaçãoa simples determinação do valor de um programa atravésda recolha de opiniões dos próprios participantes ouda emissão de um «juízo» feito por um actor do própriosistema (a chamada avaliação interna) ou de um sistemaexterior (a chamada avaliação externa). Um «juízo» que,muitas vezes, se baseia mais em suposições e jogos deopinião do que em factos — e não está excluído queassim seja mesmo quando tal «juízo» provém do exterior.

Bem pelo contrário, a avaliação do valor de um pro-grama deve preferencialmente resultar dos factos, tal

como estabelecidos pela aplicação dos respectivos ins-trumentos avaliadores, os quais hão-de constar de umdispositivo avaliador programado por um especialistaavaliador.

Uma efectiva avaliação deverá assentar, pois, numametodologia rigorosa.

Para tanto, convirá que a própria concepção do pro-grama preveja os respectivos instrumentos de avaliação(ex.: uma escala de medida de comportamentos e ati-tudes relativas às drogas, aplicada antes e depois darealização do programa, de modo a poderem ser com-parados os dados dos quais a eficácia do programa podeser inferida). E, para que isso seja possível, é necessárioque a equipa que concebe e aplica um programa deintervenção inclua um especialista com experiência deavaliação, capaz de definir os métodos que melhor seadaptam à avaliação de um dado programa.

Estes dispositivos de auto-avaliação não excluem,todavia, a utilidade das avaliações externas, mas a suapertinência deverá resumir-se, sempre que possível, aestimar o valor do próprio dispositivo avaliador cons-tante do programa.

Outra área importante neste binómio investigação/inter-venção é a dos estudos comparativos dos diversos programasde intervenção, ao nível da prevenção, tratamento, reduçãode danos ou ressocialização. Tais estudos são ainda escassose seria desejável que pudessem aplicar metodologias quepermitissem comparar a eficácia diferencial de cada modeloface a outros que perseguem o mesmo objectivo.

Importa, de igual modo, construir e experimentar ins-trumentos e metodologias cientificamente válidos — acomeçar pelos próprios instrumentos de diagnóstico —não apenas na componente patológica do consumo dasdrogas, ainda dominada pela experiência da abordagemclínica, mas recorrendo, também, a instrumentos quepermitam diagnósticos diferenciais das várias categoriasde toxicodependências.

96 — Uma investigação interdisciplinar

Resulta do que atrás se disse que o consumo dasdrogas não é compreensível, nem explicável, sem o con-curso de vários saberes.

A interdisciplinaridade é, pois, fundamental na inves-tigação sobre as drogas e as toxicodependências.

É certo que Portugal dispõe de metodologias cien-tíficas sólidas, que se foram desenvolvendo em diferen-tes instituições, como, por exemplo, os inquéritos emmeio escolar, o método sagital, as etnometodologias eos resultados obtidos pelo Observatório Permanente deSegurança na cidade do Porto.

É tempo, agora, de os diferentes esforços desenvol-vidos autonomamente em torno das diversas metodo-logias se congregarem sob o signo do espírito interdis-ciplinar, tendo em vista uma descrição mais objectiva,complexa e rigorosa do fenómeno das drogas em Por-tugal, conjugando as metodologias necessárias para res-ponder aos desafios identificados pela política de con-trolo das drogas.

97 — Prioridades da investigação científica

Quanto às prioridades da investigação científica sãode privilegiar, como acima se disse, os estudos inter-disciplinares em geral, convocando sobretudo a biologia,

3022 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

a farmacologia, a toxicologia, as neurociências, a psi-cologia, as ciências do comportamento, a etnologia, asociologia, a economia e a criminologia. Este facto con-fere especial relevância à investigação do método inter-disciplinar, ou seja, à prévia construção — por purainvestigação teórica — de modelos ou métodos que per-mitam integrar os dados vindos das diferentes dis-ciplinas.

Quanto ao objecto dos estudos sobre o fenómenodas drogas propriamente dito, a presente estratégianacional de luta contra a droga assume cinco tipos deestudos prioritários, que visam consubstanciar a formu-lação de verdadeiras escolhas, sem prejuízo da relevân-cia e do mérito de outras linhas de investigação (93).

Vejamos essas cinco prioridades.Em primeiro lugar, os estudos descritivos do fenó-

meno da droga, que nos permitam medir e caracterizarcom maior rigor a dimensão actual desse fenómeno eas suas flutuações no tempo, para o efeito aliando aosmétodos tradicionais (inquéritos e indicadores indirec-tos) outros de carácter quantitativo ou qualitativo. Parauma mais perfeita descrição do fenómeno, importará,também, estabelecer metodologias de recolha alargadade dados no contexto da construção de um verdadeirosistema nacional de informação sobre droga e toxi-codependência.

Em segundo lugar, os estudos explicativos e inter-pretativos do fenómeno da droga, que permitam ope-racionalizar empiricamente a consensual «lei do efeito»,acima referida, isto é, que analisem as diversas variáveisque são as substâncias, o indivíduo e o seu contexto.Neste quadro, é necessário estudar as relações entretipos de drogas, tipos de comportamentos individuaise tipos de contextos envolventes.

Em terceiro lugar, os estudos sobre a perigosidadedas diferentes drogas, incluindo as novas drogas sin-téticas, que auxiliem as políticas de prevenção e tra-tamento, mas que contribuam, também, para a definiçãofundamentada da política externa e da política legislativaem relação a esta matéria.

Em quarto lugar, os estudos sobre iniciativas de expe-rimentação social, em especial quanto à instalação doschamados shooting rooms e quanto à administração tera-pêutica ou controlada de heroína, mas também as rela-tivas à troca de seringas nos estabelecimentos prisionais,de modo a obter uma descrição dessas experiências ea analisar cientificamente a necessidade, a viabilidadee as condicionantes técnicas, económicas e legislativasda sua eventual experimentação em Portugal.

Em quinto lugar, os estudos sobre as metodologiasde avaliação de programas, por forma a permitir a ava-liação dos programas de prevenção, tratamento, reduçãode danos e reinserção social levados a cabo em Portugal,incluindo os mais importantes de entre aqueles que tive-ram lugar nos últimos 10 anos.

98 — Recursos humanos: uma comunidade científica estável

Uma das mais gritantes dificuldades que urge superaré a falta de uma comunidade científica estável no domí-nio das drogas. Raros cientistas consagram a sua carreirauniversitária a este tema, até porque muitas vezes orelativo desinteresse das universidades apenas permiteinvestigações episódicas, a propósito da obtenção degraus académicos ou de encomendas por instâncias doEstado.

Este é um desafio que aqui se lança às própriasuniversidades.

No quadro da chamada «investigação administrativa»,importa, sempre que possível, introduzir, nos termoslegais, a carreira de investigação científica na orgânicados serviços públicos onde a produção do conhecimentocientífico sobre drogas se desenvolve de forma siste-mática. É para essa solução que aponta já a Lei Orgânicado recentemente criado Instituto Português da Drogae da Toxicodependência (v. Decreto-Lei n.o 31/99, de5 de Fevereiro).

99 — O papel do IPDT e o Sistema Nacional de Informaçãosobre Droga e Toxicodependência

Uma das mais importantes tarefas cometidas ao Ins-tituto Português da Droga e da Toxicodependência éa de, ao nível da Administração Pública, congregar epotenciar a investigação científica sobre o fenómenodas drogas e das toxicodependências.

Ao conferir-lhe essa responsabilidade, através doDecreto-Lei n.o 31/99, de 5 de Fevereiro, fez-se já apli-cação do princípio da racionalização de meios, visto quese procedeu à junção num mesmo organismo de funçõesque estavam distribuídas pelo antigo GPCCD e peloObservatório Vida.

Vale a pena citar aqui o preâmbulo do referidodiploma: «A criação do IPDT permite concentrar e valo-rizar meios até aqui dispersos no que se refere à recolhae tratamento de dados e de informação sobre a drogae a toxicodependência. Esta avaliação permanente daevolução do fenómeno da droga e a produção de conhe-cimentos aprofundados sobre esse fenómeno são umadas mais relevantes tarefas cometidas ao IPDT, atentaa sua utilidade para a definição de políticas adequadasface ao problema da droga e da toxicodependência. Dereferir, ainda, são as incumbências do IPDT nas atéaqui tão carecidas áreas da formação e da promoçãode investigação nesta área.»

Em especial, constitui atribuição do IPDT «recolher,tratar e divulgar dados, informação e documentação téc-nico-científica na área da droga, nomeadamente relativaao consumo e ao tráfico de estupefacientes, substânciaspsicotrópicas e precursores» [artigo 3.o, alínea a), domesmo decreto-lei].

Esta tarefa articula-se com outra essencial de queo IPDT está incumbido: «instituir e assegurar o fun-cionamento de um sistema nacional de informação sobredroga e toxicodependência» [artigo 3.o, alínea b)].

Finalmente, cumpre ao IPDT «promover e estimulara investigação, por forma a favorecer a produção deconhecimento avançado sobre o fenómeno da droga eda toxicodependência» [artigo 3.o, alínea g)], conheci-mento avançado esse que versará, naturalmente, todosos domínios, incluindo os que se prendem com os méto-dos de intervenção e avaliação.

Para a prossecução destas atribuições o IPDT foidotado de um Centro de Informação sobre a Drogae a Toxicodependência, cujo director é equiparado asubdirector-geral, cabendo a esse Centro, dotado de trêsdivisões, desenvolver um conjunto de actividades, deque aqui se destacam a recolha de dados, mediantemetodologias adequadas, a promoção de estudos e o

3023N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

apoio à investigação científica, nomeadamente por meiode protocolos com instituições universitárias(cf. artigo 13.o do Decreto-Lei n.o 31/99, de 5 deFevereiro).

100 — Algumas orientações para o financiamento da investigação

O problema dos recursos da investigação científicaultrapassa, naturalmente, o âmbito da presente estra-tégia.

O que aqui importa é, sobretudo, sublinhar a neces-sidade de superar a natural tendência para uma lógicade curto prazo na gestão dos meios financeiros da inves-tigação e conferir sustentação financeira, também, a pro-jectos de investigação fundamental de longo termo, queefectivamente poderão conduzir à construção e corro-boração de modelos explicativos sólidos.

Por outro lado, importa que na consideração dos pro-jectos, sobretudo pela Fundação para a Ciência e Tecno-logia, seja tida em conta a especificidade da investigaçãosobre as drogas e as toxicodependências, sempre que pos-sível através da previsão de uma área cuja natureza epis-temológica se adapte aos projectos relativos a este campointerdisciplinar.

Formação em drogas e toxicodependências

101 — A importância estratégica da formação

A luta contra a droga faz-se, sobretudo, com pessoas.É, por isso, absolutamente essencial promover uma for-mação adequada dos recursos humanos nesta área.

A necessidade de formação sistemática no domíniodas drogas e das toxicodependências tem sido objectode preocupação desde a 2.a metade da década de 80,quer por organizações internacionais, quer pelas asso-ciações dos profissionais deste domínio, quer ainda pelosserviços do Estado.

A Convenção de Viena, de 1987, recomendou a cria-ção de cursos de pós-graduação e a introdução de temasrelacionados com o álcool e outras drogas nos planosde curso dos profissionais de saúde.

Recentemente, em Junho de 1998, a 20.a Sessão Espe-cial de Assembleia Geral das Nações Unidas sobre Dro-gas recomendou: «Os Estados devem dar especial aten-ção à formação dos decisores políticos e profissionaisenvolvidos no desenvolvimento de programas, nas suasvertentes de planeamento, execução e avaliação dasestratégias de redução da procura.»

Por seu turno, os técnicos de diferentes países têmvindo a criar associações, visando o intercâmbio de expe-riências e a promoção de uma formação técnico-cien-tífica.

Para além da necessidade de aprofundarem os seusconhecimentos, os profissionais de intervenção em toxi-codependências são confrontados com as carências deformação dos mais diversos actores sociais: pais, jovens,professores dos diferentes graus de ensino, instânciasde controlo social (polícias, guardas prisionais, técnicosde reinserção social, magistrados), profissionais de saúdee de comunicação social.

A urgência da formação tornou-se evidente aos olhosde todos.

102 — Tipos de formação

Com a formação visa-se instruir e esclarecer, atravésda transmissão de conhecimentos, aqueles que, por dife-

rentes formas, têm de gerir e controlar no seu quotidiano(profissional ou outro) o problema das toxicodependên-cias. Do que trata, pois, é de criar conhecimento críticosobre o fenómeno das drogas e conceber formas e méto-dos de intervenção em estreita ligação com o conhe-cimento produzido. Mas a formação envolve, também,uma aprendizagem do conjunto dos processos que aexperiência da intervenção sobre as drogas foi estabe-lecendo, em ordem ao «saber fazer com arte».

Já se vê, portanto, que formação e investigação estãoprofundamente ligadas: a qualidade da formaçãodepende dos conhecimentos existentes. Mas estesapoiam-se, por sua vez, na qualidade da formação cien-tífica que os produziu.

Pode falar-se, mesmo, em formação científica paradesignar a aprendizagem de métodos científicos suscep-tíveis de produzirem conhecimento sobre o fenómenodas drogas. Este tipo de formação, ao mesmo tempoprodutora de conhecimento, é prioritária, tendo emconta os reduzidos conhecimentos de que dispomossobre o fenómeno das drogas.

Em obediência ao princípio da diferenciação, a for-mação em drogas e toxicodependências não é homo-génea, mas diferencial segundo funções e níveis deaprofundamento.

Os tipos de formação podem dividir-se em duas gran-des categorias: a formação geral e a formação específica.

A formação geral consiste na transmissão de conhe-cimentos gerais sobre drogas e toxicodependências juntode todo o actor social empenhado que, não intervindodirectamente no domínio das drogas e das toxicode-pendências, não pode alhear-se de um problema socialque a todos diz respeito.

A formação específica consiste na produção e apren-dizagem de conhecimentos e treino de competênciasem modelos conceptuais, metodologias de investigaçãoe em metodologias e técnicas de intervenção em drogase toxicodependências. Pela própria definição, a forma-ção específica aplica-se às actividades profissionais que,tangencial ou permanentemente, se ocupam de drogase toxicodependências. Esta formação específica podeainda dividir-se em duas subcategorias: a formação téc-nica e a formação técnica especializada e pós-graduada.

A formação técnica é a formação complementar voca-cionada para a aquisição de conhecimentos e treino decompetências para a intervenção em drogas e toxico-dependências. Este tipo de formação ocorre na passa-gem de uma formação académica ou de outra actividadeprofissional para o exercício de uma actividade profis-sional no domínio das drogas e das toxicodependências.Compreende uma formação inicial (que se acrescentaà formação básica académica) e a assimilação, mais oumenos crítica, da «cultura» dos serviços onde o técnicoexerce a sua actividade profissional. E compreende, tam-bém, a formação contínua dos técnicos que não dis-ponham de formação especializada ou pós-graduada.A primeira, a formação inicial, em princípio incluiráuma componente teórico-prática e um período de tra-balho supervisionado por um ou mais especialistas. Aformação contínua, por seu turno, poderá adoptar afórmula de uma parte teórico-prática, outra de trabalhosespecíficos, seguida de um relatório de síntese. Impor-tante é que seja devidamente planeada, tendo em contaas carências de formação e a necessidade de melhorar

3024 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

a prestação de serviços à comunidade, e que ocorrade modo sistemático.

Já a formação técnica especializada e pós-graduadacompreende a actualização e tradução de conhecimentoscientíficos, tendo em vista o enquadramento teórico daprática, bem como a aprendizagem mediante a avaliação— que deve ser sistemática — da experiência profissio-nal exercida em espírito de equipa. É, afinal, a apren-dizagem que visa o competente exercício profissionalnos diferentes domínios específicos das drogas. Esta for-mação organiza-se em duas direcções possíveis: uma deanálise, outra de intervenção. A primeira, vocacionadapara a aprendizagem da metodologia da investigaçãocientífica e para a integração do conhecimento científiconas práticas, é organizada segundo as exigências de umcurso de mestrado e decorre predominantemente emcontexto universitário. A segunda, vocacionada para aespecialização numa dada área de intervenção, é aaprendizagem baseada predominantemente na expe-riência e cultura técnica dos serviços.

103 — Princípios para a formação em drogas e toxicodependências

A planificação da formação em drogas e toxicode-pendências deverá reger-se por um conjunto de prin-cípios básicos:

Definição clara e precisa das finalidades específicasque, no seu conjunto, deverão convergir parauma maior qualidade e eficácia dos serviços;

Diferenciação dos tipos e níveis de formação emfunção dos objectivos;

Integração dos diferentes tipos de formação;Racionalização dos meios;Interdisciplinaridade, tendo em conta as múltiplas

dimensões e a natureza sistémica do fenómenodas drogas;

Formação e actualização contínuas;Comunicação entre unidades de formação nacio-

nais e internacionais, designadamente europeias;Ética profissional, visto a lógica do serviço dever

sobrepor-se à lógica do ganho e do interesse.

104 — Prioridades na formação

A prioridade das prioridades em matéria de formaçãoé impulsionar a existência de uma formação básica ouinicial em drogas e toxicodependências nos planos decurso das licenciaturas que conduzem a áreas profis-sionais que frequentemente se confrontam com estesproblemas (por exemplo, nos diversos cursos de Medi-cina, Farmácia, Enfermagem, Psicologia, Ciências daEducação, Sociologia, Serviço Social, Direito e Comu-nicação Social). Salvo raras excepções, as universidadesportuguesas não tomaram ainda consciência desta gravelacuna da formação académica. O problema, aliás,põe-se com não menor acuidade no quadro dos cursostécnicos em áreas relevantes em matéria de toxicode-pendência (por exemplo, na formação dos técnicos psi-cossociais, terapeutas ocupacionais e fisioterapeutas).

A insuficiência da preparação dos actuais profissionaisconfere particular urgência ao lançamento de planos deformação dirigidos a profissionais de saúde, professores,forças de segurança, animadores sociais, profissionais dacomunicação social e outros possíveis intervenientes, tendoem vista facultar uma melhor compreensão, ainda que gené-

rica, do problema da droga e da toxicodependência e pre-parar esses profissionais para uma intervenção ou um enca-minhamento mais eficazes.

Uma terceira prioridade é quebrar o isolacionismodisciplinar e profissional por via da criação, sobretudono quadro da formação técnica contínua, de programasde formação interdisciplinares, não pela mera justapo-sição de intervenções mas pela composição, em efectivotrabalho de equipa, de diferentes actos profissionais emmodelos coerentes. Na verdade, apesar de a formaçãoprofissional em drogas e toxicodependências exigir adiferenciação e a especialização, não implica menos acomunicação entre os diferentes saberes, métodos e prá-ticas. Sem perda da experiência, dos interesses e dacontribuição de cada um dos sistemas interessados naformação especializada, é possível e desejável organizaruma formação de matriz predominantemente transver-sal e que crie condições para a constituição de um tãonecessário sistema de comunicação entre a comunidadecientífica e a comunidade dos profissionais de inter-venção em drogas e toxicodependências. Aliás, o pla-neamento de acções de formação em torno de novosproblemas concretos (ex.: as drogas sintéticas), novosmodelos conceptuais ou diferentes metodologias (dediagnóstico e de intervenção) obriga à convergência dia-logante dos diferentes actores deste tipo de intervenções.

Finalmente, importa implementar um dispositivo deformação geral, que possa planear e estruturar a for-mação dirigida a determinados sectores da população.

105 — Racionalização dos meios

O princípio da racionalização de meios, que é umdos princípios estruturantes da presente estratégianacional, reveste-se de especial importância em matériade formação.

Na verdade, a experiência demonstra que a dispersãoredunda em dispêndio e má qualidade, não obstantea necessidade de experiências locais com a necessáriaqualidade técnica.

Importa, pois, assegurar uma harmoniosa conjugaçãodos recursos existentes.

Aliás, a articulação entre faculdades e universidadesjá é permitida e recomendada na lei geral relativa aosmestrados. Melhor será, portanto, investir numa con-centração de esforços — ao abrigo, por exemplo, de pro-tocolos de colaboração — para alcançar soluções demaior exigência e qualidade, ao mesmo tempo favo-recendo a interdisciplinaridade e o intercâmbio cien-tífico e técnico.

Esta racionalização de meios só terá a ganhar coma constituição de mecanismos organizadores e regula-dores da formação em drogas e toxicodependências,tanto nos serviços públicos especializados em drogas etoxicodependências como nas universidades com efec-tiva experiência de produção de conhecimentos nestedomínio.

106 — Estruturas organizativas da formação

Responder às necessidades de formação, tipificando-aem função dos objectivos, racionalizando meios, orga-nizando planos curriculares, exige a constituição de umdispositivo permanente de formação.

Esse dispositivo passa agora, essencialmente, pelorecém-criado IPDT, que tem, justamente, como uma

3025N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

das suas atribuições, para além das acções de formaçãogeral no quadro da intervenção na comunidade, «apoiara formação dos profissionais que intervêm na área dadroga e da toxicodependência» [artigo 3.o, alínea h),do Decreto-Lei n.o 31/99, de 5 de Fevereiro].

O IPDT foi para isso dotado de uma Divisão de For-mação, integrada na Direcção de Serviços de Interven-ção na Comunidade, a qual terá por incumbência apoiaros profissionais dos diferentes serviços sectoriais e orga-nizações privadas que actuem na área da prevenção pri-mária e preparar, acompanhar, apoiar ou assegurar asacções de formação dirigidas a esses profissionais[artigo 14.o, n.o 3, alínea b)].

É, pois, em colaboração com a unidade de formaçãodo IPDT que os serviços deverão organizar a formaçãotécnica dos respectivos profissionais.

No que se refere à formação técnica especializadae pós-graduada, a essa colaboração deverá acrescer umaespecial responsabilidade da unidade de formação doIPDT na organização da formação teórico-prática, parao efeito mobilizando os recursos existentes, nomeada-mente os mestres em toxicodependências.

Fundamental será, também, a colaboração entre aunidade de formação do IPDT e as universidades, tendoem vista a necessária actualização geral do conheci-mento científico.

Por outro lado, também a formação pós-graduadae de mestrado, a cargo das universidades, carece dacolaboração dos serviços, designadamente no que serefere às condições que tornem exequíveis os trabalhosde elaboração das teses. Do mesmo modo, é necessárioutilizar os mecanismos legais que possam permitir oapoio dos serviços ao acesso dos seus próprios técnicosa estes meios de qualificação profissional.

Chegou o tempo da aliança comunicacional entre asuniversidades e os serviços.

CAPÍTULO XII

Sociedade civil

107 — A participação da sociedade civil na luta contra a droga

A estratégia nacional de luta contra a droga não estáapenas vocacionada para nortear a actividade da Admi-nistração Pública mas também para servir de referênciapara a sociedade civil e as suas instituições, mobilizan-do-as para a luta contra a droga.

Por essa razão, um dos princípios estruturantes dapresente estratégia nacional é, justamente, o princípioda participação.

O problema da droga é, na verdade, um problemada sociedade no seu conjunto, que só pode ser enfren-tado com o esforço empenhado de todos.

Antes de ser um problema do Estado — como semdúvida será —, o problema da droga é um problemahumano, vivido no interior de cada pessoa, de cada famí-lia, de cada escola, de cada empresa, de cada grupo,de cada relação interpessoal. E é aí, onde muitas vezeso Estado não pode nem deve chegar, que importa agir.

Mobilizar as pessoas, as famílias, a sociedade civilno seu conjunto e as suas instituições e, sobretudo, mobi-lizar os jovens é, pois, um imperativo assumido pelaestratégia nacional de luta contra a droga.

Essa mobilização supõe, porém, a informação e a for-mação sobre a problemática das drogas e das toxico-dependências, a promover pelos organismos competen-tes do Estado, em sede de prevenção primária, coma colaboração, sempre que necessário, das universida-des. Mas uma tal mobilização só será consequente seexistirem sistemas de apoio às iniciativas das instituiçõesda sociedade civil de reconhecido interesse público, afe-rido à luz da presente estratégia nacional.

A concretização do envolvimento da sociedade civildesdobra-se em quatro níveis: a participação na defi-nição das estratégias para a droga e a toxicodependência,a prevenção primária, o tratamento e a reinserção social.

108 — A participação na definição das estratégiaspara a droga e a toxicodependência

Sendo o problema da droga e da toxicodependênciaum problema da comunidade, importa que ela participena formulação das estratégias públicas sobre estamatéria.

Daí que na elaboração da presente estratégia nacionalde luta contra a droga se tenha já assegurado meca-nismos de participação dos cidadãos, através de um pro-cesso de discussão pública.

Importa, para além disso, utilizar, a propósito da defi-nição das linhas de força das diferentes políticas, outrasformas de participação, designadamente de participaçãoorgânica ou institucional, sem prejuízo, naturalmente,do interesse que poderá ter, também aí, a participaçãoprocedimental. Especial relevância, neste quadro, devedar-se à valorização do Conselho Nacional da Toxi-codependência.

109 — A sociedade civil e a prevenção primária

O envolvimento da sociedade civil é decisivo parao sucesso da prevenção primária.

Para além da sensibilização da comunidade em geral,importa, muito em especial, consciencializar os jovensdo papel que podem e devem ter junto dos outros jovens.

Relevante é, também, a mobilização dos agentes edu-cativos — especialmente pais e professores — e dos«líderes de opinião».

Mas a intervenção estruturada da sociedade civil naprevenção primária terá lugar, sobretudo, através de ini-ciativas a cargo de associações e outras instituições pri-vadas que trabalhem na área da droga e da toxicode-pendência ou que, por qualquer razão, lidem com popu-lações com comportamentos de risco.

Já se disse, a propósito da prevenção primária, daimportância dessas iniciativas e do apoio que deverãoter no quadro de um programa como o Programa Qua-dro Prevenir, tendo em conta as prioridades definidase a avaliação dos respectivos resultados.

Uma palavra, ainda, para os meios de comunicaçãosocial. Numa sociedade de informação como a que entraneste terceiro milénio, os meios de comunicação socialpodem desempenhar um papel fundamental na divul-gação de informação verdadeiramente esclarecedorasobre as drogas e as toxicodependências, contribuindopara a sensibilização da comunidade e para uma pro-jecção mais alargada da prevenção primária. Assim sai-bam os seus profissionais estar à altura desta respon-sabilidade social.

3026 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

110 — A sociedade civil e o tratamento dos toxicodependentes

O tratamento dos toxicodependentes não tem de serassegurado, exclusivamente, por meios da rede públicade cuidados de saúde.

Pelo contrário, é de importância vital assegurar a con-tinuidade da intervenção na área do tratamento das mui-tas instituições particulares de solidariedade social que,de há muito, se vêm dedicando a este serviço àcomunidade.

Essa intervenção é, de facto, essencial para garantiruma suficiente extensão da rede de cuidados de saúdeaos toxicodependentes, sem a qual não será possívelassegurar acesso a tratamento a todos os toxicodepen-dentes que se desejem tratar.

Pela mesma razão, a comparticipação pública devepoder beneficiar, também, os tratamentos de toxicode-pendentes que tenham lugar em unidades privadas,ainda que com fins lucrativos, desde que verificadosdeterminados pressupostos, como os recentemente defi-nidos no já mencionado novo sistema de apoios ao tra-tamento e reinserção social de toxicodependentes(Decreto-Lei n.o 72/99, de 15 de Março).

111 — A sociedade civil e a reinserção social

As iniciativas da sociedade civil são, também, da maiorimportância para favorecer a reinserção social dostoxicodependentes.

Por isso, o sistema previsto no Decreto-Lei n.o 72/99,de 15 de Março, regula, também, os apoios a prestara programas e actividades de instituições privadas nodomínio da reinserção social de toxicodependentes.

Do mesmo modo, programas, como o Programa Qua-dro Reinserir, constituem um instrumento adicionalpara incentivar iniciativas de associações e outras ins-tituições da sociedade civil.

Foi, também, para assegurar o necessário incentivoda sociedade civil, em especial dos agentes económicosempregadores, que se criou o Programa Vida Emprego,regulado pela Resolução do Conselho de Ministrosn.o 136/98, de 4 de Dezembro.

É preciso compreender, porém, que, em última aná-lise, a reinserção social estará sempre, por definição,nas mãos da própria sociedade. É, sem dúvida, tarefado Estado sensibilizá-la para esse facto e assegurar osapoios ou incentivos necessários. Mas é responsabilidadede todos adoptar a atitude humanista sem a qual nãohaverá condições para uma efectiva reinserção socialdos toxicodependentes.

CAPÍTULO XIII

Estruturas de coordenação

112 — A importância estratégica da coordenação

Um dos princípios estruturantes da presente estra-tégia nacional é, como se disse, o da coordenação eracionalização dos meios.

Na verdade, as condições de sucesso da presenteestratégia nacional de luta contra a droga passa, neces-sariamente, por uma coordenação integrada do seudesenvolvimento, conforme, aliás, decorre das maisrecentes decisões da Assembleia Geral das NaçõesUnidas.

Não há, de facto, alternativa à coordenação.De resto, os modelos ensaiados nos diversos países,

apesar das diferenças que os distinguem, tendem a con-vergir para a inevitável inclusão de instâncias que asse-gurem a coordenação interdepartamental.

E a coordenação não é apenas um imperativo óbviode uma boa gestão de meios, é, sobretudo, uma condiçãoelementar de coerência e eficácia da acção política rela-tiva à droga e à toxicodependência.

É fundamental assegurar, por um lado, a coordenaçãono desenvolvimento das políticas de prevenção — pri-mária, secundária e terciária — que se revestem da natu-reza necessariamente horizontal. Por outro, há que arti-cular as políticas de prevenção e de redução de danose, de um modo geral, as que se referem ao controloda procura com as dirigidas ao combate à oferta. Final-mente, deve assegurar-se uma efectiva coordenação dacooperação internacional nesta área, nas suas diversasfrentes.

113 — Estruturas de coordenação

É necessário um sistema de coordenação política dodesenvolvimento da estratégia nacional de luta contraa droga que seja simples e eficaz.

Essa coordenação deverá ser assegurada pelo próprioPrimeiro-Ministro, naturalmente com faculdade de dele-gação noutro membro do Governo ou equiparado, sendopara o efeito assistido por uma instância formal ondeestarão representados os serviços dos diversos minis-térios com intervenção nesta matéria.

A coordenação deverá assegurar a prossecução dapresente estratégia nacional em três níveis distintos.

Em primeiro lugar, por via da articulação intermi-nisterial das políticas prosseguidas pelos diversos minis-térios competentes em matéria de luta contra a droga(sobretudo nas áreas da educação, saúde, justiça, juven-tude, trabalho e solidariedade, administração interna,defesa, economia e finanças) e da sua tradução em orien-tações superiores para os serviços.

Em segundo lugar, através da promoção da articu-lação da acção/intervenção directa dos serviços, a nívelnacional, regional e local, tendo em vista a concertaçãodas acções nos diferentes domínios e a introdução dosacertos que a prática recomenda, articulação essa quedeverá ser assegurada, como já se disse, com base numaestrutura/instância formal simples e flexível, onde este-jam directamente representados, ao nível máximo, osresponsáveis pelos serviços.

Em terceiro lugar, assegurando, em articulação como Ministério dos Negócios Estrangeiros, a coordenaçãoda representação portuguesa a nível internacional emmatéria de luta contra a droga.

Até à implementação, por diploma próprio, destenovo sistema de coordenação interdepartamental, o Pro-jecto VIDA assegurará, neste período de transição, acoordenação do desenvolvimento da presente estratégianacional, como decorre das suas atribuições e compe-tências legais.

114 — O futuro do Grupo de Planeamento

O espaço próprio para a articulação das intervençõesnos planos do controlo da procura e do combate à oferta

3027N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

é, como já se disse, o Grupo de Planeamento, actual-mente integrado no IPDT, devendo aprofundar-se estasua vocação.

A Comissão para a Estratégia Nacional de Combateà Droga não se considerou habilitada a propor em alter-nativa um outro modelo concreto de coordenação (94).

Em consequência, o referido Grupo de Planeamentopermanecerá, por agora, integrado no IPDT e aí con-tinuará a prosseguir as suas actividades.

Contudo, não é por acaso que este órgão surge apenasreferido nas disposições finais da Lei Orgânica do IPDT(artigo 24.o do Decreto-Lei n.o 31/99, de 5 de Fevereiro).Isto acontece porque se justifica proceder a uma reflexãoprópria sobre a definitiva localização institucional destaestrutura.

Nessa reflexão importa ter em conta que não bastaassegurar a coordenação entre os órgãos de polícia cri-minal competentes na área do combate ao tráfico dedroga, mas também proporcionar mecanismos de arti-culação com as restantes estruturas de luta contra adroga.

CAPÍTULO XIV

Meios financeiros

115 — Evolução do investimento público em matériade luta contra a droga

O investimento financeiro afecto à luta contra a droga,no que se refere a verbas orçamentadas para o ProgramaNacional de Prevenção da Toxicodependência — Pro-jecto VIDA, mais do que duplicou de 1995 para 1998,tendo subido de 7 213 360 contos para 15 006 500contos (95).

Estas verbas, que se distribuem pelos vários minis-térios envolvidos no Projecto VIDA, foram elevadas em1999 para 16 655 761 contos, o que representa umaumento de 130,9 % face a 1995 e de 10,9 % em relaçãoao ano anterior.

Uma parte importante deste aumento deve-se,importa recordá-lo, ao crescimento da comparticipaçãopelo Estado no tratamento e reinserção social dos toxi-codependentes. Os encargos financeiros anuais parasuportar as convenções com comunidades terapêuticas,clínicas de desabituação e centros de dia ascendem aquase 2 milhões de contos.

116 — Meta financeira

A presente estratégia nacional de luta contra a drogapreconiza a duplicação do investimento público nos pró-ximos cinco anos, por forma a atingir a verba de32 milhões de contos no ano de 2004, o que representaum ritmo de crescimento da ordem dos 10 % ao ano.

Este investimento destina-se a financiar a execuçãoda estratégia nacional de luta contra a droga, nas áreasda prevenção (primária, secundária e terciária), inves-tigação e formação. Por exemplo, há que subsidiar asfamílias no quadro do sistema de apoios ao tratamentoe à reinserção social dos toxicodependentes, custear asdespesas com o tratamento de toxicodependentes atra-vés da rede pública, suportar o desenvolvimento do Pro-grama Vida Emprego e apoiar as iniciativas de interessepúblico promovidas pelas instituições particulares desolidariedade social e demais instituições da sociedadecivil.

Este investimento público contemplará, também, odesenvolvimento de um programa especial de prevençãoda toxicodependência nos estabelecimentos prisionais.

Revisão da estratégia nacional de luta contra a droga

A presente estratégia nacional de luta contra a drogapreconiza para si mesma a avaliação que exige das dife-rentes intervenções em matéria de drogas e toxico-dependências.

Assim, esta estratégia nacional deverá ser revista, pelomenos, dentro de cinco anos, no ano de 2004, revisãoessa que deverá ter em conta a avaliação externa dasua execução, global e sectorial, a promover por entidadecompetente, independente dos serviços, com base numtrabalho continuado de observação e análise da inter-venção desenvolvida, atenta a relevância das diferentesáreas de intervenção e a evolução dos indicadores/resul-tados que sejam considerados pertinentes.

(1) Segundo os dados da Polícia Judiciária, cf. Droga — Sumáriosde Informação Estatística — 1997. GPCCD, Lisboa, 1998, p. 15.

(2) Cf. Situação e Avaliação do Problema da Droga em Portugal,relatório da Comissão Eventual para o Acompanhamento e Avaliaçãoda Situação da Toxicodependência, do Consumo e do Tráfico deDroga, Assembleia da República, Lisboa, 1998, p. 27.

(3) V. ESPAD: Projecto Europeu para Estudo do Álcool e OutrasSubstâncias em Meio Escolar, Inquérito a Alunos do Ensino Secundário:Portugal (1995), Lisboa, GPCCD, 1997.

(4) Fonte: GPCCD, 1996, in Situação e Avaliação do Problema daDroga em Portugal, relatório cit., pp. 32 e 33.

(5) V. Estudo de Prevalência do Consumo de Substâncias PsicoactivasLícitas e Ilícitas, GPCCD, Lisboa, 1998.

(6) Os valores obtidos no secundário diurno, por exemplo, indicam,quanto ao haxixe, uma descida entre 1992 e 1998 de 15,86 % para14,74 % ao longo da vida, de 11,86 % para 10,54 % nos últimos12 meses e de 7 % para 6,32 % nos últimos 30 dias. Para a heroína,a descida foi de 1,63 % para 0,49 % ao longo da vida, e de 1,05 %para 0,23 % nos últimos 30 dias. Já para a cocaína houve, como sedisse, pequenos aumentos, de 1,32 % para 1,65 % ao longo da vida,de 0,95 % para 1,18 % nos últimos 12 meses e de 0,42 % para 0,50 %nos últimos 30 dias.

(7) V. Estudo de Prevalência, cit., p. 2. Sobre o perfil dos con-sumidores de ecstasy, v. estudo efectuado junto de escolas univer-sitárias e discotecas de Coimbra, IREFREA, 1996, in Relatório sobreo Fenómeno da Droga e a Acção do Governo, 1995-1997. Junho de1998, p.13.

(8) Cf. Relatório sobre o Fenómeno, cit., p. 9.(9) V. Droga — Sumários de Informação Estatística, 1997, GPCCD,

1998, pp. 49-50. Nesta matéria, porém, a informação disponível nãopermite conclusões inteiramente seguras.

(10) Cf. Relatório sobre o Fenómeno, cit., pp. 28 e segs.(11) Cf. idem, pp. 32-33, e Prevenção e Repressão do Tráfico, Evo-

lução da Situação entre 1987-1997, GPCCD, Grupo de Planeamento,Lisboa, Julho de 1998, p. 13.

(12) V. Relatório Anual, 1998, Polícia Judiciária, DCITE, Unid.Estatística. É muito discutida a relevância destes dados, seja em quesentido for, como indicadores relevantes da evolução do consumode drogas. Com efeito, muitos vêem neles, sobretudo, um indicadorda eficácia das autoridades policiais num determinado período. Maisinteressante será uma análise plurianual que leve em conta o númerode apreensões e as quantidades médias por apreensão, bem comoo tipo de drogas apreendidas e os elementos que possam determinaro mercado final a que efectivamente se destinam.

(13) Fonte: Actas do Grupo de Planeamento, GPCCD, 1996-1997.(14) Poderá, também, subscrever-se o que sobre a efectiva expressão

do fenómeno da droga sustentou a Comissão para a Estratégia Nacio-nal de Combate à Droga: «É preciso, por exemplo, afirmar com clarezaque: a generalidade dos jovens não abusa de drogas; muitas dessasdrogas não matam; nem todos os que usam e abusam de drogas come-tem crimes; os utilizadores pertencem a grupos sociais e étnicos dosmais diversos. Também sabemos que, na generalidade, os portuguesesnunca experimentaram qualquer substância ilegal e que a maioriados que o fizeram não passou da utilização ocasional. Predominao uso recreativo, apenas uma pequena minoria se torna toxicode-pendente» (v. relatório da Comissão, p. 5).

3028 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 122 — 26-5-1999

(15) Sobre estas tendências, v. Report of the International NarcoticsControl Board for 1998, OICE, Nações Unidas, Nova Iorque, 1999.

(16) V. World Drug Report, 1998, pp. 10-14.(17) Cf., sobre os dados referentes à Europa, Annual report on the

state of the drugs problem in the European Union — 1998, OEDT(EMCDDA).

(18) 1839-1842 e 1856-1860, da primeira dessas guerras resultariao Tratado de Nanquim e a concessão de Hong-Kong e da segundao Tratado de Tien-Tsin, servindo ambos os Tratados para garantiro prosseguimento do comércio de ópio.

(19) Sobre a história e o balanço das estratégias da comunidadeinternacional, v. o relatório do OICE para 1998, Report, cit.

(20) V. Luta contra a Droga — Estratégias das Nações Unidas,GPCCD, 1998, pp. 17 e segs., onde se podem encontrar, também,os demais documentos aprovados na mesma sessão especial.

(21) Trata-se do procurador-geral-adjunto Dr. Lourenço Martins.(22) Trata-se do director do Centro das Taipas, Dr. Luís Patrício.(23) Cf. Decreto do Governo n.o 22/87, de 25 de Junho, que aprova

o Acordo com a Espanha sobre Cooperação em Matéria de Lutacontra a Droga; Decreto n.o 4/92, de 22 de Janeiro, que aprova oAcordo com o Brasil para Redução da Procura, Combate à Produçãoe Repressão ao Tráfico Ilícito de Drogas e Substâncias Psicotrópicas;Decreto n.o 10/95, de 28 de Abril, que aprova o Acordo com a Vene-zuela sobre Prevenção, Controlo, Fiscalização e Repressão do Con-sumo Indevido e Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psi-cotrópicas; Acordo Bilateral de Cooperação entre a República Por-tuguesa e a República de Angola no Domínio do Combate ao TráficoIlícito de Estupefacientes, Substâncias Psicotrópicas e CriminalidadeConexa, aprovado, para ratificação, pela Resolução da Assembleiada República n.o 8/97 e ratificado pelo Decreto do Presidente daRepública n.o 8/97, ambos publicados no Diário da República,1.a série-A, de 28 de Fevereiro de 1997; o Acordo de CooperaçãoJurídica e Judiciária com Angola, aprovado, para ratificação, pelaResolução da Assembleia da República n.o 11/97 e ratificado peloDecreto do Presidente da República n.o 9/97, ambos de 4 de Março(não contendo, embora, regras específicas, constitui um instrumentotambém aplicável neste âmbito); Decreto n.o 66/97, de 30 de Dezem-bro, que aprova o Convénio com a Argentina sobre Prevenção doUso Indevido e Repressão do Tráfico Ilícito de Estupefacientes ede Substâncias Psicotrópicas. No ano de 1998 foram assinados maisdois acordos neste mesmo domínio de luta contra a droga e pre-cursores: com Cuba, em 8 de Julho, e com o Uruguai, em 20 deJulho.

(24) «Já tive ocasião de referir a minha disponibilidade para apoiarem Portugal um debate sério sobre as diferentes abordagens no com-bate à droga. Devo preocupar-me com todos os cidadãos e os seusproblemas, e isso compreende os utilizadores de drogas. Estou con-victo que sem lesarmos directamente o narcotráfico, na sua dimensãoeconómica, não conseguiremos avançar. Por isso, estou aberto à dis-cussão de todas as perspectivas, incluindo as não proibicionistas, eao aprofundamento de experiências praticadas noutros países, às vezescondenadas sem uma análise detalhada» (discurso do Presidente daRepública, Dr. Jorge Sampaio, na sessão de abertura do III CongressoInternacional sobre Toxicodependência — X Encontro das Taipas,FIL, 3 de Abril de 1997, in Portugueses, vol. II, INCM, Lisboa, 1998,p. 427). A iniciativa do Presidente da República se deve, também,a realização, em Junho de 1997 do importante seminário «Droga:situação e novas estratégias», cujas actas se encontram publicadas.

(25) O conceito de «comércio passivo» foi desenvolvido por FrancisCaballero e visa combater o incitamento à produção, venda e consumode drogas, nomeadamente através do estabelecimento de um mono-pólio nacional neste domínio e da fixação de uma regulamentaçãoda actividade, complementada por uma política de preços e uma taxa-ção proporcional à perigosidade social da droga comercializada, bemcomo por uma informação clara ao consumidor (cf. Lourenço Martins,«Direito internacional da droga: sua evolução», in Droga: Situaçãoe Novas Estratégias, INCM, 1998, pp. 142-143). Posteriormente, muitastêm sido as versões da ideia de «comércio passivo», mas todas con-vergem num conjunto de regras restritivas do acesso à actividadee do comércio de drogas. Aqui, porque se trata da exposição domodelo de regulação, abordar-se-ão apenas os aspectos jurídicos rele-vantes da teoria do «comércio passivo».

(26) V., por exemplo, Dinamarca, Alemanha, Holanda, Áustria,Irlanda, Reino Unido e Bélgica [cf. Annual report on the state of thedrugs problem in the European Union — 1998, OEDT (EMCDDA),pp. 79-81].

(27) V. Figueiredo Dias, «Uma proposta alternativa ao discursoda criminalização/descriminalização das drogas», in Droga: Situaçãoe Novas Estratégias, actas do seminário promovido pelo Presidenteda República, INCM, 1998, p. 109.

(28) V. relatório da Comissão, 1998, pp. 74-75.

(29) No relatório final da Comissão chega-se mesmo a invocar,expressamente, o parecer do Prof. Faria Costa para sustentar que«não é líquido» o confronto entre a posição adoptada pela maioriada Comissão e as convenções internacionais, o que, à luz desse mesmoparecer, só será verdade se a descriminalização for acompanhada daproibição da detenção para consumo como ilícito de mera ordenaçãosocial, (v. p. 74).

(30) V. anexo V ao relatório da Comissão, in «Anexos», 1998, p. 123.(31) In Notícias Magazine, ed. de 18 de Outubro de 1998, p. 3.(32) V. relatório da Comissão, p. 74.(33) V. Annual report, cit., OEDT, pp. 77-78.(34) Cf. recomendação do Parlamento Europeu ao Conselho refe-

rente à cooperação europeia no âmbito da sessão extraordinária daAssembleia Geral das Nações Unidas sobre a droga. Recomendaçãon.o 11, de 6 de Outubro de 1998, referência A4-0211/98.

(35) Cf. Annual report, cit., OEDT, p. 78, e A. G. Lourenço Martins,A Droga e o Direito, Editorial Notícias, 1994, p. 208.

(36) Cf. Drugs Policy in The Netherlands, 1995, pp. 16-17.(37) Recorde-se que não se trata, nem de longe, de pressupor o

imobilismo dessa estratégia internacional, cuja evolução recente — nalinha do reforço da redução da procura onde antes predominava arepressão da oferta — tem, aliás, a marca de Portugal, enquanto paísorganizador da já referida 20.a Sessão Especial da Assembleia Geraldas Nações Unidas. Quanto às linhas de força da nossa política externa,já foram expostas as consequências precisas da opção estratégica assu-mida de — na linha dos corolários do princípio da cooperação inter-nacional atrás enunciado e do objectivo geral de contribuir para estra-tégias e políticas adequadas a nível internacional e europeu — Portugalparticipar activamente na avaliação e na definição das estratégias inter-nacionais e europeias face ao problema da droga e da toxico-dependência.

(38) «Experts in the field of international criminal law are of theopinion that the international agreements ratified by the Netherlandsleave no scope whatsoever for legalising the sale of drugs for recrea-tional purposes [. . . ] Legalisation would require the Nethertlands notonly to denounce the UN conventions in question, but also the Schen-gen Agreement» (cf. Drugs Policy in The Netherlands, 1995, p. 17).

(39) Cf. Recomendação n.o 12 da proposta de recomendação doParlamento Europeu ao Conselho referente à harmonização das legis-lações dos Estados membros em matéria de estupefacientes, apre-sentada pela deputada Aglietta e outros, in 1.o Relatório da DeputadaHedy d’Ancona, da Comissão das Liberdades Públicas e dos AssuntosInternos, de 11 de Novembro de 1997, referência A4-0359/97.

(40) V. anexo V ao relatório da Comissão, in «Anexos», p. 123.(41) Cf. Recomendação n.o 12 da proposta de recomendação do

Parlamento Europeu ao Conselho, cit., referência A4-0359/97.(42) «A relação droga-crime não é simples e linear, mas complexa

e múltipla [ . . . ] contrariamente à ideia comum, nem todas as drogasestão associadas ao crime, nem todos os crimes associados às drogas.Não existe uma associação geral, como vulgarmente se crê. As matériasque entram na composição do mundo droga-crime são: do lado dassubstâncias, fundamentalmente a heroína e a cocaína. As ‘drogas leves’não entram nesta composição, são substâncias psicoactivas, pratica-mente desproblematizadas» (Centro de Ciências do ComportamentoDesviante da Universidade do Porto; cf., especialmente, Droga-Crime:Relatório de Síntese do Programa de Estudos Interdisciplinares sobrea Experiência Portuguesa, Cândido M. M. da Agra, 1996).

(43) V. supra n.o 25.(44) V. anexo V ao relatório da Comissão, in «Anexos», p. 123.(45) Anexo V ao relatório da Comissão, in «Anexos», 1998,

pp. 115-117.(46) Cf. idem, pp. 119-120.(47) Cf. idem, pp. 122 e 123.(48) Cf. idem, p. 123.(49) Relatório da Comissão, p. 75.(50) Cf. idem, p. 91.(51) Cf. idem, p. 75.(52) Tackling Drugs Together — A Strategy for England, 1995-1998,

1995, p. 55.(53) Cf. Drugs Policy in The Netherlands, 1995, pp. 16-17.(54) Para uma perspectiva recente da situação em França, v. Sylvie

Geismar-Wieviorca, Nem Todos os Toxicómanos São Incuráveis, Ter-ramar, 1998, especialmente pp. 177 e segs.

(55) V. relatório do OICE para 1997.(56) Sobre a experiência espanhola e italiana, v. Lourenço Martins,

Droga e Direito, Editorial Notícias, 1994, pp. 207-209.(57) V. relatório da Comissão, p. 74.(58) «Uma política orientada para a classificação do consumo de

droga como ilícito de mera ordenação social responde adequadamenteàs instituições ético-sociais dominantes, que se manifestam contra alicitude do consumo mas não clamam pela aplicação de sanções pri-vativas da liberdade. Não se ignora, contudo, que as próprias sanções

3029N.o 122 — 26-5-1999 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B

pecuniárias (coimas) são ineficazes, em regra, quanto a toxicodepen-dentes. Por isso, elas deveriam ser utilizadas como ‘estímulo’ ao tra-tamento: a coima deveria ser substituída, em todos os casos, pelotratamento voluntário do toxicodependente, que consistiria, por exem-plo, na sua apresentação periódica ou em internamento em estabe-lecimento da especialidade. Estando em causa consumidores ocasio-nais, as coimas poderiam ser substituídas, com a concordância dovisado, por regras de conduta (semelhantes às previstas no artigo 281.odo Código de Processo Penal), tendentes a evitar a reincidência, comoa proibição do exercício de certas actividades ou de frequência dedeterminados locais» (cf. Rui Carlos Pereira, O Consumo e o Tráficode Droga na Lei Penal Portuguesa, separata da Revista do MinistérioPúblico, n.o 65, Lisboa, 1996, p. 71).

(59) V. relatório da Comissão, especialmente pp. 82-84.(60) Onde se podem encontrar, também, os resultados de um muito

oportuno questionário que a Comissão entendeu fazer junto do Minis-tério Público (relatório da Comissão, pp. 56-67 e anexo III).

(61) Entre 1989 e 1995 cifrou-se em 1 % das acusações deduzidas,algumas vezes, porém, mediante a injunção de aceitação de tratamentode desabituação ou de abstenção de consumo de drogas (cf. A Sus-pensão Provisória do Processo Penal — Análise Estatística do Biénio1993-1994», GEPMJ, 1997).

(62) Neste sentido, S. Keplin, «Drug Prevention with Young People:Defining the Model and Evaluating Effects», Journal of the InstituteHealth Education, 1996, 34(4), pp. 1-7.

(63) Neste sentido, J. Negreiros, «Prevenção e desenvolvimento psi-cológico: elaboração, aplicação e avaliação de um modelo relativoao álcool e drogas», dissertação de doutoramento, Faculdade de Psi-cologia do Porto, 1988.

(64) V. M. Fleming, Família e Toxicodependência, Porto, EdiçõesAfrontamento, 1995.

(65) Cf. Kroger et al., OEDT, 1997.(66) V. J. Negreiros, «Considerações gerais sobre as actividades

de prevenção do abuso de drogas em Portugal», comunicação pessoal,1998.

(67) Pp. 122-124.(68) As autarquias locais foram mesmo consideradas uma «frente

de luta» pela Comissão Eventual da Assembleia da República, quesublinhou a sua importância em diversos domínios, designadamentena área da reinserção social (v. Situação e Avaliação do Problemada Droga em Portugal, relatório da Comissão Eventual, cit., Assembleiada República, pp. 35, 68 e 244).

(69) Embora a Comissão para a Estratégia Nacional de Combateà Droga tenha entendido que estas estruturas, presididas pelo pre-sidente da câmara municipal, poderiam constituir a sede organizativalocal da estratégia preventiva nacional face ao problema do consumode drogas, contando para o efeito com o apoio logístico das delegaçõesdistritais do Instituto Português da Juventude e com o apoio técnico,a tempo inteiro, de um coordenador da área psicossocial, dotadoda necessária formação e pertencente aos quadros do Instituto Por-tuguês das Drogas e das Toxicodependências, o qual funcionaria comogarante da assunção da estratégia global de prevenção (v. relatórioda Comissão, pp. 26-29). Deve ter-se em conta, porém, que as dele-gações regionais do recém-criado IPDT estão ainda em vias de cons-tituição e que este organismo dificilmente poderia assegurar, atravésde técnicos seus a tempo inteiro, a coordenação dos referidos con-selhos a constituir em todos os mais de 300 municípios do País. Comonão parecem existir condições para assegurar que em todos essesórgãos, por muito que pudessem funcionar como unidades flexíveis,se possam fazer representar, ao nível que certamente se desejariae com a operacionalidade necessária a este tipo de intervenções, todosos serviços sectoriais competentes da administração central.

(70) V. Ministério da Educação, Programa de Promoção e Educaçãopara a Saúde — Relatório Síntese: 1994-1996, Lisboa, PPES, 1997.

(71) Onde são prestados cuidados compreensivos e globais a toxi-codependentes, utilizando as modalidades terapêuticas mais adequa-das, em regime ambulatório. Alguns CAT dispõem de «extensões»,unidades de menor dimensão, onde se deslocam equipas que aí asse-guram consultas. Em três CAT (Porto, Santarém e Lisboa) funcionam,também, centros de dia, unidades onde se desenvolvem actividadesde natureza ocupacional e ou sócio-profissional, em regime ambu-latório. Em todos os CAT existem serviços de apoio à família e emalguns deles programas especializados em terapia familiar.

(72) Criado em 1990 pelo Decreto-Lei n.o 83/90. No SPTT foramintegrados os Centros de Estudos e Profilaxia da Droga (CEPD) doNorte, Centro e Sul, criados em 1976 na dependência da Presidênciado Conselho de Ministros, e os serviços criados no Ministério daSaúde a partir de 1987 — Centro das Taipas e Centros de Apoioa Toxicodependentes da Cedofeita e de Olhão.

(73) V. E. Drucker, «Harm Reduction: A Public Health Strategy»,Current Issues in Public Health, 1.

(74) Cf. supra n.o 59.(75) D. Riley, The Herman Reduction Model: Pragramatic Approa-

ches to Drug Use from the Area Between Intolerance and Neglect, Cana-dian Centre on Substance Abuse, 1995.

(76) Advirta-se, contudo, que os consumidores condenados emcúmulo jurídico pela prática de outros delitos, designadamente daparte especial do Código Penal, estão abrangidos no universo acimareferido.

(77) V. questionário ao Ministério Público, anexo ao relatório daComissão, in «Anexos», 1988.

(78) Cf. relatório da Comissão, p. 49.(79) Cf. Situação e Avaliação do Problema da Droga em Portugal,

relatório da Comissão Eventual, cit., Assembleia da República,pp. 85-86.

(80) V. anexo IV ao relatório da Comissão, in «Anexos», 1998, eo citado relatório parlamentar, pp. 63 a 68.

(81) O número de apartamentos de reinserção duplicou nos últimosquatro anos, tendo passado de 8 em 1995 para 16 em Abril de 1999.O número de lugares nesses apartamentos mais do que duplicou,subindo de 77 em 1995 para 161 em Abril de 1999.

(82) O número de equipas de rua subiu extraordinariamente nosúltimos quatro anos, tendo passado de apenas 1 em 1995 para 13em Abril de 1999.

(83) Neste sentido: «A comunidade política tem o dever de garantirà família a protecção da segurança e da salubridade, sobretudo noque respeita a perigos como a droga», in Catecismo da Igreja Católica,n.o 2211, Ed. Gráfica de Coimbra, 1993, p. 474.

(84) Certas melhorias de infra-estruturas, tais como estradas deacesso, luzes ou avisos de fiscalização, podem prevenir o movimentode drogas e até a prática de outros crimes, em conjugação com ummais intenso patrulhamento.

(85) Cf. os artigos 17.o da Convenção Única de 1961 e 6.o da Con-venção de 1971. Na Convenção de 1988 não se refere idêntica exi-gência, mas os artigos 7.o, n.o 8 (auxílio judiciário mútuo), e 17.o,n.o 7 (tráfico no alto mar), apontam para semelhante necessidade.

(86) In documento sobre «Cooperação judiciária».(87) Como refere o Prof. Faria Costa, no seu parecer solicitado

pela Comissão para a Estratégia Nacional de Combate à Droga,(v. anexo V ao relatório da Comissão, in «Anexos», 1988, pp. 124-136).

(88) É esse, também, o sentido do parecer do Prof. Faria Costa,(anexo V ao relatório da Comissão, in «Anexos», pp. 136-140).

(89) Cf. Blanchiment d’argent et Secret Bancaire, relatório geral doXIV Congresso Internacional de Direito Comparado (Agosto de1994), KLI, preparado por Paolo Bernasconi, p. 22.

(90) No mesmo sentido se pronunciou a Comissão parlamentar,(v. Situação e Avaliação do Problema da Droga em Portugal, relatórioda Comissão Eventual, cit., Assembleia da República, pp. 24 e 240).

(91) Recomenda-se a consulta da excelente síntese sobre esta maté-ria constante do relatório da Comissão para a Estratégia Nacionalde Combate à Droga (v. relatório da Comissão, pp. 94-107).

(92) V. Cândido Agra et al., Droga-Crime: Estudos Interdisciplinares,GPCCD, Ministério da Justiça, 1997.

(93) V. relatório da Comissão, pp. 109-110, e relatório da ComissãoEuropeia, de 1996.

(94) V. relatório da Comissão, p. 77.(95) Cf. Relatório sobre o Fenómeno da Droga e a Acção do Governo,

1995-1997, cit., pp. 63 e 64.

Resolução do Conselho de Ministros n.o 47/99

No seguimento do acordo sobre a prioridade doemprego, celebrado no Conselho Europeu Extraordi-nário do Luxemburgo pelos Estados membros da UniãoEuropeia, o Governo Português tem vindo a desenvolveras estratégias nacionais inscritas no Plano Nacional deEmprego (PNE), aprovado pela Resolução do Conselhode Ministros n.o 59/98, de 6 de Maio, promovendo abor-dagens territorializadas à escala regional.

Inscrevem-se nesta linha a criação das redes regionaise dos pactos territoriais para o emprego e, em zonascom problemas mais prementes, a instituição de pro-gramas específicos de intervenção, os planos regionaisde emprego, como foi o caso do Plano Regional deEmprego para o Alentejo (PRE), aprovado pela Reso-lução do Conselho de Ministros n.o 8/99, de 9 de Feve-reiro. Pretende-se, assim, que a actuação empenhada