PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS · o de saber articular, nos planos político, económico e...

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7180 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N. o 244 — 22 de Dezembro de 2005 PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS Resolução do Conselho de Ministros n. o 196/2005 Portugal precisa de uma política de cooperação. Os investimentos que ao longo de três décadas tiveram lugar em actividades de cooperação obedeceram a lógicas muito variadas, foram de natureza extremamente diversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmo em muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma ques- tão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos, que se definam as linhas de orientação para a coope- ração portuguesa, as quais terão em consideração as restrições orçamentais actualmente existentes. É esse o propósito desta resolução do Conselho de Ministros. Assim: Nos termos da alínea g) do artigo 199. o da Cons- tituição, o Conselho de Ministros resolve: Aprovar o documento de orientação estratégica da cooperação denominado «Uma visão estratégica para a cooperação portuguesa», anexo à presente resolução, da qual faz parte integrante. Presidência do Conselho de Ministros, 24 de Novem- bro de 2005. — O Primeiro-Ministro, José Sócrates Car- valho Pinto de Sousa. ANEXO UMA VISÃO ESTRATÉGICA PARA A COOPERAÇÃO PORTUGUESA 1 — Introdução Portugal precisa de uma política de cooperação. Os investimentos que ao longo de três décadas tiveram lugar em actividades de cooperação obedeceram a lógicas muito variadas, foram de natureza extremamente diversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmo em muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma ques- tão de responsabilidade e responsabilização política, e por razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos, que se definam as linhas de orientação para a coope- ração portuguesa. Em 1999 o XIII Governo aprovou em Conselho de Ministros um documento de orientação estratégica com o título «A cooperação portuguesa no limiar do século XXI»(i). Tratou-se da primeira — e, até à data, da única — descrição coerente e completa de uma polí- tica de cooperação portuguesa. Esse documento e as reformas então encetadas deixaram importantes marcas na cooperação portuguesa. Retoma-se agora o processo de atribuição de racionalidade e direcção estratégica à cooperação que foi entretanto interrompido. A preocupação central em 1999, ainda hoje válida, ficou descrita na introdução à resolução do Conselho de Ministros que aprovou o documento: «O importante desafio que se coloca a Portugal é o de saber articular, nos planos político, económico e cultural, a dinâmica da sua integração europeia com a dinâmica de constituição de uma comunidade, estru- turada nas relações com os países e as comunidades de língua portuguesa no mundo, e de reaproximação a outros povos e regiões. É neste quadro que a política de cooperação para o desenvolvimento, vector essencial da política externa, adquire um particular sentido estratégico, constituindo um elemento de diferenciação e de afirmação de uma identidade própria na diversidade europeia, capaz de valorizar o património histórico e cultural do País. Torna-se assim necessário dotar a política de coo- peração de mais rigor e coerência estratégica, de um comando político mais eficaz, de uma organização mais racional e de um sistema de financiamento adequado.» A política de cooperação para o desenvolvimento que aqui se propõe contém fortes traços de continuidade com a estratégia de 1999 e contém também inovações. No plano da continuidade, destacamos a preocupação em estabelecer uma ligação visível, consequente e eficaz entre princípios, prioridades, programas e projectos. Sublinhamos também a importância que em ambos os momentos se atribui ao requisito fundamental de comando e responsabilização política, por contraste com uma tradição de dispersão dos centros de decisão (inclu- sive no nível político) por entre as instituições que con- tribuem para a cooperação portuguesa, com a conse- quente perda de eficiência e sentido estratégico. No plano da inovação, é notório que se verificou, desde 1999, uma acentuada tendência para a coorde- nação internacional da ajuda pública ao desenvolvi- mento (APD) e que a cooperação portuguesa está actualmente pouco equipada para lidar com esta rea- lidade, reduzindo desta forma a margem de actuação e a influência nacional nos grandes centros de discussão e decisão sobre as relações Norte-Sul. Esta tendência sublinha a urgência do aperfeiçoamento dos instrumen- tos e mecanismos da cooperação portuguesa, encontran- do-se neste documento um conjunto de orientações a este respeito. Na senda da estratégia de 1999, o actual documento procura atribuir clareza, objectividade e transparência à cooperação portuguesa. Apesar da quebra nos mon- tantes atribuídos à APD em Portugal em 2003 e 2004 (ii), estamos hoje perante uma dinâmica internacional de acréscimo da APD a que Portugal não pode per- manecer alheio. Existem, aliás, diversos compromissos internacionais que apontam precisamente neste sentido, conforme se poderá verificar no capítulo 2. Porém, não pode justificar-se que haja uma participação activa por- tuguesa neste processo internacional sem que haja igual- mente um importante esforço no sentido da rentabi- lização da cooperação portuguesa — rentabilização para os países beneficiários e rentabilização para Portugal, nomeadamente para a sua inserção mais dinâmica nas redes e nos mecanismos que constituem a malha da globalização. 1.1 — A cooperação e a política externa portuguesa A experiência histórica mais recente do processo de globalização, e em particular desde o fim da guerra fria, trouxe uma renovada consciência e uma nova atitude quanto às relações Norte-Sul. Em outros momentos, a cooperação — a portuguesa e a de outros países — encontrava a sua justificação num conglomerado de razões que incluíam sentimentos de solidariedade huma- nitária ou política, interesses de ordem geostratégica ou económica e expressões de proximidade linguística ou cultural. Hoje, sobrepõe-se a este tipo de raciocínio a consciência de que, para funcionar, a globalização não pode continuar a ter largas manchas de exclusão no Hemisfério Sul. Essa possibilidade constitui a mais pode- rosa dúvida quanto aos benefícios da globalização e a mais perigosa semente para a instabilidade global. É

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7180 DIÁRIO DA REPÚBLICA — I SÉRIE-B N.o 244 — 22 de Dezembro de 2005

PRESIDÊNCIA DO CONSELHO DE MINISTROS

Resolução do Conselho de Ministros n.o 196/2005

Portugal precisa de uma política de cooperação. Osinvestimentos que ao longo de três décadas tiveram lugarem actividades de cooperação obedeceram a lógicasmuito variadas, foram de natureza extremamentediversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmoem muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma ques-tão de responsabilidade e responsabilização política, epor razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos,que se definam as linhas de orientação para a coope-ração portuguesa, as quais terão em consideração asrestrições orçamentais actualmente existentes.

É esse o propósito desta resolução do Conselho deMinistros.

Assim:Nos termos da alínea g) do artigo 199.o da Cons-

tituição, o Conselho de Ministros resolve:Aprovar o documento de orientação estratégica da

cooperação denominado «Uma visão estratégica paraa cooperação portuguesa», anexo à presente resolução,da qual faz parte integrante.

Presidência do Conselho de Ministros, 24 de Novem-bro de 2005. — O Primeiro-Ministro, José Sócrates Car-valho Pinto de Sousa.

ANEXO

UMA VISÃO ESTRATÉGICA PARA A COOPERAÇÃO PORTUGUESA

1 — Introdução

Portugal precisa de uma política de cooperação. Osinvestimentos que ao longo de três décadas tiveram lugarem actividades de cooperação obedeceram a lógicasmuito variadas, foram de natureza extremamentediversa e tiveram resultados mistos, ambíguos e mesmoem muitos casos desconhecidos. Exige-se, por uma ques-tão de responsabilidade e responsabilização política, epor razões de eficiência e clareza quanto aos objectivos,que se definam as linhas de orientação para a coope-ração portuguesa.

Em 1999 o XIII Governo aprovou em Conselho deMinistros um documento de orientação estratégica como título «A cooperação portuguesa no limiar doséculo XXI» (i). Tratou-se da primeira — e, até à data,da única — descrição coerente e completa de uma polí-tica de cooperação portuguesa. Esse documento e asreformas então encetadas deixaram importantes marcasna cooperação portuguesa. Retoma-se agora o processode atribuição de racionalidade e direcção estratégicaà cooperação que foi entretanto interrompido.

A preocupação central em 1999, ainda hoje válida,ficou descrita na introdução à resolução do Conselhode Ministros que aprovou o documento:

«O importante desafio que se coloca a Portugal éo de saber articular, nos planos político, económico ecultural, a dinâmica da sua integração europeia coma dinâmica de constituição de uma comunidade, estru-turada nas relações com os países e as comunidadesde língua portuguesa no mundo, e de reaproximaçãoa outros povos e regiões.

É neste quadro que a política de cooperação parao desenvolvimento, vector essencial da política externa,adquire um particular sentido estratégico, constituindo

um elemento de diferenciação e de afirmação de umaidentidade própria na diversidade europeia, capaz devalorizar o património histórico e cultural do País.

Torna-se assim necessário dotar a política de coo-peração de mais rigor e coerência estratégica, de umcomando político mais eficaz, de uma organização maisracional e de um sistema de financiamento adequado.»

A política de cooperação para o desenvolvimento queaqui se propõe contém fortes traços de continuidadecom a estratégia de 1999 e contém também inovações.No plano da continuidade, destacamos a preocupaçãoem estabelecer uma ligação visível, consequente e eficazentre princípios, prioridades, programas e projectos.Sublinhamos também a importância que em ambos osmomentos se atribui ao requisito fundamental decomando e responsabilização política, por contraste comuma tradição de dispersão dos centros de decisão (inclu-sive no nível político) por entre as instituições que con-tribuem para a cooperação portuguesa, com a conse-quente perda de eficiência e sentido estratégico.

No plano da inovação, é notório que se verificou,desde 1999, uma acentuada tendência para a coorde-nação internacional da ajuda pública ao desenvolvi-mento (APD) e que a cooperação portuguesa estáactualmente pouco equipada para lidar com esta rea-lidade, reduzindo desta forma a margem de actuaçãoe a influência nacional nos grandes centros de discussãoe decisão sobre as relações Norte-Sul. Esta tendênciasublinha a urgência do aperfeiçoamento dos instrumen-tos e mecanismos da cooperação portuguesa, encontran-do-se neste documento um conjunto de orientações aeste respeito.

Na senda da estratégia de 1999, o actual documentoprocura atribuir clareza, objectividade e transparênciaà cooperação portuguesa. Apesar da quebra nos mon-tantes atribuídos à APD em Portugal em 2003 e 2004(ii), estamos hoje perante uma dinâmica internacionalde acréscimo da APD a que Portugal não pode per-manecer alheio. Existem, aliás, diversos compromissosinternacionais que apontam precisamente neste sentido,conforme se poderá verificar no capítulo 2. Porém, nãopode justificar-se que haja uma participação activa por-tuguesa neste processo internacional sem que haja igual-mente um importante esforço no sentido da rentabi-lização da cooperação portuguesa — rentabilização paraos países beneficiários e rentabilização para Portugal,nomeadamente para a sua inserção mais dinâmica nasredes e nos mecanismos que constituem a malha daglobalização.

1.1 — A cooperação e a política externa portuguesa

A experiência histórica mais recente do processo deglobalização, e em particular desde o fim da guerra fria,trouxe uma renovada consciência e uma nova atitudequanto às relações Norte-Sul. Em outros momentos, acooperação — a portuguesa e a de outros países —encontrava a sua justificação num conglomerado derazões que incluíam sentimentos de solidariedade huma-nitária ou política, interesses de ordem geostratégicaou económica e expressões de proximidade linguísticaou cultural. Hoje, sobrepõe-se a este tipo de raciocínioa consciência de que, para funcionar, a globalização nãopode continuar a ter largas manchas de exclusão noHemisfério Sul. Essa possibilidade constitui a mais pode-rosa dúvida quanto aos benefícios da globalização e amais perigosa semente para a instabilidade global. É

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esta consciência que está na base da transformação his-tórica do papel da cooperação internacional a que seassiste, em especial desde a Cimeira do Milénio, de2000. De forma cada vez mais vincada, os países daOCDE [e em particular os da União Europeia (UE)]entendem as suas políticas de cooperação como ele-mentos integrantes das suas estratégias para a globa-lização. Para Portugal, também a cooperação constituium dos pilares da sua política externa e um instrumentoimprescindível na sua relação com o mundo.

A política de cooperação reflecte a política externaportuguesa, fundamentalmente de três maneiras. Emprimeiro lugar, no que diz respeito aos países de línguaportuguesa, destacando-se em particular os países afri-canos de língua oficial portuguesa (PALOP) e Timor--Leste. A relação com os países africanos de expressãoportuguesa constitui um dos pilares fundamentais danossa política externa, juntamente com a integraçãoeuropeia e a aliança atlântica. Igualmente a ligação aTimor-Leste, cuja independência constitui um dos gran-des êxitos da diplomacia portuguesa, é profunda. Odesenvolvimento desses países e a sua boa integraçãonas dinâmicas económicas da globalização constituemdesideratos importantes da nossa política externa. Tra-ta-se de desideratos com importância intrínseca, comevidentes consequências positivas para a qualidade devida das populações desses países, sendo ao mesmotempo favoráveis para os intercâmbios culturais e eco-nómicos que enriquecem a sociedade portuguesa.

Segundo, a língua portuguesa constitui um valor fun-damental para a nossa política externa. A promoçãoda língua portuguesa no mundo contribui para a sedi-mentação, longevidade e proficuidade de uma comu-nidade linguística que constitui, a um só tempo, umimportante contributo histórico português para o mundoe um trunfo relevante na era da globalização. A coo-peração, em particular através do apoio à educaçãobásica e à alfabetização nos países parceiros, consubs-tancia-se como um instrumento imprescindível para apromoção da nossa língua.

Terceiro, um dos objectivos da política externa nacio-nal reside em promover a nossa capacidade de inter-locução e influência em redes temáticas internacionaiscujos centros de decisão são supranacionais. Ora, umadas características mais salientes da cooperação nos anosmais recentes é o enorme reforço da coordenação inter-nacional através dessas redes. Não falamos aqui de umacaracterística exclusiva da cooperação internacional,antes pelo contrário: encontra-se o mesmo padrão emnumerosas facetas da vida internacional contemporânea.Para um país de dimensão média e recursos limitados,o desafio essencial que se coloca é o de saber, comeficiência e profissionalismo, aplicar os instrumentos deque dispõe de forma a maximizar a qualidade da suaintervenção nos teatros de discussão e decisão que seidentificam como mais importantes. A cooperação parao desenvolvimento internacional oferece um caso para-digmático desta forma de trabalhar. Urge agora orientara nossa cooperação — tanto a multilateral como a bila-teral — de modo a tirar o melhor proveito possível dasvantagens que temos em algumas das arenas de coor-denação internacional. Ao fazê-lo, conforme aqui se pro-põe, a política de cooperação insere-se de forma ine-quívoca e descomplexada no cerne da política externanacional.

1.2 — Recursos e objectivos

Face aos desafios de desenvolvimento que se colocamnos países parceiros, os recursos à disposição da coo-peração portuguesa serão sempre escassos. Em todasas áreas podemos encontrar, nos países parceiros, carên-cias que poderão eventualmente ser atenuadas — pelomenos num primeiro momento — através dos esforçosda cooperação. Esta realidade, que deveria constituirum incentivo para o desenvolvimento de uma estratégiade intervenção racional e baseada em prioridades cla-ramente assumidas, funcionou antes como um meca-nismo de incentivo para a proliferação de actividadesde cooperação em quase todos os sectores, sendo essasactividades desenvolvidas com um elevado grau de auto-nomia. Em parte, esta trajectória histórica relaciona-secom a grande importância das ligações interpessoais,em particular entre funcionários de serviços homólogosdas administrações públicas. Em parte, há que admiti-lo,estamos também perante a evidência de uma abdicaçãode responsabilidades políticas ao longo dos anos, poisé ao nível político que se encontra a responsabilidadepela definição de estratégias e prioridades. O documentode orientação estratégica de 1999, já mencionado, cons-titui a este respeito uma honrosa excepção.

Um dos objectivos do presente documento é preci-samente o de definir, para a cooperação portuguesa,uma estratégia geral, identificando os mecanismosnecessários para a canalização de recursos de acordocom essa estratégia e com as prioridades que ela implica.

Portugal dispõe de algumas vantagens comparativasinteressantes se olharmos para o conjunto de países doa-dores, em particular (mas não exclusivamente) nospaíses de língua portuguesa. Essas vantagens compa-rativas relacionam-se sobretudo com a língua — o queaponta para as áreas da educação e formação — e coma história — sugerindo-se por esta via uma atenção espe-cial às áreas jurídica e de administração pública. Masvamos também encontrar algumas vantagens compara-tivas em outros sectores, conforme adiante se verá. Acapitalização das vantagens comparativas portuguesasrequer evidentemente uma estratégia de concentraçãode recursos nessas áreas bem como o desenvolvimentode instrumentos e metodologias de trabalho actualizadosface aos imensos progressos na cooperação internacionalnestes últimos anos. A tradição de descentralização orça-mental da cooperação, envolvendo igualmente uma des-centralização de decisões administrativas e políticas,constitui um obstáculo maior à racionalidade, à eficiên-cia e à eficácia da cooperação portuguesa. Esta par-ticularidade, diversas vezes identificada ao longo dosanos, e muito em especial pelos relatórios sobre a coo-peração portuguesa feitos pelo Comité de Ajuda aoDesenvolvimento (CAD) da OCDE em 1997 e 2001,obriga a que se procurem agora novos métodos de tra-balho, mais adequados à realidade contemporânea.

1.3 — A responsabilidade políticapela cooperação para o desenvolvimento

Uma das prioridades para esta etapa da cooperaçãoportuguesa reside no estabelecimento de uma relaçãocorrecta entre decisões e responsabilização política.Efectivamente, a dispersão de centros de decisão admi-nistrativa e política em matéria de cooperação não sótem inviabilizado uma política de cooperação, na qualas diversas actividades de cooperação correspondam aum paradigma e desígnio comum, como tem deixado

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órfã a questão da responsabilidade política por essasactividades.

A este respeito convém estabelecer uma distinção entreresponsabilidade técnica e responsabilidade política. Aresponsabilidade técnica por actividades de cooperaçãoencontra-se em numerosos pontos da administraçãopública portuguesa, e de forma mais ampla também nasociedade civil. As competências necessárias à boa exe-cução de projectos não podem e não devem ser con-centradas todas numa só instituição pública dedicadaà cooperação para o desenvolvimento. Contudo, a actualetapa de retoma e consolidação de uma política de coo-peração, com os seus imperativos de racionalidade, efi-ciência e eficácia, exige que as actividades de cooperaçãotenham um quadro de responsabilização política queé novo no panorama português, apesar de estar for-malmente consagrado em sucessivas leis orgânicas dosgovernos.

Registam-se actualmente três objectivos fundamen-tais para atingir a conciliação necessária entre a orien-tação e a execução de uma política. O primeiro residena elaboração de mecanismos mais adequados para aorçamentação e execução da APD portuguesa; osegundo reside no desenvolvimento de mecanismos decoordenação interministerial a nível político, retomandouma prática ensaiada entre 1999 e 2001, dos conselhosde ministros para a cooperação; o terceiro consiste navalorização e coordenação das iniciativas da sociedadecivil, nas suas múltiplas manifestações, em prol de umaabordagem comum.

PARTE I

Valores, princípios e objectivos2 — O contexto internacional

da cooperação para o desenvolvimento

Enquanto parte integrante da política externa por-tuguesa, a política de cooperação insere-se num contextointernacional cuja relevância é determinante para a defi-nição dos princípios, valores e objectivos que a regem.Os factores principais que estruturam o sistema inter-nacional actual condicionam também as prioridades eactividades dos vários actores que se dedicam à coo-peração internacional.

Encontra-se hoje plenamente consolidada, no planointernacional, a ideia de que desenvolvimento e segu-rança são duas faces da mesma moeda. O relatório doSecretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, «Inlarger freedom» é a expressão mais completa deste con-senso. A ideia dominante neste relatório é a de queos desafios que se colocam no presente deverão ser abor-dados numa perspectiva integrada, envolvendo esforçosde desenvolvimento, segurança e promoção dos direitoshumanos, a um só tempo: «Desenvolvimento, segurançae direitos humanos são não só imperativos em si mesmocomo também se reforçam mutuamente» (iii). A dig-nidade, bem-estar básico, e a salvaguarda física do indi-víduo, enquanto detentor de direitos universais, são alvocentral das preocupações neste relatório, o qual pre-coniza também um esforço multilateral orientado paraa acção global e assente na construção e promoção deparcerias internacionais.

Toda a comunidade internacional é presentementeconfrontada com a necessidade de lidar com movimen-tos de globalização das trocas, comunicações, transpor-tes e outros fluxos, a par de uma crescente integração

ou pelo menos cooperação intensificada a nível regional.O desenvolvimento e o progresso internacional nestecontexto dependem sobremaneira da capacidade deencontrar, nos espaços internacionais a que cada paíspertence, o caminho para a inserção saudável e equi-librada na economia mundial. Atenta a esta problemá-tica, a cooperação portuguesa procurará, em estreitacoordenação com as autoridades dos países parceiros,apoiar a sua integração económica internacional, atravésde estratégias destinadas a fomentar a competitividadeeconómica.

Assim, o enquadramento e a coordenação multilateralassumem-se como uma via privilegiada para permitira convergência de esforços no sentido da promoção dodesenvolvimento sustentável universal, alicerçando aglobalização numa base mais justa e contribuindo paradiluir alguns dos novos riscos e ameaças. Importa aquitraçar o quadro geral das tendências internacionais quedefinem os esforços cada vez mais integrados e insti-tucionalizados de ajuda ao desenvolvimento dos váriospaíses doadores, nos quais Portugal se insere. Tais esfor-ços constituem o contexto de esperança e empenho dapróxima década, para que em 2015 o mundo se apresentemais optimista, o que só acontecerá se forem aprovei-tadas as oportunidades e sinergias que resultam de umesforço partilhado por todos.

2.1 — Os objectivos de desenvolvimento do milénio

A Declaração do Milénio, aprovada durante aCimeira do Milénio, em 2000, constitui um marco fun-damental na história internacional da cooperação parao desenvolvimento. Durante as grandes reuniões inter-nacionais da década de 90, como a Conferência dasNações Unidas sobre o Ambiente e o Desenvolvimento(Cimeira do Rio), em 1992, a IV Conferência das NaçõesUnidas sobre as Mulheres, em Pequim em 1995, oua Cimeira Mundial sobre Desenvolvimento Social, emCopenhaga, no mesmo ano, foi sendo gerado um con-senso em torno da necessidade de ser adoptado, ao nívelglobal, um conjunto de medidas enérgicas no sentidode ultrapassar as desigualdades e injustiças existentese em constante agravamento. Esta determinação teveum impacte muito significativo não só ao nível do sis-tema das Nações Unidas mas também ao nível de outrosdispositivos institucionais cuja área de actividade seprende com a cooperação para o desenvolvimento.

Os valores fundamentais inscritos na Declaração doMilénio são os da liberdade, igualdade, solidariedade,tolerância, respeito pelo ambiente e partilha de respon-sabilidades. Os objectivos definidos nessa Declaraçãoforam depois incorporados nos chamados «objectivosde desenvolvimento do milénio» (ODM), que têm desdeentão funcionado como elemento agregador e sinteti-zador de uma multiplicidade de metas, as quais vêmsendo enquadradas nos programas de actividades dosdoadores internacionais. Tais metas apresentam tam-bém um calendário de actuação e indicadores mensu-ráveis que os diferentes Estados, beneficiários e doa-dores, se comprometeram a observar. Portugal terá ematenção, na medida das suas possibilidades, as formasmais eficazes de contribuir para os diferentes objectivose esforçar-se-á para que não haja duplicação de esforçose para que os apoios sejam atribuídos e coordenadosde forma eficaz.

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Objectivos de desenvolvimento do milénio

1 — Erradicar a pobreza extrema e a fome.2 — Alcançar a educação primária universal.3 — Promover a igualdade do género e capacitar as

mulheres.4 — Reduzir a mortalidade infantil.5 — Melhorar a saúde materna.6 — Combater o VIH/sida, a malária e outras doenças.7 — Assegurar a sustentabilidade ambiental.8 — Desenvolver uma parceria global para o desen-

volvimento.

À Cimeira do Milénio seguiram-se outras reuniõesglobais de grande relevo, que têm assegurado o acom-panhamento dos compromissos assumidos em 2000 emdiferentes áreas de intervenção, através da definição demedidas concretas destinadas a operacionalizar e efec-tivar a prossecução dos ODM.

Algumas destas reuniões têm-se dedicado à avaliaçãode progresso do trabalho iniciado durante os anos 90.Assim, em 2000 foi reiterado o empenho no acompa-nhamento da implementação da Plataforma de Acçãode Pequim, aprovada em 1995, e em 2004 foi reafirmadoo consenso da Conferência Internacional sobre Popu-lação e Desenvolvimento de 1994, consenso esse aindamais substanciado pelos ODM.

A Cimeira de Joanesburgo, em 2002, gerou um empe-nhamento considerável no reforço dos compromissosassumidos na Declaração do Rio e na Agenda XXI paraa promoção do desenvolvimento sustentável. Algunsdesses compromissos prendem-se com a concretizaçãode metas e calendários em matérias como o acesso àágua e ao saneamento básico, aposta na melhoria daestrutura institucional para lidar com as questões dapobreza e da degradação ambiental, com a promoçãoda modificação de hábitos de consumo e produção ecom a protecção e gestão dos recursos naturais na basedo desenvolvimento económico e social.

Em Monterrey, no mesmo ano, a Cimeira de Finan-ciamento para o Desenvolvimento pautou-se pelo con-senso relativamente à necessidade de uma resposta globale integrada entre países desenvolvidos e em desenvol-vimento. A discussão essencial centrou-se na erradicaçãoda pobreza e na promoção do desenvolvimento susten-tável através da mobilização e utilização mais eficaz dosrecursos financeiros por forma a atingir os ODM. Paraisso, acordou-se num maior empenho relativamente àmobilização de recursos domésticos, atracção de fluxosinternacionais, promoção de comércio internacional comomotor do desenvolvimento, aumento da cooperação téc-nica e financeira para o desenvolvimento, financiamentosustentável da dívida e alívio da mesma, aumento da coe-rência e consistência dos sistemas financeiros e comerciaisinternacionais.

A questão dos sistemas comerciais foi particularmentedebatida em Doha, na IV Conferência Ministerial daOrganização Mundial do Comércio, em 2001, onde ospaíses representados assumiram compromissos sobre-tudo ao nível da limitação de tarifas impostas aos paísesmenos desenvolvidos (PMD). A preocupação com osPMD foi sublinhada no mesmo ano, durante a III Con-ferência das Nações Unidas sobre os Países MenosDesenvolvidos, onde foi aprovada a Declaração de Bru-xelas, que contém o objectivo explícito de acabar coma marginalização dos PMD na economia global.

Portugal, para além de ter estado representado emtodas estas reuniões e de aí ter assumido compromissos,

participa também nos mecanismos institucionais queasseguram o seguimento e implementação dos mesmose pretende contribuir de forma, cada vez mais, eficazpara o processo de decisão a este nível.

2.2 — A coordenação internacional

Todo este movimento internacional de convergênciaaponta em dois sentidos fundamentais: por um lado,a necessidade de políticas de cooperação mais eficazesna utilização dos recursos e, por outro lado, a neces-sidade de aumentar tais recursos. Uma preocupação cen-tral dos países doadores tem sido a de reestruturar assuas políticas de cooperação para que as questões deeficácia se sobreponham a outro tipo de consideraçõesna afectação da ajuda pública ao desenvolvimento. Paraisso, três tipos de medidas têm dominado os esforçosinternacionais: a harmonização das políticas de doado-res, o alinhamento das políticas de doadores com asdos beneficiários e o desligamento da ajuda.

O movimento de harmonização aponta para a con-vergência de esforços nas diferentes políticas de coo-peração, com os objectivos de reduzir a duplicação deesforços, aumentando a sua complementaridade, racio-nalizar e simplificar os procedimentos dos doadores parapermitir maior interacção entre as diferentes iniciativas,aumentar a coerência e coordenação entre os doadores.Ao nível da UE, por exemplo, tal tendência reflecte-senas políticas dos «3 C» constantes do Tratado de Maas-tricht, fortemente traduzidos nas políticas da ComissãoEuropeia: complementaridade, coordenação e coerên-cia.

A Declaração de Roma, de 2003, marcou a tendênciapara o alinhamento das políticas dos doadores com asprioridades dos beneficiários, e foi sublinhada na Decla-ração de Paris, de 2005. Ambas se inserem numa lógicabidimensional de apropriação pelos beneficiários daspolíticas de desenvolvimento, por um lado, e, por outro,de capacitação dos beneficiários para definirem eles pró-prios prioridades que possam ser aproveitadas pelosdoadores.

Uma outra preocupação prende-se com o desliga-mento da ajuda, pretendendo-se desta forma uma maiorinfluência das considerações de eficácia na definiçãodas prioridades e eixos de políticas, em detrimento dosinteresses políticos ou económicos dos países doadores.Na reunião de alto nível do Comité de Auxílio ao Desen-volvimento da OCDE, em 2001, os Estados membrose as agências de desenvolvimento elaboraram uma reco-mendação no sentido de desligar a ajuda pública aosPMD ao mesmo tempo que reforçava a responsabilidadedos países receptores na adjudicação dos fundos (iv).É neste contexto que se exige cada vez mais aos própriospaíses beneficiários a definição das suas prioridades emdocumentos estratégicos que são colocados à disposiçãoda comunidade internacional, e na base dos quais a polí-tica dos diferentes doadores para esse país é definida.Isto permite maior eficácia na distribuição dos recursos.Esta tendência é apoiada pela definição de metas, objec-tivos e indicadores bastante precisos, em diversos eixosde actuação, que permitem condicionar a ajuda inter-nacional a esses critérios técnicos. Para além disso, oestabelecimento destes critérios facilita o progresso nosentido de uma maior coordenação e articulação deesforços entre doadores.

Por outro lado, a crescente participação de instituiçõesda sociedade civil nas grandes conferências internacionais,quer como observadoras quer como participantes efectivas

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nos trabalhos preparatórios e consultas prévias, e atémesmo com voz activa nas próprias reuniões, reflecte atendência para se consensualizar as políticas de coope-ração para o desenvolvimento com os diversos inter-venientes.

No entanto, aumentar a eficácia na utilização dosrecursos não chega. É consensual a ideia de que é vitalo aumento dos próprios recursos. Tal tem estado a sertrabalhado no contexto do financiamento para o desen-volvimento, iniciado em Monterrey. Ao nível da UE,foram formalizados compromissos concretos relativa-mente ao aumento da APD. Os compromissos assu-midos pela UE para os valores de APD são de 0,7%do RNB até 2015. Como objectivo colectivo intermédiofoi estabelecido para 2010 o valor de 0,56%. Este incluiobjectivos individuais de 0,51% para os Estados mem-bros mais antigos, no grupo dos quais Portugal se insere,e uma meta de 0,17% para os novos Estados membros.Portugal comprometeu-se ainda, em 2002, a cumpriro valor de 0,33% do RNB para a APD até 2006. ADeclaração de Paris, de 2005, contém também com-promissos ao nível do conjunto de doadores interna-cionais para aumento da APD.

Os esforços de aumentar os recursos e racionalizara sua aplicação têm-se reflectido também na criaçãode instituições financeiras, instrumentos e mecanismosfinanceiros com vocação específica para o desenvolvi-mento, como, por exemplo, a facilidade de investimentodo Acordo de Cotonou, a facilidade de investimentodo NEPAD ou as european development finance insti-tutions (EDFI), que já existem em muitos países da UE.

3 — Princípios orientadores

A globalização, naquilo que nos oferece de esperançase potencialidades, e também de perigos e vulnerabi-lidades, obriga a que Portugal tenha ideias e estratégiasmuito claras para a cooperação, baseadas em valorese princípios que, sendo universais, assentam tambémnuma visão da história e da realidade contemporâneaportuguesas. Assim, a missão fundamental da coope-ração portuguesa consiste em «contribuir para a rea-lização de um mundo melhor e mais estável, muito emparticular nos países lusófonos, caracterizado pelodesenvolvimento económico e social, e pela consolida-ção e o aprofundamento da paz, da democracia, dosdireitos humanos e do Estado de direito».

Esta visão do papel da cooperação portuguesa des-dobra-se em diversas orientações de fundo, entre asquais podemos destacar as seguintes:

Empenho na prossecução dos ODM;Reforço da segurança humana, em particular em

«Estados frágeis» ou em situações de pós-con-flito;

Apoio à lusofonia, enquanto instrumento de esco-laridade e formação;

Apoio ao desenvolvimento económico, numaóptica de sustentabilidade social e ambiental;

Envolvimento mais activo nos debates internacio-nais, em apoio ao princípio da convergênciainternacional em torno de objectivos comuns.

3.1 — Empenho na prossecução dos objectivosde desenvolvimento do milénio

A missão fundamental da cooperação portuguesa con-verge harmoniosamente com todo o trabalho interna-

cional, liderado sobretudo pelas Nações Unidas, emtorno dos ODM.

Os ODM constituem a expressão paradigmática nor-teadora dos esforços internacionais de cooperação parao desenvolvimento. Portugal orienta os seus apoios decooperação para o desenvolvimento por forma que acooperação portuguesa esteja plenamente ancoradaneste esforço internacional. Os valores subjacentes aosODM foram já mencionados: liberdade, equidade, soli-dariedade humana, tolerância, respeito pelo ambiente epartilha de responsabilidades. Os objectivos específicose as metas que resultam desses valores terão uma presençaacrescida e mais visível nos programas da cooperação por-tuguesa, para que Portugal esteja mais sintonizado como actual momento de convergência internacional em tornode objectivos comuns, valorizando em particular os con-tributos que Portugal pode oferecer através da língua por-tuguesa e da sua experiência histórica.

Mais do que uma expressão de solidariedade básicaenraizada na simples partilha da condição humana, osODM oferecem-nos uma afirmação das condições míni-mas para a estabilidade e para a paz internacional nocontexto da globalização. A postura global da políticaexterna portuguesa é inteiramente consentânea com esteobjectivo, enquadrando-se deste modo a cooperaçãoportuguesa no cerne da política externa nacional.

O combate à pobreza e à exclusão assume-se, assim,quer como valor em si mesmo quer como factor depaz e estabilidade. Assim, a cooperação portuguesa con-tribuirá para aumentar as capacidades dos países bene-ficiários em todas as áreas, fortalecendo o tecido sociale as instituições locais, promovendo o acesso à esco-laridade e à saúde básicas e criando condições deemprego, sobretudo para jovens. O combate à pobrezaexige melhorias constantes em matéria de boa gover-nação e constitui igualmente um contributo para a boagovernação. Sabemos hoje que políticas que tenham emconsideração a equidade de género tendem a ter efeitosmultiplicadores mais importantes para a sociedade, paraalém de serem também intrinsecamente mais justas, eeste aspecto será tido em conta na definição dos apoiosa prestar pela cooperação portuguesa. Consideramosimportante a valorização do papel social da mulher bemcomo dos seus direitos sexuais e reprodutivos. Nestamatéria, a cooperação portuguesa oferece um claro con-tributo nacional para a prossecução dos objectivos con-sagrados na Convenção para a Eliminação de Todasas Formas de Discriminação contra as Mulheres,de 1979, e na Plataforma de Acção de Pequim, de 1995.Em suma, os ODM servem à cooperação portuguesa,tal como servem à cooperação de muitos dos paísesmais evoluídos em matéria de APD, como um guiãofundamental para as escolhas que têm de ser efectuadas,atendendo à harmonia entre os valores fundamentaisda política externa portuguesa e os valores subjacentesaos ODM.

3.2 — Reforço da segurança humana

A revisão dos conceitos dominantes de segurança queteve lugar nos anos que se seguiram ao fim da guerrafria levou à consagração da ideia de segurança humana,e em 2003 a Comissão sobre Segurança Humana, esta-belecida por Kofi Annan e presidida por Sadako Ogatae Amartya Sem, publicou o relatório «A segurançahumana, agora». Neste relatório, que é actualmenteparte integrante do consenso internacional cada vez maisvincado em matéria de responsabilidades globais, cha-

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ma-se a atenção para o facto de a privação ser umadas grandes causas de violência, apesar de serem neces-sárias cautelas no estabelecimento de relações simplistase lineares. A cooperação para o desenvolvimento cons-titui um instrumento de reforço da segurança humana,e por conseguinte da segurança internacional, desde quedevidamente enquadrada.

No âmbito do reforço da política de segurançahumana, e da sua estreita interligação com os ODM,importará ter presente a contribuição da cooperaçãotécnico-militar e da cooperação técnico-policial, desig-nadamente na reforma do sector da segurança.

A cooperação técnico-militar dispõe, neste contexto,de um campo de actuação abrangente para, em arti-culação com os países com os quais cooperamos:

Garantir eficácia acrescida nos respectivos proces-sos de estabilização interna e de construção econsolidação do Estado;

Participar, no seu âmbito de intervenção, na capa-cidade de estes Estados garantirem níveis desegurança compatíveis com os princípios dademocracia, da boa governação, da transparênciae do Estado de direito, envolvendo questões rela-cionadas com a estruturação, regulação, gestão,financiamento e controlo do sistema de defesa,desta forma facilitando o desenvolvimento.

A cooperação técnico-policial visa contribuir para odesenvolvimento de formas de organização do sistemade segurança interna, controlo de fronteiras, gestão deinformações, manutenção de ordem pública e combateà criminalidade dos países com os quais cooperamos,privilegiando as relações entre forças e serviços de segu-rança ao nível da organização, métodos, formação etreino, participando no reforço das condições de esta-bilidade interna, autonomia das instituições políticas esegurança das populações e na consolidação do primadodos valores essenciais da democracia e do Estado dedireito.

As cooperações técnico-militar e técnico-policial con-tribuirão, pois, para a reforma do sector da segurança,apoiando o desenvolvimento de estruturas institucionaisadequadas que garantam a primazia do controlo políticoe sejam capazes de levar a efeito as tarefas operacionaisatribuídas pelas autoridades civis.

No contexto actual, em que também a segurança ea defesa são marcadas pela globalização, impõe-se daratenção especial às áreas de inserção regional dos nossosparceiros, seja aos países vizinhos seja às organizaçõesregionais e sub-regionais que integram.

Esta tendência significa, ainda, ter em consideraçãoas parcerias que, gradualmente, vêm sendo estabelecidasentre aquelas organizações regionais e sub-regionais, aUE e a NATO, e nas quais a «dupla» experiência econhecimento das nossas forças armadas, por um ladopela participação na União e na Aliança, por outro pelalonga relação bilateral com os parceiros da cooperaçãotécnico-militar, poderá ser de enorme utilidade paraestes e relevante para a afirmação e visibilidade externade Portugal. De acordo com estas normas de actuação,e na medida em que se traduzem iniciativas indutorasde segurança, condição básica para o desenvolvimento,as despesas decorrentes da cooperação técnico-militardeverão, cada vez mais, ser contabilizadas como APD,de acordo com os critérios de elegibilidade internacio-nalmente vigentes.

A cooperação portuguesa está atenta a duas dimen-sões fundamentais de apoio à segurança humana: a pro-tecção e a autonomização. Protecção significa apoiarcivis que são vítimas de conflito violento, integrandoabordagens políticas, militares, humanitárias e de desen-volvimento. Em particular, é importante ter em atençãoa situação de refugiados e deslocados internos, apoiandoa acção de organizações internacionais em prol destaspessoas. Autonomização significa criar as condições deassentamento e de emprego em situações de pós-con-flito, incluindo o apoio à desmobilização e reintegraçãode militares, e ainda o reforço dos mecanismos de cria-ção de segurança humana em «Estados frágeis»,incluindo cooperação apropriada nos âmbitos da políciae das forças armadas.

O apoio à boa governação, ao Estado de direito eao respeito pelos direitos humanos constitui elementoimportante de uma política de reforço da segurançahumana. A criação de uma comissão para a construçãoda paz no âmbito das Nações Unidas é apoiada porPortugal, precisamente por nela vermos um importanteinstrumento de reforço da segurança humana. A coo-peração portuguesa, bilateralmente e através da suaacção multilateral, dedicará uma atenção especial aquestões de segurança humana, incluindo o apoio a pro-jectos e programas integrados, e o reforço da capacidadenacional e internacional de análise neste importantedomínio.

3.3 — Apoio à lusofonia

A língua portuguesa constitui-se hoje como um patri-mónio de quatro continentes, sendo um instrumentode primeira importância para a cooperação e para odesenvolvimento. No plano externo, é ao mesmo tempouma plataforma de comunicação imprescindível para aparticipação plena na vida internacional dos nossos tem-pos e constitui um importante contributo para o reforçoda afirmação dos países lusófonos no contexto regionalem que se inserem.

No plano interno, trata-se, para todos os países lusó-fonos, de um elemento fundamental da sua identidade,valor cada vez mais importante num contexto de intensointercâmbio de fluxos económicos e culturais, como éo do contexto actual. Este património linguístico cons-titui, para os países lusófonos, o ponto de partida parao cumprimento, desde logo, do ODM que aponta paraa universalização da escolaridade primária. Com efeito,o apoio ao ensino da língua portuguesa representa ofornecimento de um instrumento que permitirá à criançaescolarizada desenvolver todas as suas potencialidades,posto que, para além de outras línguas com as quaisconvive, a língua portuguesa representa um importantemeio para o desenvolvimento económico, social ecultural.

Também em termos de formação profissional, a todosos níveis, a facilidade de comunicação na língua por-tuguesa oferece aos países lusófonos um veículo pri-vilegiado para a consolidação dos laços já fortes quese encontram e intervêm no seio da CPLP. A cooperaçãoportuguesa contribuirá assim para a formação e a con-solidação de elos de solidariedade, reforçando os meiosdisponíveis para a actividade de formadores lusófonosem países da lusofonia.

Contribuir para a divulgação da língua portuguesa,articulando uma política de língua com uma políticacultural, em particular junto dos jovens e das camadassociais, que têm menor acesso à escolaridade, representa

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uma mais-valia particularmente importante para odesenvolvimento do indivíduo e da realidade em quese insere. A este respeito Portugal dispõe de evidentesvantagens comparativas, de que fará uso na sua políticade cooperação.

Importa também referir a necessidade de desenvol-vimento conjunto das aplicações computacionais da lín-gua portuguesa e da produção de novos conteúdos paraa Internet, essenciais para lhe conferir uma nova capa-cidade de comunicação na era digital.

3.4 — Apoio ao desenvolvimento económico sustentável

Com as várias décadas que temos de experiência teó-rica e prática, podemos considerar como um dado adqui-rido que o desenvolvimento tem de ser compreendidoe apoiado de forma multidimensional. Desde logo, com-preende-se hoje que é necessário promover o desen-volvimento tendo em conta a sua sustentabilidade eco-nómica, social e ambiental. A cooperação portuguesa,em consonância com as boas práticas internacionaisneste domínio, está empenhada em promover iniciativasque estimulem o desenvolvimento sustentável, equili-brando o crescimento económico com mecanismos deprotecção social — para que a geração de riqueza nãoseja acompanhada da criação de pobreza — e de pro-tecção ambiental — para que a riqueza material não sejagerada a partir da delapidação do património ambiental.Em relação à protecção social, cabe também salientaro trabalho desenvolvido em sede dos acordos de segu-rança social existentes com Portugal e que visam pro-mover a protecção social de pessoas originais de paísescom os quais Portugal desenvolve acções de cooperação.A inclusão social e o apoio ao desenvolvimento de infra--estruturas sociais assume, neste quadro, especial relevo.

O desenvolvimento sustentável é um princípio orien-tador cuja importância se reflecte claramente em doisdos objectivos identificados nos ODM, e diversos outrosestão a ele ligados. Assim, as intervenções da cooperaçãoportuguesa neste domínio serão muito diversificadas,tendo no entanto em atenção a necessidade de apoiaros sectores sociais menos capazes de encontrar outrasalternativas de sustento económico.

3.5 — Envolvimento nos debates internacionais

Os anos mais recentes trouxeram a consciência agudada necessidade de haver respostas globais para proble-mas globais, em especial desde que se percebeu comterrível clareza que as consequências da marginalizaçãoeconómica e social de algumas partes da população mun-dial são potencialmente desequilibradoras das dinâmicasinternacionais por todo o planeta. A esta consciênciacorresponde uma predisposição renovada, por parte demuitos países, para discutir em comum as melhoresestratégias de resposta aos problemas colocados, con-vergindo esforços internacionais para que se encontremas soluções necessárias. Portugal não ficará alheio a taisdebates e às necessidades de convergência e coorde-nação internacional.

Nos diferentes círculos onde Portugal faz ouvir a suavoz sobre assuntos de cooperação, seja nos fora inter-nacionais permanentes como a UE, as Nações Unidas,a OCDE ou as instituições de Bretton Woods e os bancosregionais de desenvolvimento, seja em agrupamentosad hoc ou temporários criados em resposta a um pro-blema particular, os princípios orientadores aqui expres-sos serão defendidos e aprofundados pelos represen-

tantes nacionais. A selectividade, que se impõe pelanatureza limitada dos nossos recursos humanos — diplo-máticos ou técnicos —, será feita em termos da impor-tância relativa dos assuntos para os princípios orien-tadores aqui enunciados.

Em simultâneo, Portugal participa no grande esforçoquantitativo e qualitativo internacional que se verificaem prol do desenvolvimento. As metas internacionaisestabelecidas, para cuja definição Portugal contribuiu,constituem objectivos importantes para o Governo. Eem termos qualitativos Portugal subscreve sem reservasa necessidade de se desenvolver e aprofundar uma par-ceria para o desenvolvimento, nos termos estabelecidosno oitavo objectivo dos ODM: «desenvolver uma par-ceria global para o desenvolvimento».

PARTE II

Quadro de acção da cooperação portuguesa4 — As prioridades da cooperação portuguesa

As prioridades da cooperação portuguesa definem-sea partir dos princípios e dos objectivos já anteriormenteexplicitados. Na verdade, os princípios do respeito pelosdireitos humanos, pela boa governação e pela susten-tabilidade ambiental, pela diversidade cultural, pelaigualdade de género e pela luta contra a pobreza sãotambém entendidos como o ponto de partida para oestabelecimento das prioridades temáticas e sectoriaisda cooperação portuguesa. Por outro lado, estas prio-ridades reflectem também o papel que Portugal pre-tende assumir no quadro internacional.

4.1 — Prioridades geográficas

Os países de língua e expressão portuguesa, sobretudoos PALOP e Timor-Leste, são espaços de intervençãoprioritária da cooperação portuguesa. Esta concentraçãoexiste já, desde o início da nossa cooperação, quer aonível dos projectos desenvolvidos no quadro bilateralquer no que diz respeito aos que são executados pelasdiversas organizações da sociedade civil. Ao concentrar-mos a nossa ajuda pública no quadro dos países deexpressão portuguesa, incluímos os espaços regionaisem que estes se inserem como espaços importantes parao desenvolvimento de acções da cooperação portuguesa.Mesmo no âmbito das nossas relações bilaterais lusó-fonas, interessa sabermos ancorar esses relacionamentosno devido contexto, regional e sub-regional.

Esta concentração geográfica da ajuda pública devepermitir uma maior eficácia da cooperação portuguesa,rentabilizando, através da definição clara das priorida-des sectoriais, a imagem de Portugal como parceiro cre-dível. Por outro lado, devemos cumprir os compromissosinternacionais que assumimos. Portugal tem condiçõesespeciais para contribuir positivamente para a impor-tante mobilização internacional em torno das necessi-dades do continente africano e continuará a dedicargrande parte da sua APD a este continente.

Neste âmbito, devem ainda ser incentivadas as rela-ções Sul-Sul, sobretudo entre o Brasil, os países africanosde língua portuguesa e Timor-Leste. A valorização doespaço da CPLP é, pela riqueza da partilha de conhe-cimentos e pela posição estratégica que pode assumirno seio da comunidade internacional, uma prioridadepara Portugal.

Ainda que seja natural que a cooperação portuguesacontinue sobretudo dedicada ao espaço lusófono, será

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dada continuidade à tendência dos últimos anos de afec-tar uma parte dos recursos da cooperação a outrospaíses. Incluem-se neste caso países com os quais Por-tugal tem ligações históricas relevantes, como são oscasos de Marrocos, da África do Sul, do Senegal ouda Indonésia, entre outros. Todavia, para evitar a frag-mentação e dispersão, as actividades de cooperação empaíses fora do espaço da CPLP serão sempre em menorescala global.

4.2 — Prioridades sectoriais

Tendo em conta as realidades específicas de cadaum dos países e regiões, os desafios de reorientaçãopara a cooperação portuguesa para os ODM, e tendotambém presente que a eficácia da cooperação pres-supõe uma concertação e concentração geográfica e sec-torial, são estabelecidas as seguintes prioridades sec-toriais da cooperação portuguesa:

A) Boa governação, participação e democra-cia. — Assim, pretende-se:

Reforçar as acções de apoio institucional e capa-citação que contribuam para o fortalecimentodo Estado de direito. Aqui inserem-se programasde formação e capacitação dos organismos públi-cos, de apoio à boa gestão dos assuntos públicos,bem como o apoio às reformas das administra-ções públicas, em particular aos processos deconsolidação das administrações locais; a melho-ria de normas e procedimentos administrativos;a criação de legislação adequada, e o reforçoda capacidade de planeamento e da melhoriados mecanismos de gestão, nomeadamente aonível das reformas fiscais e do sector da esta-tística;

Apoiar áreas determinantes para a boa governação,como a administração interna, a justiça e asfinanças públicas;

Colaborar na consolidação do sistema de segurançainterna, nas suas diversas valências e no respeitopelos princípios do Estado de direito;

Apoiar os processos eleitorais;Aumentar o apoio ao orçamento, nos casos em

que exista um enquadramento local e interna-cional próprio;

Nos Estados mais frágeis, apostar no desenvolvi-mento de programas que promovam a paz, aprevenção e a gestão de conflitos, bem comomedidas de apoio à estabilidade no pós-conflito.Neste contexto, a cooperação técnico-militarpoderá apoiar a reforma das estruturas de defesados países parceiros, designadamente nas seguin-tes áreas: definição da política de defesa; reor-ganização das forças armadas, por forma a cum-prir a sua função de promotoras da estabilidadedo Estado, formação e instrução militar e a adop-ção de códigos de conduta, que visam o respeitopelo direito internacional, pelos direitos huma-nos e pelo direito humanitário internacional. Oapoio à inserção regional destes países, em espe-cial à sua participação em organizações regionaisde segurança e defesa, na perspectiva da suacapacitação em matéria de operações de manu-tenção da paz e humanitárias, deverá ser alvo

de uma atenção especial no quadro da coope-ração técnico-militar, designadamente em maté-ria de conceitos, doutrina e princípios.

Considera-se fundamental contribuir para a promo-ção da democracia representativa e participativa e parao pluralismo político, promovendo mecanismos de diá-logo social, tanto por aquilo que representa directa-mente em termos de qualidade de cidadania como pelarelação positiva que existe entre democracia e desen-volvimento. Neste sentido, o apoio à capacitação dasociedade civil e ao desenvolvimento e consolidação doassociativismo revela-se de extrema importância;

B) Desenvolvimento sustentável e luta contra apobreza. — Encarando a pobreza como um fenómenomultidimensional, que abrange o acesso a cuidados desaúde, à alfabetização básica e apoio escolar, à formaçãomínima, à segurança alimentar, à melhoria habitacional,bem como o apoio a actividades de geração de ren-dimento, a acções de inclusão social e de promoçãode igualdade de oportunidades, designadamente entrehomens e mulheres, e tendo presente os ODM, pre-tende-se contribuir para o desenvolvimento humano eeconómico das populações dos países parceiros, nomea-damente:

Na educação, entendendo esta como um sector--chave da cooperação portuguesa. No âmbito daeducação apoiaremos a escolaridade básica,incluindo a alfabetização de adultos, promo-vendo a concretização do segundo dos ODM.Nesta área será dada também especial atençãoao ensino técnico e profissional, devendo a tec-nologia ser colocada ao serviço da educação,nomeadamente através de programas de ensinoa distância. O ensino técnico e profissional éum instrumento fundamental para o desenvol-vimento do sector produtivo dos países emdesenvolvimento e constitui o primeiro passo deum processo multissectorial de inclusão social.A cooperação científica e tecnológica constituitambém um instrumento relevante no sentidodo reforço das capacidades locais para a for-mulação, implementação e avaliação das polí-ticas públicas promotoras do desenvolvimentoeconómico e social bem como da disseminaçãode uma cidadania informada e activa com efec-tiva capacidade de intervenção nos desafios dasociedade do saber. No que concerne à coope-ração na área do ensino superior, também elaimportante, será alvo de uma política clara econcertada, orientada para a promoção da qua-lidade do ensino e no desenvolvimento de opor-tunidades de criação de estabelecimentos de for-mação públicos e ou privados nos países lusófonos,com vista à satisfação das necessidades emergentesde formação para a sociedade global. No mesmosentido, também a actual política de bolsas seráredefinida para responder às verdadeiras neces-sidade de capacitação, formação e valorização dospaíses parceiros. Pretende-se, portanto, possibili-tar às populações locais o acesso sustentável ede qualidade à educação. A educação deve aindainteragir com a cultura, sendo esta uma área per-tinente e relevante para a construção de socie-dades multiculturais com capacidade de promo-verem e valorizarem a sua especificidade culturalno mundo globalizado. Inclui-se neste âmbito a

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cooperação no domínio da valorização do patri-mónio cultural, muito em particular o patrimóniomóvel e o património imaterial;

A saúde é outra das áreas de relevo da cooperaçãoportuguesa, pelo saber e experiência adquiridos,ao longo dos anos, sobretudo sobre as realidadesdos países africanos e de Timor-Leste. OsODM 4, 5 e 6 apontam para a necessidade dedesenvolver um esforço internacional no sentidode reduzir a mortalidade infantil, melhorar oscuidados maternos e combater a incidência doVIH/sida, das doenças sexualmente transmissí-veis e da malária e da tuberculose. Importasobretudo melhorar a capacidade de trabalharno âmbito dos cuidados primários e de higiene,aproximando deste modo o esforço da coope-ração às primeiras necessidades das populações.Garantir o acesso à saúde constitui uma premissafundamental do direito à protecção social;

O desenvolvimento rural está intrinsecamenteligado à questão da segurança alimentar e dapobreza, pois uma parte considerável das popu-lações dos países em desenvolvimento vive emmeio rural, onde os rendimentos são mais baixos.Neste campo, a cooperação portuguesa deverácontribuir para que as populações nos países emdesenvolvimento tenham acesso, em qualquermomento, a alimentos nutritivos e inócuos, emquantidade suficiente para levar uma vida activae sã. Este acesso está reconhecido como direitohumano individual na Declaração Universal dosDireitos Humanos. Portugal participará nas ini-ciativas internacionais contra a fome e contri-buirá para a erradicação da pobreza, através davalorização da gestão comunitária e das culturastradicionais, assim como das instituições locaisligadas ao desenvolvimento rural;

A protecção do ambiente e a gestão sustentáveldos recursos naturais, em particular os recursoshídricos, constituem também uma área priori-tária da cooperação portuguesa. A sustentabi-lidade ambiental é uma componente fundamen-tal do desenvolvimento humano. O objectivo 7dos ODM e os compromissos da Cimeira de Joa-nesburgo apontam para a necessidade de impul-sionar a boa gestão dos recursos ambientais e,em particular, dos recursos hídricos e o acessoà água e ao saneamento. A vasta maioria dospaíses em desenvolvimento têm igualmenteextensas zonas costeiras e alguns estão já amea-çados pelos impactes de ameaças ambientais glo-bais como as alterações climáticas e a deserti-ficação. Assim, a protecção do ambiente e oordenamento do território são essenciais paraassegurar o mínimo de qualidade de vida daspopulações, uma vez que têm reflexos directosna saúde humana e no combate à pobreza. É,por isso, importante que a cooperação portu-guesa coloque a mais-valia do seu conhecimentoao serviço da gestão sustentável dos recursosnaturais, em particular dos recursos hídricos, nospaíses em desenvolvimento;

É particularmente importante incentivar o cresci-mento económico, o desenvolvimento do sectorprivado, a formação e a geração de emprego.A formação e o incentivo à criação de empregogarantem a melhoria das condições de vida das

populações locais e promovem o desenvolvi-mento integrado e sustentado dos países. Nestesentido, a inclusão social dos jovens, sobretudode grupos de risco, promove a pacificação sociale o crescimento económico dos países em desen-volvimento. Na verdade, todo o desenvolvimentorequer crescimento, assim, a cooperação portu-guesa apoiará iniciativas que tenham estes objec-tivos, em particular as iniciativas mais geradorasde emprego. Neste âmbito inserem-se os pro-gramas de microcrédito associados às actividadesgeradoras de rendimento. A cooperação portu-guesa contribuirá também para a promoção doassociativismo empresarial e para capacitar osEstados beneficiários no sentido de criarem con-dições laborais, políticas de concorrência e legis-lação que captem o investimento e que reforceme incentivem o desenvolvimento económicolocal;

C) Educação para o desenvolvimento. — A educaçãopara o desenvolvimento é uma prioridade importanteda cooperação portuguesa. É fundamental criar conhe-cimento e sensibilizar a opinião pública portuguesa paraas temáticas da cooperação internacional e para a par-ticipação activa na cidadania global. Esta prioridade,embora menor em termos das suas implicações finan-ceiras, constitui um importante factor de formaçãocívica, em particular para que as camadas mais jovensda população portuguesa tenham capacidade de par-ticipar plenamente na resposta aos desafios globais quese colocam no horizonte.

As prioridades aqui referidas terão um grau de pre-mência e pertinência diferente consoante o país par-ceiro, sendo importante sublinhar que em cada país acooperação portuguesa deverá concentrar a maior partedos seus apoios em apenas três ou quatro prioridades,de forma a pôr termo à pulverização de apoios quetantas vezes se tem verificado no passado e que é tãonociva para a racionalidade, a eficácia e a eficiência.

Para conseguirmos concretizar estas prioridades, háum trabalho de reorientação operacional que é neces-sário desenvolver. O primeiro passo para essa reorien-tação é dado no presente documento, através de umadefinição clara destas prioridades.

5 — A cooperação portuguesa e o enquadramento multilateral

O enorme acréscimo na intensidade da coordenaçãointernacional nestes últimos anos representa um impor-tante desafio para a cooperação portuguesa, em par-ticular para a sua capacidade de funcionar no enqua-dramento multilateral que é hoje tão importante. Estedesafio constitui ao mesmo tempo uma oportunidadeque a cooperação portuguesa procurará aproveitar paradifundir e projectar, em espaços mais amplos do queaqueles que seriam permitidos pela actuação estrita-mente bilateral, os valores e os princípios que a animam.

Já hoje a cooperação portuguesa dedica quase metadedo volume total de APD à cooperação multilateral. Emboa medida, este montante resulta por inerência da per-tença portuguesa a diversos contextos multilaterais,alguns dos quais com grande importância para a agendainternacional do desenvolvimento. O envolvimentonacional nas grandes discussões do meio multilateraldeverá contribuir de uma forma mais efectiva para adefesa dos interesses estratégicos da política externaportuguesa e para a elaboração de estratégias inter-nacionais.

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Acresce ainda que uma das características mais visí-veis do nosso tempo é a distinção rígida entre coope-ração bilateral e cooperação multilateral que deixou deser sustentável, porque as ideias e as metodologias quese desenvolvem no seio do sistema multilateral condi-cionam e influenciam sobremaneira a cooperação quese pratica no âmbito bilateral. Assim, estamos hojeperante um cenário em que se impõe uma nova formade trabalhar, levando para os circuitos multilaterais osvalores e as convicções subjacentes à cooperação nacio-nal e trazendo desses espaços de debate novas meto-dologias e abordagens.

Em Março de 2005 Portugal assinou, juntamente com90 países e dezenas de organizações internacionais enão governamentais, a Declaração de Paris sobre a Efi-cácia da Ajuda para o Desenvolvimento. Respeitar oespírito e a letra desse compromisso internacional sig-nifica desenvolver muito substancialmente a capacidadenacional de trabalhar no espaço cruzado entre o bilaterale o multilateral.

5.1 — Orientações gerais portuguesasno contexto multilateral

Uma atenção especial para África

Portugal congratula-se com a ênfase dada nos anosmais recentes ao continente africano e identifica-se comos compromissos europeus de dedicar um esforço acres-cido ao desenvolvimento de África. Portugal já destinaactualmente cerca de três quintos da sua APD bilaterala África — uma proporção que é internacionalmentemuito elevada — e tenciona manter esse compromissocom África.

O apoio ao continente africano constitui, na pers-pectiva portuguesa, um dos mais importantes desafiosda globalização, uma era histórica que tem o potencialde promover a paz e a prosperidade a uma escala semprecedentes. Porém, este desiderato apenas será atin-gido se for possível evitar a marginalização de impor-tantes partes do globo, e nomeadamente do continenteafricano.

Pela via multilateral, Portugal apoia programas dedesenvolvimento individuais de países africanos, comoé o caso dos programas indicativos nacionais negociadosno âmbito da Convenção de Cotonou. O envolvimentoportuguês neste importante compromisso internacionaleuropeu — na senda das inovadoras abordagens dasConvenções de Yaoundé e de Lomé — representa umcontributo muito relevante para o desenvolvimentoequitativo do continente africano, nomeadamente empaíses com os quais Portugal tem poucas ligações his-tóricas. Portugal apoia igualmente programas nacionaisde crescimento e redução da pobreza de países africanosem geral e dos PALOP em particular, através da suaparticipação nos grupos do Banco Mundial e do BancoAfricano de Desenvolvimento.

Ao mesmo tempo, é pela vertente multilateral quemelhor se consegue promover soluções para alguns dosproblemas estruturais com que os países beneficiáriosse confrontam, de que são exemplo as questões da boagovernação, da integração regional ou dos desafios denatureza transfronteiriça. Assim, Portugal dedicaráespecial atenção, no âmbito das suas parcerias com agên-cias das Nações Unidas, no quadro da UE e das ins-tituições financeiras internacionais, à promoção deapoios internacionalmente concertados que procuremresponder a problemas sectoriais específicos de países

africanos, começando pelos PALOP. Outro fórum noqual Portugal contribuirá para o desenvolvimento afri-cano é a OCDE, quer seja na discussão de orientaçõesgerais para a ajuda pública ao desenvolvimento inter-nacional quer seja na promoção de estudos relevantespara a identificação das respostas mais adequadas àscircunstâncias africanas.

Apoio à estabilização e à transição para o desenvolvimento

Portugal deve interessar-se em particular por todasas iniciativas relacionadas com o apoio a Estados ditos«frágeis» ou «falhados» e pelas actividades de estabi-lização e desenvolvimento de pós-conflito (v).

Com efeito, a existência de «Estados frágeis» constituiuma das mais importantes ameaças na era da globa-lização, não só para os habitantes desses países comotambém para muitas pessoas em outras partes domundo. A natureza dos problemas com que se confron-tam os «Estados frágeis» exige uma abordagem mul-tilateral e bilateral concertada. Portugal apoiará inicia-tivas multilaterais destinadas a tornar o mundo maisseguro, sendo fundamental recordar a este respeito aspalavras de Kofi Annan no seu relatório «In largerfreedom»:

«[. . . ] não teremos desenvolvimento sem segurança,não teremos segurança sem desenvolvimento, e não tere-mos nenhum dos dois sem respeito pelos direitoshumanos.»

Em muitos casos, os custos das iniciativas destinadasa corrigir alguns dos problemas fundamentais dos «Esta-dos frágeis» poderiam ser substancialmente menores,ou mesmo evitados, se na devida altura houvesse umaintervenção internacional concertada em resposta asinais evidentes de desagregação de uma sociedade. Nosúltimos anos, verifica-se um substancial aperfeiçoa-mento dos mecanismos de alerta precoce para estessinais, precisamente devido ao reconhecimento inter-nacional do perigo colocado pelos «Estados frágeis».Consideramos portanto particularmente pertinente oempenho multilateral em países que podemos consi-derar «Estados frágeis», isto é, aqueles que correm orisco de degenerar e desagregar, fazendo alastrar a inse-gurança não só por entre os seus próprios cidadãos comotambém por entre os cidadãos da região a que per-tencem. Portugal contribuirá para os esforços interna-cionais relevantes em «Estados frágeis» pela via mul-tilateral ou, quando apropriado, pela via bilateral.

Apoio aos objectivos de desenvolvimento do milénio

A transformação operada na cooperação internacio-nal nos primeiros anos deste século, de que é símboloe força motora a congregação de esforços em tornodos ODM, sublinha muito claramente que é fundamen-tal a coordenação para fazer face aos desafios inter-nacionais do desenvolvimento. Com efeito, os métodosutilizados na ajuda pública ao desenvolvimento durantedécadas, e nomeadamente a ajuda bilateral descoorde-nada, constituem porventura a mais relevante razão dorelativo falhanço das actividades de cooperação inter-nacional. Ao mesmo tempo que esta realidade se foiprogressivamente impondo nas mais importantes aná-lises sobre o desenvolvimento, começou também a tor-nar-se óbvio que as consequências do subdesenvolvi-mento ameaçavam todo o equilíbrio internacional na

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era da globalização. É esta conjunção que leva ao apa-recimento e à consolidação dos ODM como metas pola-rizadoras dos esforços internacionais. Portugal nãoficará alheio a esta convergência internacional.

Presentemente, regista-se algum atraso em Portugalna adopção dos ODM como elemento relevante na defi-nição da política nacional de cooperação. Porém, a partirde 2005 e até ao horizonte internacionalmente estabe-lecido de 2015, os ODM estarão no centro das opçõesa tomar pela cooperação portuguesa. Deste modo, existeum princípio de alinhamento e harmonização entre asorientações estratégicas nacionais e as internacionais,criando-se assim as condições básicas para que a coo-peração portuguesa contribua para os grandes objectivosinternacionais, e para que os recursos internacional-mente disponíveis sejam bem aproveitados para âmbitose problemáticas que a cooperação portuguesa conhecebem.

O sucesso internacional em relação aos ODM nãodepende apenas da ajuda pública ao desenvolvimento.O impacte da globalização faz-se sentir em numerososâmbitos distintos, levando a que, cada vez mais, se faleda necessidade de coerência nas diferentes esferas dapolítica económica, incluindo as que dizem respeito, porexemplo, ao comércio e à agricultura. A participaçãoportuguesa nos debates multilaterais terá em conta anecessária coerência entre as diferentes políticas sec-toriais e os valores subjacentes à política externanacional.

Reforço do espaço lusófono

A capacidade de trabalhar em rede, fazendo convergirpara uma lógica comum energias e recursos de fontesdiversas, é reconhecidamente uma competência funda-mental no relacionamento internacional contemporâ-neo. Assume deste modo uma grande relevância a capa-cidade de gerar, a partir de referências partilhadas, abor-dagens sinergéticas face a problemas comuns. É assimque a lusofonia deve ser entendida, não apenas comoum espaço linguístico partilhado, mas antes como umespaço relevante para o trabalho em rede. A CPLP,organização internacional que congrega os países deexpressão portuguesa, representa um importante domí-nio de trabalho para a cooperação portuguesa, crian-do-se em particular a possibilidade de utilizar a línguacomum como potenciadora de intervenções envolvendotrês ou mais países lusófonos. O reforço do espaço lusó-fono constitui um reforço da capacidade de respostados países da CPLP aos desafios da globalização quea todos dizem respeito.

A cooperação constitui, desde a fundação desta ins-tituição, um dos pilares da CPLP, não tendo no entantorealizado em plena efectividade até agora todo o seupotencial nesta matéria. Ao aproximarmo-nos da efe-méride que é a celebração do 10.o aniversário da CPLP(2006), vale a pena reflectirmos sobre os mecanismose as abordagens mais propiciadoras de um aprofunda-mento da cooperação para o desenvolvimento no espaçolusófono.

5.2 — Espaços multilaterais para o envolvimento português

País europeu e lusófono, atento aos problemas dodesenvolvimento e aos desafios da globalização, Por-tugal tem voz num importante conjunto de espaços dediálogo multilateral. No seio da UE, Portugal participana definição da política comunitária de ajuda ao desen-

volvimento, tanto em relação aos países ACP (África,Caraíbas e Pacífico), através da Convenção de Cotonou,como em relação aos países da América Latina e daÁsia. O recente alargamento para 25 Estados membros,em breve 27, e a possibilidade de futuros alargamentosintroduzem dinâmicas novas nas discussões europeiassobre temáticas de desenvolvimento. Respeitando e dia-logando com todos os seus parceiros europeus, Portugaldefenderá neste âmbito os princípios orientadores paraa sua intervenção multilateral.

No âmbito das Nações Unidas, Portugal participa acti-vamente nos grandes debates internacionais sobre temasde desenvolvimento que se realizam na AssembleiaGeral e no ECOSOC e trabalha de perto com as rele-vantes agências das Nações Unidas. Entre estas, des-tacam-se em particular o PNUD, a ACNUR, o FNUAPe a UNICEF. Com estas agências a cooperação por-tuguesa colabora não só através das contribuições parao seu financiamento central mas também através dofinanciamento de projectos específicos, afectando deter-minadas verbas a esses projectos. O Ministério de Negó-cios Estrangeiros, principalmente através do InstitutoPortuguês de Apoio ao Desenvolvimento (IPAD), tra-balhará também em estreita coordenação com outrosministérios, no âmbito das iniciativas na esfera própriade agências como a FAO, a OMS e a OIT.

A OCDE constitui outro importante centro de dis-cussão sobre temas de desenvolvimento internacional,em particular através do CAD e do Centro de Desen-volvimento. O CAD é hoje um dos grandes centros deprodução de informação e de geração de consensos ede conhecimentos sobre a cooperação para o desen-volvimento, e Portugal participará activamente nos tra-balhos correntes dessa instituição. Não sendo possívelter uma presença idêntica em todo o vasto leque deactividades do CAD, Portugal privilegiará os trabalhostemáticos que mais directamente se relacionem com osprincípios orientadores expressos neste documento.

As instituições financeiras internacionais, nomeada-mente o Banco Mundial, o Fundo Monetário Interna-cional e os bancos regionais de desenvolvimento, sãoimportantes pontos de referência para os debates inter-nacionais sobre cooperação para o desenvolvimento.Portugal tem vindo a ampliar a sua presença e capa-cidade de intervenção nestas instituições, importandoreforçar a coordenação entre os Ministérios dos Negó-cios Estrangeiros e das Finanças.

Outra esfera multilateral que requer a atenção dacooperação portuguesa é a relevância cada vez maiorde organizações de âmbito regional. Portugal é um par-ticipante activo nos trabalhos das cimeiras ibero-ame-ricanas, hoje em vésperas de uma importante transfor-mação institucional, que trará sem dúvida uma renovadacapacidade de afirmação desse bloco como um espaçonão só de coordenação político-diplomática mas tam-bém de cooperação para o desenvolvimento. A coo-peração portuguesa estará também atenta à necessidadede apoiar a valorização e capacidade de intervençãode instituições como a União Africana, a SADC e aCEDEAO, incluindo a contribuição da cooperação téc-nico-militar, que assumem hoje um papel cada vez maisdestacado na arquitectura da paz, da segurança e dodesenvolvimento internacional.

5.3 — Aprofundamento da abordagem bi-multi

A evolução na cooperação internacional para o desen-volvimento ao longo da última década, com particular

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intensidade desde a viragem do século, torna muitomenos significativa a distinção tradicional entre coo-peração bilateral e cooperação multilateral. A coope-ração portuguesa, tal como a de outros países doadores,tem de estar à altura dos desafios que isto coloca. Épor isso fundamental que sejam aprofundadas meto-dologias de trabalho bi-multi, fazendo relevar as van-tagens de colocar dentro de uma lógica comum os recur-sos despendidos por via bilateral e por via multilateral.Trata-se de encontrar maneiras de potenciar a coope-ração bilateral, colocando-a em parceria com esforçosmultilaterais, e de, ao mesmo tempo, assegurar que osesforços do âmbito bilateral sejam dirigidos de formacoordenada no sentido da convergência com as inter-venções de outros parceiros. O IPAD, enquanto inter-locutor simultâneo dos ministérios sectoriais e das agên-cias internacionais, terá um papel fundamental a desem-penhar neste processo.

Esta orientação poderá e deverá encontrar diversasformas de realização concreta. Entre elas, destacam-seduas das mais evidentes. A primeira reside no finan-ciamento directo de projectos multilaterais, no contextode intervenções em que se verifica uma mais-valia rele-vante desta forma de trabalhar. Portugal já financia estetipo de projectos, por exemplo com o PNUD, com aOIT e com a UNESCO, através do estabelecimento detrust funds ou outros mecanismos. A segunda reside naparticipação muito mais intensa nos processos de coor-denação internacional, tanto nos debates de orientaçãocomo na consequente canalização de verbas bilateraispara intervenções sectoriais ou temáticas acordadas noâmbito dessa coordenação. É de realçar que em doisdos países lusófonos — Timor-Leste e Moçambique —a coordenação internacional é muito intensa e que aparticipação portuguesa nessa coordenação deverá sermuito mais activa. Estes dois exemplos de mecanismosde trabalho bi-multi devem ser mais desenvolvidos, semprejuízo de outras metodologias com o mesmo objectivo.Regista-se também, nesta convergência entre o bilaterale o multilateral, a existência de múltiplas possibilidadesinteressantes no desenvolvimento de projectos partilha-dos com outros países individualmente ou em pequenosgrupos. Trata-se de uma prática já muito desenvolvidapor alguns países, que é uma consequência natural dasmudanças internacionais aqui retratadas.

As relações bi-multi de Portugal estão também reflec-tidas nos bancos multilaterais de desenvolvimento(BMD) através dos acordos de cooperação técnica quederam origem aos actuais trust funds bilaterais, que per-mitem às empresas de consultoria e aos consultores indi-viduais portugueses concorrerem a projectos de assis-tência técnica, promovidos pelos BMD nos países emdesenvolvimento, designadamente nos PALOP.

Em suma, é chegado o momento de uma participaçãomais empenhada e mais inteligente no sistema multi-lateral da cooperação para o desenvolvimento, na pros-secução dos valores fundamentais que norteiam a ajudapública ao desenvolvimento portuguesa e, mais ampla-mente, a política externa nacional.

6 — O apoio ao sector privado

Não há desenvolvimento sustentável sem iniciativaprivada, a qual, de resto, não exclui — nem nuncaexcluiu — o papel decisivo do Estado. A APD desem-penha um papel insubstituível em muitos países domundo, e nomeadamente nos países menos avançados,mas constitui um ponto assente que o bom funciona-

mento de uma economia de mercado é o objectivo maisimportante para a dinamização e modernização de eco-nomias com maiores dificuldades de integração econó-mica internacional. Uma economia de mercado eficientee equitativa requer, por sua vez, o desenvolvimento ea consolidação permanente de uma forte base institu-cional, e nomeadamente de um substrato legal, sociale económico, que cabe sobretudo ao Estado assegurar.Esta necessária conciliação entre Estado e mercado— que durante alguns anos eram considerados forçascontraditórias — representa hoje um consenso alargadonos estudos sobre o desenvolvimento, conforme podeser visto no relatório anual do Banco Mundial de 2002,dedicado a este tema.

Também em 2002, o Consenso de Monterrey chamoua atenção para a grande importância da melhoria doambiente de trabalho para a iniciativa privada em qual-quer estratégia para o desenvolvimento. Como não podehaver desenvolvimento sustentável sem o investimentoe o dinamismo do sector privado, uma estratégia parao desenvolvimento requer a criação de condições pro-pícias à actividade da iniciativa privada. A este respeito,importa sublinhar o papel primordial da boa governação,resumido sucintamente no Consenso de Monterrey:

«A boa governação é essencial para o desenvolvi-mento sustentável. Políticas económicas e instituiçõesdemocráticas sólidas, que respondem às necessidadesdas pessoas, bem como melhorias de infra-estruturas,constituem a base para o crescimento económico sus-tentado, a erradicação da pobreza e a criação deemprego.»

Conclui-se assim que há um papel de grande relevopara a APD na promoção de economias de mercado,e que esse papel é multifacetado, incluindo actividadestão diversas como o apoio ao funcionamento de umsistema jurídico fiável, a formação para o mercado detrabalho, o fornecimento de crédito concessional e ofomento de parcerias público-privadas, entre outras. Acooperação portuguesa está atenta a esta realidade eapoiará o desenvolvimento do sector privado e das eco-nomias de mercado nos países parceiros, associando-sedeste modo às grandes tendências internacionais nestedomínio.

As instituições fundamentais para o bom funciona-mento de economias de mercado — como sejam leisadequadas e um sistema judicial capaz de as fazer res-peitar — dependem em grande medida do Estado. Porexemplo, a matriz jurídica e judicial comum que Portugalpartilha com os países lusófonos constitui um patrimónioevidente para a cooperação portuguesa e uma área detrabalho imprescindível para o desenvolvimento econó-mico destes países. Ao mesmo tempo, em todos os paíseslusófonos as empresas portuguesas estão entre os maio-res investidores estrangeiros, constituindo-se assimcomo uma massa crítica importante para o desenvol-vimento económico do país.

A cooperação portuguesa apoiará a consolidação deeconomias de mercado nos países em que trabalha, tantoatravés do IPAD como através de uma nova instituiçãoa ser criada no âmbito do actual processo de reformada cooperação. O IPAD, vocacionado para a APD,actuará sobretudo no âmbito do apoio à criação de umambiente propício ao desenvolvimento de economiasde mercado, como sejam as áreas da justiça, da for-mação, do microcrédito e da assistência técnica, entre

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outras. Em todas estas áreas a cooperação portuguesadispõe de experiências e competências que podem trazerimportantes contributos para o desenvolvimento eco-nómico. Entre outras, devem ser aproveitadas e valo-rizadas as potencialidades presentes nas associaçõesempresariais e sindicais, competindo ao IPAD a mobi-lização deste património em prol do desenvolvimentodos países parceiros. Assim, o IPAD trabalhará noâmbito do conjunto de recomendações expressas noConsenso de Monterrey sob o capítulo II.A (vi).

Colmatando uma lacuna na arquitectura da coope-ração portuguesa desde a extinção da APAD em 2002,o Governo vai promover a criação de uma nova ins-tituição financeira, que tem por missão central promovera dinamização das economias beneficiárias da APD por-tuguesa, numa perspectiva de apoio ao desenvolvimentosustentável, em particular através do envolvimento deempresas portuguesas. Esta instituição visa sobretudocorresponder aos desafios enunciados no Consenso deMonterrey sob o capítulo II.B (vii).

Recorde-se que nesse documento, que representauma componente importante do consenso internacionalcontemporâneo sobre cooperação, há uma chamada deatenção para o papel fundamental do investimentodirecto externo, concluindo-se que é necessário criaras condições para tal investimento, tanto no plano nacio-nal como no plano internacional. Entre os mecanismosrecomendados está «a criação de instituições apropria-das nos países doadores para que possam aumentar oseu apoio ao investimento privado estrangeiro», enomeadamente instituições que possam fornecer créditode exportação, capital de risco e garantias de crédito.A criação de uma instituição portuguesa destinada aestes objectivos representará um acréscimo decisivo deoperacionalidade para a cooperação portuguesa.

Esta nova instituição, financiada maioritariamentepelo Estado mas com uma forte representação do sectorprivado entre os seus accionistas, poderá integrar a asso-ciação EDFI, assumindo-se nessa medida como parceirada Comissão Europeia e do Banco Europeu de Inves-timentos no contexto da Convenção de Cotonou. Terátambém um papel catalizador na conjugação de dife-rentes instrumentos financeiros já disponíveis — masdispersos e insuficientemente aproveitados — em Por-tugal e servirá como interlocutor útil para bancos dedesenvolvimento internacionais.

No quadro de uma coordenação nacional, que se querestratégica, haverá, sempre que necessário, uma arti-culação com o ICEP.

PARTE III

Quadro institucional da cooperação portuguesa

7 — O dispositivo da cooperação portuguesa

A política de ajuda pública ao desenvolvimento emPortugal tem-se caracterizado por uma grande dispersãoinstitucional, ao nível da formulação, execução e finan-ciamento das actividades, apesar dos esforços que desdeo final dos anos 90 se foram desenvolvendo no sentidode melhorar as formas de coordenação da ajuda. Paracolmatar este atraso, o dispositivo central da cooperaçãoserá dotado de responsabilidades claras relativamenteà coordenação e liderança dos esforços conjuntos nestaárea. Este dispositivo central trabalhará em estreita arti-culação com os ministérios sectoriais que desenvolvem

actividades de cooperação, nomeadamente através dainstitucionalização e implementação efectiva das reu-niões de coordenação interministerial. A coerência glo-bal da cooperação portuguesa passa também pela con-certação entre todos os agentes públicos e privados decooperação, e para esse efeito será também instituídoum fórum da cooperação para o desenvolvimento, cata-lizador de sinergias entre esses diversos actores e pro-motor de formas de complementaridade entre as diver-sas acções.

7.1 — Dispositivo central

Criado em Janeiro de 2003, o IPAD tem como prin-cipais funções a supervisão, direcção e coordenação daajuda pública ao desenvolvimento; o planeamento, pro-gramação, acompanhamento e avaliação dos programase projectos de cooperação, e o enquadramento ade-quado dos programas de cooperação e de ajuda públicaao desenvolvimento financiados e realizados por outrosorganismos do Estado e demais entidades públicas. Paraalém desta função de coordenação das actividades públi-cas, o IPAD concentra também a informação sobre pro-jectos de cooperação promovidos por entidades priva-das. A função de centralização e disseminação da infor-mação é fundamental para as funções de liderança,supervisão e coordenação que incumbem ao IPAD.Cabe ainda ao IPAD a função de financiar projectose acções de cooperação e de coordenar o planeamentofinanceiro de toda a cooperação portuguesa.

O exercício da superintendência e tutela sobre oIPAD atribui ao Ministério dos Negócios Estrangeirosa responsabilidade pela emanação das directivas sobreos objectivos a atingir nas políticas e nas prioridadesda cooperação portuguesa e sobre as estratégias a adop-tar nas mesmas. Compete ao IPAD operacionalizar estasinstruções, afectando e gerindo os recursos disponíveisem concordância.

Relativamente ao planeamento integrado da coope-ração, pretende-se progressivamente trabalhar no sen-tido de o assumir como um mecanismo, afastando aspráticas vigentes da tradicional súmula de numerosase diversas actividades de cooperação. A partir das orien-tações e dos objectivos gerais definidos ao nível inter-nacional e ao nível nacional, serão estabelecidas políticassectoriais coerentes e complementares, adaptadas tam-bém às necessidades efectivamente identificadas no ter-reno, e não simplesmente definidas com base na dis-ponibilidade de recursos ou de prioridades próprias dosagentes da cooperação.

A função central de coordenação do IPAD derivada necessidade de combater a dispersão de meios e adispersão de critérios políticos, bem como de melhorara racionalidade, eficiência e eficácia da ajuda, nomea-damente através da identificação das áreas em que hávantagens comparativas.

Ao nível operacional, trazem-se duas directivas essen-ciais à actuação do IPAD: eficácia na coordenação orien-tada para resultados e integração das actividades da coo-peração portuguesa de forma a tornar visível uma lógicade conjunto coerente. Essa visibilidade trará vantagensnão só ao nível da capacidade de negociação com inter-locutores externos bilaterais e multilaterais como temtambém repercussões ao nível interno, mobilizando aopinião pública e envolvendo mais activamente a própriasociedade civil.

Políticas mais coordenadas, com distribuição clara deresponsabilidades, permitem ainda um maior compro-

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misso ao nível político pela evolução das estratégias defi-nidas, e ainda a identificação de eventuais problemascom os métodos utilizados na prática, permitindo incor-porar a experiência anterior na correcção ou prevençãode novos erros. Daí que seja fundamental desenvolverformas de avaliação do IPAD. A avaliação do IPADdeverá incidir não só sobre programas e projectos emcurso mas também sobre a eficácia da sua acção coor-denadora dos diferentes sectores.

O objectivo da coerência da política externa portu-guesa, designadamente no que toca à componente dacooperação para o desenvolvimento, reflecte-se aindana possibilidade, definida em 1999, de haver delegaçõespara a cooperação compostas por pessoal especializadopara exercer funções na área da cooperação, nomea-damente junto das representações diplomáticas portu-guesas (viii). Pretendia-se com esta possibilidade fazera devida articulação entre as actividades no terreno eo IPAD bem como as outras entidades sectoriais, nãogovernamentais, empresas e municípios, entre outras.Por outro lado, tal presença permite o devido acom-panhamento no terreno da evolução da execução dosprojectos financiados pela cooperação portuguesa.Importa dar continuidade a esta intenção, regulamen-tando o referido decreto-lei e implementando estas deci-sões sempre que isso se afigure necessário.

Reconhece-se que uma dimensão essencial do papelde coordenação do IPAD consiste na articulação dascomponentes bilateral e multilateral da cooperação por-tuguesa. Embora se espere que os ministérios sectoriaisdesenvolvam eles próprios, quando relevante, uma capa-cidade de se relacionarem com o nível multilateral, oIPAD, pela sua centralidade na cooperação e distribui-ção da APD, constitui uma preciosa fonte de contactoe informação que muito pode melhorar a acção dosoutros agentes na cooperação. Esta relação impõe-senão só no sentido de maximizar a utilização das con-tribuições para entidades multilaterais de acordo comas nossas prioridades mas também no sentido de seencontrarem financiamentos para acções em conjuntoe parceria com essas entidades.

É precisamente pela natureza pluridisciplinar da coo-peração portuguesa que se afigura necessário mantero equilíbrio entre a vertente central e a vertente sectorialda cooperação e encontrar formas de sustentar esseequilíbrio mantendo a riqueza da diversidade e poten-ciando os retornos que se podem gerar a partir daunidade.

7.2 — Ministérios sectoriais

Sendo a coordenação da cooperação portuguesa umadas actividades primordiais do IPAD, torna-se funda-mental considerar a importante articulação da acçãodesta instituição com a acção dos ministérios sectoriaisque nesta área têm interesses específicos. São essasdiversas actividades sectoriais que devem ser enquadra-das de forma coerente numa política estrategicamenteorientada, com objectivos partilhados e actividades com-plementares, quer nas acções bilaterais quer nas acçõesao nível multilateral.

Cumpre definir três eixos centrais na acção de coor-denação do IPAD em relação ao trabalho dos minis-térios: a definição de estratégias; a importância dasmetas transversais, e a sustentabilidade e apropriaçãodas iniciativas pelos parceiros.

Haverá naturalmente uma maior ênfase na coorde-nação nos sectores definidos como prioritários para a

cooperação. É fundamental reconhecer os objectivosestratégicos sectoriais e incorporar essas consideraçõesnas lógicas de trabalho sectorial. O papel do IPADdesempenha-se tanto na identificação e delineação dossectores prioritários como no apoio aos agentes da coo-peração por forma que as intervenções específicas sejamconsentâneas com os objectivos de fundo. É, pois, essen-cial que haja uma troca adequada de informação e pers-pectivas, desde a programação até à execução.

Importa também realçar o trabalho de coordenaçãoao nível das metas transversais já anteriormente defi-nidas, como o respeito pelos direitos humanos, a trans-parência na governação e a co-responsabilização dasentidades locais. Também a adopção de uma lógicacomum de sustentabilidade e capacitação dos benefi-ciários para se apropriarem dos projectos implemen-tados constitui um dos aspectos em que se pretendea conjugação, no plano sectorial, entre o IPAD e osexecutores no terreno.

7.3 — Coordenação interministerial e coerência da cooperação

A Comissão Interministerial para a Cooperação(CIC) foi criada por Decreto-Lei n.o 175/85, de 22 deMaio, tendo sido objecto de sucessivas reformulações(ix), com o objectivo explícito de reforçar o papel decoordenação de toda a política nacional de cooperaçãopelo Ministério dos Negócios Estrangeiros, em articu-lação com os restantes ministérios e organizações públi-cas e privadas envolvidas. O grande objectivo destaComissão é o de assegurar direcção e controlo político,entendendo-se que a consistência das políticas constituicondição de eficácia da acção. Nela estão representadostodos os ministérios sectoriais com interesse na áreada cooperação, sendo a reunião presidida pelo membrodo Governo responsável por essa área ou pelo presidentedo IPAD, por delegação. Embora esteja estipulado quereúne duas vezes por ano em plenário, a CIC pode reunirextraordinariamente sempre que convocada.

A CIC tem por missão acompanhar com uma regu-laridade mensal o planeamento e a execução da políticade cooperação para o desenvolvimento. Além das ques-tões de carácter geral, debatem-se neste órgão a coo-peração sectorial e a cooperação global com cada umdos países parceiros. Perdeu-se nos últimos anos o hábitode reunir com regularidade a CIC. Contudo, esta cons-titui um fórum relevante de concertação interministeriale de intercâmbio de informação, pelo que deve reunircom toda a regularidade.

Conselho de Ministros para os assuntos da cooperação

A discussão da cooperação para o desenvolvimentono plano político é fundamental para o aprofundamentode um consenso nacional relativamente à definição eexecução das grandes linhas de orientação neste domí-nio. A presença neste alto órgão do Estado de todosos ministros permite promover não só a coordenaçãoe complementaridade das intervenções sectoriais mastambém assegurar a coerência da política de cooperaçãocom outras políticas nacionais que afectam o desen-volvimento dos países aos quais se dirige.

Assim, duas vezes por ano, o Conselho de Ministrosdeverá debater temas de fundo relacionados com a coo-peração, como sejam o orçamento integrado da coo-peração, os planos trienais assinados com países par-ceiros e o balanço de actividades e experiências.

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7.4 — Cooperação descentralizada

O conceito de cooperação descentralizada foi intro-duzido, como proposta da UE, em 1989, na IV Con-venção de Lomé, reflectindo uma nova orientação dopapel do Estado, da participação e protagonismo dosbeneficiários e um maior apoio ao envolvimento dasociedade civil no desenvolvimento. Os desafios da glo-balização e do combate à pobreza têm conseguido apro-ximar diferentes actores, e as parcerias público-privadassão, cada vez mais, uma realidade.

O aparecimento da cooperação descentralizada surge,portanto, em resposta às novas dinâmicas da sociedade.A descentralização e a democratização são processosque se encontram em implementação em muitos paísesdesenvolvidos e em desenvolvimento, o que tem impli-cado a emergência de novos actores, descentralizados,representativos da sociedade civil.

É importante destacar duas componentes principais:a) a existência de um novo espaço de cooperação paraos agentes locais das sociedades em desenvolvimento,a que se reconhece um maior protagonismo e respon-sabilidade na cooperação; b) a redefinição das acçõesdos actores dos países doadores no sentido de impul-sionarem e fomentarem a participação dos actoreslocais. Neste sentido, a cooperação descentralizada con-tribui para o reforço do tecido da sociedade civil, masreconhece também como actores de cooperação osórgãos descentralizados da Administração Pública.

Assim, a cooperação descentralizada implica:

A participação activa dos diversos agentes em todasas fases do processo, considerando-os respon-sáveis pelo seu próprio desenvolvimento;

A concertação e complementaridade entre os diver-sos actores, potenciando abordagens e projectosintegrados através do desenvolvimento de par-cerias público-privadas;

Uma gestão de recursos descentralizada, que exi-girá a adaptação das habituais estruturas e mode-los de cooperação;

Uma abordagem que tem em consideração o pro-cesso de desenvolvimento, promovendo a apro-priação local e encarando tal processo como umobjectivo em si mesmo e como meio importantepara a avaliação de resultados;

A prioridade à capacitação institucional para odesenvolvimento nas acções de cooperação aimplementar, no sentido de incentivar a auto-nomia e a sustentabilidade das dinâmicas locais.Trata-se, portanto, de um novo enfoque da coo-peração caracterizado pela descentralização deiniciativas.

Câmaras municipais e associações de municípios

A cooperação intermunicipal constitui uma dasmelhores formas conhecidas de cooperação descentra-lizada. Estabelece-se através de laços de parceria entremunicípios dos países desenvolvidos e dos países emdesenvolvimento, mediante uma relação de igualdadee reciprocidade. Existem vários exemplos de cooperaçãointermunicipal: os protocolos (para realização de pro-jectos específicos ou para assessorias técnicas), as gemi-nações (acordos que visam trocar conhecimentos e con-cretizar actividades, projectos ou programas, com umaperspectiva mais de médio e longo prazos) e, num nívelmais avançado, as redes (para promover a troca de expe-riências). As câmaras municipais e as associações de

municípios desempenham um papel muito importantena capacitação de organismos similares nos países emdesenvolvimento e na elaboração das políticas públicasda administração local, contribuindo para a consolidaçãodo Estado e demais entidades públicas nesses países.Há, portanto, que potenciar este conhecimento técnicoincentivando o desenvolvimento de projectos integradosde cooperação, que envolvam parceiros nacionais elocais. A execução de projectos de média e longa dura-ção e a implementação de acções que impliquem umaaposta no processo de desenvolvimento das populaçõese das regiões conferirão sustentabilidade e credibilidadeà cooperação descentralizada portuguesa.

Desta forma, devem ser criados mecanismos queenquadrem este tipo de actividades de cooperação, paraque, através de critérios claros de elegibilidade, seapoiem as parcerias entre as câmaras municipais e outrosactores de cooperação, como organização não gover-namental para o desenvolvimento (ONGD), para a con-cretização de projectos que, inserindo-se nas prioridadesda cooperação portuguesa, constituam também umamais-valia credível para o desenvolvimento dos paísescom os quais cooperamos. Este mecanismo servirá igual-mente para encorajar as boas práticas na cooperaçãointermunicipal, excluindo-se o financiamento para acti-vidades menos justificáveis à luz dos conhecimentos quehoje temos sobre o contributo da cooperação interna-cional para o desenvolvimento.

7.5 — Fórum de cooperação para o desenvolvimento

A função principal do fórum de cooperação para odesenvolvimento é a de desenvolver, entre os diversosactores que não pertencem à administração central doEstado, mecanismos de reconhecimento, conhecimentoe coordenação entre eles e com a instituição coorde-nadora da cooperação portuguesa, o IPAD.

Constitui-se como um fórum de coordenação coma sociedade civil e com a administração local, devendoabranger organizações que desenvolvam, comprovada-mente e de forma regular, acções de educação e coo-peração para o desenvolvimento. Entre estas organi-zações encontram-se a Plataforma das ONGD, a Asso-ciação Nacional de Municípios, o ICEP e as empresasque partilham dos princípios e actuam no âmbito daresponsabilidade social, as fundações, associaçõesempresariais e sindicais e outras. A complementaridadee a coordenação de acções no seio da sociedade civile destas com o IPAD potenciarão a coerência e a eficáciada política de cooperação portuguesa.

Desta interacção, que se deseja que ganhe uma dinâ-mica própria, poderão surgir projectos comuns, actua-ções em parceria e propostas e pareceres sobre as polí-ticas públicas da cooperação portuguesa, à semelhançado que acontece em outros países europeus. O fórumtem também condições para vir a constituir-se comoum espaço privilegiado para se desenvolverem meca-nismos de consulta pública sobre assuntos relacionadoscom a cooperação para o desenvolvimento. Sentiu-sea falta, no passado, de mecanismos de envolvimentoe diálogo entre o Estado e a sociedade civil na áreada cooperação, uma lacuna que se pretende agora supe-rar com a criação deste fórum.

8 — A cooperação portuguesa e a sociedade civil

A sociedade civil portuguesa contém um conjuntomúltiplo, variado e muito rico de actores que realizam

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actividades ou projectos de cooperação. Este facto cons-titui uma mais-valia importante, conferindo diversidade,na forma e no conteúdo, às acções empreendidas e per-mitindo que os conhecimentos e intervenções se desen-volvam de modo cada vez mais especializado.

Reconhece-se a mais-valia da sociedade civil,enquanto conjunto de associações, empresas e impulsosde natureza não governamental, independente e autó-noma, que constituem um espaço privilegiado para oexercício de uma cidadania activa e responsável. Toda-via, esta riqueza obriga a um esforço ainda mais exigenteem matéria de coordenação, coerência e coesão de polí-ticas, bem como a uma maior definição de mecanismose de instrumentos que traduzam de forma clara as estra-tégias e prioridades das políticas públicas da cooperaçãoportuguesa. Isso em nada deverá coarctar a liberdadede iniciativa, a criatividade e a energia própria da socie-dade civil.

Importa também melhorar os mecanismos de incen-tivo, até hoje muito parcos, para que a sociedade civilpossa ser mais activa em iniciativas de cooperação.Assim, no âmbito dos incentivos fiscais ao mecenato,a cooperação para o desenvolvimento e a ajuda huma-nitária passarão a beneficiar de condições mais favo-ráveis, reconhecendo-se desta forma o interesse públicona generosidade dos mecenas.

8.1 — Construir parcerias e desenvolver projectos de qualidade

Coordenação

É, assim, necessário desenvolver uma complementa-ridade efectiva entre actores da sociedade civil e destescom o Estado. Os actores de cooperação da sociedadecivil portuguesa têm uma responsabilidade importanteno planeamento, execução e avaliação das acções decooperação que Portugal desenvolve. É, portanto,importante que todos partilhem, com responsabilidadee sentido crítico, os sucessos e insucessos da cooperaçãoportuguesa.

A construção de parcerias de sucesso, que queremose temos de saber incentivar, assenta em três vertentesfundamentais:

Em primeiro lugar, o conhecimento — o conheci-mento mútuo entre as instituições permite a acei-tação e compreensão da missão, do trabalho eda filosofia que caracteriza cada uma delas;

O segundo aspecto, que deriva do primeiro, é oda confiança mútua — desde que os seus objec-tivos e a sua forma de trabalhar sejam conso-nantes com os princípios orientadores e as estra-tégias da cooperação portuguesa, confiamos emque cada organização pode complementar assuas especificidades no quadro de uma relaçãode parceria entre instituições da sociedade civile o Estado;

E o terceiro ponto — o enfoque sobre os resultados,pois a relação de parceria permite o desenvol-vimento e a aplicação de projectos mais sofis-ticados e deve contribuir para uma aprendizagemmútua que permita optimizar e avaliar resul-tados.

O Governo Português considera de extrema impor-tância a existência de parcerias que permitam opera-cionalizar com maior qualidade e credibilidade os pro-jectos e programas de cooperação para o desenvolvi-mento. É neste âmbito que se enquadra o conceito de

cluster, que é desenvolvido no capítulo seguinte. Estemecanismo contribuirá certamente para uma coorde-nação real e efectiva entre os vários actores na imple-mentação de projectos e programas de cooperação.

A coordenação entre actores e entre parceiros públi-cos e privados traduz-se, assim, na criação de sinergiasem duas vertentes fundamentais: ao nível do capitalhumano e em termos da maximização dos recursos finan-ceiros disponíveis no quadro nacional, europeu e inter-nacional. O desenvolvimento de parcerias sólidas con-tribuirá para melhorar quer a eficácia quer a eficiênciada cooperação portuguesa.

Uma política de desenvolvimento de parcerias encon-tra diversas exigências que o Ministério dos NegóciosEstrangeiros, prioritariamente através do IPAD, terá emconta na sua programação e nas suas actividades:

É necessária uma coerência, aquando da definiçãode programas, projectos ou parcerias, entreobjectivos e prioridades nacionais, o enquadra-mento nacional dos países e as tendências e deba-tes internacionais. A eficácia das acções decorreda conjugação destes factores;

Os instrumentos desenvolvidos para o apoio àsociedade civil e às parcerias devem reflectir asprioridades e as estratégias centrais da coope-ração portuguesa;

Contudo, só a aposta em programas e projectosde qualidade permitirá credibilizar a cooperaçãoportuguesa e, consequentemente, reforçar aposição internacional portuguesa neste domínio.Não basta para tal corresponder às prioridadespolíticas, é necessário também que os projectos,pela sua inovação e sustentabilidade, confiramà cooperação portuguesa uma imagem de qua-lidade, muitas vezes contrária à dispersão deacções que tem sido tradicional;

É também importante que a aposta na qualidadetraduza o respeito pelos princípios da ética eda transparência. A opinião pública nacional einternacional tem sido muito crítica perante afraca actuação da ajuda pública na resolução dosproblemas dos países em desenvolvimento. Oenvolvimento das instituições da sociedade civil,sendo um passo importante para a eficiência dasacções de cooperação, exige, no entanto, queestas se comprometam com uma noção de res-ponsabilidade social, agindo em conformidadecom códigos de ética e transparência interna-cionais.

Este novo tipo de abordagem, face à riqueza e diver-sidade da sociedade civil, na tentativa de tirar partidodas suas potencialidades para a cooperação para odesenvolvimento, exigirá alguns ajustamentos no quadrolegal e nos mecanismos disponíveis. Desde logo, exige-seum enquadramento legal mais claro para as acções demecenato que pretendam apoiar actividades de coope-ração para o desenvolvimento ou ajuda humanitária ede emergência. É também importante rever o estatutodo cooperante, agilizando e clarificando os seus pro-cedimentos por forma a corresponder às exigências deexecução dos projectos de cooperação para o desen-volvimento por parte de actores muito diversos. Tor-na-se ainda premente contribuir para reforçar as dinâ-micas espontâneas da sociedade civil, nomeadamenteapoiando, através de instrumentos e mecanismos legais,a criação de um voluntariado para a cooperação, jovem

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e sénior, enquadrando aqueles que de forma voluntáriapretendem contribuir com o seu conhecimento e expe-riência para o fortalecimento da cooperação portuguesa.Na verdade, o capital humano em Portugal representaum recurso muito importante para a cooperação, e esteassunto será objecto de aprofundamento no capítuloseguinte. Importa aqui referir, como componente indis-pensável para a consolidação das parcerias com a socie-dade civil, outro mecanismo que será discutido no capí-tulo seguinte: o reforço dos mecanismos de avaliaçãoque permitam melhorar a qualidade da cooperação por-tuguesa, melhorando resultados e impactes.

8.2 — Actores da sociedade civil

8.2.1 — Organizações não governamentaispara o desenvolvimento

As ONGD são associações da sociedade civil, dedireito privado e fim não lucrativo, criadas expressa-mente com o propósito de trabalhar no âmbito da coo-peração para o desenvolvimento. A relação institucionalentre o Estado Português e as ONGD é recente. Sóem 1994 se aprovou a primeira lei que definia o estatutodas ONGD, reconhecendo a sua qualidade de parceirosda cooperação oficial portuguesa e, portanto, conside-rando-as passíveis de subvenção financeira por partedo Estado Português. O passado recente caracteriza-se,no entanto, por uma ausência de mecanismos de diálogoe de coordenação, quando não mesmo pela desconfiançaactiva e o conflito aberto entre o Estado e as ONGD.Tal abordagem, já corrigida, fragilizou a capacidade ope-racional e a imagem nacional e internacional da coo-peração portuguesa, sendo sobretudo importante apren-der a partir dessa experiência negativa, e não voltara cometer os mesmos erros.

Para reforçar a qualidade da parceria entre o Estadoe estas organizações da sociedade civil, importa revera Lei n.o 66/98, de 14 de Outubro, que regula o estatutodas ONGD. Por outro lado, há que consolidar os meca-nismos de co-financiamento às ONGD para que os mes-mos abranjam as várias áreas de actuação. O apoio finan-ceiro às ONGD deve acatar as prioridades da coope-ração portuguesa e ter por base o respeito pelos prin-cípios e valores internacionais que partilhamos. Devemportanto ser criados mecanismos de financiamento eprocedimentos claros, perspectivando-se o aumento dapercentagem da APD para projectos de ONGD, porforma a começar um processo de aproximação à médiaeuropeia, neste domínio.

Existem duas dimensões específicas de actuação quese complementam e para as quais serão desenvolvidosmecanismos apropriados: uma componente nacional,onde se enquadra a «educação para o desenvolvimento»(ED), e uma dimensão internacional, que abrange quera cooperação para o desenvolvimento quer a ajuda deemergência e humanitária.

A «educação para o desenvolvimento»

A ED constitui um processo educativo constante quefavorece as inter-relações sociais, culturais, políticas eeconómicas entre o Norte e o Sul e que promove valorese atitudes de solidariedade e justiça que devem carac-terizar uma cidadania global responsável. Consiste, emsi mesma, num processo activo de aprendizagem quepretende sensibilizar e mobilizar a sociedade para asprioridades do desenvolvimento humano sustentável.Trata-se de um instrumento fundamental para a criação

de uma base de entendimento e de apoio junto da opi-nião pública mundial, e também da portuguesa, paraas questões da cooperação para o desenvolvimento.

Embora a ED não se restrinja à educação formal,é importante que esta seja incorporada progressiva-mente nos curricula escolares, à semelhança do queacontece com outros países europeus, para que a edu-cação formal reflicta e contribua para a criação de cida-dãos atentos, exigentes e participativos na vida e nasolidariedade globais. A coordenação com o Ministérioda Educação nesta matéria é fundamental.

Por outro lado, as temáticas de ED não se confinamsó a matérias de carácter internacional, antes potenciamsoluções e respostas para questões transversais da nossasociedade, como sejam a do respeito pela multicultu-ralidade; as questões da imigração e da inclusão social;a luta contra a pobreza; as campanhas de educação paraa saúde e as de sensibilização ambiental; a questão daresponsabilidade social empresarial, do consumo sus-tentável e do comércio justo, e a responsabilidade socialdos media.

No âmbito da ajuda humanitária

O elevado número e a crescente complexidade dassituações de conflito e de crise humanitária fazem surgira emergência, a ajuda humanitária, a reabilitação e areconstrução como áreas importantes de actuação dasONGD e de outras instâncias da sociedade civil. Surgemaqui novas áreas de especialização: a prevenção, gestãoe resolução de conflitos, a diplomacia preventiva, a rea-bilitação de pós-conflito e os processos de reconciliação,os refugiados e as migrações, entre outras. Os princípiosda humanidade, da independência, da imparcialidade,da universalidade e da neutralidade estão claramentetraduzidos nas Convenções de Genebra. O princípio datransparência e o respeito pelos códigos de ética daintervenção humanitária devem ser transversais a todasas acções de ajuda, evitando-se a instrumentalização damesma. A acção das ONGD nesta área deve tambémpautar-se pelo respeito pelos direitos humanos e pelodireito internacional, articulando-se, sempre que pos-sível, com as autoridades locais existentes no terreno.Neste contexto, haverá uma maior clarificação em ter-mos dos financiamentos possíveis, nomeadamentecriando uma linha específica de financiamento noâmbito do IPAD, suficientemente dinâmica para res-ponder às necessidades da ajuda humanitária.

8.2.2 — Outras organizações da sociedade civil

Existe actualmente uma diversidade de organizaçõesda sociedade civil que desenvolvem e contribuem paraa cooperação para o desenvolvimento, muito emboratenham como principais fins estatutários outros objec-tivos. Entre estas, inserem-se as fundações, as associa-ções empresariais e sindicais, as universidades e os cen-tros de investigação, as associações de comércio justo,as associações de desenvolvimento local, as associaçõesde imigrantes, etc. Assim, a cooperação portuguesaestará atenta a esta multiplicidade de actores e poten-ciará as mais-valias de cada uma dessas organizações,através da criação de mecanismos apropriados e dodesenvolvimento de parcerias criativas e inovadoras.

Dada a importância, já referida, do sector privadopara o desenvolvimento, é natural que as empresas eas associações empresariais devam ser consideradas par-ceiras relevantes para a cooperação portuguesa. Na ver-

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dade, a promoção do crescimento económico sustentáveldos países em desenvolvimento é por todos assumidacomo uma condição indispensável para a redução dapobreza. O desenvolvimento do sector privado é, emregra, reconhecido como o motor do progresso dospaíses em desenvolvimento.

As empresas portuguesas, também em parceria comdiferentes organizações ou instituições públicas, podemparticipar, entre outras, em acções de formação, deapoio à criação de infra-estruturas sociais, de apropria-ção de tecnologia e de assistência técnica, de capacitaçãoem áreas de gestão e financeiras, bem como em diversasáreas de legislação laboral, ou de incentivo à criaçãode movimentos associativos congéneres, potenciandodesta forma a criação de emprego e de riqueza nospaíses em desenvolvimento. Na realidade, as parceriaspúblico-privadas, pela sua abrangência multifacetada,podem contribuir para uma maior eficácia na execuçãodos projectos de cooperação para o desenvolvimento.

Por outro lado, as empresas e as associações empre-sariais, ao desenvolverem boas práticas de responsabi-lidade social, que englobam, entre outras, o respeitopelos direitos humanos e pelas questões do ambiente,contribuem também para sensibilizar toda a cadeia deprodução, desde os fornecedores aos accionistas, paraa necessidade de, em países desenvolvidos ou em desen-volvimento, executarem boas práticas de governaçãoempresarial que originem padrões de consumo e de pro-dução sustentáveis.

Em Portugal, ao contrário daquilo que acontece emoutros países europeus, os sindicatos e as associaçõesprofissionais nem sempre têm sido considerados comoparceiros tradicionais da cooperação portuguesa. Con-tudo, eles têm um papel importante a desempenhar,por exemplo, em matéria de defesa e promoção dosdireitos laborais, condição para a realização dos direitoseconómicos, sociais e culturais. Mas também em outrosâmbitos, como sejam a assistência técnica e a formaçãoprofissional; programas nas áreas da segurança e higieneno trabalho; promoção da igualdade de género; apoioà articulação de redes sindicais regionais e internacio-nais, promovendo a participação desses países nos forade decisão internacional; participação em acções de edu-cação para o desenvolvimento junto dos seus associadosem Portugal, etc. São, portanto, agentes importantesna promoção da democracia e do Estado de direito eda redução da pobreza, sendo consequentemente par-ceiros naturais da cooperação portuguesa.

As universidades portuguesas constituem-se comopólos de saber especializado, sendo nessa medida par-ceiros relevantes para a cooperação portuguesa. A suaactuação é centrada em cinco vertentes fundamentais:

Formação superior especializada (licenciaturas,mestrados, pós-graduações, doutoramentos, pós--doutoramentos, bem como cursos de especia-lização), o que contribui para a criação de conhe-cimento em Portugal e nos países em desenvol-vimento, nomeadamente através do acompanha-mento do estudante bolseiro da cooperação por-tuguesa, da formação de profissionais em diver-sas áreas e da formação de formadores;

Criação de saber em matérias de cooperação parao desenvolvimento (investigação sobre questõesrelacionadas com os estudos para o desenvol-vimento) — a investigação deve contribuir parao conhecimento das realidades e para que se

encontrem estratégias comuns e soluções técni-cas e indicativas para os problemas dos países;

Criação e capacitação das universidades ou estru-turas similares de formação nos países parcei-ros — esta importante função requer uma abor-dagem cuidada, por forma que as intervençõescorrespondam aos objectivos e se assumam cla-ramente como projectos de cooperação para odesenvolvimento;

Espaço de debate sobre os princípios e as meto-dologias da cooperação para o desenvolvimento;

Agentes de cooperação para o desenvolvimento,concebendo e implementando os seus própriosprojectos; assessorias técnicas na implementaçãode projectos de cooperação para o desenvolvi-mento, cooperando com outras instituições parao efeito.

A cooperação portuguesa tem apoiado o desenvol-vimento de programas de cooperação interuniversitáriaque visam a capacitação e a criação de conhecimentoespecializado nos países em desenvolvimento, com espe-cial incidência nos PALOP. No sentido de tornar estesapoios mais eficazes, o tipo de acções actualmente emcurso será avaliado no sentido de rever quer a políticade bolsas em vigor quer o modelo de apoio às uni-versidades portuguesas que pretendam desenvolveracções de cooperação. O apoio financeiro às acções decooperação das universidades portuguesas deve traduziruma visão integrada das políticas públicas da cooperaçãoportuguesa e contribuir efectivamente para a capaci-tação e apropriação de conhecimentos nos países emdesenvolvimento.

As associações de imigrantes são outro actor frequen-temente esquecido neste enquadramento. Contudo, tra-ta-se de agentes que em muitos casos desenvolvem pro-jectos de cooperação para o desenvolvimento com osseus países de origem e que devem ser enquadradosem estratégias de coordenação. As associações de imi-grantes, em particular as dos PALOP, são agentes quepromovem a capacitação e promoção económica nosseus países de origem.

A cooperação portuguesa desempenhará um papelde facilitador junto da sociedade civil. Serão, pois, desen-volvidos mecanismos e linhas de financiamento que per-mitam operacionalizar, de acordo com as estratégias eas prioridades apresentadas neste documento, e comclareza e eficácia, parcerias integradas que potenciema implementação de projectos sustentáveis.

9 — Mecanismos da cooperação portuguesa

9.1 — Negociação com parceiros e programação plurianual

A relação entre a identificação dos projectos e a pro-gramação e negociação dos mesmos tem evoluído aolongo dos tempos, podendo aqui falar-se de uma dis-tinção entre a programação de primeira geração e aprogramação de segunda geração, na qual se estabeleciaum corte decisivo entre a programação e a execução.O raciocínio é simples: a forma tradicional de programara cooperação portuguesa (programas de primeira gera-ção) consistia em procurar dar alguma ordem ao con-junto de iniciativas que cada serviço da AdministraçãoPública anunciava querer levar a cabo. Como cada ser-viço tem grande autonomia em matéria de programação,resultaram inevitavelmente duas consequências: a pri-meira é que não era possível que as actividades tivessem

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uma coerência global, porque não havia prioridades nempodia haver afectação de recursos de acordo com prio-ridades; a segunda é que os recursos tinham tendênciaa ser consumidos por quem programava o seu uso, ouseja, os próprios serviços. A esta forma de trabalharcorrespondia a ideia de uma cooperação baseada naoferta.

A programação de segunda geração, que surge a partirde 2001 e que requer agora um novo dinamismo, contémtrês passos distintos: primeiro, uma identificação políticadas áreas prioritárias por via do contacto entre os res-ponsáveis políticos pela cooperação em cada país;segundo, um trabalho de programação técnica efectuadopelo IPAD, com recurso a consultores especializadosnos sectores em que isso se justifique; terceiro, já numafase de elaboração de projectos, o trabalho com os exe-cutores competentes, sejam do sector público sejam dosector privado, para corresponder ao estabelecido nasprimeiras duas fases. A esta forma de trabalhar cor-responde a ideia de uma cooperação baseada na procura.

9.2 — Orçamentação plurianual e eficiência

A existência de um orçamento integrado para a coo-peração, há muito identificado como um passo funda-mental para as necessárias reformas no sentido da efi-ciência e da racionalidade, não é ainda uma realidadeplena, apesar dos progressos registados na contabilidadeorçamental, nomeadamente com o desenvolvimento deprogramas plurianuais.

Por outro lado, a orçamentação numa base plurianualé um instrumento essencial para a introdução de umamaior previsibilidade na programação da cooperaçãoportuguesa e para a adequação às prioridades geográ-ficas e sectoriais definidas.

Neste sentido, e em sede de Orçamento do Estado,deverá ser reforçada a plurianualidade do ProgramaOrçamental de Cooperação, tendo em conta a necessáriacompatibilização com os compromissos plurianuaisdecorrentes dos programas de cooperação acordadoscom os países parceiros e com os actores da cooperaçãoportuguesa.

Este esforço traduzir-se-á, igualmente, no estabele-cimento de metas de desempenho quantificáveis, a atin-gir durante o período de implementação, na indicaçãode modalidades de implementação e na distribuição detarefas. Tal programação poderá também contribuirpara o objectivo que se pretende de simplificação dosprocessos administrativos, de clarificação dos níveis dedecisão e responsabilização, bem como da clarificaçãodas formas de coordenação e comunicação. Mais umavez, neste contexto, o IPAD desempenhará um papelcentral na definição e implementação destas metas.

9.3 — Gestão por resultados e normalização de procedimentos

Progressivamente, e seguindo as boas práticas inter-nacionais, deverá ser implementada uma abordagemcentrada nos resultados. Isto é, o enfoque central deverátransitar das afectações de recursos para os resultadospráticos obtidos. Assim, a utilização total dos fundosdisponíveis e o progresso na taxa de execução dos pro-jectos e programas, embora importante, é, por si só,insuficiente. Há que demonstrar que estas actividadestiveram um valor acrescentado real e um impacte posi-tivo nas populações beneficiárias. Esta nova metodo-logia tem vindo a ser progressivamente difundida àmedida que os montantes destinados à cooperação com

os países terceiros aumentam, impondo a necessidadede justificar perante a opinião pública dos países doa-dores a relevância e eficácia dos programas implemen-tados. Para que esta abordagem tenha significado, énecessário definir indicadores susceptíveis de medir oimpacte, evitando contudo os riscos associados a umexcesso de quantificação que pode levar a menosprezaractividades como a protecção e o respeito pela dignidadehumana, dificilmente mensuráveis.

A implementação desta abordagem obrigará à defi-nição de normas e manuais de procedimento para asvárias etapas das actividades de cooperação, desde aprogramação à execução, ao acompanhamento e à ava-liação, devendo esta normalização corresponder aosprincípios orientadores da cooperação portuguesa atrásdefinidos e, em especial, aos da eficácia, de harmoni-zação e de alinhamento.9.4 — Apoio a projectos, apoio a programas, apoio ao orçamento

As grandes linhas de orientação e prioridades estra-tégicas da cooperação portuguesa serão implementadasatravés de medidas concretas como o apoio a projectos,a programas e ao orçamento dos países parceiros.

A — O apoio a projectos destina-se a suportar con-juntos de actividades orientadas para um objectivo espe-cífico. Esse financiamento não é suportado inteiramentepela ajuda pública, podendo ter origens diferentes, desdeque o objectivo a atingir e os métodos a desenvolversejam partilhados pelas entidades interessadas. Os pro-jectos têm uma componente técnica muito importante,que deverá ser devidamente articulada com os objectivosgerais que se pretendem atingir com as iniciativas decooperação. Um elemento-chave dos projectos é a aná-lise da sua viabilidade/sustentabilidade, tendo em contao contexto mais alargado de prioridades da cooperação.Outro elemento igualmente importante é a efectiva res-posta às necessidades identificadas no terreno. Emboraos projectos tenham necessariamente uma duração limi-tada no tempo e uma abrangência definida a priori,entende-se que eles devem integrar-se de forma coe-rente com outros projectos em programas mais globais,orientados por uma estratégia geral, clara e definida.Por outro lado, deverá existir uma atenção constanteàs diversas fases do ciclo do projecto e ao devido envol-vimento/responsabilização das partes interessadas nes-sas fases.

B — Os programas funcionam como mecanismos deatracção de iniciativas e sinergias para áreas prioritáriassectoriais ou áreas de interesse regional e derivam daorientação estratégica definida pela política de coope-ração para o desenvolvimento. Estes programas deverãoter em atenção o alinhamento com as estratégias con-tidas nos planos nacionais de desenvolvimento dos paísesparceiros bem como as necessidades de articulação ecoordenação entre as prioridades sectoriais de coope-ração dos diferentes ministérios e ainda a complemen-taridade das acções a desenvolver com as que estãoa ser implementadas por outros doadores ou agentesde desenvolvimento. Sendo de dimensão variável, osprogramas deverão considerar as necessidades quer deprevisibilidade quer de flexibilidade, sendo importanteuma abordagem que contemple a amplitude geral doprograma e das acções que dele decorrerão ao longoda sua duração prevista, num plano geral, depois con-cretizada em documentos mais específicos actualizadose adaptados à evolução da situação no terreno.

C — O apoio directo ao orçamento dos países bene-ficiários constitui um complemento das outras formas

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de apoio já referidas (a ajuda financeira, a assistênciatécnica e os fundos globais). Trata-se de uma formade apoio que produz benefícios a longo prazo, em termosde desenvolvimento sustentável, baseado na capacitaçãoinstitucional e no envolvimento das estruturas locais degestão dos recursos, embora mantendo uma capacidadede acompanhamento que garanta a segurança fiduciária,sobretudo em acção concertada com outros doadores.A natureza desse apoio depende muito das circunstân-cias no terreno.

9.5 — Clusters de cooperação:Um novo instrumento para a cooperação portuguesa

Em economia, utiliza-se o termo cluster para falarde uma concentração geográfica de empresas interli-gadas, fornecedores especializados de bens e de serviçose de outras instituições associadas. A grande vantagemda figura reside no aumento de produtividade queresulta da proximidade geográfica e da criação de umambiente propício à adequação do trabalho de cada umàs necessidades das outras instituições presentes no clus-ter. Trata-se de um conceito particularmente pertinentepara a cooperação portuguesa.

As principais críticas que historicamente se têm diri-gido à cooperação portuguesa descrevem-se rapida-mente: dificuldade na identificação de prioridades; dis-persão de recursos humanos e materiais por numerosospequenos projectos; ausência de nexo entre os projectosou inexistência de uma estratégia global visível; faltade continuidade ou de sustentabilidade devido à escalaou à concepção técnica dos projectos; falta de impacteem termos de desenvolvimento para o país beneficiário;falta de visibilidade política ou física. Não obstante, ofacto de este elenco de críticas não ser aplicável a nume-rosas iniciativas valiosas da cooperação portuguesa, devereconhecer-se que ele corresponde a um retrato iden-tificável de muitos projectos ao longo dos anos.

Paradoxalmente, uma das fontes deste problemareside na grande disponibilidade que se pode encontrarpor toda a sociedade portuguesa, tanto na Administra-ção Pública como na sociedade civil, para trabalhar nacooperação. O facto de durante muitos anos não terhavido um conjunto de orientações claras por parte datutela política levou a que se multiplicassem iniciativasde todo o tipo, quase sempre em pequena escala, ecom uma grande diversidade de graus de qualidade.E, no entanto, a fonte original deste problema contémem si mesma elementos que devem ser valorizados eque dificilmente se encontram noutros países: a frequên-cia do entusiasmo pessoal por trabalhar em actividadesde cooperação (em missões curtas, mas também em mis-sões mais prolongadas), e o facto de haver um lequemuito alargado de instituições que estão disponíveis paracolocar a sua experiência e os seus conhecimentos aoserviço da cooperação.

A proposta que aqui se faz de clusters de cooperaçãoprocura tirar proveito dos elementos mais positivos datradição portuguesa, resolvendo porém os problemasque resultaram de terem proliferado projectos à rédeasolta. Um cluster de cooperação é constituído por umconjunto de projectos, executados por diferentes ins-tituições (individualmente ou associadas a instituiçõesdo país parceiro), numa mesma área geográfica e comum enquadramento comum. Um cluster de cooperaçãopermite mobilizar em torno de uma problemáticacomum um conjunto de instituições que de outra formatenderiam a desenvolver projectos de forma desgarrada,

sem economias de escala, sem as vantagens de uma abor-dagem integrada e — quase sempre — sem sustenta-bilidade, visibilidade ou impacte de longo prazo.

Em princípio, um cluster de cooperação deverá tercomo elemento central uma intervenção estratégica esubstancial financiada através do IPAD, que funcionarátambém como instituição mobilizadora e coordenadorado cluster. Em torno deste projecto estratégico desen-volvem-se outros projectos, menores em escala e maisfocalizados, que complementam o projecto central e for-neçam uma abordagem integrada. Podem participar nosclusters de cooperação tanto as instituições da Admi-nistração Pública como a sociedade civil, sendo a hete-rogeneidade dos actores uma vantagem, e não o con-trário. A título de exemplo, para além do IPAD e even-tualmente de uma ou duas instituições do sector públicoportuguês, um cluster poderia ter o contributo de umaou várias ONGD, universidades, fundações, sindicatos,associações patronais, municípios e empresas.

Compete ao IPAD — naturalmente em diálogo comas entidades competentes do país beneficiário — a iden-tificação dos potenciais clusters da cooperação portu-guesa, a sua estruturação conceptual e financeira e asua gestão global. Essa gestão global — que poderá serefectuada directamente ou no regime de outsourcing —diz respeito à lógica integrada do cluster, e não à exe-cução quotidiana dos diversos projectos complementa-res. O cluster poderá ainda permitir e potenciar umapresença portuguesa integrada e multifacetada em pro-gramas que tenham a intervenção de outros doadoresmultilaterais ou bilaterais, algo que é particularmenteimportante atendendo à intensidade crescente da coor-denação internacional.

9.6 — Voluntariado para a cooperação

Uma das mais-valias da cooperação portuguesa é cer-tamente a riqueza e a motivação do seu capital humanono que diz respeito ao desenvolvimento de acções decooperação, sobretudo com os países de língua portu-guesa. Por outro lado, em termos dos recursos humanosexistentes nas instituições públicas, registam-se, com fre-quência, constrangimentos que dificultam a colocaçãodeste pessoal ao serviço de projectos de cooperação.Há, portanto, que criar condições legais e mecanismosque permitam integrar de forma profissional a dispo-nibilidade voluntária dos indivíduos que desejam par-ticipar ou colaborar nos referidos projectos.

Neste sentido, há que corresponder, em particular,a dois públicos alvo mais disponíveis, em termos da suacarreira profissional, para participarem com maior dis-ponibilidade temporal nestes projectos: os jovens e aspessoas já reformadas, os seniores. Assim, será desen-volvido um mecanismo para o voluntariado para a coo-peração, jovem e sénior, inserido no actual enquadra-mento legal da lei do voluntariado, Lei n.o 71/98, de3 de Novembro, adaptando-se este enquadramento àmedida das necessidades.

9.7 — Reforço da coordenação nos países terceiros

A necessidade de reforçar a coordenação nos paísesterceiros terá uma resposta ao nível dos dispositivos paraa cooperação, no sentido de incrementar o contributodas representações nos países beneficiários, quer naidentificação quer na programação dos projectos, massobretudo no seu acompanhamento e também na ava-liação dos mesmos. O reforço do aparelho existente noterreno será complementado pela implementação de um

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sistema de informação que de forma eficaz dê respostaàs necessidades dos agentes da cooperação. O inves-timento actual da cooperação portuguesa é bastantesubstancial, sendo no entanto insuficientementeapoiado, em particular nos países destinatários. Veri-fica-se assim que continua a ser muito necessário criaras delegações da cooperação, figuras já instituídas em1999 mas até hoje nunca concretizadas.

9.8 — Acompanhamento, avaliação e aprendizagem

O acompanhamento e a avaliação dos projectos, dosprogramas e das políticas de cooperação constituemmecanismos indiscutivelmente necessários para a cons-trução de uma cooperação para o desenvolvimento queseja de qualidade e eficaz.

Num contexto internacional, onde a comunidade dedoadores deve acompanhar as dinâmicas das sociedadesem desenvolvimento e reflectir em tempo sobre oimpacte das acções desenvolvidas, e perante uma pres-são, cada vez maior e mais estruturada por parte daopinião pública nacional e internacional, que exigemaior transparência e coerência de políticas, o acom-panhamento e a avaliação tornaram-se mecanismos fun-damentais. É neste contexto que se assiste actualmente,por parte dos países doadores e das organizações inter-nacionais, incluindo a própria Comissão Europeia, àreforma dos sistemas, instrumentos e agências de coo-peração no sentido de uma maior harmonização de polí-ticas e procedimentos por parte dos doadores. Tambémem Portugal se sente essa necessidade, e para estesobjectivos a avaliação e o acompanhamento são doismecanismos essenciais para uma cooperação portuguesade qualidade e com capacidade para agir.

A avaliação e o acompanhamento são mecanismoscomplementares. Por um lado, permitem construir umprocesso de aprendizagem que contribuirá para aumen-tar a eficácia da ajuda e, por outro, permitem a trans-parência e a prestação de contas junto da opinião públicae junto dos nossos parceiros. O acompanhamento deveser perspectivado quer ao nível micro — saber e tercapacidade para acompanhar as acções e os projectosque apoiamos — quer ao nível macro — ter a capacidadede analisar e participar nos debates políticos e nas dinâ-micas do quadro bilateral e multilateral. Ambos reque-rem trabalho de reforço no seio da cooperação por-tuguesa. São igualmente pertinentes os sistemas de fol-low-up, internos, na administração do Estado, e externos,com os vários parceiros da cooperação portuguesa, quepermitam acompanhar a execução e implementação dasacções e das políticas.

A avaliação, por sua vez, englobando o próprio acom-panhamento, é um processo tão sistemático e objectivoquanto possível, que consiste em apreciar um projecto,programa ou política em curso, ou já concluído, a suaconcepção, execução e resultados (OCDE, 1992). Vaipara além da auditoria, embora esta deva ser um ins-trumento cada vez mais utilizado na cooperação por-tuguesa, devidamente enquadrado no âmbito da ava-liação. A finalidade da avaliação é a de aferir processose resultados, aprender as lições desta avaliação e aumen-tar o conhecimento técnico e político sobre as realidadese os contextos; prestar contas e promover a transpa-rência, e contribuir para responder às obrigaçõesperante a comunidade internacional. Nesta matéria, éhoje urgente recuperar o tempo perdido, regressandoao processo de consolidação de um sistema de avaliaçãoque foi interrompido nos últimos anos.

Os critérios de avaliação da cooperação portuguesasão de duas ordens:

Políticos, pois as acções apoiadas pela cooperaçãoportuguesa devem respeitar os valores e os prin-cípios aqui enunciados, enquadrando-se comrelevo e pertinência nas prioridades e objectivosdefinidos, nomeadamente contribuindo para aconcretização dos ODM;

Técnicos, contando-se entre estes, obviamente, asustentabilidade, o impacte, a eficácia, a eficiên-cia e a coerência.

A avaliação na cooperação portuguesa deve tambémconstituir um processo credível e independente deaprendizagem participada, envolvendo os próprios acto-res e beneficiários, havendo sempre lugar à divulgaçãodos resultados das avaliações, e assegurando que estessejam apreendidos e incorporados nas acções em desen-volvimento. É, portanto, claro que a avaliação contribuipara o processo de decisão política e técnica da coo-peração portuguesa e deve ser entendida como ummecanismo transversal a toda a cooperação. É assimfundamental criar uma cultura de avaliação e aumentara nossa capacidade técnica nesta área, conseguindonomeadamente acelerar procedimentos que permitamavaliar mais e melhor.

A decisão política terá obviamente em consideração,na afectação dos recursos disponíveis, os resultados dosprojectos e das acções e a qualidade das intervençõesbem como as boas práticas desenvolvidas.

9.9 — Acção humanitária(catástrofes, protecção civil e emergência médica)

A acção humanitária deve ser enquadrada, planeadae executada no quadro e em coordenação com os outrosinstrumentos que compõem o conceito de APD. A acçãohumanitária é uma componente importante da ajudainternacional. Devido sobretudo ao crescente númerode situações graves de conflito e à incidência recentede acidentes naturais graves, têm sido afectados inter-nacionalmente muitos recursos e mecanismos para oapoio à acção humanitária.

Assiste-se a nível internacional a uma mudança ereorientação das agências e organismos internacionais,em particular das Nações Unidas, tanto ao nível damelhoria da resposta humanitária, tornando-a alvo deavaliação e de procedimentos transparentes e éticos,como quanto à criação de mecanismos que enquadremdevidamente estas acções no âmbito do direito inter-nacional, nomeadamente o direito de proteger as vítimase a defesa dos princípios humanitários.

Portugal deve continuar a participar activamente noesforço internacional da ajuda humanitária, apostandona coordenação entre os vários actores estatais e dasociedade civil, para que com maior eficácia, e atravésde uma boa utilização de recursos, conjugados com onecessário enquadramento internacional na prestaçãodos cuidados imediatos, seja em situações de catástrofeseja de crise, se possa atender às necessidades imediatase prementes das populações vítimas de catástrofe oude conflito.

A acção humanitária na cooperação portuguesa orien-ta-se fundamentalmente para o apoio em situações decatástrofe natural e de calamidade pública, da qual resul-tem necessidades acrescidas de apoio para as populaçõeslocais. Embora tradicionalmente essa ajuda seja direc-

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cionada predominantemente para os países parceirosda cooperação portuguesa, a ajuda humanitária tem sidotambém distribuída noutras zonas onde a dimensão dodesastre assuma consequências particularmente devas-tadoras. A cooperação portuguesa trabalhará com aconsciência de que a transição para a fase de desen-volvimento deve ser tida em consideração o mais cedopossível no contexto das operações de ajuda, introdu-zindo a ponte com acções de reabilitação e de desen-volvimento sustentável.

A acção humanitária portuguesa deverá portanto arti-cular-se com os esforços da comunidade internacional,nomeadamente com os mecanismos de coordenação noseio da UE bem como ao nível das Nações Unidas.Tal coordenação será desejável não só nas formas deresposta como também nas acções de prevenção e alertaprecoce.

A complexidade da intervenção da ajuda humanitária,nomeadamente em termos dos cenários de actuação eda complexidade de meios e mecanismos, exige tambémuma maior coordenação no plano nacional, para quepossamos desenvolver uma capacidade de resposta orga-nizada. Colocam-se no plano nacional desafios impor-tantes no que diz respeito à coordenação interinstitu-cional, a que importa dar resposta. É no plano da nossacapacidade de organização interna que se encontra oprimeiro factor de credibilidade da nossa intervençãoexterna.

(i) Resolução do Conselho de Ministros n.o 43/99, de 18 de Maio.(ii) Em 2004 a APD atingiu oficialmente o montante de 0,63 do

rendimento nacional bruto (RNB); porém, este montante resulta deuma particularidade estatística do sistema desenhado pelo CAD daOCDE, que assimila o reescalonamento da dívida de Angola a umperdão de dívida, fazendo incidir a totalidade do montante no anode 2004. O montante real (descontando a operação da dívida angolana)situa-se em 0,21 % do RNB, que é o montante mais baixo desde1996. Acresce que, a partir de 2009, quando Angola começar a saldara dívida nos termos do acordo, segundo o sistema estatístico do CADos montantes envolvidos contarão como APD negativa, isto é, aba-tendo contra a soma de APD em cada ano subsequente. Trata-se,na realidade, de uma operação que podemos classificar de «APDa crédito».

(iii) Assembleia Geral das Nações Unidas, «In larger freedom:towards development, security and human rights for all», relatóriodo Secretário-Geral para a 59.a Sessão (A/59/2005), Março de 2005.

(iv) DAC-OECD, «DAC recommendation on untying official deve-lopment assistance to the least developed countries», DCD/DAC(2001)12/Final.

(v) Aproveitando a definição sugerida pela agência britânica DFID,um «Estado frágil» é um Estado cujo governo não pode ou não quercumprir as suas funções centrais. As mais importantes funções doEstado para a redução da pobreza são o controlo territorial, a segu-rança, a capacidade de gerir recursos públicos e fornecer serviçosbásicos, e a capacidade de proteger e apoiar as formas de sustentodos mais pobres — DFID, Why We Need to Work More Effectivelyin Fragile States, Janeiro de 2005.

(vi) «Mobilização de recursos financeiros nacionais para o desen-volvimento».

(vii) «Mobilização de recursos internacionais para o desenvolvi-mento: investimento directo externo e outros fluxos privados».

(viii) Decreto-Lei n.o 296/99, de 4 de Agosto.(ix) A actual orgânica foi aprovada pelo Decreto-Lei n.o 127/97,

de 24 de Maio, alterado pelo Decreto-Lei n.o 301/98, de 7 de Outubro.

Resolução do Conselho de Ministros n.o 197/2005

Através da Resolução do Conselho de Ministrosn.o 182/2005, de 22 de Novembro, determinou o Governoque fossem iniciados procedimentos de concurso públicointernacional no sentido de dotar o Estado Portuguêsde um dispositivo permanente de meios aéreos com amissão primária de prevenção e combate a incêndiosflorestais. Através da mesma resolução, foi ainda deter-

minado que fossem iniciados procedimentos destinadosà contratação por três a cinco anos de meios aéreoscom a mesma finalidade.

O dispositivo assim determinado é constituído por4 aviões pesados, 10 helicópteros médios, 20 helicóp-teros ligeiros e 14 aviões médios e ligeiros.

Tendo em conta que os meios permanentes a con-tratar serão constituídos por aparelhos novos, cujos pra-zos de construção inviabilizam a sua plena disponibi-lidade no ano de 2006 e, no caso dos aviões pesados,eventualmente em 2007, e a necessidade de nesses anoscontar com um dispositivo semelhante ao indicado pelacomissão especial de estudo dos meios aéreos de com-bate a incêndios florestais, torna-se necessária a con-tratação adicional, para 2006 e 2007, de meios aéreosque supram essas lacunas.

Por outro lado, as definições de meios ligeiros, médiose pesados adoptadas pela referida comissão especial,sendo adequadas à definição de um dispositivo tipo,tornam-se inconvenientes se transportadas sem qualqueradaptação para um caderno de encargos de concursos,na medida em que os parâmetros definidos podem levarà exclusão de certos tipos de aparelhos sem que essaexclusão traga qualquer vantagem financeira ou ope-racional para o Estado.

Assim:Nos termos da alínea g) do artigo 199.o da Cons-

tituição, o Conselho de Ministros resolve:1 — Autorizar, nos termos da alínea e) do n.o 1 do

artigo 17.o do Decreto-Lei n.o 197/99, de 8 de Junho,a realização da despesa inerente à celebração dos con-tratos de prestação de serviços, com duração máximade dois anos, no âmbito da emergência e da prevençãoe combate a incêndios florestais, de um conjunto deseis helicópteros ligeiros e de um conjunto de dois aviõespesados.

2 — Determinar, nos termos do disposto no n.o 1 doartigo 79.o e no n.o 1 do artigo 80.o, ambos do Decre-to-Lei n.o 197/99, de 8 de Junho, o recurso ao pro-cedimento pré-contratual de concurso público relativa-mente a todas as aquisições previstas na presenteresolução.

3 — Delegar, nos termos do disposto no artigo 27.odo Decreto-Lei n.o 197/99, de 8 de Junho, no Ministrode Estado e da Administração Interna a competênciapara a prática de todos os actos no âmbito dos pro-cedimentos previstos no número anterior, com excepçãodos actos de adjudicação.

4 — Delegar, nos termos do disposto no artigo 27.odo Decreto-Lei n.o 197/99, de 8 de Junho, no Ministrode Estado e da Administração Interna a competênciapara concretizar ou adaptar as definições de meioligeiro, médio e pesado a contratar, no âmbito dos con-cursos previstos na presente resolução e dos concursosprevistos na Resolução do Conselho de Ministrosn.o 182/2005, de 22 de Novembro.

5 — Ratificar todos os actos praticados pelo Ministrode Estado e da Administração Interna no âmbito mate-rial do disposto nos números anteriores.

Presidência do Conselho de Ministros, 2 de Dezembrode 2005. — O Primeiro-Ministro, José Sócrates CarvalhoPinto de Sousa.