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1973-1993-2013 (4) Emigração Num país onde não se sonha, emigrar é natural Entre 1964 e 1974, um milhão de portugueses emigrou. Era um país rural que se esvaziava. A emigração nunca parou, mas os imigrantes começaram a vir nos anos 1990. Agora são cada vez menos e são cada vez mais os portugueses que partem. No último capítulo desta série, abordamos a questão dos ciclos da emigração e as consequências que terão no futuro do país Ana Cristina Pereira Portugal em 2013 é um país a esvaziar-se, como era em 1973 ou em 1993, embora 20 anos fizesse de con- ta que não, deslumbrado que estava com o facto de se estar também a converter num país de imigrantes Vítor Jesus trabalha na General Electric Company. Quando decidiu trocar Portugal pelo Reino Unido, ninguém ficou espantado: "Toda a gente achou natural". Assumiam "que era mais um que estava a dei- xar o café pingado e o pastel de nata por estar frustrado". O especialista em redes de comunicação, que ha- via meses defendera o doutoramen- to na Universidade de Aveiro, até "sentia que estava a trair o país". E repetia que não, que não perdera esperança, que a crise não se eter- nizará, que Portugal melhorará. João Peixoto, do Instituto Supe- rior de Economia e Gestão, da Uni- versidade Técnica de Lisboa, faz parte de um projecto europeu que procura perceber como a crise afec- ta as migrações e a mobilidade na União Europeia (UE), em particular na Irlanda, Grécia, Itália, Espanha e em Portugal. Considera "dramáti- co" que 51,9% das 3322 pessoas que responderam ao que acabou por ser um "inquérito à emigração quali- ficada portuguesa" diga ter saído por "não ver futuro" para si em Por- tugal. Muitos invocam inserção no mercado laborai: 20,6% estavam desempregados, 27,9% empregados sem vislumbre de progressão, 19,2% empregados com salário baixo. Não esperava tanta adesão ao inquérito, que em Portugal esteve disponível no PÚBLICO e em vá- rias redes sociais entre 20 de Maio e 15 de Agosto de 2013. Nem tão al- tas qualificações entre inquiridos: 87,7% declararam possuir grau de educação de nível superior e, entre esses, 39,1% um mestrado, 9,4% um doutoramento. Julga que, "pela pri- meira vez", se pode falar em fuga de cérebros. As universidades abriram-se após o 25 de Abril de 1974. Em 2012, a ta- xa bruta de escolarização no nível superior era de 54,6%. "A educação avançou a uma velocidade diferente da economia", resume o sociólogo. O país não está a conseguir absorver a mão-de-obra qualificada. Mais de metade parte para outros estados da União Europeia ou a ela associa- dos, como Vítor Jesus. Vítor estava a trabalhar em Lis- boa quando foi contactado por uma agência. Tinham visto o seu currículo na rede social Linkedln. Procuravam alguém com aquele perfil para uma multinacional. A sua candidatura seria bem-vinda. Submeteu-a, passou por três entre- vistas, a última das quais em Bristol, na Grã-Bretanha. Pagaram-lhe o bi- lhete de avião, o hotel, recomenda- ram-lhe que ficasse mais uma noite,

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1973-1993-2013

(4) EmigraçãoNum país ondenão se sonha,emigrar é natural

Entre 1964 e 1974, um milhão de portugueses emigrou. Era umpaís rural que se esvaziava. A emigração nunca parou, masos imigrantes começaram a vir nos anos 1990. Agora são cadavez menos e são cada vez mais os portugueses que partem.No último capítulo desta série, abordamos a questão dos ciclosda emigração e as consequências que terão no futuro do paísAna Cristina Pereira

Portugal

em 2013 é um paísa esvaziar-se, como era em1973 ou em 1993, emborahá 20 anos fizesse de con-ta que não, deslumbradoque estava com o facto de

se estar também a converter numpaís de imigrantes

Vítor Jesus trabalha na GeneralElectric Company. Quando decidiutrocar Portugal pelo Reino Unido,ninguém ficou espantado: "Toda a

gente achou natural". Assumiam"que era mais um que estava a dei-xar o café pingado e o pastel de nata

por estar frustrado". O especialistaem redes de comunicação, que ha-via meses defendera o doutoramen-to na Universidade de Aveiro, até"sentia que estava a trair o país". E

repetia que não, que não perderaesperança, que a crise não se eter-nizará, que Portugal melhorará.

João Peixoto, do Instituto Supe-rior de Economia e Gestão, da Uni-versidade Técnica de Lisboa, faz

parte de um projecto europeu que

procura perceber como a crise afec-ta as migrações e a mobilidade naUnião Europeia (UE), em particularna Irlanda, Grécia, Itália, Espanhae em Portugal. Considera "dramáti-co" que 51,9% das 3322 pessoas queresponderam ao que acabou por serum "inquérito à emigração quali-ficada portuguesa" diga ter saído

por "não ver futuro" para si em Por-

tugal. Muitos invocam má inserçãono mercado laborai: 20,6% estavamdesempregados, 27,9% empregadossem vislumbre de progressão, 19,2%

empregados com salário baixo.Não esperava tanta adesão ao

inquérito, que em Portugal esteve

disponível no PÚBLICO e em vá-rias redes sociais entre 20 de Maioe 15 de Agosto de 2013. Nem tão al-tas qualificações entre inquiridos:87,7% declararam possuir grau de

educação de nível superior e, entreesses, 39,1% um mestrado, 9,4% umdoutoramento. Julga que, "pela pri-

meira vez", se pode falar em fugade cérebros.

As universidades abriram-se apóso 25 de Abril de 1974. Em 2012, a ta-xa bruta de escolarização no nível

superior era de 54,6%. "A educaçãoavançou a uma velocidade diferenteda economia", resume o sociólogo.O país não está a conseguir absorvera mão-de-obra qualificada. Mais demetade parte para outros estadosda União Europeia ou a ela associa-

dos, como Vítor Jesus.Vítor estava a trabalhar em Lis-

boa quando foi contactado poruma agência. Tinham visto o seucurrículo na rede social Linkedln.Procuravam alguém com aqueleperfil para uma multinacional. Asua candidatura seria bem-vinda.Submeteu-a, passou por três entre-vistas, a última das quais em Bristol,na Grã-Bretanha. Pagaram-lhe o bi-lhete de avião, o hotel, recomenda-ram-lhe que ficasse mais uma noite,

O mundotornou-seo objectivopara umaemigraçãoqualificadasemprecedentena históriaportuguesa

a ver se gostava da cidade. A em-presa suportaria os custos da suamudança.

Cada vez mais países do Centro e

do Norte da Europa recrutam nospaíses do Sul profissionais de queprecisam. Para João Peixoto, há pe-rigo de a livre circulação acentuardesequilíbrios: "A manter-se a direc-

ção de fluxos, a drenagem de traba-

lhadores (qualificados ou não) podereforçar as dinâmicas virtuosas daeconomia a centro e norte e agravaras dinâmicas negativas a sul".

No entender do sociólogo, "agestão de expectativas é relevanteno desenho de políticas públicas":além de dados objectivos como ta-xa de desemprego, precariedadelaborai, há que atender às crençasdecorrentes do ambiente geral. "É

importante dizer que os últimosanos não foram só ilusão".

Clima, segurança, protecção so-cial, serviços de saúde, infra-estru-turas são vantagens apontadas porPedro Lomba, secretário de Estado

adjunto do ministro adjunto e doDesenvolvimento Regional, paraaliciar imigrantes "de elevado po-tencial", como profissionais qualifi-cados, investidores, reformados.

Competir pelo talentoO número de estrangeiros residen-tes não pára de cair - 451 mil em2009, 443 mil em 2010, 434 mil em2011, 414 mil em 2012, segundo o

Serviço de Estrangeiros de Frontei-ras (SEF). No ano passado, mais deoito mil dos 12.528 vistos emitidoscorrespondiam à categoria d5, isto

é, eram atribuídos por via do estu-do, intercâmbio de estudantes, es-

tágio profissional ou voluntariado.A crise económica não deve fa-

zer o país fechar-se à imigração,diz Pedro Lomba ao PÚBLICO. Nomodelo que defende, Portugal temde entrar "na competição interna-cional pelo talento". Estrangeiros"talentosos" - que até podem nãoser qualificados, mas terem ideiasde negócio - criam emprego. E isso

pode reter portugueses que estãode saída ou fazer regressar algunsdos que já saíram.

Há quem, como João Peixoto,ache o discurso de Lomba "simpá-tico". Mas também há quem, co-

mo o geógrafo Jorge Malheiros, oconsidere susceptível de desagra-dar portugueses qualificados semtrabalho ou com trabalho precário,que sentem que têm de fazer vidalonge de casa.

"Não vi estudos que demonstrem

que há excesso de profissionais de

alguns sectores e défice e outros e

que não é possível requalificá-los",diz Malheiros. Parece-lhe que temmais sentido estimular a economia,criar emprego, gerir os fluxos migra-tórios de forma integrada, de modoa captar gente que possa ajudar o

país a sair da crise, seja ela portu-guesa ou estrangeira.

Os trabalhadores qualificadosconstituem apenas uma parte dofluxo migratório. A reflectir o factode Portugal ter uma das mais baixastaxas de ensino superior da União, o

grosso do movimento de saídas doterritório nacional faz-se de pessoascom formação média ou baixa. Se-

gundo o Instituto Nacional de Esta-tística (INE), no ano passado houve89 mil pessoas a nascer, 107 mil a

morrer, 121 mil a emigrar. Desde ofinal dos anos 60 que não se via taldebandada.Vítor e ValdemarAté pode ser que o Reino Unidode hoje seja a França da década de

1960, mas Vítor Jesus não se sente

emigrante. Está perto do Porto - gra-ças à Internet e às companhias debaixo custo. A ideia de regresso, pa-ra ele, nem faz sentido. Agora, estáno Reino Unido, daqui a um ano po-de estar em França ou na Alemanhaou em Portugal ou noutro país qual-quer. E esta forma de ver o mercadolaborai cava um fosso entre Vítor,solteiro, 37 anos, e Valdemar Aman-te, casado, 71 anos, que há 40 anos

partiu para o Luxemburgo.O talhante Valdemar Amante só

fez a 4. a classe. Não sabia uma pa-lavra de francês ou de alemão oude luxemburguês quando chegouao Grão-Ducado do Luxemburgo,em 1973. Comprou um dicionáriode português-francês para apren-der as designações certas das peçasde carne e começou a atender "assenhoras ao balcão".

A 31 de Dezembro de 1963, Por-

tugal e França tinham assinado o

primeiro acordo de recrutamento,migração e colocação de trabalhado-res portugueses. A emigração tran-satlântica deu então lugar à emigra-ção europeia. Depois do apregoado"sonho brasileiro", o país entregava-se à "ilusão francesa".

Não era movimento que o antigoregime incitasse, embora aprecias-se as remessas de divisas dos quepartiam. Poucos conseguiram teros documentos em ordem. Muitospartiram clandestinos - alguns compassaporte de turista, a maior partecom passaporte falso, o chamado"passaporte de coelho" usado porquem passava a fronteira "a salto".

Entre 1964 e 1974, à volta de ummilhão de habitantes deixaram Por-

tugal. Pelos cálculos de estudiososcomo José Carlos Laranjo Marques,80,9% desembarcaram em França.Ficava perto, praticava bons salá-

rios, não exigia qualificações e es-

forçava-se pouco para controlar a

imigração irregular.

Em 1973, ValdemarArantes atravessoua fronteira "a salto"e demorou doisdias a chegar aoLuxemburgo, ondeo esperava umtrabalho de pintor.Em 2013, Vítor Jesusfoi contactadoatravés da redesocial Llnkedlnea empresa que ocontratou pagou oscustos da mudançapara Inglaterra aoespecialista emredes

Esvaziava-se um país rural, anal-fabeto, oprimido, de certo modofeudal, assolado por uma guerra. Nafrente iam homens, jovens, soltei-ros ou recém-casados. As mulheres

esperavam, em média, três anos e

seguiam-nos. Ninguém tinha tantosbebés em França como os portu-gueses. Portugal iniciava o declíniodemográfico que o haveria de con-verter num dos mais envelhecidospaíses do mundo.

A vida de Valdemar Amante eraapertada em Lisboa. Tinha ofício,mas não prosperava. Ganhava 300escudos por semana, a mulher ga-nhava 25 tostões por hora a matarfrangos e já tinham três filhos. Bemvia que quem emigrava vivia me-lhor. E era isso que queria para si e

para a família.

A viagem de ValdemarCumprido o serviço militar obriga-tório, muito Valdemar Amante pe-diu o "passaporte do emigrante". À

quinta vez, avisaram-no: se voltasse

a tentar, sofreria as consequências.Foi "a salto". Viajou no carro de umportuguês, então residente no Lu-xemburgo, que lhe arranjara traba-lho como pintor. Tardou dois dias

e uma noite a fazer a viagem queagora faz em menos de um dia.

Parece que foi na hora certa. Na-

quele ano, deu-se o choque petrolí-fero, quando a Organização dos Pa-íses Produtores de Petróleo (OPEP)inflaciona os preços por causa do

apoio ocidental a Israel, na guerrado Yom Kippur. Depois da expansãoeconómica, que levara ao nascimen-to do Estado providência na EuropaOcidental, anunciava-se o fim da erade ouro do capitalismo nos paísesindustrializados. Muitos perderamo emprego. Países como a Françadecidiram fechar as fronteiras.

Os estudos de Maria loannis Baga-nha fazem uma espécie de fotogra-fia daquele ano: 890 partiram parao Brasil, 8160 para os EUA, 7403 pa-ra o Canadá, 63.942 para a França,38.444 para a Alemanha Ocidental.Não se deixou de sair, mas era ain-da mais difícil, explica o sociólogoAlbertino Gonçalves.

Nalguns países, ganhava fulgora ideia de que já havia estrangeirosa mais. No final da década, a Fran-

ça oferecia dez mil francos aos quequisessem regressar ao seu país de

origem. Muitos aproveitaram, até

porque "tinham começado a acredi-tar em Portugal", recorda AlbertinoGonçalves, professor do Institutode Ciências Sócias da Universidadedo Minho. A ditadura terminara e,com ela, a guerra colonial. "Acha-vam que Portugal se podia tornarum país como os outros."

Com a adesão de Portugal à UE,em 1986, os destinos diversificaram-se. Naquela época, a Suíça foi-se tor-nando o preferido dos portugueses.Entre 1985 e 1991, a federação hel-vética recebeu 59% dos que saíram.No final dessa década, a comunida-de era já a terceira maior.

Nem só a pujança da economiaexplica aquela súbita atracçãopela Suíça. Há 50 anos, os suíçosmeteram os portugueses na listade trabalhadores de "áreas distan-

tes", demasiado diferentes para se

adaptarem à sua cultura, mas esseestatuto foi revisto com a entradade Portugal na UE. lam quase todoscom uma autorização de residênciasazonal, que lhes permitia trabalharaté nove meses em sectores comoa construção, a restauração, a agri-cultura. Só depois de 36 meses detrabalho podiam solicitar a autori-zação de residência anual, que con-sentia a reunificação familiar.

Uma nova emigraçãoEm 1991, Maria do Céu Estevesanunciou em livro que Portugalse tornara num país de imigração.Além de cidadãos oriundos dos ¦>

países de língua oficial portuguesa,que se estavam a fixar desde o 25de Abril, tinham começado a de-sembarcar brasileiros e europeusde Leste. Um tanto deslumbrado, o

país concentrou as suas atenções naentrada de estrangeiros e ignoravaa saída de nacionais.

Bastaria olhar para a estatísticaoficial. Extinto que foi, em 1988,o registo baseado no "passapor-te de emigrante", o INE criara ométodo da inquirição indirecta. E

esse instrumento indicava que assaídas persistiam, embora se tives-sem tornado mais temporárias. Em1993, França, Suíça e Alemanha en-cabeçavam a lista de destinos. Nelafiguravam também o Reino Unido, a

Espanha, os EUA e o Canadá.Nesse ano, Carlos da Silva emi-

grou. 0 pai, serralheiro de profissão,fora para a Alemanha. Como nãopodia levar mulher e filho, decidiratentar a sorte na Bélgica. Encontroutrabalho num restaurante e chama-ra-os. Carlos tinha sete anos. Foi a

primeira vez que andou de avião.Bruxelas era tão diferente da aldeiade Granho, em Salvaterra de Magos."Na aldeia só havia um carro!"

A adesão de Portugal ao Acordode Schengen, que entrou em vigorem 1995 e que levou à abertura dasfronteiras entre 26 países euro-peus, teve forte impacte. A emigra-ção permanente diminuía desde osanos 70, mas a temporária subia,explicou João Peixoto. Ainda se pen-sou que fosse por uma questão es-

tratégica, que começassem por terestatuto de trabalhadores temporá-rios e, com o tempo, se tornassemtrabalhadores permanentes. Depoispercebeu-se ser aquela uma novatendência. A abolição de fronteirasdava maior carácter experimentalàs migrações.

De repente, até as empresas po-diam subcontratar a sua força detrabalho noutro Estado-membro daUE. Milhares de portugueses foramdestacados para obras. Os jornaisdavam notícias de abusos na Alema-nha, que registava um forte aumen-to de portugueses, impulsionadopela reunificação.

Formavam-se novas comunida-des. Nenhuma tão explosiva como oReino Unido. Durante décadas, o flu-xo para o Reino Unido foi discreto.Em meados dos anos 1980, seriam30 mil os portugueses residentes.Com o fim da exigência da autoriza-

ção de trabalho, houve um estouro.Em 2003, o Reino Unido já batia aAlemanha como pólo de atracção(só a Suíça e a França o venciam).

Embaixadado Brasil,em Lisboa:a partir dosanos 1990,Portugaltornou-setambémum país deimigração

Hoje nada é tãodefinitivo comoera nos anos 1960e 1970: nem asrelações afectivas,nem as relaçõeslaborais. Talvez

por isso, algunsdos que partempodem voltar, diz

o geógrafo JorgeMalhelros

Não eram só facilidades. Aos jor-nais chegavam notícias de portu-gueses explorados no Reino Unido,em Espanha, na Holanda, Islândia.O problema, explicava então JorgeMalheiros, era haver o pressupostode que a circulação de trabalhado-

res se faria entre iguais. O caso por-tuguês era "especial". Os que saemeram, na maior parte dos casos, tra-balhadores pouco qualificados.

O fluxo estava muito ligado asectores da economia impossíveisde deslocalizar, como o comércio,as limpezas, a segurança, a cons-trução, agricultura ou a indústriaagro-alimentar. A maior parte iaatravés de engajadores, agênciasprivadas de colocação e de traba-lho temporário, que se anunciavamna imprensa. Muitos acompanhama internacionalização das empresasportuguesas.Um pais de imigraçãoOutros vinham ocupar o lugar dos

que saíam. Entre 1998 e 2008, onúmero de estrangeiros residen-tes passou de 178 mil para 439 mil.

O aumento no movimento de en-tradas começara a notar-se com o

processo de regularização de 1992--93 e acentuara-se com a lei de 2001.E se, primeiro se podia falar em pre-ponderância de cidadãos dos pa-íses de língua portuguesa, desdeo final da década de 90 aumenta-

vam, a olhos vistos, os da Europade Leste.

"Os países de destino dos portu-gueses, habitualmente mais desen-volvidos, sentem algumas necessi-dades conjunturais de mão-de-obraintensiva e oferecem, mesmo se a

par de condições algo precárias, ren-dimentos aliciantes", escreveu JoãoPeixoto. As estratégias dos europeusde Leste não seriam muito diferen-tes. Só que a situação de partida dos

portugueses era melhor, o que ex-

plicaria terem percursos mais tem-porários. E a panóplia de destinos

maior, por serem cidadãos da UE. Os

europeus de Leste iam para onde eramenor o risco de expulsão.

Quando a crise estourou, em2008, os especialistas dividiram-se.Uns sugeriam que, numa situaçãode crise internacional, regressariamemigrantes e isso tinha efeitos navida dos imigrantes, já que traba-lham nos mesmos sectores. Outrossustentavam que não, que quemregressaria dedicar-se-ia a outrasactividades.

O trunfo da língua"Nunca houve evidência, porquenunca houve uma crise tão grande,num contexto de livre circulação",salientava Jorge Malheiros. Agora, é

evidente que os estrangeiros estãoa partir e que os portugueses nãoestão a regressar. Absorveram tan-to a "a cultura migratória" que vão

para qualquer sítio.

Portugal, como a Espanha, dizJoão Peixoto, tem um trunfo que a

Grécia e Itália não têm: a geografiada língua. Nos últimos anos, inú-meros portugueses procuraramoportunidades no mercado lusó-fono, sobretudo em Angola. A parda mão-de-obra qualificada, avan-

çam investidores.Os portugueses emigram para

todo o lado, mas apostam mais no

espaço comunitário. Procuram ve-lhos destinos migratórios, como a

França, a Alemanha, o Luxembur-

go. E novos, como a Noruega ou aDinamarca. A experiência de JorgeMalheiros diz-lhe que os menos qua-

lificados se servem mais das velhasredes de amizade e vizinhança, co-mo nos anos 60 e 70, e que os mais

qualificados encontram outras for-mas de chegar aos desejados postosde trabalho.

"Quando vou aí abaixo, não ima-gina a quantidade de pessoas queme pedem para as trazer", contao talhante, agora reformado, Val-demar Amante. "Já tenho ajudadomuita gente que chega sem traba-lho." Em 1973, não lhe custou ar-ranjar emprego no Luxemburgo.Agora, não basta vontade. Há três

línguas oficiais - francês, alemão e

luxemburguês. Há que falar, pelomenos, uma. E os portugueses jánão estão sozinhos a concorrer porpostos de trabalho que não interes-sam aos luxemburgueses.

Carlos da Silva, mestre-de-ceri-mónias, no Traiteur dv Pare Bruxel-les, também recebe muitos pedidosde trabalho quando vai visitar os

pais à aldeia, à qual os pais regres-saram há dois anos, para envelhecer

sem stress, a cuidar da casa e dahorta, como tinham planeado. Háum ano, conseguiu um lugar parauma prima. "Em Portugal, as pes-soas acabam de comer e vão beberuma bica. Aqui, eu vou a um caféuma vez por semana, se houver fu-tebol. Falta-lhe isso. Vai voltar paracasa."

"Num aspecto esta emigração é

igual à dos anos 60 e 70", diz Alber-tino Gonçalves: "Não é uma emigra-ção voluntária, na maior parte dos

casos. As pessoas vão porque se sen-tem empurradas." Não é só a faltade trabalho ou o trabalho mal pago."Portugal, hoje, é um país onde nãose sonha. E, num país onde não se

sonha, emigrar é natural." Há quemvenda tudo e parta, mas, como diz

Jorge Malheiros, hoje, nada é tão de-finitivo como era nos anos 60 ou70: nem as relações laborais, nemas relações afectivas. E é tambémpor isso que alguns dos que estãoa partir podem voltar.

1993 é mais do que um ano, é ocomeço de um período de disparatesOpiniãoJosé Torres Campos

Para

regressar a 1993, temosde o fazer dentro de umadécada para que a viagemfaça sentido. Chegamosdesde logo a um períodoem que vivíamos uma

euforia alimentada pela entradade Portugal na que é hoje a UniãoEuropeia. O ano de 1993 estende-se pelo resto da década por tersido o começo de um período de

disparates.A situação política estava

estabilizada, Cavaco Silva lideravao seu segundo Governo, tinha-seretomado um certo crescimentoeconómico, mas sobretudo tinha-se criado a ideia, com os dinheirosda CEE, de que isto agora era ummaná. A construção civil crescera

muito, as pessoas queriam ter asua casa, o que era normal. Hoje é

reconhecido por todos que houvenessa altura demasiada facilidadena aquisição de casa própria, masnão é a isso que me refiro quandodigo que começaram os disparates.

Os disparates começaramporque não aproveitámos esse

período de adesão, com umgoverno estável, para responderao desafio de estarmos integradosnum grupo de países com umdesenvolvimento muitíssimomaior do que o nosso. Nãoencarámos isso como um desafio

a que era preciso responder com

determinação, mas como se

nos tivesse saído a sorte grandee tudo fosse fácil - um pouco à

portuguesa. E então começam os

exemplos dos disparates.Quando, na sequência do

Tratado de Maastricht (1992)

surgiram os problemas pararespeitar o défice orçamental,matéria de que agora tanto se fala,arranjou-se a solução enganosade atirar para o futuro. E os anosassim foram passando, em euforia.

O país tinha então empresasna órbita do Estado com os seus

próprios fundos de pensões (PT,CTT). Entrámos na década de2000 e na altura a ministra das

Finanças, Manuela Ferreira Leite,chamou para o Estado o fundo de

pensões da PT, para resolver umproblema de défice orçamental.

A transferência do fundo de

pensões entrou como receita doEstado esse ano para ficarmosabaixo do célebre limite dos 3%.Estávamos em 2003. 0 Governo

integrou o fundo de pensões da PTna Caixa Geral de Aposentações(CGA), Portugal ficou abaixo do

tecto do tratado, continuámos a serchamados bons alunos e começoua atirar-se para o futuro da CGAos encargos correspondentes queagora se estão a ver. Seguiram-seoutros governos e outros fundosde pensões, nomeadamentedos CTT e dos bancários. Tudoisso tem pesado muitíssimo nodesregulamento da capacidade doEstado de assegurar o pagamentode todas essas pensões, pelasquais ficou responsável, emcontrapartida da entrada dosfundos como receita pública.

É também deste período umgrande aumento no númerode funcionários públicos e

a introdução do regime de

promoções automáticas peloqual um funcionário público eraautomaticamente promovidoao fim de um certo tempo,independentemente de outras

considerações. Era apenas umaquestão de tempo.

É com a ideia generalizadanesta década de que havia sempredinheiro que começa uma série deobras de utilidade discutível e emregime de pagamentos diferidos,tudo isso atirando custos parao futuro. Agora estamos nessefuturo, com dificuldade em pagaros encargos.

Não se aproveitou a estabilidade

política existente para tirar partidodas vantagens competitivasque Portugal, apesar de tudo,oferecia - e que nesse tempo aindaeram mais significativas - paraforçar um maior investimento

estrangeiro, sobretudo na áreados bens transaccionáveis. Pelo

contrário, insistiu-se nos serviços,nomeadamente imobiliário, ediminuiu a indústria, em vez deaumentar. Não se usou o quepoderia ter sido um trunfo enormepara o desenvolvimento do paíse havia todas as condições para ofazer. Sentimos hoje os efeitos denos termos tornado um país de

serviços. O turismo tem todas as

vantagens, mas não chega, comoverificamos. Em contrapartida,o que se desenvolveu foi oimobiliário com as consequênciasconhecidas de aumento anormaldo valor das casas, para alémdo seu valor real, especulaçãona construção, na promoçãoimobiliária e o rosário que se

seguiu.Conjugou-se a euforia dos

"dinheiros de Bruxelas" e a acçãodeficiente de um governo estávelna altura que não tirou partidodessa estabilidade para forçar umdesenvolvimento e entusiasmar os

portugueses a saberem responder

ao desafio que a CEE significava.Vingou a ideia de que era umabenesse e que nos tinha saído asorte grande. Não era nada disso.Era o início dos disparates, queinfelizmente continuaram.

Manuela Ferreira Leite foia primeira, mas houve vários

governos, inclusive do PS, quefizeram o mesmo. Hoje fala-semuito nas PPP, mas não se falano efeito das transferênciasdos fundos de pensões: as

dificuldades financeiras da CGAtambém têm a ver com esses

buracos sucessivamente tapadostransferindo para o Estado oencaixe e a responsabilidade de

pagar aos reformados da banca,dos CTT e outros como se fossemfuncionários públicos.

Todas essas manobras tiveramo mesmo efeito que foi atirar

para o futuro, à conta da CGA, o

pagamento de pensões de reformade pessoas que não tinham nadaa ver com a função pública. Agoraestamos a pagar e bem estes

disparates.A partir de um depoimento verbal

José Torres Campos foisecretário de Estado daIndústria e Energia nos trêsprimeiros governos provisórios

E assim se foi o peculiarano de 2013A finalizar esta série, três textos introduzem diferentes leituras sobre este período. Para José TorresCampos, 1993 é o momento em que falha a capacidade de aproveitar bem a adesão à Europa. LuísAguiar-Conraria percorre o ano de 2013 para nos conduzir às consequências perenes desta crise.

João Cravinho fala do que a geração actual deve às anteriores e de um falso conflito geracional

opiniãoLuísAguiar-Gonraria

olegado0

legado de 2012 foi mau.O produto interno bruto(PIB) caiu mais de 3%,a emigração voltou afazer parte do dia-a-diadas famílias e a taxa de

desemprego subiu acima de 17%.

O Orçamento do Estado (OE) foiinconstitucional, mas o TribunalConstitucional (TC) suspendeu a

aplicação da Constituição nesseano. Na frente europeia, por umlado, Mário Draghi, presidentedo Banco Central Europeu (BCE),anunciou uma política de apoioaos países em dificuldades. Poroutro, as políticas de austeridade

europeias mantinham osobstáculos ao ajustamentoportuguês. Foi com este panode fundo que 2013 começou,sem novidades de maior, com a

actividade económica a retrair-se e

o desemprego a aumentar.2013, possivelmente o ano

mais original da vida económica,

política e constitucional do

Portugal democrático, começouem Abril. O TC chumbou quatronormas do OE 2013, com umimpacto de 1300 milhõesde euros. As primeiras boasnotícias chegaram logo depois,ainda no segundo trimestre. O

desemprego parou de aumentare o PIB, surpreendentemente,voltou a crescer. Não é claro se

o TC salvou o Governo das suas

próprias políticas, ou se, pelocontrário, salvou a oposição do seudiscurso, ao permitir-lhe construiruma narrativa da recuperaçãoeconómica em torno do chumboconstitucional.

O vice-primeiro-ministrode Portugal considera que, à

semelhança de 1580, Portugalperdeu a soberania. O TC afirmou-se como a aldeia que resiste aoinvasor externo, protegendoa soberania constitucional.

Adicionalmente, na opiniãode muitos economistas, nosquais me incluo, este chumbofoi também uma pedrada deracionalidade económica numpântano de austeridade estúpida.A resistência manteve-se atéao fim, com os juizes a votarunanimemente a favor de questõescomo o alargamento para 40horas da semana de trabalho dosfuncionários públicos ou contraa convergência do regime de

pensões do sector público.O ano ficou também marcado

pela relação de Cavaco Silva coma Constituição. Pudemos perceberque o Presidente da República,afinal, não jurou pela sua honracumprir e fazer cumprir a

Constituição. O seu juramento terásido o seguinte: "Juro por minhahonra desempenhar fielmenteas funções em que fico investidoe - depois de recolher e processarcuidadosamente toda a informaçãodisponível, caso conclua que os

custos de não o fazer sejam maioresdo que os custos de o fazer -

defender, cumprir e fazer cumprira Constituição da República."

A demissão de Vítor Gasparconstituiu a saída de um dosministros mais bem preparadosdeste Governo. Em 2007 e 2008, ommistro de Estado e das Finançastinha publicado dois artigosacadémicos em que argumentavaque o défice com o exterior, oendividamento das famílias e oendividamento externo eram oresultado benigno de um processode ajustamento ao curo de quetodos sairiam beneficiados. EmJunho de 2013, abandonou oGoverno reconhecendo o seufracasso. Com a sua carta de

demissão, ficámos a saber que erao seu terceiro pedido de renúncia.

Incrivelmente, a sua sucessãonão estava preparada, tendo dado

origem à demissão irrevogável dePaulo Portas, ao golpe genial do

primeiro-ministro em recusar essa

demissão, à promoção de PauloPortas a vice-primeiro-ministro eà desautorização do Presidente da

República, que exigiu um acordocom o maior partido da oposição.

Alongo prazo, não haverá nada

Em 2007 e 2008,Vítor Gaspar disse

que o défice e o

endividamento eramo resultado benignodo processo de

ajustamento ao curomais determinante para a evoluçãode um país do que o seu capitalhumano. Nesse domínio, 2013trouxe boas notícias. Os resultadosdo Programa Internacional paraa Avaliação de Alunos de 2012foram divulgados e confirmaram aexcelente evolução dos estudantes

portugueses. Nuno Crato, que em2010 declarou que o Ministério da

Educação devia implodir, viu osbons resultados das políticas dos

seus antecessores explodirem-lhenas mãos. Tal como Vítor Gaspar,Nuno Crato era dos poucos quetinham obra publicada sobre a suaárea de governação. Infelizmente,a realidade veio mostrar quetambém Nuno Crato estavacolossalmente errado. E continua.

2013 vai fechar com um PIBreal igual ao de 2000. Depois derecuarmos 13 anos, finalmente

conseguimos inverter a marcha.À medida que o ano se aproximado fim, são cada vez mais as

boas notícias. A descida da taxade desemprego e o contínuocrescimento das nossas

exportações são as melhoresnotícias. As metas acordadas coma troika serão cumpridas e as taxasde juro estão suficientementebaixas para se acreditar numregresso cautelar aos mercadosem 2014. Infelizmente, os efeitosnefastos desta crise serão perenes.De acordo com as últimas

projecções, mais de 100.000portugueses, na maioria jovens,emigraram em 2013. Ajuntar aos120.000 que saíram em 2012,corresponde a 5% da populaçãoactiva. A geração mais qualificadade sempre, e da qual Portugaldepende para dar um salto

qualitativo, ou está desempregada

ou emigrada. A destruição donosso capital humano é o maiorlegado que deixamos para os

próximos 20 anos.P.S. - Os artigos de Gaspar

Macroeconomic adjustment to

monetary union e Adjusting to thecuro estão no site do Banco Central

Europeu: http://www.ecb.europa.eu/pub/scientific/wps/author/html/

author43O.en.HTML

Professor de Economiana Universidade do Minho

Solidariedade entre gerações e a infame guerra aos velhos

OpiniãoJoãoCravinho

Para

pessoas decentes ebem formadas, a guerraaos velhos promovidapelo primeiro-ministroa pretexto da justiça e

equidade entre gerações é

absolutamente infame.A solidariedade e equidade

entre gerações são princípioscivilizacionais basilares. É

nesse terreno fecundo que se

enraíza e aprofunda a ética de

responsabilidade que, por todo olado e a cada momento, procuraconstruir as necessárias pontesentre presente e futuro, individuale coletivo.

Nenhuma sociedade

contemporânea minimamentedecente e justa serásustentável contra essa ética de

responsabilidade alicerçada nasolidariedade e equidade entregerações. Na eventualidadeda sua derrota ou significativoenfraquecimento, a decência e

a justiça não tardariam a ficar

aplastadas pela sua subordinaçãoà iniquidade e ao egoísmo queresultariam inexoravelmente do

princípio alternativo neoliberal:cada um por si e salve-se quempuder.

Está em curso a revogaçãoprática do pacto social baseado

nos princípios da solidariedadee equidade entre gerações.A estratégia escolhida é a dofacto consumado, desprezandoa fundamentação e a

consensualização através do normalfuncionamento do processopolítico, designadamente no planoda sua conformidade constitucional.O instrumento preparatório dessa

subversão é a guerra entre geraçõesprojetada nacionalmente pelopróprio primeiro-ministro, queprocura levantar a seu favor o

ressentimento, a animosidade e

a agressividade de novos contravelhos.

Denunciados como perigosasameaças à salvação das finançaspúblicas e ao bem-estar futurodas novas gerações, maltratam-se os velhos como se estivessem

a beneficiar de pensõesexcessivamente generosas eimerecidas à custa de mais

impostos e/ou mais dívida

pública, parasitando as geraçõesativas, sobretudo as novas.

Maltratam-se também comose fosse vital para o país castigá-los publicamente, acusando-osde predadores insaciáveis derendimentos alheios para os

quais nada teriam contribuído,máxime dos rendimentos das

novas gerações. Explícita ousubliminarmente, a guerra contraos velhos assenta na ideia, supostaóbvia e incontroversa, de queos velhos roubariam às novas

gerações qualquer possibilidade demelhoria futura do seu bem-estar,de tal maneira pesado seria o fardo

que pretenderiam impor-lhes. Nanossa história não haveria roubomaior e mais iníquo. Vejo comverdadeiro horror a guerra entre

gerações que o primeiro-ministrovem promovendo. Tenho para isso

quatro razões sólidas.Em primeiro lugar, por

uma questão de princípioscivilizacionais basilares quepresidem à minha visão da boa

sociedade, como já referi.Em segundo lugar, porque as

transferências entre geraçõesfuncionam de modo exatamentecontrário ao que vem sendofalsamente propagandeado: os

beneficiários líquidos têm sidohistoricamente as gerações maisnovas e não as mais velhas. Defacto, as investigações mais

profundas e documentadas até

hoje efetuadas provam, contra osresultados enviesados na base do

enganador quadro informacionalda primeira vaga da contabilidadedita geracional, que nos paísesocidentais, no cômputo geral de

uma vida, o dinheiro tem ido dosvelhos para os novos e não emsentido contrário.

Em terceiro lugar, porque

mesmo que as gerações maisvelhas venham a ser beneficiáriaslíquidas no exclusivo plano dastransferências entre gerações - o

que é muito provável nas próximasdécadas, em data variável de

país para país - o quadro de

avaliações de equidade entre

gerações tem de ter em contamuitos outros domínios, paraalém das transferências que,frequentemente, são apenasuma parte menor desse quadro.O quadro geral de avaliaçõestem de ponderar o balanço dos

legados recebidos e transmitidosentre gerações, em especialintervivos mas não só, bem comoos correspondentes beneficiários

líquidos na sucessão do tempo.Cada geração, e cada indivíduo,

vive, realiza-se e ganha a sua

vida aos ombros das geraçõesprecedentes que lhe fizeramo legado de sucessivos blocosde capital humano, de capitalcultural, organizacional e social

e de capital físico infra-estruturalou diretamente produtivo. Os

legados geracionais de todas estasformas de capital contribuemdecisivamente para o bem-estarcoletivo e individual das novas

gerações. Deste ponto de vistaé abundantemente claro queo legado das gerações hoje nareforma ou muito próxima delaabriu e continuará a abrir às

novas gerações um quadro de

possibilidades e competênciasinfinitamente mais vasto do queaquele que receberam.

O Portugal de hoje não é demodo algum comparável ao

Portugal dos anos 50 e 60 doséculo passado, muitíssimomais pobre tanto no plano dorendimento e nível de vida comono do capital humano, cultural,organizacional, social, infra-estrutural e produtivo. A diferença,quase que abissal, é benefício

líquido das novas gerações obtidona base do esforço e investimentodas gerações que hoje estão nareforma ou próximo dela. As

novas gerações, por mais quevenham a cumprir o pacto social

intergeracional em vigor até

recentemente, nunca chegarão afechar o seu saldo devedor paracom as velhas gerações.

E é perfeitamente natural ejustificado que assim seja nocontexto das vicissitudes a queo nosso desenvolvimento foi

longamente submetido. O quenão é natural, e muito menosadmissível, é que se faça tábuarasa desse enorme contributodas velhas gerações para o bem-estar e o nível de vida das novas

gerações, no presente e no futuro.Nomeadamente, é completamentefalsa e aberrante a afirmaçãode que as velhas gerações em

pouco ou nada contribuíram oucontribuirão para o rendimentodas novas gerações. Esta matériaé de fácil comprovação. Mas nãosendo este o espaço apropriadopara a fazer, basta ter em conta, atítulo ilustrativo, o importantíssimo

impacto incremental das

superiores qualificaçõeseducacionais e competênciasinvestidas nas novas gerações, querà custa dos esforços e sacrifíciosdiretos das velhas gerações,quer indiretamente mediante as

transformações socioeconomicas e

ocupacionais por elas agenciadas.Em quarto lugar, as projeções

de longo prazo publicadas pelaComissão Europeia demonstram

que, salvo ocorrência decataclismo europeu prolongadopor décadas, os rendimentosmédios das novas geraçõesdisponíveis para utilização embenefício próprio excederão emmuito os quantitativos médioscorrespondentes usufruídos pelasvelhas gerações, no cômputo geralde todo um percurso de vida ativa.A margem de progressão da nossa

produtividade é de tal maneiragrande que a melhoria significativado nível de vida das novas geraçõessó poderá ficar em dúvida se elas

próprias forem excepcionalmentenegligentes ou incapazes de fazerbom uso das competências nelasinvestidas pelas velhas gerações.Os ganhos adicionais do PIB

potencialmente ao alcance do

melhor uso das competênciasherdadas são enormes, quantomais se essas competênciasforem devidamente actualizadase reorientadas para relançar commais força a aquisição e uso de

novas e superiores competências.Tudo visto, os velhos hoje

impiedosamente fustigados

pelo Governo de Passos Coelhocolocaram os seus deveres desolidariedade e equidade muitoacima da simples reciprocidade.E confiaram na justiça que lhesé devida. Não são sanguessugaspredadoras do bem-estar das novas

gerações. Bem pelo contrário,fizeram da grande maioria dos

indivíduos das novas geraçõesgrandes beneficiários líquidos doseu legado. Nestas circunstâncias, é

moralmente abjeto e factualmentedoloso que se promova a guerracontra os velhos em nome da

pretensa justiça e equidade entreas gerações.

Engenheiro, ex-ministro