Press Review page - tecnico.ulisboa.pt Textos HUGO FRANCO e JOANA PEREIRA BASTOS Ilustração LUÍS...

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Inteligência Artificial Gigantes tecnológicos como a Google eo Facebook apostam tudo na criação de programas que consigam aprender, conversar e até 'flirtar'. Argumento do filme "Her - Uma história de amor" poderá ser real em breve? A realidade é cada vez mais ficção PROJETO DO MIT PROMETE CRIAR, DENTRO DE DOIS ANOS, AVATARES QUE IMITEM A PERSONALIDADE DE ALGUÉM QUE MORREU E QUE POSSAM MANTER UMA CONVERSA ONLINE COM OS FAMILIARES VIVOS

Transcript of Press Review page - tecnico.ulisboa.pt Textos HUGO FRANCO e JOANA PEREIRA BASTOS Ilustração LUÍS...

Inteligência Artificial Gigantes tecnológicos como a Google e o Facebook

apostam tudo na criação de programas que consigam aprender, conversare até 'flirtar'. Argumentodo filme "Her - Umahistória de amor" poderáser real em breve?

A realidadeé cada vez mais

ficçãoPROJETO DO MITPROMETE CRIAR,DENTRO DE DOISANOS, AVATARESQUE IMITEM APERSONALIDADEDE ALGUÉMQUE MORREUE QUE POSSAMMANTER UMACONVERSAONLINE COM OSFAMILIARES VIVOS

Textos HUGO FRANCOe JOANA PEREIRA BASTOS

Ilustração LUÍS BUCHINHO

«^ entro de dois anos

qualquer um de nós po-derá "conversar", atra-vés do computador,com familiares ou ami-

gos que já morreram.Pode soar a banha da/ cobra vendida por um-^ vidente charlatão, mas

a ideia parte de um grupo de engenhei-ros apoiados pelo conceituado Massachu-setts Institute of Technology (MIT), nosEstados Unidos, que está a desenvolver

um projeto para criar uma identidade vir-tual de pessoas já falecidas, através deum complexo algoritmo de InteligênciaArtificial que simula a sua personalidade.O Eterni.me, que já conta com mais de 18

mil candidatos, promete ser uma enormerevolução tecnológica. Mas está longe de

ser a única em marcha. Grandes potên-cias como a Google e o Facebook estão a

apostar tudo na criação de máquinas tãoou mais inteligentes do que nós. A realida-de é cada vez mais ficção.

O diretor do Eterni.me, Marius Ursa-che, explica ao Expresso que o projetopropõe recriar a personalidade de al-

guém que morreu, a partir do seu perfilnas redes sociais, e-mails, fotografias eoutros dados fornecidos pelo utilizadororiginal em vida ou pelos seus familia-res, após a morte. O processamento detoda esta informação dá origem a umapessoa virtual (avatar) que simula o

comportamento e a forma de ser do

morto, permitindo a interação com os

vivos, através de conversas online."Queremos criar um legado digital quepermita aos netos interagir com o avô

que já morreu", resume. "É como umaconversa Skype com o passado."

O especialista em robótica e novas tec-

nologias revela que o Eterni.me, que con-fessa ser inspirado em obras de ficçãocientífica como os livros de Isaac Asimove Philip K. Dick ou os filmes do Super--Homem, será lançado em 2016. "O nos-so objetivo é atingir os 100 mil utilizado-res um ano após o lançamento."

O gigante Facebook também tem me-tas ambiciosas nesta área. "Estamos a tra-balhar todos os aspetos da Inteligência

Artificial para que, em três a cinco anos, o

computador compreenda a linguagemhumana, escrita ou falada. Depois disso

vamos construir máquinas que consigamcompreender as pessoas e dialogar comelas, ajudando-as no seu dia a dia", adian-ta ao Expresso Yann LeCunn, professorda Universidade de Nova lorque e respon-sável do Facebook pelo recém-criado La-boratório de Inteligência Artificial (ver en-trevista na página ao lado).

A julgar pelo empenho e volume deinvestimento que as grandes empresastecnológicas estão a fazer nesta área, o

argumento do filme de Spike Jonze"Her — Uma história de amor", queconta o romance entre um homem eum sistema operativo, de nome Saman-tha, dotado de inteligência e capaz de

aprender com a experiência, dialogar,dizer piadas e até seduzir, pode tornar--se real em poucos anos.

É nisso que acredita Ray Kurzweil, di-retor de engenharia da Google e um dosmaiores especialistas do mundo nestaárea, apontado por Bill Gates como "amelhor pessoa a prever o futuro da Inte-ligência Artificial". Há uma semana, emreação ao filme com Joaquin Phoenix ea voz de Scarlett Johansson, garantiuque nos próximos 15 anos a realidadevai até ultrapassar a ficção, com siste-

mas operativos dotados não apenas de

inteligência e voz, mas também de uma"presença física virtual".

Segundo Kurzweil, os computadoresultrapassarão a inteligência humana ehaverá uma fusão das capacidades dehomens e máquinas. "Eles já estão a en-trar dentro dos nossos ouvidos e olhose alguns, como implantes para os doen-tes de Parkinson, já estão ligados aosnossos cérebros", escreveu no seu blo-

que. O investigador tem um historialde previsões acertadas (que muitos des-

valorizam): em 1990 disse que, até1998, um computador seria capaz de ga-nhar ao campeão do mundo de xadrez.O feito deu-se um ano antes, em 1997,quando o computador da IBM DeepBlue bateu Garry Kasparov.

A Google está a trabalhar na criaçãode uma tecnologia que será "capaz de

nos conhecer melhor do que o nosso

parceiro mais íntimo ou até mesmo do

que nós próprios". O objetivo é fazercom que os computadores consigam"manter um diálogo inteligente" e aca-

bem por se tornar numa espécie de me-lhor amigo do homem.

A ideia é partilhada por José Júlio Alfe-res, diretor do Centro de InteligênciaArtificial da Universidade Nova de Lis-boa (CENTRIA): "Os computadores vãoficar a saber todos os sites que fomosvisitando, todas as músicas que ouvi-mos no YouTube, todos os e-mails queenviámos. Vão conhecer-nos melhor do

que nós próprios, no sentido em que te-rão mais conhecimento detalhado so-bre nós do que aquilo de que nós pró-prios conseguiremos lembrar-nos."

Para isso é preciso que os computado-res tenham um grau de compreensãoda linguagem humana tão elevado queconsigam perceber "trocadilhos, pia-das ou ironia", o que está "relativamen-te longe de acontecer." Ainda assim, Jo-sé Júlio Alferes acredita que, se foreminvestidos o dinheiro, os meios e o tem-po suficientes, será possível dentro de

15 ou 20 anos criar avatares que se asse-melhem muito aos humanos. "Nuncaserão uma pessoa apaixonada mas má-

quinas que imitem na perfeição umapessoa apaixonada."A criada-robô nunca chegou

Susana Nascimento, socióloga da Tec-

nologia, no Joint Research Center daComissão Europeia, é bem mais cética."Este tipo de previsões da superaçãodo humano pela computação têm sido

constantes desde a cibernética nosanos 50, mas estamos sempre a falharas metas. Continuamos sem ter umaRosie, a empregada-robô da série de de-senhos animados Jetsons, que nos foi

prometida vezes sem conta."A investigadora concede que "os ro-

bôs, os computadores, os telemóveis eaté os sistemas integrados das casas oulocais de trabalho virão a conhecer-nosmuito bem". A chamada inteligênciacomputacional "irá acompanhar-nospara todo o lado, com respostas paraquase tudo e reações de um imediatis-mo extremo às nossas necessidades."

Em marcha acelerada, a revoluçãotecnológica pode ser fascinante, mas as-sustadora. Ficarão os humanos dema-siado dependentes das máquinas? Os

computadores vão ameaçar as relaçõeshumanas? José Santos Victor, profes-sor do Instituto Superior Técnico e es-

pecialista em Robótica e InteligênciaArtificial, considera que "os robôs ten-

dem a disputar a atenção e a concorrercom os seres humanos, sobretudo quan-to mais interativos e sofisticados fo-rem". Algumas pessoas são tentadas aprojetar características humanas nossistemas de Inteligência Artificial, mes-mo os mais simples, criando laços quepoderão ser demasiado próximos."Muitos japoneses afeiçoavam-se ao Ta-magochi, compensando carências afeti-vas", lembra. Mas desdramatiza: "Nãocreio que as máquinas ameacem as rela-

ções entre as pessoas de carne e osso."

TRÊS PERGUNTAS A

Yann LeCunnProfessor da Universidade de Nova lorque e responsável do Facebook na área da Inteligência Artificial

? Em que medida os desenvolvimentosna área da Inteligência Artificial podemmodificar a nossa vida diária? Os com-putadores vão melhorar-nos como hu-

manos, tornando-nos mais inteligen-tes, rápidos e com um sentido de hu-mor mais apurado?? Uma das mudanças mais drásticas é aseguinte: o nosso computador irá com-

preender-nos melhor. Não quero apenasdizer com isto que o computador irá enten-der o que vamos dizer; será mais do queisso. Irá compreender as nossas motiva-

ções, aspirações e o que nos interessa. Se-

rá um pouco como o nosso melhor amigo,que nos apresentará pessoas e culturas in-

teressantes e que nos manterá também fo-

ra de problemas, ou que vai ajudar-nos emtempo de crise.

? Que capacidade humana os computa-dores nunca conseguirão imitar ousubstituir?? Há experiências que são apenas huma-

nas, porque os nossos corpos são feitos de

carne e osso, ao contrário das máquinas.Além disso, temos limitações psicológicasque são resultado da evolução humana e

que não serão aplicadas a todos os futuros

computadores. Por exemplo, há quem te-nha dificuldade em resistir a determina-dos impulsos enraizados no cérebro (co-

mer uma bela fatia de um bolo de chocola-

te que está a nossa frente, mesmo sabendo

que nos faz mal a longo prazo). Contudo,tirando estas características físicas e limi-

tações psicológicas, não penso que haja ca-

pacidades humanas que os computadoresnão estejam preparados para reproduzir.

? O homem corre o risco de ser contro-lado pelas máquinas?D Os computadores inteligentes não nosvão controlar mais (ou menos) do que ou-tras máquinas. Não vão substituir as nos-

sas mentes. Vão ampliá-las. Desde que apa-receram as máquinas de calcular, muitas

pessoas perderam capacidade de fazercontas de aritmética. Mas as calculadoras

permitiram que essas mesmas pessoas se

pudessem libertar e concentrar-se em tare-fas intelectualmente mais estimulantes.Os computadores vão tomar conta das par-tes chatas da nossa vida intelectual: vão fil-

trar-nos as mensagens desinteressantes,fazer o trabalho administrativo, organizar--nos as reservas e reuniões, etc. Daqui aduas décadas, o nosso smartphone vai sertão inteligente como um cão. Eu fiz umaaposta com um colega do Bell Labs (labo-ratório de desenvolvimento de tecnologiasdos telefones dos EUA): em 2023, os

smartphones vão ter inteligência suficien-

te para conduzir um carro.

Basta olharà volta

Quando se fala em inteligência artificial,pensamos logo em cenários futuristas,com robôs humanoides a moverem-se pe-lo meio de uma multidão de pessoas, ata-refados a fazer os recados dos seus do-

nos. Mas a verdade é que apesar de mui-tas destas ideias fazerem ainda parte de

um universo de ficção científica, já exis-

tem vários casos concretos de inteligên-cia artificial no nosso dia a dia. O que pre-cisamos é de olhar para os vários génerosde inteligência que existem à nossa volta.

Siri e Google Now

Os smartphones fazem cada vez mais

parte da nossa vida, pelo que faz todo osentido começar pelos assistentes vir-tuais que trazemos no bolso. A Siri é oassistente da Apple lançado juntamentecom o iPhone 4S no final de 2011. A Ap-ple recorre ao poder de processamentodos seus servidores para fazer reconhe-cimento de voz e dar resposta ao pedidodo utilizador. A Siri consegue efetuar

pesquisas na internet e responder a per-guntas feitas em linguagem natural co-mo "como é que vai estar o tempo ama-nhã?". Relativamente a outros assisten-tes virtuais, esta relativa liberdade naformulação dos pedidos ou das ordensdadas revelou-se uma verdadeira lufadade ar fresco nesta área. Todavia, quemusa a Siri com frequência rapidamentepercebe que este continua a ser um siste-

ma com uma compreensão muito limita-da, que não é verdadeiramente inteli-gente nem capaz de interagir connoscocomo se de uma pessoa se tratasse.

O Google Now, integrado tanto emsmartphones Android como no própriobrowser Chrome, da Google, aposta nu-ma abordagem diferente. É verdade

que também podemos fazer perguntasconcretas (como vai estar o tempo, quelíngua se fala no Japão, etc), mas o

Google Now tenta ser proativo e anteci-

par as necessidades do utilizador, fun-cionando especialmente bem se usar-mos os produtos da Google (calendá-rio, e-mail, etc). A empresa socorre-sedesta enorme quantidade de informa-

ção para, por exemplo, indicar que, ten-do em conta o trânsito, é preciso saircom antecedência para não chegar atra-sado a uma determinada reunião.

Carros automáticos

Nos filmes futuristas, os carros condu-zem-se sozinhos. Mas não

é preciso viajar para o fu-turo para experimentaraquilo que esta tecnolo-

gia nos pode trazer. Bas-ta olhar para aquilo que

Mercedes, Volvo, BMW etantos outros já fazem. Várias

marcas disponibilizam tecnolo-

gias de radar e sistemas computori-zados que estão constantemente a mo-nitorizar a estrada em nosso redor.Quando detetam uma diminuição dadistância entre o nosso carro e o da

frente, estes sistemas podem optar poravisar o condutor do perigo iminenteou, em alternativa, travar automatica-mente para evitar um acidente. O EuroNCAP designa esta tecnologia por Auto-nomous Emergency Braking (Trava-gem de Emergência Autónoma), ouAEB, e existem três níveis: sistema de

cidade, sistema interurbano e deteçãode peões. Cada um destes níveis corres-ponde a tecnologia com diferentes ca-

pacidades, que atuam até uma determi-nada velocidade de condução. O siste-

ma urbano corresponde ao sistemamais básico, que opera em velocidadesaté aos 20 km/hora e é indicado paraevitar os toques comuns em situação de

para-arranca. O interurbano é suficien-temente rápido a reagir para evitar o

acidente em velocidades de até 80 km/-hora, ou diminuir as suas consequên-cias a velocidades superiores. Se umcarro estiver equipado com deteção de

peões (como acontece com alguns mo-delos da Volvo), as câmaras do carrodetetam silhuetas humanas e tentamperceber se há ou não perigo de atrope-lamento, avisando o condutor ou tra-vando o carro em caso afirmativo.

Carro autónomo Google

Além das tecnologias semiautomáticas

que as marcas tradicionais de automó-veis já proporcionam, existem outrasmuito mais avançadas que ainda não es-tão disponíveis comercialmente. A Goo-

gle trabalha há vários anos num proje-to de carro autónomo que é perfeita-mente capaz de conduzir sem qualquerintervenção humana enquanto se deslo-

ca do ponto A ao ponto B. Em agostode 2012, a equipa responsável pelo pro-jeto anunciou que os seus veículos autó-nomos tinham completado 500 mil qui-lómetros sem qualquer acidente. Paraconseguir este feito, a Google equipacarros normais com 150 mil dólares de

equipamento de alta tecnologia, in-cluindo um radar especial designadopor LIDAR e 64 raios laser que permi-tem ao carro criar um mapa tridimen-sional daquilo que está à sua frente. Amontanha de dados gerada por estessensores é processada por um computa-dor local que corre os algoritmos de in-

teligência artificial criados pela Goo-

gle. São estes algoritmos que decidemquando acelerar, travar, ultrapassar e o

caminho a percorrer. O computadortem de tomar milhares de decisões acada instante baseando-se no compor-tamento do carro, dos outros conduto-res e de eventuais obstáculos que pos-sam surgir de forma inesperada.

Aprendizagemde máquinaÉ um ramo do campo da InteligênciaArtificial no qual os cientistas progra-mam um sistema para aprender a par-tir de um grande conjunto de dados,em vez de tentar criar um sistema queseja, à partida, inteligente. Este tipode inteligência artificial é usada em vá-rios campos, como o reconhecimentode voz e de escrita, os sistemas da Goo-

gle nos seus carros autónomos ou daIBM com o Watson, o computador quefez história por conseguir vencer o fa-

moso concurso televisivo de cultura ge-ral Jeopardy. Com a aprendizagem de

máquina, se quisermos ensinar umcomputador a reconhecer a letra A, co-

meçamos por apresentar ao programaos vários tipos de "A" que existem. Os

algoritmos acabam por identificaraquilo que os vários "A" têm em co-mum e passar a conseguir reconhecera letra. Recentemente, a IBM anun-ciou que a tecnologia desenvolvida pa-ra o Watson iria ser usada em aplica-ções de call center e suporte de ven-das. Além de versões para ajudarquem atende os telefones, existiráuma capaz de interagir sozinha com osclientes.

DARPA Robotics Challenge

O que começou por ser um desafiode veículos autónomos transformou--se num concurso de robôs inteligen-tes, capazes de atuar em situações de

emergência. Depois do acidente nu-clear de Fukushima, no Japão, de-

pressa se percebeu que precisamosda ajuda de máquinas capazes deatuar neste tipo de cenários de desas-tre. É isso mesmo que este concursoda DARPA pretende promover: tec-nologias que sejam capazes de vir aser usadas em robôs autónomos, ca-pazes de salvar pessoas ou avaliar o

tipo de estragos provocados por umdesastre natural ou causado pelo ho-mem. Os vencedores do prémio de 2milhões de dólares serão conhecidoseste ano. A Google venceu a prova de

2013 com o robô SHAFT e está posi-cionada como uma das favoritas atépela grande quantidade de empresasda área que comprou no final do anopassado. Uma das mais conhecidas é

a Boston Dynamics, cujos robôs apa-recem frequentemente no YouTube.O robô humanoide Atlas ou o Big-Dog são exemplos daquilo que embreve poderá ser banal em situaçõesde desastre.

MÁRCIO [email protected]