Pressão Atmosférica

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31 4. PRESSÃO ATMOSFÉRICA Denomina-se pressão atmosférica o resultado do peso exercido por uma coluna de ar de base unitária que se encontra acima do observador, em um dado instante e local. Fisicamente, a pressão representa o peso que a atmosfera exerce sobre uma unidade de área. O estudo da pressão atmosférica é muito importante, bastando lembrar que, sendo o ar um fluido, sua tendência é movimentar-se em direção às áreas de menor pressão. Depreende-se daí que o movimento do ar atmosférico está intimamente relacionado com a distribuição da pressão atmosférica, embora existam outras forças intervenientes que modificam a tendência inicial do ar em mover-se diretamente para as regiões onde a pressão for mais baixa. As variações da pressão atmosférica não são perceptíveis aos sentidos humanos, entretanto constituem um aspecto importante do tempo pelas relações que apresentam com as mudanças das condições atmosféricas. Para a aviação, a pressão atmosférica tem um significado especial, pois, sem o seu conhecimento a navegação aérea teria sérios problemas de segurança. 4.1 DETERMINAÇÃO DA PRESSÃO ATMOSFÉRICA Em 1643, mediante uma simples experiência, Evangelista Torricelli mostrou que a pressão atmosférica é capaz de compensar a pressão reinante na base de uma coluna de mercúrio, mantida em equilíbrio. Estava, pois, inventado o barômetro, instrumento que, com alguns melhoramentos, constitui, ainda hoje, o meio mais preciso de se determinar o valor da pressão atmosférica. Como a pressão atmosférica varia permanentemente, é necessário que seus valores sejam devidamente medidos. Quanto a essa variação, há que distinguir duas situações: uma delas se refere às variações locais, sem influências externas, como se a região estivesse sob o domínio de determinada massa de ar. Neste caso, ocorrem duas "ondas" na marcha da pressão ao longo das 24 horas, com dois "máximos" às 10:00 e 22:00 h e dois "mínimos" às 04:00 e 16:00 h. Esta configuração é conhecida como "maré barométrica". Figura 1.4 - Variação horizontal da pressão atmosférica ao longo da semana, em milímetros de mercúrio.

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4. PRESSÃO ATMOSFÉRICA Denomina-se pressão atmosférica o resultado do peso exercido por uma coluna de ar de base unitária que se encontra acima do observador, em um dado instante e local. Fisicamente, a pressão representa o peso que a atmosfera exerce sobre uma unidade de área. O estudo da pressão atmosférica é muito importante, bastando lembrar que, sendo o ar um fluido, sua tendência é movimentar-se em direção às áreas de menor pressão. Depreende-se daí que o movimento do ar atmosférico está intimamente relacionado com a distribuição da pressão atmosférica, embora existam outras forças intervenientes que modificam a tendência inicial do ar em mover-se diretamente para as regiões onde a pressão for mais baixa. As variações da pressão atmosférica não são perceptíveis aos sentidos humanos, entretanto constituem um aspecto importante do tempo pelas relações que apresentam com as mudanças das condições atmosféricas. Para a aviação, a pressão atmosférica tem um significado especial, pois, sem o seu conhecimento a navegação aérea teria sérios problemas de segurança. 4.1 DETERMINAÇÃO DA PRESSÃO ATMOSFÉRICA Em 1643, mediante uma simples experiência, Evangelista Torricelli mostrou que a pressão atmosférica é capaz de compensar a pressão reinante na base de uma coluna de mercúrio, mantida em equilíbrio. Estava, pois, inventado o barômetro, instrumento que, com alguns melhoramentos, constitui, ainda hoje, o meio mais preciso de se determinar o valor da pressão atmosférica. Como a pressão atmosférica varia permanentemente, é necessário que seus valores sejam devidamente medidos. Quanto a essa variação, há que distinguir duas situações: uma delas se refere às variações locais, sem influências externas, como se a região estivesse sob o domínio de determinada massa de ar. Neste caso, ocorrem duas "ondas" na marcha da pressão ao longo das 24 horas, com dois "máximos" às 10:00 e 22:00 h e dois "mínimos" às 04:00 e 16:00 h. Esta configuração é conhecida como "maré barométrica".

Figura 1.4 - Variação horizontal da pressão atmosférica ao longo da semana, em

milímetros de mercúrio.

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A outra situação refere-se às variações transientes, aquelas causadas por mudanças das condições do tempo, muitas vezes em razão de causas externas, como os movimentos de massas de ar. A observação e a análise dessas variações são muito importantes para a previsão do tempo. Por exemplo, se a pressão cai acentuadamente, independentemente da maré barométrica, pode-se esperar alguma mudança do tempo e, provavelmente, chuvas e tempestades. Entretanto, não é fácil distinguir as variações locais da maré barométrica, principalmente nas regiões tropicais, onde são pouco expressivas. BARÔMETROS Os barômetros se dividem em dois grupos, de acordo com o princípio de funcionamento: o barômetro de mercúrio e o de aneróide. BARÔMETRO DE MERCÚRIO Um barômetro de mercúrio é constituído de um tubo de vidro, com cerca de 90 cm de comprimento, cuja extremidade aberta está situada no interior de uma cuba. Quando o instrumento se encontra em perfeitas condições de operação, há vácuo na parte superior do tubo e o mercúrio ocupa sua porção inferior e grande parte da cuba. O tubo de vidro é protegido por um cilindro metálico, acoplado a uma cuba e dotado de um visor, através do qual pode ser vista a extremidade da coluna de mercúrio, o “menisco”. Gravadas no cilindro, junto ao visor, há uma escala graduada em unidade de pressão. As frações da pressão são obtidas por meio de um “vernier”, cuja posição pode ser ajustada de modo a tangenciar o “menisco” da coluna de mercúrio, permitindo leituras com aproximação decimal. Finalmente, um termômetro acoplado ao corpo do instrumento é colocado com a finalidade de “corrigir” a dilatação do mercúrio sofrida pelo calor do ambiente onde se encontra o instrumento. Os barômetros de mercúrio são fabricados de modo que forneçam leituras corretas apenas quando submetidos às condições de temperatura igual a 0˚C e à gravidade igual a 980,665 cm.s

-2.

Figura 2.4 - A pressão atmosférica normal ao nível médio do mar sustenta uma

coluna de mercúrio de 76 cm de altura por 1 cm de diâmetro.

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BARÔMETRO ANERÓIDE O barômetro aneróide baseia-se na deformação que as variações da pressão atmosférica provocam em cápsulas metálicas de paredes onduladas e flexíveis, advindo daí o nome “aneróide” pelo qual é conhecido. Ao se deformarem pela variação da pressão, essas cápsulas movimentam um sistema de alavancas que aciona um ponteiro, o qual desliza sobre uma escala graduada, exibida num mostrador. Em geral, o sistema de alavancas inclui um “compensador” bimetálico, cuja finalidade é neutralizar os efeitos da dilatação devido à temperatura ambiente. Quando esse elemento está presente, a pressão atmosférica pode ser lida diretamente no mostrador. As cápsulas aneróides constituem o elemento sensível dos barógrafos. Nesses instrumentos, o sistema de alavancas aciona uma haste em cuja extremidade encontra-se uma pena, que se move sobre um cilindro rotativo recoberto por um diagrama apropriado (figura 1.4).

Figura 3.4 - Esquema de um barômetro aneróide. Outra aplicação das cápsulas aneróides é na construção dos altímetros. O mesmo sistema de alavancas aciona os ponteiros indicadores da altitude da aeronave, haja vista a relação existente entre as variações barométricas verticais e a altitude.

Figura 4.4 - Esquema de funcionamento de um altímetro.

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4.2 PRESSÃO AO NÍVEL MÉDIO DO MAR Não é correto comparar diretamente os valores da pressão atmosférica quando medidos em locais com diferentes elevações. Caso isso fosse feito, os valores de pressão referentes às localidades mais elevadas, sendo sempre menores que as demais, conduziriam a resultados inverídicos. Por exemplo, dariam a falsa impressão que o ar tenderia a se deslocar sempre dos locais de menor elevação (onde a pressão é sempre mais alta) para os de maior. Neste caso, os ventos soprariam permanentemente encosta acima. Essa conclusão, por ser baseada numa premissa falsa, iria ser contrariada pelas observações da verdadeira direção do vento. Para que possam ser comparados os valores de pressão em superfície, observados em locais com elevações distintas, é necessário que o efeito do relevo seja eliminado. Isso é feito aplicando-se uma correção aos valores observados da pressão atmosférica, para que se ajuste a um dado nível de referência, normalmente o nível médio do mar. Em locais de elevações positivas, essa correção consiste em se adicionar certo incremento ao valor da pressão observado em superfície para compensar a camada atmosférica que passaria a existir sobre esse mesmo local. Em se tratando de elevações negativas, como é o caso das regiões situadas abaixo do nível médio do mar, a pressão observada sofreria uma diminuição para compensar a camada de ar que, teoricamente, deixaria de existir acima deles. Esse valor de pressão que seria somado ou subtraído da pressão medida em superfície corresponde a uma compensação barométrica para se comparar os valores de pressão medidos em distintas localidades, porém ajustados ao nível médio do mar (QFF). A eliminação do “efeito altitude”, entretanto, é um problema muito sério para a meteorologia. De fato, quando o local considerado possui uma elevação positiva muito grande, é necessário estimar as propriedades físicas da atmosfera naquela hipotética camada vertical, com vistas a quantificar o incremento a ser dado à pressão observada em superfície. Evidentemente, o erro cometido será tanto maior quanto mais elevado for o local em questão. 4.3 PRESSÃO PARA FINS AERONÁUTICOS A utilização do altímetro como instrumento básico das operações aéreas tornou necessária a criação de procedimentos de ajuste dos valores da pressão como referenciais de altura e de altitude. Vejamos as principais reduções da pressão em uso aeronáutico: QFE Este ajuste corresponde ao valor da pressão atmosférica ao nível de uma pista de pouso, utilizado como referência de altura de uma aeronave. Por exemplo, utilizando-se no altímetro o valor QFE, a indicação do instrumento será a distância vertical entre a aeronave e o nível do solo. Este ajuste é conhecido, também, por "ajuste a zero", pois, ao pousar, o altímetro da aeronave indicará "zero" de altura. QNH

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Este ajuste corresponde ao valor da pressão atmosférica de uma pista de pouso referenciada ao nível médio do mar. É utilizado como referência de altitude da aeronave. Por exemplo, utilizando-se no altímetro o valor QNH, a indicação do instrumento será a distância vertical entre a aeronave e o nível médio do mar. Esta informação é fornecida pela TWR momentos antes de o piloto iniciar o procedimento de pouso ou decolagem. QNE Este ajuste, correspondente a 1013,2 hPa e padronizado para vôos em rota, é conhecido por "ajuste padrão". Uma aeronave em vôo QNE acompanha as variações horizontais da pressão ao longo da rota, de acordo com o comportamento da pressão nos níveis de vôo. 4.4 UNIDADES DE PRESSÃO As unidades de pressão de interesse aeronáutico são aquelas de uso nos boletins meteorológicos, nos altímetros das aeronaves e nas torres de controle de vôo. HECTOPASCAL Esta unidade é utilizada nos boletins meteorológicos e nos altímetros das aeronaves. No sistema CGS de unidades, 1 hPa corresponde a 1000 dinas/cm². Algumas publicações aeronáuticas ainda fazem referência ao “milibar” (mb), unidade numericamente equivalente ao hectopascal. Entretanto, a Emenda 14 ao Anexo 5 da ICAO substituiu o “mb” pelo “hPa” como unidade de medida de pressão para fins aeronáuticos em 01.01.1986. POLEGADAS DE MERCÚRIO É a medida da altura da coluna de mercúrio do barômetro, em polegadas. Esta unidade ainda é muito utilizada nos países de língua inglesa, onde 1 pol.Hg = 33,86 hPa (aproximadamente). No Brasil, muitos altímetros ainda utilizam essa escala. CENTÍMETROS DE MERCÚRIO Analogamente, é a medida da coluna de mercúrio do barômetro, em centímetros. Isto é, 1 cm.Hg = 13,33 hPa (aproximadamente). MILÍMETROS DE MERCÚRIO É a medida da coluna de mercúrio do barômetro, em milímetros. 1 mm.Hg = 1,33hPa (aproximadamente). 4.5 VARIAÇÕES DA PRESSÃO Vários são os fatores que contribuem para a mudança da pressão atmosférica. A temperatura é um deles. Quanto maior a temperatura, maior a dilatação; logo, o ar torna-se mais leve. Se a temperatura diminui, torna-se mais denso. Esse é o

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comportamento do ar atmosférico, mas, para outros corpos, como a água, essa afirmação não é sempre verdadeira. Para a aviação, há grande interesse pelas variações da pressão atmosférica em outros aspectos. VARIAÇÃO VERTICAL DA PRESSÃO Pela própria definição de pressão, que é o resultado do "peso de uma coluna de ar sobre uma dada área", percebe-se que a pressão diminui à medida que aumenta a altura. Essa descoberta proporcionou um grande avanço na navegação aérea, com a criação do altímetro, uma das melhores aplicações do barômetro aneróide. SUPERFÍCIE ISOBÁRICA Considerando as variações verticais da pressão, os valores de pressão podem formar superfícies de pressão constante, ou superfície isobárica, que corresponde a um “plano imaginário” de mesmo valor de pressão. Quando uma aeronave mantém a mesma altitude “aparente”, ela está voando numa superfície isobárica. Veja a figura 5.4.

Figura 5.4 - Uma aeronave em vôo acompanha as flutuações da superfície isobárica

de referência. VARIAÇÃO HORIZONTAL DA PRESSÃO Se a atmosfera estivesse em repouso, predominariam sobre os continentes, durante o verão, altas temperaturas e baixas pressões e, sobre os oceanos, baixas temperaturas e altas pressões. No inverno, essas configurações se inverteriam. Em realidade, a situação é um pouco mais complexa. Além da periodicidade da radiação solar, os ventos, quando associados à topografia, desempenham importante papel na distribuição dos campos de pressão. No lado barlavento, o ar em escoamento tende a represar-se, criando situações de pressão alta, enquanto a sotavento ocorreriam formações de baixa pressão. Além disso, as perturbações da atmosfera estão em permanentes alterações, ora se intensificando, ora se enfraquecendo, e deslocando-se horizontalmente. Assim, torna-se clara a grande complexidade das variações horizontais do campo de pressão, residindo aí um desafio para a previsão do tempo.

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LINHAS ISOBÁRICAS Para uma análise mais acurada das variações horizontais da pressão, torna-se necessária a utilização de linhas que possam representar a intersecção das superfícies isobáricas com o plano imaginário do nível médio do mar. Portanto, as isóbaras são linhas que unem os valores de mesma pressão sobre o nível médio do mar. Sua finalidade é facilitar o trabalho de análise meteorológica, a fim de se realizar os prognósticos do tempo. Veja a figura 6.4.

Figura 6.4 - Linhas isobáricas numa carta de análise meteorológica de superfície. 4.6 SISTEMAS DE PRESSÃO Os sistemas de pressão constituem áreas bem definidas, em grande escala, nas quais os ventos assumem configurações tipicamente ciclônicas ou anticiclônicas, isto é, sopram para o interior ou para o exterior da referida região. SISTEMAS CICLÔNICOS Os sistemas ciclônicos representam áreas de pressão baixa cujos ventos sopram do exterior para o seu interior. Esses sistemas, em cujo interior predominam, quase sempre, mau tempo, dividem-se em “fechados” e “abertos”. SISTEMAS CICLÔNICOS FECHADOS Um único valor de pressão baixa não constitui, por si só, um sistema de baixa pressão, ou ciclone, como também é conhecido. O que define um sistema de baixa pressão é um conjunto de isóbaras em que os valores menores se encontram no centro. Observe na figura 6.4 que essa configuração (L) é fechada. SISTEMAS CICLÔNICOS ABERTOS As configurações de um cavado são tipicamente ciclônicas, porém as isóbaras não se fecham. Logo, um cavado é definido como uma região alongada de pressões baixas. Veja as figuras 6.4 e 7.4.

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SISTEMAS ANTICICLÔNICOS Os sistemas anticiclônicos representam áreas de pressão alta cujos ventos sopram do seu interior para o exterior. Esses sistemas, em cujo interior predominam, quase sempre, bom tempo, dividem-se em “fechados” e “abertos”. SISTEMAS ANTICILÔNICOS FECHADOS Um único valor de pressão alta não constitui, por si só, um sistema de alta pressão, ou anticiclone, como também é conhecido. O que define um sistema de alta pressão é um conjunto de valores de pressão em que os mais elevados se acham no centro. Observe na figura 6.4 que essa configuração (H) é fechada. SISTEMAS ANTICICLÔNICOS ABERTOS As configurações de uma crista (ou cunha) são tipicamente anticiclônicas, porém as isóbaras não se fecham. Logo, uma crista é definida como uma região alongada de pressões altas. Veja as figuras 6.4 e 7.4. COLO O campo de pressão denominado "colo" (ou “cela”) é formado por uma região que une dois ciclones e dois anticiclones conjugados. Em geral, os ventos predominantes nessa região são fracos e variáveis. Veja as figuras 6.4 e 7.4.

Figura 7.4 - Configurações isobáricas típicas.

4.7 CONCLUSÃO A pressão atmosférica sempre significou um dado importante para os seres humanos. Pode-se afirmar que, instintivamente, as pessoas preferem viver em ambientes mais agradáveis: Para alguns, o litoral; para outros, as montanhas. Para o aeronavegante, em especial, a pressão atmosférica é uma preocupação consciente, pois suas variações, provocadas por constantes pousos e decolagens, provocam significativos desgastes orgânicos ao longo dos anos de atividade aérea. Para o serviço de meteorologia, entretanto, as variações da pressão atmosférica podem significar mudanças nas condições do tempo.

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4.8 BIBLIOGRAFIA VIANELLO, R.L. & ALVES, A.R. - Meteorologia Básica e Aplicações,

Universidade Federal de Viçosa, 1991, 469p. U.S.A. Department of The Air Force - Weather for Aircrews, volume 1, 1982,

145p.

VAREJÃO-SILVA, M.A. - Meteorologia e Climatologia, Instituto Nacional de Meteorologia, 2001, 515p.

ANTAS, L.M. - Glossário de Termos Técnicos, Coleção Aeroespacial, Traço

Editora, 1979, 756p.

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INTENCIONALMENTE EM BRANCO

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LEITURA COMPLEMENTAR

EVANGELISTA TORRICELLI Em 1608, o aparecimento da luneta nas mãos pesquisadoras de Galileu abriu as portas da ciência astronômica. Tornou-se possível estudar as montanhas da Lua, os satélites de Júpiter, as fases de Vênus e a variação do diâmetro aparente dos planetas. Caíam por terra velhas doutrinas: passou a ser exigido de um cientista que deixasse de procurar a verdade nas Sagradas Escrituras para olhar à sua volta e arrancá-la do que observava. Muitos ramos da ciência beneficiaram-se com o método experimental de Galileu. Colocou-se na ordem do dia a realização de experiências e a construção de aparelhos para a pesquisa. Começava a nascer a idéia da ligação íntima existente entre teoria e prática. Os estudiosos tinham, atrás de si, séculos de automistificação, em que velhas e veneráveis teorias permaneciam "oficiais", mesmo quando afirmavam o contrário do que ocorria realmente. O advento do método científico, com seu rigorismo e sua pouca propensão a aceitar argumentos não fundamentados na experiência, foi uma injeção de vitalidade no edifício científico medieval. No ano de 1608, a 15 de outubro, nascia em Faenza, um futuro cientista, destinado a desempenhar importante papel no desenvolvimento das idéias de Galileu. Seu nome era Evangelista Torricelli, o responsável pela comprovação do peso do ar, também conhecido como precursor de Newton e Leibniz no desenvolvimento do cálculo infinitesimal. Para que o menino pudesse estudar, seu pai, homem humilde, decidiu confiá-lo a um tio, superior de uma ordem eclesiástica. Foi esse o seu primeiro mestre, até que atingiu a idade necessária para ser aceito numa escola de jesuítas. Em 1627, com dezenove anos, inscreveu-se na Universidade de Roma. Aí, estudou matemática sob a orientação de Benedetto Castelli. Tinha como colegas alguns futuros matemáticos de fama, como Cavalieri e Ricci. Entre o professor e o aluno estabeleceu-se profunda identidade, a ponto de Castelli propô-lo a Galileu como secretário. A essa altura, Torricelli já havia adquirido sólida fama científica. Não era, portanto, um simples desconhecido o homem que, em 1641, dirigiu-se a Florença, onde Galileu passava os últimos anos de sua vida em prisão domiciliar. Galileu já exercia influência sobre seu jovem secretário muito antes de conhecê-lo pessoalmente, desde a época em que Torricelli estudara o Diálogo sobre os Dois Máximos Sistemas. A permanência na vila de Galileu e a convivência com outros discípulos (entre os quais Viviani) contribuíram para intensificar essa influência. Em pouco tempo Galileu conseguira convertê-lo para a causa do método científico como único meio válido para qualquer tipo de estudo. A morte do mestre, entretanto, poucos meses após a chegada de Torricelli, fez com que o grupo de discípulos se dispersasse rapidamente. Torricelli pretendia dirigir-se a Roma, onde possuía amizades e conhecimentos feitos durante o período de seus estudos. Mas a fama alcançada em Florença, por ocasião de sua breve estada, impediu-o de partir: o Grão-Duque da Toscana nomeou-o matemático da corte. Tornava-se, dessa maneira, sucessor de Galileu na cátedra de matemática da Universidade.

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Grande parte dos estudos matemáticos de Torricelli não conseguiu sobreviver. Eram, sobretudo, trabalhos efetuados em Roma, em época precedente ao período toscano, quando Torricelli publicou pouca coisa, e tudo sob a forma de apontamentos desordenados, freqüentemente incompreensíveis e desconexos. Felizmente, sua correspondência com outros sábios permitiu reconstituir os problemas que atraíam, na época, sua atenção. Até então, os matemáticos tinham, quase exclusivamente, aperfeiçoado e estendido os estudos geométricos dos gregos antigos e a ciência algébrica e trigonométrica dos árabes. O ápice, neste trabalho de aperfeiçoamento, foi atingido nos séculos XV e XVI. A geometria de figuras elementares, como o círculo, a esfera, o cone, as superfícies e volumes gerados pela interseção dessas figuras, já havia sido cuidadosamente estudada e investigada a fundo. As novas ciências experimentais, como a física, a astronomia e suas aplicações, a hidráulica e a balística, por exemplo, traziam aos estudiosos novos problemas. Torricelli prosseguiu, então, o estudo do movimento dos projéteis, iniciado anos antes por Tartaglia, elevando notavelmente o nível de compreensão sobre o assunto. Estudou ainda novos problemas de geometria, certas curvas especiais, como a ciclóide, desenhada no espaço por um ponto da periferia de uma roda que gire, sem escorregar, sobre um plano. Torricelli calculou o comprimento do arco da ciclóide e a área compreendida entre a curva e o plano de apoio sobre o qual gira a geratriz. A importância prática desses estudos, na realidade, é muito escassa, mas a procura de soluções levou à descoberta de novos métodos matemáticos, cuja importância se revelou muito grande. No século XVII, de fato, difundiram-se métodos derivados do processo de exaustão de Arquimedes (que permite calcular, de modo bastante aproximado, comprimentos, áreas e volumes de quaisquer corpos geométricos) e que antecipavam o cálculo infinitesimal. Torricelli e Cavalieri foram os primeiros a fazer uso intensivo desses métodos. Conseguiram, assim, enfrentar problemas novos, a ponto de darem uma fisionomia completamente diversa à matemática. Entre eles, um, cuja solução só era possível para sólidos: a determinação do baricentro dos corpos. A palavra barômetro traz à mente a imagem de um instrumento para previsão das condições meteorológicas. Na época de sua invenção, porém, foi considerado como uma descoberta de excepcional importância, autêntica conquista da ciência e da filosofia. Galileu demonstrara que muitas das afirmações aristotélicas eram falsas, abalando, desse modo, todo o edifício científico do filósofo grego. Não tivera tempo, porém, para edificar novos princípios científicos sobre essas ruínas, porque parte desse trabalho foi realizada por seus discípulos e seguidores. Com a experiência do tubo que, cheio de mercúrio e invertido num recipiente do mesmo líquido, fica cheio só até um nível de, aproximadamente, 76 centímetros, Torricelli colocou em novas bases a afirmação aristotélica de que a "natureza tem horror ao vácuo". Na verdade, o tubo de mercúrio fica parcialmente cheio, não por causa de razões misteriosas que levariam os corpos a preencher os vazios

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existentes, mas devido à pressão atmosférica. A experiência de Torricelli serviu para comprovar a sua existência e, simultaneamente, medir o seu valor. Mais tarde Pascal aprofundaria os estudos sobre o assunto, destruindo por completo as concepções aristotélicas dos opositores de Torricelli. Em 1648, na experiência de Puy-de-Dôme, demonstrou a diferença da pressão atmosférica ao nível do mar e nas elevações: "A natureza tem mais horror ao vácuo sobre as montanhas do que nos vales? Que todos os discípulos de Aristóteles acumulem o mais importante que haja nos escritos de seu mestre e de seus comentadores para explicar essas coisas, se puderem, pelo horror ao vácuo". A invenção do barômetro não constituiu, porém, um fato isolado. Torricelli estudou muitos problemas concernentes à mecânica dos fluidos e à hidráulica aplicada. Conseguiu encontrar uma regra que permite avaliar a velocidade com que a água sai de um orifício praticado na parede de um recipiente, quando é conhecido o desnível que medeia entre o orifício e a superfície livre do líquido. A descoberta de que essa velocidade é igual à que a água adquiriria, se caísse livremente no vazio de uma altura igual ao desnível, constitui, praticamente, uma conseqüência direta das experiências de Galileu sobre os movimentos sujeitos à ação da gravidade, mas também representa uma intuição do princípio da conservação da energia. Seus numerosos estudos de hidráulica não se limitaram unicamente à teoria. De fato, deve-se a ele o famoso estudo para o saneamento do vale do Chiana, contido no trabalho intitulado Sobre o Curso do Chiana, publicado somente em 1768. A publicação contém ainda diversas observações sobre o movimento das águas. Muitos afirmam que Torricelli sempre preferiu fazer outras pessoas trabalharem nas suas experiências, quando estas requeriam manipulações complicadas. De fato, muitas das pesquisas a ele atribuídas foram, na realidade, conduzidas por Viviani. Isso, todavia, não diminui a personalidade do grande matemático, que as idealizou e dirigiu. Sua "preguiça" na realização de experiências não abrangia os trabalhos na óptica. Torricelli sabia construir instrumentos ópticos perfeitos, embora, estranhamente, nunca houvesse efetuado observações astronômicas, muito em voga à época. Assim, dizia que a sua residência, na Praça do Duomo, não era, em absoluto, adequada às observações, uma vez que a cúpula de Brunelleschi (da Igreja de Santa Maria Del Fiore) lhe impedia a visão do céu. Acredita-se que Torricelli tenha aprendido diretamente de Galileu a arte de fabricar lentes. Além disso, desenvolveu um sistema para controlar a perfeição das superfícies obtidas. Suas peças se tornaram famosíssimas em todos os círculos científicos da época. Seus instrumentos ópticos alcançaram tal perfeição que o tornaram famoso por toda a Europa. O Grão-Duque da Toscana lhe deu trezentos escudos de ouro por sua invenção. No entanto, a "receita" da descoberta se perdeu. Em outubro de 1647 Torricelli foi atacado por uma febre tifóide que, a 25 do mesmo mês, o levou à morte. O segredo, regiamente comprado pelo duque, veio a ser confiado por sua vez a Viviani. Em seguida, não houve mais informação alguma a seu respeito.

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A maior preocupação de Torricelli, às vésperas da morte, dirigiu-se para os seus manuscritos. O moribundo recomendou a um amigo, Ludovico Serenai, que os enviasse a Castelli, para sua impressão. Castelli, porém, faleceu após trinta e cinco dias. Como Ricci recusou o pesado encargo, Viviani o aceitou, porém não o cumpriu, e por esse motivo foi acusado de querer sabotar o projeto. Finalmente, o fatigante trabalho de transcrição foi iniciado por Serenai que, todavia, não chegou a vê-lo impresso. Na realidade, a edição integral das obras data de 1919.

FONTE׃ http://www.saladefisica.cjb.net