Preto e branco nos clubes de futebol - Portal PUC-Rio Digitalpuc-riodigital.com.puc-rio.br/media/19...

4
P & B 71 m estandarte recebido de Dom Manuel, o Ven- t u roso, os mares nave- gados e a Cruz de Cris- to. A princípio, essa não é uma combinação de símbolos que possa remeter a algo tão po- pular como o futebol. No entan- to, esses símbolos compõem um dos uniformes mais marcantes do esporte no Brasil, o uniforme a l v i n e g ro do Vasco da Gama. É difícil imaginar que a mais bási- ca combinação de cores – preto e branco – seja responsável por histórias tão distintas – e, ade- mais, interessantes – nos clubes de futebol, não só brasileiros, como de todo o mundo. Em 21 de agosto de 1898, um g rupo de remadores cariocas, cansados por terem que se deslo- car até Niterói para praticar a atividade, reuniu-se e decidiram criar um novo clube de remo na cidade do Rio de Janeiro. Em 7 de novembro daquele ano, o Vasco da Gama solicitava sua inscrição oficial na União de Regatas Fluminense, ao mesmo tempo em que conhecia as cores de seu uniforme: a camisa preta, repre- sentando as águas escuras des- bravadas pelo navegador por- tuguês, com uma listra branca vertical no centro, em alusão ao estandarte a ele concedido pelo décimo quarto rei de Portugal. A Cruz de Cristo – e não de Malta, como muitos a conhecem – levada até às Índias por Vasco da Gama, finalizava a com- posição do uniforme. De acordo com o jornalista e comentarista e s p o rtivo, Roberto Assaf, a de- cisão pelas cores foi registrada no estatuto do clube com a deter- minação de que jamais poderia s o f rer qualquer tipo de mu- dança. Pelé em preto e branco Os uniformes alvinegros tor- navam muito fácil o contraste entre os jogadores de cada time na época das transmissões de televisão em preto e branco. Afinal, seria uma tarefa quase impossível diferenciar jogadores em uma partida em que um dos times usasse azul e o outro, verde. Mas, o preto e o branco carregam consigo diversas curiosidades no mundo do futebol. Será que alguém conseguiria imaginar Pelé comemorando seu milésimo gol (por acaso, contra o Vasco da Gama) vestindo um uniforme branco, azul e doura- do? Pois eram exatamente estas as cores do Santos Futebol Clube nos seus primeiros meses de ativi- dade. O “leão do mar” só acabou mudando para o preto e o bran- co porque encontrou dificuldades para confeccionar camisas e calções com suas cores originais. No entanto, há rumores de que a mudança se deu também em função da combinação discutível das três cores. Quase um ano depois da fun- dação do clube, um sócio sugeriu um uniforme alvinegro para o Santos, e defendeu sua idéia di- zendo que “o branco represen- taria a paz enquanto o preto re- presentaria a nobreza da institui- ção”. A sugestão foi seguida pelos dirigentes do clube, dando ori- gem ao que vemos atualmente. Roberto Assaf conta que grande parte dos times brasileiros que optou pelo uso da combinação Preto e branco nos clubes de futebol AUGUSTO CASTRO, LEANDRO SANTOS, MELINA AMARAL E NÉRISON ALMEIDA Pelé jogou no Santos e torcia pelo Vasco da Gama

Transcript of Preto e branco nos clubes de futebol - Portal PUC-Rio Digitalpuc-riodigital.com.puc-rio.br/media/19...

P & B71

m estandarte re c e b i d ode Dom Manuel, o Ve n-t u roso, os mares nave-gados e a Cruz de Cris-

to. A princípio, essa não é umacombinação de símbolos quepossa remeter a algo tão po-pular como o futebol. No entan-to, esses símbolos compõem umdos uniformes mais marc a n t e sdo esporte no Brasil, o uniform ea l v i n e g ro do Vasco da Gama. Édifícil imaginar que a mais bási-ca combinação de cores – preto ebranco – seja responsável porhistórias tão distintas – e, ade-mais, interessantes – nos clubesde futebol, não só brasileiro s ,como de todo o mundo.

Em 21 de agosto de 1898, umg rupo de re m a d o res cariocas,cansados por terem que se deslo-car até Niterói para praticar aatividade, reuniu-se e decidiramcriar um novo clube de remo nacidade do Rio de Janeiro. Em 7 denovembro daquele ano, o Vascoda Gama solicitava sua inscriçãooficial na União de RegatasFluminense, ao mesmo tempoem que conhecia as cores de seuuniforme: a camisa preta, repre-sentando as águas escuras des-bravadas pelo navegador por-tuguês, com uma listra brancavertical no centro, em alusão aoestandarte a ele concedido pelodécimo quarto rei de Portugal.

A Cruz de Cristo – e não deMalta, como muitos a conhecem– levada até às Índias por Va s c oda Gama, finalizava a com-posição do uniforme. De acord ocom o jornalista e comentaristae s p o rtivo, Roberto Assaf, a de-cisão pelas cores foi re g i s t r a d ano estatuto do clube com a deter-minação de que jamais poderias o f rer qualquer tipo de mu-dança.

Pelé em preto e brancoOs uniformes alvinegros tor-

navam muito fácil o contrasteentre os jogadores de cada timena época das transmissões detelevisão em preto e branco.Afinal, seria uma tarefa quaseimpossível diferenciar jogadoresem uma partida em que um dostimes usasse azul e o outro, verde.Mas, o preto e o branco carregamconsigo diversas curiosidades nomundo do futebol.

Será que alguém conseguiriaimaginar Pelé comemorando seumilésimo gol (por acaso, contra oVasco da Gama) vestindo umuniforme branco, azul e doura-do? Pois eram exatamente estasas cores do Santos Futebol Clubenos seus primeiros meses de ativi-dade. O “leão do mar” só acaboumudando para o preto e o bran-co porque encontrou dificuldadespara confeccionar camisas e

calções com suas cores originais.No entanto, há rumores de que amudança se deu também emfunção da combinação discutíveldas três cores.

Quase um ano depois da fun-dação do clube, um sócio sugeriuum uniforme alvinegro para oSantos, e defendeu sua idéia di-zendo que “o branco represen-taria a paz enquanto o preto re-presentaria a nobreza da institui-ção”. A sugestão foi seguida pelosdirigentes do clube, dando ori-gem ao que vemos atualmente.

Roberto Assaf conta que grandeparte dos times brasileiros queoptou pelo uso da combinação

Preto e branco nosclubes de futebol

AUGUSTO CASTRO, LEANDRO SANTOS, MELINA AMARAL E NÉRISON ALMEIDA

Pelé jogou no Santos e torcia peloVasco da Gama

alvinegra o fez pela facilidade deaquisição dos tecidos e pelosbaixos custos. No início do séculopassado, os tecidos que che-gavam ao país eram importadosda Europa e por isso muito caros.As cores mais baratas e que nãocorriam o risco de desbotar erama branca e a preta. Esses fatoresforam determinantes para aescolha das cores do Corinthians,por exemplo.

Inspirado no time inglês Corin-thian-Casuals, o clube paulista

usava um uniforme bege comdetalhes em preto nos punhos ena gola. Mas os dirigentes doclube logo encontraram umproblema: quando ele era lava-do, o bege desbotava. Sem di-n h e i ro para comprar novascamisas a cada jogo, o Co-rinthians acabou trocando acamisa bege por uma outra, abranca.

Preto e branco por acasoO que dizer de um clube que

passou a adotar a combinaçãoalvinegra porque houve um errona hora da confecção dos uni-formes? Sim, isso existe. Não foino Brasil, mas na Itália, com apoderosa equipe do Juventus, deTurim. Um negociante atacadistainglês do ramo de tecidos haviamorado, durante um tempo, emTurim, e ficou impre s s i o n a d ocom o clube e com o uniformerosa e preto que os jogadoresusavam. Este comerciante, JohnSavage, sugeriu, então, que elemesmo passasse a fornecer a ves-timenta para os jogadores, im-portando da Inglaterra algo maiscompleto e sofisticado para osatletas.

Assim, ele entrou em contatocom um produtor têxtil na cidadede Nottingham e encomendou ascamisas nas cores rosa e preto.Savage enviou a este fabricanteuma camisa da Juventus paraque criasse algo com base nela.Mas a camisa enviada por ele jáestava velha e bastante surrada,o que fez com que seu fornecedoracreditasse se tratar de uma ma-lha branca, porém manchadadevido ao uso. Para aproveitar ouniforme do time da cidade, o

Julho/Dezembro 200672

Existe um clube que acabou fazendo o caminho contrário dos demais. “Só oFluminense é tricolor; os outros são times de três cores”. Assim dizia o escritor, dra-maturgo e jornalista Nelson Rodrigues, torcedor fanático do clube das Laranjeiras.Mas nem sempre foi assim.

Os primeiros times de futebol do Fluminense, formados exclusivamente por sócios,boa parte deles estrangeiros (principalmente ingleses e alemães), vestiam um uni-forme branco e cinza. No entanto, Oscar Cox, fundador do clube, em uma de suasviagens à Inglaterra, de onde trazia os uniformes para a equipe, estava tendo uma enorme dificuldade deencontrar camisas com aquelas cores.

Cox, então, escreveu uma carta para o clube, lida na Assembléia Geral Extraordinária em 15 de julho de1904, contando o problema e sugerindo que trocassem para uma camisa com listras verdes, grenás e bran-cas. Como, de acordo com o que consta em relatórios de 1902 e 1903 do clube, os sócios já não simpati-zavam muito com a camisa branca e cinza, a sugestão foi aceita.

Pelé e Garrincha: dois ilustres alvinegros

Oscar Cox

Tricolor na contramão

Nottingham Forest, que era pretoe branco, o fabricante fez apenasalgumas pequenas modificaçõesna camisa da equipe local e envi-ou para Savage.

Obviamente, os dirigentes da“velha senhora” (como a Juven-tus é conhecida) não ficaramnem um pouco satisfeitos com anova combinação, mas, comonão tinham outra camisa paradar aos jogadores e havia umjogo marcado para uma data quejá se aproximava, acabaramalterando as cores do clube.

As cores do Botafogo, do Rio deJ a n e i ro, segundo Assaf, foramescolhidas justamente devido àpaixão de um de seus fun-d a d o res, Itamar Ta v a res, pelotime de Turim.

E por falar em preto e rosa, háum clube da Zona Norte do Rioconhecido pela cor branca, devi-do a seu uniforme, mas cujascores originais são o rosa e opreto: é o São Cristóvão. O rosateria vindo de Santa Terezinha,que ao subir aos céus, jogariapétalas de rosas sobre a Terra. Jáo preto seria uma homenagem àcor náutica.

E o juiz ?Não é só nos uniformes dos

times que as combinações e vari-ações alvinegras marcam pre-

sença. Elas também estão nosuniformes tradicionais de árbi-tros e auxiliares (os populares“bandeirinhas”). Se pedirm o spara qualquer pessoa desenharum juiz de futebol, ela muitop rovavelmente retratará umapessoa vestida com camisa ecalção pretos.

O jornalista Roberto Assafexplica que poucos times eu-ropeus adotaram a combinaçãoalvinegra em seus uniformes. Poressa razão, árbitros e auxiliaresse vestiam de preto, uma cor neu-tra que os diferenciava dosjogadores. Em meados da décadade 1960, no Brasil, essa situaçãocomeçou a mudar. A partir daCopa de 1978, na Arg e n t i n a ,ficou definido que os juízes podi-am usar uniformes coloridos.Hoje vemos os trios – e, em algu-mas competições, quartetos – dearbitragem vestindo camisetasa m a relas, azuis e até mesmoverdes e vermelhas, para que ostimes possam utilizar uniformescom predominância da cor preta.Essa flexibilização, porém, nãoacontece em todas as com-petições.

Na Inglaterra, país onde surgiuo futebol, os uniformes pretos sãop e rmitidos somente para jo-gadores na Liga Principal e naPremiership. Em todas as outras

competições, somente ao juiz épermitido o uso de uniforme pre-dominantemente preto.

Outro aspecto do futebol emque o preto e o branco aparecemtradicionalmente e com freqüên-cia é a bola. O comentarista es-portivo explica que a dificuldadede se fabricar uma bola de courocolorida, fez com que esta per-manecesse por algum tempo nacor marrom. “Eu cheguei a pegara bola de couro. Ela ficava muitopesada quando molhava e, àsvezes, até soltava o pino”, recor-da Assaf.

A partir da Copa de 1962, noChile, a bola passou a ser fabri-cada com 18 gomos, entre pen-tagonais e hexagonais, ganhan-do o formato clássico que conhe-cemos. Até a Copa do México,oito anos depois, a cor branca erapreferida somente para os jogosnoturnos, por ser mais fácil devisualizar do que a de couro mar-rom em contraste com o grama-do escuro; preferência esta queacabou caindo por terra. Desdeentão, tornou-se muito comumno futebol o uso de bolas brancascom detalhes em preto. No iníciode 2006 houve uma tentativa deretomada da bola de cor laranja,por parte de algumas federaçõesestaduais brasileiras. Entretanto,a idéia não foi bem recebida.

P & B73

Vasco, 1959Bola da Copa do Mundo de 1994 Santos, 1958

Em praticamente todas asCopas do Mundo desde a de1970, as bolas usadas têm sidoalvinegras, com exceção da Copada França, em 1998, e da CopaCoréia/Japão, em 2002. Na últi-ma edição da competição, em2006, na Alemanha, a bola per-

deu sua composição em gomospentagonais e hexagonais, masrecuperou sua tradicional combi-nação de cores.

Muitos times brasileiros desco-nhecem as razões das escolhas dasc o res por terem perdido documentoshistóricos do período de fundação dos

clubes, relata Roberto Assaf. Com opassar dos anos, lendas e folclore sp o p u l a res se misturaram com fatosv e rd a d e i ros. Mas, como diria o mi-n i s t ro da propaganda nazista, JosephGoebbels, “uma mentira, quandorepetida mil vezes, se torna verd a d e . ”No futebol não foi difere n t e .

Julho/Dezembro 200674

BOTAFOGOAutor: Lamartine Babo

Botafogo, BotafogoCampeão desde 1910Foste herói em cada jogo,Botafogo Por isso é que tu ésE hás de ser nossoimenso prazerTradições aos milhões tens também Tu és o gloriosoNão podes perderPerder pra ninguémNoutros esportes tua vida está presente Honrando as cores do Brasil de nossa genteNa estrada de louros,um facho de luzTua estrela solitária te conduz

HINOS ALVINEGROS (trechos)

SANTOSAutores: Mangeri Neto

e Mangeri Sobrinho

Agora quem dá a bolaé o SantosO Santos é o novo campeãoGlorioso alvi-negro praianoCampeão absoluto deste ano

Santos, SantosSantos sempre SantosDentro ou fora do AlçapãoJogue o que jogar és o leão àdomarSalve o novo campeão

VASCO DA GAMAAutor: Lamartine Babo

Vamos todos cantar de coraçãoA cruz-de-malta é o meu pendãoTu tens o nome do heróico portuguêsVasco da Gama, tua famaassim se fezTua imensa torcida é bem felizNorte-sul, norte-sul deste paísTua estrela na terra a brilharIlumina o mar

No atletismo és um braçoNo remo és imortalNo futebol és um traço de união Brasil-Portugal

Atlético Mineiro, 1949 Botafogo, 1947 Corinthians, 1963