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Revista Laboratório do Curso de Comunicação Social da Ufes.

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Economia solidária

Defensores dos defensores

Música independente

Mal de Alzheimer09 11 22 29

Revista Laboratório do Curso de Comunicação

Social da Ufes

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abril

13 mãoprimeira

Um vilão subestimado

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Defensores dos Defensores

Entrevista

Capa

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EditorialPrimeira edição - do ano e da nossa turma – publicada. As primeiras críticas vieram logo após. Muitas positivas e uma, em especial, nos surpreendeu. Acharam a revista densa, pesada.

Que bom! Era exatamente isso que queríamos quando fizemos a primeira reunião de pauta. Gostamos do jornalismo que confronta, revela, questiona. Esta segunda edição, tem lá uma ou outra matéria mais leve para agradar aos mais pacíficos, mas não deixa de levantar debates e reflexões.

Não é fácil. É fato que há dificuldade na apuração – principalmente quando dizemos que somos universitários – e que o tempo é curto, ainda mais se conciliado a trabalho, projeto de extensão, pesquisa, cursos e as mil e uma atividades extra-curriculares que cada um de nós acumula. É preciso ser jornalista 24 horas por dia, literalmente.

Mas os mistérios nos atraem, os desafios nos aguçam, e é gostoso correr atrás do fato e buscar explicações, mesmo que, para isso, precisemos nos sacrificar um pouco. Afinal, é isso que nos move. A cada leitor que sai diferente de uma matéria nossa e a cada personagem que se alegra por querermos reportar sua história, enxergamos o verdadeiro sentido de ser jornalista.

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expedientePrimeira Mão é uma revista laboratório, produzida pelos alunos do 6º período do curso de Comunicação Social - Jornalismo.

Universidade Federal do Espírito Santo. Av. Fernando Ferrari, 514, Goiabeiras | Vitória - ES CEP 29075-910 . Ano XXIII, número 130.

Semestre 2012/2.

Orçamento da Ufes 13

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Licitação de ônibusDefensores dos

Defensores

Perfi

l

Reportagem:Astrid MalacarneAny ComettiClerisson SouzaDaiane DelpupoEduardo DiasEsther RadaelliFábio AndradeHenrique Montovanelli

Inglydy RodriguesIsabella MarianoIzabelly PossattoJéssica RomanhaKarolina LopesKauê ScarimLeonardo RibeiroLeone OliveiraLívia Corbellari

Lucas RochaMaíra MendonçaMichelle TerraNaiara GomesPatrícia GarciaRafael SilvaRhayan LemesViviane Machado

Edição e Revisão:Any ComettiDaiane DelpupoKarolina LopesViviane Machado

Edição de Imagens:Thaiana Gomes

Professor Orientador:Rafael Paes Henriques

Projeto Gráfico:Esther RadaelliIsabella MarianoThaiana GomesViviane Machado

Diagramação:Any ComettiEsther RadaelliInglydy RodriguesIsabella MarianoIzabelly PossattoMaíra MendonçaThaiana GomesRhayan LemesViviane Machado

Assistência a grupos de risco

Mal de Alzheimer

Primeira Mão

Tiragem: 800 exemplares

[email protected]

Impressão: Gráfica Universitária

Guardião das redes sociais

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4 Primeira Mão | Abril de 2013

PERFIL por KAROLINA LOPES

Foto: Caio Pimentel (colaborador)

Dona Delícia

A simpática senhora Delícia Elisa de Souza conta um pouco de sua vida. Um centenário de

histórias da cultura cigana

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5Primeira Mão | Abril de 2013

Mãos enrugadas, olhar atento e sorriso de criança. Foi assim que a cigana Delícia Elisa de Sousa falou sobre sua

vida, encaixando retalhos de memória para reconstruir uma história um tanto peculiar. Não aceita malcriação e exige o respeito que se deve a uma “phury-day”, que no dialeto cigano significa matriarca da família. Com um filho, 11 netos, 18 bisnetos e sete tataranetos, dona Delícia desperta curiosidade não apenas por seu nome inusitado.

A cigana morou em acampamento até os 30 anos, vivendo sob as tradições de sua cultura. Casou-se com o comerciante e também cigano Daniel antes de chegar à maioridade, através de um acordo entre os pais do casal. Dos três filhos gerados, apenas um sobreviveu. Alguns anos após a união, com a morte do marido, dona Delícia precisou mudar toda a sua rotina para cuidar da criança. Ela passou a lavar roupas e a “dar drabi” diariamente, forma como se referem a atividade de mulheres ciganas que interpretam o futuro pela leitura de mãos e tarô.

Mesmo sendo fiel a sua cultura, dona Delícia conta que, no acampamento, as condições eram precárias. “Desde muito jovem, guardava o sonho de ter minha própria casa. Nos acampamentos, ficávamos muito expostos e suscetíveis a animais e doenças. Sonhava em ter privacidade e quando meu filho casou conseguimos comprar uma casa em Santo Amaro (BA), graças ao meu trabalho e ao dom que Deus me deu”, lembrou orgulhosa.

A família se mudou para o Espírito Santo por conta de rixas com outros grupos ciganos do sul da Bahia. Primeiro, moraram em Pedro Canário e, em seguida, foram para Conceição da Barra. Depois, mudaram-se para São Mateus, até que, por oportunidades de trabalho, decidiram morar em Vitória. Seu filho Roberto e sua nora Diva, também tiveram um casamento arranjado e uniram-se quando o noivo tinha 18 anos e a noiva 13.

“Como os dois eram muito novos, era como se eu fosse mãe da Diva também. Ela era muito obediente e cuidava de casa”, disse.Simone Santana, neta de dona Delícia, contou que a matriarca trabalhou até quase completar 70 anos e só foi ter um documento de identificação quando precisou se aposentar. Para realizar o registro, a família fez um resgate histórico a fim de concluir a idade da cigana, pois ela já não lembrava. Aposentada como trabalhadora rural, teve sua data de nascimento definida em 04/03/1918. A data causou polêmica entre os irmãos, pois alguns não concordaram com a decisão, alegando que em 1918 ela já estava com sete anos. Nesse caso, dona Delícia, que tem, oficialmente, 95 anos de idade, teria, na verdade, 102. Simone ressaltou que dona Delícia era responsável por grande parte da renda da família. “Nossa vida era apertada, mas muito feliz! Até os sete anos, eu precisei roubar galinha e lembro-me de diversas vezes que minha avó chegou em casa à noite com sacos de roupa e de comida que ela recebia como pagamento do drabi. [...] De alguma forma, devemos a ela tudo o que temos”, explicou.

De acordo com Simone, a família guarda pouco da cultura cigana, pois depois de dona Delícia ninguém mais morou em acampamento. Mesmo assim, garante que aprenderam algo que marca a família. “Ela acabou passando algumas coisas para nós, como o vocabulário e o dom do comércio, porque é algo que faz parte dela. Dominamos o dialeto cigano e é um traço da nossa cultura que é compartilhado em todo o mundo. Fora isso, grande parte da família trabalha no comércio e isso, com certeza, não é coincidência”, brincou.

Enquanto a neta falava, dona Delícia ouvia atentamente como quem tem a sensação de dever cumprido. “Nessa altura da vida, a única coisa que quero é ver meus netos crescerem e que eles sejam muito felizes”, declarou.

PERFIL por KAROLINA LOPES

Delícia

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por MAÍRA MENDONÇAENTREVISTA

Saudações Democráticas! Com essas palavras, Audálio Dantas se despede de um amigo ao desligar o telefone. A frase já revela alguns traços da personalidade e da história do menino alagoano, que ainda criança partiu de Tanque D’arca rumo a São Paulo para, anos mais tarde, integrar o time dos grandes jor-

nalistas do país. Hoje, com 80 anos e cabelos bem brancos, Audálio tem muitos motivos para olhar para trás. Sua carreira de repórter teve início em 1954, na Folha da Manhã. Ele também trabalhou em revistas que fazem parte da história do jornalismo brasileiro, como O Cruzeiro, Realidade e Quatro Rodas, época em que narrou histórias de brasileiros como Joaquim Salário Mínimo (migrante mineiro que vivia em São Paulo e sustentava a esposa com cinco filhos com um salário mínimo); Carolina Maria de Jesus (moradora da favela do Canindé, que escreveu o livro “Quarto de Despejo”, em que retratou o cotidiano da favela) e Antônio Bruega (sobrevivente da Guerra de Canudos).

Em 1975, tornou-se presidente do Sindicato dos Jornalistas, responsável por denunciar os crimes da ditadura, incluindo o assassinato de seu colega de profissão Vladimir Herzog. Já em 1978, foi eleito deputado federal pelo Movimento Democrático Brasileiro (MDB). Foi presidente da Federação Nacional dos Jornalistas e da Fundação Cásper Líbero e vice-presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Atualmente, Audálio é conselheiro da União Brasileira de Escritores (UBE) e do Instituto Vladimir Herzog. Enfim, com a palavra, Au-dálio Dantas, que por um momento deixa o lugar daquele que pergunta para ocupar o daquele que responde.

Com a palavra,Audálio Dantas

O jornalista, conhecido por suas grandes reportagens e pela denúncia dos crimes da ditadura, veio à Vitória lançar o livro “As Duas Guerras de Vlado Herzog” e conversou com a PM sobre seus 80 anos de história

|Foto: Thaiana Gomes

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Suas reportagens muitas vezes fogem aos cânones do jornalismo, mantendo uma íntima relação com o texto literário. Por quê?

É uma preferência e também uma tendência minha. Eu tento, sem buscar enfeites- aliás, meu mestre é Graciliano Ramos -, tratar de fazer um texto de qualidade. E esse texto parece que é ficção. Não é, mas parece que é. Ficção pelo tratamento. Eu não tenho a preocupação em bordar o texto e sim em dizer as coisas de uma forma atrativa. Mas a informação é essencial. Se um sujeito busca um texto no jornalismo chamado literário sem informação, ele não está sendo nem jornalista, nem escritor.

Para você, qual a importância dos personagens dentro do texto jornalístico?

Nenhuma história tem importância se não tiver a figura humana como personagem. Há um personagem que considero exemplar, o Antônio Bruega, que eu conheci quando fazia a reportagem “A nova Guerra de Canudos” para a revista O Cruzeiro, nos anos 1960. E de repente eu descobri a importância desse homem como uma espécie de voz da época. Ele tinha uma força na narrativa ao evocar aqueles dias, que não era de um simples relato. Ele acreditava no Antônio Conselheiro e se colocava como um de seus homens com uma linguagem que serviu para que eu o colocasse visivelmente na condição de apóstolo. Ele me deu uma frase que para mim é lapidar e que se aplica a todos os jornalistas: ‘a verdade eu falo; não piso nela, se não eu escorrego e caio’.

Ao longo de tantos anos viajando pelo país, qual o retrato do Brasil que você carrega?

Primeiro que o país é um milagre em si; a existência de um país com essas dimensões, que se manteve atravessando o período colonial e foi chegando ao império e depois a república. E o que une esse país? Primeiro a língua. Não há outro caso de um país com essas dimensões que fale a mesma língua de norte a sul, de leste a oeste. E, ao mesmo tempo, traços culturais importantes como a alimentação. Uma vez eu encontrei num restaurante improvisado na beira do rio Jari, no Amazonas, uma negra forte vinda da Guiana Francesa que servia feijoada. E eu pensava ‘isso é que é força cultural. Ela veio lá da Guiana e serve feijoada’. Eu nunca vou esquecer isso!

O que representou a denúncia do Sindicato dos jornalistas a respeito do assassinato de Vladimir Herzog – jornalista e militante do Partido Comunista Brasileiro, encontrado morto no DOI-

CODI, em São Paulo – para os rumos do país?

Antes do Vlado 21 jornalistas foram mortos e/ou desaparecidos, sem que houvesse nenhuma manifestação e, sem dúvida, o episódio Herzog foi um marco. Existe um antes e um depois dele, pois houve uma denúncia que levou a uma reação por parte da sociedade.

Na minha vida várias coisas mudaram. Primeiro porque eu deixei de ser jornalista no sentido da prática do dia-a-dia. Não de jornalista, mas de repórter, pois eu não podia mais me mandar para a Amazônia, para o rio São Francisco, essa coisa toda (risos). Tive uma frustração muito grande com isso, porque a reportagem era a essência da minha vida. Mas não me arrependo, pois acho que os resultados obtidos foram importantes para o país e para mim enquanto pessoa. Eu cresci muito, inclusive na angústia. A angústia, o medo e a necessidade de fazer alguma coisa me ajudaram muito.

O senhor ainda percebe resquícios da ditadura?

Sim, muitos. Principalmente a questão da revelação dos crimes cometidos pela ditadura. Eu acho que

os sucessivos governos democráticos não tiveram coragem de ir a fundo na abertura dos arquivos da ditadura. Eu quando fui pesquisar recentemente para escrever o livro (As duas Guerras de Vlado Herzog) descobri que muitas coisas foram subtraídas, como os

papeis do Serviço Nacional de Informações. Minha maior surpresa foi quando vi o meu próprio dossiê, que é imenso. Segundo aqueles documentos eu pertencia a sete ou oito organizações da luta armada e isso nunca ocorreu (risos). Sobre cada sujeito que fazia um informe eles inventavam algo.

Nesse momento há uma indicação de que a Comissão Nacional da Verdade possibilitará um debate e vejo como uma exigência da sociedade de saber. É um direito dos cidadãos conhecerem a história de seu país. Está cheio de remanescentes da ditadura no governo federal, estadual e municipal. Pela Lei de Anistia eles não serão punidos, mas devem, pelo menos, ser conhecidos e não ocupar cargos públicos.

Teria um conselho para jovens jornalistas?

Conselho é uma coisa muito pretensiosa (risos). É ou não é? Então, eu resumira isso em poucas palavras: acho que o jornalista nunca deve se considerar onipotente. A onipotência na cabeça do jornalista é um perigo desgraçado (risos). O jornalista é uma testemunha. Então, se ele for uma testemunha já está bom.

“Se um sujeito busca um texto no jornalismo chamado literário sem informação, ele

não está sendo nem jornalista, nem escritor”

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Você nota mudanças no jornalismo da década de 1950 até hoje?

Sim. Houve mudanças, por exemplo, no enfoque jornalístico e na apresentação do texto. No geral, antes havia textos excelentes, como os de Rubem Braga, Joel Silveira e de outros jornalistas. Mas ha-via no dia-a-dia um noticiário de quinta categoria no que diz respeito à forma. O jornalismo dos anos 50, principalmente, era muito desse negócio de não repetir palavras e aí se arranjava sinônimo para tudo. Achavam que isso era elegante e se cometia grandes besteiras como: água era precioso líquido; incêndio era sinistro; advogado era causídico; mé-dico era facultativo; cemitério era necrópole.

Depois veio a fase importante dos anos 60, da bus-ca pelo texto hoje chamado literário, que se apro-fundou principalmente com o jornal da Tarde e a revista Realidade. E mais recentemente o que se observa é a busca pelo formato da internet. Hoje há uma prática cada vez mais comum de se fazer matérias por telefone, ás vezes sobre os assuntos mais complexos, e isso leva a um prejuízo muito grande, pois você não vê a cara da pessoas.

Muitas de suas reportagens, em grande parte sobre problemas sociais, foram feitas durante o período da ditadura. Como era possível driblar a censura?

No caso da revista Realidade - aonde eu mais en-frentei essa questão - havia uma deliberada inten-ção de encolher assuntos que fossem capazes de discutir conceitos morais, costumes, etc. Mas se discutiam coisas que na visão da ditadura eram subversivas, como o aborto, o amor livre, a pílula, a

minissaia e também problemas sociais, pelos quais eu sempre tive preferência. E com isso você mostra-va que o país não era aquela coisa certinha que eles queriam mostrar. Ao mesmo tempo, para driblar a censura, primeiro os donos dos meios tomavam seus cuidados. Em determinada fase eles tomavam o cuidado de mandar as matérias para a Polícia Fe-deral antes de publicá-las. E os jornalistas por sua vez, querendo ou não, praticavam a autocensura. Escreviam nas entrelinhas, evitavam determinadas questões, palavras, etc. Mas, a maior censura era feita pelos donos dos veículos. Censura ou omissão em função da força ditatorial.

Em uma entrevista, quando contava a história de Carolina Maria de Jesus, você disse a seguinte frase: “se houvesse telefone na favela e eu tele-fonasse, nunca ia fazer essa matéria”. Isso é uma crítica ao jornalismo atual?

Bom, talvez eu até tivesse feito, pois a minha ma-neira de trabalhar é ir aos lugares, me enfiando dentro dos assuntos. Mas, provavelmente, se fosse urgente, talvez eu cometesse o erro de fazer a ma-téria por telefone e nunca se teria descoberto um dos livros de maior sucesso mundial, que foi Quarto de Despejo.

Hoje há uma prática cada vez mais comum de se fa-zer matérias por telefone, ás vezes sobre os assun-tos mais complexos, e isso leva a um prejuízo muito grande, poisvocê não vê a cara da pessoas. Mas, ainda assim, é melhor do que pela internet, porque a aí você não vê nem a cara do sujeito e nem a reação dele. E aí você acaba fazendo um jornalismo simplesmente declaratório, que não interpreta, não contextualiza nada.

Maria Carolina de Jesus, moradora da favela do Canindé, é a protagonista de uma das mais famosas reportagens de Audálio Dantas. Após ser desc-oberta pelo jornalista, ela escreveu o livro “Quarto de Despejo” (coletânea de diários), 1960, em que retrata o cotidiano na favela. | Foto: Divulgação

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Muitos defensores dos direitos humanos, ao lutar por seus direitos e se manifestar cri-ticamente, sofrem repressões e chegam a

pagar com a própria vida. Os agressores e amea-çados não têm cara, nem perfil, são “só” gente. O assédio moral e as ameaças contra aqueles que, simplesmente, defendem uma vida digna e plena – nos seus amplos direitos de manifestação – podem vir de qualquer um.

A integrante do Coletivo Femenina, Luara Silva, por exemplo, revela sua surpresa e estranhamento ao relatar que uma companheira de luta, Raíza Bian-chi, foi hostilizada na fila do terminal de Vila Velha. A atitude de homofobia veio de uma senhora de idade que se sentiu no direito de cuspir nos pés da Raíza ao perceber que a jovem estava acompanha-da por outra garota.

O subsecretário de Direitos Humanos do Estado, Perly Cipriano, diz que “não há um perfil das vítimas

e dos agentes de coação, por isso é importante que a população contribua denunciando”.

“Defender quem defende”Intimidadas a ponto de desistir? Não. É assim que as integrantes do Coletivo Femenina respondem mesmo tendo relatos como o de Mônica Simões.

A militante, que já teve que pedir o divórcio, romper namoro e até arcar com demissão por persistir na luta a favor do direito humano, conta que, durante 15 anos, não conseguiu militar na causa, por conta da pressão do agora ex-marido. “Ele era machista e reacionário. Já fui demitida de uma empresa em Minas Gerais por lutar pelo direito da população de rua, em 1987, assim como já tive meu namoro rom-pido por ‘ele’ não aceitar a minha luta pelo direito das minorias”. A Organização das Nações Unidas (ONU) instituiu, em 9 de dezembro de 1998, a declaração sobre os

Defender a luta porOs direitos básicos do ser humano são feridos por quem a gente menos espera

Estudantes recebem balas de borracha e gás de “efeito moral” em protesto | Foto: Kauê Scarim

DIREITOS HUMANOS

JÉSSICA ROMANHA e KAUÊ SCARIMPOLÍTICA

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Defensores de Direitos Humanos. Segundo o site da ONU no Brasil, foi constatado que uma boa parte dos defensores está sujeita a execuções, torturas, assédio moral, difamação e prisões arbitrarias.

O Brasil, em 2004, foi o primeiro a implantar o Pro-grama de Proteção a Defensores de Direitos Huma-nos (PPDDH). Atualmente, essa política está presen-te em oito estados brasileiros: Bahia, Minas Gerais, Espírito Santo, Pernambuco, Pará, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Ceará.

No Espírito Santo, o programa está vinculado à Secretaria Estadual de Assistência Social e Direitos Humanos (Seadh) em parceria com o Ministério Pú-blico do Estado (MPES). Após as denuncias serem feitas, ocorre um encaminhamento para a equipe técnica do programa, que avalia, ouve e explica o seu funcionamento. Durante esse processo, é averi-guado se a pessoa realmente é defensora dos direi-tos humanos e qual o nível de ameaça que ela so-fre. Depois dessa avaliação pela equipe, é decidido, então, se a “vítima” entra no programa e qual tipo de acompanhamento é necessário – de policias, psicólogos e/ou advogados. Por fim, é feita uma série de orientações, como cuidados com horários e caminhos habituais que devem ser evitados. O desligamento do programa só acontece quando as ameaças cessam.

“As vítimas podem estar sendo ameaçadas por gru-pos variados, desde um policial a grupos de exter-mínio”, diz Perly Cipriano. Por isso, o subsecretário também afirma que toda a equipe é treinada e ca-pacitada para atuar no programa, ou seja, não há ação de voluntários.

Direito Humano - não aprendido e desobedeci-doComo nos ensina a declaração universal dos direi-tos humanos e nossas clausulas pétreas do artigo 5º da Constituição, somos livres e iguais, podendo e devendo, assim, agir uns para com os outros em espírito de fraternidade, respeitando o bem maior que é a liberdade do próximo e sua vida.

Porém, esse direito vem sendo largamente desobe-decido. O relatório divulgado, no dia 14 de março de 2013, pela ONG internacional ARTICLE 19, reve-lou que 52 defensores de Direitos Humanos e jor-nalistas sofreram violação à liberdade de expressão no Brasil. Foram 9 assassinatos de defensores dos direitos humanos em 2012. Os dados da pesquisa ainda apontam que dos 82 casos em que profissio-nais da mídia e dos direitos humanos foram vítimas de violência, 2/3 sofreram algum tipo de ataque por terem feito denuncia, oral ou escrita.

Segundo a ONG, as motivações para manifestação da violência incluem declarações específicas contra agentes públicos ou empresa privada (74%), opi-nião crítica (17%) e compartilhamento de uma in-formação (4%). E, em todos os casos, a opressão fere o direito humano de pensamento e expressão.

Espírito Santo e os Direitos Humanos

Diante de um histórico com denúncias na ONU e órgãos de proteção à pessoa, em nível inter-nacional, com evidência ao caso “Masmorras Capixabas”, no ano de 2010, o Estado lança uma nova política de governo. Segundo Cripriano, o objetivo é manter os direitos humanos como uma política de estado. “Estamos trabalhando para que um programa de educação seja im-plementado nas escolas, dentro dos órgãos pú-blicos, e até como tema de concurso público”.

No Espírito Santo, 13 “defensores” têm o apoio do programa, além de 26 grupos ligados, em geral, a conflitos decorrentes de movimentos sociais do campo, tais como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST), comu-nidades quilombolas e indígenas, movimento de população de rua e luta contra o uso de agrotóxicos. No estado, são gastos cerca de R$ 750.000 anuais com o programa, que tam-bém envolve oficinas, seminários e cursos, bem como audiências públicas e visitas para atendi-mento.

As autoridades públicas esquecem, às vezes, o seu papel de ordem e proteção da população e se manifestam em prol de benefícios próprios. A coordenadora executiva do PPDDH, Marta, indigna-se. “Há casos, como o de um jovem militante da área de políticas públicas para ju-ventude, que denunciou maus tratos e torturas praticados por policiais e foi levado para um local ermo, obrigado a se ajoelhar, com uma arma apontada para a cabeça, e ordenado a ca-lar a boca.”

E isso não foi algo totalmente isolado. Mar-ta conta, ainda, um caso de quilombolas que moram em zonas rurais e sofrem constantes violações de domicílio. “As autoridades dizem buscar armas, mas nunca encontram”. Diante de fatos abusivos, a coordenadora se pergun-ta: “existe poder investigativo, para que e quem serve?”

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A música indepen-dente produzida no Espírito Santo precisa de espaço, de incen-tivo e, principalmen-te, de público. Para garantir tudo isso é preciso muita dedi-cação, além de mui-ta gente disposta a colaborar a favor da difusão cultural. Com isso, nascem cada vez mais coletivos e produtoras independentes, fomentando o cenário cultural no estado e promovendo o trabalho auto-ral dos músicos.

A produtora de shows Correria Produções, desde 2004, realiza diversos eventos com a intenção de colocar o Espírito Santo na rota da música alterna-tiva. “A Correria surgiu da necessidade de arrumar lugar pras bandas independentes do estado tocar, isso desde o fechamento do bar Entre Amigos 2, em Vila Velha. Cada fim de semana, fazemos um show com nome e estilos diferentes”. explica Pau-

lo Carvalho, um dos idealizadores da Cor-reria.

O foco da produtora são as bandas ini-ciantes de rock, que normalmente não têm muito público formado. Por isso, a Correria só paga ca-chê em alguns casos. “Em quase todos os eventos desses esti-

los os ingressos são de R$ 5 a R$ 10. Mal consegui-mos pagar o som e o aluguel do Bar Pós Gradua-ção, onde acontece a maioria dos shows”, diz Paulo. A produtora também é famosa por trazer bandas nacionais como Ratos de Porão, DeadFish, Mukeka-di Rato, Confronto, Dance of Days e Torture Squad.

Para a formação de público e profissionalização dos músicos capixabas, os coletivos artísticos têm con-tribuído muito, produzindo eventos e ações com esse foco. O Assédio Coletivo, que surgiu no iní-cio de 2012, criou o Festival Tarde no Bairro. Dudu

Coletivos e produtoras independentes ganham força e estão cada vez mais ativas no cenário cultural do

Espírito Santo

Produção Coletiva

CULTURA HENRIQUE MONTOVANELLI e LIVIA CORBELLARI

A banda Casatorna se apresenta no Festival Tarde no Bairro, organizado pelo Assédio Coletivo |Foto: Yuri Barichivich (colaborador)

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Gama, um dos integrantes do Assédio, explica que cada banda pode se apresentar durante 40 minutos e não é permitido tocar cover. “Assim, abrimos es-paço para as bandas autorais se profissionalizarem, porque os critérios de seleção exigem que todas tenham músicas gravadas, mapa de palco, release, fotos. Isso era raro na cena local. Acredito que mu-damos um pouco isso”, conta.

O Tarde no Bairro teve 14 edições só no ano pas-sado e contou com a participação de 39 bandas, movimentando a o cenário cultural de Vitória, Vila Velha, Cariacica e Santa Teresa. Neste ano foi lança-da uma coletânea com 22 faixas, produzidas pelas bandas que participaram dos festivais. O download é gratuito no SoundCloud (plataforma online de compartilhamento de som) do Assédio.

Adriano Monteiro criou o Coletivo Canellada de-pois que participou de um congresso sobre pro-jetos independentes, do coletivo Fora do Eixo, em São Paulo. “Temos trabalhado para fomentar a cena musical local, in-vestindo em novos artistas e, de alguma maneira, potencializar suas carreiras”, conta Adriano.

O agente cultural cita como princi-pal problema a formação de público para as bandas, mas acredita que “com um trabalho bem feito, comu-nicação e eventos bem organizados a cena pode se consolidar”. Para Adriano, o importante é a união dos coletivos e bandas, e que iniciativas como o Reviravolta, do Assédio Co-letivo, que conseguiram reunir qua-se todos os grupos artísticos do es-tado, e o Coletivos Unidos (CU), que também tem o mesmo objetivo, devem se consoli-dar e formar uma rede de apoio para movimentar a cena cultural no Espírito Santo.

DificuldadesAs dificuldades realmente existem e não são pou-cas. Mas também há soluções, e são nelas que as produtoras e os coletivos procuram se agarrar. O aluguel caro das casas de shows e a definição de um local fixo para os shows foram o grande pro-blema da Correria. “Hoje estamos no Bar Pós Gra-duação, mas quando é um show de porte maior temos que recorrer a casas maiores onde o aluguel é absurdamente caro, além das diversas taxas que a prefeitura exige para realização do evento”, diz Paulo.

Apesar dos valores altos, a Correria consegue eco-nomizar na divulgação, que é feita pelo próprio pú-blico via redes sociais e email. O Coletivo Canellada buscou parceria com a Correria e também realiza shows no Pós Graduação, mas outra alternativa que eles encontraram foi ocupar as praças públicas do município.

O Assédio Coletivo encontrou uma solução pareci-da. O Festival Tarde no Bairro começou numa qua-dra no Bairro República, por meio de uma parceria com a Associação de Moradores. “A cidade está aí, os espaços estão aí, resta a nós ocupá-los. Talvez o problema que mais tem perseguido a gente é o disque-silêncio”, conta Dudu, que também diz que esse foi o motivo para a realização do evento no Parque Pedra da Cebola. “A ideia é não se prender aos limites impostos pela cidade e buscar sempre novas soluções”, diz Dudu, deixando o convite para o próximo Tarde do Bairro, que acontecerá em abril.

A voz das bandasHugo Ali Morelato é guitarrista e vocalista da Broken&Burnt. A banda faz parte do Assédio Cole-tivo e também tem parcerias de locais para venda de seus produtos, além de amigos que curtem a banda e sempre comparecem aos shows. Mas nada disso gera uma renda sustentável aos músicos. “Fa-zemos isso por que amamos compor, tocar ao vivo,

gravar, fazer parte de um cenário e evoluir”, conta.

Mas a principal reinvindicação do guitarrista é a falta de remuneração das bandas, que quando ganham algo é apenas uma ajuda de custo. “Muitos produtores tem mania de achar que não precisam pagar as bandas. Parece que não precisamos de estúdio para ensaiar e que o nos-so CD foi gravado e prensado magi-camente”, desabafa.

Apesar dos problemas, Hugo sabe que cruzar os braços e ficar recla-mando não é a solução. “A maioria dos que reclamam simplesmen-

te não estão fazendo contatos e estão sentados aguardando convites para algum super evento”, diz. Músicos independentes encontram dificulda-des em qualquer lugar do mundo, mas é preciso ter muita dedicação e amor pela música.

A banda Manfredines também faz parte dos coleti-vos Assédio e Canellada. Os músicos também tive-ram a oportunidade de criar um plano de carreira em parceria com uma incubadora de bandas minei-ra, o Rampa Incubadora de Bandas. Entretanto, ain-da há um longo caminho pela frente até a música ser tornar um oficio rentável.

Não basta tocar, cantar e compor bem, os músicos precisam entender a política cultural local e reivin-dicar editais e leis de incentivo. “Viver de música no Espírito Santo, bem como no Brasil, talvez seja um dos maiores desafios nas escalas de profissões, justamente por não depender apenas de você e do seu esforço e dedicação. Em todo caso, amo o que faço ainda que o fazendo morra de fome e de amor”, completa Junior.

“A maioria dos que reclamam

por não ter onde tocar são bandas

que simplesmente não estão fazendo contatos e estão

sentadas aguardando convites para algum

super evento”

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UFES ISABELLA MARIANO, LEONE OLIVEIRA e RHAYAN LEMES

Obras de infraestrutura, salários de servido-res e materiais de consumo são algumas das necessidades de uma universidade fe-

deral. Para tanto, é importante que o orçamento esteja adequado às reais demandas da instituição. Na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes),a receita é composta, basicamente, por dois tipos de fonte: o Tesouro Nacional, que é a parte dos im-postos do país dedicada à educação; e a arrecada-ção própria, como pela concessão de espaço físico, taxas administrativas e educacionais, mensalidades de pós-graduação e convênios que patrocinam pesquisas e projetos diversos.

Em 2012, o orçamento executado da Ufes foi de R$ 625.047.583,00,de acordo com dados da Divisão de Programação Orçamentária (DPO) do Departa-mento de Contabilidade e Finanças da Ufes. Desse montante, 7% foi destinado a investimentos, como aquisições de equipamentos e obras de infraestru-tura. O grupo de despesas de custeio, como mate-riais de consumo, pessoa física e jurídica etc ficou com 25% do total.

A maior fatia foi destinada aos gastos com pessoal, que incluem salários, aposentadorias, pensões e

A Ufes possui um orçamento milionário, mas qual é a origem desse dinheiro e como ele é distribuído entre os Centros de Ensino?

Orçamento da universidade: trajeto e distribuição

encargos dos servidores, representando cerca de 68% de toda a execução orçamentária de 2012.

Para a diretora da DPO, a economista Luciana Lou-renço, os gastos da universidade estão aumentando e “o orçamento vem se mostrando insuficiente para atender a todas as demandas da instituição, incluin-do os campi de Goiabeiras, Alegre e São Mateus”.

O trajeto do orçamentoAnualmente, o Poder Executivo deve encaminhar para aprovação do Congresso Nacional um projeto de Lei Orçamentária da União, referente ao perío-do de um ano. Nessa proposta, especificam-se os recursos que serão destinados a todos os órgãos públicos, inclusive às universidades federais. Antes disso, as instituições federais devem apontar todas as suas demandas orçamentárias e fontes de receita por meio do Sistema Integrado de Monitoramento, Execução e Controle do Ministério da Educação (SI-MEC). O MEC, por sua vez, consolida as propostas e encaminha ao Ministério do Planejamento, respon-sável por enviar o projeto de lei para aprovação no Congresso Nacional.

A votação acontece porque o Brasil vive uma demo-

| Foto: Isabella Mariano

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cracia representativa, ou seja, é como se o povo de-cidisse como seu dinheiro, os impostos, serão gas-tos. Após aprovado pelo Congresso, o orçamento deve ser sancionado pela Presidente da República. A liberação acontece no início do exercício da ges-tão para o qual foi planejado e aprovado. Por isso, podem ocorrer ajustes durante o ano, por meio de suplementações ou cancelamentos orçamentários.

É possível, também, que a universidade não consiga concluir um projeto orçado para aquele ano, como uma obra. Nesse caso, mesmo que previsto, o valor não será gasto. Por outro lado, caso a receita arre-cadada seja maior do que a prevista, uma autoriza-ção deve ser solicitada ao Congresso, para que esse dinheiro possa ser gasto.

DistribuiçãoA execução do orçamento da Ufes é centralizada na Administração Central, representada pelo reitor e sua gestão. Ocorre, contudo, uma distribuição aos dez Centros de Ensino para aquisição de material de consumo, como material de laboratório e de expe-diente. A Administração Central da Ufes informou que os principais critérios para essa distribuição são a quantidade de alunos, a área física e o percentual de cursos de pós-graduação. Para o ano de 2013, o orçamento relacionado aos gastos com custeio a ser rateado entre os centros é de R$ 2,5 milhões.

Segundo Luciana, as outras demandas dos centros devem ser encaminhadas à Reitoria da universida-de. “A liberação de dotações dos demais recursos de custeio e de capital para as unidades acadêmicas é feita diretamente pelo reitor, juntamente com os diretores dos centros, obedecendo ao critério das prioridades das demandas existentes”, explica.

GastosSobre o gasto com pessoal ter sido a maior parte do orçamento da Ufes em 2012, R$ 425.355.848, Luciana diz que no valor estão incluídos os venci-mentos e vantagens fixas, a contratação temporária de professores substitutos, aposentadorias e pen-sões, bem como despesas de exercícios anteriores e sentenças judiciais. “Normalmente, o gasto com pessoal é maior por conta das despesas fixas, já es-

tabelecidas pela Constituição Federal”, resume.

Já os gastos executados com investimentos são de R$ 44.538.925,00, que correspondem a 7% do orça-mento total do ano passado, e foram utilizados para aquisições de equipamentos, instalações e obras de infraestrutura. “Os gastos com investimentos cor-respondem a uma média de 7% a 10% de toda a execução do Orçamento da Ufes, incluindo todas as fontes de recursos. Comparados com os inves-timentos realizados em 2011, apresentamos um crescimento nominal de 27%”, justifica a diretora. A Ufes executou, com recursos provenientes de todas as fontes, R$ 6.612.757 para aquisição de material de consumo, em 2011, e R$ 12.112.990, em 2012.

CentrosO diretor do Centro Tecnológico, Geraldo Sisqui-ni, diz que o orçamento destinado à universidade é insuficiente. “Na compra de equipamentos para laboratório, por exemplo, o orçamento é limitado. A Prefeitura Universitária nos pede para estabelecer algumas prioridades”, afirma.

Ele diz que os centros de ensino da Ufes conse-guem complementar a receita por meio de parce-rias. “Alguns centros conseguem captar recursos complementares. No meu conhecimento, todos os centros têm conseguido captar esses recursos. Trata-se de parcerias com os órgãos de fomento à pesquisa, como CNPq e FAPES”.

O professor Paulo Sérgio Vargas, diretor do Centro de Artes, diz o contrário. Apesar de considerar a re-ceita voltada aos materiais de consumo suficiente, afirma que há uma dificuldade em conseguir outras fontes de renda. “Nós, hoje, vivemos uma grande dificuldade, pois não temos recursos próprios para administrar”, explica. Como alternativa, Paulo Sér-gio está montando um projeto para pedir ao MEC recursos extraorçamentários para a construção de um novo edifício no centro. Ele afirma que o proje-to vai priorizar a melhoria dos cursos de graduação em termos de infraestrutura, visando a construção de novas salas de aula e salas de professores, além da aquisição e manutenção de equipamentos de laboratórios de ensino.

Matriz de distribuição interna entre os Centros de Ensino. Ela será utilizada, neste ano, para o rateio da receita referente aos gastos com custeio (R$2,5 milhões). Nem toda a receita é distribuída dessa maneira. Outros fatores podem interferir, como urgência para o término de uma obra, por exemplo.

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Redes sociais na mira da polícia capixaba

RHAYAN LEMES e LEONARDO RIBEIROINTERNET

Monitoramento de Twitter e Facebook é a nova arma da Secretaria de Segurança no combate ao crime no Espírito Santo

|Ilustração: Jess Mello

Um comentário feito nas redes sociais pode ser informativo, reflexivo ou meramente en-graçado. Com a diversidade de plataformas

no espaço virtual, é possível compartilhar opiniões com amigos, conhecidos e colegas de trabalho, ra-pidamente na rede. Mas além de serem acessadas por eles, as postagens no Facebook e no Twitter também poderão ser monitoradas pela Secretaria de Segurança do Espírito Santo (Sesp).

A ordem para o serviço de monitoramento de re-des sociais foi dada pela pasta no início deste ano. O sistema, conhecido como Guardião, é desenvol-vido pela mesma empresa que faz interceptações telefônicas desde 2003 no Estado. Em dois anos, a Dígitro Tecnologia LTDA recebeu quase R$ 4 mi-lhões, em contratos, pelos serviços de inteligência digital prestados, segundo dados publicados no Diário Oficial Estadual.

A possibilidade de ter suas páginas pessoais vigia-das preocupa internautas. “Não me sentiria segura, teria o sentimento de invasão de privacidade. Isso poderia interferir no meu rendimento profissional, causando estresse no pessoal. Ficaria preocupada em estar sendo analisada”, diz a chef de cozinha Andreia Lima Westphalen, 32 anos.

Com perfis em nove redes sociais, incluindo Fa-cebook e Twitter, o universitário Thalston De Laia, 21 anos, acredita que a vigilância na web possa influenciar os usuários a deixar essas plataformas. “Penso que tem que ser discutido como esse mo-nitoramento será feito. Devem ser monitorados,

principalmente, os conteúdos que vão contra a dignidade humana. Mas a linha é tênue entre o controle e a invasão de privacidade. Não me senti-ria confortável sabendo que o governo tem acesso a tudo aquilo que compartilho com meus amigos”, argumenta.

Para o estudante de Direito, Caio Neri, 22 anos, a medida pode funcionar como “ferramenta masca-rada do Estado para impedir manifestações popu-lares que lhe sejam desfavoráveis”. Neri acredita que o guardião também possa ser usado com in-tenções eleitoreiras, com a finalidade de descobrir as preferências políticas dos internautas. “Acho uma tentativa de investigação do que pensam os cidadãos, sobretudo acerca das ações governa-mentais”, pondera.

Segundo ele, viveremos em uma “ditadura branca” caso os conteúdos privados sejam vigiados. “A in-vasão da privacidade, além de imoral, representa ofensa a direitos constitucionalmente garantidos”, reforça. O analista de mídias sociais, Fernando Mendes, diz que a novidade é a otimização do sis-tema, pois a polícia já faz esse tipo de investigação.

“Vejamos um dos últimos escândalos de corrup-ção, envolvendo uma ex-assessora do ex-presi-dente Lula, em que a maioria das fraudes foram comprovadas devido a quebra de sigilo de seus e--mails”, exemplifica.

Conforme publicado no Diário Oficial em 7 de ja-neiro, o serviço de monitoramento de Facebook e

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Twitter, firmado entre a Sesp e a Dígitro com du-ração de seis meses, não gerou novos custos aos cofres estaduais, pois trata-se de um contrato para fins de demonstração e testes.

No entanto, de dezembro de 2011 a dezembro de 2013, dois contratos de 12 meses cada – um deles prorrogado por mais um ano – para a prestação de serviços tecnológicos à secretaria, renderam à Dígitro o total de R$ 3.925.741,28, segundo publi-cações no Diário Oficial do Estado.

Crimes na internetA Sesp esclareceu, por meio de nota, que os in-vestimentos são para dotar as polícias capixabas de recursos capazes de fazer frente a grupos cri-minosos, uma vez que eles estão “cada vez mais audaciosos”, utilizando das novidades tecnológicas “de forma que possam dificultar ou até impedir a atuação das forças policiais contra eles”.

“Já foi detectado pela polícia no Estado que existem criminosos que utilizam a internet para comerciali-zarem drogas, planejarem assaltos a residências e estabelecimentos comerciais, fugas de presos pe-rigosos e, por incrível que pareça, para exibir fotos dos produtos que conseguiram em assaltos”, diz a nota enviada pela pasta.

Segundo a Secretaria de Segurança, as intercepta-ções telefônicas e telemáticas realizadas são desti-nadas a investigar crimes como homicídios, tráfico de drogas, cárcere privado mediante sequestro, assaltos e estupros. “Crimes graves em que as pro-vas necessárias para a condenação dos autores so-mente podem ser obtidas mediante a intercepta-ção dos mesmos”.

Mais de dois meses e meio depois da autorização do serviço, a Sesp informou que o monitoramento de redes sociais ainda não havia sido iniciado até o dia 21 de março. Mesmo com a troca de comando da Secretaria de Segurança, ocorrida também em março, “o processo de implementação não sofreu nenhuma alteração”.

O que diz a leiO sigilo das comunicações é garantido pela Cons-tituição Federal de 1988. O inciso XII do artigo 5º diz que “é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das co-municações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal”.

Para regulamentar a parte final deste dispositivo foi criada a Lei nº 9.296/96. Entre outras orien-tações, ela diz que a interceptação de comuni-cações telefônicas, de qualquer natureza, para

prova em investigação criminal e em instrução pro-cessual penal, dependerá de ordem do juiz compe-tente da ação principal, sob segredo de justiça, ou através de requerimento da autoridade policial ou do representante do Ministério Público; que o MP pode acompanhar a sua realização; que em qual-quer hipótese deve ser descrita com clareza a si-tuação objeto da investigação; que a gravação que não interessar à prova será inutilizada por decisão judicial.

A Sesp ressalta que todas as investigações aten-dem aos dispositivos legais vigentes, e podem ser acompanhados pelo representante do Ministério Público. Por se tratar de informação restrita, so-mente repassada aos órgãos do Poder Judiciário, a secretaria não divulgou a quantidade atual de linhas telefônicas legalmente interceptadas no Es-tado. A capacidade total do sistema também não foi informada.

Escutas ilegaisEntre março e abril de 2005 a Rede Gazeta, maior rede de comunicação do Espírito Santo, teve um terminal telefônico de sua redação grampeado pelo sistema Guardião. Descoberta, a ilegalidade foi denunciada em dezembro do mesmo ano.

Conforme divulgado à época, o pedido de inter-ceptação foi feito por uma delegada de Polícia Civil e um promotor de Justiça, e foi concedido pela 4ª Vara Criminal de Vila Velha. No pedido constava uma lista de telefones, incluindo o da Rede Gaze-ta. As interceptações seriam para apurar a autoria do assassinato do juiz Alexandre Martins de Castro Filho, em 2003.

O Ministério Público Federal no Espírito Santo pe-diu a condenação da Teleste Celular (Vivo), e do Estado do Espírito Santo ao pagamento de indeni-zação por dano moral coletivo da ordem de R$ 1 milhão, bem como a condenação da Agência Na-cional de Telecomunicações (Anatel), por omissão em apurar devidamente o episódio. O processo tramita em segredo de Justiça, no Tribunal Regio-nal Federal da 2ª Região (Rio de Janeiro).

“Não me sentiria confortável sabendo que o governo tem acesso a tudo que compartilho com meus

amigos”

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SOCIEDADE ASTRID MALACARNE, CLERISSON SOUZA e LUCAS ROCHA

O uso de álcool em excesso e de outras dro-gas faz com que o indivíduo esteja tempo-rariamente incapacitado de tomar decisões

conscientes. Assim, não tem condições de negociar, por exemplo, o uso do preservativo com seu par-ceiro e o compartilhamento de seringas para o uso de drogas injetáveis. Pessoas com esse comporta-mento formam um grupo de risco de transmissão de Doenças Sexualmente Transmissíveis (DSTs) e de doenças transmitidas pelo sangue. É o que ex-plica Cláudia de Paula, coordenadora da Associa-ção Capixaba de Redução de Danos (Acard), orga-nização não governamental, que leva informações sobre cidadania, direitos humanos, drogas e DSTs a moradores de rua, usuários abusivos de álcool e outras drogas e profissionais do sexo.

Além disso, a instituição disponibiliza meios para que esses indivíduos reduzam os riscos de saúde a que estão expostos. É disponibilizado um kit indi-vidual com materiais para uso de drogas injetáveis, além do preservativo, consiste em reduzir danos e contribuir para mudanças sociais, com o foco em saúde e cidadania. Essa atitude pode ser vista como um incentivo ao uso de drogas. Mas Cláudia refor-ça que o objetivo da associação é reduzir os riscos do uso e sob os efeitos dos entorpecentes, e não promover o consumo, uma vez que o trabalho de redução de risco é desenvolvido entre os que já es-tão expostos a tal. “Trabalhamos para diminuir os danos na saúde de quem já é usuário”.

O kit contém uma seringa, um garrote (objeto que aperta o braço quando se usa uma seringa intrave-nosa), lenço umedecido com álcool para assepsia, um copinho, água e preservativos. “Com esse kit, o usuário pode evitar o compartilhamento e, assim, reduzir o risco de contrair alguma doença”. Esse kit é disponibilizado com os agentes de prevenção,

que trabalham em duplas formadas por agentes de prevenção e profissionais de assistência social, en-fermagem e psicologia. Cláudia também conta que os agentes têm os mesmos perfis do público aten-dido. “Entendemos que há uma facilidade de afetar as pessoas que tem as mesmas problemáticas ou que já passaram por aquilo”.

A Acard faz o mapeamento das pessoas atendidas, presta ajuda e as encaminha para as Secretarias de Saúde e de Assistência Social de Vitória, que dão suporte às necessidades desses grupos de risco. Atualmente, a instituição desenvolve o programa “Agentes de Prevenção”, que contribui para o con-trole de transmissão de HIV e outras doenças.

Mas, além desse, a Acard já desenvolveu cerca de oito projetos diferenciados com seus públicos. En-tre eles, o projeto “Exercitando a Cidadania” teve o objetivo de atuar na prevenção do HIV/Aids e das Hepatites B e C entre usuários de drogas injetáveis; o projeto “Cativar” trabalhou para a reinserção de usuários de drogas e de seus familiares na rede de serviços públicos (de saúde, educação e assistên-cia social); e o projeto “Beleza Rara” capacitou pro-fissionais de estúdios de tatuagem e piercing e de salões de beleza para serem agentes na prevenção das DSTs, já que esses lugares possuem um alto risco de contaminação caso os objetos usados não sejam devidamente esterilizados.

A prevenção como resgate da cidadania

Associação Capixaba de Redução de Danos (Acard) leva informações para públicos diversos sobre álcool e outras drogas, cidadania, doenças transmitidas pelo sangue e direitos humanos

Se quiser ser um voluntário da Acard, entre em contato pelo e-mail [email protected] ou pelo telefone (27)3233-0029. A sede da instituição fica no Centro de Vitória, na Rua da Alfândega, número 22, na sala 406, próximo à Praça Oito.

|Foto: Clerisson Souza

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18 Primeira Mão | Abril de 2013

CAPA DAIANE DELPUPO, ESTHER RADAELLI e FÁBIO ANDRADE

De acordo com o IBGE, o Brasil tem mais de 1,2 milhões de usuários de crack. A idade média de início do con-sumo é aos treze anos. Dos estudantes do 9º ano do

Ensino Fundamental pesquisados, 8,7% já usaram drogas ilí-citas. Em contrapartida, o álcool, possivelmente por ser uma droga socialmente mais aceita, já foi consumido pelo menos uma vez na vida, por 71,4% dos alunos, sendo que 22,1% deles já se embriagaram. Mesmo não sendo um assunto constantemente abordado pela mídia, os prejuízos causados pelo álcool também representam riscos. O consumo nocivo de bebidas alcoólicas causa 2,5 milhões de mortes por ano no mundo, segundo a Organização Mundial da Saúde. Só no Brasil, existem mais 10 milhões de alcoolistas, dado da Asso-ciação Brasileira de Alcoolismo.

Enquanto os malefícios do álcool não têm tanto espaço na mídia, o crack é destaque nos veículos de comunicação. Se-gundo Roney de Oliveira, médico e professor de Farmacolo-gia do Centro de Ciências da Saúde da Ufes (CCS), de fato, o crack pode ser conceituado como uma epidemia, pois é

Quem

Mesmo sendo a droga mais consumida e com maior número de dependentes no Brasil, o álcool ainda é um mal pouco visível, enquanto a mídia e a sociedade destacam o consumo do crack

escolheu o

vilão?

uma droga relativamente nova e que cada vez possui mais usuários. Mas e o álcool? De acordo com Roney, ele também pode ser considerado uma endemia, “porque tem níveis mais ou menos estáveis, que são muito altos”.

No Brasil, os jovens começam a consu-mir o álcool desde cedo, muitas vezes na infância, estimulados pela publici-dade da droga, que é lícita e facilmente aceita na cultura do brasileiro. Betsai-da Moulin, assistente social e gerente do Centro de Atenção Psicossocial Ál-cool e Drogas de Laranjeiras, na Serra (CAPS ad – Laranjeiras), lembra que o modo como a sociedade trata o álcool se difere da forma com que vê outras drogas. “Quando você está em uma festa de família e consome álcool está

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tudo certo, mas se fuma um baseado tudo muda de figura”, diz. Ela afirma que no próprio CAPS existem reuniões separadas para os usuários de álcool e os de outras drogas. “Existe um pre-conceito dos alcoolistas, como se o álcool fosse ‘menos pior’”, acrescenta.

Roney acredita que se for traçado um paralelo entre o crack e o álcool, a conclusão será de que o segundo me-rece um programa tão forte quanto o primeiro. Mas por que, então, há uma atenção muito maior voltada para o crack e uma conformidade em relação ao álcool?

Betsaida trabalha há seis anos no CAPS ad Laranjeiras, o único da Serra. O es-paço, inaugurado em 2006, faz atendi-mentos suficientes para a capacidade de, pelo menos, mais quatro Centros. Em 2012, foram 592 novos atendimen-tos. O tratamento não tem prazo e é definido de acordo com cada situação. A assistente social afirma que a maior parte da procura que recebem é por conta do uso de álcool. Ela diz, ainda, que não entende bem o motivo da mí-dia não dar destaque para os prejuízos causados pela droga. “Não que o crack não seja um problema. Mas o enfoque dado minimiza às vezes outras drogas que também trazem muitos transtor-nos. Talvez porque o crack apareça mais através das pessoas na rua, em estado de miséria total. O feio acaba se mostrando e isso deve incomodar. Não que não tenha que ser cuidado, mas foi pego meio que de bode expia-tório”, afirma.

Para Roney, os reais malefícios do ál-cool são omitidos por um jogo de po-der que tem o dinheiro como definidor da maneira de conduzir a saúde públi-ca. Ele afirma que o discurso do go-verno é ambíguo à medida que cria a Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (SENAD), falando de combate, mas não dá ênfase ao alcoolismo. “O álcool é o carro chefe da discussão, mas na hora do combate... Há quan-tos anos não tem propaganda de ci-garro? Por que tem propaganda de álcool? Qual a justificativa de estimular o consumo de uma droga que causa muitos danos e leva à dependência? Meramente econômica”, diz. Segundo Roney, o lobby de cigarro não conse-

guiu ter a mesma competência do de álcool. “O álcool causa cirrose, demência, pancreatite, várias lesões, sem contar com o resto dos problemas. Pelo menos no trânsito você não vai matar ninguém por estar com nicotina no organismo”, afir-ma.

O álcool e o crackPara haver um entendimento correto da discussão sobre o consumo de álcool, é preciso diferenciar os indivíduos alcoo-listas, daqueles que fazem uso abusivo da substância. O uso abusivo é caracterizado pela ingestão pontual, porém exces-siva, de bebidas alcoólicas, como é comum observar em fes-tas e comemorações de todo tipo. É uma variação do que as pessoas, comumente, chamam de “beber socialmente”. Já o alcoolismo, pode ser diagnosticado quando o usuário apre-senta a necessidade frequente de ingestão de bebidas e a forte compulsão pelo consumo, levando-o a ignorar quais-quer impedimentos que o separem do álcool.

Essa diferenciação, no entanto, não isenta os usuários pontuais dos riscos oferecidos. “Não existe uso seguro de qualquer tipo de droga. Pequenas quantidades são su-ficientes para alterar o funcionamento de diversos sistemas do organismo hu-mano”, alerta Tiago

Cardoso, psicólogo que atua no aperfeiçoamento em subs-tâncias psicoativas no Centro de Estudos e Pesquisas sobre Álcool e outras Drogas – Ufes (CEPAD).

Algumas pessoas começam a consumir álcool, muitas vezes, ainda na infância ou adolescência. Pesam nesse começo tão precoce o incentivo cultural, onde a ingestão de álcool é en-carada com naturalidade. Outro fator determinante, sobre-tudo para adolescentes, é a pressão para se enquadrar no grupo de amizades. Nessa fase, se a ingestão se torna um hábito, pode causar diversas repercussões na vida do jovem como irritabilidade, baixo rendimento ou evasão escolar.

Marluce Siqueira, coordenadora de pesquisa do CEPAD e professora do departamento de Enfermagem e do programa de pós-graduação em Saúde Coletiva da Ufes, afirma ainda que o álcool é uma das principais portas de entrada para o uso de outras drogas. “Hoje em dia se tornou comum o atendimento de usuários de múltiplas substâncias, mas nor-malmente o começo de tudo se dá com o álcool”, explica.

O uso do álcool, assim como o do crack, causa severas alte-rações no sistema nervoso, de acordo com Roney. Essas dro-gas produzem danos que se estendem para além de proble-mas físicos de saúde. A ingestão crônica dessas substâncias resulta em disfunções também no cotidiano social e no bem estar psicológico.

“Não existe uso seguro de qualquer tipo de droga. Pequenas quantidades são suficientes para alterar o funcionamento de diversos sistemas do organismo humano”

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De acordo com Erikson Felipe Furtado, professor de psiquia-tria da USP, a saúde mental dos usuários de drogas é seve-ramente afetada em consequência do uso das substâncias. “O álcool e as demais drogas produzem a síndrome de de-pendência. Ela é uma alteração do sistema nervoso central, produzida pelo consumo rotineiro que modifica o compor-tamento, interferindo em decisões, escolhas e motivações do indivíduo”, diz. Furtado afirma que além disso, cada dro-ga pode afetar outros comportamentos humanos. “O álcool, por exemplo, pode levar à depressão, afetar a memória e o raciocínio. Cocaína e crack podem induzir um estado de confiança e desinibição exagerada que pode descambar para delírios e alucinações”, explica.

Nos bebêsSe o vício e os efeitos do crack e da bebida alcoólica já são altamente prejudiciais para adultos, podemos imaginar o estrago que eles fazem na vida de quem acaba de nascer. Erikson Furtado, que é especialista em psiquiatria da crian-ça e do adolescente, explica que como em qualquer caso o crack faz mal às gestantes, mas o agravante está no fato de colocar em risco a gestação, a vida do bebê e seu desen-volvimento depois de nascer. “O mais comum é o feto ter problemas de crescimento e desenvolvimento intrauterino. A gestante pode ter problemas circulatórios e o recém-nas-cido pode ter problemas respiratórios e apresentar muita inquietude”.

Enquanto, por um lado, o álcool não é, na maioria das vezes, considerado tão devastador quanto o crack, por outro, nos bebês os prejuízos da bebida alcoólica estão equiparados ao da droga ilícita. “O álcool na gestação pode provocar morte fetal. Alguns recém-nascidos poderão apresentar má formação, baixo peso, baixa estatura e falhas no desenvolvi-mento neurocomportamental, que caracterizam a Síndrome Fetal do Álcool (SAF). Outros podem nascer sem alterações aparentes, mas apresentar problemas a longo prazo”, afir-ma o especialista. De acordo com material produzido pelo

CEPAD sobre a SAF, ela pode ser de três a seis vezes mais comum que a Síndrome de Down.

A esperança do tratamentoPara Marluce Siqueira, os integran-tes da família são os primeiros que notam o envolvimento nocivo com o álcool ou demais drogas. Não por acaso, muitas vezes é através de fi-lhos, irmãos ou pais que o tratamento do vício se inicia. “O serviço de trata-mento oferecido pelo CEPAD busca dar atenção ao usuário e ao familiar. Nem sempre o tratamento começa pelo usuário, mas sim por um parente que pede ajuda. Quando um familiar nos procura, é por ele que começa a intervenção, entendendo que esse fa-miliar vai atuar como multiplicador e vai incentivar o paciente a iniciar uma mudança de estilo de vida”.

O tratamento do vício em drogas en-volve várias áreas do conhecimento médico e pode incluir a administração de remédios, o acompanhamento psi-cossocial, a participação da família ou, em alguns casos, a internação em clí-nicas de desintoxicação, como explica Roney. “O modelo de tratamento não é único. Não tem que pegar todo mun-do e sair internando. A população quer ver clínicas para todo lado, mas não tem que internar todo mundo. Para di-ferentes dependentes, para diferentes modalidades do mesmo tipo de droga, as abordagens são diferentes.”

Legislação

Mesmo sendo prejudicial a vida, envolvendo as questões de saúde, do vício e da violência, o consumo de bebida alcoólica no Brasil é, não só liberado, mas estimulado pela publicidade.

Segundo o Professor de Direito da FDV Igor Brito, a Constituição Federal delimita algumas restrições a esse tipo de anúncio, mas há falhas em sua redação. Para Brito, as brechas na Constituição estão ligadas ao fator econômico. “A lei ainda não foi regulamentada pelo interesse econômico que está vinculado a indústria das bebidas alcoólicas no país. Essa indústria tem capacidade de frear projetos legislativos”, afirma. Ele acredita que está faltando evidenciar os prejuízos dos efeitos do álcool a saúde para que haja mudança na lei. “É uma analise fria, mas se comparássemos os prejuízos dos cofres públicos com a saúde, em decorrência do uso de álcool, com os recursos arrecadados pelo governo em relação a essa indústria, teríamos a proibição, assim como aconteceu com o cigarro, na década de 90”, diz.

Brito afirma ainda que, em relação ao crack e outras drogas que são consideradas ilícitas, o álcool só é classificado como lícito, por uma questão histórica e por conveniência.

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Prevenção como caminho Dentro da discussão das políticas públicas, que é bastante ampla, está o importante papel da prevenção como maneira de amenizar o quadro de consumo de drogas. “Atualmente não temos programas organizados, temos medidas pon-tuais. Temos que aumentar na nossa população a questão de educação e saúde”, reforça Roney. “Quanto de saúde vo-cês estudaram? Verminose? Mas é muito mais amplo. Nossa população é muito fraca nessa questão ,” reforça Roney.

A escola continua a ser uma das melhores formas de entra-da para as discussões mais relevantes referentes à socieda-de. E, no caso das drogas, não é diferente. De acordo com dados do CAPS ad Laranjeiras, mais da metade dos aten-didos experimentaram essas substancias entre 13-18 anos. Roney reforça que simples propagandas não são a melhor forma de conscientizar a população: “Não é propagandinha, se propaganda fizesse algum efeito, aquele cara com cân-cer, enfisema, que aparece na embalagem do cigarro faria as pessoas pararem de fumar. Na verdade, essas propagandas tem baixíssimo impacto. Tem que atuar de forma sistêmica, não flutuante sobre o indivíduo em período de formação”. O primeiro passo está na capacitação dos professores, de todos, para que essa discussão possa acontecer com qua-lidade. “A falta de educação e saúde perpetua ignorância”, lembra o professor.

Roney diz ainda que só existe real direito de escolha, quan-do existem informações que nos deem insumos para isso. “O direito de escolha cabe bem quando você está bem in-formado. Você quer beber? É um direito seu, mas você tem que estar ciente. Sem a informação adequada, sua escolha não é um livre arbítrio, é uma escolha direcionada”, afirma.

“Um programa realmente tem que começar com

uma boa prevenção. Temos que aumentar na nossa população a questão de

educação e saúde. Quanto de saúde vocês estudaram?

Verminose?”

Políticas PúblicasOs problemas relacionados ao álcool e a outras drogas também estão for-temente ligados ao âmbito social e necessitam de políticas públicas con-sistentes. Para a assistente social Bet-saida, do CAPS ad Laranjeiras, falta investimento em alguns setores que poderiam agir como meios preventi-vos ou se tornar alternativas melhores.

“Tem que ter investimento na área de educação, esporte, cultura e lazer. É preciso criar políticas públicas para a população usuária e também para prevenção. Nosso desafio na reinser-ção social é dizer para estas pessoas que há outras possibilidades. Não é uma questão só que a saúde vai dar conta, tem uma necessidade de tra-balho intersetorial, de ter políticas in-tegradas, de que isso funcione de tal forma que possibilite e dê oportuni-dade para essas pessoas”, afirma.

Betsaida acredita que alguns en-contram nas drogas, um refúgio. “As pessoas tem uma educação precária, habitam muito mal e não possuem a retaguarda que precisam. Vivem em situação de miséria e, às vezes, veem que se entorpecer é uma maneira de sair dessa realidade”, diz.

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22 Primeira Mão | Abril de 2013

ECONOMIA IZABELLY POSSATTO e VIVIANE MACHADO

Heraldo Rodrigues da Silva mora há 15 anos no bairro São Benedito, em Vitória. Há três anos ele se tornou dono do próprio negócio,

uma mercearia que atende moradores das redon-dezas de sua casa. Isso só foi possível porque o seu Heraldo pediu ajuda ao Banco Bem. Pela mercearia, ele já pegou dois empréstimos, um para começar o negócio e outro para ampliar o espaço. Heraldo é um dos 841 moradores da comunidade que teve a vida impactada por um empréstimo no banco so-lidário. O Banco Bem existe há sete anos e desde então já movimentou quase um milhão de reais. Os empréstimos concedidos são provenientes de linhas de microcrédito: consumo, habitacional e produtiva.

Segundo a agente de crédito do Banco Bem, Irany de Novaes Correa, muitas pessoas melhoraram suas condições de vida após os empréstimos rea-lizados pelo banco. “Nós temos bastante histórias de pessoas que melhoraram de vida, mas mais do lado habitacional do que do produtivo, porque o produtivo é instável. Às vezes um negócio é aberto, mas não vai à frente”, contou.

O Banco BemO banco teve início a partir de um empreendimen-to de algumas mulheres que participavam de um grupo de moda no bairro São Benedito, o Bem Arte Moda. Elas identificaram a possibilidade de ampliar a renda da comunidade e, após uma palestra de Joaquim de Melo, coordenador do Banco Palmas (do Ceará), tomaram a iniciativa de criar uma insti-tuição financeira da comunidade, o Banco Bem.

Com uma moeda própria, o Bem, que tem os valo-res equivalentes ao Real, o banco possui três dife-rentes tipos de empréstimos que auxiliam os mo-radores de oito comunidades atendidas. As linhas de crédito de consumo permitem que o morador pegue emprestado até 100 Bens (pagos em até 90 dias sem juros) e utilize exclusivamente em esta-belecimentos cadastrados da região que aceitem a moeda local. Esse empréstimo permite a valori-zação do comércio e a movimentação do dinheiro local, o que impulsiona a economia e o desenvolvi-mento dessas áreas.

O crédito habitacional é a modalidade que mais emprestou dinheiro no Banco Bem e é utilizado para reformas e construções de casas. O morador realiza um cadastro inicial e aguarda autorização para a retirada do empréstimo. Assim que autori-zado, o solicitante é submetido a uma análise so-cioeconômica, que define o valor do empréstimo, podendo chegar até a R$ 5 mil. Os juros nessa linha são de 0,75% ao mês e o pagamento pode ser divi-dido em até 24 vezes.

Solidariedade que movimenta a economia

Iniciativas de economia solidária ajudam no desenvolvimento e proporcionam uma realidade melhor para grupos e comunidades carentes

“A economia popular solidária viabiliza o desenvolvimento

local, promovendo a inclusão produtiva e

social”

Mercearia do seu Heraldo, no São Benedito, usa a moeda do Bem | Foto: Izabelly Possatto

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A “equipe do Bem”, além de buscar contribuir para a melhoria da estrutura do Território do Bem, traba-lha no fomento e na construção de outros bancos comunitários que possam contribuir para o desen-volvimento de mais bairros atendidos e beneficia-dos por iniciativas de economia solidária.

O Banco Bem atende oito comunidades de Vitória, totalizando cerca de 31 mil habitantes. Eles atuam no Bairro da Penha, Bonfim, Consolação, Engenha-ria, Floresta, Itararé, Jaburú e São Benedito.

Economia SolidáriaA economia solidária configura-se como uma alter-nativa para geração de trabalho e renda, e apresen-ta foco na inclusão social. Além disso, é norteada de princípios como solidariedade, cooperação, jus-tiça social, autogestão, consumo ético e conscien-te, e sustentabilidade. Os bancos solidários, como o Banco Bem, que realizam empréstimos a juros baixos e utilizam os recursos para melhorias dentro de uma comunidade, são iniciativas de economia

solidária. Mas essas iniciativas podem aparecer em diversos formatos, como as associações, clubes de troca, cooperativas e empresas autogestionárias, cujos trabalhadores são os proprietários, além das redes de cooperação. As atividades realizadas com-preendem produção de bens, prestação de servi-ços, trocas, comércio justo e finanças solidárias.

Para o estudante de Direito e membro da Incuba-

dora de Economia Solidária da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Marcos Djavan, é preciso entender que a economia solidária não se trata de assistencialismo, mas de solidariedade, cidadania e inclusão social pelo trabalho. “Há ainda conflito de conceitos, mas percebemos que é uma alternativa à economia dominante, pois é centrada no trabalha-dor e não no capital”, explicou.

Marcos conta ainda que, no Brasil, existe um fórum que organiza os mais de 3 mil empreendimentos de economia solidária que existem no país, o Fórum Brasileiro de Economia Solidária (FBES). Essa orga-nização é composta por três segmentos: entidades de assessoria e de fomento à economia solidária, agente de capacitação, incubação, pesquisa, acom-panhamento e assistência técnica; gestores públi-cos, que são responsáveis pelas políticas de econo-mia solidária de governos estaduais e municipais; além dos próprios empreendimentos.

Grasiele Cassilhas dos Santos trabalha com econo-mia solidária há seis anos. Ela é agente de crédi-ton do Banco Bem no São Benedito e explica que essas iniciativas possibilitam o crescimento da co-munidade porque contam com o envolvimento dos moradores. “Quem faz as cobranças aqui é a pró-pria comunidade, porque quanto mais as pessoas pagam, mais empréstimos podem ser realizados. Além disso, a inadimplência é baixa. Dentro de 50 créditos, apenas um demora a pagar. Isso é econo-mia solidária. É ser justo com o outro. Não é assis-tencialismo”, completou.

“É preciso entender que a economia

solidária não se trata de assistencialismo,

mas de solidariedade, cidadania e inclusão social pelo trabalho”

Moeda própria do Banco Bem. Ela circula em oito comunidades de Vitória | Foto: Izabelly Possatto

Mapeamento da Economia Solidária no Brasil

Os estudos de mapeamento mais recentes datam de 2005. Nele, fo-ram identificados 14.954 empreendimentos solidários no Brasil em 2.274 municípios, cerca de 41% do total de cidades do país. A maior concentração está no Nordeste, com 44%. No Sudeste, 14%.

Neste mapeamento, o Espírito Santo apresentou 259 empreendimen-tos, em 59 municípios, o que corresponde a 1,7% do número total de empreendimentos solidários do país.

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego: Atlas da Economia Solidária no Brasil.

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ANY COMETTI, INGLYDY ROGRIGUES e RAFAEL SILVATRANSPORTE PÚBLICO

De segunda a sexta-feira, sempre que é dia letivo, o estudante Gilmar Andrade sai de sua casa em direção à faculdade, em Goiabeiras,

Vitória. Morador do bairro Jardim Campo Grande, em Cariacica, ele precisa pegar dois ônibus para chegar ao seu destino e mais dois para regressar ao lar. Isso quando consegue embarcar no último coletivo para seu bairro, que sai do terminal de Campo Grande às 23h10. Gilmar reclama que esse horário o obriga a sair sempre antes do término da aula.

Assim como em Cariacica, na capital também há escassez de ônibus. Toda a região do bairro São Benedito e comunidades vizinhas, por exemplo, que somam mais de 30 mil moradores, dispõe apenas de cinco linhas. Para Valmir Dantas, líder comunitário e usuário da linha 031 (que circula entre São Benedito e Mario Cipreste), esse número é pouco. Ele conta que, por qualquer motivo, as linhas param de circular. “Aqui o serviço é feito por micro-ônibus sem trocador, apenas com o

motorista. Constantemente eles usam o estereótipo de bairro perigoso como motivo para pararem de vir. Muitas pessoas têm que subir o morro a pé, inclusive grávidas e idosos”, explica.

Tanto Gilmar como Valmir possuem um problema em comum: o serviço de transporte público. Ambos

acreditam que a prestação dele é precária por conta da falta de linhas, veículos e horários que atendam às regiões onde moram. Determinado constitucionalmente como um serviço de caráter essencial, o serviço de suprimir transporte público municipal é competência do município, que deve organizá-lo e prestá-lo diretamente sob regime de concessão ou

permissão. Ao estado, “cabe o planejamento, o gerenciamento e a execução da política de transporte coletivo intermunicipal e intermunicipal urbano”, segundo o parágrafo único do artigo 227 da Constituição Estadual.

Aqui na Grande Vitória, tanto o estado quanto os municípios não oferecem o serviço de transporte

Sobre licitaçõesque não existemServiço de transporte público, de caráter essencial, funciona sem licitação no estado. Mas a realidade mudou: as empresas têm prazos limitados neste ano para licitar suas linhas

| Foto: Inglydy Rodrigues

“Tanto as concessões estaduais quanto a do

Município de vitória foram objeto de ‘prorrogação’

por leis, obviamente inconstitucionais”

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público de maneira direta, mas por meio de concessões à iniciativa privada. Só que as empresas contratadas prestavam o serviço há cerca de 10 anos sem licitação, o que é contrário ao que determina a Constituição Federal. No artigo 175, consta que a prestação de serviço público deve se dar “sempre através de licitação”. A Constituição Estadual também legisla sobre o assunto no Art. 227, que diz que o transporte coletivo de passageiros é um serviço público essencial, é obrigação do Poder Público, responsável por seu planejamento, gerenciamento e sua operação, diretamente ou mediante concessão ou permissão, sempre através de licitação.

Segundo o advogado Luis Felipe Moreira, “tanto as concessões estaduais quanto a do Município de vitória foram objeto de ‘prorrogação’ por leis, obviamente inconstitucionais, pois nenhuma lei pode contrariar a Constituição Federal, que determina obrigatoriamente a realização de licitação”. Ele ainda afirma que as empresas sustentam que as leis não seriam contrárias à Constituição, mas até o momento foram vencidas judicialmente, provando que essas medidas estão, sim, em contradição com as leis federais.

O professor Duarte de Souza Rosa Filho, mestre em Ciências do Transporte e doutor em

Administração afirma que “a maioria das concessões de transporte público está vencida, sejam elas em nível municipal, estadual e federal”. Segundo ele, há uma lei de silêncio sobre o assunto, isso porque envolve muitos interesses políticos. Ele ainda denuncia o monopólio territorial entre as empresas de transporte público, que são separadas por áreas e raramente atuam nas rotas umas das outras.

Para a Agência Brasileira das Empresas de Transporte Terrestre de Passageiros (Abrati), o problema ocorre porque as empresas operam predominantemente nas regiões onde são baseadas e a falta de variedade de companhias atuando em um mesmo trecho se deve ao tamanho do mercado, considerado muito pequeno.

Segundo as ações civis nº 024030157382 e 024030187231 (que podem ser consultadas em http://www.tj.es.gov.

br/), requeridas por Moreira, a Companhia de Transportes Urbanos da Grande Vitória (Ceturb-GV)

e o Departamento de Edificações, Rodovias e Transportes (DERTES) devem promover a licitação das empresas atuantes no transporte intermunicipal de passageiros no estado num prazo de 12 meses a partir da intimação, que aconteceu nos meses de maio e agosto do ano passado, respectivamente para as instituições. Moreira lembra que a Ceturb, responsável pela concessão do Transcol, e o

DERTES, dos demais sistemas intermunicipais, não recorreram à decisão e, desta forma, demonstraram concordância com a realização da licitação.

Constituição Estadual:

Art. 28. Compete ao Município:V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de trans-porte coletivo, que tem caráter essencial;Art. 227. O transporte coletivo de passageiros é serviço público essencial, obrigação do Poder Público, responsável por seu plane-jamento, gerenciamento e sua operação, diretamente ou mediante concessão ou permissão, sempre através de licitação.Parágrafo único. Cabe ao Estado o planejamento, o gerenciamento e a execução da política de transporte coletivo intermunicipal e inter-municipal urbano, e aos Municípios os da política de transporte cole-tivo municipal, além do planejamento e administração do trânsito.Art. 230. É vedado ao Poder Público subsidiar financeiramente as empresas concessionárias ou permissionárias de transporte coletivo, salvo autorização expressa em lei.

“ A maioria das concessões de

transporte público está vencida, sejam elas em nível municipal, Estadual e Federal”

Constituição Federal:Art. 21. Compete à União:XII - explorar, diretamente ou mediante autorização, con-cessão ou permissão:e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e inter-nacional de passageiros;Art. 30. Compete aos Municípios:V - organizar e prestar, diretamente ou sob regime de con-cessão ou permissão, os serviços públicos de interesse local, incluído o de transporte coletivo, que tem caráter essencial;Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, direta-mente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.Parágrafo único. A lei disporá sobre:I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;II - os direitos dos usuários;III - política tarifária;IV - a obrigação de manter serviço adequado.

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Para além do ES

Problema igual, de infraestrutura e dos direitos dos usuários, acomete a vendedora Grete Silva, capixaba que mora há 10 anos em Belo Horizonte e sempre usa as linhas rodoviárias interestaduais quando vem visitar a família, em feriados prolongados. Como o tráfego é maior nessas ocasiões, uma viagem que normalmente duraria 9 horas chega a se prolongar por mais três. Para Grete, é difícil ficar todo esse tempo dentro do veículo. “As empresas se preocupam em levar o passageiro até o destino, mas pouco consideram o tempo que ele passa dentro de seus veículos. São poucas as que oferecem lanche e, quando há, não é de grande qualidade”, disse.

A Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), declarou que regula a qualidade e as características dos serviços oferecidos pelas empresas de ônibus interestaduais. No ano passado, a agência submeteu à Audiência Pública nº 124/2012 a prévia da Resolução que irá dispor sobre as características, especificações e padrões técnicos a serem observados nos ônibus das linhas

interestaduais e internacionais de passageiros, e a previsão é de que essa resolução seja publicada no primeiro semestre de 2013.

Segundo José Carlos Moreira, Diretor de Planejamento da Ceturb, o edital de licitação para a concessão de exploração do transporte público está em andamento e será lançado ainda neste ano.

Sobre esse assunto, a viação Itapemirim afirmou que seus processos de licitação e concessão, se deram dentro das regras estabelecidas. Declarou, ainda, que não se pronuncia sobre o assunto, que envolve não só a Itapemirim, como todo o setor. A viação Águia Branca, por ausência de seu diretor geral, encaminhou a demanda ao representante do SETPES.

Ilegais ou não, o advogado acrescenta que as concessões das linhas intermunicipais venceriam no segundo semestre deste ano. Ou seja, o Governo do Estado, de um jeito ou de outro, teria que tomar uma decisão a respeito do assunto. “A importância de nossas ações é impedir o governo de renovar o sistema sem licitação, forçando que tome atitude concreta para melhoria dos transportes coletivos”, reforça.

Na capital

Diferentemente do prazo que foi estabelecido pela ação pública para as linhas intermunicipais, o sistema municipal de Vitória tem até o ano de 2019 para licitar e regularizar todas as empresas que prestam serviço de transporte na capital, segundo o secretário geral do SETPES (Sindicato das Empresas de Transporte de Passageiros ), Jaime Carlos Deangeli. Também procuramos a SETRAN, Secretaria de Transportes, Trânsito e Intraestrutura Urbana da Prefeitura de Vitória, para que nos esclarecesse como foi feito o processo de contratação do transporte municipal, por quê as empresas que atualmente atuam na capital foram escolhidas, o que é avaliado no processo de contratação e como é definido o itinerário atendido por cada empresa, mas não obtivemos resposta até o fechamento da edição.

| Foto: Inglydy Rodrigues

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Quem anda pela Ufes lida com os transtornos causados pela disputa desordenada e mal educada entre veículos, pedestres e

ciclistas nas vias da Universidade. No campus de Goiabeiras é comum presenciar ações que, no trânsito, são consideradas infrações, como: bicicletas e motos circulando em calçadas reservadas para pedestres, além de motoristas que passam de carro por cima da grama, ou em áreas não autorizadas para “encurtar o caminho”. Nessa disputa por espaço, na maioria das vezes, quem leva o prejuízo são os pedestres, que representam a maioria dos que transitam pela Ufes.

Um dos que questiona a divisão de espaço entre automóveis e pedestres é Paulo José Ferreira Coelho, estudante de Engenharia de Produção. Apesar de ir, em algumas ocasiões, para a universidade de carro, ele afirma que a vida do pedestre é mais complicada. Quando vai para a Ufes a pé, passa pela passarela que dá acesso aos prédios do IC e do CT e vê que muitos ciclistas e motociclistas também passam por ali, o que acaba prejudicando o convívio com pedestres.

Paulo José é enfático: “Moto tem que andar junto com carros, não na passarela”.

Outro que reclama dos veículos que passam por lugares impróprios é o estudante Filippe Saraiva, do 6º período de Comunicação Social. Para ele, além das motos, os carros que circulam fora das ruas representam um enorme risco. “Eu mesmo já quase fui atropelado perto de um prédio do Centro de Artes. Um carro de uma construtora que presta serviço à Universidade veio rápido, em cima da calçada, sem buzinar sem nada e quase fui atropelado. Parece que só vão parar com isso no dia que algo de ruim acontecer”, lamenta.

Ao contrário de Filippe, Maísa Helena, jornalista e estudante de Ciências Sociais, afirma que, para ela, andar pela Ufes não é um problema. “As condições de mobilidade na Universidade atendem minhas necessidades, levando em conta que não preciso de condições especiais para me locomover. Mas, ainda assim, vejo que faltam espaços apropriados para ciclistas e motociclistas”.

EDUARDO DIAS, MICHELLE TERRA e NAIARA GOMESUFES

De quem é a vez?A circulação de meios de transportes na Ufes é caótica em algumas áreas. Ciclistas não têm vias próprias e dividem espaço com carros, motos e pedestres. O que fazer para melhorar a mobilidade no campus?

| Foto: Izabelly Possatto

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Assim como Maísa, o ciclista e estudante de Jornalismo, Vinícius Eulálio, critica a falta de locais reservados para guardar sua bicicleta. Para ele, o medo de roubo é frequente e a Universidade deveria contar com algum órgão da responsável por cuidar e fiscalizar esse tipo de demanda. A pós-graduanda Fernanda Maria Bremenkamp Volkers vai para a Ufes de moto e não encontra dificuldades, mas também reclama da falta de vagas específicas para o veículo.

Coordenação do trânsito nas vias da UfesDe acordo com o Código de Trânsito Brasileiro, ciclistas que transitam por cima de calçadas devem levar multa, mas dentro da Ufes não existe uma área dedicada ao tráfego desses veículos. Quando tentam andar pela rua, como diz a legislação, correm o risco de serem atropelados ou, no mínimo, constrangidos por motoristas de automóveis.

Vinícius presenciou uma dessas situações. “Uma menina, que ia de bicicleta ao Centro de Línguas, passou na frente de um carro que fazia o contorno para sair da Universidade. Ele parou, buzinou e xingou para caramba. Foi feio”, ele conta.

A Prefeitura Universitária, órgão é responsável pela fiscalização do trânsito dentro dos campi, comunica que não tem competência legal, nem autorização do Conselho Nacional de Trânsito (Contran) para aplicar multas nas dependências da Ufes. Apesar disso, a Prefeitura estuda a realização de uma campanha educativa para orientar motoristas, motociclistas e pedestres a promoverem uma circulação segura e cordial dentro do campus. O órgão ressalta também que os veículos da vigilância patrimonial têm a prerrogativa de, em caso de urgência, seguirem por caminhos alternativos, desde que em baixa velocidade.

O que diz o Código de Trânsito Brasileiro

CAPÍTULO IVDOS PEDESTRES E CONDUTORES DE VEÍCULOS NÃO MOTORIZADOSArt. 68. É assegurada ao pedestre a utilização dos passeios ou passagens apropriadas das vias urbanas e dos acostamentos das vias rurais para circulação, podendo a autoridade competente permitir a utilização de parte da calçada para outros fins, desde que não seja prejudicial ao fluxo de pedestres.

CAPÍTULO XVDAS INFRAÇÕESArt. 181. Estacionar o veículo:VIII - no passeio ou sobre faixa destinada a pedestre, sobre ciclovia ou ciclofaixa, bem como nas ilhas, refúgios, ao lado ou sobre canteiros centrais, divisores de pista de rolamento, marcas de canalização, gramados ou jardim público:Infração - grave;Penalidade - multa;Medida administrativa - remoção do veículo;Art. 193. Transitar com o veículo em calçadas, passeios, passarelas, ciclovias, ciclo faixas, ilhas, refúgios, ajardinamentos, canteiros centrais e divisores de pista de rolamento, acostamentos, marcas de canalização, gramados e jardins públicos:Infração - gravíssima;Penalidade - multa (três vezes).Art. 214. Deixar de dar preferência de passagem a pedestre e a veículo não motorizado: I - que se encontre na faixa a ele destinada;II - que não haja concluído a travessia mesmo que ocorra sinal verde para o veículo;III - portadores de deficiência física, crianças, idosos e gestantes:Infração - gravíssima;Penalidade - multa.Art. 255. Conduzir bicicleta em passeios onde não seja permitida a circulação desta, ou de forma agressiva, em desacordo com o disposto no parágrafo único do art. 59:Infração - média;Penalidade - multa;Medida administrativa - remoção da bicicleta, mediante recibo para o pagamento da multa.

Quem se sentir lesado, ou presenciar infrações relacionadas à circulação de veículos e pedestres na Universidade pode denunciar através do Disque Denúncia Ufes - 4009 2459.

| Foto: Izabelly Possatto

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SOCIEDADE THAIANA GOMES

Esquecidos pela memória

Toda família têm lembranças e recordações para contar às novas gerações; memórias pessoais para preservar. As famílias que convivem com o Alzheimer, em especial, precisam lutar para não perdê-las.

As pessoas estão vivendo mais. E viver mais traz consequências. O Alzheimer, por exem-plo, é uma delas. Uma demência degenerati-

va que atinge o pensamento e o sistema cognitivo do indivíduo, explica Cristiana Zago, médica geria-tra. A doença não é somente do paciente, mas de toda a família, pois todos precisam mudar suas ro-tinas. A demência causada pelo Alzheimer aumenta com a idade. No Brasil, 7 a 12% das pessoas acima de 65 anos, sofrem com o proble-ma, correspondendo a, aproxima-damente, um milhão de idosos. Desse total, 50 a 70% deles tem a doença.

Ela é causada pelo acúmulo anor-mal de proteínas no cérebro (pro-teína beta-amilóide e proteína tau hiperfosforilada), levando à mor-te dos neurônios, que são células cerebrais, explica a médica neu-rologista Sonia Brucki, do Depar-tamento de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia (ABN). Quando alguém é diagnostica-do com Alzheimer, a notícia pode ser devastadora e assustadora; e a experiência pode ser terrível ou enriquecedora. Cuidar de alguém com o Alzheimer é uma tarefa árdua, que envolve muitos sentimen-tos, como o amor, o compromisso, a compaixão e o senso de responsabilidade. Mas implica também em cansaço, em estresse e em frustração, pois se trata de uma doença em que não se enxerga me-

lhora alguma, já que não tem cura. Para Eliana Faria, presidente da Associação Brasileira de Alzheimer do Rio de Janeiro, a doença atinge a todos de modo devastador e a arma para enfrentá-la na fase inicial é a informação aliada à solidariedade. É importante saber conviver com a doença e sempre encontrar serenidade e calma para transmitir ao doente amor e paz.

Ela ficará na memóriaDona Maria Zanete Piffer tem 74 anos e há três foi diagnosticada com Mal de Alzheimer. Senhora de sorri-so fácil, ela é vaidosa e faz questão de se pentear a todo o momento, bem como de passar nos lábios um batom de cor viva. Em seu quarto, que fica na casa de sua filha, Sônia Mara Piffer Pecini, ela divide a cama com muitas bonecas: loiras, care-cas, ruivas, morenas... Bonecas para todos os gostos. “São, agora, as fi-lhas dela”, diz Sônia. É neste mesmo

quarto que ela guarda em seu armário de roupas, caixas de sabão em pó, sacolas, potinhos de iogur-tes, fitas de cetim, embalagens dos mais variados produtos e muitas coisas que outras pessoas des-cartariam no lixo todos os dias. Sônia explica que a mãe pega tudo o que vê pela rua e carrega para casa, e que os objetos de cor vermelha são os que chamam mais a atenção da senhora. “Eu tenho que ter paciência, então, antes de sair de casa para o nosso passeio, coloco em cada uma das mãos dela

"Cuidar de alguém com a demência é uma tarefa árdua,

que envolve muitos sentimentos, como o

amor, o compromisso, a compaixão e o senso de responsabilidade"

Dona Maria Zanete tem 74 anos, e há mais de dois anos convive com o Mal de Alzheimer | Foto: Thaiana Gomes

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objetos, assim, ela não fica o tempo todo abaixan-do para pegar alguma coisa na rua”, contou. Quem olha para a senhora vaidosa, não percebe que ela tem a doença. É a convivência diária que denuncia. Maria Zanete nasceu em Santa Fé, distrito de Ca-choeiro de Itapemirim, em 1938. Sempre trabalhou, sempre foi “trabalhadeira”, como ela mesmo disse. Ainda pequena, ajudou na safra do café e, depois, dedicou-se à costura, atividade que exerceu até pouco tempo. Costurava biquínis, calcinhas, sutiãs; costurava de tudo um pouco. Casou-se e teve três filhos.

Há dez anos, viu-se sem o marido, pois ele saiu de casa para viver com outra pessoa. Para a filha, Sô-nia, a tristeza com a partida do companheiro e a esperança de que um dia ele voltasse é que foi a válvula para o início da doença da mãe. A costurei-ra morava com um de seus filhos, mas depois dos primeiros indícios do Alzheimer, Sônia a levou para morar com ela. Mas, na cabeça de Maria Zanete, ela ainda mora na casa que é dela, e que está na casa de sua filha apenas esperando o conserto de um guarda-roupas, que não termina nunca. Dona Maria conta e reconta seus vestidos e volta a contá--los, novamente, horas depois.

A senhora também conta estórias e as repete, sem perceber, nos minutos seguintes. Hoje, ela tem difi-culdades em reconhecer as pessoas da família que já não são tão presentes em sua vida. A médica neurologista, Sonia Brucki, explicou que o principal e mais frequente sintoma no início da doença de Al-zheimer é a perda de memória. Caracterizada pela dificuldade de retenção de novas informações, com comprometimento da memória recente. Por exem-plo, esquecer recados, estórias ouvidas, pagamento de contas, etc. Sonia Brucki exemplificou também que, dificuldades na realização de tarefas que exi-jam vários passos, como ligar a TV ou o DVD para assistir, são mais frequentes. Muitas pessoas podem confundir a falta de lembranças com problemas da idade, mas quando isso começa a interferir no dia a dia, já pode ser um recado do Alzheimer.

Quem olha para os cabelos, lábios e sobrancelhas pintadas de Maria Zanete não aponta demência ne-nhuma nela. Talvez porque ela ainda esteja enfren-tando a fase inicial da doença. Algumas pessoas acometidas pelo Alzheimer apresentam sintomas depressivos e tristeza profunda, mas dona Maria, não. A felicidade está estampada no rosto, nas rou-pas, nos gestos e em sua gargalhada inconfundi-velmente feliz. Ela não sabe que tem a doença, e esqueceria se soubesse. São muitos remédios ao longo do dia, mas o melhor remédio com certeza é o carinho de quem está ao lado. O idoso pode-rá esquecer-se de tudo, mas reconhecerá aqueles que fazem parte de sua vida cotidianamente, mes-mo numa fase mais avançada da demência. Tanto para a família Piffer, como para todos que tem um doente de Alzheimer, a luta é diária para amenizar o peso da doença no seio familiar. “Não é fácil vê--la assim”, desabafou Sônia.

Passar o dia com a linda e especial dona Maria Zanete foi uma experiência enriquecedora. Ela, durante o almoço, vendo que eu não estava almoçando, fez questão que eu comesse, pegando a comida do prato dela e colocando na minha mão. Para não atrapalhar a refei-ção dela, fiz meu prato e almoçamos juntas. Ela sorria para mim satisfeita. Dona Maria me deu de presente uma sacola de loja, um em-balagem de macarrão e dois potinhos vazios de iogurte que ela pegou no lixo, escondida da filha, Sonia. A senhora fez questão que eu passasse o batom que ela mais gosta e me mostrou seus vestidos e sapatos. Ela fez tudo isso mais de 4 vezes, pois sempre se esquecia. No fim, me abraçou e me convidou a visitá--la outras vezes. Elogiou o meu cabelo e disse que cabelo bonito é cabelo com cachos. Ela me chamou de maravilhosa no primeiro dia em que me viu. Ela pode até se esquecer de mim, mas nunca me esquecerei dela.

|Foto: Thaiana Gomes

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Thaiana Gomesfeito à mão

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