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E RE PRIMEIRA PESSOA E s ~ E possível compatibilizar justiça social e tributação? Especialistas de diversas áreas apresentam suas opiniões. Y05HiAki NAkANO é Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo e Professor Adjunto do Departamento de Planejamento e Análise Econômica Aplicados à Administração da EAESPIFGV. RAE Lighto V.2 o n.4 o p. 41-53 sociedade brasileira assiste, neste momento, a uma discus- são que poderá mudar os ru- mos do país, na direção do desenvol- vimento e da ruptura com as injustiças social e tributária. Trata-se da tão es- perada reforma tributária que, acredi- to, deverá dar à economia brasileira condições de competir com a dos paí- ses mais desenvolvidos. Isso deve ocorrer, entretanto, se a reforma con- sagrar princípios que julgo fundamen- tais para alavancar a nossa economia e corrigir graves distorções no sistema vigente. Entre esses princípios citarei alguns tais como: adequar o sistema tributário à economia aberta - justamente para ga- rantir a competitividade no mercado inter- nacional - promover mudanças na es- 41 O que eles pensam sobre reforma tributária

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ERE

PRIMEIRA PESSOA

Es

~E possível compatibilizar justiça social e tributação?

Especialistas de diversas áreas apresentam suas opiniões.

Y05HiAki NAkANOé Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo e ProfessorAdjunto do Departamento de Planejamento e Análise EconômicaAplicados à Administração da EAESPIFGV.

RAE Lighto V.2 o n.4 o p. 41-53

sociedade brasileira assiste,neste momento, a uma discus-são que poderá mudar os ru-

mos do país, na direção do desenvol-vimento e da ruptura com as injustiçassocial e tributária. Trata-se da tão es-perada reforma tributária que, acredi-to, deverá dar à economia brasileiracondições de competir com a dos paí-ses mais desenvolvidos. Isso deveocorrer, entretanto, se a reforma con-sagrar princípios que julgo fundamen-tais para alavancar a nossa economiae corrigir graves distorções no sistemavigente.

Entre esses princípios citarei algunstais como: adequar o sistema tributário àeconomia aberta - justamente para ga-rantir a competitividade no mercado inter-nacional - promover mudanças na es-

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O que eles pensam sobre reforma tributária

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trutura de receita, reduzindo os impos-tos indiretos e substituindo-os por ou-tros, diretos, e permitir maior autonomiatributária aos estados, dentro do princí-pio federativo.

No que diz respeito à adequação domodelo tributário à economia aberta,acho importante a eliminação de aber-rações como, por exemplo, o COFINS(Contribuição para Financiamento daSeguridade Social), o PIS (Programade Integração Social) e o IOF (Impostosobre Operações Financeiras), que,somadas a outros fatores, contribuempara tornar a economia brasileira inviá-vel do ponto de vista da competitivida-de internacional.

Esses tributos acabam onerando ain-da mais o produto nacional e contrariamo princípio internacional tributário segun-do o qual não se deve "exportar impos-tos". Por isso mesmo, o bom senso e ainteligência recomendam a desonera-ção das exportações, inclusive com umareformulação do ICMS (Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Serviços).

A adequação a que me referi tratariade eliminar a oneração de produtos ex-portados, especialmente os primários eos semi-elaborados, livrando-os princi-palmente do ICMS. Outro ponto relevan-te dentro desse espectro é a desonera-ção também dos investimentos para aprodução. No momento em que tributa-mos uma máquina, estamos aumentan-do o custo da produção dela originada.

Entendo ser de grande importância amudança na estrutura de receita tributá-ria. É fundamental a "substituição" dosimpostos indiretos pelos diretos. Paralevar essa colocação adiante, temosque elevar a arrecadação de impostosdiretos, que são regressivos, e, em con-trapartida, reduzir as alíquotas dos im-postos indiretos, tais como IPI (Impostosobre Produtos Industrializados) eICMS. Espero que a reforma tributáriaconsagre esse princípio de justiça. Coma redução das alíquotas dos impostosindiretos, haverá também desestímulo àsonegação e, conseqüentemente, pre-miar-se-á o bom contribuinte. Afinal, noBrasil, a carga tributária elevada é a deimpostos indiretos. O imposto indiretonão leva em consideração a capacidadecontributiva do cidadão; desse modo, os

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contribuintes pagam indistintamente osimpostos pelo que compram. Ou seja, omesmo valor, a título de imposto, é co-brado do cidadão que ganha um saláriomínimo e daquele com elevado poderaquisitivo. Trata-se portanto, de gravedistorção que precisa ser corrigida. Nomeu modo de ver a questão tributária, oimposto direto, aquele que tributa a pes-soa física de acordo com a capacidadede pagamento, é o mais justo.

Nesse sentido, o Brasil ainda está nacontramão dos países desenvolvidos.Enquanto, no sistema tributário brasilei-ro, os impostos indiretos representamem torno de dois terços da arrecadação,nos países do chamado Primeiro Mundoocorre o inverso: a arrecadação comimpostos indiretos representa cerca deum terço do total arrecadado por meioda tributação.

Uma outra questão importante a serabordada neste espaço é a que diz res-peito ao nosso sistema tributário federa-tivo. Com uma alteração constitucional,seria possível romper a rigidez tributáriados estados, que hoje praticamente sócontam com dois tributos: o ICMS, cujasalíquotas são extremamente elevadas,variando, na maioria dos produtos, de18 a 25%, e o IPVA (Imposto sobre Pro-priedade de Veículos Automotores). NoEstado de São Paulo, o ICMS represen-ta cerca de 95% de toda a receita tribu-tária e encontra-se completamente semmargem de manobra do lado da receita.Atualmente, tanto a União como os mu-nicípios têm mais fontes de receita emaior flexibilidade tributária.

Por essa linha de argumentação, aosestados seria concedido o poder de criarnovos tributos diretos, como, por exem-plo, o ITR (Imposto sobre a PropriedadeTerritorial Rural). Desse modo, o Estadoestaria ocupando um espaço que o go-verno federal não o faz adequadamen-te. Em conseqüência dessa mudança, oEstado poderá reduzir as alíquotas dosimpostos indiretos, como o ICMS.

Convém lembrar que, no Brasil, as alí-quotas são, de modo geral, elevadas, jus-tamente porque a receita baseia-se na ar-recadação de impostos indiretos. Com aredução dessas alíquotas na outra ponta,com certeza seria reduzida a sonegaçãofiscal,também igualmenteelevada no país.

© RAE Light IEAESP/FGV. São Paulo,Brasil

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Uma proposta inteligente de reformado sistema tributário deve analisar essasquestões com profundidade, para querealmente ocorram mudanças subs-tanciais, com o objetivo de levar o país aoPrimeiro Mundo e, paralelamente, redu-zir a carga tributária dos contribuintes,sejam estes pessoas físicas ou jurídicas,aplicando, com isso, a justiça fiscal. O

MARiA HElENA ZOCkUN

é Economista, Pesquisadora da FIPE eConsultora da FIESP/CIESP.

odos querem a reforma tributá-ria, mas por diferentes razões.Áreas do governo federal a

querem para diminuir as vinculaçõesda receita e conquistar mais liberdadena elaboração do orçamento federal.Alguns estados a defendem para quese acabe com a guerra fiscal; outros,ao contrário, para garantir que' sua au-tonomia na criação de benefícios fis-cais não seja diminuída.

A burocracia fiscal concederia algu-mas modificações desde que sua ativi-dade não fosse perturbada com altera-ções mais ousadas: afinal, por queenfrentar o risco de um novo sistema,se os Tesouros estão arrecadandoquase 30% do PIB (Produto InternoBruto) com os tributos atuais?

Os assalariados não querem conti-nuar sendo os maiores contribuintes,e defendem propostas que aumentema abrangência e progressividade datributação.

Os empresários, fustigados pela

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concorrência externa, defendem umsistema que não os alije da competi-ção. Outros, mais sensíveis à concor-rência desleal do mercado informal,defendem um sistema em que a sone-gação seja facilmente evitada.

Um sistema que atenda plenamen-te qualquer um desses objetivos sus-cita a oposição de todos os demaisatores, ao colocar em plano secundá-rio os objetivos que estes perseguem.E assim, paralisada pelo excesso depropostas, a reforma tributária nãoacontece.

Se buscássemos o interesse coleti-vo, superando os interesses e as vi-sões mais restritas, talvez a soluçãofosse encontrada.

Dadas as condições de um paísonde a desigualdade social é extrema,o potencial econômico é insuficiente-mente explorado e a responsabilidadesocial é pouco estimulada, a maioriada população seria movida para umasituação econômica melhor se a refor-ma tributária favorecesse a distribui-ção de renda, o crescimento da produ-ção e do emprego e a responsabilida-de fiscal das unidades político-admi-nistrativas e dos cidadãos.

Desse ponto de vista, destacam-sedois aspectos nas propostas mais ou-sadas de reforma. O primeiro refere-seao aumento da participação do IR (Im-posto de Renda) na carga tributária na-cional, o que é desejável porque esteé o instrumento redistributivo por exce-lência. Atualmente o IR arrecada oequivalente a 4% do PIB, mas se fos-se mais abrangente poderia, com alí-quotas modestas, alcançar 10%.

O potencial de arrecadação do IRpode ser avaliado pelo seguinte ra-ciocínio: 10% da PEA (PopulaçãoEconomicamente Ativa) - 6,8 mi-lhões de chefes de família - aufe-rem 51,3% do PIB, ou R$264 bilhões/ano (média anual de R$ 39 mil por fa-mília); se tributados com alíquota de20%, levariam aos cofres públícosR$52,8 bilhões/ano de IR, equivalen-te a mais de 10% do PIB.

O segundo aspecto nas propostasmais ousadas diz respeito aos impos-tos indiretos: ICMS (Imposto sobre Cir-culação de Mercadorias e Serviços),

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IPI (Imposto sobre Produtos Industria-lizados), ISS (Imposto sobre Serviços),COFINS(Contribuição para Financia-mento da Seguridade Social), PIS(Programa de Integração Social),IPMF (Imposto Provisório sobre Movi-mentação Financeira) etc. Há consen-so de que esses impostos devem sernão-cumulativos e incidir, com alíquo-tas reduzidas, apenas sobre o consu-mo interno, desonerando os investi-mentos e as exportações. Essa mu-dança visaria à redução de custos dosprodutos nacionais para ampliar omercado interno, tornando a produçãoacessível às amplas camadas da po-pulação ainda excluídas do mercadode consumo e favorecer a competitivi-dade do produto nacional frente aosconcorrentes estrangeiros nos merca-dos interno e externo, criando, dessemodo, novas oportunidades de inves-timentos no país.

A questão nevrálgica é a forma decobrança. Recaindo o IVA (Imposto so-bre o Valor Adicionado), facilita-se otrabalho das máquinas de arrecada-ção que, fiscalizando apenas os maio-res contribuintes, garantem bom nívelde coleta. Essa vantagem, no entanto,tem dois grandes custos: primeiro, exi-

IVES GANdRA dA SilVA MARTiNSé Professor Emérito das Universidades Mackenzie, Paulista e da Escola deComando e Estado Maior do Exército, e Presidente do Conselho de EstudosJurídicos da Federação do Comércio do Estado de São Paulo.

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ge perda de autonomia tributária dosestados, para que a indesejada guer-ra fiscal seja contida; segundo, deixa aconcorrência desleal dos sonegadoresmenores ir minando o lado mais orga-nizado do setor produtivo.

O ideal é cobrar o imposto de con-sumo em regime monofásico, fazen-do-o recair apenas na etapa da vendano varejo -IVV (Imposto sobre Vendano Varejo). Neste caso, a autonomiados estados para mudar alíquotas étotal, mas requer, da administração fa-zendária e do poder judiciário, dispo-sição e preparo para declarar e en-frentar a guerra contra a sonegação.a virtude desta alternativa é estimular,junto aos estados e aos cidadãos,maior responsabilidade fiscal, condu-zindo a sociedade à importante mu-dança cultural na direção da cidadania.

É preciso pensar grande e esta-belecer objetivos elevados para opaís, fixando metas que orientem ocaminho das mudanças, mesmo sa-bendo que, para alcançá-Ias, muitosanos ainda serão necessários. Pro-postas mais ousadas não deveriamser sumariamente descartadas pordificuldades de implantação a curtoprazo. O

onvenço-me, à medida que asdiversas sugestões governa-mentais de políticos e profes-

sores vão sendo apresentadas, queuma reforma tributária real está cadavez mais distante.

Apesar de todos clamarem por umaalteração do caótico sistema atual, asperspectivas dos variados segmentosde interesse são conflitantes, razãopela qual torna-se difícil uma propostade consenso.

Desejam, os governos das 5.000entidades federativas do Brasil, umareforma que lhes aumente a receita, jáque têm demonstrado fantástica capa-cidade de aumento de despesas, prin-cipalmente aquelas desnecessárias.

Desejam, os contribuintes, uma re-dução da carga tributária, que, nas leisdas 5.000 entidades federativas, atin-

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ge 50% do PIB (Produto Interno Bruto),muito embora a arrecadação esteja,hoje, em torno de 29 a 30%.

Desejam, os especialistas, umasimplificação do sistema, que, por tersurgido das pressões de prefeitos egovernadores, mais do que dos cons-tituintes, é uma admirável colcha deretalhos, com superposições de inci-dências e inacreditável cumulatividadede imposições.

Por fim, o Ministro Jatene, tendodeclarado, no passado, à época emque era ministro do Presidente Collor,que, com o COFINS (Contribuição paraFinanciamento da Seguridade Social),o problema da Saúde estaria solucio-nado, já percebeu que o COFINS tem"outros destinos" e pede uma contribui-ção própria, idêntica ao IPMF (Impos-to Provisório sobre Movimentação Fi-nanceira). A sugestão do Ministro vemao encontro àquela que tenho susten-tado, porém com uma diferença subs-tancial: em minha proposta de reforma,a contribuição social nos moldes doantigo IPMF viria substituir todas asdemais, passando, o sistema tributá-rio, a comportar apenas uma contribui-ção. Já o Ministro Jatene pretende acriação dessa contribuição em adiçãoàs outras já existentes.

O Governo, por sua vez, aceita aproposta do Ministro, porém desdeque a nova contribuição sirva tambémpara tapar os buracos de seus incon-troláveis déficits de caixa - que pro-vam que Adolfo Wagner, quando asse-gurava que há uma tendência irrever-sível de crescimento dos gastos públi-cos, diagnosticou a mais triste realida-de da Administração Pública. Por estarazão, não conheço nenhuma home-nagem pública à sua visão política, porparte de qualquer governo no mundo.

Neste quadro, à evidência, o maisprovável é que o lado fraco da relaçãofisco-contribuinte termine, mais umavez, por pagar a conta da inquestioná-vel e permanente capacidade dispen-ditiva dos políticos brasileiros, cuja tra-dição matemática está na proporçãoinversa entre serviços prestados e tri-butos arrecadados. No Brasil, quantomais se arrecada, menos se faz.

No meio dessas conflitantes corren-

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tes, apresenta, o Governo, algumas su-gestões. Pretende unificar ICMS (Im-posto sobre Circulação de Merca-dorias) e IPI (Imposto sobre ProdutosIndustrializados), o que é bom, maspretende manter, na unificação das alí-quotas, uma para a União e outra parao Estado, o que é mau. Se for para uniros impostos, mas manter duas cobran-ças distintas estar-se-á trocando seispor meia dúzia e não vale a pena a re-forma.

Se, todavia, destinar-se uma partedo ICMS para a União, sendo a co-brança feita pelos estados, e toda alegislação for produzida sob a formade lei complementar, eliminando-se oCONFAZ, estou certo de que se terádado um passo relevante para a sim-plificação dos impostos, que têm omesmo fato gerador.

Uma evidência é que não há, naproposta governamental de reformatributária, sugestões quanto ao impos-to de renda. Pretende, o Governo, ape-nas alterar as leis ordinárias, como ofaz, rigorosamente, todos os anos,obrigando o pobre contribuinte a adap-tar-se, a cada 365 dias, a um regimenovo. A "desinteria" legislativa, emmatéria de Imposto de Renda, é algotão tradicional que os especialistasgovernamentais na correção intestinada Administração já perderam a espe-rança de que um dia tal sintoma dedesidratação normativa possa ser es-tancado. De qualquer forma, a redu-ção de alíquotas, com a eliminação deinúmeras deduções, é forma inteligen-te, a meu ver, de melhor controlar ainadimplência fiscal.

Mas o que definitivamente repugnana proposta governamental é a criaçãode uma contribuição "sobre o movi-mento financeiro" que sirva para taparburacos de caixa e, supletivamente, àSaúde. Trata-se de mais uma demons-tração de que a capacidade dispendi-tiva do Governo não tem limites. Os ci-dadãos brasileiros devem invejar osescravos da gleba da Idade Média, vis-to que são tratados de maneira maisdrástica pelos novos senhores feudaisdo século XX, ou seja, os políticosbrasileiros. O

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PRIMEIRA PESSOA

CElso DANiElé Deputado Federal pelo PT e Professor doDepartamento de Fundamentos Sociais eJurídicos da Administração da EAESPIFGV.

ma proposta de reforma tri-butária sintonizada com osgrandes problemas brasilei-

ros deve se iniciar, antes de tudo,pela incorporação do tema da justi-ça social no que se refere à arreca-dação de tributos. O Brasil ostenta,infelizmente, o título de campeãomundial em concentração de renda.Esse quadro é agravado pelo. fatode, em nosso país, pagarem maisimpostos os que detêm menos ren-da e riqueza, e menos, os que pos-suem mais. Ou seja, o nosso siste-ma tributário é regressivo e, portan-to, socialmente injusto. Isso sedeve, sobretudo, à grande importân-cia dada aos impostos indiretos emrelação ao reduzido papel dos dire-tos. Por isso, quem ganha pouco, aoconsumir a parte mais importante desua renda, paga muito imposto; ocontrário ocorre com os mais ricos.

Assim, enquanto as alíquotas efe-tivas do conjunto dos tributos sobreconsumo nos sete maiores paísesindustrializados correspondem a12,7%, no Brasil essa alíquota equi-vale a 16,8%. Os impostos sobre apropriedade imobiliária (urbana e ru-ral) atingem 2,1% do PIB (ProdutoInterno Bruto) nos países desenvol-vidos, e apenas 0,3% do PIB no Bra-sil. De mais a mais, os próprios im-postos diretos incidem, aqui, muitomais pesadamente sobre o trabalho(alíquotas efetivas de 19,3%) do que

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sobre o capital (8,2%), ao contráriodo que ocorre nos países mais ricos(32,8% sobre o trabalho e 38,4%sobre o capital).

Por isso, é fundamental, de um lado,reduzir a taxação dos impostos indire-tos -IPI (Imposto sobre produtos Indus-trializados) e ICMS (Imposto sobre Cir-culação de Mercadorias e Serviços) -e,de outro, tornar o Imposto de Rendados indivíduos e empresas mais justo.Neste caso, é necessário alterar a legis-lação no sentido de que se reduzam alí-quotas do Imposto de Renda para osque recebem menos, aumentando-aspara os que possuem rendimentosmais elevados. Hoje, a menor alíquota,que atinge os que ganham entre 7,5 e14,8 salários mínimos, é de 15%, mui-to elevada, enquanto a maior alíquota,para os que percebem mais de 136 sa-lários mínimos, é de 35%, bastante in-ferior à de países como Estados Uni-dos, Alemanha, Japão e outros. Alémdisso, como já citado, os que ganhammuito pouco são os que pagam maisimpostos, em função do mencionadopeso dos tributos indiretos. Por esta ra-zão, faz-se necessário compensá-Ias,instituindo-se um imposto de renda ne-gativo para os indivíduos que recebematé dois salários mínimos (na forma doprojeto de lei que institui o programa derenda mínima, do Senador Eduardo Su-plicy, ou como estão fazendo o Gover-no do Distrito Federal e a Prefeitura deCampinas).

Quanto ao Imposto de Renda dasempresas (IRPJ-Imposto de Rendapara Pessoas Jurídicas), deve-se limi-tar de maneira radical às deduçõeshoje permitidas, pois, apesar das ele-vadas alíquotas nominais, existembrechas para que determinadas em-presas paguem muito pouco. Comisso, seria possível inclusive reduziras alíquotas nominais hoje existentes,mantendo-se o mesmo nível de arre-cadação ou conseguindo-se até mes-mo elevá-lo. De outra parte, o IGF(Imposto sobre Grandes Fortunas),criado pela Constituição, precisa serregulamentado. Se o fosse, passariaa se constituir no primeiro imposto,no Brasil, a não onerar as classes mé-

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dias e os mais pobres. Por fim, umaemenda constitucional que tornasseclaro e inquestionável o princípio daprogressividade para o sistema tribu-tário brasileiro seria importante refe-rência para se caminhar no rumo dajustiça social.

Um outro eixo básico de uma pro-posta séria de reforma tributária consis-te do combate à evasão fiscal. Os níveisde sonegação e de inadimplência noBrasil são enormes. Seria perfeitamen-te possível diminuir a evasão se se via-bilizasse um aumento de arrecadaçãoque permitisse, simultaneamente, redu-zir alíquotas nominais dos tributos (so-bretudo os indiretos) e elevar gastos so-ciais e aqueles vinculados ao desen-volvimento econômico (infra-estruturae ciência da tecnologia). Para tanto, im-porta alterar os dispositivos que regu-lam o sigilo bancário, de modo a permi-tir, aos agentes do fisco, acesso às in-formações necessárias, mas, ao mes-mo tempo, proibindo-os de tornar públi-cas tais informações (hoje esses dadossó são obtidos mediante autorizaçãojudicial, o que inviabiliza, na prática, oacesso a eles). É preciso, ademais, apa-relhar tecnicamente os órgãos de arreca-dação (Receita Federal e INSS, porexemplo), por meio da informatização, deuma política de recursos humanos etc.

A reforma tributária que vem sen-do defendida pelo governo de Fer-nando Henrique Cardoso, bastantetímida em função da dificuldade deconciliar os interesses contraditóriosde sua ampla base de sustentaçãopolítica, está muito longe de atenderaos reclamos pela' redução dos im-postos, por parte do empresariado,das classes médias e do povo. Aocontrário, a pretendida transforma-ção do IPI (Imposto sobre ProdutosIndustrializados) -que é imposto pelaUnião -em ICMS (Imposto sobre Cir-culação de Mercadorias e Serviços)federal parece visar, sobretudo, aoaumento da arrecadação do gover-no federal, pois tal tributo passaria aincidir sobre produtos e serviços quehoje não pagam IPI (a exemplo deenergia, combustíveis etc.). Se tal me-dida não for acompanhada por uma

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REFORMA TRIBUTARIA

redução de alíquotas, representará,inclusive, uma pressão inflacionáriaadicional, além de um aprofunda-mento do caráter regressivo do nos-so sistema tributário.

Ao propor a isenção de ICMS parainsumos agrícolas, bens de capital eexportações, o Governo pretende "fa-zer favor com chapéu alheio". Afinal,tenta levar a efeito sua política deabertura externa, às custas da arreca-dação de ICMS dos estados e municí-pios. As perdas estimadas são brutais,dependendo do perfil econômico doEstado. O Governo acena a hipótesede compensar estados pela arrecada-ção perdida. Melhor faria se mantives-se a arrecadação estadual e compen-sasse os exportadores com seus pró-prios recursos, por meio de um créditofiscal. Há, porém, algo mais relevante:a idéia de desonerar exportações repre-senta uma maneira de torná-Ias maisbaratas, num cenário de câmbio fixobastante valorizado. O mais fundamen-tai, portanto, é corrigir o câmbio valori-zado, o que pressupõe a reformulaçãode toda a política de estabilização.

Contudo, o mais preocupante é atotal ausência, nas propostas venti-ladas pelo Governo FHC, de quais-quer medidas de caráter social, numassunto tão propício a iniciativas dejustiça social como o da reforma tri-butária. É, pois, importante registrarque os eixos centrais da propostapetista - progressividade e comba-te à sonegação - afastam-se bas-tante da tímida proposta colocadaem discussão pelo Governo, quenão só não permite vislumbrar a ob-tenção de um sólido equilíbrio cominvestimentos sociais e em infra-es-trutura - essenciais para manter aestabilidade econômica com desen-volvimento - como deixa inteira-mente de lado o tema da justiçatributária. O

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PRIMEIRA PESSOA

NElSON PE55UTO

é Presidente da UNA FISCO Sindical(Sindicato Nacional dos Auditores-Fiscais daReceita Federal).

agitar reforma tributária é con-siderar as expectativas dosparticipantes do processo eco-

nômico-social do país.O Governo espera, no mínimo,

manter o nível de arrecadação tribu-tária, mas também explorar as possi-bilidades de aumentá-lo, definindotanto os parâmetros para tal como ostributos existentes, ou outros cuja cria-ção seja aventada. Construir uma es-trutura tributária simplificada - e im-plementá-Ia com o mínimo de confli-to - é outro dado que deve comporas preocupações do Governo, quedotará a administração tributária dosmeios necessários à operação dosistema.

Subjacente a tais formulações estáo aspecto das dimensões do aparelhoestatal, que dependem da definiçãodas funções que o Estado deve de-sempenhar. Tendo-se a definição, ter-se-á a noção precisa dos recursos ne-cessários ao Estado.

Em nosso país, os aspectos até aquireferidos multiplicam-se por três. A orga-nização política assume a forma de re-pública federativa, constituída pelo eloindissolúvel dos estados e municípios eDistrito Federal, como estabelece aConstituição, em seu artigo 1Q. Ainda, oartigo 18 diz que União, estados e muni-cípios são autônomos. Assim, é neces-sária a análise daqueles aspectos emcada um desses níveis - da União, dosestados e dos municípios -, buscando-se harmonizar soluções e alcançar umsomatório que atenda ao conjunto.

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Sabendo-se que a nenhum nível degoverno interessa a diminuição domontante de recursos garantidos pelaestrutura existente, ter-se-á, já, idéiada magnitude do problema.

Introduzindo-se no estudo a ques-tão da repartição de encargos, maisdifícil será a obtenção de resultadossatisfatórios para todos. Repartir en-cargos significa precisar quais fun-ções de Estado deverão ser desem-penhadas pelos entes federados, indi-vidualmente. Nossa Constituição tra-ta do tema com imprecisão, o que fazoriginar a necessidade da divisão deresponsabilidades entre os entes fe-derados. Essa divisão, nas propostasde reforma até hoje esboçadas, nãorecebeu atenção. Enquanto não re-solvida, esta é uma questão que tornaqualquer reforma incompleta.

O sistema tributário deve ser ava-liado como um todo. Neste processo,além de se verificarem a repartição decompetências originárias para tributare a partilha dos recursos arrecadados,examinam-se os gastos para que sepossa saber se o sistema atende ounão às necessidades do país. Se a dis-criminação de rendas é perfeita - coma adequada alocação dos tributos e doproduto da arrecadação - mas o gas-to é mal efetuado, deixando desatendi-das as camadas sociais mais carentes,o sistema merece reforma.

Cabe perquirir agora as aspiraçõesda sociedade (e não só as dos contri-buintes de direito).

Capta-se um difuso anseio pelasimplificação, sem que se exprimaexatamente em que ela consiste. Cin-gindo-se os projetos de reforma aoplano constitucional, a simplificaçãopode ser diminuição de tributos, jáque, por exemplo, no campo dos im-postos sobre o consumo, coexisteminexplicavelmente quatro impostos:IPI (Imposto sobre Produtos Industria-lizados) federal, ICMS (Imposto sobreCirculação de Mercadorias e Servi-ços) estadual, e ISS (Imposto sobreServiços) e IVV ( Imposto sobre Ven-das a Varejo) municipais.

Parece clara a repulsa à pressão tri-butária do sistema. Questiona-se oelevado nível da tributação, uma quei-

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xa que pode levar à evasão e tambémà concentração e aumento da pressãosobre os poucos que contribuem. Aqueixa parece resultar mais da percep-ção de que o gasto público é mal feitodo que de uma perversidade intrínse-ca dos tributos. O desejo é de que sepromova uma baixa generalizada dealíquotas. Esta baixa, conjugada ounão com uma diminuição do númerode alíquotas, poderia, no entanto,apontar para uma simplificação dessenúmero, o que, por sua vez, levariapara uma aparente simplificação doproblema. Na realidade, a injustiça seagravaria.

Entendemos que a reforma não serestringe necessariamente à alteraçãodas normas constitucionais. Há mu-danças significativas que podem serrealizadas em nível infra-constitucio-nal. Uma delas, redutora da iniqüidadefiscal, seria a alteração do IRPF (Im-posto de Renda sobre Pessoa Física),ampliando-se o número de faixas deincidência - e respectivas aliquotas- e de deduções, com estas limitadasa percentuais do imposto devido, sen-do tanto menores quanto maiores arenda líquida. A progressividade doimposto, um mandamento constitucio-nal, melhoraria .

. :;:.

MARCOS CiNTR<l CAVALCANTi dr ALbuQUERQUE

é Vereador em São Paulo, Presidente Estadual do Partido Liberal eProfessor Titular do Departamento de Planejamento e AnáliseEconômica Aplicados à Administração da EAESPIFGV.

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REFORMA TRIBUTARiA

Outras mudanças se refeririam aoimposto sobre grandes fortunas, à eli-minação do deferimento chamado lu-cro inflacionário, no IRPJ (Imposto deRenda sobre Pessoa Jurídica), e à re-formulação do ITR, recuperando-se oprojeto da lei 8847/94.

No plano constitucional (competên-cia federal), poder-se-ia instituir impos-to sobre o patrimônio líquido das em-presas, como complemento às leis8981 c/94 e 9065/95, alcançando as-sim o imposto de renda mínimo.

Ainda, revisar-se-iam contribuiçõessociais como as relativas a COFINS(Contribuição para Financiamento daSeguridade Social), PIS (Programa deIntegração Social),PASEP (Programade Formação do Patrimônio do Servi-dor Público) e CSLL (Contribuição So-cial sobre o Lucro), unificando-as comvistas à simplificação, à redução da cu-mulatividade e à desoneração das ex-portações e das empresas intensivasem mão-de-obra.

Espera-se que os projetos visem àtributação equilibrada das rendas docapital e do trabalho, do capital produ-tivo e do capital especulativo (hot mo-ney) , e da renda auferida e do gasto,respeitando a cláusula pétrea do artigo60, parágrafo 4Q

, I, da Constituição.D

m 1995, a receita de tributos'" deve superar 30% do PIB (Pro-

duto Interno Bruto), o nível maisalto da história. Nos primeiros seis me-ses, a arrecadação federal aumentoucerca de 40% em relação a 1994, que,por sua vez, em relação ao ano an-terior, já a havia tido aumentado em30%. Em outras palavras, em dois anosos impostos federais aumentaram 70%.Cabe lembrar que, ao longo dos últimos15 anos, a carga tributária total tem-sesituado na faixa de 22 a 25% do PIB. Sechegar a 35%, como dizem alguns, oaumento de impostos terá sido de maisde 50%, em apenas dois anos!

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PRIMEIRA PESSOA

Não obstante, o sistema tributáriobrasileiro está em frangalhos. Paracada real de tributos que entra noscofres públicos, outros dois deixamde ser arrecadados, devido à sone-gação, à ineficiência, à corrupção ouà fuga para a economia informal.Isto porque a Receita Federal é umleão sem garras. De um lado, a me-tade dos quase cinco mil fiscais estámetida em gabinetes ou em cargoscomissionados, fora da fiscalização.De outro, os métodos de controle einformatização do sistema são obso-letos e não conseguem acompanhara parafernália de impostos e obriga-ções que infernizam a vida do contri-buinte honesto e colocam o sonega-dor nas delícias de um autênticoparaíso fiscal.

A complexidade do sistema tribu-tário pode ser avaliada pelo fato deas revistas especializadas chegarema publicar 20 páginas diárias de alte-rações na legislação fiscal. Cerca de30% das despesas administrativasdas empresas provêm das obriga-ções acessórias tributárias - um dosmais significativos itens do famigera-do "custo Brasil".

O que faz com que um sistema tri-butário destroçado por uma estrutu-ra arcaica e injusta, pela corrupção,pela evasão e fuga para a economiainformal seja, ainda, capaz de extrair'parcelas crescentes da renda geradapelo setor privado, mesmo com cla-ros sinais de contração do nível deatividade econômica? Quem estápagando por este brutal arrocho tri-butário?

Dois fatores respondem à primeirapergunta: 1. o incansável e habitualpacote tributário de cada fim de ano,que eleva alíquotas e cria novos im-postos, e que, aliás, não deixou demarcar pontualíssima presença ao fi-nal do ano passado; 2. o impacto re-verso do efeito Tanzi, já que à estabi-lidade monetária não se seguiu oalongamento dos prazos de recolhi-mentos de tributos, com a mesmapresteza com que foram encurtadosna fase de inflação crescente.

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Quanto à segunda indagação, aresposta é óbvia: o violento aumentotributário é suportado pelos que nãopodem, ou não desejam, partir paraa marginalidade - a evasão e a eco-nomia informal. Então, pagam muitomais do que seria razoável supor. As-salariados e empresas do setor for-mai estão sufocados pela extorsivacarga tributária, embora a candura eo cinismo da burocracia pública afir-me que, da ótica macroeconômica,uma carga de 30% do PIB não é ne-nhuma aberração frente a compara-ções internacionais. Esquecem-sede que, no Brasil, a maior aberraçãonão é o total da carga, mas o padrãodesigual de incidência tributária.

A arrecadação de impostos au-mentou tanto que, apesar da ineficiên-cia e das mazelas do atual sistema,atingiu o ponto de desinteressar asautoridades em uma verdadeira re-forma tributária. É sintomático porta-vozes do Governo afirmarem que osistema fiscal não sofrerá mudançasprofundas. Dizem, apenas, que eleserá aperfeiçoado mediante proces-sos de simplificação, coordenação,atualização e harmonização tribu-tárias, termos tão obscuros quantosem conteúdo, mas aos quais recor-rem para dar a entender à sociedadeque, nesta administração, pouca coi-sa poderá mudar no front tributáriobrasileiro.

O mais provável, contudo, é que oGoverno não tenha um projeto de re-forma tributária para submeter aoCongresso Nacional. Isto ficou clarono encontro entre os Ministros doPlanejamento e da Justiça e gover-nadores estaduais, realizada no co-meço do mês de agosto, em BeloHorizonte. Na ocasião, o tema foicolocado pelos representantes doGoverno em termos tão genéricosque vários governadores se declara-ram favoráveis à iniciativa de mudara estrutura tributária. Mas tudo nãopassava de conversa, pois nem se-quer um esboço de proposta tinhasido colocado no papel para examedos governadores e seus secreta-

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rios, de modo a permitir que cada umdefinisse sua posição e apresentassesuas sugestões. Reforçam essa sus-peita os sucessivos adiamentos da re-messa do projeto ao Congresso e de-clarações de porta-vozes do Governo,de dentro e de fora dele, de que mu-danças mais profundas só deverãomesmo ocorrer em 1988, último anode mandato do atual Presidente.

Mais significativo, ainda, foi o al-cance da reunião que se seguiu en-tre o Presidente da República e seusMinistros da Fazenda e da Justiça,com os parlamentares. O Presidentee seus auxiliares não conseguiramdetalhar sua proposta, o que levoulíderes governistas no Congresso aconsiderar "tímida" a reforma preten-dida pelo Governo - uma maneiradelicada de confirmar que o projetonão existe.

Enquanto a proposta não aparece,o Governo e sua burocracia cuidamde exercitar seu vezo de atazanar ocontribuinte, com freqüentes altera-ções normativas dos impostos hojeexistentes ou com a criação de im-postos adicionais, buscando, sem-pre, elevar sua própria capacidadede extrair, do contribuinte, mais e

mais recursos. Agora, já se fala emmodificações no Imposto de Rendapara pessoa jurídica e pessoa físicae na criação da CMF (Contribuiçãosobre Movimentação Financeira).Pensando bem, já estamos no se-gundo semestre, é tempo de prepa-rar o pacote tributário de fim de ano.

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REFORMA TRIBUTARIA

A propósito da criação da CMF,esta proposta deve ser avaliada noquadro das estratégias de políticaspúblicas adotadas no Brasil nos últi-mos anos, portanto, em um contextomais amplo, que ultrapassa o aspec-to da possível solução, localizada,para a saúde brasileira.

A CMF busca reproduzir a expe-riência do IPMF, que distorceu o ca-ráter da proposta do Imposto Único.Quando escrevi sobre essa propos-ta pela primeira vez, em janeiro de1990, nunca me ocorreu que ooportunismo da burocracia brasilei-ra fosse capaz de deformá-Ia tanto.Atraída, tão-somente, pela habitualganância de maior arrecadação, ig-norou-se a simplicidade, a transpa-rência, a incidência mais equânimee o baixo custo, virtudes inerentesao modelo de unicidade tributáriaque lhe dera origem. Como odiosoestuprador, o Governo encantou-seapenas com o lado exterior da víti-ma - a facilidade arrecadatória-e coroou sua violência, substituindoo sonho de um só imposto pelo pe-sadelo de um imposto a mais.

Não há, assim, como deixar de cri-ticar a criação de mais um impostoou contribuição sobre transações fi-nanceiras, independentemente desua justificativa ou da qualidade mo-rai e profissional de seu defensor.Nem há como deixar de comentar opasso atrás que a vinculação das re-ceitas da CMF representa, diante dasmodernas práticas administrativasque se diz querer implantar no país.Há ainda o aspecto do reforço queela dá ao cômodo costume do admi-nistrador público brasileiro de, per-manentemente, procurar mais recur-sos para superar desequilíbrios decaixa, em lugar de dedicar-se à con-tenção e racionalização de gastos, àmodernização de sistemas, à qualifi-cação e motivação do servidor públi-co e ao combate à corrupção. Aindapior é a abertura de grave preceden-te. Se o saneamento, o transporte oua educação - áreas também priori-tárias e carentes do setor público -

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PRIMEIRA PESSOA

(Imposto sobre Produtos Industrializa-dos), sem as perturbações e a buro-cracia dos tributos tradicionais.

Está provado que o IPMF é o tipode imposto absolutamente infenso àsonegação, que alcança todos oscontribuintes, logo, mais justo e me-nos regressivo do que os impostosdeclaratórios, sem esquecer que opior, mais injusto e regressivo impos-to é o que é sonegado. A afirmação deque a CMF é inflacionária é quase ca-ricatural. Como se todos os tributos,cujo impacto nos preços seja sancio-nado pelo mercado, ainda que diretose não-cumulativos, não fossem infla-cionários! Dizer, então, que a alíquo-ta de 0,25% representa carga tributá-ria mais alta com inflação baixa do

que com inflação altarevela completa ignorân-cia. Pois o imposto incide,estática e instantanea-mente, sobre o valor daoperação. Portanto, suacarga independe da infla-ção, que reflete o aumen-to dinâmico dos preços.

A proposta do Impos-to Único, como toda pro-posição não-convencio-nai, gerou muita contro-vérsia porque suas ca-racterísticas ferem inte-resses estabelecidos naburocracia dos três pia-nos de governo, interes-ses derivados e de enti-dades econômicas e ou-tras que, no sistema atual,permanecem isentas deimpostos. Além destes,incluem-se aqueles agen-tes que, mesmo cum-prindo suas obrigaçõestributárias formais, apro-veitam-se das brechasdo sistema para pagar

menos (sonegação legal), e os sone-gadores contumazes, refugiados nafalsidade ideológica ou na economiainformal, nem sempre alcançadospelo caro e ineficiente aparato fiscaldo Governo.

necessitam de recursos, por que nãocriar novos tributos para supri-los? Aforça do precedente é tamanha queos titulares das pastas de Educaçãoe dos Transportes já falam em criar,cada um, impostos vinculados parafinanciar seus respectivos setores.

Entretanto, muitas das críticas àproposta da CMF (a exemplo daque-las feitas à do Imposto Único) sãopreconceituosas e fruto de total de-sinformação. Condenam-se impos-tos sobre transações financeirascomo inflacionários, regressivos ecumulativos - seja o IPMF (ImpostoProvisório sobre Movimentação Fi-nanceira), a CMF ou o Imposto Úni-co. Ora, a experiência do IPMF pro-vou, exatamente, o contrário.

Put 1II",..tckConsultDnl8

Cheques 3.000

Moedas 1.066

Operações Financeiras 1.500

Outras 1.081

Total 6.647

Arrecadação Estimada 86

Arrecadação Corrigida 91

Arrecadação Ajustada (2)

Assim, a receita de cerca de R$ 5,1bilhões em 1994 evidenciou o seu vi-gor, o fácil e baixo custo de arrecada-ção. Com alíquota de 0,25% sobre asmovimentações financeiras, sua re-ceita foi a metade da gerada pelo IPI

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o preconceito em relação à pro-posta do Imposto Único não hesitaem usar de argumentos inteiramentefalaciosos, sem qualquer fundamen-tação técnica. Um é o que diz que,com esse imposto, a arrecadaçãocairia dos quase R$120 bilhões/anoatuais recolhidos pelos três níveis degoverno e Previdência, para cerca deR$15 bilhões/ano. Ora, estas são es-timativas enviesadas, porque incluino bolo arrecadado contribuiçõespara o FGTS (Fundo de Garantia porTempo de Serviço), COFINS (Contri-buição para Financiamento da Segu-ridade Social), Imposto de Importa-ção (de alíquota e valor elevadostransitórios) etc., além de assumirque o brutal arrocho tributário aponta-do no início deste trabalho seja pas-sível de permanente sustentação.

As simulações realizadas acercada arrecadação do Imposto Único,com base no perfil tributário de 1993,dizem que seu valor ficaria muito pró-ximo ao da receita obtida pelos trêsníveis de governo e a Previdência,entre US$ 85 bilhões e US$ 90 bi-lhões/ano, equivalentes a cerca de25% do PIB.

As pretensas estimativas de redu-ção da arrecadação, por outro lado,não consideram as diferenças querespondem pelas discrepãncias ob-servadas nas previsões de receitado Imposto Único, diante da realiza-da pelo IPMF. Neste, as imunidadesconstitucionais são expressivas, nãogravando, por isto, representaçõesdiplomáticas, sindicatos, entidadesfilantrópicas e sem fins lucrativos,fundações, papel de imprensa, edito-ras de livros, associações de classee muitas outras que, em seu conjun-to, representam grande parcela dasatividades econômicas. Por exem-plo, entidades mantenedoras semfins lucrativos, como o setor de saú-de e de educação e grandes funda-ções vinculadas a conglomeradoseconômicos e financeiros de porte,não são alcançados pelo IPMF. Maso seriam pelo Imposto Único.

Importa acrescentar que, no qua-

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REFOR,- A TRIBUT.I:RIA

dro de uma corajosa e profunda re-forma fiscal e do Estado, as necessi-dades de recursos para suportar umEstado de tamanho reduzido devemser significativamente menores, oque poderá propiciar a redução daalíquota do próprio Imposto Único.

Em face do impasse em que seencontra a reforma tributária, alimen-tado pelas divergências existentesno seio da equipe governamental ede seu esquema de sustentação par-lamentar - tudo levando a crer quenão existe uma proposta concreta,costurada, para apresentação aoCongresso Nacional-, está na horade o Governo despir-se de seu pre-conceito e examinar, com isenção e co-ragem, a proposta do Imposto Único.

Apesar de ser difícil imaginar, napostura dos tributaristas tradicionais- mentores da suposta proposta dogoverno -, uma mudança que oslevem a buscar saídas criativas paraa questão, não podem eles ignorarque, no Congresso, dentre as 22 pro-postas de emenda constitucionalversando sobre matéria tributária,cinco das mais importantes contem-plam a volta do IPMF para compor,com outros impostos, a nova estrutu-ra do sistema.

Por que não levar em conta essarealidade? Por que não abandonar oconservadorismo e partir para alte-rações reais? Por que não descartara imitação grosseira do IPMF eabraçar a proposta original do im-posto sobre transações financeiras?É hora do Imposto Único - "inso-negável"-, que maximiza o univer-so de contribuintes, é barato e defácil administração, tal como o IPMFjá demonstrou à exaustão. Se todospagarem, todos pagarão pouco.Muitos, como os sonegadores e cor-ruptos, pagarão mais do que hoje epassarão a contribuir com sua parce-la de recursos no custeio das ativida-des públicas. É preciso ir além de de-sonerar a produção e desonerar,também, o setor formal da economia.O Imposto Único faz tudo isso e, dequebra, reduz o "custo Brasll".«

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