princípio da legalidade no plano salvifico de Deus

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PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO PLANO SALVÍFICO DE DEUS “Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça...” Atos 17:30,31 “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Art.1º do Código Penal Marcos Paulo A. Morais Deus fez uma aliança com Israel no monte Sinai estabelecendo seus mandamentos e exigindo observância. Dessa forma, ele reivindicou como seu o povo hebreu, e através deste preparou a vinda do Cristo. O povo de Israel foi especialmente separado por Deus, o qual se revelou àquele de forma íntima e direta através de várias formas de contato. Por outro lado, a Bíblia chama de “gentios” todos aqueles povos que, ao longo do tempo, não tiveram essa forma específica de manifestação de Deus( através de profetas, estabelecimento de leis, tipos sacrificiais etc.). Esses povos da antiguidade, fenícius, gregos, babilônicos, sírios, todos eles estavam excluídos da revelação de Deus concernente ao messias como aquele capaz de ser o Salvador do pecado. Naquela época ocorriam os sacrifícios(para o povo judeu) que eram apenas sombras daquele sacrifício real que ocorreria tempos mais adiante com Jesus Cristo morrendo na cruz do calvário, mas que afastavam a culpa sobre a pessoa. O gentio poderia também ter seus pecados expiados, porém desde de que passasse a fazer parte da comunidade de Israel. Enfim, os gentios viviam em completa ignorância em relação ao verdadeiro conhecimento de Deus. O que a Bíblia nos diz é que os gentios tiveram um conhecimento parcial acerca de Deus, de duas formas: 1) primeiro, através do mundo físico, diz o apóstolo Paulo os gênios podem perceber que há ou que existe um Deus criador de todas as coisas materiais: “porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidas por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis”(Rm 1:19-20). Os teólogos chamam essa revelação de revelação geral”, que seria esse conhecimento de que há um ser superior, onipotente, capaz de criar tudo o que existe: a vida, o homem, os animais, o universo, os planetas. 2) segundo, uma outra forma de conhecimento seria o testemunho da consciência moral. O apóstolo Paulo expressa isso dizendo que os gentios “mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos...”(Rm 2:15). Ou seja, há uma consciência moral apontando aquilo que é certo ou errado; não de forma clara, ou menos ainda, que essa consciência implica em obediência às normas daquilo que é certo. Mas uma coisa deve ficar claro em relação à essas duas formas de conhecimento: é que em nenhuma das duas se obtêm realmente um conhecimento acerca do que Deus tem como meio de salvação do ser humano.

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PRINCÍPIO DA LEGALIDADE NO PLANO SALVÍFICO DE DEUS

“Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia

em que há de julgar o mundo com justiça...” Atos 17:30,31

“Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”. Art.1º do Código Penal

Marcos Paulo A. Morais

Deus fez uma aliança com Israel no monte Sinai estabelecendo seus mandamentos e exigindo observância. Dessa forma, ele reivindicou como seu o povo hebreu, e através deste preparou a vinda do Cristo. O povo de Israel foi especialmente separado por Deus, o qual se revelou àquele de forma íntima e direta através de várias formas de contato. Por outro lado, a Bíblia chama de “gentios” todos aqueles povos que, ao longo do tempo, não tiveram essa forma específica de manifestação de Deus( através de profetas, estabelecimento de leis, tipos sacrificiais etc.). Esses povos da antiguidade, fenícius, gregos, babilônicos, sírios, todos eles estavam excluídos da revelação de Deus concernente ao messias como aquele capaz de ser o Salvador do pecado. Naquela época ocorriam os sacrifícios(para o povo judeu) que eram apenas sombras daquele sacrifício real que ocorreria tempos mais adiante com Jesus Cristo morrendo na cruz do calvário, mas que afastavam a culpa sobre a pessoa. O gentio poderia também ter seus pecados expiados, porém desde de que passasse a fazer parte da comunidade de Israel. Enfim, os gentios viviam em completa ignorância em relação ao verdadeiro conhecimento de Deus.

O que a Bíblia nos diz é que os gentios tiveram um conhecimento parcial acerca de Deus, de duas formas: 1) primeiro, através do mundo físico, diz o apóstolo Paulo os gênios podem perceber que há ou que existe um Deus criador de todas as coisas materiais: “porquanto o que de Deus se pode conhecer é manifesto entre eles, porque Deus lhes manifestou. Porque os atributos invisíveis de Deus, assim o seu eterno poder, como também a sua própria divindade, claramente se reconhecem, desde o princípio do mundo, sendo percebidas por meio das coisas que foram criadas. Tais homens são, por isso, indesculpáveis”(Rm 1:19-20). Os teólogos chamam essa revelação de “revelação geral”, que seria esse conhecimento de que há um ser superior, onipotente, capaz de criar tudo o que existe: a vida, o homem, os animais, o universo, os planetas. 2) segundo, uma outra forma de conhecimento seria o testemunho da consciência moral. O apóstolo Paulo expressa isso dizendo que os gentios “mostram a norma da lei gravada no seu coração, testemunhando-lhes também a consciência e os seus pensamentos...”(Rm 2:15). Ou seja, há uma consciência moral apontando aquilo que é certo ou errado; não de forma clara, ou menos ainda, que essa consciência implica em obediência às normas daquilo que é certo. Mas uma coisa deve ficar claro em relação à essas duas formas de conhecimento: é que em nenhuma das duas se obtêm realmente um conhecimento acerca do que Deus tem como meio de salvação do ser humano.

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Estabelecido esse ponto básico para nosso entendimento, uma outra questão que devemos fixar consiste no fato de que a Bíblia diz que para haver salvação é preciso o conhecimento da verdade, ou seja, “todo aquele que invoca o nome do Senhor será salvo. Como, porém, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem nada ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?”(Rm 10:13,14). Portanto, para que alguém creia e seja salvo pela verdade do evangelho é preciso haver o “conhecimento” pois “a fé vem pela pregação, e a pregação, pela palavra de Cristo”(Rm10:17).

Nesse sentido, a pergunta que se coloca é: se os gentios não tiveram a oportunidade de ter o conhecimento acerca do messias, e dessa forma crê que seus pecados poderiam ser perdoados, o qual ainda haveria de se encarnar e realizar o sacrifício na cruz, então será que todos aqueles(gentios) que morreram em completa ignorância a respeito do Cristo foram para o inferno? Será que aqueles povos da antiguidade(os quais eram adoradores de vários deuses) foram e serão todos eles condenados ao inferno por toda a eternidade? Mas será que não seria injusto Deus condená-los, sem lhes oferecer o conhecimento que possibilitasse a fé? Em Hebreus 11:13 diz que os patriarcas de Israel, “todos eles morreram na fé, sem ter tido obtido as promessas; vendo-as, porém, de longe, e saudando-as, e confessando que eram estrangeiros e peregrino sobre a terra.” Contudo, e em relação aos povos, multidões de pessoas que não faziam parte da nação judia, como então estes ficaram após a morte?

Antes de tentar responder essa indagação, penso que será esclarecedor fazer uma comparação entre o princípio da legalidade e o plano salvífico de Deus. Diz o art.1ª do CP “não há crime sem lei que o defina” isso exige que a lei descreva a conduta delituosa, a fim de que somente quando houver uma correspondência entre a conduta delituosa e a lei, aja a conseqüência punitiva. A importância da lei escrita dizendo o que é uma conduta delituosa está no fato de que “ninguém se escusa de cumprir a lei, alegando que não a conhece”(art.3º da lei de introdução ao código civil). Por isso ninguém pode alegar ignorância da lei vigente, pois presume-se que a lei, uma vez publicada, torna-se conhecida de todos. E sendo conhecida, o Estado tem a pretensão de cobrar depois qualquer infração das normas. Sem essa publicidade ao alcance de todos e sem essa descrição da norma penal, seria arbitrária a punição de qualquer conduta. Portanto, não há crime se não houver lei incriminadora do ato.

Em romanos 2:12 diz que “assim, pois, todos[gentios] os que pecaram sem lei perecerão; e todos[judeus] os que pecaram com lei mediante a lei serão julgados.” O apóstolo Paulo mostra que os gentios não serão julgados pela lei, posto que “sem a lei pecaram”, mas perecerão. No entanto, o apóstolo Paulo mostrou apenas uma hipótese se caso não houvesse um julgamento pela lei, eles pereceriam eternamente. Porém, como então serão julgados conforme a lei, se os povos pagãos do passado não tiveram o conhecimento da própria lei de Deus? Deus deixará realmente que aqueles povos pereçam eternamente no inferno? A Bíblia também diz que “a lei nos serviu de tutor para nos conduzir a Cristo, a fim de que fôssemos justificados por fé”(Gl 3:24). A lei conduz a pessoa a Cristo através do conhecimento do pecado que a própria lei proporciona: “eu não teria conhecido o pecado, senão por intermédio da lei”(Rm7:7). A questão é clara: Só quando há o conhecimento da lei de Deus é que podemos

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perceber que realmente somos pecadores e que precisamos do Cristo Jesus. Se os gentios não tiveram a lei, como então poderiam ter o conhecimento do que realmente é pecado, e portanto deixassem que a tutoria da lei pudesse conduzi-los a Cristo? Se não tiveram essa oportunidade que os judeus tiveram, então de que forma Deus poderia ser justo para os gentios?

Gostaria de colocar uma hipótese que acho razoável na tentativa de procurar uma resposta ao problema levantado. Todos aqueles gentios que morreram antes da vinda de Cristo à terra, tiveram a oportunidade de ouvirem o evangelho da boca do próprio Cristo, contudo, evidentemente, após a morte física. Em 1 Pedro 3:18-20, expõe que o Cristo quando morto na carne, isto é, no corpo, pregou aos espíritos em prisão. Estes sendo os gentios ao longo dos séculos que morreram sem o conhecimento da lei de Deus: “pois também Cristo morreu, uma única vez, pelos pecados, o justo pelos injustos, para conduzir-vos a Deus; morto, sim, na carne, mas vivificado no espírito, no qual também foi e pregou aos espíritos em prisão, os quais, noutro tempo, foram desobedientes...” pelo meu raciocínio que venho colocando, Sá posso interpretar esse versículos como a pregação de Cristo no breve espaço de tempo entre sua morte e ressurreição, com a finalidade de trazer ao conhecimento de todos aqueles pagãos que morreram sem o conhecimento necessário acerca da salvação que Cristo agora oferece em virtude da morte e ressurreição.

Alguns intérpretes dizem acerca desse texto que Cristo desceu ao inferno e anunciou a sua vitória aos espíritos dos perversos contemporâneos de Noé confinados no reino dos mortos. Outros interpretam que cristo ao morrer foi em espírito e proclamou sua vitória aos anjos caídos no seu lugar de confinamento. Quanto à primeira interpretação não há sentido em Cristo ir apenas anunciar sua vitória, seria isso uma espécie de sadismo e jactância da parte do próprio Cristo? E porque então somente aos contemporâneos de Noé? Essa visão pra mim não faz sentido. Quanto a segunda interpretação, também não vejo sentido o fato de Cristo ir num lugar de confinamento de anjos caídos e eternamente perdidos, apenas para proclamar sua vitória na cruz.

Portanto, fico com o fato de que era preciso que Cristo proclamasse seu Evangelho salvador àqueles que estavam longe de conhecer essa mensagem, pois essa mensagem outrora estava restrita à comunidade de Israel. Por isso é que Paulo em sua carta aos romanos diz que Deus outrora havia deixado os pecados tanto dos judeus quanto dos gentios impunes, uma vez que tanto os gentios(sem lei, no pecado) quanto os judeus(com lei, mas transgressores) precisavam receber a justa condenação de suas infrações, no entanto, Deus enviou o seu filho para receber esse condenação em nosso lugar. Os judeus já tinham esse conhecimento, os gentios não; por isso para estes, Cristo teve que pregar-lhes no intervalo de tempo entre sua morte e sua ressurreição, para que ao conhecerem essa obra salvífica de Deus a culpa dos pecados de eras passadas fossem apagados e eles fossem justificados diante de Deus. Atentai para o versículo: “sendo justificados gratuitamente, por sua graça, mediante a redenção que há em Cristo Jesus, a quem Deus propôs, no seu sangue, como propiciação, mediante a fé, para manifestar a sua justiça, por ter Deus, na sua tolerância, deixando impunes os pecados anteriormente cometidos”(Rm3:24,25).

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O juízo de Deus em relação aos pecados antes de Cristo realmente se deu quando da morte e ressurreição sua. Os pecados de antes foram deixados impunes, ou seja, antes disso ninguém ao morrer estava de fato pagando pelos seus pecados. Depois da morte e ressurreição, todos aqueles que morreram e morrem, têm dois destinos certos: o inferno como lugar de tormento e o céu como lugar ao lado de Cristo Jesus.

O que acabei de colocar, pode causar uma certa estranheza, pois passa a idéia da salvação ser possível após a morte, ou alguma coisa parecida com a heresia de purgatório. Porém, não quero de forma alguma insinuar qualquer uma dessas idéias. Devemos perceber é que se trata de um caso excepcional, não uma regra. Os gentios pagãos estavam numa situação específica antes da vinda de Cristo a este mundo; e por isso necessitaram também de uma forma específica de possibilidade de aceitarem o evangelho. A pregação de Cristo aos espíritos em prisão no mundo dos mortos, tratou-se de momento único e específico na história. Pois Deus é justo, e sendo assim, preparou esse meio único para os gentios.

No entanto, depois da morte e ressurreição de Cristo ficou indesculpável alegar ignorância acerca do evangelho, porque depois desse acontecimento, a mensagem do evangelho agora é anunciado nos quatro cantos da terra. Os apóstolos ficaram encarregados dessa expansão do evangelho de Cristo que começou pela igreja primitiva. Portanto, Deus “não levou em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todo, em toda parte, se arrependam”(atos17:30).

O apóstolo Paulo em Atenas disse essa grande verdade do texto acima transcrito, que Deus não levou em conta “os tempos da ignorância”, isto é, o tempo em que os gentios estavam distantes do conhecimento das leis de Deus, dos planos salvíficos de Cristo, sendo tudo isso restrito à nação de Israel. Nesse sentido, Deus levou em conta o princípio da legalidade, que diz “não há crime sem lei que o defina”. Havia a lei de Deus no mundo antigo, mas para os gentios como se não houvesse; pois as leis foram dadas a Israel. Por conseguinte, seria injusto um gentio ser condenado por algo que ele não estava ciente das reais conseqüências de seus atos. Da mesma forma que o código penal não criminaliza ninguém sem antes não houver uma lei que descreva com segurança alguma conduta que a sociedade considera como lesiva e prejudicial ao bem comum. Então quem comete, por exemplo, um homicídio sabe das reais conseqüências punitivas que a lei descreve. Judeus e gentios agora encontram-se em pé de igualdade. Portanto, com a crescente divulgação do evangelho, chegando ao conhecimento de uma gama cada vez maior de pessoas, agora Deus notifica a todos os homens, povos, nações, pessoas das mais diversas etnias, raças, línguas, em toda parte, que se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça por meio de Cristo Jesus.