PRINCÍPIO DO POLUIDOR-USUÁRIO-PAGADOR: … Princípio do... · globais agem de modo a integrar...

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ALEXANDRE LIMA RASLAN PRINCÍPIO DO POLUIDOR-USUÁRIO-PAGADOR: FUNDAMENTOS E CONCRETIZAÇÃO Monografia apresentada como requisito obrigatório para a aprovação do crédito Direito Ambiental III Institutos Fundamentais (Direito Material e Processual), sob a orientação da Professora Doutora Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida. São Paulo – SP Julho – 2007

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ALEXANDRE LIMA RASLAN

PRINCÍPIO DO POLUIDOR-USUÁRIO-PAGADOR:

FUNDAMENTOS E CONCRETIZAÇÃO

Monografia apresentada como requisito

obrigatório para a aprovação do crédito

Direito Ambiental III – Institutos

Fundamentais (Direito Material e

Processual), sob a orientação da

Professora Doutora Consuelo Yatsuda

Moromizato Yoshida.

São Paulo – SP

Julho – 2007

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Dedico este trabalho aos cidadãos atuais e aos iminentes, ambos já insistentemente vilipendiados no caro direito ao meio ambiente sadio.

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Agradeço ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso do Sul pela oportunidade concedida para a realização deste estudo.

Aos meus pais, Omar Rabiha Raslan e Leide Lima Raslan, e à Cláudia Lopes Cruz, agradeço pelo incentivo e compreensão a mim dispensados durante a execução deste trabalho.

À Prof. Dra. Consuelo Yatsuda Moromizato Yoshida pela generosidade e pela acolhida durante esse semestre deste curso.

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Se tivesse que escolher o lugar do meu nascimento, escolheria uma sociedade limitada pela extensão das faculdades humanas, isto é, pela possibilidade de ser bem governada e na qual, cada um bastando a seu emprego, ninguém fosse obrigado a atribuir a outros a função de que fora encarregado. Um Estado onde todos os particulares se conhecessem entre si, no qual as manobras obscuras do vício ou a modéstia da virtude não se pudessem furtar ao julgamento do público e onde este agradável hábito de ver-se e conhecer-se, conferisse mais importância, no amor à pátria, ao amor dos cidadãos do que ao amor à terra.

Desejaria nascer em um país no qual o povo e o soberano tivessem um único e mesmo interesse, para que todos os movimentos da máquina objetivassem a felicidade comum, o que não se pode fazer, a menos que o povo e o soberano sejam uma única pessoa, conclui-se que desejaria nascer sob um governo democrático, sabiamente equilibrado.

Desejaria nascer e morrer livre, isto é, de tal modo submisso às leis que, nem eu nem ninguém, pudesse furtar-se a esse honroso jugo, salutar e suave, que as mais orgulhosas cabeças suportam, tanto mais docilmente, quanto não suportariam qualquer outro.

Teria, então, desejado que ninguém no Estado pudesse considerar-se acima da lei e que ninguém de fora pudesse impor-se-lhe obrigando o Estado a reconhecê-lo. Pois, qualquer que possa ser a constituição de um governo, se houver um homem que não esteja submetido à lei, todos os outros sentir-se-ão à vontade para imitá-lo.

(Jean-Jacques Rousseau – Discurso sobre a Origem e os Fundamentos das Desigualdades dos Homens)

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RESUMO

O Direito Ambiental como parcela da Ciência do Direito imprescinde de uma estruturação

sistemática e metódica de seus fundamentos, princípios e postulados, o que exige uma análise

histórica, política, social e econômica a elucidar as razões pelas quais houve a juridicização

de determinados valores, a exemplo do meio ambiente como bem de uso comum do povo e

essencial à sadia qualidade de vida, sem prejuízo da obrigação de sua defesa e preservação

para as presentes e futuras gerações, nos termos do art. 225 da Constituição Federal. A

historicidade demonstra que importantes rupturas com regimes antigos, a exemplo da

Independência dos Estados Unidos da América do Norte e a Revolução Francesa, trouxeram à

discussão e à operacionalização outros direitos e garantias conquistados ou a conquistar

(liberdades individuais, propriedade etc.), iniciando uma nova jornada em busca da respectiva

materialização. Politicamente, a conformação do Estado social (liberdades, tripartição das

funções de Poder, abstenção etc.) e a transição para o Estado social (intervencionismo,

solidariedade) demonstram que a dicotomia entre o interesse público e o privado é

insuficiente, notadamente em razão das necessidades da sociedade de massa. Atualmente, a

vida em sociedade vem sendo tatuada pelo consumo desmedido que pressiona os recursos

naturais (ar, recursos hídricos e florestais etc.) e ao mesmo tempo pela reivindicação de

melhores condições de vida (saúde, transporte etc.) e acesso às novas tecnologias

(transgênicos, células-tronco etc.), tudo isso sem que haja a adequada preocupação com a

escassez dos bens ambientais, uma vez que para obter o produto prevalecem os interesses

econômicos privados do produtor e do consumidor em detrimento do bem-estar daqueles que

nem produzem ou consomem. Justamente nessa corrompida equação econômica, em que os

custos externos negativos de produção (poluição, extinção de espécies etc.) são

exclusivamente suportados pela sociedade, nas chamadas externalidades negativas, é que tem

origem o postulado do poluidor-usuário-pagador, norma jurídica de caráter estruturante e que

deve servir como guia exegético para que o primeiro pagador seja aquele que produza ou

consuma produtos e serviços utilizadores de recursos naturais, tanto de modo a arcar com os

custos da prevenção dos riscos decorrentes da produção e do consumo quanto na

responsabilização pela reparação, recuperação, compensação e indenização dos danos.

PALAVRAS CHAVES: Meio Ambiente – Direito Fundamental – Poluidor-usuário-pagador

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 07

CAP. I – MEIO AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL................................................ 09

CAP. II – CONSTITUIÇÃO FEDERAL: DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO

AMBIENTE............................................................................................................................ 17

2.1 – Constituição: história, conceito, legitimação e eficácia.................................................. 17

2.2 – Princípios fundamentais na Constituição Federal......................................... ................... 22

2.2.1. – Cidadania e dignidade da pessoa humana.......................................................... 23

2.2.2 – Sociedade livre, justa e solidária........................................................................................ 31

2.2.3 – Meio ambiente: direito fundamental.................................................................... 35

CAP. III – PRINCÍPIO DO POLUIDOR-USUÁRIO-PAGADOR: GÊNESE E

CONCRETIZAÇÃO.............................................................................................................. 43

3.1 – Origem................................................................................................................... 43

3.2. – A teoria econômica das externalidades................................................................. 46

3.3 – Dicotomia público e privado e outras categorias de interesses.............................. 48

3.4 – O princípio do poluidor-usuário-pagador ............................................................. 56

CONCLUSÃO ....................................................................................................................... 71

BIBLIOGRAFIA ................................................................................................................... 74

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INTRODUÇÃO

A dificuldade enfrentada na atuação em defesa do meio ambiente ecologicamente

equilibrado primordialmente se concentra na incompreensão, total ou parcial, dos

fundamentos históricos, políticos, sociais, econômicos e, por fim, jurídicos que, conjugados,

atualmente exigem do homem um comportamento diferente diante da realidade que se abate

sobre o modo de vida na Terra, especialmente no que se refere às condições propícias para a

continuidade da vida sustentável para esta geração e para as vindouras.

Essa incompreensão é fruto tanto da ignorância quanto da avidez do homem pela

extração de todo o proveito ou lucro possível dos recursos naturais em seu único e individual

benefício.

A histórica falta de educação fundamental, a ausência de saneamento básico e um

consumo cada vez mais intenso, entre outras condições básicas para uma vida digna, assola

grande parcela da população mundial, imersa em miséria material sem precedentes, tornando-

a concomitantemente autora e vítima das políticas desenvolvimentistas de governos

irresponsáveis com o presente e com o futuro, que apenas adotam medidas paliativas e que

visam os efeitos mantendo as causas intactas.

A voracidade dos detentores dos meios de produção e dos especuladores financeiros

alimenta a realidade atual de pressão sobre os recursos naturais, uma vez que esses atores

globais agem de modo a integrar aos seus patrimônios ou agregar às suas cifras o produto da

expropriação dos bens ambientais, tratando-os como res nullius, res communes ou res

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derelictae, demonstrando uma defasagem de valores que está fadando o homem a um

paradoxo de sucesso privado e fracasso coletivo.

É nesse modo de vida contraditório, perfilado na máxima de que “a propriedade

privada tem titular e a propriedade difusa está acéfala”, que o homem da atualidade ainda está

inserido. Contudo, há uma demonstração de que um período de transição já foi inaugurado,

especialmente em razão das mudanças climáticas que, tardiamente, despertaram no homem o

desejo de experimentar a sadia qualidade de vida.

Para isso, há necessidade de se reconhecer e praticar atos que tendam ao abandono da

dicotomia absoluta entre o público e o privado em direção às novas categorias de interesses,

notadamente os difusos, os coletivos e os individuais homogêneos, conforme dispõe a Lei n.

8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor).

O que este trabalho se propõe, mais do que conceituar ou dissecar o princípio do

poluidor-usuário-pagador, é analisar a sua origem e sua concretização, depois de evidenciar

os conceitos de meio ambiente e de Direito ambiental, reafirmar o caráter histórico e jurídico

do meio ambiente como direito humano fundamental.

Esses fundamentos são de compreensão tão importante quanto o domínio técnico-

jurídico do princípio do poluidor-usuário-pagador, pois o domínio daqueles poderá fazer com

que a utilização seja mais eficiente, sem prejuízo do desenvolvimento do conceito e da

eficiente concretização do mais importante princípio do Direito Ambiental.

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CAPÍTULO I

MEIO AMBIENTE E DIREITO AMBIENTAL

Apresenta-se útil o reforço a uma lembrança que merece ser permanente: o meio

ambiente como realidade fenomênica e as demais ciências que dele se ocupam, a exemplo da

ecologia, antecedem cronologicamente a Ciência do Direito na atenção dispensada à temática

ambiental.

Assim, a maturidade científica e técnica alcançada pelos demais ramos dos saberes

relacionados com o meio ambiente supera a ainda atual incipiência da Ciência do Direito na

identificação, no reconhecimento e no tratamento jurídico de todos os fatores e relações que

compõem o cenário, natural ou artificial, material ou cultural, em que interagem todas as

formas de vida, humanas ou não.

Confirmação disso, o que se verá adiante, é a insuficiência de conteúdo da definição

legal outorgada pelo direito positivo brasileiro e a não completude absoluta das definições

jurídicas sobre o que se deve entender por meio ambiente, isso quando comparadas com

algumas definições não jurídicas que, igualmente, mas em menor intensidade, carecem de

abrangência integral.

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A respeito dos conceitos e dessa constante insatisfação que incide sobre a descrição do

objeto conceituado, MARIA HELENA DINIZ1 afirma com propriedade que

Tem razão Alexandre Caballero ao afirmar que ‘é um fenômeno normal o da evolução dos conceitos, mesmo dos mais elementares e fundamentais. Quanto mais manuseada uma idéia, mais ela fica revestida de minuciosos acréscimos, sempre procurando os pensadores maior penetração, maior exatidão, maior clareza’. ‘A interferências das mais diversas teorias sobre um conceito, em lugar de esclarecer, complica, freqüentemente, as idéias. E, o que era antes um conceito unívoco, converte-se em análogo e até em equívoco. Tal a variedade e disparidade de significação que lhe acabam sendo atribuídas’.

Analisemos, então, alguns conceitos, como o de ecologia, o de ambiente e o meio

ambiente..

A ecologia (oikos = casa; logia/logos = estudo) é expressão cunhada pioneiramente

pelo biólogo e médico alemão Ernst Heinrich Haeckel (1834-1917) na obra Morfologia geral

dos seres vivos, ocasião em que se propôs uma nova disciplina jurídica, que segundo ÉDIS

MILARÉ2 pode ser entendida como

[...] a ciência que estuda as relações dos seres vivos entre si e com o seu meio físico. Este, por sua vez, deve ser entendido, no contexto da definição, como o cenário natural em que esses seres se desenvolvem. Por meio físico entendem-se notadamente seus elementos abióticos, como solo, relevo, recursos hídricos, ar e clima.

Aproxima-se da definição acima aquela emprestada por HENRY W. ART3 à

expressão ecologia, como sendo o “ramo da biologia que estuda as relações entre os

organismos vivos e entre os organismos e seus ambientes. Deriva das palavras gregas ‘oikos’,

que significa ‘casa’, e ‘logos’, termo que designa ‘estudo’”.

1 Conceito de norma jurídica como problema de essência. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 1996, p. 1. 2 Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 5. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007, p. 3 Dicionário de Ecologia e Ciências Ambientais. 2. ed. Trad. Mary Amazonas Leite de Barros. São Paulo : Editora UNESP : Companhia Melhoramentos, 2001, p. 175.

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Na concepção de WILLIAM FREIRE e DANIELA LARA MARTINS4 a ecologia

pode ser definida como a “ciência que estuda as inter-relações dos organismos vivos com o

seu meio ambiente, e dos organismos entre si, inclusive o ser humano (Ecologia Humana)”

ou, ainda, o “estudo da interrelação entre os organismos vivos e seu ambiente”.

Segundo essas definições a ecologia tem amplo espectro de interesse, contudo, não se

ocupa típica e primordialmente das obras humanas em si ou do ambiente construído por meio

da intervenção do homem (ambiente artificial, do trabalho etc.), estando também excluídas as

manifestações culturais, ainda que imateriais (arquitetura, artes, patrimônio histórico etc.). De

outra parte, quando se trata de definir a expressão meio ambiente alguns outros fatores são

considerados como relevantes para o entendimento do vocábulo, tanto sob o aspecto

semântico quanto no pragmático.

Quando se analisa a definição legal de meio ambiente logo se vê que a norma não

rende prestígio adequado ao valor real desse bem da vida, sendo limitada e deveras acanhada

para os fins a que se presta, pois, conforme preceitua o inc. I do art. 3º da Lei n. 6.938/81 (Lei

de Política Nacional do Meio Ambiente), que diz que “para os fins previstos nesta Lei,

entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de

ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

E não é só a norma legal que não alcança o aspecto holístico do meio ambiente como

significado. Até mesmo a ecologia não considera os fatos artificiais e culturais, uma vez que

HENRY W. ART define ambiente como o “conjunto de condições que envolvem e sustentam

os seres vivos na biosfera, como um todo ou em parte desta, abrangendo elementos do clima,

do solo, da água e de organismos”5 para, em seguida, emprestar para meio ambiente o

significado de “soma total das condições externas circundantes no interior das quais um

organismo, uma condição, uma comunidade ou um objeto existe. O meio ambiente não é um

termo exclusivo; os organismos vivos podem ser parte do ambiente de outro organismo”6.

4 Dicionário de Direito Ambiental e vocabulário técnico de termos ambientais. Belo Horizonte : Editora Mineira, 2003, p. 156. 5 Ob. cit., p. 22. 6 Ob. cit., p. 339.

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De igual forma, WILLIAM FREIRE e DANIELA LARA MARTINS7 ainda que

considerem os “fatores sociais” na composição semântica de ambiente não os detalham

expressamente, emprestando a essa expressão o significado de

Conjunto de condições que envolvem e sustentam os seres vivos na biosfera como um todo, ou em parte desta, abrangendo elementos do clima, do solo da água e dos organismos. [...] Conjunto, em um dado momento, dos agentes físicos, químicos e biológicos e dos fatores sociais suscetíveis de terem um efeito direto ou indireto, imediato ou futuro, sobre os seres vivos e a atividade humana.

Em seguida, quando esses mesmos autores analisam a expressão meio ambiente há

uma ampliação quantitativa de fatores, acrescidos os “culturais, legais, e outros”, resultando

em uma definição mais inclusiva e próxima daquela que prestigia a importância do tema,

concluindo-se tratar do

Local (águas, ar, subsolo) onde se desenvolve a vida dos homens, animais, plantas ou microrganismos, em estreita relação com um conjunto de substâncias externas, que se caracterizam não só pelas propriedades físicas, químicas e biológicas desse local, mas também por outros fatores que regem a vida, como os relacionados às associações dos seres vivos, em geral e particularmente os seres humanos, tais como os aspectos de ordem cultural, legal, e outros. [...] Determinado espaço onde ocorre a interação dos componentes bióticos (fauna e flora), abióticos (água, rochas e ar) e biológicos-abiótico (solo). Em decorrência da ação humana, caracteriza-se também o componente cultural.

Daquela definição normativa e das demais significações que se empresta aos termos

ambiente e meio ambiente logo se vê que não estão sempre considerados os fatores artificiais

ou culturais produzidos pelo homem, o que exige que o intérprete busque complementar essa

ausência com a doutrina jurídica e a dos demais saberes acerca do tema.

Não ignorando a discórdia entre a doutrina acerca da adoção da expressão meio

ambiente ou de simplesmente ambiente, invoca-se a lição de JOSÉ AFONSO DA SILVA8

que, depois de afirmar a redundância da expressão meio ambiente, define ambiente como “um

7 Ob. cit., p. 47. 8 Direito Ambiental Constitucional. 2. ed. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 2.

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conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em

que se vive”. Conclui, ao final, que se trata da “interação do conjunto de elementos naturais,

artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas

formas”.

Para ÉDIS MILARÉ9, ainda que não entenda haver redundância na expressão meio

ambiente, uma vez que o vocábulo ambiente já signifique “o lugar, o sítio, o recinto, o espaço

que envolve os seres vivos e as coisas”, deve ser reconhecida sua variedade de significados,

desde a concepção matemática, passando pela contextualidade histórica ou social, pelo

recurso ou instrumento ou mesmo para se designar um espaço territorial. E completa esse

autor dizendo que

Em linguagem técnica, meio ambiente ‘é a combinação de todas as coisas e fatores externos ao indivíduo ou população de indivíduos em questão. Mais exatamente, é constituído por seres bióticos e abióticos e suas relações e interações. Não é mero espaço circunscrito – é realidade complexa e marcada por múltiplas variáveis. No conceito jurídico mais em uso de meio ambiente podemos distinguir duas perspectivas principais: uma estrita e outra ampla. Numa visão estrita, o meio ambiente nada mais é do que a expressão do patrimônio natural e as relações com e entre os seres vivos. Tal noção, é evidente, despreza tudo aquilo que não diga respeito aos recursos naturais. Numa concepção ampla, que vai além dos limites estreitos fixados pela Ecologia tradicional, o meio ambiente abrange toda a natureza original (natural) e artificial, assim como os bens culturais correlatos. Temos aqui, então, um detalhamento do tema: de um lado, com o meio ambiente natural, ou físico, constituído pelo solo, pela água, pelo ar, pela energia, pela fauna e pela flora; e, de outro, com o meio ambiente artificial (ou humano), formado pelas edificações, equipamentos e alterações produzidos pelo homem, enfim, os assentamentos de natureza urbana e demais construções. Em outras palavras, quer-se dizer que nem todos os ecossistemas são naturais, havendo mesmo quem se refira a ‘ecossistemas sociais’ e ‘ecossistemas naturais’.

Sinteticamente, PAULO AFFONSO LEME MACHADO10 refere aos doutrinadores

portugueses como críticos da expressão meio ambiente, uma vez que se tratar de um

pleonasmo, uma vez que consideram meio e ambiente vocábulos sinônimos. Porém, acaba

concordando que essa discussão tem importância secundária em razão de sua exclusiva

9 Ob. cit., p. 110-111. 10 Direito Ambiental Brasileiro. 8.ed. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 118-119.

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utilidade formal. Prefere unicamente ambiente, mas, contudo, verga-se diante de meio

ambiente em razão da consagração realizada pela Constituição Federal.

Nesse passo, o jurista lusitano LUÍS FELIPE COLAÇO ANTUNES11 inicia sua

análise sobre a noção jurídica de ambiente afirmando que “o ambiente pertence a uma

daquelas categorias cujo conteúdo é mais fácil intuir do que definir, tal a riqueza de conteúdo

e a dificuldade da sua classificação jurídica”. Mesmo reconhecendo essa arenosa missão,

arrisca-se a defini-lo como sendo “tudo o que, sob qualquer aspecto, nos limites referidos,

influencie a vida do homem ou por este seja influenciado, numa interacção constante, seja no

que se refere à esfera física, seja no que toca à esfera espiritual, constitui ‘ambiente’”.

Em seguida, esse doutrinador luso assevera que existem duas noções de ambiente: a

noção de facto e a noção jurídica, sendo esta sempre mais restrita que aquela, pois, nem todo

o ambiente é bem jurídico, pois12

Nesse sentido a noção jurídica de meio ambiente (como objeto de direitos) não pode deixar de corresponder ao ambiente ‘natural’, no sentido de âmbito normal de desenvolvimento da pessoa humana na sua dimensão ecológica e existencial. [...] Mais concretamente, o nosso ‘objecto’ consiste no conjunto dos elementos naturais (os chamados recursos naturais: água, ar, solo, etc.) e culturais (lato sensu, compreendendo a paisagem, o patrimônio histórico e artístico, etc.). A noção jurídica de ambiente, segundo cremos, não pode deixar de ser mais restrita do que a noção de facto de ambiente. De um ponto de vista jurídico nem todas as coisas que formam o ambiente são tomadas em consideração pelo direito. Estão neste caso o sol, as estrelas e o firmamento. A lei toma em consideração apenas as coisas que entram na disponibilidade humana e não as que estão fora do seu alcance, da esfera de acção dos indivíduos. Portanto, nem tudo o que é ambiente é bem jurídico. [...] Adiantando já uma noção de ambiente, diríamos que ela faz referência ao conjunto de bens naturais e culturais relevantes para a qualidade de vida ecológica e existencial do homem. Em suma, o conceito normativo de ambiente vem a incluir todas as normas jurídicas que se destinem a regular e a proteger, de forma planificadora, conformadora, preventiva e promocional o ambiente natural e humano dos efeitos nocivos resultantes do processo civilizacional.

11 O Procedimento Administrativo de Avaliação de Impacto Ambiental: para uma tutela efetiva do ambiente. Coimbra : Livraria Almedina, 1998, p. 31-32. 12 Ob. cit., p. 32-33.

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Admitindo-se, assim, que o meio ambiente tutelado juridicamente depende de uma

opção do legislador, o que não parece absurdo, a própria definição de Direito Ambiental ou

Direito do Meio Ambiente deve refletir essa correlação com o positivado, expressa ou

implicitamente.

Na visão de RUI CARVALHO PIVA13, para quem conceituar e definir juridicamente

o objeto do conhecimento são tarefas difíceis, mas necessárias, o Direito Ambiental pode ser

considerado como

[...] o ramo do direito positivo difuso que tutela a vida humana com qualidade através de normas jurídicas protetoras do direito à qualidade do meio ambiente e dos recursos ambientais necessários ao seu equilíbrio ecológico. No conceito acima sugerido, a distinção entre meio ambiente e recursos ambientais necessários ao equilíbrio ecológico do meio ambiente guarda coerência com expressas referências legais aos recursos naturais.

Com PAULO AFFONSO LEME MACHADO14 se reconhece a sistematização do

Direito Ambiental e a sua vocação de coordenação entre os demais saberes da Ciência

jurídica, sendo pertinente exortar que

O direito ambiental é um Direito sistematizador, que faz a articulação da legislação, da doutrina e da jurisprudência concernentes aos elementos que integram o ambiente. Procura evitar o isolamento dos temas ambientais e sua abordagem antagônica. Não se trata mais de construir um direito das águas, um direito da atmosfera, um direito do solo, um direito florestal, um direito da fauna ou um direito da biodiversidade. O direito ambiental não ignora o que cada matéria tem de específico, mas busca interligar estes temas com a argamassa da identidade dos instrumentos jurídicos de prevenção e de reparação, de informação, de monitoramento e de participação.

Diante das imprecisões terminológicas, das múltiplas significações e até mesmo da

permanente construção pelas ciências dos conceitos de ambiente, meio ambiente e de Direito

Ambiental, uma conclusão é inegável: a abrangência das definições vem crescendo na medida

em que há uma conscientização de que o meio ambiente ecologicamente equilibrado como

bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, nos termos idealizados pela

13 Bem Ambiental. São Paulo : Max Limonad, 2000, p. 47. 14 Recursos Hídricos: direito brasileiro e internacional. São Paulo : Malheiros, 2002, p. 22.

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Constituição Federal brasileira, somente poderá ser concretizado com a interação teórica e

prática dos saberes científicos disponíveis em determinado momento. A educação ambiental,

nesse momento de aproximação com os temas ambientais, apresenta-se essencial para que se

tenha visão integrada dos fatores ecológicos e culturais, mas, não somente com o objetivo de

educar, informar, mas, sobretudo, de conscientizar.

Essa interação, por sua vez, para que se apresente útil teoricamente e produtiva quanto

aos efeitos práticos, necessita de uma sistematização que possa amalgamar os princípios

comuns e específicos a todas as ciências correlatas, sem prejuízo da instituição de outros

resultantes dessa simbiose, em torno da defesa da vida em todas as suas formas. Dessa

sistematização, coordenada pela Ciência do Direito, devem resultar comandos normativos que

tanto vedem comportamentos que importem em riscos quanto exijam a implementação de

práticas preventivas e corretivas. Tudo isso, obviamente, acompanhado de sanções adequadas

e eficientes para a maior coincidência entre o ser e o dever-ser.

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CAPÍTULO II

CONSTITUIÇÃO FEDERAL: DIREITO FUNDAMENTAL AO MEIO AMBIENTE

2.1. Constituição: história, conceito, legitimação e eficácia

Indispensável, neste momento, é procurar traduzir o que vem a ser “Constituição”,

especialmente sob o aspecto jurídico, objetivando situar o ideal de justiça, representado pelos

direitos fundamentais, no contexto do ordenamento jurídico brasileiro, avaliando sua

influência na interpretação e aplicação do Direito. Com mais especificidade serão analisados

os princípios e objetivos fundamentais previstos constitucionalmente.

Historicamente, segundo JOHN GILISSEN1, a Revolução Francesa de 1789 e a

Constituição francesa de 1791 constituem momentos capitais na história do Direito dos países

da Europa Ocidental, com exceção da Grã-Bretanha, que acabaram por adotar idéias políticas,

filosóficas, econômicas e sociais daquele movimento revolucionário, não se podendo olvidar

do pragmatismo anteriormente adotado pela revolução americana de 1776, que puseram em

prática as concepções políticas de filósofos e juristas europeus da época, na Declaração da

Independência do mesmo ano, precipitando-as por sobre o continente americano.

1 Introdução Histórica ao Direito. 3. ed. Trad. A. M. Hespanha e L. M. Macaísta Malheiros. Lisboa : Fundação Calouste Gulbekian, 2001, p. 413-144.

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Esses movimentos revolucionários romperam com os regimes anteriores, inclusive

com a formalização escrita de uma norma ascendente às demais, a constituição, diluindo o

poder do soberano e outorgando-o à nação, culminando com a idéia de que todo o poder

emana da nação, especialmente o poder de legislar que se concretiza com a eleição de

representantes do povo. A confirmar esse legado, um dos princípios fundamentais da

República Federativa do Brasil é expressa na incitação de que “todo poder emana do povo,

que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta

Constituição”, sem prejuízo do pluralismo político (art. 1º, inc. V e parágrafo único, da CF).

Como o costume e a ausência de regras escritas eram duas das características dos

referidos regimes extintos, a exemplo das monarquias absolutistas européias, a Declaração de

Independência em 1776 e a Constituição Federal dos Estados Unidos de 1787 e a Revolução

Francesa de 1789 e a Constituição Federal da França de 1791 adotaram constituições escritas

que trataram da organização dos poderes no Estado (divisão das funções: executivo,

legislativo e judiciário) e a garantia das liberdades públicas, tudo isso contido expressamente

num ato legislativo escrito chamado constituição. Trata-se da Constituição garantia, posto

que somente garante os direitos do cidadão contra as investidas do Estado (liberdade

individual, propriedade etc.), sendo o primeiro legado do liberalismo.

Mais recentemente, a partir da Revolução Industrial e do fim da Segunda Guerra

Mundial em 1945, surge a preocupação da sociedade com algo além das liberdades

individuais e se manifesta com a reclamação por direitos que transcendem o individualismo

consagrado pelas revoluções americana e francesa, ambas de cunho eminentemente liberal,

para uma nova concepção de Estado que, ao contrário do regime anterior em que vigorava a

abstenção estatal, tem por obrigação proporcionar à sociedade, indistintamente, benefícios que

não são apropriáveis individualmente, mas, sim, são titularizados pela coletividade (saúde,

educação, meio ambiente etc.). São as Constituições abertas, totais ou dirigentes, que detêm

os ideais do Estado social (não confundir com o socialismo), segundo prega PAULO

BONAVIDES2.

2 Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2004, p. 202-204.

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Uma das reivindicações da sociedade na atualidade, cuja exposição se encontra

expressamente depositada no art. 225 da Constituição Federal brasileira, é a de preservar,

conservar e defender o meio ambiente ecologicamente equilibrado, como uma das formas, se

não a mais importante, de se garantir a sadia qualidade de vida.

Esse anseio constitucional se revela, sem dúvida, um direito fundamental da pessoa

humana, uma vez que não haverá vida ou a existente não se sustentará se não houver um meio

em que vigore o equilíbrio ambiental, aqui devendo se compreender de forma abrangente

todos os elementos naturais ou artificiais ou materiais ou imateriais que influenciem na

criação e desenvolvimento da vida, em todas as suas formas.

Diante dessa realidade, o que vem a ser a Constituição? Como resposta inicial para os

objetivos deste trabalho CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS3 a têm

Num sentido amplo, a constituição significa estrutura. Nessa acepção, tudo e qualquer ente têm a sua própria constituição. Fala-se, assim, da constituição de uma cadeira, de um planeta, do homem. Esta utilização, feita pela linguagem comum, nada apresenta de próprio a qualquer ramo científico. Seu uso, pois, nesses casos, é atécnico ou acientífico, pelo que, da mesma forma que se fala da constituição de um organismo vivo, se pode referir a uma determinada constituição de um ordenamento jurídico, reportando-se ao seu esquema fundamental, à sua ossatura mínima, determinados pelo conjunto de suas principais instituições.

Para UADI LAMMÊGO BULOS4 a Constituição é um organismo vivo, cujo escopo é

delimitar a organização estrutural do Estado, a forma de governo, o modo de aquisição e

exercício do poder, através de um conjunto de normas jurídicas, escritas ou costumeiras, que

estatuem direitos, prerrogativas, garantias, competências, deveres e encargos.

Segundo MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO5, que invoca HANS

KELSEN, Constituição é a designação de “organização jurídica fundamental”, ou seja, o

conjunto de normas positivas que regem a produção do direito, “o conjunto de regras

3 Curso de Direito Constitucional. 13. ed.. São Paulo : Saraiva, 1990, p. 40. 4 Constituição Federal Anotada. 3. ed.. São Paulo : Saraiva, 2001, p. 2. 5 Curso de Direito Constitucional. 17. ed.. São Paulo : Saraiva, 1989, p. 10.

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concernentes à forma do Estado, à forma do governo, ao modo de aquisição e exercício do

poder, ao estabelecimento de seus órgãos, aos limites de sua ação”.

Em sentido estrito, observa JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO6 que a

Constituição moderna, que bem serve a este estudo, mesmo diante das anotações críticas do

autor lusitano7, pode ser definida como “a ordenação sistemática e racional da comunidade

política através de um documento escrito no qual se declaram as liberdades e os direitos e se

fixam os limites do poder político”. Sob a vista da Ciência do Direito, portanto, Constituição é

“a lei proeminente que conforma o Estado”, segundo o conceito de Estado Constitucional.

Sendo assim, não se pode deixar de relembrar, historicamente, que a atual

Constituição da República, promulgada em 5 de outubro de 1988, pretendeu conformar o

Estado brasileiro a outra realidade, diametralmente oposta àquela vigente durante o regime da

não-democracia concreta, iniciada pela tomada do Poder pelos militares, ressuscitando

liberdades e valores fulminados pela força e trazendo à luz do novo tempo outros que nunca

existiram em nosso convívio jurídico-social, como, por exemplo, a defesa do meio ambiente.

Diz JOSÉ AFONSO DA SILVA8 sobre Constituição e os valores que

6 Direito Constitucional. 3. ed.. Coimbra : Almedina, 1998, p. 48. 7 Trata-se, porém, de um conceito ideal que não corresponde sequer – como a seguir se demonstrará – a nenhum dos modelos históricos de constitucionalismo. Assim, um Englishman sentir-se-á arrepiado ao falar-se de “ordenação sistemática e racional da comunidade através de um documento escrito”. Para ele a constituição – The English Constitution – será a sedimentação histórica dos direitos adquiridos pelos “ingleses” e o alicerçamento, também histórico, de um governo balanceado e moderado (the balanced constitution). A Founding Father (e a qualquer americano) não repugnaria a idéia de uma carta escrita garantidora de direitos e reguladoras de um governo de “freios” e “contrapesos” feita por um poder constituinte, mas já não se identificará com qualquer sugestão de uma cultura projectante traduzida na programação racional e sistemática da comunidade. Aos olhos de um citoyen revolucionário ou de um “vintista exaltado” português a constituição teria de transportar necessariamente um momento de ruptura e um momento construtivista. Momento de ruptura com a “ordem histórico-natural das coisas” que outra coisa não era senão os privilèges do ancien régime. Momento construtivista porque a constituição, feita por um novo poder – o poder constituinte –, teria de definir os esquemas ou projectos de ordenação de um ordem racionalmente construída. As considerações anteriores justificarão ainda hoje a indispensabilidade de um conceito histórico de Constituição. Por constituição em sentido histórico entender-se-á o conjunto de regras (escritas e consuetudinárias) e de estruturas institucionais conformadoras de uma dada ordem jurídico-política num determinado sistema político social. 8 Curso de Direito Constitucional Positivo. 10. ed.. São Paulo : Malheiros, 1995, p. 43-44.

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A constituição é algo que tem, como forma, um complexo de normas (escritas ou costumeiras); como conteúdo, a conduta humana motivada pelas relações sociais (econômicas, políticas, religiosas etc.); como fim, a realização dos valores que apontam para o existir da comunidade; e, finalmente, como causa criadora e recriadora, o poder que emana do povo. Não pode ser compreendida e interpretada, se não se tiver em mente essa estrutura, considerada como conexão de sentido, como é tudo aquilo que integra um conjunto de valores.

A Constituição Federal de 1988 não é apenas um esquema jurídico-político, mas,

sobretudo, segundo MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO9, manifestação que tem

“fundamento psicossocial”, que se consubstancia em repositório de “crenças”, tanto daquele

que detém o Poder, entendido como a “possibilidade de determinar pela própria vontade a

conduta alheia”, quanto daquele que obedece a norma e se conforma ao dever-ser, pois

[...] o potente pretende uma “superioridade” sobre o “obediente”. Esta “superioridade” é uma crença (que pode ser a de que é fisicamente mais forte e, em conseqüência, pode coagir outrem a fazer, sofrer ou aceitar o que determina). Mas esta crença do “potente” na sua superioridade é inócua para gerar poder, se a ela não corresponder uma outra crença, esta do “obediente”, a de dever fazer, sofrer ou aceitar o que determina o “potente”. A sua sujeição ao “potente” provém, portanto, de uma crença. O elemento “crença” é, destarte, o fundamento do poder. Pode-se até dizer que o poder é um fenômeno de crença.

A imposição normativa e a respectiva submissão, inclusive quanto aos limites do atuar

impositivamente, frutificam uma relação irrenunciável de interdependência que quanto mais

correspondência positiva guardar entre si mais eficiente e legítima será a norma. Obviamente,

a não obediência às normas não retira a legitimidade delas, bem como a norma legal nem

sempre será resultado de um processo legítimo (imposição violenta etc.).

No caso da defesa do meio ambiente, a necessidade de sua concretização se conforma

na medida em que a Constituição Federal assim determina no art. 225, vindo essa imposição

relacionada com a obediência, ora espontânea ora voluntária ora sancionada. Assim, quanto

mais sancionada menos eficácia social deterá a norma, uma vez que será necessário utilizar o

“poder” que determinará por vontade legal própria a conduta alheia.

9 Aspectos do Direito Constitucional Contemporâneo. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 54-55.

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2.2. Princípios e objetivos fundamentais na Constituição Federal

De início, cumpre ressaltar a distinção entre princípios fundamentais e objetivos

fundamentais. Estes são, na verdade, missões a serem cumpridas pelo Estado (governo), a fim

de tornar reais aqueles ideais assegurados pela Constituição que, assim, se caracteriza como

“dirigente”, pois busca preorientar a atuação do governo e a da própria sociedade,

estabelecendo obrigações positivas e negativas.

Não se pode deixar de tecer considerações, ainda que breves, sobre os princípios e

objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil, enquanto Estado Democrático de

Direito, especialmente porque a “positivação” constitucional dos direitos fundamentais

(dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade etc.) impõe submissão de todo o

ordenamento jurídico àqueles contornos supremos, sendo que a construção e a reafirmação da

respectiva “força normativa” advém do modo como o legislador, os juízes, a administração

pública e a coletividade os observam e os aplicam na prática, sendo na lição do jurista alemão

ROBERT ALEXY10 importante compreender que eles se convertem em problemas jurídicos,

quando a Constituição Federal submete a legislação e os poderes do Estado às normas de

direito fundamental, sob o controle de um Tribunal Constitucional. Ainda, segue dizendo que

os direitos fundamentais catalogados expressamente enfrentam o problema jurídico da

interpretação semelhante aos das formulações de direito positivo dotadas de autoridade,

focando-se a discussão sobre os direitos humanos e civis que, uma vez positivados, adquirem

vigência imediata.

10 Se convierten em problemas jurídicos cuando una Constituición – como la Ley Fundamental de la República Federal de Alemania (LF) – somete la legislación, el Poder Ejecutivo y el Poder Judicial a las normas de los derechos fundamentales, en tanto derecho de vigencia inmediata y ejerce un amplio control al respecto a través de um Tribunal Constitucional. Cuando se trata de um catálogo escrito de derechos fundamentales, el problema jurídico de los mismos es, por lo pronto, un problema de la interpretación de formulaciones del derecho positivo dotadas de autoridad. En este punto, no se diferencia de los problemas en general. Desde luego, si se echa una mirada a la discusión sobre los derechos fundamentales de la Ley Fundamental, se perciebe que la polémica acerca de los derechos humanos y civiles adquiere ciertamente un nuevo carácter en virtud de su positivización como derecho de vigencia inmediata, pero no por eso pierde en agudeza y profundidad. (Teoría de los Derechos Fundamentales. Versão castellana: Ernesto Garzón Valdés. Madrid : Centro de Estudios Políticos y Constitucionales, 2001, p. 21).

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Neste sentido, não se pode evitar ou negar a incidência dos princípios e objetivos

fundamentais durante as operações legislativas, administrativas e judiciais, posto que todo o

ordenamento jurídico infraconstitucional deva ser produzido, interpretado e aplicado sob a

orientação destes valores constitucionais, ou, então, estar-se-á com FERDINAND

LASSALE11 que alude à constituição escrita como uma “folha de papel”12, e que a

constituição real e efetiva é aquela representativa dos “fatores reais de poder” que regem a

sociedade (a perpetuação da opressão dos fortes e a submissão dos fracos).

A interpretação, portanto, segundo LUÍS ROBERTO BARROSO13, deve sempre se

iniciar pelos princípios constitucionais em razão de representarem a “ideologia” da

Constituição Federal, uma vez que o constituinte os elegeu

Como fundamentos ou qualificações essenciais da ordem jurídica que institui. A atividade de interpretação da Constituição deve começar pela identificação do princípio maior que rege o tema a ser apreciado, descendo do mais genérico ao mais específico, até chegar à formulação da regra concreta que vai reger a espécie. [...] De fato, aos princípios cabe, além de uma ação imediata, quando diretamente aplicáveis a determinada relação jurídica, uma outra, de natureza mediata, que a de funcionar como critério de interpretação e integração do Texto Constitucional.

Aprofundando-se no exame dos princípios fundamentais da cidadania e da dignidade

da pessoa humana, ante a topografia constitucional brasileira, mister esclarecer, primeiro,

seus conteúdos e, depois, os espectros das respectivas incidências, uma vez que nem todos os

princípios possuem o mesmo raio de atuação (princípios fundamentais, princípios gerais e

princípios setoriais ou especiais).

2.2.1. Cidadania e dignidade da pessoa humana

11 A Essência da Constituição. 4. ed.. Rio de Janeiro : Lumen Juris, 1998, p. 37. 12 Alusão à célebre frase de Frederico Guilherme IV, que disse: “Julgo-me obrigado a fazer agora, solenemente, a declaração de que nem no presente nem para o futuro permitirei que entre Deus do céu e o meu país se interponha uma folha de papel escrita como se fosse uma segunda Providência”. 13 Interpretação e Aplicação da Constituição. 2. ed.. São Paulo : Saraiva, 1998, p. 141-142.

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Mesmo com as críticas ao Texto Constitucional original, não se pode deixar de

reconhecer que sua promulgação concretizou ato de vontade política e se constituiu no

primeiro passo para construção de um Estado conformado com a vontade popular e, portanto,

democrático, que adotou a forma de governo republicana, o que autoriza dizer, como PINTO

FERREIRA14, que deve o Estado de Direito ter “por objetivo o bem comum”.

O Estado Democrático de Direito, anunciado pela Constituição Federal em seu art. 1º,

indica que a população deve ser sempre o núcleo das preocupações governamentais, o que

vem reforçado quando se constata que, além desta soleira determinação, há em todo o Texto

inúmeros direitos e garantias, individuais e coletivos (arts. 5º, 170, 225 etc.).

Sendo o “bem comum” o objetivo primordial da República Federativa do Brasil,

exigindo sua materialização o combate e a extirpação de qualquer representação de arbítrio,

de ameaça ou de lesão aos direitos e garantias constitucionais, conclui-se que estamos diante

de um Estado social caracterizado por prestigiar os direitos fundamentais como caminho para

a igualdade efetiva e para uma sociedade justa, sem as quais não há falar em democracia.

Sobre o aspecto positivo do pretendido Estado social, não se pode deixar de trazer ao

tema a exortação de PAULO BONAVIDES15 quando diz que

Esse estado social haverá então de escrever uma Constituição definitiva, que será substancialmente a Constituição do povo e da cidadania, unindo as três ordens do poder – a política, a econômica e a social – com a organização das liberdades públicas e a independência da Nação. Sem uma Constituinte do povo e sem uma Constituição emersa da legitimidade – tendo sido este em todas ocasiões o nosso argumento e discurso – o País verá Cartas e transições mas não verá jamais uma Constituição verdadeira, duradoura e eficaz. A Carta de 1988 vale por este aspecto: é um salvo-conduto para o País sair do arbítrio e caminhar rumo à legitimidade do futuro. Se ela for eficaz, a Nação estará salva. Em 5 de outubro de 1988, perempto o regime do decreto-lei, o Brasil promulgou no Planalto a maioridade da democracia representativa.

14 Comentários à Constituição Brasileira. São Paulo : Saraiva, 1989, vol. 1, p. 27. 15História Constitucional do Brasil. 3. ed.. Rio de Janeiro : Paz e Terra, 1991, p. 488-489.

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E nessa árdua missão, qual seja, a de ter uma “Constituição verdadeira”, que logo de

início a Constituição Federal traz, em seu art. 1º, a exortação de que a República Federativa

do Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos, entre

outros, a cidadania (inc. II) e a dignidade da pessoa humana (inc. III).

A cidadania aqui referida não deve ser entendida somente como possibilidade de

participação política (sentido estrito), consistente na escolha de representantes (cidadania

ativa) ou de ser escolhido como um deles (cidadania passiva), ou mesmo com a idéia ligada

ao status de nacional, como leciona MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO16, mas,

sim, como um dos princípios fundamentais informadores das relações sociais e jurídicas.

A cidadania, portanto, transcende a restrita participação no regime político, exigindo

para sua materialização que outros direitos e garantias fundamentais constitucionalmente

eleitos sejam respeitados, pois, conforme o caput do art. 5º da Constituição Federal, “todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade,

à segurança e à propriedade”, nos termos dos respectivos incisos, sem prejuízo do § 2º.

JOSÉ AFONSO DA SILVA17 anota que “a cidadania está aqui num sentido mais

amplo do que o de titular de direitos políticos. Qualifica o participante da vida do Estado,

reconhecendo o indivíduo como pessoa integrada na sociedade estatal (art. 5º, LXXVII)”, ou

seja, ainda que desprovido das cidadanias ativa e passiva tem direito ao “bem comum”. A

cidadania, como princípio fundamental, é integrada por um conjunto de direitos e garantias

constitucionais, sistematicamente organizado, de compulsória e irrestrita obediência, que visa

a possibilitar o exercício de atividades (p. ex.: profissionais) ou abstenção de comportamentos

(p. ex.: não se associar) que garantam a formação e o desenvolvimento dos atores das relações

sociais.

16 Ob. cit., p. 98-99. 17 Ob. cit., p. 106.

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A afirmação acima pode dar impressão de que cada um dos integrantes da sociedade

tem liberdade irrestrita. Mas não é assim na realidade. Na democracia, o limite para o

exercício de direitos está precisamente no respeito à liberdade alheia, ou seja, na própria

liberdade está contido o limite de seu gozo. Esta limitação, sem dúvida, deve vir claramente

demarcada pelo ordenamento jurídico (regras, princípios e procedimento) que, por sua vez,

deve atender às exigências constitucionais, tanto na forma como no conteúdo.

Assim, o Estado de Direito é um Estado constitucional, onde existe uma Constituição

Federal que serve de “ordem jurídico-normativa fundamental vinculativa” de todos os

poderes públicos, conforme preceitua JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO18,

pressupondo que a atividade legislativa e a aplicação das normas jurídicas se guiem no

sentido da consolidação, da preservação e do fortalecimento dos princípios fundamentais e

dos direitos e garantias individuais e coletivos.

Intimamente ligada à cidadania vem a dignidade da pessoa humana, que no dizer de

JOSÉ AFONSO DA SILVA19 é

Um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. ‘Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observam Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o seu amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer idéia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade humana à defesa dos direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trata de garantir as bases da existência humana.

Afirmando a influência deste princípio sobre a ordem normativa, diz esse autor que

Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos existência digna (art. 170), a ordem social visará à realização da justiça social (art. 193), a educação, o desenvolvimento da pessoas e seu preparo para o exercício da cidadania (art. 205) etc., não como meros enunciados

18 Ob. cit., p. 241. 19 Ob. cit. p. 106.

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formais, mas como indicadores do conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana.

Segundo CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS20, “a dignidade

da pessoa humana parece englobar em si todos aqueles direitos fundamentais, quer sejam os

individuais clássicos, quer sejam os de fundo econômico e social”, configurando verdadeira

obrigação do Estado em propiciar condições para que as pessoas se tornem dignas e que

somente se considerará cumprida quando houver ampliação das possibilidades reais do

exercício da liberdade.

MANOEL GONÇALVES FERREIRA FILHO21, a respeito deste princípio

fundamental, afirma que “para o direito constitucional brasileiro, a pessoa humana tem uma

dignidade própria e constitui um valor em si mesmo, que não pode ser sacrificado a qualquer

interesse coletivo”.

Neste raciocínio, os valores constitucionais da cidadania e da dignidade da pessoa

humana devem servir de paradigmas para a elaboração de conteúdos e execução de

comportamentos que possam produzir limitação ou restrição ao gozo de direitos e garantias

fundamentais na ordem econômica, social etc.

ALEXANDRE DE MORAES22, ao discorrer sobre a dignidade da pessoa humana,

reforça ser essencial que todo o ordenamento jurídico deve prestigiá-la, ainda que possíveis

algumas restrições, porém, sem que configure desrespeito aos direitos e garantias

fundamentais ou mesmo ao acervo moral do cidadão, dizendo que

Esse fundamento afasta a idéia de predomínio das concepções transpessoalistas do Estado e Nação, em detrimento da liberdade individual. A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo o estatuto

20 Ob. cit., p. 425. 21 Comentários à Constituição Brasileira de 1988. São Paulo : Saraiva, 1990, vol. 1, p. 19. 22 Direito Constitucional. 8. ed.. São Paulo : Atlas, 2000, p. 48.

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jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos.

GILMAR FERREIRA MENDES et alii23, discorrendo brilhantemente sobre a

“fundamentalidade material” dos direitos fundamentais, coloca em alto relevo o princípio da

dignidade da pessoa humana dizendo que ele “justifica o postulado da isonomia e que

demanda fórmulas de limitação do poder, prevenindo o arbítrio e a injustiça”.

O princípio da dignidade da pessoa humana, portanto, deve servir de inspiração para a

ordem jurídica, sendo correto afirmar que os direitos fundamentais espalhados pelo Texto

Constitucional estão sob a égide deste valor, real anteparo contra agressões a eles dirigidas.

Assim, cidadania e dignidade da pessoa humana se apresentam como valores constitucionais

indissociáveis entre si, influenciando outros valores e princípios constitucionais, emprestando

seus conteúdos ético-jurídicos para a elaboração legislativa, para a interpretação e para a

aplicação das normas jurídicas.

Depois da análise conceitual destes princípios, cumpre delimitar o alcance, segundo a

proposta de LUÍS ROBERTO BARROSO24, que classifica os princípios constitucionais,

segundo seu alcance e influência, em fundamentais, gerais e setoriais ou especiais.

Os princípios fundamentais, verdadeiros núcleos imodificáveis do sistema,

funcionando como limites às mutações constitucionais, são aqueles que contêm decisões

políticas estruturais do Estado, verdadeira síntese ou matriz de todas as restantes normas

constitucionais, que àquelas podem ser direta ou indiretamente reconduzidas. Incluem-se,

aqui, opção política pelo Estado unitário e federação, república ou monarquia,

presidencialismo ou parlamentarismo, regime democrático etc., sendo dotados de força de

expansão que possibilitam desdobramentos em outros princípios (cidadania e dignidade da

pessoa humana) e em “ampla integração infraconstitucional”.

23 Hermenêutica Constitucional e Direitos Fundamentais. Brasília : Brasília Jurídica, 2000, p. 116. 24 Ob. cit., p. 145-146.

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Já os princípios constitucionais gerais (princípios-garantia) representam

“especificações” ou “desdobramentos” dos princípios fundamentais, possuindo menor grau de

abstração e incidindo diretamente sobre situações jurídicas. Como exemplos, servem os da

legalidade, da isonomia, do juiz natural.

Os princípios setoriais ou especiais se circunscrevem a um conjunto específico de

normas deste ou daquele capítulo ou título da Constituição Federal, irradiando-se

limitadamente, porém de forma suprema.

O jurista fluminense25, ao findar a sistematização acima adotada, alerta para o “papel

prático dos princípios dentro do ordenamento jurídico constitucional”, ressaltando que

Cabe-lhes, em primeiro lugar, embasar as decisões políticas fundamentais pelo constituinte e expressar valores superiores que inspiram a criação ou reorganização de um dado Estado. Eles fincam os alicerces e traçam as linhas mestras das instituições, dando-lhes o impulso vital inicial. Em segundo lugar, aos princípios se reserva a função de ser o fio condutor dos diferentes segmentos do Texto Constitucional, dando unidade ao sistema normativo. Um documento marcadamente político como a Constituição, fundado em compromissos entre correntes opostas de opinião, abriga normas à primeira vista contraditórias. Compete aos princípios compatibilizá-las, integrando-as à harmonia do sistema. E, por fim, na sua principal dimensão operativa, dirigem-se os princípios ao Executivo, Legislativo e Judiciário, condicionando a atuação dos poderes públicos e pautando a interpretação e aplicação de todas as normas jurídicas vigentes.

Estes dois valores constitucionais, reconhecidamente caros à Nação brasileira, não

podem ser desprezados em momento algum, até porque não foi por acaso a inclusão no Título

I, sob a denominação de “Dos Princípios Fundamentais”, o que logicamente implica estes dois

princípios fundamentais como orientadores de todo o iter constitucional a ser percorrido, não

devendo o intérprete deles olvidar, sob pena de enveredar por trilhas não reconhecidas como

válidas pela ordem constitucional, o que será intolerável.

25 Ob. cit., p. 146.

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Obviamente, não se podem deixar à margem de qualquer análise dos fundamentos

constitucionais enumerados no art. 1º aqueles que ombreiam a cidadania e com a dignidade da

pessoa humana, mais precisamente a soberania (inc. I), os valores sociais do trabalho e da

livre iniciativa (inc. IV) e o pluralismo político (inc. V).

De início, afirma-se que não há democracia sem partidos políticos, não um ou dois,

mas, sim, uma pluralidade deles, desde que obedientes ao art. 17 da Constituição Federal.

A garantia constitucional do pluralismo político, ainda que sob as condições impostas

pela própria Constituição Federal, visa promover a democracia e a sua perene manutenção e

desenvolvimento, com liberdade limitada expressamente (art. 17, incs. I a IV e §§1º a 4º, da

CF). Essa permissão de participação política dos cidadãos de forma efetiva é um dos

fundamentos da liberdade que caracteriza o regime democrático, podendo haver agremiações

partidárias que tutelem interesses setoriais, como poderia haver um que se dedicasse

intensamente para a defesa do meio ambiente ou da saúde ou da educação etc.

A soberania é o Poder político supremo e independente que, respectivamente, não

encontra limitação na ordem interna nem admite submissão a governo ou organismos

estrangeiros, sendo que excepcionalmente poderá haver um temperamento nessa rigidez e o

que constará de tratados e convenções internacionais que, obviamente, para obter validade e

deter eficácia deverão estar animados pelo consenso (art. 1º, inc. I; art. 5º, §§ 2º ao 4º, ambos

da CF).

Importante aspecto esse da soberania, especialmente quando se vê o esgotamento dos

recursos ambientais vitais, a exemplo da água, forçando que se adotem medidas de

reaproveitamento ou restrição desse recurso ao uso destinado ao desfrute humano e suas

necessidades básicas. O temor, sem qualquer exagero, é que ocorra com o recurso hídrico o

que já vem acontecendo com o petróleo, uma vez que o ser humano também precisa de

energia e a escassez das fontes não renováveis tem provocado dissensos diplomáticos,

comerciais e, lamentavelmente, guerras.

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A confirmar essa assertiva, confira-se o art. 1º da Lei n. 9.433/1997 (Lei da Política

Nacional de Recursos Hídricos), que em seus incisos reconhece a água como “bem de

domínio público” [rectius: bem de uso comum], recurso natural “limitado, dotado de valor

econômico”, a exemplo do petróleo.

Acerca dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa, cumpre desde logo dizer

que não se trata somente de prestigiar a existência do emprego e o exercício do poder de

empreender, nos termos da lei. Mas, sim, e, sobretudo, garantir que essas possibilidades que a

cidadania reproduz sejam exercitadas de forma digna, tanto rendendo respeito, liberdade e

efetivação da dignidade do trabalhador quanto promovendo condições para que o exercício da

empresa, abrangendo ambos os fundamentos o empregado subordinado ao empregador e o

autônomo (art. 5º, XIII; arts. 6º ao 8º; e arts. 192 a 204, todos da CF).

2.2.2. Sociedade livre, justa e solidária

A pródiga Constituição Federal de 1988 inovou ao proclamar expressamente alguns

objetivos fundamentais do Estado brasileiro, interessando principalmente para o tema em

estudo o que determina a construção de uma sociedade livre, justa e solidária que, segundo

JOSÉ AFONSO DA SILVA26, deve servir de fundamento para a “concretização da

democracia econômica, social e cultural, a fim de efetivar na prática a dignidade da pessoa

humana”.

UADI LAMMÊGO BULOS27 relembra, com propriedade, que o destinatário dos

princípios e objetivos fundamentais é primordialmente o próprio Estado, dependendo dele a

ação conforme os ideais constitucionais, pois

A efetividade ou a realização prática deste art. 3º, como a dos demais dispositivos desta Constituição, dependerá, quase que exclusivamente, da atuação do Poder Público, destinatário imediato do comando constitucional em pauta. É utópica a afirmação de que as normas constitucionais são

26 Ob. cit., p. 107. 27 Ob. cit., p. 56.

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voltadas para o cidadão. Uma análise aguda dessa assertiva leva-nos à constatação de que as normas constitucionais são dirigidas, imediatamente ou primeiramente, ao Poder Público, incumbindo-lhe a verdadeira missão de executar, legislar e decidir acerca da matéria estabelecida na Constituição”.

A liberdade, então, deve permear toda a atividade política, social e jurídica, garantindo

a todos a possibilidade de exercer os direitos e garantias constitucionais, somente sendo

admissíveis as restrições que se harmonize com os princípios e objetivos fundamentais dos

arts. 1º e 3º da Constituição Federal.

CELSO RIBEIRO BASTOS e IVES GANDRA MARTINS28, emprestando à justiça o

caráter transcendental ao Direito, verdadeiro contraponto à injustiça, afirmam que “dar a cada

um o que lhe pertence parece constituir-se princípio mínimo para a convivência humana”,

sendo que o ônus de materializar esta máxima é do Estado, não podendo ele contrariá-la ou

mesmo se desincumbir dessa responsabilidade, porque “um valor não pode ser obtido pelo

esmagamento do outro”.

Negar liberdade ou tolerar injustiça pressupõe e resulta carência do valor

solidariedade consagrado constitucionalmente e que, diga-se, deve ir além do sentimento

subjetivo para com o próximo, funcionando na verdade como inibidor de situações

conflituosas que não sejam tuteladas pelo Estado em espaço legalmente previsto para a

solução de controvérsias, qual seja, o processo (exercício arbitrário das próprias razões,

cobrança de dívidas que exponha o devedor a constrangimento ou humilhação, apreensão de

bens para forçar o pagamento de impostos etc.).

Diante da vinculação do Estado de Direito Constitucional aos direitos fundamentais,

pertinentes as observações de GILMAR FERREIRA MENDES et alii29 de que

Essa vinculação do legislador aos direitos fundamentais pode vir a impor-lhe que assuma um comportamento positivo, tornando imperiosa a edição de normas que dêem regulamentação aos direitos fundamentais dependentes de concretização normativa. [...] A vinculação da Administração às normas de

28 Ob. cit., p. 444. 29 Ob. cit., p. 126-133.

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direitos fundamentais torna nulos os atos praticados com ofensa ao sistema desses direitos. [...] A vinculação das cortes aos direitos fundamentais leva a doutrina a entender que estão elas no dever de conferir a tais direitos máxima eficácia possível. Sob um ângulo negativo, a vinculação do Judiciário gera o poder-dever de recusar aplicação a preceitos que não respeitem os direitos fundamentais.

Vê-se, então, que os princípios e objetivos fundamentais esposados pela Constituição

Federal devem ser observados irrenunciavelmente na formação e na manutenção de relações

sociais e jurídicas, devendo a solução de conflitos de interesses ser informada por estes

valores fundamentais, sem prejuízo de que para a consolidação do Estado Democrático de

Direito é imperioso que o ambiente adequado para a discussão seja o processo, segundo

WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO30, porque

Um aspecto do direito na pós-modernidade que necessariamente haverá de ser examinado é o de sua crescente procedimentalização. Isso significa que a natureza dos problemas que se colocam para serem resolvidos pela regulamentação jurídica seria de um ineditismo e complexidade tal que o modo principal de resolver problemas jurídicos na modernidade, através da legislação, com suas normas gerais e abstratas, feitas a partir de espécies de fatos ocorridos no passado e para regular toda uma série indeterminada de fatos semelhantes a ocorrerem no futuro, mostra-se disfuncional. Daí a necessidade crescente de se desenvolver a dimensão processual do Direito, em que há normas para permitir, em toda e qualquer hipótese, a aplicação de outras normas para a solução dos problemas jurídicos, ainda que se tenha de lançar mão de normas sem uma referência direta a espécie de fatos, mas sim a valores, como é o caso das normas constitucionais consagrando direitos fundamentais, os princípios.

Os valores que animam os princípios constitucionais são opções políticas que, depois

de acolhidos formalmente por decisão do órgão competente (poder constituinte originário),

em razão do momento histórico-social, detêm relevância para a transformação social futura,

constituindo-se depois em diretrizes jurídicas que deverão ser respeitadas.

30 Teoria da Ciência Jurídica. São Paulo : Saraiva, 2001, p. 21.

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WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO31, ao discorrer sobre ser o Estado

Democrático de Direito uma “fórmula política da pós-modernidade”, revela de início que a

Constituição contém uma ideologia que influenciará a convivência política da respectiva

estrutura social, “tratando-se, portanto, do elemento caracterizador da Constituição, principal

vetor de orientação para a interpretação de suas normas e, através delas, de todo o

ordenamento jurídico”.

Neste desiderato de orientar a interpretação e aplicação das normas jurídicas, a

Constituição Federal, segundo JOSÉ JOAQUIM GOMES CANOTILHO32, exerce a função

de “revelação normativa de consenso fundamental de uma comunidade política relativamente

a princípios, valores e ideias directrizes que servem de padrões de conduta política e jurídica

nessa comunidade” e, referindo-se à Constituição Federal portuguesa de 1976, exemplifica

com “o princípio do Estado de direito, o princípio democrático, o princípio da socialidade, o

princípio republicano, o princípio da dignidade da pessoa humana”.

Revela-se, assim, a Constituição Federal como ordem jurídica fundamental com a

extrema função garantística, fixando ela o valor, a potência e a eficácia das demais normas,

hierarquizando-as.

Os demais objetivos fundamentais, a exemplo da garantia do desenvolvimento

nacional, a erradicação da pobreza e da marginalização, a redução das desigualdades sociais e

regionais e, finalmente, a promoção do bem de todos sem qualquer preconceito ou

discriminação, nos termos dos incs. II a IV, do art. 3º, da Constituição Federal, não se

realizarão sem que haja liberdade, justiça e solidariedade, consoante o inc. I.

Não se concebe, atualmente, que o desenvolvimento esteja circunscrito a determinada

parcela da sociedade, mas, sim, deve beneficiar a todos, indistintamente, ou seja, deve

31 Autopoiese do Direito na Sociedade Pós-Moderna. Porto Alegre : Livraria do Advogado, 1997, p. 29. 32 Ob. cit., p. 1334.

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prestigiar a nação brasileira. A pobreza e a marginalização, mazelas que se dispôs

constitucionalmente a dizimar e extinguir, não se conforma com o atual estágio das

desigualdades social e regional. A esses objetivos se encaixa perfeitamente como um dos

elementos integradores o meio ambiente hígido e ao alcance do uso e gozo de todos,

brasileiros e estrangeiros (art. 5º, da CF), de forma a proporcionar sadia qualidade de vida

para as presentes e futuras gerações (art. 225, da CF).

Demonstrada, assim, a supremacia dos direitos fundamentais, representados pelos

princípios e objetivos fundamentais, pelos princípios constitucionais expressos ou por aqueles

que decorram dos valores adotados pela Constituição Federal, sobre todo o ordenamento

jurídico, cumpre dar início à investigação sobre o meio ambiente como direito fundamental

para, depois de analisados os fundamentos históricos e políticos do princípio do poluidor-

usuário pagador, concluir por sua concretização.

2.2.3. Meio ambiente: direito fundamental

Reafirme-se o prestígio irrenunciável à exortação do art. 225 da Constituição Federal

que anuncia “que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso

comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à

coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

Essa afirmação constitucional não deve ser interpretada e acatada apenas considerando

o limite sintático (literal) de sua construção, mas, sim, merece sempre ser avaliada

compulsória e conjuntamente com os princípios e objetivos fundamentais gravados nos arts.

1º e 3º da Constituição Federal, sem prejuízo de outros valores constitucionalmente

consagrados, uma vez que não se pode interpretar o Direito fracionadamente, sob pena de ser

negada sua conformação sistêmica.

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Além do caráter sistêmico do ordenamento jurídico brasileiro, há de ser considerado,

segundo NORBERTO BOBBIO33, o componente histórico da evolução dos direitos humanos,

uma vez que “nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas”,

sendo que a doutrina estratifica essa progressão em “gerações”, outorgando-se aqui especial

atenção para aqueles de terceira geração, pois “o mais importante deles é o reivindicado

pelos movimentos ecológicos: o direito de viver num ambiente não poluído”, uma vez que

Os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído, não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de segunda geração, do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência) não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras Declarações setecentistas. Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos.

A primeira geração se caracteriza pela oposição à opressão do Estado sobre as

liberdades individuais: direito à vida, à liberdade, à propriedade, à segurança, incolumidade

física e psíquica (tortura), ao julgamento justo, ao habeas corpus, direito de religião, além da

garantia da isonomia, da vedação da prisão arbitrária, da liberdade de imprensa e de livre

expressão etc.

A segunda geração vem animada pela Revolução Industrial e a valorização do

trabalhador e da família: são os direitos econômicos, sociais e culturais, tais como, o direito à

seguridade social, à segurança no trabalho, ao emprego e ao amparo no desemprego, ao

salário justo, de sindicalizar, à proteção especial à maternidade e à infância, ao acesso à

educação pública, à proteção dos direitos autorais e às patentes.

A terceira geração adota o paradigma da solidariedade entre povos, inclusive

provocando nova análise do conceito de soberania, em favor das futuras gerações: são os

direitos à paz nacional e internacional, ao desenvolvimento das nações, ao meio ambiente etc.,

como reconhece ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE34 que

33 A Era dos Direitos. Rio de Janeiro : Camus, 1992, p. 5-7. 34 Direito Humanos e Meio Ambiente: paralelo dos sistemas de proteção internacional. Porto Alegre : Sérgio Antônio Fabris Editor, 1993, p. 199.

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A proteção ambiental e a proteção dos direitos humanos situam-se hoje, e certamente continuarão a situar-se nos próximos anos, na vanguarda do direito internacional contemporâneo. Estes dois domínios de proteção, ao fazerem abstração de soluções jurisdicionais e especiais (territoriais) clássicas do direito internacional público, nos incitam a repensar as próprias bases e princípios deste último, contribuindo assim à sua revitalização.

A quarta geração prestigia o avanço da tecnologia e sua aplicação em benefício do

homem: são direitos que envolvem , por exemplo, a biogenética, a manipulação das células

tronco, os transgênicos etc. E, com certeza, como já anotado, o desenvolvimento das relações

sociais provocará a consagração de outros direitos, inclusive como fundamentais, o que acaba

demonstrando ser um produto óbvio da evolução do homem em busca da existência feliz.

Dessa reafirmação histórica, lenta, gradual e progressiva, emolduram-se os direitos

fundamentais que, nas palavras de GILMAR FERREIRA MENDES35, “são, a um só tempo,

direitos subjetivos e elementos fundamentais da ordem constitucional objetiva”, pois

Enquanto direitos subjetivos, os direitos fundamentais outorgam aos titulares a possibilidade de impor os seus interesses em face dos órgãos obrigados. Na sua dimensão como elemento fundamentais da ordem constitucional objetiva, os direitos fundamentais – tanto aqueles que não asseguram, primariamente, um direito subjetivo quanto aqueloutros, concebidos como garantias individuais – formam a base do ordenamento jurídico de um Estado de Direito democrático.

Mas, para que esse direito fundamental ao meio ambiente possa produzir resultados

efetivos, impondo condutas ou abstenções e sancionando em caso de não atendimento, faz-se

necessário que haja uma correspondente juridicização, ou seja, uma positivação, consistente,

como no caso brasileiro, de previsões constitucionais e infraconstitucionais acerca de

determinadas obrigações (preservar o meio ambiente e reparar os danos), pois, segundo

GUIDO FERNANDES SILVA SOARES36

35 Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo : Saraiva, 2004, p. 2. 36 Direitos Humanos e Meio Ambiente. In: JUNIOR, Alberto do Amaral; PERRONE-MOISÉS, Cláudia (orgs.). O Cinqüentenário da Declaração Universal dos Direitos do Homem. São Paulo : Editora da Universidade de São Paulo, 1999, p. 124.

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O fato é que a proteção do meio ambiente, em definitivo, não é um subsistema de valores que se possa inferir, de maneira abstrata, de qualquer sistema jurídico. Na verdade, sem uma definição legal, ou sem uma declaração de ordem normativa, as normas de proteção ambiental inexistiriam, como inexistiam, nos séculos anteriores, seja nos ordenamentos internos dos Estados, seja no ordenamento internacional.

Por isso, a Declaração sobre o Meio Ambiente Humano, elaborada na Conferência de

Estocolmo em 1972, a qual o Brasil aderiu sem reservas, que prevê no Princípio 1 que “o

homem tem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao desfrute de condições de vida

adequada em um meio cuja qualidade lhe permite levar uma vida digna e gozar de bem-estar,

tendo a solene obrigação de proteger e melhorar esse meio para as gerações presente e futura

[...]”, somente poderia ter efeito concreto com a positivação operada pelo legislador brasileiro,

o que ocorreu com a edição da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente),

sendo que JOSÉ AFONSO DA SILVA37 anota com simplicidade que

A questão técnica que se apresenta na evolução das declarações de direitos foi a de assegurar sua efetividade através de um conjunto de meios e recursos jurídicos, que genericamente passaram a chamar-se garantias constitucionais dos direitos fundamentais. Tal exigência técnica, no entanto, determinou que o reconhecimento desses direitos se fizesse segundo formulação jurídica mais caracterizadamente positiva, mediante sua inscrição no texto das constituições, visto que as declarações de direitos careciam de força e de mecanismos jurídicos que lhe imprimissem eficácia bastante.

A Conferência de Estocolmo em 1972, citada por FÁBIO KONDER COMPARATO38

como a Convenção Relativa à Proteção do Patrimônio Mundial, Cultural e Natural, é

reverenciada como a precursora exortação oficial expressa acerca da importância do meio

ambiente como condição para a vida na Terra, tratando-se “do primeiro documento normativo

internacional que reconhece e proclama a existência de um ‘direito da humanidade’, tendo por

objeto, por conseguinte, bens que pertencem a todos o gênero humano” e, por isso, “não

podem ser apropriados por ninguém em particular”, referindo-se ao compromisso

intergeracional dizendo que

37 Ob. cit., p. 165. 38 Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2001, p.

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Os Estados em que tais bens se encontram são considerados como meros administradores fiduciários, devendo informar e prestar contas, internacionalmente, sobre o estado em que se encontram esses bens e sobre as providências tomadas para protegê-lo contra o risco de degradação natural ou social a que estão submetidos.

Posteriormente, com a elaboração de uma nova ordem constitucional, logrou-se elevar

o meio ambiente como um dos direitos fundamentais reconhecidos no art. 225 da Constituição

Federal de 1988, a exemplo da Constituição da República Portuguesa em 1976 que operou a

“constitucionalização de novos direitos fundamentais”, como assentam JOSÉ JOAQUIM

GOMES CANOTILHO e VITAL MOREIRA39.

Com a juridicização e a positivação operadas em órbita constitucional no art. 225, o

meio ambiente foi consagrado como direito fundamental no ordenamento jurídico brasileiro, o

que, segundo ANTÔNIO HERMAN VASCONCELOS BENJAMIM40, outorga-se ao

equilíbrio ecológico os atributos da “irrenunciabilidade, inalienabilidade e

imprescritibilidade”.

Segundo esse autor, a irrenunciabilidade vem denunciada pela impossibilidade da

renúncia à obrigação de preservar, recuperar, restaurar e indenizar, não se admitindo que o

infrator alegue direito de degradar por omissão ou até mesmo aceitação, expressa ou implícita,

dos prejudicados ou de seus porta-vozes institucionais, como a Administração, as ONGs e o

Ministério Público. Já a inalienabilidade vem escorada na titularidade pulverizada,

constitucionalmente coletivizada, não se podendo aceitar a alienação individual ou coletiva

diante da qualificação supraindividual do bem constitucional. A imprescritibilidade deriva do

perfil intertemporal ou atemporal desse direito fundamental, uma vez que entre os seus

beneficiários estão, além desta, as futuras gerações, sendo um despropósito defender que

aquilo que não pode ser ativamente alienado admita alienação passiva, em decorrência do

passar do tempo.

39 Fundamentos da Constituição. Coimbra : Coimbra Editora, 1991, p. 37. 40 Direito Ambiental Constitucional Brasileiro. In: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; LEITE, José Rubens Morato (orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo : Saraiva, 2007, p. 98-100.

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Inegável, portanto, a inclusão da garantia ao meio ambiente equilibrado no rol dos

direitos fundamentais, tanto no plano internacional quanto no nacional, especialmente neste,

uma vez que a inviolabilidade do direito à vida (art. 5º, caput) e a dignidade da pessoa

humana (art. 1º, inc. III) se apresentam como componentes imprescindíveis do núcleo do

sistema de garantias constitucionais de um Estado de Direito Democrático.

A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou esse entendimento no

julgamento do Mandado de Segurança n. 22.164-0/SP41, relatado pelo Ministro Celso de

Mello, em que se proclamou que

Os preceitos inscritos no art. 225 da Carta Política traduzem a consagração constitucional, em nosso sistema de direito positivo, de ma das mais expressivas prerrogativas asseguradas às formações sociais contemporâneas. Essa prerrogativa consiste no reconhecimento de que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Trata-se, consoante já o proclamou o Supremo Tribunal Federal (RE 134.297-SP, rel. Min. Celso de Mello) [ADI-MC 3540-DF, rel. Min. Celso de Mello), de um típico direito de terceira geração que assiste, de modo subjetivamente indeterminado, a todo o gênero humano, circunstância essa que justifica a especial obrigação – que incumbe ao Estado e à própria coletividade – de defendê-lo e preservá-lo em benefício das presentes e das futuras gerações, evitando-se, desse modo, que irrompam, no seio da comunhão social, os graves conflitos intergeneracionais marcados pelo desrespeito ao dever de solidariedade na proteção da integridade desse bem essencial de uso de tantos quantos compõem o grupo social (Celso Lafer, A reconstrução dos Direitos Humanos, pp. 131-132, Companhia das Letras). [...] Com efeito, um novo pólo jurídico de alforria do homem se acrescenta historicamente aos da liberdade e da igualdade. Dotados de altíssimo teor de humanismo e universalidade, os direitos de terceira geração tendem a cristalizar-se neste fim de século enquanto direitos que não se destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um determinado Estado. Tem primeiro por destinatário o gênero humano mesmo, num momento expressivo de sua afirmação como valor supremo em termos de existencialidade concreta. Os publicistas e juristas já os enumeram com familiaridade, assinalando-lhes o caráter fascinante de coroamento de uma evolução de trezentos anos na esteira da concretização dos direitos fundamentais. Emergiram eles da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio ambiente, à comunicação e ao patrimônio comum da humanidade. [...] A preocupação com a preservação do meio ambiente – que hoje transcende o plano das presentes gerações, para também atuar em favor de gerações futuras – tem constituído objeto de regulamentações normativas e proclamações jurídicas que, ultrapassando a

41 BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Mandado de Segurança n. 22.164. Tribunal Pleno, Brasília, DF, 30 de outubro de 1995. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Diário da Justiça, Poder Judiciário, Brasília, DF, 17 nov. 1995, p. 39206.

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província meramente doméstica do direito nacional de cada Estado soberano, projetam-se no plano das declarações internacionais que refletem, em sua expressão concreta, o compromisso das Nações com o indeclinável respeito a esse direito fundamental que assiste toda a humanidade. A questão do meio ambiente, hoje, especialmente em função da Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente (1972) e das conclusões da Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio de Janeiro/92), passou a compor um dos tópicos mais expressivos da nova agenda internacional (Geraldo Eulálio do Nascimento Silva, ‘O direito ambiental internacional’, in Revista Forense 317/127), particularmente no ponto em que se reconheceu ao Homem o direito fundamental à liberdade, à igualdade e ao gozo de condições de vida adequadas, em ambiente que lhe permita desenvolver todas as suas potencialidades em clima de dignidade e de bem-estar.

À guisa de conclusão, registre-se que na ordem internacional, desde a precursora

Magna Carta de 1215, declarada por João da Inglaterra ou João Sem-Terra, até a Convenção

Americana de Direitos Humanos de 1969, conhecida como Pacto de San José da Costa Rica,

ao qual aderiu o Brasil em 1992, com algumas restrições42, o matiz das questões ambientais

não era considerado como fator importante para o reforço e a evolução das garantias da

liberdade e da igualdade, mesmo na visão individualista. Contudo, com o crescente processo

de industrialização e as conseqüências advindas dinâmica das relações de trabalho, fatores

embrionários da sociedade de massa, viu-se que não seria possível continuar mantendo as

mesmas condições de habitabilidade e de desenvolvimento (sentido amplo) em um ambiente

desfavorável, tanto pela iminente escassez de recursos naturais quanto pela diminuição da

qualidade de vida humana diante das condições do ambiente artificial.

Esse desenrolar de fatos históricos, a exemplo da revolução industrial, das grandes

guerras mundiais e da corrida pelo poderio bélico nuclear, despertou a atenção para novos

“carecimentos” e anseios do homem, daí surgindo reclames para além da liberdade e da

igualdade, uma vez que essas típicas heranças do liberalismo que já se mostram insuficientes

42 A adesão é datada de 25.09.1992, com ressalvas à cláusula facultativa do art. 45, 1º, que trata da competência da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para analisar queixas apresentadas por outros Estados sobre o descumprimento das obrigações impostas pela Convenção. Outra ressalva foi relativa à cláusula facultativa do art. 62, 1º, que trata da jurisdição obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos. A Convenção foi promulgada no Brasil pelo Decreto n. 678, de 06.11.1992, sendo que pelo Decreto Legislativo n. 89, de dezembro de 1998, o Congresso Nacional aprovou “a solicitação de reconhecimento da competência obrigatória da Corte Interamericana de Direitos Humanos para fatos ocorridos a partir do reconhecimento, de acordo com o previsto no parágrafo primeiro do art. 62 daquele instrumento internacional”.

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em si para que garantam a vida humana animada pela dignidade e pela solidariedade entre os

homens e as nações.

Diante dessa quadra internacional e sobre a influência de acontecimentos históricos,

sociais e políticos internos, estes emoldurados pela reinstalação da democracia, não se pode

escapar da conclusão acerca da consagração do meio ambiente ecologicamente equilibrado

como típico direito humano de terceira geração e um dos direitos fundamentais na ordem

constitucional brasileira, sendo uma realidade que se impõe juridicamente por meio da

positivação materializada na Constituição Federal de 1988 que, nesse aspecto, é exuberante,

sem prejuízo da abrangente legislação infraconstitucional.

A Constituição Federal brasileira, portanto, como norma positiva de ascendência

superior, institui o regime democrático como garantia das liberdades individuais, inclusive

limitando-as em alguns casos para o benefício da coletividade, bem como contendo o Poder

Estatal no exercício da administração dos interesses nacionais, visando preservar a liberdade

individual e a igualdade.

Além das funções de garantir ações e impor abstenções a Constituição Federal de 1988

exige que a sociedade e o Estado promovam conjuntamente a realização da cidadania e da

dignidade da pessoa humana, animados pelos princípios da solidariedade e da

responsabilidade, no sentido de concretizar um meio ambiente hígido capaz de suprir as

necessidades para a manutenção e desenvolvimento da vida em todas as suas formas.

Nessa tarefa específica concernente à promoção do meio ambiente ecologicamente

equilibrado como direito humano fundamental, a ressonância produzida pela positivação no

ordenamento jurídico brasileiro dessa garantia irrenunciável, inalienável e imprescritível vem

tatuada indelevelmente pela cláusula do “bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de

vida”.

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CAPÍTULO III

PRINCÍPIO DO USUÁRIO-POLUIDOR-PAGADOR:

GÊNESE E CONCRETIZAÇÃO

3.1. Origem

Nos tempos primitivos o homem tinha uma relação mística com a natureza,

entendendo-a hostil contra si em razão das catástrofes naturais que o assombravam ou

assolavam (eclipses, tempestades, maremotos, terremotos etc.). Era o homem em estado de

resignação diante do poder incontrolável e da incompreensão que detinha acerca dos

fenômenos naturais, que no mais das vezes eram encarados com temor e como sinais divinos

da insatisfação dos deuses.

Partindo em direção ao tempo em que eclodiu a Revolução Industrial o homem foi

gradativamente acumulando conhecimentos científicos suficientes para iniciar uma revisão de

sua compreensão da natureza, abandonando aos poucos a relação entre a crença religiosa e os

fenômenos naturais. Iniciou-se com o progresso do pensamento humano uma rudimentar

tentativa de dominação da natureza, o que resultou na submissão de parcela dos recursos

naturais ao serviço da satisfação das necessidades humanas.

Surge, assim, o predador humano, crente da inesgotabilidade dos recursos naturais,

inebriado pela abundante disposição na natureza de recursos renováveis e não renováveis.

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Essa postura de dominação e descaso, segundo MARIA ALEXANDRA DE SOUSA

ARAGÃO1, edificou alguns “obstáculos epistemológicos” no estudo científico da natureza,

sendo o primeiro deles a clássica distinção entre “bens livres” e “bens econômicos”.

Os bens econômicos seriam aqueles aptos a satisfazer necessidades humanas e se

caracterizam pela escassez. As suas três características essenciais são a utilidade, a escassez e

a acessibilidade. De acordo com a oferta e a procura desses bens eles se tornam raros e caros,

sendo o preço de mercado um fator condicionante do maior ou menor consumo. Na relação

entre os homens a apropriação desses recursos gera conflitos de interesses.

Os bens livres, por sua vez, também seriam úteis e em muitos casos satisfazem

necessidades vitais. A principal característica, segundo aquela visão, era a sua infinita

abundância que seria capaz de satisfazer sem qualquer restrição (quantitativa, monetária etc.)

toda a procura que lhes fosse dirigida. Acreditava-se que a relação dos homens em torno

desses bens não geraria conflito, uma vez que não havia limites objetivos à sua utilização e

poderiam ser consumidos à saciedade.

O segundo obstáculo, conforme a doutrinadora lusitana, assentava-se na concepção do

homem de que os bens livres eram considerados como res nullius (coisa de ninguém) ou res

communes (coisa que não se pode excluir da utilização por outros), ou seja, bens sobre os

quais não recaem direitos reais definidos, não pertencendo a ninguém, sendo livre o acesso e o

gozo por parte de todos. Porém, ninguém seria responsável pela utilização ou pela

degradação.

Em verdade, essa classificação dos bens livres como res nullius ou res communes

apresenta-se inadequada, uma vez que esses bens devem ser rotulados como res omnium, ou

seja, coisas a todos pertencentes.

1 O Princípio do Poluidor Pagador. Coimbra : Coimbra Editora, 1997, p. 20-27.

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O terceiro obstáculo, por fim, seria a concepção de res derelictae, ou seja, aqueles

abandonados por seus proprietários e que ninguém os ocupa ou deles se apropria, uma vez

que não são considerados aptos a satisfazer necessidades. É exemplo clássico os resíduos

lançados na atmosfera e os esgotos dirigidos aos cursos d’água.

Para a res derelictae, que também é res nullius, a atenção dispensada pelo modelo

clássico de produção apenas considerava a produção, a distribuição e o consumo, não se

importando com a destinação dos resíduos produzidos durante todo o ciclo. Vigorava, assim,

a irresponsabilidade pela degradação, pela emissão ou abandono.

Obviamente, essa concepção acerca dos bens econômicos e dos bens livres não mais

se sustenta, principalmente quando se percebe a redução de oferta dos recursos naturais

renováveis, que se regeneram com velocidade inferior à da progressão das necessidades

humanas, sem se falar naqueles não renováveis.

Essa constatação de que a vida na Terra está caminhando na direção do esgotamento

dos recursos naturais, renováveis ou não, foi o primeiro passo para a superação dos

ultrapassados conceitos acerca dos bens econômicos e bens livres. Aqui ocorrer uma

passagem da res nullius ou da res communes para a res omnium, promovendo o despertar para

a preservação das condições de vida humana em todas as suas formas, possibilitando que

ocorra a perpetuação da vida e inaugurando a idéia da responsabilidade intergeracional2 para

que se preserve o bem de todos, propiciando que todos tenham acesso, pois3

Da idéia de patrimônio comum da Humanidade, podemos retirar duas conseqüências: primeiro, que sobre esses recursos existe uma espécie de comunhão geral, uma sobreposição e um paralelismo de direitos absolutos, cuja finalidade é a satisfação tanto de interesses colectivos como de individuais; segundo que as gerações actuais os detêm apenas a título fiduciário. A responsabilidade fiduciária das gerações presentes perante as futuras significa que os recursos devem ser deixados, às futuras gerações, tal como foram encontrados, preservando tanto a variedade, como a abundância como ainda a própria qualidade ou estado de conservação dos bens.

2 Ibidem, p. 30. 3 Ibidem, p. 31.

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Surge, então, a concepção de que não somente a preservação dos recursos naturais é

útil para o atendimento das necessidades humanas, mas, também, que a recuperação do que

foi degradado é uma imposição para que tanto esta como as futuras gerações possam manter

uma qualidade de vida com saúde e bem estar.

Com isso, não mais podem subsistir a gratuidade na utilização sem a adoção de

medidas preventivas ou a impunidade na degradação dos recursos naturais.

3.2. A teoria econômica das externalidades

Reportando-se aos “obstáculos epistemológicos” e aos passos para a respectiva

superação, MARIA ALEXANDRA DE SOUZA ARAGÃO4 afirma que a teoria das

externalidades permitiu efetivamente ultrapassar a concepção de res derelictae, último

daqueles obstáculos, rememorando que5

Um contributo teórico que permitiu avançar significativamente na compreensão dos fenômenos de delapidação do ambiente, como a poluição, foi dado já em 1890, por Marshall, com o conceito de externalidade estudado em 1920 por Pigou, no contexto teórico da economia do bem estar e criticada mais tarde, em 1960, por Coase. Marshal constatou que o preço de mercado dos bens pode não reflectir fielmente os verdadeiros custos ou benefícios resultantes da sua produção ou do seu consumo. [...] Como já referimos, os efeitos sociais secundários da produção ou do consumo tanto podem ser positivos (favoráveis, representando ganhos para os terceiros), como negativos (desfavoráveis, importando perdas para os terceiros), mas têm, em qualquer caso, côo característica essencial o facto de não serem espontaneamente considerados nem contabilizados nas decisões de produção ou de consumo de quem desenvolve a actividade que os gera. Nisto consistem os efeitos externos ao mercado, ou simplesmente as externalidades de uma dada actividade econômica.

As externalidades são, portanto, a representação concreta dos benefícios ou dos custos

originados com a produção ou consumo de bens e serviços, que ora podem gerar benefícios

(positivas) ora prejuízos (negativas).

4 Ibidem, p. 33. 5 Ibidem, p. 31-32.

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Para o estudo do princípio do poluidor-usuário-pagador interessa primordialmente a

externalidade negativa, que ocorrem quando os custos sociais da produção de bens ou

serviços não são considerados para o cálculo econômico do respectivo valor do bem posto em

circulação, o que gera produção acima do suportado social e ambientalmente expondo a riscos

e danos o equilíbrio ecológico.

Há, portanto, uma dicotomia entre os custos privados e custos sociais, sendo que

quando ocorre divergência entre esses custos há necessidade de internalizar a diferença. No

caso das externalidades ambientais negativas a internalização deve promover a inserção dos

prejuízos sociais nos custos de produção, objetivando que a atividade econômica seja

estabelecida em níveis tais que se aproximem do ótimo socialmente.

Com clareza e simplicidade, GERALDO MÜLLER6 comenta as influências que a

cadeia produtiva agrícola sofre das exigências de mercado, especialmente as de caráter

ambiental, afirmando que “o tratamento dado aos efeitos do funcionamento do mercado sobre

nossa vida recebe em economia a designação de externalidades” e, citando Heilbroner,

exemplifica

[...] altas contas de lavanderia e de serviços de saúde dos residentes de Pittsburgh antes que a poluição das usinas siderúrgicas fosse controlada. Esses custos são “externos” na medida em que, diferentemente dos custos “internos” do trabalho e da matéria-prima, pagos pelas siderúrgicas, os custos da poluição são “pagos” pela produção externa do processo de produção. Dessa forma, os produtores de aço não têm incentivo para reduzir a poluição, já que não pagam as contas de lavanderia e de serviços de saúde por eles provocados.

E completa afirmando que “em princípio, não existe nenhum ato de produção que não

tenha efeitos externos, positivos ou negativos” e que a internalização dos custos externos por

meio da adoção de tecnologias ou práticas “limpas” pode ser mais barato que o resultado final

obtido com métodos ambientalmente inadequados somados com “a conta da lavanderia”

arcada pela população atingida, pois

6 Economia & Ecologia e Agricultura Sustentável. Rio Claro, jul. 1999. Disponível em:<http://www.rc.unesp.br/igce/planejamento/publicacoes/TextosPDF/GMuller02.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2007.

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O mecanismo de mercado, prossegue Heilbroner, não serve adequadamente a um dos propósitos a que se propõe, qual seja, o de apresentar à sociedade uma avaliação acurada dos custos relativos de produzir coisas. Suponhamos que existam duas maneiras de produzir aço, uma delas limpa, mas cara, e a outra, poluidora, mas barata. A concorrência levará os produtores a escolher a mais barata e alguém dirá que o mercado ajudou a sociedade a aumentar a eficiência de suas operações. No entanto, se as contas de lavanderia e de serviços de saúde fossem acrescentadas ao custo de produção, pode ser que o processo mais limpo fosse o mais barato.

Partindo-se da premissa maior de que onde houver produção haverá custos externos,

ou seja, externalidades positivas ou negativas, e adotando-se como premissa menor que as

externalidades negativas são suportadas pela população em geral, indistintamente, uma vez

que até mesmo os beneficiados com o processo produtivo são afetados, forçoso concluir que

nessa dinâmica sócio-econômica haverá uma permanente tensão entre os interesses privados

(setor produtivo) e os interesses públicos (lato sensu).

A guisa de esclarecimento, deve ser dito que os interesses públicos referidos acima

como afetados pelos custos externos das atividades produtivas devem ser compreendidos, e a

isto está reservado um espaço adiante, como sendo interesses difusos, uma vez que o próprio

Estado também se apresenta como um agente de produção de obras e serviços, o que

comprova que a dicotomia entre o público e o privado não pode ser aceita como satisfatória.

3.3. Dicotomia público e privado e outras categorias de interesses

Para a análise das categorias de interesses juridicamente relevantes, dentre eles, os

interesses públicos e os interesses privados, que dominaram absolutos o discurso jurídico até

meados do século passado como legado do pensamento liberal, bem como dos interesses

transindividuais ou metaindividuais, de presença mais recente na dialética jurídica moderna,

não se pode deixar de enfrentar, ainda que brevemente, a historicidade que permeia essa

construção doutrinária que lança sobre a realidade da vida humana moderna um novo olhar,

mais abrangente e mais inclusivo.

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O processo de transição do Estado liberal para o Estado social reafirma a conhecida

máxima segundo a qual o valor dos bens da vida não são intrínsecos, mas, sim, exogenamente

inseridos por seus pretendentes, detentores, proprietários ou meros interessados. Pode se dizer

que a outorga de valor a determinado bem da vida é produto da influência de determinado

momento histórico, social e político de uma dada sociedade.

Atualmente, bem se sabe, determinados bens estão sendo impregnados positivamente

de valores mundialmente ansiados, como a preservação do meio ambiente, diante do

reconhecimento de serem finitos os recursos naturais e das inúmeras reações danosas que têm

assolado diversas coletividades, fronteiriças ou não, causadas pela pressão sobre os mais

variados ecossistemas, provocando agravos à saúde humana.

A instalação do modelo liberal, referenciado pela Revolução Francesa7, em 1789,

calca-se primordialmente nos princípios da liberdade individual e da separação dos poderes,

afirmando que ao Estado cabe respeitar a liberdade individual, abstendo-se de qualquer

intervenção que possa limitar essa garantia.

Com a queda da Bastilha, a burguesia ascendeu ao topo das castas sociais francesas e,

detendo os meios de produção e ávida por afastar o poder opressor da nobreza e do clero,

praticamente formatou o Estado liberal para servir aos objetivos exigidos naquele momento

histórico, quais sejam: a priori, conter a intromissão e a investida do poder estatal na vida dos

indivíduos, tripartindo-o em seguida na tentativa de efetivar a almejada contenção.

Emerge, também nesse momento, o expresso reconhecimento de que “os homens

nascem e permanecem livres e iguais em direitos”, conforme a Declaração dos Direitos do

Homem e do Cidadão, em seu art. 1º. Positiva-se, assim, de alguma forma, o princípio da

igualdade.

7 Adota-se a Revolução Francesa apenas como uma das referências do modelo liberal e pela importância histórica emprestada ao ocorrido, não se olvidando de outros movimentos sociais de similar importância e até mesmo precedentes, como a Magna Carta Inglesa em 1215, a Declaração dos Direitos da Virgínia e a Declaração de Independência dos EUA em 1776 e a Constituição dos Estados Unidos da América em 1787.

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De outro lado, esse perfil de Estado liberal não tem em seus fundamentos qualquer

intenção ou obrigação de atuar, direta ou indiretamente, visando conceder ao indivíduo algo

além da preservação de sua individualidade, objetiva8 (incolumidade física, propriedade

privada etc.) ou subjetiva9 (crença, pensamento etc.). São os conhecidos “direitos humanos de

primeira geração”, segundo NORBERTO BOBBIO10.

Em suma: o Estado liberal é animado pela abstenção, sendo seu principal fundamento

evitar as que liberdades individuais sejam cerceadas. Dessa forma, o desiderato é

exclusivamente proteger o indivíduo egoisticamente considerado, nem se cogitando ser papel

estatal o reconhecimento, a declaração e a concretização de outros direitos e garantias, posto

que suficientes a liberdade e a igualdade.

A respeito da liberdade e da igualdade no Estado liberal, aquela ilusória e esta apenas

formal, PAULO BONAVIDES11 acresce em sua observação uma outra exortada por Alfred

Vierkandt que, em radical e emblemática afirmação sobre o liberalismo, afirma

Mas, como a igualdade a que se arrima o liberalismo é apenas formal, e encobre, na realidade, sob seu manto de abstração, um mundo de desigualdades de fato – econômicas, sociais, políticas e pessoais –, termina “a apregoada liberdade, como Bismark já o notara, numa real liberdade de oprimir os fracos, restando a estes, afinal de contas, tão-somente a liberdade de morrer de fome”.

O início da decadência do liberalismo pode ser atribuído, entre outras causas, à

insatisfação do proletariado com a situação de absoluta exclusão política, o que impedia que

outros direitos fossem reconhecidos legal e legitimamente.

Os direitos políticos são os mais almejados por aquela parcela da sociedade que,

segundo o liberalismo, detém igualdade e liberdade suficientes em si para que alcance a

8 Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, artigos 2º, 4º, 7º, 8º, 9º e 17. 9 Idem, artigos 10 e 11. 10 A Era dos Direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro : Campus, 1992, p. 4-6. 11 Do Estado Liberal ao Estado Social. 7 ed. São Paulo: Malheiros. 2004, p. 61.

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“felicidade”, conforme o preâmbulo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão12. A

crise do liberalismo se consolida quando não consegue proporcionar àquela maioria de

desvalidos uma determinada emancipação econômica.

Assim, sem participação política efetiva e inviabilizada a apropriação de parte da

riqueza que ajuda a produzir, aquela conformação de liberdade e de igualdade imposta

restritivamente pela doutrina liberal se apresenta insuficiente.

Concomitantemente, os detentores dos meios de produção percebem que para se

manter o status quo – ou ao menos tentar – é necessário proteger, de alguma forma, ainda que

timidamente, aquela força de trabalho que os serve, até mesmo em razão da exploração da

mão-de-obra para a geração de riqueza. Portanto, amplia-se a participação do proletariado nas

decisões políticas, franqueando-se a sua participação nos sufrágios.

Avançando na luta entre o capital e o trabalho, percebe-se que o singelo e formal

direito ao voto não é eficiente. Há a necessidade de uma legislação que amorteça as diferenças

sociais, econômicas e políticas, prevendo algumas garantias e direitos que transcendam a

individualidade e beneficiem a coletividade (educação, saúde, segurança etc.) ou categorias

determinadas (trabalho, previdência etc.). A Revolução Industrial é a referência desse

processo13. São os “direitos humanos de segunda geração”.

Aqui, o Estado liberal cede espaço e ensaia a abertura para o Estado social.

12 Os representantes do povo francês, constituídos em Assembléia nacional, considerando que a ignorância, o esquecimento ou o desprezo dos direitos do homem são as causas únicas da infelicidade pública e da corrupção dos governos, resolvem expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que esta declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo social, lhes lembre sem cessar seus direitos e seus deveres, a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser a cada instante comparados com a meta de toda instituição política, sejam mais respeitados, a fim de que as reclamações dos cidadãos, fundadas de agora em diante sobe princípios simples e incontestáveis, se destinem sempre à manutenção da constituição e à felicidade de todos. Por conseguinte, a assembléia Nacional reconhece e declara, em presença e sob os auspícios do Ser Supremo, os seguintes direitos do homem e do cidadão: 13 Não se olvide da contribuição da Constituição Mexicana de 1917, da Constituição de Weimar de 1919 e das Constituições da Polônia e Iugoslávia de 1921.

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A doutrina social, que não se deve confundir com o socialismo político, pois o Estado

social pode co-existir com regimes capitalistas, assume um papel mais abrangente que

liberalismo, caracterizando-se como um Estado intervencionista, sem desprezar que os

direitos individuais devem ser preservados e reforçados.

O intervencionismo da doutrina social, portanto, é aquele que, além de respeitar os

direitos e garantias individuais, bem como manter a tripartição de funções estatais, busca

ampliar o rol de benefícios que transcendam o indivíduo e privilegiem a coletividade, mesmo

que para isso seja necessário limitar liberdades individuais.

Nesse momento, a atuação estatal dá início ao preenchimento de um vazio existente

entre o interesse público e o interesse privado, inserindo ou desvendando nesse espaço os

interesses coletivos.

A Segunda Grande Guerra Mundial é o evento histórico que identifica definitivamente

essa modificação de perspectiva quanto aos anseios sociais, que não possam mais ser

alcançados sob o ideário dogmático instalado pelo binômio público e privado, conforme

salienta CELSO ANTÔNIO PACHECO FIORILLO14.

A prestação positiva do Estado, portanto, inclina-se no sentido de proporcionar à

coletividade condições mínimas de qualidade de vida, garantindo níveis mínimos de aceitação

para saúde, educação, segurança etc. Entre essas garantias, desponta aquela relativa ao meio

ambiente, sua preservação e recuperação. Exemplo clássico e típico dos “direitos humanos de

terceira geração”.

Diante dessa transformação de paradigmas, nem mesmo os ordenamentos jurídicos de

tradição romanística, como o brasileiro, resistiram à apreensão de que não havia outros

interesses no espaço inexplorado entre o interesse público e o interesse privado.

14 Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4. ed. São Paulo : Saraiva. 2003, p. 3.

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Com essa nova concepção mais abrangente dos interesses juridicamente relevantes, o

conceito de interesse público se tornou inadequado e, segundo HUGO NIGRO MAZZILLI15,

mais do que isso, acabou se transformado em uma expressão que é entendida como a

“contraposição do interesse do Estado ao interesse do indivíduo”. De outro lado, esse

interesse público também se apresenta com significação “equívoca”, pois, “passou a ser

utilizada para alcançar também os chamados interesses sociais, os interesses indisponíveis do

indivíduo e da coletividade, e até os interesses coletivos, os interesses difusos etc.”16.

Para CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO17, que enaltece a importância

jurídica do entendimento acerca do interesse público, antes de propor que seja conceituado

como “o interesse resultante do conjunto dos interesses que os indivíduos pessoalmente têm

quando considerados em sua qualidade de membros da Sociedade e pelo simples fato de o

serem”, alerta que18

Ao se pensar em interesse público, pensa-se, habitualmente, em uma categoria contraposta à de interesse privado, individual, isto é, ao interesse pessoa de cada um. Acerta-se em dizer que se constitui no interesse do todo, ou seja, do próprio conjunto social, assim como acerta-se também em sublinhar que não se confunde com a somatória dos interesses individuais, peculiares de cada qual. Dizer isto, entretanto, é dizer muito pouco para compreender-se verdadeiramente o que é interesse público.

Até mesmo o interesse público já foi questionado em razão de uma dicotomia interna,

qual seja, a de ser classificado em duas vertentes: a do interesse público primário e a do

interesse público secundário, segundo RENATO ALESSI19. Aquele é o que ostenta o

interesse social e que visa ou é o próprio bem geral da coletividade, a exemplo do direito

difuso ao meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este, por sua vez, é o modo pelo qual o

órgão da administração vê o interesse público. Como ressabido, nem sempre o interesse

público primário é atendido pelo secundário, o que já torna a expressão insuficiente diante

desse conflito.

15 A Defesa dos Interesses Difusos em Juízo: meio ambiente, consumidor, patrimônio cultural, patrimônio público e outros interesses. 16. ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 43. 16 Ob. cit., p. 44. 17 Curso de Direito Administrativo. 15. ed. São Paulo : Malheiros, 2003, p. 50. 18 Ob. cit., p. 53. 19 Sistema Istituzionale del Diritto Amministrativo Italiano. 2. ed. Milão : Giuffrè, 1960, p. 197-198.

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Esse equívoco semântico e pragmático que assola o interesse público se deve ao fato

de que nessa zona intermediária entre o público e o privado estão assentados outros interesses

que não são propriamente estatais e também se conformam como mais do que simplesmente

individuais, alcançando toda a coletividade indistintamente, alguns grupos, determinadas

classes e específicas categorias de pessoas.

Ciente dessa insuficiência conceitual e que transborda para a seara jurídica sem

qualquer intervalo, uma vez que na sociedade de massa não se isolam os interesses em duas

categorias estanques e absolutas, surge a necessidade de se regular algumas relações muito

próprias dessa quadra histórico-jurídica, sendo que no direito positivo brasileiro, atendendo ao

reclame da Constituição Federal de 1988, a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do

Consumidor) enumerou essas “novas” categorias de interesses, como sendo difusos, coletivos

e individuais homogêneos, tratando de incrementar a proteção já ansiada pela Lei n. 7.347/85

(Lei da Ação Civil Pública).

A Constituição Federal de 1988, no art. 129, inc. III, traz como uma das funções

institucionais do Ministério Público a de “promover o inquérito civil e a ação civil pública,

para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses

difusos e coletivos” sem, no entanto, haver determinado balizas conceituais para a exata

compreensão e identificações do interesses difusos e coletivos. Afirme-se, ainda, que o

próprio art. 5º da Carta Política se refere aos “direitos e deveres individuais e coletivos” sem

qualquer referência específica, contudo, já se constituindo em elemento de integração com

essas categorias de interesses.

A conceituação desses interesses aludidos pela Constituição Federal de 1988 veio com

a Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), precisamente no art. 81, incs. I, II e III,

precedida pela exortação contida no caput de que “a defesa dos interesses e direitos dos

consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título

coletivo”, arrematando no parágrafo único que a defesa coletiva poderia ser realizada quando

se tratasse de quaisquer das hipóteses previstas nos referidos incisos.

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Segundo o inc. I do parágrafo único do art. 81, os “interesses ou direitos difusos, assim

entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que

sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato”.

Na concepção de GREGÓRIO ASSAGRA DE ALMEIDA20, que analisa os critérios

adotados pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor), os interesses difusos têm

como titulares pessoas indeterminadas e indetermináveis (aspecto subjetivo), cujo objeto da

pretensão é um bem indivisível (aspecto objetivo), sendo que a origem dessa relação é uma

relação de fato que dispensa qualquer vínculo jurídico entre os titulares. A inexistência dessa

relação jurídica prévia entre os titulares é que diferencia os difusos dos coletivos em sentido

estrito.

Quanto ao inc. II do parágrafo único do art. 81, que trata dos “direitos ou interesses

coletivos”, impõe que sejam “assim entendidos, para efeitos deste Código, os transindividuais

de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligas entre si

ou com a parte contrária por uma relação jurídica base”.

Para RIZZATTO NUNES21, os interesses coletivos têm como titulares pessoas

indeterminadas, porém, determináveis, bastando para isso que se examine o direito que está

em debate na relação jurídica existente entre os titulares ou entre esses e a outra parte,

devendo esse direito ostentar indivisibilidade, ou seja, pertencerá em conjunto e

simultaneamente a todos os titulares. Para se diferenciar os interesses coletivos dos

individuais homogêneos basta atentar para o aspecto da indivisibilidade daqueles e da

divisibilidade desses.

Já o inc. III do parágrafo único do art. 81, encerra o elenco prescrevendo que são

“interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem

comum”.

20 Direito Processual Coletivo Brasileiro: um novo ramo do direito processual (princípios, regras interpretativas e a problemática da sua interpretação e aplicação). São Paulo : Saraiva, 2003, p. 487-488. 21 Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2. ed. São Paulo : Saraiva, 2005, p. 81-82.

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Segundo KAZUO WATANABE22, assentando que são direitos individuais que podem

ser defendidos coletivamente, a homogeneidade e a origem comum é que autorizam o

tratamento coletivo desses direitos eminentemente individuais. A origem comum pode ser

tanto resultado de uma relação jurídica ou de um fato, não se exigindo coincidência factual ou

temporal. Quanto à origem comum, que também denomina de causa, afirma que poderá ser

próxima ou remota. A queda de um avião que vitima pessoas será considerada como causa

próxima. Um dano à saúde provocado por medicamento pode ter tido como causa próxima as

condições pessoais ou o seu uso inadequado, poderá ser uma causa remota. Assim, quanto

mais remota a causa menos homogêneo será o direito.

Estando esclarecida a teoria econômica das externalidades e os obstáculos

epistemológicos que soterrou (res nullius, res communes e res derelictae), bem como a

historicidade que afetou a clássica dicotomia entre o interesse público e o interesse privado,

marcada pela transição do Estado liberal para o Estado social, cumpre analisar a positivação

do princípio do poluidor-usuário-pagador no ordenamento jurídico brasileiro.

3.4. O princípio do poluidor-usuário-pagador

Reconhecendo o Direito também como uma manifestação cultural, não há como

desprezar a importância dos signos exteriorizadores dessa reprodução humana de

determinados valores e que, no caso, compõem a linguagem por meio da qual a Ciência do

Direito pavimenta a consolidação do ordenamento jurídico, de tradição escrita ou não.

Os aludidos signos possuem seus significados e a compreensão desses deve preceder

qualquer investigação acerca do direito positivado ou mesmo dos princípios, expressos ou

implícitos.

22 Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: comentado pelos autores do anteprojeto. 8 ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2005, p. 806-807.

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Segundo ANTÔNIO HOUAISS e MAURO DE SALLES VILLAR23 a palavra

princípio pode ser entendida como “o primeiro momento da existência (de algo), ou de uma

ação ou processo; começo, início [...] o que serve de base a alguma coisa; causa primeira, raiz,

razão, [...] ditame moral; regra, lei, preceito [...] dito ou provérbio que estabelece norma ou

regra [...] proposição elementar e fundamental que serve de base a uma ordem de

conhecimentos (princípios da física, da matemática), [...] lei de caráter geral com papel

fundamental no desenvolvimento de uma teoria e da qual outras leis podem ser derivadas, [...]

proposição lógica fundamental sobre a qual se apóia o raciocínio [...] fonte ou causa de uma

ação [...] proposição filosófica que serve de fundamento a uma dedução [...] livro que contém

noções básicas e elementares de alguma matéria, ciência etc. [...]”.

Obviamente, para a Ciência do Direito o signo princípio ostenta significação e

relevância próprias, sendo que nas palavras de RUY SAMUEL ESPÍNDOLA24 o princípio de

Direito

[...] designa a estruturação de um sistema de idéias, pensamentos ou normas por uma idéia mestra, por um pensamento chave, por uma baliza normativa, donde todas as demais idéias, pensamentos ou normas derivam, se reconduzem e/ou se subordinam.

Objetivamente, cabe trazer a clássica definição de princípio lapidada por CELSO

ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO25, para quem “é o conhecimento dos princípios que

preside a intelecção das diferentes partes componentes de todo unitário que há por nome

sistema jurídico positivo”, onde

Princípio – já averbamos alhures – é, por definição, mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para sua exata compreensão e inteligência exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.

23 Dicionário Houiass da Língua Portuguesa. Rio de Janeiro : Objetiva, 2001, p. 2299. 24 Conceito de Princípios Constitucionais. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1999, p. 47-48. 25 Ob. cit., p. 817-818.

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Para o Direito Ambiental o princípio do usuário-poluidor-pagador (poluidor-pagador

para alguns) tem importância solar, pois, todo sistema de proteção jurídica do meio ambiente

orbita e depende de sua existência objetiva, mediante a positivação expressa ou não, e da

aceitação subjetiva desse comando superior, o que importa na submissão espontânea ou

sancionada dos comportamentos à sua força normativa.

Neste estudo será adotada para o princípio em análise a expressão usuário-poluidor-

pagador, não como contrariedade ao poluidor-pagador, mas, sim, com a intenção de

complementar a nomenclatura doutrinária com uma previsão legislação brasileira, no inc. VII

do art. 4º da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), como se verá

adiante.

O princípio do poluidor-pagador, segundo MARIA ALEXANDRA DE SOUZA

ARAGÃO26, nasce como “palavra de ordem” relacionada com movimentos estudantis em

maio de 1968, porém, somente em maio de 1972 conquista oficialmente o status de princípio

de política do ambiente por meio da Recomendação C(72)128, de 26 de maio de 1972, da

Organization et Coopération et de Développement Economique – OCDE, que trata dos

princípios orientadores relativos aos aspectos econômicos internacionais das políticas

ambientais, devendo ser entendido como27

O princípio a ser usado para alocar custos das medidas de prevenção e controle da poluição, para encorajar (estimular) o uso racional dos recursos ambientais escassos e para evitar distorções do comércio internacional e investimentos é denominado de princípio do poluidor pagador. Este princípio significa que o poluidor deve suportar os custos do implemento das medidas acima mencionadas, decididas pela autoridades públicas para assegurar que o ambiente possa ficar num nível aceitável. Em outros termos, o custo dessas medidas deveriam refletir-se no preço dos bens e serviços, cuja produção e consumo são causadores de poluição. Tais medidas não deveriam ser acompanhadas de subsídios, porque criariam distorções significativas ao comércio e investimentos internacionais.

26 Ob. cit., p. 51. 27 Marcelo Abelha Rodrigues, Elementos de Direito Ambiental, p. 191.

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Em novembro de 1973 esse princípio foi recebido como “princípio base da acção

comunitária em matéria de ambiente” no primeiro Programa de Acção das Comunidades

Européias aprovado pelo Conselho (JO C 112, de 20 de dezembro de 1973). Contudo,

somente recebe consagração constitucional por meio do Acto Único Europeu, outorgando a

esse princípio especial importância e o relacionando com os princípios da “acção preventiva”,

da “correcção prioritariamente na fonte dos danos causados ao ambiente” e, mais tarde, com o

princípio da “precaução”, no Tratado da União Européia (art. 130º R/2)28.

No Brasil, ainda que na esfera infraconstitucional, o princípio do poluidor-usuário-

pagador vem expressamente previsto no inc. VII do art. 4º da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente), portanto, desde a égide da ordem constitucional anterior, aonde

se afirma que a “Política Nacional do Meio Ambiente visará”, entre outras, “à imposição, ao

poluidor e ao predador, da obrigação de recuperar e/ou indenizar os danos causados e, ao

usuário, da contribuição pela utilização de recursos ambientais com fins econômicos”.

O legislador constituinte originário de 1988 optou por reconhecer a importância do

meio ambiente como elemento imprescindível à vida em todas as suas formas, conferindo

especial relevância à vida humana, reproduzindo pensamento antropocentrista que vem sendo

replicado desde a Declaração de Direitos (Bill of Rigths) da Inglaterra em 1689, bem como na

Declaração de Independência dos Estados Unidos da América do Norte em 1776 e na

Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão em 1789, por ocasião da Revolução

Francesa, dizendo esta última expressamente que

Os representantes do povo francês, constituídos em Assembléia nacional, considerando que a ignorância, o descuido ou o desprezo dos direitos humanos são as únicas causas das desgraças públicas e da corrupção dos governos, resolvem expor, numa declaração solene, os direitos naturais, inalienáveis e sagrados do homem, a fim de que essa declaração, constantemente presente a todos os membros do corpo social, possa lembrar-lhes sem cessar seus direitos e seus deveres; a fim de que os atos do poder legislativo e os do poder executivo, podendo ser a todo instante comparados com a finalidade de toda instituição política, sejam por isso mais respeitados; a fim de que as reclamações dos cidadãos, fundadas doravante em princípios simples e incontestáveis, redundem sempre na manutenção da Constituição e na felicidade de todos. [...] Artigo primeiro. Os homens nascem e

28 Ob. cit., p. 52.

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permanecem livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum.

Vê-se nessa exortação, exemplarmente, que apenas o homem é sujeito de direitos e se

vê inquinado por deveres, premissa antecedente e embrionária do antropocentrismo que, na

lição de ÉDIS MILARÉ29, pode ser compreendido como a “concepção genérica que [...] faz

do Homem o centro do Universo [...] a referência máxima e absoluta de valores [...] de modo

que ao redor desse ‘centro’ gravitem todos os demais seres por força de um determinismo

fatal”, o que, em síntese, revela que

[...] o racionalismo moderno e o desvendamento dos segredos da natureza ensejaram ao homem a posição de arrogância e de ambição desmedidas que caracterizam o mundo ocidental contemporâneo. E o desenvolvimento científico-tecnológico, submetido ao controle do capital para efeitos de produção e criação de riquezas artificiais, desembocou nessa lamentável “coisificação” da natureza e dos seus encantos.

Em oposição ao antropocentrismo atua a vertente ecocentrista que, como o próprio

nome denuncia, não tem o homem como o centro e na posição superior de dominação da

natureza, expropriando-a ao seu talante, mas, sim, centraliza “a vida e todos os aspectos a ela

inerentes” (biocentrismo)30.

A exegese do caput do art. 225 e do § 3º não deixa dúvida de que a Constituição

Federal de 1988 adotou a visão antropocêntrica, porém, não aquela vetusta e excludente, mas,

sim, uma concepção alargada por privilegiar e valorizar o “meio ambiente”, numa ampla

extensão conceitual que abrange desde a fauna e flora (§ 1º, incs. I, II, III e VII), sem prejuízo

do patrimônio cultural (arts. 215 e 216) e da saúde (arts. 6º e 7º, incs. XII e XIII), tudo como

forma de se garantir para “a presente e as futuras gerações” o acesso ao “bem de uso comum

do povo” e a “sadia qualidade de vida”.

Reforça essa afirmação a previsão da responsabilidade administrativa, civil e penal,

sem prejuízo da precaução (§ 1º, inc. II), da prevenção (§ 1º, inc. V) e da obrigatoriedade da

29 Direito do Ambiente. 5. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2007, p. 97-98. 30 Ibidem, p. 99.

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recuperação do meio ambiente por aqueles que exercem atividades lícitas ou não, a exemplo

da exploração de recursos minerais (§ 2º), o que se espalha por todas as demais atividades em

conformação com o inc. V do art. 170 da Carta Política, que prevê como um dos princípios da

ordem econômica a “defesa do meio ambiente”.

Impondo o art. 225 da Constituição Federal uma obrigação, qual seja, a de que cabe

“ao Poder Público e à coletividade” o dever de proteger e preservar o meio ambiente, a

incidência de sanções repressivas acaba dominando o cenário da responsabilidade ambiental,

contudo, o princípio do poluidor-usuário-pagador é, em suma, um princípio que serve à

previsão e à antecipação de riscos e a sua diminuição, quando não a eliminação total.

O princípio do poluidor-usuário-pagador muitas vezes é indevidamente confundido

com o princípio da responsabilização, tanto pela nomenclatura inadequada quanto pela

incorreta interpretação de seu verdadeiro alcance, que mal compreendido pode transmitir a

falsa idéia de que se destina apenas aos fins repressivo, reparatório e ressarcitório, sem

prejuízo do nefasto entendimento de que se pode poluir desde que se pague.

O autor luso JOSÉ DE SOUZA CUNHAL SENDIM31, ao comentar o princípio da

responsabilização, dá uma idéia de como se trata indistintamente esses dois princípios, ainda

que não os tenha confundido expressamente, ou seja, não se nega a existência de um em

detrimento do outro, mas se acaba proclamando que

Parece-nos, também, que a regra abrange não só os custos da reparação, mas também os das medidas preventivas funcionalmente dirigidas a evitar os danos e as afectações negativas ou a minimizar as suas conseqüências. Esta ideia traduz um vector genérico suceptível de fundamenta não só a imputação de danos – através de situações de responsabilidade – mas também a imputação de externalidades, ou de custos ambientais, mediante o recurso a outros instrumentos jurídicos directos (como por exemplo, sanções administrativas) e indiretos (como por exemplo, taxas e impostos ambientais). Na sua gênese e desenvolvimento normativo o princípio da responsabilidade ancora-se em disciplinas científicas diversas: fundamentando-se, por um lado, no princípio (de natureza econômica) do poluidor pagador (característico da economia dos recursos naturais) e, por

31 Responsabilidade Civil por Danos Ecológicos. Cadernos CEDOUA. Coimbra : Livraria Almedina, 2002, p. 19.

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outro, no direito de polícia. Nesse contexto, um sector da doutrina sublinha o carácter ‘multidimensional’ do princípio da responsabilização e a sua natureza de ‘princípio ponte’, visto que possibilitaria o diálogo científico interdisciplinar.

Para JOSÉ RUBENS MORATO LEITE e PATRYCK DE ARAÚJO AYALA32, que

entendem que o princípio do poluidor-usuário-pagador (polution prevention pays) deve ser

interpretado conjuntamente com os princípios da precaução e da prevenção, dessa

aproximação se consolida a “máxima da prevenção”, pois

Conquanto encerre um conteúdo econômico ínsito em sua natureza, deve ser afastada a defeituosa tendência que tende a considerar o princípio do poluidor-pagador em relação de identidade com o princípio da responsabilização – e, assim enfatizando sua dimensão repressiva e de índole reparatória e ressarcitória –, ou mesmo como uma espécie de autorização legal para o desenvolvimento de atividades poluentes, que pode ser sintetizada por meio de grosseira leitura que o reputa uma espécie de licença para poluir. [...] A sigla inglesa bem ilustra o equívoco ou certas imprecisões e dificuldades observadas ao se pretender conceituar o princípio na doutrina, indicando que seu conteúdo é essencialmente cautelar e preventivo, importando necessariamente na transferência dos custos e ônus geralmente suportados pela sociedade na forma de emissões de poluentes o resíduos sólidos, para que seja suportado primeiro pelo poluidor.

Reforçando o alerta quanto aos perigos da corrupção do sentido do princípio do

poluidor-usuário-pagador, CONSUELO YASTUDA MOROMIZATO YOSHIDA33 chama

atenção para a necessidade de se discernir entre preservação (manter intacto, proteção integral

e uso indireto) e conservação (uso sustentável), como forma de compatibilizar a proteção do

meio ambiente com o desenvolvimento econômico na exploração da madeira ou dos recursos

hídricos, asseverando que “não podemos admitir é a visão deturpada do princípio do poluidor-

pagador: poluo, pago, e posso continuar poluindo. A visão de mercantilização dos bens

ambientais deve ser ceifada”.

32 Direito Ambiental na Sociedade de Risco. 2. ed. Rio de Janeiro : Forense Universitária, 2004, p. 96. 33 Tutela dos Interesses Difusos e Coletivos. São Paulo : Editora Juarez de Oliveira, 2006, p. 141.

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Como se extrai da lição de ANTONIO HERMAN VASCONCELOS BENJAMIN34 o

princípio do poluidor-usuário-pagador se relaciona com a questão da “internalização dos

custos sociais da deterioração dos recursos ambientais”, ressaltando o viés preventivo, pois,

“em sua acepção larga, é o princípio que visa imputar ao poluidor os custos sociais da

poluição por ele causada, prevenindo, ressarcindo e reprimindo os danos ocorridos, não

apenas a bens e pessoas, mas também à própria natureza”, uma vez que

O princípio do poluidor-pagador é aquele que impõe ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção, reparação e repressão da poluição. Ou seja, estabelece que o causador da poluição e da degradação dos recursos naturais deve ser o responsável principal pelas conseqüências de sua ação (ou omissão).

Entendendo-se dessa forma, não há como aceitar a interpretação de que o princípio do

poluidor-usuário-pagador seja traduzido na degradante máxima “poluiu, pagou” ou “se pago

posso poluir”, não se podendo admitir que se faça deste princípio um instrumento de

compensação dos danos causados pela poluição. Mas, sim, e em resumo, se não se sabe das

conseqüências da obra ou da atividade não se deve edificar ou atuar (precaução) ou se são

conhecidos os efeitos deve se implantar ao máximo as medidas preventivas (prevenção). Não

se trata de institucionalizar o “direito a poluir”, desde que se pague.

Em verdade, este princípio visa, sobretudo, antes e além da reparação e da repressão, a

própria prevenção do dano ambiental, “fazendo com que a atividade de preservação e

conservação dos recursos ambientais seja mais barata que a de devastação”, pois35

O dano ambiental não pode, em circunstância alguma, valer a pena para o poluidor. O princípio não visa, por certo, tolerar a poluição mediante um preço, nem se limita apenas a compensar os danos causados, mas sim, precisamente, procura evitar o dano ambiental.

34 O Princípio do Poluidor-Pagador e a Reparação do Dano Ambiental. In: BENJAMIM, Antonio Herman Vasconcelos (coord.). Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão. São Paulo : Revista dos Tribunais, 1993, p. 228. 35 Ibidem, p. 236.

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Ratifica essa posição CELSO ANTONIO PACHECO FIORILLO36, para quem este

princípio não é indicativo de “pagar para poluir”, “poluir mediante pagamento” ou “pagar

para evitar a contaminação”, o que significa uma não aceitação de sua utilização para esquiva

às obrigações de prevenir, reparar, recuperar ou indenizar o dano causado, pois37

Podemos identificar no princípio do poluidor-pagador suas órbitas de alcance: a) busca evitar a ocorrência de danos ambientais (caráter preventivo); e b) ocorrido o dano, visa sua reparação (caráter repressivo). Desse modo, num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de utilizar instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de alcance, esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação.

Segundo PAULO AFFONSO LEME MACHADO38, ao comentar o inc. VII do art. 4º

da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), o “uso dos recursos naturais

pode ser gratuito como pode ser pago”, sendo que a raridade, o uso poluidor e a prevenção,

entre outros, podem autorizar a cobrança pela utilização dos bens ambientais. E, afirma ainda,

que “o princípio do usuário-pagador contém também o princípio poluidor-pagador, isto é,

aquele que obriga o poluidor a pagar a poluição que pode ser causado ou que já foi causada”,

e citando Henri Smets, assevera que

[...] em matéria de proteção do meio ambiente, o princípio do usuário-pagador significa que o utilizador do recurso deve suportar o conjunto dos custos destinados a tornar possível a utilização do recurso e os custos advindos de sua utilização. Este princípio tem por objetivo fazer com que estes custos não sejam suportados nem pelos Poderes Públicos, nem por terceiros, mas pelo utilizador. De outro lado, o princípio não justifica a imposição de taxas que tenham por efeito aumentar o preço do recurso a ponto de ultrapassar seu custo real, após levarem-se em conta as externalidades e a raridade.

Assim, o gozo desonerado dos recursos naturais representa uma forma de

enriquecimento indevido e ilegítimo do usuário, uma vez que aqueles que não o utilizam ou

36 Curso de Direito Ambiental Brasileiro. 4. ed. São Paulo : Saraiva, 2003, p. 27. 37 Ob. cit., p. 28. 38 Direito Ambiental Brasileiro. 8. ed. São Paulo : Malheiros, 2000, p. 45.

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os que o utilizam em menor escala suportam todos os ônus daquela utilização, permanecendo

onerados com exclusividade.

Aqui, retorna-se àquela antiga e sempre presente tensão entre a esfera privada e a

esfera difusa, qual seja, a apropriação do que é de todos por um usuário ou um grupo deles,

que usam gratuitamente os recursos naturais provocando poluição e, assim, acabando por

deteriorar o “bem de uso comum” (propriedade difusa), sem prejuízo dos danos

individualmente suportados e que também devem ser reparados sob o regime da

responsabilidade objetiva, conforme o § 1º do art. 14 da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política

Nacional do Meio Ambiente).

O usuário-pagador, o poluidor-pagador e o predador-pagador, segundo PAULO

AFFONSO LEME MACHADO39, devem ser diferenciados, pois, “um momento é o da

fixação das tarifas ou preços e/ou da exigência de investimento na prevenção do uso do

recurso natural, e outro momento é o da responsabilização residual ou integral do poluidor”,

uma vez que o custo imposto ao poluidor não se restringe à reparação do dano, mas,

sobretudo, na atuação preventiva, uma vez que “o investimento efetuado para prevenir o dano

ou o pagamento do tributo, da tarifa ou do preço público não isentam o poluidor ou predador

de ter examinada e aferida sua responsabilidade residual para reparar o dano”.

No mesmo sentido e adotando a nomenclatura princípio do poluidor-usuário-pagador,

MARCELO ABELHA RODRIGUES40 salienta que este “postulado” somente se concretiza

por meio da conjugação de outros princípios, tais como o da precaução, o da prevenção, o da

responsabilidade, o da função sócio ambiental da propriedade e do usuário-pagador, propondo

uma divisão didática constituída pelo poluidor-pagador e pelo usuário-pagador.

E reafirma que a acepção do usuário-pagador é antiga na legislação e na doutrina

brasileiras, referindo-se ao inc. VII do art. 4º da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do

Meio Ambiente), entendendo que nesse dispositivo há diferenciação entre o predador-

39 Ob. cit., p. 46. 40 Elementos de Direito Ambiental. 2. ed. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2005, p. 225.

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poluidor e o usuário-poluidor, uma vez que “aquele que utiliza bens ambientais com fins

econômicos deve pagar pelo uso invulgar do bem que pertence a todos”. O poluidor-pagador

diz respeito à proteção da qualidade do bem ambiental, mediante a verificação prévia da

possibilidade ou não de internalizar os custos ambientais no preço do produto, até o patamar

que não justifique economicamente a sua produção, ou que estimule a promoção ou adoção de

tecnologias limpas que não degradem a qualidade ambiental. O usuário-pagador, por sua vez,

volta-se para a tutela da quantidade dos bens ambientais, protegendo-os e permitindo uma

socialização justa e igualitária do uso41.

O reconhecimento dos bens ambientais como bens difusos, nos termos do art. 225 da

Constituição Federal (uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida),

caracterizados pela inalienabilidade, pela indivisibilidade e pela imprescritibilidade, além de

serem titularizados de forma indeterminada, o uso que prejudique os demais titulares institui

em favor desses um crédito por essa utilização ou empréstimo que deve ser exigido do

degradador. Assim, o usuário está obrigado a arcar com os custos desse “empréstimo” do bem

ambiental uma vez que se utiliza desses bens econômica ou moralmente, independentemente

de causar ou não degradação. Contudo, havendo degradação o usuário agrega à sua

conformação jurídica aqueles atributos do poluidor.

O usuário se diferencia do poluidor em razão do fato de que aquele utiliza bens

ambientais por “empréstimo” com fins econômicos ou não (contemplação etc.) e este faz uso

dos bens também na atividade produtiva ou mesmo degradando-os dolosamente. Todo

poluidor é um usuário (direto ou indireto), mas nem todo usuário é poluidor.

Dessa diferenciação entre usuário e poluidor não se pode admitir que aquele seja

escusado da sua obrigação pelo “empréstimo” não poluidor, pois, ainda que devolva o bem

ambiental em condições melhores do que quando o reteve, provocou a retenção e a quebra da

indivisibilidade e da inalienabilidade ínsitas aos bens ambientais, bem como pode ter

empregado esse bem de modo extraordinário ou invulgar em seu próprio benefício ou de

outrem.

41 Ob. cit., p. 226.

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Por isso, não há que se falar em bis in idem sobre uma mesma conduta, pois, aquele

que usar ou poluir deverá arcar com os curtos da prevenção, da reparação, da recuperação ou

da indenização. Como usuário sofre a incidência pelo uso incomum, já como poluidor

responde pela degradação, o que garante ao bem de uso comum do povo e essencial à sadia

qualidade de vida uma proteção mais abrangente.

A concretização do princípio do poluidor-usuário-pagador depende da conjugação

com outros princípios e regras, sendo que daqueles podem ser destacados o da precaução e o

da prevenção, como forma de interferir no resultado de uma equação em que o produto é a

socialização das perdas e a privatização dos lucros.

Segundo ANA GOUVEIA E FREITAS MARTINS42, que identifica a origem do

princípio da precaução na Alemanha (vorsorgeprinzip) na década de setenta como

fundamento da política na área da poluição atmosférica, adverte que não se devem confundir

entre si os princípios da precaução e o da prevenção, pois, aquele lida com a incerteza

científica quanto aos riscos dos comportamentos interventores do homem na natureza, ao

contrário desse que já se encontra com os riscos conhecidos e com medidas preventivas e

corretivas sob o domínio do conhecimento técnico e científico, podendo essa diferenciação ser

compreendido de forma que43

O traço essencial que afasta e delimita os dois conceitos é o da identificação ou não de um risco. A prevenção exige claramente a adoção de medidas contra riscos já identificados. Já o versorgeprinzip alerta para a necessidade de agir contra a emergência de riscos cuja existência ou dimensão ainda não foi demonstrada, ou mesmo a necessidade de agir na ausência de riscos, designadamente, postulando a não perturbação de um dado recurso ambiental como forma de gestão cautelosa do futuro.

Para a compreensão rápida do princípio da precaução, mais uma vez a historicidade

deve ser considerada, pois, no século XIX a sociedade foi dominada pelo paradigma da

42 O Princípio da Precaução no Direito do Ambiente. Lisboa : Associação Acadêmica da Faculdade de Direito, 2002, p. 43 Ob. cit., p. 25.

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responsabilidade individual gestada no Estado liberal (não perturbação do outro sob pena de

sanção), no século XX o Estado social se funda na solidariedade e na repartição social dos

encargos e dos riscos e, por fim, no século XX o novo paradigma é a segurança. Essa atual

preocupação nasce e se sustenta pelos avanços científicos e tecnológicos que vêm para

atender as necessidades do modo de vida humano atual44.

Quanto ao princípio da prevenção, CARLA AMADO GOMES45 o entende como a

tradução da “iminência de uma actuação humana, a qual comprovadamente lesará, de forma

grave e irreversível, bens ambientais”, exigindo-se que “essa intervenção deve ser tratada” por

diversos meios, inclusive procedimentais, a exemplo dos estudos prévios de avaliação de

impacto ambiental como condição para a autorização administrativa para a instalação e

operação de empreendimentos, obras ou atividades, possibilitando a participação da sociedade

no processo decisório46.

Por essas plagas, PAULO AFFONSO LEME MACHADO47, que diferencia muito

bem a precaução da prevenção, afirma que a Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do

Meio Ambiente) adota como um dos objetivos a compatibilização do desenvolvimento

econômico-social com a preservação da qualidade do ambiente e do equilíbrio ecológico e a

preservação dos recursos ambientais, ansiando promover a utilização racional e garantir a

disponibilidade permanente (art. 4º, I e VI). Para esse desiderato, há instrumentos instituídos

por essa Política, a exemplo da “avaliação dos impactos ambientais” (art. 9º, III), o que

emerge a prevenção como fundamento no Direito positivo brasileiro, de modo pioneiro na

América Latina. Adverte, contudo, que até então o princípio da precaução não havia sido

introduzido expressamente no ordenamento jurídico pátrio.

O Brasil, portanto, atendendo às deliberações da Conferência das Nações Unidas para

o Meio Ambiente e o Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro em 1992, deliberou

44 Ob. cit., p. 13. 45 A Prevenção à Prova no Direito do Ambiente: em especial, os actos autorizactivos ambientais. Coimbra : Coimbra Editora, 2000, p. 22. 46 Ob. cit., p. 27 47 Ob. cit., p. 47.

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unanimemente a “Declaração do Rio de Janeiro”, que tem no Princípio 15 a exortação da

precaução, dizendo

De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Esse princípio da precaução, todavia, não pode ser interpretado como uma ordem

paralisante do desenvolvimento, mas, sim, que o progresso econômico deve se render à

certeza científica, com vistas à garantia da melhoria e permanência da sadia qualidade de vida

para esta geração e para as vindouras, possibilitando que o meio ambiente seja preservado e

conservado.

Assim, aquele que promover a degradação ou a poluição, conforme os conceitos do

art. 3º, incs. II e III, da Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), ou seja,

que promova a “degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do

meio ambiente”, causando “poluição” que deve ser entendida como “a degradação da

qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente prejudiquem a saúde,

a segurança e o bem-estar da população, criem condições adversas às atividades sociais e

econômicas, afetem desfavoravelmente a biota, afetem as condições estéticas ou sanitárias do

meio ambiente” ou, ainda, “lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões

ambientais estabelecidos”, são considerados “poluidores”, aqui se incluindo “a pessoa física

ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade

causadora de degradação ambiental”, nos termos do inc. IV.

O que se conclui da análise do poluidor-usuário-pagador é que não se trata de um

princípio jurídico, mas, sim, de verdadeiro e autêntico postulado que, segundo HUMBERTO

ÁVILA48, diferenciam-se pois

48 Teoria dos Princípios: da definição à aplicação dos princípios jurídicos. 6. ed. São Paulo : Malheiros, 2006, p. 166.

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Os princípios são normas imediatamente finalísticas, primariamente prospectivas e com pretensão de complementariedade e de parcialidade, para cuja aplicação demandam uma avaliação da correlação entre o estado de coisas a ser promovido e os efeitos decorrentes da conduta havida como necessária à sua promoção. [...] Os postulados normativos são normas imediatamente metódicas, que estruturam a interpretação e aplicação de princípios e regras mediante a exigência, mais ou menos específica, de relações entre elementos com base em critérios.

A degradação do meio ambiente como resultado da atividade humana deve obrigar que

as avaliações respectivas sejam promovidas de modo prévio, conforme o art. 10 da Lei n.

6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente), sempre sob os critérios trazidos pelos

princípios da precaução e da prevenção, para que o postulado do poluidor-usuário-pagador

possa ser concretizado tanto no aspecto preventivo quanto no reparatório, repressivo e

indenizatório.

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CONCLUSÃO

A Constituição Federal de 1998 ao conformar a República Federativa do Brasil como

Estado de Direito Democrático aportou expressamente no ordenamento jurídico pátrio

inúmeros direitos fundamentais, acolhendo de forma pioneira na América Latina o meio

ambiente como direito humano fundamental (direito humano de terceira geração), conforme a

exegese do art. 225 da Constituição Federal, sem prejuízo da admissão dos princípios do

desenvolvimento sustentado, da participação e do postulado do poluidor-usuário-pagador.

Essa consagração constitucional tardia foi influenciada pela tomada de consciência

acerca dos problemas ambientais iminentes e que já eram previstos conscientemente pelos

organismos internacionais já na década de 70, segundo a Conferência de Estocolmo em 1972,

ainda que a Lei n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente) já tenha consagrado

alguns direitos e garantias ao meio ambiente hígido, especialmente quando previu o

licenciamento ambiental prévio e a responsabilidade civil objetiva em matéria de danos

ambientais.

Contudo, a Constituição Federal de 1988 inaugurou eficientemente a preocupação com

o desenvolvimento sustentado, uma vez que previu como um dos princípios da ordem

econômica a defesa do meio ambiente no inc. VI do art. 170, de interpretação compulsória

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com o art. 225, além do que devem balizar quaisquer interpretações ou decisões os

fundamentos constitucionais da cidadania e da dignidade da pessoa humana (art. 1º). Tudo

isso, obviamente, tem um destino constitucionalmente ansiado, qual seja, o de concretizar os

objetivos de constituir no Brasil uma sociedade livre, justa e solidária (art. 3º).

Dessa forma, havendo uma força normativa que busque equilibrar os interesses

privados e os interesses públicos, já considerando que no espaço conceitual aí existente

habitam outras categorias de interesses, notadamente os difusos e os coletivos, a positivação

trazida pela Lei n. 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor) no art. 81 tornou mais

eficiente a defesa do meio ambiente, uma vez que se pode identificar juridicamente em

qualquer categoria se localiza: a dos difusos.

Essa classificação legal e a constatação de que se trata de interesse indivisível,

inalienável e imprescritível possibilita que se outorgue à sua proteção e à repressão às ofensas

nele incidentes um tratamento qualificado, numa sistemática peculiar onde estão incluídos

princípios e regras próprios, a exemplo do postulado do poluidor-usuário-pagador e o regime

da responsabilidade objetiva.

A indivisibilidade e a inalienabilidade do bem difuso, precisamente o meio ambiente e

constitucionalmente inscrito como “bem de uso comum e essencial à sadia qualidade de

vida”, exige um tratamento especial em razão da impossibilidade de se tolerar sua apropriação

individual, que tanto pode se dar pela expropriação quanto pela degradação. Naquela o bem é

arrecado para a uso e gozo individual e nessa há sua destruição, total ou parcial, para o

atendimento dos objetivos econômicos ou não do degradador.

Nessa dualidade entre o privado e o difuso a regra é a de que aquele que usar ou

degradar o bem difuso está obrigado arcar com os custos da prevenção aos riscos e danos, sem

prejuízo da responsabilidade pela reparação, recuperação, compensação e indenização.

Essa regra, oriunda do Ciência econômica, traduz-se na necessidade de serem

incorporados aos custos de produção e, conseqüentemente, no preço dos produtos ou serviços,

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os custos externos negativos de produção, a exemplo das medidas preventivas (tecnologias

limpas etc.) e limitação quantitativa da produção diante da escassez da matéria-prima

(madeira etc.) ou insumo (carvão vegetal nativo etc.). Juntamente com essas medidas, a

própria degradação do meio ambiente e toda a espécie de poluição causadas e as respectivas

medidas reparadoras (sentido amplo) também devem ser computadas como parcela dos custos

do processo produtivo.

Em outras palavras: a teoria econômica das externalidades negativas ambientais exige

que os custos das medidas de prevenção aos riscos ou aqueles destinados a reparar, recuperar,

compensar e indenizar devem ser internalizados, isto é, devem ser suportados primeiro pelo

responsável pela produção e pelos consumidores, exonerando os demais não produtores e não

consumidores do ônus de suportar o déficit ambiental causado pela exploração dos recursos

naturais.

Por isso, o postulado do poluidor-pagador deve ser entendido não somente como um

instrumento de repressão (dano concretizado), mas, sim, como uma norma eminentemente

preventiva (eliminação de riscos). Não se olvide que em algumas atuações humanas em face

dos recursos naturais ocorre apenas o uso incomum do bem difuso e sem apropriação

corpórea do bem ou apenas ocorre o empréstimo (consumo residencial de água e o respectivo

tratamento de esgoto etc.), ainda que sem ocorrer poluição (devolve-se a água em condições

melhores do que foi captada depois de tratamento etc.), como prevê o inc. VII do art. 4º da Lei

n. 6.938/81 (Lei de Política Nacional do Meio Ambiente).

Tanto em uma hipótese como na outra e diante da indivisibilidade e da

inalienabilidade dos bens ambientais essa apropriação, por menor que seja, deve receber a

incidência das regras decorrentes da teoria econômica das externalidades negativas e do

postulado do poluidor-usuário-pagador como forma de redistribuir as responsabilidade e os

custos suportados pela coletividade, minorando ou mesmo exterminando a privatização dos

lucros e a socialização das perdas.

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