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Princípios e Práticas em Psicofarmacoterapia Avaliação da Eficácia das Drogas e Aspectos Clínicos Relevantes. Uma série de aspectos correlacionados é pertinente ao processo de tomada de decisão que um clínico emprega na aplicação da farmacoterapia. A primeira seção deste capítulo considera a qualidade dos dados de pesquisa sobre a eficácia das drogas, classificando os estudos com base em critérios predeterminados com vistas ao rigor metodológico. A seção que acompanha, sobre metanálise, revisa a base lógica e as complicações potenciais inerentes, quando os dados são sumariados estatisticamente através de vários estudos que avaliam a eficácia das drogas. Embora atentos aos defeitos inerentes a essa abordagem estatística, acreditamos que tais resumos proporcionem ao clínico uma demonstração importante, do ponto de vista quantitativo, a respeito do valor clínico específico de uma droga. A seção seguinte considera temas relevantes quanto à relação médico-paciente durante a avaliação, o tratamento inicial e as fases de manutenção/profilaxia da psicofarmacoterapia. As duas discussões finais exploram vários aspectos relacionados com o processo de regulação da Food and Drug Administration (FDA) e o custo do tratamento. O último tópico não só inclui as despesas associadas aos componentes da avaliação e do tratamento, como, o que é mais importante, o impacto total de um transtorno mental sobre os pacientes, suas famílias e a sociedade. Avaliação dos Protocolos dos Estudos de Drogas A fim de dar ao leitor uma compreensão acurada da literatura sobre as drogas psicotrópicas, incluímos duas perspectivas. A primeira resume estatisticamente os estudos

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Princípios e Práticas em Psicofarmacoterapia Avaliação da

Eficácia das Drogas e Aspectos Clínicos Relevantes.

Uma série de aspectos correlacionados é pertinente ao processo de tomada de decisão que um clínico emprega na aplicação da farmacoterapia. A primeira seção deste capítulo considera a qualidade dos dados de pesquisa sobre a eficácia das drogas, classificando os estudos com base em critérios predeterminados com vistas ao rigor metodológico. A seção que acompanha, sobre metanálise, revisa a base lógica e as complicações potenciais inerentes, quando os dados são sumariados estatisticamente através de vários estudos que avaliam a eficácia das drogas. Embora atentos aos defeitos inerentes a essa abordagem estatística, acreditamos que tais resumos proporcionem ao clínico uma demonstração importante, do ponto de vista quantitativo, a respeito do valor clínico específico de uma droga.

A seção seguinte considera temas relevantes quanto à relação médico-paciente durante a avaliação, o tratamento inicial e as fases de manutenção/profilaxia da psicofarmacoterapia.

As duas discussões finais exploram vários aspectos relacionados com o processo de regulação da Food and Drug Administration (FDA) e o custo do tratamento. O último tópico não só inclui as despesas associadas aos componentes da avaliação e do tratamento, como, o que é mais importante, o impacto total de um transtorno mental sobre os pacientes, suas famílias e a sociedade.

Avaliação dos Protocolos dos Estudos de Drogas

A fim de dar ao leitor uma compreensão acurada da literatura sobre as drogas psicotrópicas, incluímos duas perspectivas. A primeira resume estatisticamente os estudos existentes sobre o efeito das drogas, produzindo uma avaliação quantitativa "basal" da diferença entre uma droga experimental e um placebo ou agente padrão (ver Farmacoterapia, adiante, neste capítulo). Em segundo lugar, classificamos os estudos (p. ex., Classes I, II, III) com base no seu rigor metodológico, de modo que o leitor possa julgar a qualidade dos dados utilizados para chegar aos nossos resultados estatísticos finais (Quadro 2-1). Essas duas perspectivas foram incluídas para que o clínico possa tomar a decisão mais racional quanto à escolha de uma droga específica para os seus pacientes. A classificação dos estudos é o tópico desta seção.

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O aspecto mais crucial da avaliação de um estudo de droga é a extensão, na qual o protocolo permite ao investigador testar adequadamente a hipótese em questão. Além do sigilo, há vários outros elementos importantes em um estudo bem controlado:

• Distribuição ao acaso em um esquema paralelo ou cruzado• Ausência de medicações ativas concomitantes• Uma amostra adequada• O uso de medidas objetivas• Apresentação adequada dos dados.

Sem os controles adequados e a metodologia apropriada, a capacidade de generalizar fica comprometida, colocando em questão a validade de um estudo e/ou a interpretação dos seus resultados.

DISTRIBUIÇÃO AO ACASO

A distribuição ao acaso sob condições duplo-cegas é o elemento mais importante de um ensaio controlado. Sem isso, os pacientes mais suscetíveis de resposta terapêutica poderiam ser preferencialmente distribuídos em um braço do tratamento, e qualquer diferença de eficácia seria secundária a esse viés. Além disso, o grau de melhora no grupo controle proporciona a medida à qual o resultado do grupo experimental é comparado.

Esquemas do tipo cruzado e do tipo ABA (placebo-droga-placebo) não devem ser confundidos. Nos estudos cruzados, os pacientes são distribuídos aleatoriamente em um dos dois braços, de modo que em geral um placebo é dado antes e, em seguida, a droga ativa, ou vice-versa. O esquema habitual é um período inicial com placebo, em seguida a droga ativa A ou B, sucedida por outro período com placebo e então o "cruzamento" de A para B ou de B para A. Deveria haver um período de wash-out (período livre de drogas) durante o qual o placebo seria administrado entre a primeira e a segunda fase com droga ativa, a menos que B fosse um placebo. Tais esquemas têm freqüentemente um tamanho de amostra adequado, avaliação objetiva, distribuição ao acaso e análise estatística quantitativa, com os pacientes individuais servindo como seus próprios controles.

Se os pacientes forem mantidos com placebo e o cruzamento para o tratamento ativo não for randomizado (ou controlado de alguma outra forma), eles poderão apresentar uma alteração espontânea concomitante do estado clínico. Qualquer melhora ou deterioração coincidente poderia então ser devida à natureza cíclica do transtorno e não ao efeito da droga. Outras intervenções não farmacológicas podem também ser introduzidas neste momento. Por exemplo, se um paciente estiver causando preocupação na equipe, esta poderá intervir com terapia ambiental, de família ou individual mais

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intensiva.

MEDICAÇÕES CONCOMITANTES

Evitar o uso concomitante de medicação ativa é a próxima exigência mais importante. Tal medicação constitui um artefato de peso porque pode enfraquecer muito a diferença droga/placebo. Assim, os tratamentos comparativos podem ser igualmente eficazes devido à medicação concomitante e não à eficácia inerente ao agente experimental. Alguns estudos têm utilizado múltiplas drogas, em diferentes doses, com algumas já conhecidas como sendo especificamente efetivas no transtorno em investigação. Por exemplo, em alguns estudos que compararam a carbamazepina ou o valproato de sódio com placebo ou com lítio, os pacientes receberam também antipsicóticos adicionais, tornando difíceis conclusões sólidas (ver Estratégias Terapêuticas Alternativas, no Capítulo 10).

O uso de medicação concomitante não deve ser confundido com medicações de resgate. Estas são agentes não-específicos (ou drogas potencialmente eficazes utilizadas em doses subterapêuticas), empregados de modo que os pacientes possam permanecer no estudo por tempo adequado, permitindo assim comparação válida entre o agente experimental e placebo (ou droga padrão).

ADEQUAÇÃO DA AMOSTRA

Igualmente crítica para um estudo devidamente planejado é a adequação da amostra (isto é, tamanho e conveniência). É difícil tirar conclusões definitivas com amostras muito pequenas (p. ex., cinco por grupo), se a variação for muito grande. A dimensão da amostra mínima necessária para fazer inferências também depende de quão grande é o tamanho do efeito da droga experimental/placebo (isto é, quanto maior o tamanho do efeito, menor a amostra necessária).

A população também deve ser apropriada ao transtorno, de modo que os pacientes incluídos tenham manifestações típicas da condição sob investigação. Assim, se estivéssemos estudando um antibiótico para o tratamento da pneumonia pneumocócica, os pacientes selecionados deveriam ter esta doença e não uma pneumonite viral. O mesmo se aplica a um antipsicótico com respeito a pacientes crônicos, resistentes ao tratamento, ou agitados e incapacitados no seu desenvolvimento. Por outro lado, ao estudarmos um agente que pensamos ser benéfico quando há resistência ao tratamento, poderíamos deliberadamente selecionar uma população de pacientes que satisfaça tais critérios.

Um aspecto relacionado são critérios de inclusão complicados que podem ser contraproducentes no sentido de que muitos pacientes que têm uma apresentação clássica e seriam excelentes para o

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estudo são excluídos porque não preenchem um ou dois critérios de menor importância. Isso resulta em uma amostra pequena demais e pode levar à inclusão de pacientes que tecnicamente se adequam aos critérios, porém, não são os mais apropriados. Isso é particularmente verdadeiro com um transtorno incomum e/ou com pacientes que são difíceis de recrutar para os ensaios clínicos (p. ex., mania aguda).

Um outro aspecto são os pacientes que se apresentam voluntariamente para um estudo anunciado pela imprensa. Sem dúvida, alguns terão o transtorno verdadeiro, porém outros, embora respondendo a um anúncio, podem preencher os critérios sintomáticos apenas minimamente e poderiam, por outro lado, não ter procurado ajuda espontaneamente.

Alguns voluntários sintomáticos podem incluir casos clássicos recentemente reconhecidos; entretanto, os pacientes encaminhados a um centro terciário de referência podem fazer parte de uma população atípica, resistente ao tratamento.

ESCALAS DE AVALIAÇÃO

Outro importante elemento é o uso de instrumentos de avaliação confiáveis e válidos. Para estabelecer se uma droga é mais eficaz do que placebo, uma avaliação global da melhora clínica é freqüentemente adequada; contudo, uma escala de avaliação também pode estabelecer a natureza qualitativa de uma resposta. O importante é que o grau e a variação do sintoma sejam quantificados. Em um estudo aberto, os pacientes são freqüentemente avaliados pela impressão global do investigador, uma abordagem obviamente sujeita a tendenciosidade. O uso de escalas quantitativas, adequadamente normatizadas e padronizadas para avaliar os pacientes antes e durante o tratamento, proporciona um elemento de objetividade. Um avaliador confiavelmente treinado utilizando instrumentos válidos e ancorados em definições operacionais claras torna a tendenciosidade muito mais difícil, mesmo que o estudo não seja duplo-cego.

ANÁLISE DOS DADOS

A apresentação dos dados e a análise estatística são dois fatores críticos. A inclusão de avaliações basais e finais para cada paciente de uma escala padronizada (ou mesmo uma escala global, semiquantitativa) permite comparações úteis entre aqueles sob tratamento ativo ou placebo. Mesmo que análises formais não sejam feitas, os achados de tais estudos são sempre impressivos e os leitores céticos podem sempre realizar suas próprias análises estatísticas.

Os números brutos, descrevendo aqueles que respondem a uma droga ativa ou a placebo, proporcionam ao clínico um "sentimento"

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do que realmente aconteceu, enquanto as mudanças médias dos escores de alguma escala abstrata podem ter pouco significado para o clínico. É melhor deixar os dados falarem diretamente ao leitor de modo não complicado, e tal apresentação deve sempre ser incluída.

Igualmente importante é o uso de análises estatísticas quantitativas adequadas, inclusive com modelos mais complicados, desde que possam manter certas variáveis constantes, controlar os artefatos e proporcionar informações suplementares. Quaisquer que sejam os testes estatísticos utilizados, estes devem ser descritos explicitamente com detalhes suficientes, de modo que o leitor saiba exatamente o que foi feito e possa fazer um julgamento a respeito de sua adequação. Por exemplo, há muitos tipos diferentes de análises de variância (ANOVA), e algumas podem não ser adequadas aos dados disponíveis. As ANOVA, ou análises de variância multivariadas (MANOVA), ou análises de covariância (ANCOVA), são métodos estatísticos familiares, porém são freqüentemente descritos de forma imprecisa. Se apenas os resultados de uma ANOVA com um p < 0,001 forem dados, o leitor pode ficar justificadamente em dúvida, já que este modelo pode não ser o mais apropriado (p é uma estimativa da probabilidade de que os resultados tenham ocorrido por acaso). Conseqüentemente, detalhes suficientes são exigidos para esclarecer que modelo foi utilizado.

TÉCNICAS DUPLO-CEGAS

Em um estudo duplo-cego, nem o paciente nem o indivíduo que avalia sabe quem está recebendo a medicação experimental ativa ou placebo. Se houver pacientes disponíveis em número suficiente para três ou mais grupos, um grupo controle com medicação ativa pode também ser utilizado.

Uma droga padrão ativa como controle serve para dois importantes propósitos. Primeiro, ela torna válido o experimento pela demonstração de que a droga ativa é claramente superior a placebo nessa população. Segundo, serve como padrão, uma vez que tem eficácia conhecida. Portanto, uma nova droga eficaz pode ser igual ou melhor do que uma droga padrão, e ambas devem ser melhores do que o placebo. Alternativamente, a nova droga pode ser menos eficaz do que a droga padrão porém mais eficaz do que placebo. Definir uma relação dose-resposta pode ajudar a identificar a dose ótima que, por sua vez, pode ser usada para validar o experimento.

ESQUEMAS DE ESTUDOS

Ótimos

Os estudos diferem entre si quanto à qualidade. Os autores sentem que vários aspectos devem ser considerados ao classificar os esquemas de estudos. Embora nossa classificação seja arbitrária,

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trata-se de um modelo que focaliza todos os critérios importantes e não apenas um (p. ex., "anonimato").

Um estudo controlado Classe I satisfaz pelo menos os nove critérios seguintes:

 1. Distribuição ao acaso 2. Ausência de medicações ativas concomitantes 3. Esquema paralelo (ou o cruzado adequado) 4. Duplo-cego controlado por placebo 5. Adequação do tamanho da amostra 6. População adequada 7. Avaliações padronizadas do tratamento 8. Apresentação dos dados clara e descritiva ou uso de análises estatísticas quantitativas e adequadas 9. Dose adequada da medicação10. Controles ativos (p. ex., droga padrão ativa)

O último critério é um fator adicional que aumenta o valor de qualquer estudo determinado.

Os estudos Classe II são aqueles que satisfazem pelo menos seis dos 10 critérios. Por exemplo, um estudo cego isolado permite alguma tendenciosidade, porém, se os outros critérios (p. ex., distribuição ao acaso, grupos paralelos etc.) são preenchidos, então os dados podem ainda ser válidos. Um esquema do tipo AB sem randomização ou análise estatística pode ainda ter muitas características excelentes. Um esquema em imagem de espelho, como o estudo de Baastrup e Schou sobre os efeitos profiláticos do lítio, seria um bom exemplo1 (ver Manutenção/Profilaxia com os Estabilizadores do Humor, no Capítulo 10). Tais estudos podem ter muitos elementos de um esquema melhor controlado, incluindo:

• Os pacientes têm uma apresentação clássica.• São utilizadas medidas objetivas, quantificáveis e significativas para avaliar os fatores clínicos importantes.• É utilizada uma amostra grande.• Há um período de observação mais prolongado.

Um estudo Classe III é aquele que satisfaz pelo menos cinco dos 10 critérios. Enquanto esses estudos possuem alguns elementos importantes de um estudo controlado, muitos aspectos não são controlados. Apesar de poder existir tendenciosidade, isto não quer dizer que ela de fato exista. Desde que nem todas as questões podem ser respondidas por um esquema Classe I por razões de praticidade ou custo, os estudos Classe II ou III são freqüentemente utilizados a fim de resolver pelo menos parcialmente as questões que, de outro modo, não seriam consideradas.

Um exemplo de estudo Classe III é o esquema tipo ABA. Um período

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variável inicial com placebo, seguido de um período variável com droga e, finalmente, um período também variável pós-droga com placebo são, contudo, suspeitos, uma vez que muitas variáveis não aleatórias podem influenciar sua duração. A escolha de quando começar uma droga ativa pode corresponder a uma piora da condição do paciente, enquanto a escolha de parar o tratamento pode prenunciar a alta, com o estresse que isso acarreta. Tais eventos não sujeitos ao acaso constituem um artefato de peso. Com um esquema assim, a equipe pode conjeturar que os pacientes estão com placebo nas fases inicial e tardia da hospitalização, e que estão com o tratamento ativo no meio do estudo, fazendo com que o anonimato seja mais ilusório do que real.

Embora haja muitos elementos passíveis de provocar confusão com esse esquema, ele de fato proporciona importantes informações sobre se um paciente recai, quando mudado para placebo após uma droga ativa. Freqüentemente não é possível fazer uma análise estatística significativa com um esquema do tipo ABA, uma vez que não há grupo-controle para comparação. O fato de que alguns pacientes melhoram mais com uma droga no período B do que no período A com placebo pode ser mais uma questão de tempo, levando ao viés de avaliação. Já que não há grupo-controle, não se pode dizer que essa melhora é maior do que a que teria ocorrido no curso natural da doença. A recaída no segundo período com placebo, no entanto, pode proporcionar informação valiosa, uma vez que alguns pacientes melhoram com placebo, porém essa melhora flutua no tempo.

Os esquemas do tipo ABA podem responder a uma outra questão científica (isto é, quando o processo patológico é "desligado", os pacientes recaem com a substituição por placebo?). Para a maioria dos psicotrópicos, nós não sabemos se a recaída ocorrerá imediatamente após a suspensão da droga, com uns poucos dias de alcançada a remissão. A doença ativa pode ter apenas sido suprimida, sendo provável a recaída após a suspensão. Uma vez que há informação limitada sobre a distinção entre manutenção e profilaxia para a maioria das drogas, esse tipo de dado traz valiosa contribuição.

Um estudo em imagem de espelho (isto é, um esquema no qual o período de tempo com o novo tratamento é comparado retrospectivamente com um período de tempo semelhante sem a nova droga) com freqüência se assemelha mais ao "mundo real" da prática clínica e, portanto, seus resultados podem ser mais facilmente generalizados.

Contudo, ocorre tendenciosidade nos estudos em imagem de espelho, dada a ausência de anonimato e a distribuição não aleatória. Uma vez que o grupo controle representa a fase prospectiva, outras variáveis podem ter-se modificado nesse ínterim. Sem anonimato, não há uma

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forma de evitar o entusiasmo do examinador com respeito a um dado tratamento. A avaliação cuidadosa através de medidas objetivas pode minimizar a tendenciosidade, porém nem todos os estudos desse tipo são assim.

Esquemas Menos Definidos

Os estudos não controlados são os mais tendenciosos, sendo as medicações concomitantes a maior fonte de erro. Por exemplo, um paciente que começou com a droga A, e que não respondeu imediatamente, recebe então a droga B; porém, a droga A pode ter um efeito retardado sobre o paciente, que é falsamente atribuído à droga B. Alguns relatos de casos podem atribuir eventos coincidentes a uma droga específica. Assim, o leitor crítico deve sempre esclarecer o papel da medicação concomitante como artefato. Algumas vezes, muitos mitos clínicos podem desenvolver-se a partir de vários relatos de casos sobre a eficácia de uma droga específica, quando todos os pacientes vinham também recebendo medicação concomitante! Efeitos colaterais raros podem ser definidos por relatos de casos, mas o autor deve sempre prevenir sobre coincidências, dando assim honestidade de propósito ao relato.

Os esquemas abertos podem diferir dramaticamente na sua qualidade. Alguns relatam uma variedade de pacientes que receberam diferentes medicações concomitantes, diagnosticados sem o uso de critérios de inclusão ou de exclusão, e têm os seus resultados determinados pela opinião clínica do investigador, baseada apenas na memória. Por outro lado, outros incluem critérios diagnósticos específicos, com pacientes que são excelentes exemplos do transtorno em estudo; utilizam apenas um tratamento; e são avaliados quantitativamente e ao mesmo tempo. Com freqüência, o mais importante ingrediente em um estudo aberto é o julgamento clínico do investigador que é, de fato, o instrumento de medida. Enquanto um investigador mais experimentado clinicamente pode permanecer não-tendencioso, aqueles com menos experiência podem errar inconscientemente a esse respeito. Os esquemas que incorporam avaliação quantitativa do registro médico são superiores aos que confiam na memória do clínico.

Finalmente, é importante distinguir cedo, na trajetória de uma droga, quais condições são beneficiadas e quais não são. O espectro de transtornos para os quais uma droga é benéfica é uma informação importante, particularmente ao se desenvolverem novas indicações para os agentes existentes, como imipramina no ataque de pânico, ou clomipramina no transtorno obsessivo-compulsivo (TOC). Uma vez que não podemos fazer estudos Classe I, II, ou III levando em conta todas as variáveis possíveis, bons estudos abertos são valiosos.

Os estudos de casos-controle sistemáticos (p. ex., um grupo-controle não randomizado) podem também proporcionar informação útil,

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porém, infelizmente, eles raramente são empregados na pesquisa psicofarmacológica. Algumas condições são raras ou colocam o paciente em perigo iminente (p. ex., a síndrome maligna dos neurolépticos [SMN]), tornando impossível a condução de ensaios controlados prospectivos. Nessas situações, uma metodologia de tipo caso-controle pode proporcionar algum grau de rigor. Contudo, uma vez que esses estudos não são de distribuição ao acaso, os resultados podem ser substancialmente tendenciosos.

CONCLUSÃO

Empregaremos nossa classificação dos esquemas de estudos no decorrer do texto, com o propósito de ajudar o clínico a interpretar a qualidade dos resultados dos ensaios clínicos. Além disso, esperamos dar ao leitor crítico uma perspectiva quanto à profundidade e à validade dos dados disponíveis. A maior parte dos estudos nas nossas análises da eficácia de drogas será Classe I ou II; se não for o caso, faremos uma discussão pertinente.

Referências

1. Baastrup P, Shou M. Lithium as a Prophylactic agent. Arch Gen Psychiatry 1967;16:162-172.

Sumarização Estatística dos Estudos de Drogas

A metanálise é um método estatístico que combina dados de estudos individuais de drogas, a fim de obter um sumário quantitativo dos seus resultados. Esse modelo estatístico inclui:

• O efeito global (isto é, quão eficaz é a droga)• A probabilidade desse efeito global ser estatisticamente significativo• Os limites de confiança estatísticos do efeito global• A extensão da variabilidade entre os estudos, bem como o grau em que isso é responsável pelos resultados discrepantes de uma pequena fração do número total de estudos • O(s) possível(eis) efeito(s) das variáveis metodológicas ou substantivas que podem alterar o resultado.

Quando possível, a metanálise é computada para sumariar os efeitos globais de ensaios clínicos controlados dos psicotrópicos comumente usados. Esses dados resumidos são utilizados para computar o tamanho do efeito e para calcular a probabilidade de que uma determinada droga seja diferente de placebo e/ou equivalente ou mais eficaz do que os tratamentos com drogas de referência. O objetivo é estimar a extensão da melhora clínica com um tratamento específico como auxílio na tomada de decisão terapêutica.

Infelizmente, a eficácia é com freqüência assumida com base em um

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conhecimento clínico ou na aceitação sem crítica dos resultados de um dado estudo. Um artigo pode rever várias referências altamente citadas para dar suporte a uma determinada posição, porém o leitor cuidadoso pode achar que muitos dos estudos citados são pobremente controlados ou relatam dados publicados mais de uma vez. Um bom exemplo é a literatura sobre o clonazepam como tratamento da mania aguda. Muitos artigos de revisão citam numerosas referências para dar suporte à sua eficácia. No entanto, um escrutínio cuidadoso da literatura revela apenas um pequeno estudo controlado, cuja interpretação é limitada pelo uso de medicação concomitante ativa (ver Lítio mais Benzodiazepínicos, no Capítulo 10). De forma ideal, para se ter um julgamento com base em informação sobre uma nova droga, deve-se considerar criticamente cada estudo isoladamente, antes de se chegar a quaisquer conclusões. Apesar do número de ensaios não controlados exceder de longe os seus correspondentes melhor elaborados, um número surpreendentemente grande de relatos controlados é publicado (isto é, aproximadamente 8.000 entre mais de 25.000 revistas médicas gerais ou de subespecialidades). A metanálise pode proporcionar uma estimativa sistemática desses dados.

MÉTODOS MAIS ABRANGENTES VERSUS METANÁLISE

A metanálise não se trata simplesmente de contar o número de estudos que apresentem uma diferença significativa; nem de tomar uma média da melhora encontrada. Hedges e Olkin se referem a tais modelos estatísticos como mais abrangentes ou "métodos de contagem de votos", observando, entretanto, que eles possuem vários problemas metodológicos.1 Por exemplo, não ponderam os estudos de acordo com critérios padronizados, como o número de indivíduos de um relato. Além disso, esses métodos calculam apenas um parâmetro estatístico, indicando a probabilidade de que os estudos considerados em conjunto mostrem uma diferença estatisticamente significativa.

Uma importante diferença entre esse método e a metanálise é a capacidade de esclarecer se todos os estudos incluídos mostram um tamanho de efeito consistente (isto é, estimam a homogeneidade). Por exemplo, se alguns poucos estudos encontram uma grande diferença e a maioria não encontra diferença alguma, um método mais abrangente poderia ainda produzir uma diferença estatisticamente significativa. A conclusão apropriada, contudo, é que os resultados através dos estudos são altamente inconsistentes. Assim, com métodos mais abrangentes, os erros em uns poucos pequenos estudos podem contribuir de modo desproporcional para os resultados finais, fenômeno que Gibbons, Janicak e Davis (1987) ilustraram com simulações.2 Os métodos metanalíticos neste texto compararão sempre grupos experimentais com controles e não empregam os métodos mais abrangentes.

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Com a metanálise, a significância estatística dos resultados combinados pode ser impressionante quando todas as diferenças estão na mesma direção. Por exemplo, quando os autores realizaram uma metanálise sobre a probabilidade de que a manutenção dos antipsicóticos produzisse uma taxa mais baixa de recaída nos esquizofrênicos do que o placebo (53% recaíram com placebo e 20% com antipsicóticos de manutenção), a diferença foi significativa em 10-100! De modo típico, quando múltiplos estudos têm a mesma resposta, os resultados de uma metanálise terão significância estatística acentuada. Ao contrário, valores de p de 0,05 ou 0,01 são muito difíceis de serem interpretados, desde que um artefato em um único estudo pode produzir tais níveis de significado "não significativos".

Um dos principais propósitos da metanálise é demonstrar que os achados são consistente e impressionantemente significativos do ponto de vista estatístico, quando os estudos são combinados. Quando há um achado consistente, com alguns estudos claramente significativos e outros com fortes tendências, um método de marcar pode mostrar erroneamente alguns resultados positivos e alguns resultados negativos. Com freqüência, os grandes estudos são positivos, porém, alguns estudos menores, ostensivamente negativos, mostram uma forte tendência que não alcança significância estatística devido ao limitado tamanho da sua amostra.

MÉTODO ESTATÍSTICO METANALÍTICO

Em todo este livro, os autores empregaram uma pesquisa da literatura, assistida por computador, para todos os estudos sobre um determinado psicotrópico; revisaram a bibliografia de cada relato, a fim de identificar outros artigos pertinentes; e obtiveram também traduções dos artigos relevantes em língua não inglesa, sempre que possível. Todos os estudos duplo-cegos, com distribuição aleatória da literatura mundial, que testaram uma determinada droga contra placebo ou outro(s) agente(s) padrão(ões) foram sistematicamente identificados. Em seguida, as técnicas padronizadas recomendadas por Hedges e Olkin (1985) para variáveis contínuas ou o modelo de Mantel-Haenszel para as variáveis descontínuas foram empregadas.1 Uma vez que os dados contínuos são estatisticamente mais poderosos do que os dados discretos, eles foram usados preferencialmente, quando disponíveis, para derivarem o tamanho do efeito. O tamanho da amostra (N), a média (x _) e os desvios padrões (DP), foram extraídos, bem como quantos pacientes tiveram uma resposta boa ou pobre, derivando um ponto de corte para separar os responsivos dos não-responsivos. Quando uma escala semiquantitativa era fornecida, os pacientes com melhora de moderada para cima eram classificados como "responsivos" e aqueles com melhora mínima, ou sem mudança, ou piores, como "não-responsivos". Para a maior parte dos estudos sobre medicações, a maioria dos pacientes com placebo era geralmente cotada como

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minimamente melhorada, tornando esta escolha particular de um ponto de corte a forma ótima de distinguir as diferenças entre droga e placebo. Assinalamos aqui a importância de se ter um limiar de trabalho definido a priori, uma vez que a escolha do melhor ponto de corte em cada estudo individual tornaria o resultado tendencioso.2

Inspeção Gráfica dos Resultados

A essência da metanálise é a inspeção dos dados. Assim, essa abordagem produz uma representação visual de cada estudo no contexto de todos os outros. Uma revisão dos escores reais das escalas de avaliação dá ao leitor crítico um sentimento a respeito dos dados, bem como um índice de suspeição quanto à existência de variabilidade indevida. Isso é de longe mais importante do que qualquer parâmetro estatístico.

Os estudos na literatura freqüentemente apresentam uma grande variedade de dados obtidos com diferentes escalas de avaliação, instrumentos de medida e técnicas estatísticas. Isso torna difícil comparar e contrastar esses estudos mantendo constantes resultados expressos em uma grande variedade de unidades. Em estatística, os escores reais são freqüentemente convertidos em escores padronizados pela subtração de um dado valor para cada sujeito da média e dividindo-se o resultado pelo desvio padrão. Isso cria um novo valor em unidades de escore Z, com média igual a zero e desvio padrão igual a 1 (isto é, escores padrões). Na metanálise, a média do grupo-controle é subtraída da média do grupo experimental e dividida pelo desvio padrão combinado de ambos os grupos. Isso é semelhante ao conceito de porcentagens. Assim, os dados são expressos em unidades uniformes em vez de médias e desvios padrões reais, que freqüentemente variam de forma substancial entre os estudos. Com a metanálise, se um dado estudo é discrepante (p. ex., tem uma alta taxa de resposta placebo ou uma taxa de eficácia da droga incomumente alta), isto sobressairá; e poderá ser expresso graficamente, utilizando-se unidades Z derivadas dos tamanhos do efeito; ou porcentagem de resposta versus porcentagem de não resposta; ou o odds ratio (termo estatístico utilizado como alternativa ao chi-quadrado). Pode-se olhar a lista e observar a diferença droga-placebo, bem como a variabilidade entre os estudos (p. ex., ver Quadro 7-16). O leitor pode então verificar se o achado é semelhante em todos os estudos ou, ao contrário, se há um grande efeito em alguns mas não em outros.

Portanto, a metanálise extrai resultados de cada estudo e os expressa em uma unidade comum, de modo que se possa facilmente compará-los e contrastá-los. Isso nos permite focalizar a hipótese em exame, em vez de sermos distraídos pela miríade de diferenças entre os estudos.

Quando os resultados de vários estudos são convertidos em unidades

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semelhantes, uma simples inspeção de um gráfico ou tabela revela prontamente que estudos têm resultados diferentes da maioria. Tais discrepâncias podem também ser examinadas por uma variedade de índices estatísticos. Por exemplo, pode-se calcular um índice estatístico de homogeneidade, remover o estudo mais discrepante e refazer os cálculos, revelando-se que todos, exceto um estudo, são homogêneos. Se dois estudos são discrepantes, pode-se remover ambos e reexaminar de novo os índices de homogeneidade e assim por diante. Por exemplo, os autores resumem a eficácia relativa da colocação unilateral não-dominante dos eletrodos versus colocação bilateral na administração da eletroconvulsoterapia (ECT). Aqui, 10 estudos tinham um resultado, e dois outros uma resposta diferente (ver Quadros 8-10 e 8-11).

Tamanho do Efeito

O tamanho do efeito define a magnitude da diferença entre os grupos experimental e controle. Isso é um tanto diferente da significância estatística, que é a probabilidade de que tal achado possa ocorrer por acaso, levando à rejeição da hipótese de nulidade. A significância estatística é primariamente determinada pelo tamanho da amostra, de modo que estudos com um grande número de sujeitos podem encontrar um resultado altamente significativo. Em contraposição, o tamanho do efeito é independente do tamanho da amostra. Assim, em um estudo com seis pessoas, se dois pacientes em três são beneficiados por um antipsicótico e um em três melhora com placebo, este resultado não seria estatisticamente significativo. No entanto, se 200 em 300 pacientes se beneficiam de um antipsicótico, enquanto apenas 100 em 300 se beneficiam de placebo, isto seria altamente significativo do ponto de vista estatístico. Embora o tamanho do efeito (isto é, 67% melhorando com droga e 33% com placebo) seja o mesmo em ambos os estudos, apenas os resultados do segundo têm significância estatística, por causa do maior tamanho de sua amostra.

O tamanho do efeito de uma variável contínua é freqüentemente expresso como a diferença entre a média do grupo experimental menos a média do grupo-controle, dividida pelo desvio padrão combinado. Por exemplo, no Capítulo 5, dados do estudo colaborativo do National Institute of Mental Health (NIMH) demonstraram que os pacientes tratados com antipsicótico tiveram um aumento médio de 4,2 pontos em uma escala de melhora de 6 pontos, enquanto que os pacientes com placebo tiveram em média uma melhora de apenas 2,2 pontos (isto é, uma diferença média de 2 pontos). O desvio padrão desses dados foi de aproximadamente 1,7, de modo que, em unidades de tamanho de efeito, a melhora foi de aproximadamente 1,2 (isto é, 2,0/1,7) unidade de desvio padrão. Para dados descontínuos, o tamanho do efeito em uma comparação droga-placebo é geralmente expresso como a diferença entre o percentual de melhora com a droga experimental e o percentual de melhora com

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placebo.

Exemplos de metanálises, neste texto, que determinaram o tamanho do efeito de vários psicotrópicos incluem (ver Quadros nos Capítulos 5 e 7):

• Antipsicóticos de manutenção versus placebo• Antipsicóticos de manutenção de depósito versus oral• Antipsicóticos de manutenção com ou sem terapia psicossocial• Vários antidepressivos individuais versus placebo no tratamento agudo• Combinação de antidepressivos cíclicos e combinação de antidepressivos inibidores da monoaminoxidase (IMAO) versus placebo no tratamento agudo• Antidepressivos de manutenção versus placebo

Interpretação do Tamanho do Efeito

Quando há vários estudos duplo-cegos, a questão da eficácia é em geral prontamente determinada. Se a probabilidade da superioridade de uma droga sobre placebo é significativa (isto é, 10100 a 1020), e o tamanho do efeito é consistente, a possibilidade de um resultado falso-positivo é nula. A única possível exceção é um defeito metodológico qualitativo importante.

Tamanho do Efeito na Farmacoterapia em Medicina

A fim de fornecer um contexto mais geral no qual avaliar os tamanhos do efeito de vários psicotrópicos, considerar os dados sobre a eficácia de vários tratamentos médicos, como a penicilina e a estreptomicina na pneumonia pneumocócica, é de ajuda. Quando a penicilina foi descoberta, a metodologia duplo-cega não era utilizada com freqüência e a terapia padrão eram as sulfas. Em estudos abertos, a penicilina reduziu a taxa de mortalidade pela pneumonia em cerca de 50%. Quando a estreptomicina foi introduzida, os esquemas duplo-cegos, com distribuição ao acaso, estavam sendo utilizados, e os ingleses conduziram um estudo envolvendo vários sanatórios. Eles estabeleceram um tamanho de efeito para a estreptomicina que pode ser expresso como variável contínua (isto é, 0,8 unidade de tamanho do efeito) ou como uma variável descontínua (isto é, 69% dos pacientes melhoraram com estreptomicina versus 36% com placebo). Nós tabulamos todas as terapias com drogas utilizadas como adjuntas à cirurgia, a fim de determinar as eficácias relativas (Quadro 2-2). Desde que os resultados variaram de completamente ineficazes a substancialmente benéficos, isto representa uma amostra de tamanhos de efeito não tendenciosos.

Esses exemplos quantificam os efeitos benéficos de uma seleção não tendenciosa dos antibióticos padrões utilizados como tratamentos adjuvantes. O propósito é dar ao clínico uma apreciação da

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magnitude da melhora, enquanto nos permite também colocar os psicotrópicos recentes no contexto da eficácia de outras drogas nos transtornos médicos e cirúrgicos em geral. De modo geral, os psicotrópicos alcançaram ou excederam o efeito desses tratamentos médicos com drogas.

Intervalo de Confiança

Uma questão importante na metanálise é a consistência dos resultados (isto é, seu intervalo de confiança). Assim, nós não apenas queremos saber quão mais eficaz é uma droga, mas se todos os ensaios clínicos concordam com a magnitude do efeito terapêutico.

ASPECTOS CRÍTICOS NA METANÁLISE

Há vários aspectos que precisam ser considerados quando se interpretam os resultados de uma metanálise, incluindo-se:

• Escolha dos estudos• Seleção dos pacientes que entram nos ensaios clínicos• O problema dos "arquivos engavetados"• Padrão dos resultados• Dados contínuos versus dicotômicos• Relato dos desvios padrões• Esquemas cruzados• Dados redundantes.

Escolha dos Estudos: a Necessidade de um Grupo-Controle

Um aspecto metodológico crítico para uma metanálise adequada é a escolha dos estudos. É importante que todos os estudos preencham razoavelmente os critérios; de outra forma, há a introdução potencial de tendenciosidade. Os autores escolheram apenas aqueles que possuíam um grupo-controle apropriado, que forneciam um padrão pelo qual os efeitos de uma droga poderiam ser medidos. Em contraposição, têm havido metanálises de múltiplos estudos sobre psicoterapia, todas feitas sem grupos de comparação, ou com grupos de comparação inválidos. Combinar os tamanhos de efeito desses estudos reflete mais o entusiasmo do investigador do que qualquer efeito verdadeiro, uma vez que não há comparação verdadeira.

Pacientes Incluídos nos Ensaios Clínicos

A maioria dos ensaios clínicos estuda pacientes "voluntários" recém-admitidos que entram em um centro de pesquisa e são mantidos sem droga durante uma semana ou mais. Os pacientes mais gravemente comprometidos, no entanto, não são candidatos à pesquisa. Do mesmo modo, desde que os voluntários sintomáticos são freqüentemente utilizados nos estudos com pacientes ambulatoriais,

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pode ser mais difícil confirmar a presença de um determinado transtorno, especialmente em função da freqüente falta de testes diagnósticos válidos e confiáveis. Assim, fica em questão a possibilidade de se generalizar os resultados dos estudos.

Problema dos Arquivos Engavetados

Uma das mais importantes falhas da metanálise foi rotulada de problema do "arquivo engavetado" por Easterbrook et al., 1991.3 Em um levantamento recente eles indicaram que os estudos com resultados positivos tinham probabilidade duas vezes maior de serem publicados (geralmente em jornais mais prestigiados e, portanto, mais qualificados). Assim, há uma tendência sistemática de que sejam publicados os resultados positivos e de que sejam "arquivados" os resultados negativos, os quais não são relatados.

Dada a tendência de os resultados negativos não serem publicados, tentamos incluir os ensaios duplo-cegos com distribuição aleatória apresentados em encontros científicos, em simpósios e em exposições, ou os dados não publicados disponíveis a partir do(s) próprio(s) autor(es), da indústria farmacêutica ou do governo.

Esse problema vai além dos artigos não publicados, com alguns investigadores que realizam múltiplas análises estatísticas e enfatizam o resultado mais favorável. De fato, nós encontramos relatos únicos com discussões estatísticas detalhadas quanto a um aspecto do estudo, referindo-se apenas de passagem a um aspecto negativo que não foi estatisticamente significativo. Um exemplo disso é o relato do benefício do lítio no tratamento da dependência do álcool.4 Aqui, o resultado negativo nos alcoolistas sem transtorno afetivo não é adequadamente apresentado para comparação com os correspondentes sem transtorno do humor (ver o Paciente Alcoolista, no Capítulo 14).

Revisar o número real de pacientes permite eliminar publicações repetindo os mesmos dados, uma vez que os resultados positivos são muito mais prováveis de serem publicados mais de uma vez. O rigor metodológico de uma boa metanálise previne contra tendenciosidades, resultados fortuitos e, o que é mais importante, contra ser abertamente influenciado por uns poucos relatos positivos.

O problema do arquivo engavetado tem também implicações na interpretação da metanálise. Certas técnicas, particularmente o método da contagem de votos ou o método abrangente, favorecem qualquer resultado positivo quando do resumo estatístico final. Além disso, com o método de contagem de votos (ou com o método abrangente), freqüentemente se tabula o voto de acordo com a avaliação mais positiva, que é geralmente mais enfatizada pelo autor do estudo.

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Uma outra precaução é calcular o número de pacientes cujos resultados negativos (hipoteticamente escondidos em uma gaveta de arquivos) resultariam na conversão de uma metanálise positiva em negativa.

Nós acreditamos que o problema dos arquivos engavetados traz menos problemas em metanálise do que na revisão narrativa que freqüentemente lista apenas aquelas publicações que sustentam uma conclusão particular. Quando os documentos "originais" são lidos, no entanto, eles com freqüência demonstram ser revisões de outras referências! Assim, a lista de referências dá a falsa impressão de mais estudos do que os que realmente foram feitos. Outros problemas incluem:

• Os estudos listados como "controlados" não incluem distribuição ao acaso ou um grupo-controle válido.• Os estudos são citados erroneamente.• Uma conclusão ou um abstrato é citado porém não é consistente com os dados do artigo.• Os mesmos dados aparecem em múltiplas publicações.

Interpretação do Padrão dos Resultados

O padrão e a consistência dos resultados através de todos os estudos são muito importantes. Por exemplo, se houver uns poucos estudos positivos com tamanho de amostra pequeno e muitos estudos negativos com amostras grandes, é provável que os estudos menores tenham sido aberrações. Se os resultados entre os estudos individuais são altamente discordantes, é um erro concluir que o efeito global é significativo. Preferentemente, a conclusão é que alguns estudos mostram um efeito da droga e outros não, exigindo-se uma explicação para a discrepância. É preferível avaliar os estudos através de algum critério estabelecido a priori para rigor metodológico e então examinar se há um tamanho de efeito igual nos estudos mais rigorosos versus menos rigorosos.

Dados Contínuos versus Dados Categóricos

Em sua maior parte, as metanálises utilizadas neste texto são baseadas em tabelas de contingência 2 x 2, que incluem o número de responsivos ou não-responsivos a um determinado tratamento. Uma vantagem dos dados dicotômicos é que a informação de assuntos individuais pode ser resumida (isto é, os resultados provêm dos pacientes reais). Em um sentido, isso não é estritamente uma metanálise, uma vez que os cálculos não são feitos com parâmetros resumidos, mas com observações dos sujeitos individuais. Tal abordagem tem a vantagem da diretividade, entretanto, o percentual de pacientes que respondem ou não respondem a um novo tratamento, a um tratamento padrão, ou a placebo, é intuitivamente significativo para os clínicos, enquanto uma

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mudança de 0,8 unidade de desvio padrão pode não ser.

Descrição do Desvio Padrão

Uma metanálise não pode ser calculada, a menos que os desvios padrões pertinentes sejam conhecidos. Infelizmente, os relatos clínicos com freqüência dão o tamanho da amostra e as avaliações médias dos vários grupos, porém, não relatam os desvios padrões (ou o erro padrão da média [EPM]), que são necessários para os cálculos do tamanho do efeito. Desse modo, os investigadores devem sempre relatar os índices de variabilidade (p. ex., intervalos de confiança, desvios padrões) para as variáveis críticas relacionadas com sua hipótese primária.

Esquemas Cruzados

Os ensaios cruzados desempenham um importante papel na pesquisa psicofarmacológica. Uma vez que não havia método algum para se fazer metanálises com tais esquemas, os autores desenvolveram um método (uma variação do método de Hedges para os esquemas não cruzados), com uma modificação adequada para dados pareados.5

Dados Redundantes

Não é apropriado avaliar estatisticamente um paciente estudado com duas medidas diferentes como se aquele paciente fosse duas pessoas diferentes (isto é, cada paciente pode ser contado apenas uma vez). Por exemplo, os investigadores podem inicialmente relatar os primeiros 20 sujeitos e em um segundo artigo relatar um total de 60, incluindo os 20 sujeitos originais. O mesmo paciente contado duas vezes (ou mais) ampliará qualquer achado. Adicionalmente, introduz tendenciosidade ao dar um peso indevido aos achados de grupos que relatam seus dados em múltiplas publicações, em contraposição àqueles que relatam seus dados apenas uma vez.

CONCLUSÃO

As informações apresentadas neste capítulo proporcionam o conhecimento para as seções seguintes, que resumirão quantitativamente a literatura controlada para as várias classes de psicotrópicos. Em todos os casos, os dados foram obtidos de ensaios clínicos controlados comparando um tratamento novo (ou experimental) a placebo ou a um agente padrão. O objetivo de tais resumos é dar ao leitor uma "linha de base" crítica, destituída de nossas tendenciosidades subjetivas, bem como das tendenciosidades de publicações isoladas, inconsistentes com a tendência encontrada quando os dados controlados são combinados.

Referências

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1. Hedges LV, Olkin I. Statiscial methods for meta-analysis. Orlando, Florida: Academic Press, 1985.

2. Gibbons RD, Janicak PG, Davis JM. A response to Overall and Rhoades regarding their comment on the efficacy of unilateral vs. bilateral ECT [Letter to the Editor]. Convulsive Ther 1987;3(3):228-237.

3. Easterbrook P, Berlin JA, Gopalan R, Matthews DR. Publication bias in clinical research. Lancet 1991;337:867--872.

4. Reynolds RN, Mercy J, Coppen A. Prophylactic treatment of alcoholism by lithium carbonate: an initial report. Alcohol Clin Exp Res 1977;1(2):109-111.

5. Gibbons R, Hedeker DR, Davis JM. Estimation of effect size from a series of experiments involving paired comparisons.j Educ Stat (in press).

Aspectos do Paciente

CONSENTIMENTO INFORMADO

Avaliação da Capacidade de Consentir

O tratamento deve sempre implicar um contrato entre o paciente (consumidor) e o clínico (fornecedor). Qualquer contrato assume que o paciente possui tanto a capacidade de dar o consentimento como a disposição de fazê-lo. Os clínicos que tratam os pacientes decidem sobre a questão da capacidade (explícita ou implicitamente) cada vez que hospitalizam, realizam cirurgia ou tratam com drogas.1 Há um imperativo incorporado na lei estabelecendo que, com apenas certas exceções, um consentimento válido é um pré-requisito necessário em qualquer decisão clínica de fornecer um tratamento. Há uma analogia que pode ser feita entre a capacidade e a doença mental. Os clínicos com freqüência não concordam com a definição de um transtorno mental, porém, trata-se de um conceito de significação prática constante. As pessoas são confinadas em conseqüência de um transtorno mental que prejudica significativamente seu julgamento, ou são liberadas caso se considere que não possuem transtorno mental algum. Quando a insanidade é o problema, as pessoas serão ou não responsáveis pelas suas ações decorrentes de um transtorno mental. Com grande dificuldade e limitações apreciáveis, os psiquiatras desenvolveram padrões para reconhecer e categorizar esses transtornos. Embora a aceitação dos padrões não seja unânime, eles são pelo menos consensuais.

Com os pacientes ambulatoriais que são legalmente competentes, os aspectos referentes ao consentimento em geral não são problemáticos. Esses pacientes podem simplesmente recusar seu

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tratamento e/ou procurar ajuda de um outro terapeuta, havendo pouca dúvida de que eles estão agindo competente e voluntariamente. Entretanto, em um ambiente hospitalar (especialmente no setor público), há vários pacientes involuntários para os quais os aspectos legais são muito relevantes. Assim, os pacientes confinados involuntariamente, em geral, não têm as mesmas opções que os seus correspondentes ambulatoriais, e os aspectos relativos aos seus direitos legais tornam-se um fator crítico ao se planejar o tratamento.

Nós advogamos uma abordagem orientada para o consumidor na relação médico-paciente. Assim, o terapeuta deve preferivelmente educar e aconselhar do que ditar o tratamento. Uma vez que os pacientes devem viver com a sua doença, assim como tolerar os tratamentos prescritos, eles devem desempenhar uma parte ativa nas decisões. De forma ideal, diferentes opções são examinadas quanto aos méritos relativos, e então o médico recomenda um plano de tratamento. Na prática ambulatorial típica, as duas partes concordam com o plano de avaliação e tratamento, com o paciente sempre dando a palavra final. Se houver discordância, um compromisso satisfatório para ambos pode sempre ser alcançado. Uma terceira situação ocorre quando um compromisso não pode ser estabelecido. Na maioria dos exemplos, o paciente procura cuidados em outra parte, desde que os médicos, em boa consciência, não possam aquiescer com um plano de tratamento inconsistente com o seu julgamento profissional e/ou exclusivamente ditado pelo paciente. Os exemplos incluem o indivíduo paranóide que recusa a medicação com base em sua ideação delirante, porém não pode ser confinado; e o paciente que solicita uma medicação que o médico não pode prescrever por questões éticas.

A única exceção a essa abordagem envolve os pacientes que são incapazes de tomar uma decisão em seu próprio interesse e/ou provocam perigo iminente em virtude do seu transtorno mental. Neste caso, o paciente é protegido pelos sistemas legal e médico. As leis da maioria dos estados permitem o confinamento quando os pacientes provocam perigo iminente para si próprios e/ou outros, devido ao seu transtorno mental. Quando não havia tratamento ativo, o confinamento era a única opção disponível. Atualmente, com a disponibilidade de drogas muito eficazes, a hospitalização não dura habitualmente mais do que umas poucas semanas. Assim, o tratamento deve ser o foco do diálogo médico-legal e o confinamento apenas um veículo para assegurar que seja adequado.

Os autores vão sugerir procedimentos específicos para a avaliação da capacidade de consentir, bem como cursos de ação permissivos que seguem logicamente tais avaliações2 (ver Figura 2-1).

Exame do Estado Mental

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Capacidade de Comunicação. O exame do estado mental é crítico para a determinação da capacidade do paciente de consentir e a capacidade de comunicar-se é um pré-requisito absoluto (ver Avaliação Diagnóstica, no Capítulo 1). Deficiências psicomotoras, como mutismo ou catatonia (do tipo isolado), afetam severamente a capacidade fundamental do indivíduo em comunicar qualquer apreciação dos aspectos envolvidos e suas ramificações. Embora um indivíduo possa realmente ser bem orientado, apreciar intelectualmente e mesmo lembrar-se posteriormente dos eventos que ocorreram e dos aspectos envolvidos, ele não é capaz de consentir se for incapaz de demonstrar essas faculdades.

Memória. Se for capaz de comunicar-se, o próximo fator a ser considerado é a memória. Mais comumente a memória recente está prejudicada, porém, em uma situação aguda (p. ex., no estado confusional induzido por droga), a memória imediata pode também estar comprometida. Com freqüência, danos da memória imediata e recente estão superpostos a um estado orgânico crônico (p. ex., demência degenerativa), com problemas adicionais na memória remota. Quanto mais houver componentes da memória envolvidos e quanto maior a gravidade do comprometimento em qualquer deles, menor será a capacidade de o indivíduo registrar, reter e lembrar-se adequadamente da informação necessária para dar o consentimento. Os componentes da memória mais críticos envolvem o espectro do funcionamento imediato-recente. Uma disfunção grosseira desses processos de memória pode em geral ser testada no exame padrão do estado mental. Componentes da memória imediata-recente intactos são também um pré-requisito para dar o consentimento informado.

Orientação. Nos distúrbios biológicos agudos, como na intoxicação por fenciclidina (PCP), ou em um desequilíbrio eletrolítico, a desorientação pode ocorrer em todas as esferas (p. ex., pessoa, lugar, tempo, situação), incluindo as relações espaciais. A uma pessoa gravemente desorientada quanto a uma situação, falta claramente a capacidade, sendo ela inapta para apreciar a natureza da interação. Contudo, pode-se estar desorientado quanto a outras esferas e ainda ser capaz de consentir. O médico deve certificar-se de quais esferas estão afetadas, bem como da disfunção em cada uma. Se houver uma insuficiência significativa tanto da memória quanto da orientação, a capacidade deve ser considerada pelo menos como diminuída, senão inteiramente ausente. Desde que esses problemas podem ter um curso flutuante, melhorando e deteriorando-se intermitentemente, a avaliação repetida no tempo é necessária para que se alcance uma conclusão válida. Em suma, tanto a memória quanto a orientação podem estar substancialmente intactas o suficiente para sustentar a conclusão de que o paciente pode dar o consentimento.

Funcionamento Intelectual. A qualidade do funcionamento

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intelectual de um paciente, no contexto de suas experiências pessoais nos campos educacional, social e cultural, deve também ser considerada. No mínimo, um paciente deve demonstrar a capacidade de expressar compreensão de aspectos em um nível comparável ao da maioria daqueles com inteligência média. Esse processo cognitivo pode ser testado pedindo-se ao paciente para resumir ou reformular e expressar um conceito, questão ou situação colocada pelo examinador. Esse exercício obviamente exige julgamento do médico na escolha dos itens aos quais o paciente responde, bem como na avaliação do nível intelectual mostrado pelas respostas. A probabilidade da presença de tendenciosidade clínica é geralmente maior, quanto "mais acentuado" for o processo cognitivo em exame. Em certo sentido, o médico deve ser capaz de sair-se tão bem quanto aquele que permite a aplicação conscienciosa do seu próprio padrão de "bom senso". O limiar de funcionamento intelectual adequado é uma resposta que proporciona a evidência de que o processamento abstrato e lógico está intacto.

Teste da Realidade. Os seguintes aspectos a serem avaliados são a percepção da realidade e a qualidade do conteúdo do pensamento. Um exemplo seria um paciente gravemente deprimido que expressa sentimentos de culpa e de inutilidade, às vezes ao ponto de compreender mal a explicação de um tratamento prescrito. Do ponto de vista do médico, a recomendação apresentada é um meio de aliviar os sinais vegetativos da depressão; contudo, do ponto de vista distorcido de um paciente gravemente deprimido, isso pode ser interpretado como uma punição justificada. Uma explicação cuidadosa do modo e do objetivo de um tratamento proposto deve ser seguida de tentativas de extrair uma resposta dos pacientes, que revelarão a extensão do seu teste de realidade.

Insight e Julgamento. Os aspectos relacionados com insight e julgamento são particularmente difíceis de avaliar, desde que a visão do médico seja tendenciosa em função do seu próprio sistema de valor pessoal. Além disso, esses processos são aspectos muito mais complicados do funcionamento cognitivo e, de fato, podem ser conceituados como o ponto culminante dos fatores discutidos previamente.

No mínimo, os pacientes devem manifestar uma consciência básica a respeito da relação entre eventos específicos em suas vidas e a condição para a qual o tratamento é proposto. Isso definiria o insight mínimo necessário para dar o consentimento.

Embora geralmente avaliados juntos, um insight conservado não implica uma capacidade de julgamento perfeita, a qual também envolve uma consciência da condição atual (isto é, uma compreensão tanto do problema quanto do processo pelo qual o seu alívio pode ser conseguido). Embora a avaliação do julgamento seja complicada pelo inevitável envolvimento do sistema de valor do clínico, essa avaliação

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deve ser feita à luz dos valores expressos pelo próprio paciente, colocando de lado quaisquer conflitos entre o sistema de valor do paciente e o do examinador. Esse processo é melhor alcançado extraindo-se as premissas subjacentes às decisões do(s) paciente(s). Essas premissas podem ou não ser "razoáveis", porém, se elas são consideradas razoáveis pelo médico (embora, talvez, na opinião do médico, sejam errôneas), dever-se-ia concluir que o paciente é capaz. Caso contrário, a entrevista deve continuar, sendo possível que as premissas sejam produtos da doença do paciente. Essa conclusão abrandaria a falta de um achado de capacidade, embora não fosse conclusiva. Somente quando a base da decisão é claramente resultado da doença é que a falta de racionalidade da decisão pode indicar incapacidade. Assim, se a decisão não for razoável, porém não é um produto da doença, haveria o achado de capacidade.

Fator Idade. Uma questão final é o problema da idade, que pode também desempenhar um papel significativo. Ao considerar este fator, Stanley et al. (1984) compararam pacientes idosos (idade média = 69,2 ± 5,3) com pacientes da clínica médica (idade média = 33,7 ± 6,6) quanto à capacidade de consentir.3 Enquanto ambos os grupos tenderam a tomar decisões razoáveis, os pacientes idosos demonstraram uma compreensão mais pobre de vários elementos do processo de consentimento informado.

Testes de Capacidade

Com o propósito de desenvolver regras operacionais mais precisas, os autores relacionaram os componentes mais importantes de uma avaliação psiquiátrica (especialmente aquelas consideradas mais importantes na avaliação da capacidade) com relação a vários testes formulados pelos tribunais.

Em uma revisão de literatura, Roth et al. (1977) concluíram que há cinco categorias de testes de competência (isto é, capacidade):4

• "Evidência de uma escolha", o que verifica a presença ou a ausência de uma decisão do paciente a favor ou contra um tratamento

• O teste do "resultado razoável de uma escolha", que avalia a capacidade do paciente de tomar a decisão "razoável", "certa" ou "responsável"

• O teste da "escolha baseada em razões racionais", que tenta determinar a qualidade do pensamento do paciente e se este é produto de uma doença mental

• A "capacidade do paciente compreender" os riscos, benefícios e alternativas ao tratamento (inclusive a de não tratar)

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• A "compreensão real", que define a competência baseada na precisão das percepções do paciente.

Roth et al. defendem que, na prática, a competência é geralmente determinada pela interação entre um ou mais desses testes e duas outras variáveis: a razão risco/benefício do tratamento e a validade da decisão do paciente (isto é, o consentimento ou a recusa do tratamento).4 Nós incluímos validade como um fator em nossas regras, uma vez que a concordância ou falta de concordância entre o paciente e o médico pode ditar diferentes cursos de ação, pela preferência predominante estar de acordo com os desejos expressos do paciente. Entretanto, excluímos a razão risco-benefício como um fator, desde que de forma ideal essa consideração deve ocorrer antes ou depois da avaliação da capacidade, mas não como parte da determinação real.

Algoritmo para Avaliar a Capacidade de Consentir

Esse esquema assume um paciente adulto, que não esteja sob proteção legal e que se apresenta com um transtorno não emergente. Primeiro, os componentes da avaliação psiquiátrica são listados na ordem em que deveriam ser considerados. Segundo, indicamos os vários cursos de ação que o clínico pode tomar em resposta a situações específicas (p. ex., buscar a determinação do tribunal quanto à capacidade de consentir). Finalmente, os vários testes de capacidade estão relacionados aos fatores clínicos mais pertinentes a cada teste (Figura 2-1).

Consentimento Informado

Uma vez assegurada a capacidade de consentir, deve-se verificar se a decisão do paciente de aceitar ou recusar o tratamento foi informada e tomada livremente. A informação contida em uma interação pessoal entre dois indivíduos envolvendo um paciente deve ter as seguintes características:

• Acurada

• Adequada (completa quanto aos detalhes necessários, como nome, natureza e propósito do tratamento)

• Compreensível para o paciente e inclui a oportunidade para que o paciente faça perguntas

• Apropriada

• Descreve o(s) benefício(s) potencial(is), incluindo a probabilidade de sucesso

• Indica os riscos potenciais (p. ex., efeitos colaterais e complicações)

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• Apresenta alternativas, se existirem algumas razoáveis

• Explica os resultados antecipados sem tratamento

O uso de livretos, videocassetes ou audioteipes nunca deve tomar o lugar de um encontro pessoal com o paciente. Uma ficha de anotações datada, assinalando a evolução, incluindo os detalhes acima, é em geral considerada uma documentação suficiente.

O Direito ao Tratamento

Um dos desenvolvimentos mais controvertidos, se não paradoxais, quanto aos aspectos legais em saúde mental, tem sido o estabelecimento do direito do paciente ao tratamento, acompanhado da sua contrapartida legal – o direito de recusar o tratamento.5 Embora alguns afirmem não existir conflito entre esses dois direitos, a realidade é que eles estão freqüentemente em disputa. O problema é mais óbvio com os pacientes confinados involuntariamente, onde o direito de recusar o tratamento contradiz o motivo de sua hospitalização.

Enquanto o princípio de inviolabilidade exige de nós o respeito às decisões do paciente quanto ao tratamento em todas as situações ordinárias, exceções são necessárias em circunstâncias extraordinárias. A possibilidade de dano sério é o fator determinante aqui, o que impede um direito absoluto de se fazer suas próprias escolhas quanto à saúde.

Propomos que todas as pessoas mentalmente doentes, sentenciadas ou presumivelmente incompetentes, manifestam o direito de declarar sua objeção ou recusa ao tratamento e que quaisquer dessas preocupações sejam escutadas. O fator crítico com relação às recusas ao tratamento pelo paciente mentalmente doente é se, quando, como e por quem tal recusa pode ser vencida. Na opinião dos autores, é melhor que a decisão de prevalecer sobre uma recusa ao tratamento seja tomada por uma equipe médica do que pelo sistema legal; tal decisão deve ser tomada prontamente.6

Conseqüências da Recusa ao Tratamento. A translação do abstrato problema direito-de-recusa para os efeitos sobre o mundo real revela sérias conseqüências, mais complicadas do que se pode prever. Por exemplo, existe pesquisa confiável mostrando que a psicoterapia sem medicação não é efetiva no tratamento de transtornos tão graves quanto a esquizofrenia.7,8 Portanto, freqüentemente, não há tratamento alternativo, menos restritivo, sendo a única opção real não tratar.

O processo judicial demonstrou ser prejudicial aos pacientes,

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tomando com freqüência muitos meses (4 em média). Durante esse período sem medicação, danos sérios podem ocorrer ao paciente, a outros pacientes e àqueles que cuidam dele; bem como um prolongamento acentuado da hospitalização. Quando a lei decide que a recusa de um paciente pode ser resolvida apenas através de processo judicial, o tempo crítico para o tratamento é perdido, sendo importante considerar se esse retardo não teria qualquer efeito sobre a recuperação.

Enquanto a maioria dos ensaios controlados dura apenas semanas, o estudo longitudinal sobre o efeito da psicoterapia versus uso de drogas pelo célebre trabalho realizado anteriormente por May et al. é particularmente pertinente.7,8 Os pacientes esquizofrênicos foram distribuídos aleatoriamente para uso de antipsicóticos ou não-uso de medicação. Após seis meses ou mais, o grupo inicial sem medicação foi submetido à droga ativa. Aqueles pacientes que não receberam medicação durante os primeiros seis meses pioraram substancialmente durante os três a cinco anos seguintes, passando duas vezes mais tempo hospitalizados do que o grupo medicado inicialmente. Portanto, esse estudo documenta as potenciais conseqüências danosas que podem ocorrer quando os pacientes não recebem tratamento efetivo precoce.

Necessidade de Revisão Periódica. Amparado tanto na necessidade quanto no direito ao tratamento, como pode um paciente ser subseqüentemente protegido? Primeiro, o curso do tratamento deve ser periodicamente revisto, como já é determinado por lei ou regulação administrativa na maioria dos Estados americanos e suas instituições. Segundo, o mecanismo de revisão de um paciente deve ser formalizado em ambiente hospitalar, de modo que as questões e as preocupações sobre o curso do tratamento possam ser verbalizadas. Finalmente, em base informal, os pacientes são sempre livres para objetarem, discutirem ou verbalizarem abertamente as queixas relativas ao tratamento.

Conclusão

O passo inicial para a obtenção do consentimento informado exige uma avaliacão cuidadosa da capacidade de dar tal consentimento. Os autores proporcionam regras (guidelines) para uma ação adequada quando tal competência não pode ser verificada (ver Figura 2-1). Uma vez que o examinador confirmou inicialmente a existência de capacidade, as informações necessárias devem ser veiculadas dentro de uma interação pessoal e repetida a intervalos apropriados durante toda a relação de tratamento. Finalmente, o clínico deve considerar cuidadosamente o delicado equilíbrio entre o direito de um paciente ao tratamento, o direito de recusa ao tratamento e as ramificações risco/benefício clinicamente relevantes inerentes ao curso da ação final.

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ADERÊNCIA AO TRATAMENTO

Uma vez assegurada a capacidade e dado o consentimento para um plano terapêutico, a aderência torna-se o próximo aspecto crucial.

Aderência é definida como a obediência ao plano terapêutico recomendado por um profissional de saúde. De modo característico, na melhor das hipóteses, é parcial, no sentido de que as medicações prescritas são tomadas menos freqüentemente do que o que é recomendado, de forma irregular e, às vezes, excessivamente. Há várias razões para a ausência de aderência ao tratamento, o que pode ser categorizado da seguinte forma:

• Racional• Capricho• Recusa absoluta• Confusão• Iatrogenia.

Assim, não importa quão astuto seja aquele que fez o diagnóstico, ou quão brilhantes sejam as recomendações terapêuticas, com freqüência esses esforços são exercícios meramente acadêmicos e nunca serão realizados, devido à falta de aderência.

Fatores que Diminuem a Aderência

Uma melhor apreciação e reconhecimento dos aspectos que provocam diminuição da aderência pode minimizar o seu impacto. O estigma de um transtorno mental; a negação freqüente da doença; e o rompimento dos processos cognitivos que com freqüência fazem parte da doença, todos desempenham um papel significativo. Os efeitos colaterais das medicações, freqüentemente não reconhecidos como tais pelos pacientes, ou questionados de forma inadequada pelo clínico, também complicam a aderência ao tratamento. A demora ou tempo de latência para o início da ação de muitos psicotrópicos, bem como um curso de tempo retardado para a recaída uma vez suspensa a medicação, também contribuem. A esse respeito, o conceito de prevenção e profilaxia deve ser cuidadosamente revisto com o paciente. Finalmente, o impacto do "custo" sobre a aderência precisa ser explorado, e os meios de evitar tais impedimentos devem ser procurados (ver Custo do Tratamento, adiante, neste capítulo).

Estratégias para Aumentar a Aderência

Uma vez que a falta de aderência ao tratamento ocorre freqüentemente, é importante reconhecer essa realidade; indagar diretamente sobre esse assunto; e, algumas vezes, avaliar esse aspecto indiretamente através do uso de anotações diárias do tratamento, da contagem das medicações, e/ou da terapêutica

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monitorada com drogas (TMD).

O mais importante são a compreensão e a promoção dos fatores que podem aumentar a aderência. O fator mais crítico para aumentar a aderência é, na medida do possível, encorajar a participação ativa do paciente no planejamento e na implementação do tratamento. Isso inclui uma comunicação adequada, de modo a haver um entendimento útil do motivo de um determinado tratamento. Interações a respeito das recomendações terapêuticas devem sempre ser feitas no contexto de uma abordagem enfática e de uma relação de confiança. O envolvimento e o suporte da família e da comunidade é freqüentemente um fator crítico determinante. Finalmente, devem-se enfatizar os efeitos positivos da medicação sobre a qualidade de vida do paciente e, quando possível, utilizar o regime de droga mais simplificado.

FINALIZAÇÃO DO TRATAMENTO

A finalização do tratamento pode ser iniciada pelo paciente, pelo clínico ou por acordo mútuo. Neste ponto, o potencial para recaída deve ser claramente discutido no contexto do quociente entre risco e benefício (p. ex., diminuição dos efeitos colaterais ou toxicidade devida à suspensão da droga versus recorrência de um transtorno). Parte desse processo deve ser a identificação dos possíveis sintomas prodrômicos que devem alertar o paciente a retornar para uma reavaliação do estado e a possível reinstituição da medicação a fim de evitar um episódio completo (p. ex., diminuição do sono como pródromo de uma fase maníaca). A predição de um episódio iminente, contudo, pode não ser uma estratégia útil em todos os transtornos (ver discussão sobre estratégia de manutenção intermitente dos antipsicóticos, no Capítulo 5).

CONCLUSÃO

A adequada aderência ao tratamento é um aspecto da maior importância sobre o potencial para um resultado bem-sucedido. Como foi chamada a atenção nesta seção, vários fatores podem contribuir para a disposição de um paciente em persistir com um tratamento da forma prescrita. Talvez o mais importante seja a habilidade dos clínicos em comunicar a sua abordagem de uma maneira empática e compreensível.

Referências

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2. Janicak PG, Bonavich, PR. The borderland of autonomy: medical-legal criteria for capacity to consent. J Psychiatry & Law 1980: 8;361-.387.

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3. Stanley B, Guido J, Stanley M, shortell D. The elderly patient and informed consent: empirical findings. JAMA 1984;252:1302-1306.

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5. Appelbaum PS. The right to refuse treatment with antipsychotic medications: retrospect and prospect. Am J Psychiatry 1988; 145:413-419.

6. Brakel J, Davis JM, Taking harms seriously: involuntary mental patients and the right to refuse treatment. Indiana Law Review 1991; 25(2):429-473.

7. May PRA. Treatment of schizophrenia: a comparative study of five treatment methods. New York: Science House, 1968.

8. May PRA. Rational treatment for an irrational disorder: what does the schizophrenic patient need? Am J Psychiatry 1976;133: 1008-1012.

Tratamento com Drogas

TRATAMENTO AGUDO, DE MANUTENÇÃO E PROFILÁTICO

Uma vez que a maioria dos transtornos psiquiátricos é de natureza crônica e recorrente, o manejo adequado sempre requer a consideração de três fases de tratamento:

• Aguda, ou o controle de um episódio atual

• De manutenção ou a prevenção de recaída, desde que se tenha aliviado um episódio agudo e assumido que o processo patológico foi suprimido

• Profilática, ou a prevenção de exacerbações episódicas futuras

A(s) intervenção(ões) aguda(s) pode(m) produzir uma resposta completa, parcial, ou nenhuma resposta. Esta última situação é geralmente devida a problemas, como:

• Intolerância devida a efeitos colaterais

• Refratariedade

• Interrupção (isto é, cessação do tratamento por qualquer outra razão que não seja intolerância ou refratariedade).

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Como foi chamada a atenção anteriormente, a adequação e a propriedade do tratamento com uma droga devem sempre ser revistas em caso de resultados insatisfatórios. Se um paciente tiver sido apropriadamente diagnosticado, mas só responde parcialmente a um ensaio adequado com uma droga, um processo de tomada de decisão mais difícil então se estabelece. As duas opções mais importantes são mudar para um subgrupo diferente de droga (p. ex., de um neuroléptico fenotiazínico para uma butirofenona); ou, alternativamente, aumentar a medicação inicial (p. ex., adicionar lítio a um regime antipsicótico). Nos pacientes que não se beneficiam com um tratamento com droga, mudar para uma classe diferente dentro da mesma família é geralmente a abordagem mais bem-sucedida (p. ex., de um antidepressivo heterocíclico [ADH] para um inibidor de recaptação de serotonina [IRS] ou para um IMAO). Não importa o resultado com os ensaios subseqüentes com drogas, a mesma lógica seqüencial pode ser aplicada.

O paciente que manifestar uma remissão completa deve continuar numa terapia de manutenção por períodos de pelo menos quatro a 12 meses, com a duração exata determinada para o transtorno em particular, bem como a história prévia de gravidade e freqüência das recaídas.

O tratamento profilático além dos primeiros 4-12 meses deve ser ditado por vários fatores:

• Cronicidade da doença

• Freqüência e gravidade das recaídas

• "Co-morbidade" associada, como outras condições médicas, abuso concomitante de álcool ou drogas, ou outros transtornos psiquiátricos (p. ex., distimia com transtorno depressivo maior).

Em geral, quanto mais esses fatores estiverem presentes, mais provável será a necessidade de um regime de manutenção/profilático.

Durante todas as fases do tratamento, educação, terapia de suporte e, às vezes, tipos mais específicos de psicoterapia são essenciais para um resultado satisfatório. Assim, as socioterapias podem aumentar os efeitos benéficos dos antipsicóticos na esquizofrenia, reduzindo as re-hospitalizações (ver Papel das Psicoterapias Sociais, no Capítulo 5); a terapia interpessoal (TIP) pode complementar um tratamento adequado de manutenção com antidepressivos, possivelmente diminuindo a freqüência dos episódios (ver Terapias Psicossociais, no Capítulo 7); e as técnicas cognitivo-comportamentais em combinação com agentes antiobsessivos (p. ex., clomipramina) podem melhorar a qualidade de vida dos pacientes com TOC, minimizando o tempo gasto em rituais incapacitantes (ver Transtorno

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Obsessivo-Compulsivo, no Capítulo 13).

MONOTERAPIA, CO-MEDICAÇÃO E POLIMEDICAÇÃO

Como foi enfatizado no Capítulo 1, um princípio importante na terapia com drogas é o valor da monoterapia (isto é, o uso de apenas uma medicação). A base lógica inclui:

• Facilidade de administração• Aumento da aderência• Minimização dos efeitos colaterais• Prevenção de interações de drogas• Avaliação mais fácil do benefício ou ausência de benefício com uma determinada droga

A co-medicação é o uso concomitante de dois agentes com a finalidade de melhorar os resultados. Às vezes, é necessária (p. ex., um agente antiparkinsoniano mais um antipsicótico para controlar os efeitos colaterais extrapiramidais) ou desejável (p. ex., um antipsicótico mais um antidepressivo para aliviar um episódio depressivo psicótico). A combinação racional de medicações é largamente utilizada em medicina quando há um princípio farmacológico sólido; quando dados empíricos sustentam uma maior eficácia; quando há redução dos efeitos colaterais; ou para aumentar a segurança. Os exemplos incluem potencialização dos antidepressivos pelo lítio e o uso de antipsicóticos orais para suplementar as formas intramusculares de depósito, enquanto se estabelece um novo nível de equilíbrio plasmático, ou no tratamento de uma recaída brusca.

Se essa estratégia for necessária, os autores desencorajam o uso de combinações de doses fixas (p. ex., amitriptilina mais perfenazina), recomendando, ao contrário, o uso desses ou outros agentes similares independentemente. O motivo inicial é garantir maior flexibilidade na escolha de agentes específicos e a dose relativa de cada droga.

Ao se utilizar mais de um agente, é importante fazer ajustes com um agente único em qualquer tempo determinado. Se mais de uma droga for aumentada, reduzida, ou mudada simultaneamente, será difícil identificar que mudança foi responsável por qualquer alteração significativa do estado (para melhor ou para pior).

Um segundo motivo de preocupação ao se utilizarem dois ou mais agentes concomitantemente é o potencial para interações medicamentosas clinicamente relevantes e possivelmente deletérias. Assim, como é visto nos capítulos subseqüentes, a adição ou eliminação de um agente pode alterar significativamente a atividade de um tratamento medicamentoso concomitante (p. ex., a carbamazepina diminuindo os níveis plasmáticos do haloperidol; ver

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Anticonvulsivantes, no Capítulo 10).

A polimedicação é a utilização simultânea de mais de um agente da mesma classe ou de mais de duas drogas de diferentes classes, o que é raramente justificado. Embora haja algumas exceções (p. ex., baixas doses de trazodona administradas ao deitar em função dos seus efeitos hipnótico-sedativos durante as fases iniciais do tratamento com fluoxetina; ou o uso concomitante de um IRS e um agonista 5-HT1A), é mais provável que esta prática aumente o risco de toxicidade (via efeitos aditivos ou sinérgicos) e/ou de interações medicamentosas adversas, ao mesmo tempo que adiciona pouco para o aumento da eficácia clínica.

Papel da Food and Drug Administration

A Food and Drug Administration (FDA) foi criada na década de 30, por lei federal, para assegurar a relativa segurança de alimentos, cosméticos e substâncias medicinais, bem como para regulamentar a comercialização de tais produtos, em decorrência dos abusos existentes nas declarações promocionais. Desde então, a extensão da sua responsabilidade tem sido revista freqüentemente em resposta a incidentes específicos, como a tragédia da talidomida na década de 60. Em termos de medicamentos, a FDA supervisiona o desenvolvimento de drogas, incluindo os extensos ensaios terapêuticos que devem ser conduzidos para se estabelecer a eficácia e a segurança quanto a uma indicação definida. O foco de sua atividade é assegurar que:

• Uma medicação não seja comercializada quando os riscos sobrepujarem os prováveis benefícios dela derivados

• A promoção da medicação não deve encorajar utilizações para as quais o fabricante não recebeu aprovação.

Pode haver confusão quando uma medicação é geralmente considerada útil pela classe médica em uma condição para a qual o seu uso não foi aprovado; assim, ninguém tem o direito de promover tal uso. Esse cenário é comum, uma vez que as drogas comercializadas freqüentemente são consideradas úteis para transtornos além das indicações qualificadas formalmente. Parte da razão para essa situação é o longo e caro processo necessário para produzir dados suficientes para obter a aprovação qualificada da FDA, a qual, no início da década de 90, chegava a custar aproximadamente US$ 200.000.000.00. Freqüentemente, não há incentivo monetário suficiente para justificar tal gasto, ainda que com freqüência um composto seja considerado eficaz por pesquisadores e clínicos em uma determinada disciplina médica.

A atitude tomada pela FDA é a de que o médico individualmente encontra-se na melhor posição para

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determinar se uma medicação pode ser útil a um paciente específico, com base nas suas leituras de literatura, bem como na experiência clínica. De outro modo, muitos pacientes seriam privados de um tratamento eficaz por causa de incentivo comercial insuficiente para conduzir o custoso processo necessário para aprovação de uma droga para comercialização. Um caso conhecido é o do lítio, que foi desestimulado nos Estados Unidos durante anos, apesar do extenso uso no resto do mundo para o transtorno bipolar. As razões eram duas: (a) várias mortes haviam ocorrido anteriormente, quando o lítio foi utilizado como substituto do sal nos indivíduos com uma dieta com restrição de líquidos; e (b) uma vez que o lítio é uma substância natural, nenhuma companhia podia receber uma patente para direitos exclusivos de comercialização. Como resultado, não havia forma de recuperar os gastos de um patrocinador para receber aprovação para comercialização. Assim, por quase duas décadas, os pacientes bipolares nos Estados Unidos foram privados da única e mais eficaz forma de tratamento. Não se podia permitir que essa situação continuasse, dado o custo pessoal, para a família e para a sociedade de um transtorno bipolar não tratado, e finalmente o governo federal patrocinou a pesquisa necessária para alcançar a qualificação do lítio.

APROVADO VERSUS QUALIFICADO

As palavras "aprovado" e "qualificado" possuem definições e implicações diferentes, e a falha em reconhecer essa distinção pode levar à descrição errônea de uma medicação e do seu uso. Uma medicação é "aprovada" para comercialização se a sua base de dados sustentar o seu benefício em uma condição reconhecida, e os seus riscos são suficientemente compensados pela sua eficácia para uma indicação particular. O termo "qualificação" refere-se às indicações para as quais uma medicação pode ser promovida pela companhia que comercializa o composto. Quando um médico usa uma droga para indicações além da bula, então uma droga "aprovada" está sendo prescrita para uma indicação "não qualificada". O médico deve pesar crítica e cuidadosamente a evidência que sustenta a eficácia da droga e equilibrar o benefício potencial com os riscos potenciais para a indicação em questão. Como ocorre com qualquer tratamento, os pacientes precisam ser informados sobre essas variáveis de forma equilibrada, para tomarem a decisão, com base em informação, de aceitar ou não um tratamento.

Para ter uma indicação "qualificada", a companhia farmacêutica tem de submeter-se formalmente à FDA, documentando a utilidade (e a segurança) de um composto para uma condição específica. Refere-se a essa submissão como uma aplicação de nova droga (NDA). Para sustentar a "qualificação" de um antidepressivo, por exemplo, uma companhia deve submeter pelo menos dois estudos inequívocos demonstrando a superioridade de sua droga sobre placebo (ou

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condição-controle apropriada). De modo característico, uma NDA é consideravelmente mais ampla do que simplesmente dois estudos básicos. A extensão da aplicação também depende de a droga ser nova no mercado ou de a companhia estar buscando uma indicação adicional para a promoção da venda de uma droga aprovada já existente.

Mesmo uma NDA modesta exigirá um investimento substancial em termos de dinheiro e tempo. Os gastos financeiros incluem o desembolso nos ensaios clínicos para coletar os dados e organizar a solicitação. O tempo é também uma variável crucial, uma vez que a única forma de justificar os gastos é através das vendas do produto, fazendo com que o resto da duração da patente seja uma variável importante em tal decisão. Se for curta, então a patente pode expirar antes que a NDA possa ser organizada, submetida e revisada no sentido de receber a "qualificação" para aquela indicação.

Há muitos usos válidos para as medicações que não receberam a "qualificação" formal devido a uma decisão de caráter econômico. Os dados que sustentam tais usos vêm, de modo característico, da experiência clínica com pacientes individuais; em seguida, de uma série de relatos de casos e, finalmente, dos estudos controlados. Estes últimos recebem habitualmente fundos referentes a subvenções governamentais a pesquisadores universitários que não têm interesse comercial na medicação. Os resultados de tais estudos são publicados em jornais médicos, porém, geralmente, não são organizados em uma NDA formal à FDA. Portanto, tal indicação não pode ser promovida pela companhia que comercializa, embora os médicos estejam livres para prescrever a droga se estiverem convencidos de que a literatura médica e a sua experiência clínica sustentam tal uso.

Estudos de Pesquisa versus Aplicação Clínica

Com o objetivo de colocar esse assunto numa perspectiva adequada, a utilização da maior parte das drogas aprovadas pela FDA na prática médica vai além da base clínica de dados, mesmo quando a droga está sendo prescrita para a indicação qualificada. Uma razão importante é a diferença entre os pacientes icluídos nos ensaios clínicos e aqueles tratados pela maioria dos clínicos. Para ser incluído em um ensaio clínico, um paciente deve preencher critérios rigorosos de inclusão e de exclusão, levando a um subgrupo estreito que, na realidade, receberá a droga uma vez comercializada. Algumas das mais importantes diferenças incluem:

• Ausência de pacientes em uso concomitante de psicotrópicos

• Ausência de pacientes com condições médicas sérias

• Ausência de pacientes com abuso concomitante de substâncias

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• Ausência de pacientes com doenças ou traumas do sistema nervoso central (p. ex., história prévia de convulsões, trauma cerebral ou demência)

• A experiência limitada, se houver alguma, com pacientes hospitalizados

• A representatividade insuficiente de pacientes abaixo de 18 e acima de 65 anos.

Na realidade, os pacientes cujas condições são complicadas por esses aspectos são aqueles que mais freqüentemente recebem medicações, ainda que sejam geralmente excluídos dos ensaios clínicos utilizados no processo de aprovação.

Além do mais, a maior parte dos transtornos psiquiátricos é crônica, embora alguns possam apresentar-se com intervalos de aparente quiescência (p. ex., transtorno depressivo maior), enquanto outros são persistentes, mas relativamente assintomáticos (p. ex., esquizofrenia) com tratamento efetivo. Dessa forma, é preferível considerar o tratamento com psicotrópicos em termos de meses ou anos de terapia contínua ou intermitente do que em termos de uns poucos dias ou semanas. Por outro lado, a grande maioria do ensaios clínicos envolve uso a curto prazo. Assim, um banco de dados típico para a aprovação de um novo antidepressivo baseia-se geralmente em 2.000-8.000 pacientes (cuidadosamente selecionados, como descrito acima), com a maioria exposta à medicação durante menos de dois meses. Com freqüência, menos de 25% terão recebido medicação por mais de quatro meses e menos de 10% por mais de seis meses. Quando uma droga é comercializada, a maioria dos pacientes estará exposta a ela por um mínimo de 4-6 meses. Ainda assim, quando o tratamento cursa além de dois meses, os dados sobre a segurança e a continuação da eficácia da medicação são de modestos a bons. Assim sendo, enquanto os clínicos comumente usam psicotrópicos tanto com propósitos de manutenção quanto profiláticos, uma droga aprovada tem de mostrar-se eficaz apenas na fase aguda.

Somente após uma droga ter estado no mercado durante vários anos, suficiente experiência terá sido alcançada de modo que muitos desses aspectos possam ser considerados com segurança. Mesmo assim, a maior parte dessa experiência não é sistemática. Os problemas podem ser detectados de várias formas:

• Os clínicos são encorajados a enviar à FDA formulários relatando experiências adversas, quando um paciente desenvolve um problema durante o tratamento.

• A FDA pode delegar programas de vigilância pós-comercialização, quando uma preocupação sobre a segurança ou eficácia de uma nova

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medicação é sugerida tanto pelas bases de dados pré-clínicos como clínicos, utilizados para a aprovação de comercialização.

• Um pesquisador pode detectar um problema durante o estudo de pacientes tratados por uma medicação, seja ou não o foco primário seguro ou eficaz.

Conclusão

Esta discussão não tem a intenção de ser uma crítica ao processo de aprovação nem à forma como os clínicos utilizam as medicações. Na verdade, tem o propósito de colocar em perspectiva o assunto relativo ao uso de medicações "aprovadas" para indicações "não qualificadas". Embora alguns tenham criticado tais usos, a realidade é que a aplicação de muitas medicações na prática clínica vai além da bula. Além do mais, produzir os dados necessários para considerar essas utilizações clínicas iniciais adicionaria um enorme encargo ao sistema em termos de custos e tempo. Mesmo com tais revisões, o desenvolvimento de novas drogas tornar-se-ia um empreendimento ainda mais arriscado, de modo que pesquisa e desenvolvimento seriam reduzidos, especialmente os esforços críticos inovadores aos avanços no cuidado dos pacientes. Os gastos com novas medicações seriam ainda mais elevados, adicionando mais à porcentagem do grande produto nacional bruto que cobre as despesas com os cuidados de saúde. O resultado final provavelmente seria o ainda menor desenvolvimento de tratamentos inovadores, com os novos produtos tornando-se proibitivamente caros para muitos pacientes, especialmente aqueles que dependem do governo e de organizações relacionadas com os cuidados de saúde. Mesmo agora, os pacientes sob tais planos são freqüentemente impedidos de fazer uso dos avanços mais recentes, a menos que ensaios empíricos com tratamentos mais antigos tenham falhado. Assim, esses pacientes podem ser tratados com agentes que são menos eficazes e mais tóxicos do que os seus sucessores. A partir dessa perspectiva, o sistema atual parece ser um compromisso razoável, assegurando que novos agentes sejam seguros e eficazes em uma condição específica e então dependente dos clínicos para monitorarem os efeitos. A partir dessa experiência clínica, o uso seguro e efetivo das medicações "aprovadas" pode então ser estendido a uma população mais ampla para usos além daqueles "qualificados" na bula.

DROGAS DE INVESTIGAÇÃO

Uma droga de investigação é caracteristicamente aquela que não foi aprovada para comercialização pela FDA para utilização humana.1 Essa designação pode também referir-se aos agentes aprovados pela FDA para uma indicação específica, porém, empregada com outros propósitos (isto é, um uso não qualificado). Exemplos deste último incluem:

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• Uma preparação ou formulação diferente• Uma dose superior àquela aprovada• Uma população de pacientes diferente

O Relatório Belmont (1979), ao considerar as diferenças entre a pesquisa e o ambiente clínico, chamou a atenção para o fato de que, partindo-se da prática com drogas comumente aceitas para pacientes individuais, não seriam consideradas como pesquisa.2 Estratégias inovadoras, contudo, deveriam ser desenvolvidas em protocolos de pesquisa o mais rapidamente possível, a fim de que sejam asseguradas a segurança e a eficácia de tal prática.

Uma regra geral é que, se houver qualquer elemento de pesquisa envolvido (p. ex., grande número de sujeitos; coleta dos dados sistemática; intenção de publicar), a proposta integral deve ser submetida por escrito e revista pelo quadro institucional de revisão local (IRB). Essas entidades são comitês formalmente designados por uma instituição de pesquisa para rever, aprovar e monitorar pesquisas em humanos.3

As drogas de investigação podem ser também usadas em situação de emergência (isto é, ameaça à vida), porém deve ser relatado a um IRB dentro de cinco dias úteis. O uso subseqüente em outros pacientes deve ter a aprovação de uma instituição ligada ao IRB.

Provisões de uso benevolente permitiram um emprego limitado de drogas de investigação no passado. Mais recentemente, a controvérsia em torno da síndrome de imunodeficiência adquirida (AIDS) e outras doenças que ameaçam a vida tem aumentado a pressão para que a FDA expanda esse programa. A clozapina foi também inicialmente administrada por tal programa. Os pacientes submetidos aos cuidados de um médico responsável podem agora levar drogas não aprovadas aos Estados Unidos ou recebê-las de fora sob condições especificadas.

Como exigido ao se usar uma droga comercializada para indicações qualificadas ou não pela FDA, uma importante responsabilidade no uso de uma droga de investigação é o relato de efeitos adversos à FDA.

CONCLUSÃO

Neste livro, revisaremos criticamente tanto as indicações "qualificadas" formalmente pela FDA, como também aquelas indicações aceitas pelos experts no campo da psicofarmacoterapia. No caso destas últimas, a metanálise será utilizada, quando possível, para avaliar formalmente o tamanho e a qualidade dos bancos de dados que sustentam a utilidade de uma droga para uma indicação clinicamente aceita, porém não formalmente "qualificada". Essas análises podem então ajudar o clínico na decisão de usar uma

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determinada droga para uma indicação "não qualificada" em um paciente específico.

Referências

1. Teuting P. Investigational drugs and research. Janicak PG, Davis JM, guest eds. Psychiatr Med. 1991;9(2):333-347

2. The Belmont report: ethical principles and guidelines for the proctection of human subjects of research. [ Report of the National Commission for the protection of human subjects of Biomedical and behavioral Research]. OPRR Reports. April 18, 1879.

3. Kessler DA. The regulation of investigational drugs. N Engl J Med 1989;320:281-288

Custo do Tratamento

Custo, neste contexto, implica mais do que simplesmente o preço de uma medicação e dos serviços do clínico. Uma vez que a maior parte dos transtornos psiquiátricos é de condições crônicas, o custo do tratamento tem de levar em consideração as fases aguda, de manutenção e profilática.

Ao calcular o custo total que se incorre ao se iniciar um tratamento, deve-se considerar:

A medicação propriamente dita

• Os procedimentos auxiliares para o início e a monitoração do tratamento (p. ex., testes laboratoriais preliminares e de acompanhamento)

• Tratamento dos efeitos adversos (p. ex., interações medicamentosas que podem exigir atenção médica)

• Custo do tratamento ambulatorial versus hospitalização

• Custo comparativo de tratamentos alternativos (p. ex., ECT versus medicação na depressão psicótica)

Se tais custos forem proibitivos, pode ser adequado selecionar uma opção alternativa, de modo que a aderência e o resultado global possam ser melhor assegurados.

Felizmente, na maioria dos psicotrópicos, os efeitos colaterais são mínimos, geralmente envolvendo queixas incômodas. Com alguns agentes, como a clozapina, entretanto, o potencial para efeitos adversos mais sérios realmente existe e deve ser cuidadosamente explicado ao paciente e sua família. Igualmente importante, deve-se

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sempre considerar no custo o fato de não se proporcionar o tratamento adequado, incluindo-se:

• O risco de mortalidade• O risco de morbidade e custos relacionados, como:

• Seqüelas indesejáveis

• Perda de produtividade

• Rupturas de relações socioeconômicas.

PREÇO DOS PSICOTRÓPICOS

Em geral, o preço decresce à base de miligramas na medida em que a dose da cápsula ou do comprimido aumenta, ou na medida em que o tamanho do lote cresce (p. ex., 1.000 versus 100). O custo dos substitutos genéricos é em geral consideravelmente menor do que o do nome comercial do psicotrópico; porém, aspectos relativos à bioequivalência devem também ser considerados (ver As Quatro Fases Primárias da Farmacocinética, no Capítulo 3). A utilização do menor número de comprimidos, para alcançar uma dose-alvo, é sempre mais barata (p. ex., um comprimido de 5 mg de Navane custa cerca de 50 centavos, versus 85 centavos para 5 comprimidos de 1 mg). Sistemas de unidades de doses, preparados de liberação prolongada, e as formas concentradas, todos aumentam os custos.1

O custo da medicação varia de uns poucos centavos a vários dólares por dia. O custo de proporcionar o tratamento ao paciente ambulatorial pode chegar a várias centenas de dólares por semana, dependendo da freqüência das visitas e dos honorários dos terapeutas. O preço da hospitalização pode ser tão alto quanto US$ 700 ou US$ 800 por dia. O custo para o paciente em termos das conseqüências sociais pode ser incalculável. O uso de uma medicação ligeiramente mais eficaz que evita mesmo uma hospitalização poderia pagar vários anos de farmacoterapia. Um efeito colateral evitado, particularmente se resulta em hospitalização, custeará rapidamente qualquer aumento na diferença das despesas com medicações. Portanto, o custo para a sociedade em não proporcionar o melhor medicamento pode ser bastante substancial. As medicações mais caras, porém mais seguras, são preferíveis, devido ao alto custo do tratamento dos efeitos adversos. Uma droga que causa menos efeitos colaterais também traduz-se em uma melhor aderência. Mais importante ainda, quando se oferecem cuidados gerais ótimos (isto é, hospitalização, tratamento ambulatorial, farmacoterapia), isto também melhora a qualidade de vida do paciente.

Referências

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1. Jurman RJ, Davis JM. Comparison of the cost of psychotropic medications: an update. Janicak PG, Davis JM, guest eds. Psychiatr Med 1991; 9(2):349-359.