Princípios Matemáticos da Filosofia Natural: A lei de...

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  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Letras

    Departamento de Estudos Clssicos

    Princpios Matemticos da Filosofia Natural:

    A lei de inrcia

    Raquel Balola

    Mestrado em Estudos Clssicos

    (Edio e Traduo de Textos Clssicos)

    2010

  • Universidade de Lisboa

    Faculdade de Letras

    Departamento de Estudos Clssicos

    Princpios Matemticos da Filosofia Natural:

    A Lei de inrcia

    Dissertao orientada pelos Prof. Doutores Arnaldo Esprito Santo e Ricardo Lopes

    Coelho

    Raquel Balola

    Mestrado em Estudos Clssicos

    (Edio e Traduo de Textos Clssicos)

    2010

  • Ao Carlos Filipe,

    Pois sem ti no seria possvel

  • iii

    RESUMO

    O presente trabalho consiste na traduo dos fundamentos dos Philosophiae

    Naturalis Principia Mathematica de Newton, ou seja, da parte axiomtica, e no seu

    estudo, dando principal relevncia ao estudo da Primeira Lei de Newton, ou lei da

    inrcia.

    Na tentativa de compreender a importncia que a Primeira Lei de Newton

    assume na histria da cincia, impretervel que se recue a Aristteles, e aos primrdios

    dos estudos sobre o movimento e que, a partir de a, se acompanhem as contribuies

    que autores posteriores tiveram no desenvolvimento desta cincia, para uma melhor

    percepo das alteraes que esta fsica sofreu at ao tempo de Newton.

    Dada a extenso do objecto em estudo, cingimo-nos aos autores principais,

    Aristteles, Kepler, Galileu, Descartes, Huygens, visto terem sido estes os autores que

    mais contriburam para o desenvolvimento da lei consagrada por Newton.

    No entanto, no um objectivo deste trabalho fazer um resumo da histria da

    cincia, mas sim fazer uma sntese da gnese e evoluo do conceito de inrcia, que

    culmina na Primeira Lei de Newton, para que se compreenda em que contexto surgiu e

    que condies proporcionaram o seu aperfeioamento. Assim sendo, analismos e

    comparmos os textos dos referidos autores que mais importncia tiveram nas

    alteraes que o conceito de inrcia experimentou at assumir a sua forma final nos

    Principia.

    Como grande parte da nossa ateno incide sobre a histria do conceito em

    Newton, faz todo o sentido o debruar sobre o texto original dos Principia, mais

    concretamente sobre a terceira e ltima edio, tentando entender a importncia do

    termo na obra que o consagrou. Assim sendo, indispensvel a sua verso para a nossa

    lngua, permitindo uma maior aproximao ao texto original.

    Em termos gerais, conclui-se que os predecessores de Newton foram essenciais,

    e as suas contribuies bastante significativas para que Newton chegasse onde chegou,

    no entanto, no podemos esquecer o mrito pessoal do autor.

  • iv

    Palavras-chave: Principia, inrcia, primeira lei de Newton, estado, repouso,

    movimento rectilneo e uniforme.

  • v

    Abstract

    This work consists of translating the fundamentals of Newtons Philosophiae

    Naturalis Principia Mathematica, that is, from axiomatic, and in his study, giving

    primary importance to the study of Newtons First Law, or the law of inertia.

    In an attempt to understand the importance that Newtons First Law takes in the

    History of Science, it is imperative to go back to Aristotle, and early studies on

    movement and, from there, undesrstand the contributions that later authors have given

    to the development of this science.

    Given the extent of the object under study, we tried to focus on the main authors,

    like, Aristotle, Kepler, Galileo, Descartes, Huygens. These authors contributed the most

    to the development of the law laid down by Newton.

    The main goal of this study is to review the evolution of the concept of inertia,

    which culminated in Newtons First Law. In orther to understand the context in which

    they arose and the conditions provided its improvement. Therefore, we analyzed and

    compared the texts of those authors who had the most important changes that the

    concept of inertia tried to take it a final shape in the Principia.

    Our attention focused on the history of the concept in Newton, it makes sense to

    look into the original text of the Principia, more specifically on the third and last edition,

    and trying to understand the importance of the term in the work that made him famous.

    Therefore, it is indispensable to our language version, allowing closer to the original

    text.

    Overall, we conclude that Newtons predecessors were essential, and their very

    significant contributions to Newton where he arrived, however, we can not forget the

    value of the discovery of the author.

  • vi

    Key-words: Principia, inertia, Newton's first law, state, rest, uniform and

    rectilinear motion

  • vii

    Agradecimentos

    A elaborao desta tese s foi possvel graas ao apoio de muitas pessoas, a

    quem devo os meus mais sinceros agradecimentos.

    Em primeiro lugar, aos meus orientadores. Ao Professor Doutor Arnaldo

    Esprito Santo, por me ter dado a conhecer a obra de Isaac Newton, por me ter mostrado

    que havia muito mais do que a literatura e cultura com que tomamos contacto durante a

    nossa licenciatura em Estudos Clssicos. Tambm no poderia deixar de agradecer, o

    apoio, pacincia e disponibilidade demonstrada ao longo deste percurso, e, do mesmo

    modo, agradecer as suas sugestes e larga experincia que contriburam de forma

    substancial para uma melhoria no trabalho. Ao Professor Doutor Ricardo Coelho, por

    me dar a conhecer a rea de Histria e Filosofia das Cincias, que me trouxe uma nova

    perspectiva de olhar e pensar o tema. E como no poderia deixar de ser, a sua dedicao,

    a sua ajuda e disponibilidade indefectvel para uma melhor compreenso dos assuntos

    abordados, a sua valiosa contribuio na partilha do seu conhecimento e a

    disponibilizao de material bibliogrfico essencial para o progresso e desenvolvimento

    do trabalho. O resultado final no seria possvel sem os seus incansveis esforos.

    Em segundo, gostaria tambm de deixar patente a minha gratido ao corpo

    docente do Departamento de Estudos Clssicos da Faculdade de Letras da Universidade

    de Lisboa, pelo muito que me ensinaram ao longo do meu percurso, que tanto

    contribuiu para estimular o meu interesse pelo conhecimento da Lngua e Cultura

    Greco-Latina.

    Agradeo tambm minha famlia e, em especial, minha irm Ana, pelo seu

    apoio e tempo dedicados. Ao meu namorado, Carlos Filipe, sempre paciente, pelo seu

    apoio e incentivo, incondicionais e incansveis, tidos durante esta longa jornada, que se

    revelaram fundamentais para a elaborao e concretizao desta tese.

    Devo ainda agradecer Marina Castanho, que se revelou uma amiga sempre

    presente, com palavras de estmulo e sempre encorajadora. Susana Costa que, apesar

    de ausente, nunca deixou de demonstrar a amizade e estima e o seu inconcusso apoio.

    Alexandra Caroo pela sua ajuda na compilao dos materiais.

    A todos, muito obrigada.

  • viii

    NDICE GERAL

    INTRODUO ................................................................................................................ 1

    CAPTULO INTRODUTRIO ....................................................................................... 3

    I - Isaac Newton ............................................................................................................ 3

    II - As Duas Rubricas ................................................................................................... 7

    CAPTULO 1 - PRINCIPOS MATEMTICOS DA FILOSOFIA NATURAL .......... 18

    Introduo ao Aparato Crtico .................................................................................... 18

    Guia do Aparato Crtico ............................................................................................. 19

    Aparato Crtico e Traduo ........................................................................................ 20

    CAPTULO 2 - INRCIA: GNESE E EVOLUO DE UM CONCEITO ............... 47

    2.1 - Inrcia ................................................................................................................. 47

    2.2 Aristteles ............................................................................................................. 48

    2.3 Johannes Kepler (1571-1630) ............................................................................... 53

    2.4 Galileu Galilei (1564-1642) ................................................................................. 58

    2.5 Ren Descartes (1596-1650) ................................................................................ 71

    2.6 Christiaan Huygens (1629-1697) ......................................................................... 80

    2.7 Isaac Newton ........................................................................................................ 82

    CONCLUSO ................................................................................................................ 98

    BIBLIOGRAFIA .......................................................................................................... 101

  • ix

  • 1

  • 1

    INTRODUO

    A presente tese, intitulada Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A Lei

    de Inrcia, reveste-se de real importncia tendo em conta que no existe em lngua

    portuguesa uma traduo dos Principia, o que representa uma grave lacuna na literatura

    de Newton. O facto de a obra em questo assumir especial destaque no panorama

    cientfico, por ser, provavelmente, a obra mais importante jamais publicada no contexto

    das Cincias Naturais, resultando do culminar de milhares de anos de estudo sobre o

    movimento foi um factor de motivao decisivo na escolha do tema.

    Assim, o nosso trabalho compe-se da traduo dos fundamentos dos

    Philosophiae Naturalis Principia Mathematica de Isaac Newton e do estudo da lei de

    inrcia, tentando compreender a importncia do conceito na histria da cincia. No

    entanto, dada a extenso e abrangncia do tema, que inclui inmeros autores de diversas

    pocas, cingir-nos-emos apenas s figuras principais, cujas contribuies foram mais

    importantes e significativas para o desenvolvimento do conceito, dando especial

    relevncia a Newton e aos Principia, visto que foi este o autor que consagrou o termo e

    o elevou ao seu expoente mximo.

    Todos reconhecem a posio de Isaac Newton na histria da cincia, de tal modo

    que muitos autores defendem que o seu trabalho um dos maiores alcanados pelo

    intelecto humano. Como refere Richard Westfall, com Newton, a filosofia mecanicista

    da natureza atingiu um tal grau de sofisticao que iria fornecer as bases do pensamento

    cientfico por mais de duzentos anos. No entanto, escreveu Newton numa carta a Robert

    Hooke, em 16761, if I have been able to see further, it was only because I stood on the

    shoulders of giants.2 Assim sendo, para compreendermos como se tornou possvel que

    Newton formulasse a lei de inrcia e para entendermos este princpio em toda a sua

    extenso revela-se essencial o retroceder s origens da cincia do movimento e que, a

    partir da, se trace a histria do seu desenvolvimento, tendo em conta a interdependncia

    dos acontecimentos. preciso ter presente que os avanos da cincia dependem, sempre,

    1 Como esclarece Stephen Hawking (2002: ix), Newton, na ocasio, referiasse s suas descobertas em

    ptica, e no aos seus trabalhos mais importantes sobre a gravitao universal e sobre a lei dos

    movimentos.

    2 Refere Alexandre Koyr (1968: 11) que esta famosa frase de Newton no da sua autoria, mas que teria

    tido origem na Idade Mdia com Bernard Chartres.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    2

    da contribuio de diferentes autores. Quando alguma descoberta anunciada,

    necessrio perceber que ela no nasceu apenas de um s homem, fruto de uma

    sabedoria combinada. Todos dependem do trabalho dos seus antecessores. Cada um

    acrescenta algo ou apresenta uma forma diferente de pensar o mesmo problema e, deste

    modo, a cincia evoluciona.

    Esta dissertao na globalidade visa dois objectivos primordiais. O primeiro tem

    como propsito verter para a lngua portuguesa uma obra basilar da cincia moderna,

    tornando acessvel o seu contedo, essencial para a compreenso das leis do movimento

    que regem a fsica. Como segundo objectivo, pretendemos, atravs de uma breve

    incurso pelo nascimento e evoluo do conceito de inrcia, mostrar porque que a

    fsica moderna considera a lei de inrcia como o seu princpio fundamental e porque

    que s ganhou expresso com Newton.

    A tese foi estruturada da seguinte forma. A primeira parte corresponde a um

    captulo introdutrio onde se far um breve resumo da vida de Newton, e tambm uma

    apresentao expositiva do sistema axiomtico dos Principia. A segunda parte est

    subidividada em duas. A primeira seco consistir num guia do aparato crtico que ser

    utilizado, para facilitar a sua consulta e compreenso. A segunda seco constituir o

    aparato crtico e traduo, propriamente ditos. Na traduo, tentei o mais possvel ser

    fiel ao texto original, para no deturpar o sentido do mesmo. Para a traduo foi utlizado

    o original latino, de acordo com a terceira edio e ltima edio, datada de 1726.

    Pretende-se tambm fazer a reproduo do texto latino, com base na terceira edio,

    elaborada pelo prprio autor pouco antes de morrer. A terceira e ltima parte, consta de

    um captulo sobre o estudo da lei de inrcia, do qual gostaria de salientar o seu carcter

    introdutrio. Neste captulo procederemos a uma hermenutica de alguns textos mais

    significativos para o tema em anlise, que nos permitir aumentar o nosso conhecimento

    sobre o tema.

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    3

    CAPTULO INTRODUTRIO

    I - Isaac Newton

    Nature and Natures Laws lay hid in night;

    God said, Let Newton be, and all was light.3

    Alexander Pope

    Isaac Newton4 nasceu, prematuramente, em 25 de Dezembro de 1642

    5, em

    Woolsthorpe, Lincolnshire, Inglaterra. Era filho de Isaac Newton e de Hannah

    Ayscough. Quando Newton nasceu, seu pai tinha falecido h apenas 2 meses.

    Algum tempo depois, sua me voltou a casar, com Barnabas Smith, reverendo de

    North Witham, tendo abandonado Newton aos cuidados dos avs maternos. Newton

    tinha ento trs anos de idade.

    Isaac Newton frequentou a escola local de Woolsthorpe, onde aprendeu a

    escrever e a ler. Foi criado pela sua av materna at Agosto de 1653, data em que

    faleceu o seu padrasto e a sua me voltou para a sua antiga casa, trazendo consigo mais

    trs filhos, meio-irmos de Newton.

    Newton herdou os livros que eram do seu padrasto, sobre teologia, e entre os

    quais se encontrava um caderno de anotaes das leituras do seu padrasto o qual

    Newton aproveitou para si e ao qual chamou Waste Book. Segundo Richard Westfall

    (1983), este Waste Book contm os primeiros passos de Newton no clculo e os

    primeiros passos na mecnica.

    3 A Natureza e as suas leis jaziam ocultas nas trevas, Deus disse: Faa-se Newton!, e em todo o lado se

    fez luz.

    Epitfio escrito para o tmulo de Newton na abadia de Westminster, porm no foi autorizado a a ser

    colocado. Segundo Edwin Arthur Burtt (1980), o epitfio encontra-se em Poetical Works, Glasgow, 1785,

    vol. II, p. 342.

    4 Para uma bibliografia mais aprofundada recomendo a leitura de dois livros de Richard Westfall: Never

    at Rest: a biography of Isaac Newton e The life of Isaac Newton. O primeiro livro uma bibliografia

    exaustiva que inclui aspectos tcnicos e matemticos. A segunda referncia uma smula do primeiro

    livro, tendo como alvo um pblico mais lato. Tambm Alfred Rupert Hall lhe dedica uma biografia Isaac

    Newton: adventurer in thought.

    5 Segundo Richard Westfall, na Inglaterra, naquela poca ainda vigorava o calendrio juliano. Assim

    sendo, pelo calendrio gregoriano, Isaac Newton nasceu a 4 de Janeiro de 1643.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    4

    Em 1655, Newton enviado para a Free Grammar School of King Edward VI de

    Grantham, que poucos quilmetros distava de Woolsthorpe. Durante essa poca,

    Newton ficou a viver em casa de Mr. Clark, o boticrio de Grantham. Numa primeira

    fase, a adaptao nova escola no foi fcil, estando entre os piores alunos da sua turma.

    Durante a sua estada em casa do boticrio, Newton foi desenvolvendo o seu

    gosto por pequenos objectos mecnicos que ele prprio construa, feitos com materiais

    que o prprio comprava com o dinheiro que recebia de sua me. Foi na escola, em

    Grantham, que iniciou a aprendizagem do latim e do grego, dos livros clssicos e

    tambm da Biblia, sob o magistrio de Henry Stokes.

    Passados quatro anos de estar na escola em Grantham, a sua me exigiu-lhe que

    abandonasse a escola e que voltasse para a quinta, para que comeasse a encarregar-se

    da mesma. Newton revelou um grande desinteresse pela quinta da famlia, ento, sua

    me decidiu que o melhor seria Newton voltar a Grantham e preparar a sua entrada na

    Universidade de Cambridge. Quem preparou a sua entrada em Cambridge foi Stokes,

    que ao fim de cerca de 9 meses de preparao considerou Newton apto para entrar na

    Universidade.

    Aos dezoito anos, no dia 5 de Junho de 1661, ingressa na Universidade de

    Cambridge, no Trinity College e diz-se que graas aos conhecimentos de sua me e da

    famlia Clark. Sua me tinha uma situao econmica que podia fazer face s despesas

    de Newton na Universidade, no entanto, como no aceitava de boa vontade a ida do seu

    filho para Cambridge, reduziu-lhe o seu dinheiro, e como tal, Newton teve de servir

    mesa os estudantes ricos e os Fellows do Trinity College, enquanto subsizar, para poder

    continuar os seus estudos ali.

    Naquela altura, a Universidade de Cambridge era um centro de poder real e

    eclesistico e o Trinity College era frequentado por candidatos a altos cargos

    eclesisticos e do governo. Como tal, o ensino neste contexto era meramente escolstico

    o que desagradou a Newton que nunca frequentou assiduamente as suas aulas,

    preferindo a biblioteca, onde podia trabalhar e investigar sozinho. Como tal, embora

    pensemos que Newton deveria ter sido o melhor aluno, sendo aplicadssimo, nada disso

    aconteceu. Os seus cadernos de apontamentos revelam a sua falta de interesse pelos

    programas curriculares e revelam tambm as suas leituras e o seu interesse de ento.

    Leu obras de autores como Descartes, Gassendi, Galileu, Henry More, entre outros.

    Tudo o que sabia aprendeu sozinho nas suas leituras.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    5

    Em Abril de 1664 Newton eleito scholar do Trinity College, conseguindo uma

    bolsa de estudos. desse perodo que datam tambm notas e apontamentos seus sobre a

    geometria de Descartes. Ao mesmo tempo toma tambm contacto com o clculo

    infinitesimal de Wallis. Conhece ento Issac Barrow, que foi seu professor Lucasiano.

    Em 1665, Newton acaba o seu bacharelato com distino. No mesmo ano, a

    Universidade de Cambridge fechada devido peste bubnica que assolou Inglaterra e

    Newton v-se obrigado a regressar a casa, em Woolsthorpe, durante cerca de 18 meses.

    Esse perodo de tempo, ou seja, os anos de 1665-1666, designado pelo prprio annus

    mirabilis. Foi nesta poca que, segundo a lenda, uma ma lhe caiu sobre a cabea

    inspirando-o para o fenmeno da gravidade. Foi, tambm, neste perodo de tempo, que

    Newton desenvolveu o seu mtodo das fluxes, as teorias de luz e cor, e adentrou

    bastante no conhecimento dos problemas dos movimentos dos planetas que,

    eventualmente, conduziram posterior publicao dos Principia. A sua relao com

    Barrow j tinha, nesta altura, comeado, e ambos desenvolvem uma srie de estudos

    matemticos, pticos e alqumicos.

    Em Abril de 1667, quando regressa a Cambridge, Newton eleito Minor Fellow

    do Trinity. No ano seguinte ascende a Senior Fellow e recebe o seu degrau de mestre

    em Artes. A 29 de Outubro de 1669 assume a ctedra Lucasiana de matemtica, que

    Barrow recusou em seu favor. O desempenho desta funo permitiu-lhe que organizasse

    os resultados da sua investigao no domnio da ptica. Nos dez anos seguintes, at

    1679 a sua ateno centrou-se em trs reas de investigao da filosofia natural: a ptica,

    a anlise e a alquimia.

    Newton, em 11 de Janeiro de 1672, entra para a Royal Society, como Membro,

    onde participa nos debates enviando ensaios sobre temas pticos, e tambm a que faz

    a sua primeira participao pblica.

    Em 1679 morre a sua me e Newton volta a Woolsthorpe para tratar de assuntos

    familiares. Durante um curto perodo de tempo, Newton afasta-se da Royal Society e

    no participa mais em debates. Porm, em Novembro de 1679, inicia uma troca de

    correspondncia com Robert Hooke sobre o movimento dos planetas. Esta

    correspondncia cessaria no dia 13 de Dezembro, e reiniciaria em 17 de Janeiro. No se

    sabe ao certo que influncia ter tido, de facto, esta comunicao epistolar entre Newton

    e Hooke, no entanto, Newton admite que o conduziu descoberta do teorema da elipse.

    Em Agosto de 1684, Newton recebe a visita de Edmund Halley em Cambridge.

    Esta visita ficou legendria, poderamos ns dizer, porque diz-se que foi a pergunta

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    6

    formulada por Halley a Newton que o levou aos Principia.6 A pergunta foi: Qual seria

    a forma da rbita de um planeta ao redor do Sol se ele fosse atrado em direco ao Sol

    por uma fora que variasse inversamente com o quadrado da distncia?, ao que

    Newton respondeu que seria uma elipse. Como promessa, para comprovar que tinha

    calculado o que afirmara, Newton envia a Halley, em Novembro de 1684, o tratado De

    Motu. Em 1687, surgem os Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, considerado

    por muitos como o mais importante livro publicado na histria da cincia.

    Em 1696, abandona Cambridge e assume o cargo de Master of the Mint, cuja

    tarefa seria a de reformar e supervisionar a cunhagem da moeda britnica.

    Em 1703, depois da morte de Robert Hooke, ento presidente da Royal Society,

    assume Newton esse cargo, para o qual foi anualmente eleito at sua morte.

    Em 1705, armado cavaleiro, pela rainha D. Ana. Newton viria a falecer com

    oitenta e cinco anos, a 20 de Maro de 17277, em Londres, enquanto dormia. No dia

    seguinte seria enterrado na Abadia de Westminster.

    6 Sobre esta visita vide COHEN (1971).

    7 No calendrio actual, 31 de Maro de 1727.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    7

    II - As Duas Rubricas

    Os Princpios Matemticos da Filosofia Natural so compostos por trs livros:

    De Motu Corporum Liber Primus, De Motu Corporum Liber Secundus e De Mundi

    Systemate, cujo primeiro livro precedido por duas rubricas (seguindo a designao

    atribuda por Michel Blay8) intituladas Definies e Axiomas ou Leis do Movimento.

    Estas duas rubricas constituem os fundamentos da teoria. Esta tem pois um carcter

    axiomtico.

    Os fundamentos dos Principia so compostos por oito definies e trs axiomas.

    Como sintetiza Ricardo Lopes Coelho9 as oito definies podem ser agrupadas em

    funo dos conceitos de matria, movimento e fora. Pois, a primeira definio diz

    respeito matria, a segunda ao movimento e as restantes seis fora, como veremos

    seguidamente. Formalmente, as definies podem ser agrupadas em dois conjuntos,

    porque em trs delas so definidos conceitos e nas restantes cinco quantidades.

    Analisemos, agora, as palavras de Newton.

    Comecemos por analisar os conceitos definidos por Newton que, como destaca S.

    Chandrasekhar10

    , so complexos e esto correlacionados. Explica Bernard Cohen11

    que

    as oito definies que Newton apresenta no so desconhecidas do leitor em geral, so,

    , novos conceitos que Newton atribui aos termos e por isso os define, conforme a sua

    perspectiva.

    Newton abre a rubrica Definies com a de quantidade de matria. Para

    Newton, esta grandeza resulta do produto da densidade pelo volume e tem o nome de

    corpo ou massa.12

    Como afirma Bernard Cohen (1999), a Definio I, de facto, no

    funciona como uma verdadeira definio, uma vez que no define um termo, um

    conceito, mas estabelece, sim, uma regra ou uma relao entre quantidades. Augusto

    8 BLAY, Michel, La science du movement, De Galile Langrange, Paris, ditions Belin, 2002.

    9 COELHO, Ricardo Lopes, Filosofia e Mecnica: Matria inerte e fora activa, Revista Portuguesa de

    Filosofia, 60, 2004, pp. 247-280.

    10 CHANDRASEKHAR, Sum

    11 NEWTON, Isaac, The Principia Mathematical Principles of Natural Philosophy, A new translation

    by I. Bernard Cohen & Anne Whitman, preceded by a A Guide to Newtons Principia by I. Bernard

    Cohen, University of California Press, 1999.

    12 Explica Bernard Cohen (1999) que uma medida da matria diferente das que estavam em uso.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    8

    Santos Fitas13

    aponta uma circularidade a esta definio, pois feita com base numa

    relao entre duas novas grandezas. Isto leva-nos a colocar a questo: o que a

    densidade? Poderamos esperar que Newton no-la desse, no entanto, no h resposta

    para esta pergunta. A massa uma definio circular se for definida como o resultado

    da densidade e do volume ou sendo definida como proporcional ao produto, pois o que

    sabemos a este respeito que a densidade invarivel. Como diz Bernard Cohen (1999),

    this measuredoes not change if a sample of matter is heated, bent, stretched,

    squeezed or compressed, or transported from one place on the earth to another or even

    to a position out in space. Depende sim do grau de condensao de um corpo, tal como

    esclarece Maria do Rosrio Branco14

    . Newton no discute o conceito de densidade.

    Newton no se sente na obrigao de o explicitar porque parte do princpio que um

    dado adquirido. Ainda no seu comentrio definio de quantidade de matria, Newton

    esclarece que dali em diante designar a quantidade de matria sob o nome de corpo ou

    massa, indistintamente, ou seja, a quantidade de matria equivalente massa ou ao

    corpo. E que a referida quantidade de matria conhecida pelo peso de qualquer

    corpo, pois como o autor dos Principia clarifica, por meio de experincias

    cuidadosamente realizadas com pndulos, descobriu que proporcional ao peso.

    Com isto Newton pretende significar que as experincias dos pndulos provam a

    proporcionalidade dos pesos dos corpos e as suas massas. Defende Eloy Rada15

    que a

    quantidade de matria embora seja um conceito impreciso, , no entanto, agora um

    conceito susceptvel de medida com valores proporcionais ao peso, quer se chame corpo,

    ou massa. Destaca tambm Rada (2004) que esta definio permite a utilizao do

    termo corpo nas sequentes definies sem dar azo a equvocos no seu entendimento.

    E como explica Bernard Cohen (1999), este argumento a prova de que a Definio I

    de Newton no circular, pois Newton no afirma que determinar a massa

    encontrando densidades e volumes, o que Newton nos diz que as massas dos corpos

    so conhecidas pelos pesos dos corpos.

    13

    FITAS, Augusto J. Santos, Os Principia de Newton, alguns comentrios (Primeira Parte, a

    Axiomtica), Vrtice, 72, 1996, 61-68.

    14 BRANCO, Maria do Rosrio, A fsica de Descartes e a fsica de Newton: os temas controversos,

    Lisboa, 1996, tese de doutoramento Filosofia e Histria da Cincia, Universidade Nova de Lisboa.

    15 NEWTON, Isaac, Principios Matemticos de la Filosofia Natural, trad. Eloy Rada, Madrid, Alianza

    Editorial, 2004.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    9

    Na Definio II, Newton define a quantidade de movimento. Estamos tambm

    perante uma grandeza, semelhana do que acontece com a definio anterior, que

    desta vez resulta da velocidade e da quantidade de matria em conjunto. Esta segunda

    medida est dependente do resultado da grandeza anterior. Clarifica Bernard Cohen

    (1999) que uma nova forma de medir o movimento, uma vez que se baseia na

    definio anterior, na medida da quantidade de matria. Na sua explicitao sobre o que

    entende por quantidade de movimento, Newton diz-nos que a quantidade de movimento

    duplica se a massa de um corpo duplicar e se a velocidade se mantiver igual. No entanto,

    se a velocidade tambm duplicar, o resultado ser que a quantidade de movimento

    quadruplicar. Pois, como clarifica Newton, o movimento total a soma dos

    movimentos de cada uma das partes.

    As definies III, IV e V determinam o que Newton entende por fora nsita,

    fora impressa e fora centrpeta, respectivamente.

    A Definio III define um dos conceitos centrais dos Principia, o conceito de

    inrcia. Acerca desta definio, afirma Bernard Cohen (1999) que esta definio in

    many ways, the most puzzling of all the definitions in the Principia. A fora nsita, tal

    como Newton a define, o poder de resistir, pelo qual cada corpo, tanto quanto dele

    depende, persevera no seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha recta.

    Ou seja, a resistncia que um corpo oferece mudana do estado em que se encontra.

    E, acrescenta Maria do Rosrio Branco (1996), a causa do movimento rectilneo

    uniforme, apresenta-se como fora de conservao, pois conserva a quantidade de

    movimento. No entanto, como destaca Bernard Cohen (1999) existe uma limitao a

    essa condio, isto , ao facto de o corpo permanecer no estado em que se encontra.

    Essa limitao est exposta na expresso latina quantum in se est, que ns optmos

    por traduzir por tanto quanto dele depende. Segundo Bernard Cohen (1999), com esta

    expresso Newton alerta-nos para o facto de que existem situaes em que o corpo

    impedido de perseverar no estado em que se encontra. Como veremos mais frente o

    novo conceito do termo uma inovao de Newton.

    Para Newton, a inrcia uma fora inerente prpria matria, insita, e latente

    enquanto no existir qualquer outra fora aplicada ao corpo. Afirma Allan Gabbey16

    ,

    something which did not possess inertia would not be a body. Diz o autor dos

    16

    GABBEY, Allan, Force and Inertia in the Seventeenth Century: Descartes and Newton, in Stephen

    Graukroger [ed.], Descartes: Philosophy Mathematics & Physics, Totowa, New Jersey, pp. 230- 320, p.

    254.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    10

    Principia que esta fora sempre proporcional ao seu corpo, e no difere em nada da

    inrcia da massa, ou seja, a fora nsita da matria a massa de um corpo. Segundo

    Newton, a fora nsita pode chamar-se com um termo mais significativo, fora da

    inrcia, pois devido a esta fora, que todos os corpos possuem, que os corpos

    dificilmente saem do estado em que se encontram. esta a fora que os corpos exercem

    quando uma fora impressa lhes tenta mudar o seu estado, e esta a fora, na medida da

    sua massa, que permite aos corpos permanecerem por si, no estado em que se encontram.

    Ou seja, esta a propriedade que responsvel pela resistncia alterao do estado de

    movimento e, ao mesmo tempo, tambm ela que garante o estado de movimento do

    corpo se sobre ele nenhuma outra fora actua. Assim, a vis insita a capacidade que

    cada corpo tem de resistir alterao do seu estado de movimento.

    Ainda nesta definio Newton diz que atribui-se vulgarmente a resistncia aos

    corpos que esto em repouso e o mpeto aos corpos que se movem. No entanto,

    clarifica Newton que essa distino no clara, pois movimento e repouso distinguem-

    se um do outro s pela perspectiva, e nem sempre esto realmente em repouso os corpos

    que vulgarmente se observam como tal. Bernard Cohen (1999) afirma que o interesse

    nos Principia da definio de fora de inrcia reside no facto de que implica a primeira

    lei do movimento. Achamos interessante o ponto de vista de Bernard Cohen quando

    sugere que Newton ao introduzir o conceito de fora de inrcia ao contrrio de simples

    inrcia, como propriedade da matria, pode significar que Newton no tivesse

    abandonado por completo a antiga noo de que todos os movimentos requerem um

    motor. Neste sentido, afirma Michel Blay (2002: 106) que le rle de cette vis insita,

    qui ne sclaire que par rapport lnonc du principe d inertie qui sera formul dans la

    loi I, est finalement de faire persvrer les corps dans son nouvel tat, nouvel tat acquis

    par laction de la force imprime [vis impressa] qui est prcisment dfinie au

    paragraphe suivant [].

    Na definio seguinte surge o conceito de fora impressa. A fora nsita e a fora

    impressa so os dois grandes conceitos sobre os quais Newton erigir a sua fsica. A

    fora impressa uma fora externa, uma fora que aplicada no corpo. Como destaca

    Bernard Cohen (1999), no se pode compreender os Principia se no percebermos na

    ntegra esta anttese entre fora de inrcia, uma fora interna, e fora impressa, uma

    fora externa.

    Segundo Newton, a fora impressa a aco exercida num corpo, para mudar o

    seu estado de repouso ou de movimento uniforme em linha recta, ou seja, uma fora

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    11

    que, actuando sobre um corpo, responsvel por modificar o seu estado de movimento

    ou de repouso. Se no houver fora, no haver mudana. uma fora externa, uma

    fora exterior que actua sobre um corpo. Acrescenta Cohen (1999) que a fora impressa

    consiste apenas na aco que exercida num corpo para mudar o seu estado, quer este

    seja o repouso ou o movimento. Ou seja, a fora impressa a ao pela qual um novo

    estado adquirido, no entanto, a fora da inrcia que permite que o corpo se mantenha

    no novo estado, pois este tipo de fora no permanece no corpo depois de a aco

    terminar. o oposto da fora da inrcia, que uma fora interior do corpo, como j

    anteriormente foi referido. Como explica Bernard Cohen (1999), Newton faz uso de um

    tradicional termo medieval, como mais adiante veremos, mas tal como na definio

    anterior, atribui um novo conceito ao termo. Explica tambm o mesmo autor que a

    definio deste conceito, no s uma referncia parcial ao segundo axioma, como

    antecipa a primeira lei quando refere que um corpo persevera em todo o novo estado

    somente pela fora da inrcia.

    No podemos deixar de destacar a ordem em que Newton elabora os conceitos

    de fora nos Principia. Primeiramente surge o conceito de fora de inrcia, que uma

    fora inata, uma fora que o corpo possui e s depois surge o termo fora impressa, que

    uma aco de carcter transitivo, que no permanece no corpo quando essa aco

    termina. Como clarifica Augusto Santos Fitas (1996), o carcter efmero destas foras

    traduz a ideia escolstica cessante causa cessat effectus, pois as foras aplicadas

    resultam de uma aco exterior sobre o corpo, enquanto as foras inatas constituem uma

    caracterstica do prprio corpo, residem nele.

    Newton termina a sua definio explicitando as diferentes origens da fora

    impressa que pode provir do choque, da presso ou da fora centrpeta. Ou seja, los

    cmbios de estado pueden ser un resultado de una fuerza de contacto instantnea, de una

    fuerza de contacto continuamente aplicada o de una fuerza que acta a distancia de

    modo que empuje o tire de un cuerpo hacia un centro.17

    As restantes definies so dedicadas fora centrpeta. Newton sente

    necessidade de dedicar as restantes definies a este termo, pois era um termo novo que

    estava a ser introduzido e o autor queria que ficasse bem esclarecido.

    17

    COHEN, Bernard, La Revolucin Newtoniana y la transformacin de las ideas cientficas, trad. Carlos

    Sols Santos, Madrid, Alianza Editorial, 1983, p. 279-280.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    12

    Assim, na Definio V Newton define fora centrpeta.18

    , terceiro e ltimo tipo

    de fora, que um caso especial da fora impressa. Nas palavras de Newton, a fora

    centrpeta aquela, pela qual os corpos so puxados de todas as partes, impelidos, ou

    de alguma forma tendem na direco de algum ponto, como para um centro. Para

    explanar o seu conceito Newton diz-nos trs exemplos: a gravidade pela qual os corpos

    tendem para o centro da terra, a fora magntica pela qual o ferro se dirige para o

    man e a fora qualquer que seja, pela qual os planetas se afastam continuamente dos

    movimentos rectilneos, e so forados a girar em linhas curvas.

    Afirma Eloy Rada (2004) que Newton foi bastante atrevido ao definir a

    gravidade como uma fora que puxa todos os corpos para o centro da Terra e tambm

    ao dar por certo que existe uma fora que justifica o movimento dos planetas, e que essa

    fora, independentemente do que ela seja, uma fora centrpeta. O restante da

    definio so exemplos descritivos: uma pedra numa funda, o movimento de um

    projctil, a lua. Como j foi anteriormente referido, a novidade deste conceito obriga a

    que Newton se desdobre em exemplos, para um melhor esclarecimento dos leitores.

    Esclarece Cohen (1999) que apesar de todos os exemplos dados por Newton serem do

    domnio da fsica, a sua preocupao puramente matemtica, ou seja, Newton quer

    desenvolver as propriedades matemticas das foras centrpetas e no investigar a

    natureza fsica, o modo de aco ou as propriedades fsicas da fora centrpeta. Assim

    sendo, diz Newton que pertence aos matemticos encontrar a fora, pela qual um corpo

    possa ser exactamente retido numa dada rbita, qualquer que seja, com uma dada

    velocidade; e, por sua vez, encontrar a trajectria curvilnea, para a qual um corpo

    saindo de um dado lugar qualquer que seja com uma dada velocidade seja deflectido por

    uma dada fora.

    A frase final desta Definio V lana o mote das trs ltimas definies. Newton

    diz que a fora centrpeta pode ser medida em trs quantidades: absoluta, aceleratriz e

    motriz. Nas restantes definies indicado, como se estimam as respectivas grandezas

    da fora centrpeta: a quantidade absoluta, a quantidade aceleratriz e a quantidade

    motriz. E com a explicao de cada uma das quantidades que Newton termina as suas

    definies.

    18

    Segundo Bernard Cohen (1999), o termo fora centrpeta foi inventado por Newton, com base na noo

    de fora centrfuga de Huygens.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    13

    Das definies segue-se, portanto, que h dois tipos de fora: a nsita e a

    impressa. Estes dois tipos de fora vo ser fundamentais nas leis do movimento, como

    veremos.

    A rubrica Definies encerra com o primeiro esclio, no qual Newton nos expe

    alguns dos seus conceitos metafsicos, tais como espao e tempo absolutos. Comea

    Newton por esclarecer o leitor, justificando as definies anteriores da seguinte forma:

    at aqui, pareceu necessrio explicar em que sentido devem ser tomadas, no que se

    segue, palavras menos conhecidas. Seguidamente afirma o autor que tempo, espao,

    lugar e movimento so bem conhecidos de todos. Ou seja, Newton no vai explicar

    estes conceitos. O que Newton vai fazer no Esclio , apenas, clarificar, dividindo

    estas quantidades em absolutas e relativas, verdadeiras e aparentes, matemticas e

    vulgares, para eliminar conceitos errados, pois vulgarmente no se concebem estas

    quantidades a no ser em relao quilo que sensvel. Isto , so medidas que se

    identificam relativamente a objectos de percepo sensvel, pois s assim conseguimos

    identific-las e quantific-las. O esclio baseia-se nisso mesmo, em mostrar as

    diferenas entre essas quantidades. Newton no Esclio explica-nos o que entende por

    espao absoluto e relativo, tempo absoluto e relativo, lugar, movimento absoluto e

    movimento relativo, e como se diferenciam entre si estes conceitos. Para Newton, o

    tempo absoluto, verdadeiro e matemtico, em si e por sua natureza, sem relao com

    nada do que for externo, flui de modo uniforme, e com outro nome chama-se durao.

    Como explica Maria do Rosrio Branco (1999: ), o tempo absoluto verdadeiro, pura e

    eterna durao, sem relao com as coisas existentes, matemtico porque uma

    quantidade. O tempo absoluto ope-se ao tempo relativo que aparente e vulgar

    uma medida qualquer, sensvel e externa, (quer exacta quer aproximada) da durao

    pelo movimento. O tempo relativo est relacionado com as coisas sensveis, ou seja,

    parte da durao absoluta e subdivide-se em horas, dias e meses. (BRANCO, 1999: )

    Seguidamente, Newton faz a destrina entre espao absoluto e espao relativo. O espao

    absoluto como o tempo absoluto, pela sua natureza, sem relao com nada daquilo

    que lhe externo, permanece sempre similar e imvel. Diz Maria do Rosrio Branco

    (1999: ), no tem relao com as coisas, uma quantidade. E tambm se ope ao

    espao relativo. Para Newton o espao relativo qualquer medida ou dimenso mvel

    do espao absoluto, a qual definida pelos nossos sentidos pela sua posio em relao

    aos corpos e vulgarmente confundida com o espao imvel. Newton acredita no

    tempo e espaos absolutos, no entanto, como esclarece Bernard Cohen (1999), Newton

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    14

    sabe que na prtica ns utilizamos o espao relativo ao invs do espao absoluto. Como

    explica Eloy Rada (2004), estes conceitos definidos por Newton no funcionam para o

    autor como um simples sistema de referncia, mas sim como absolutamente

    independentes e como invariveis absolutas. Logo a seguir, Newton comea por definir

    o que entende por lugar. Afirma Newton, lugar a parte do espao que o corpo ocupa e,

    em funo do espao, ou absoluto ou relativo, mas ressalva, digo a parte do espao;

    no a posio do corpo ou a superfcie externa.

    No ponto seguinte, Newton detm-se na distino entre movimento absoluto e

    movimento relativo. Para o autor o movimento absoluto a translao de um corpo de

    um lugar absoluto para um lugar absoluto. O movimento relativo a translao de um

    lugar relativo para um lugar relativo. Como explica Maria do Rosrio Branco (1999),

    uma mudana de posio de um corpo em relao a outros que estejam prximos.

    Para que o leitor compreenda as distines, Newton exemplifica da seguinte forma: na

    nau que levada pelas velas desfraldadas, o lugar relativo do corpo aquele stio da nau

    no qual o corpo se encontra. Aproveitando o exemplo dado, Newton explica o conceito

    de repouso relativo, que a permanncia do corpo no mesmo stio da nau, e o

    conceito de repouso verdadeiro, que a permanncia do corpo na mesma parte daquele

    espao imvel.

    No pargrafo seguinte, explica que em Astronomia, o tempo absoluto

    distingue-se do tempo relativo pela equao do tempo vulgar.

    De seguida, Newton fala acerca do uso comum das quantidades e que problemas

    acarreta o seu uso. no discorrer destes problemas que o autor faz a destrina entre as

    quantidades mensurveis e as quantidades sensveis.

    Ainda no Esclio, Newton explica dois exemplos: pendurar um balde de um fio

    muito longo, com gua no interior, e o segundo, o de duas esferas, com uma dada

    distncia entre si, ligadas por um fio intercedente. Explica Cohen (1999), que as duas

    experincias tratam dos efeitos centrfugos da rotao. Defende Cohen (1999) que a

    experincia com as duas bolas uma experincia conceptual, uma vez que Newton

    no faz qualquer referncia sua elaborao ou testemunho, ao contrrio da experincia

    com o balde, acerca da qual Newton refere como eu prprio experimentei.

    No ltimo pargrafo do Esclio, Newton diz-nos qual a inteno de ter escrito o

    tratado seguinte, inferir os movimentos verdadeiros a partir das suas causas, efeitos e

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    15

    diferenas aparentes, e pelo contrrio dos movimentos quer verdadeiros quer aparentes

    inferir as suas causas e efeitos.19

    Seguidamente, surge a rubrica Axiomas ou Leis de Movimento, na qual Newton

    nos apresenta as leis que regem e so fundamento de toda a mecnica clssica. So

    apenas trs as leis que compem e organizam a filosofia natural newtoniana. De acordo

    com Bernard Cohen (1999), Newton com as suas Leis de Movimento faz um

    aperfeioamento das leis de Descartes que surgem nos seus Principia, as quais

    Descartes apresenta como Regulae quaedam sive Leges Naturae.

    A primeira lei , comummente, designada lei de inrcia, pelo princpio que lhe

    est inerente20

    . Este primeiro axioma diz como se comporta um corpo quando no

    sujeito a foras impressas. Assim sendo, quando no est sujeito a foras exteriores,

    resta ao corpo a fora nsita. Segue-se, ento, que, unicamente com a fora de inrcia, o

    corpo se mantm em repouso ou em movimento rectilneo e uniforme. este o cerne do

    axioma. Diz tambm Cohen (1999) que interessante que Newton sinta a necessidade

    de postular a primeira lei, uma vez que a mesma j tinha sido antecipada nas definies

    III e IV. No entanto, o mesmo autor afirma que it would seem that Newtons first law

    was not so much intended as a simple restatement of the principle previously embodied

    in def. 3 as it was a condition for the existence of certain insensible forces, not

    otherwise known to us.21

    Sobre esta primeira lei, afirma Newton no seu prefcio segunda edio que es

    esta una ley de la naturaleza aceptada por todos los filsofos.22

    Depois de postulado o primeiro axioma, Newton d-nos trs exemplos onde se

    pode verificar a veracidade da lei anteriormente estabelecida: os projcteis, um pio e os

    planetas e cometas.

    O segundo axioma estabelece o efeito da fora impressa, ou seja, o repouso ou o

    movimento so alterados. Nas palavras de Newton a mudana de movimento, isto , a

    mudana na quantidade de movimento, como esclarece Bernard Cohen (1999),

    19

    Cf. COHEN, 1999: 108 e RYNASIEWICZ, Robert, By Their Properties, Causes and Effects:

    Newtons Scholium on Time, Space, Place and Motion, Studies in History and Philosophy of Science 26,

    1995, 133-153, 295-321.

    20 Cf. adiante 1.6 Newton.

    21 Acerca da importncia da Primeira Lei nos Principia cf. 2.6 - Newton.

    22 NEWTON, Isaac, Princpios Matemticos de la Filosofa Natural, trad. Eloy Rada, Madrid, Alianza

    Editorial, 2004, p. 104.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    16

    proporcional fora motriz impressa.23

    Como clarifica Newton seguidamente, uma

    fora dupla gerar um movimento duplo, uma fora tripla um movimento triplo, quer

    essa fora seja impressa ao mesmo tempo e de uma s vez, quer gradual e

    sucessivamente. Ou seja, a segunda lei postula que as mudanas no movimento so

    proporcionais fora impressa e direco dessa fora impressa.

    O terceiro, e ltimo axioma, estabelece o princpio da aco-reaco, tem, desta

    forma, uma funo diferente dos axiomas anteriores. A lei primeira baseia-se na

    definio 3. O segundo axioma baseia-se na definio 4. A terceira lei estatui que o

    que quer que prima ou puxe outra coisa, outro tanto ser por ela premido ou puxado.

    Diz Bernard Cohen (1999) que esta lei , muitas vezes, citada como the most important

    achievement of Newtons with respect to the principles [of dynamics]. Esta uma

    concluso nova e muito importante. Como afirma Roger Cotes24

    , no prefcio da

    segunda edio dos Principia, todos los cuerpos gravitan hacia la Tierra, del mismo

    modo la Tierra gravita igualmente hacia todos los cuerpos. (RADA, 2004: 103) No

    entanto, salienta Bernard Cohen (1999), um erro comum assumir que duas foras,

    iguais em magnitude, mas em direces opostas, podem produzir uma situao de

    equilbrio.

    Sucedem-se s leis do movimento, seis corolrios, que descrevem as

    propriedades dos movimentos dos corpos. Como esclarece Eloy Rada (2004), os

    corolrios so necessrios para especificar os diferentes casos de composio,

    decomposio, soma, subtraco, etc, em que se produzem as mudanas e as aces das

    foras impressas. O corolrio I apresenta-nos o paralelogramo das foras, que diz

    respeito composio das foras, baseia-se no postulado da independncia do efeito das

    foras. O corolrio II demonstra a composio e decomposio das foras. O corolrio

    III tem como objecto a soma da quantidade de movimento na aco de dois corpos, que

    no sofre qualquer alterao pela aco dos corpos um no outro. Para justificar esta

    conservao, Newton invoca a sua Lei III. O corolrio IV estatui que o centro de

    gravidade comum a dois ou mais corpos no muda o seu estado ou de movimento ou de

    repouso pelas aces dos corpos entre si. O Corolrio V estabelece o princpio da

    relatividade, pois segundo Newton, num dado espao, todos os movimentos se

    comportam entre si da mesma maneira, quer ele esteja em repouso, quer se mova

    uniformemente em linha recta. Para terminar, o ltimo corolrio, o Corolrio VI

    23

    Cf. COHEN, 1999: 111-117.

    24 Editor da primeira e segunda edies dos Principia.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    17

    postula que os corpos de um sistema, cada um impelido por foras de acelerao iguais,

    continuaro a mover-se entre si, como se no estivessem impelidos por essas foras.

    Tal como aconteceu com a rubrica anterior, tambm esta encerrar com um

    esclio. Neste esclio, Newton homenageia importantes figuras da poca, que muito

    contriburam para as suas concluses. O autor comea por referir que at agora, eu

    transmiti os princpios aceites pelos matemticos e confirmados por inmeras

    experincias. Seguidamente, atribui os dois primeiros axiomas e dois primeiros

    corolrios a Galileu.25

    , pois foram estes que permitiram que Galileu estabelecesse a lei

    da queda dos graves e demonstrasse o movimento em parbola dos projcteis.

    Como afirma Wallace Hooper26

    , Newton built his universal mechanics on a

    small, rigorous logical structure. As oito definies e as trs leis de movimento surgem

    em apenas quarenta pginas nos Principia. Segundo as definies existem dois tipos de

    foras: a fora nsita, que como o nome indica, inerente aos corpos; e a fora impressa,

    que provm do exterior. Do primeiro tipo existe apenas uma fora, dita fora de inrcia;

    choque, presso ou atraco so exemplos de foras impressas. Os 3 axiomas esto

    relacionados com os dois tipos de foras. Como os movimentos ou so rectilneos e

    uniformes ou no so e estes dizem-se acelerados -, os dois tipos de fora justificam

    todos os movimentos.

    25

    Como mais adiante veremos, o princpio da inrcia em Galileu bastante diferente do conceito de

    inrcia em Newton. No entanto, no pretendemos discutir aqui o porqu da atribuio a Galileu de um

    princpio enunciado primeiramente desta forma por Newton.

    26 HOOPER, Wallace, Inertial problems in Galileos preinertial framework, in Cambridge Companion to

    Galileo, Cambridge, Cambridge University Press, pp. 146-174.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    18

    CAPTULO 1 - PRINCIPOS MATEMTICOS DA FILOSOFIA

    NATURAL

    Introduo ao Aparato Crtico

    A obra Philosophiae Naturalis Principia Mathematica conheceu trs edies,

    todas elaboradas e corrigidas pelo prprio Newton. A primeira edio data de 1687 e foi

    publicada em Londres. A segunda foi publicada em 1713, em Cambridge. A terceira em

    1726, em Londres.

    Newton tardou cerca de quatro dcadas a aperfeioar o seu magnum opus e

    muitas foram as alteraes a elas introduzidas durante o tempo da sua feitura. Assim,

    consideramos pertinente a elaborao de um aparato crtico desta obra porque permite

    evidenciar a evoluo do pensamento de Newton, esclarecendo muitas dvidas sobre o

    mesmo.

    Ao contrrio de muitas edies de textos clssicos, em que as variantes textuais

    derivam de diversos manuscritos, de diferentes pocas, logo de diferentes copistas, sem

    muitas vezes se ter acesso ao manuscrito original, e onde, neste contexto impretervel

    o ter em considerao a verso mais antiga, que, geralmente, se encontra mais fiel ao

    original, ou a verso que parea ser mais autntica, pois o manuscrito original no est

    disponvel, nos textos de carcter cientfico, principalmente de carcter matemtico, a

    ltima verso, normalmente, a que est mais correcta, pois as verses mais antigas

    representam fases preliminares do pensamento do autor. Visto que os Principia so um

    tratado cientfico, e no uma obra literria ou filosfica, e tendo em conta que as vrias

    edies publicadas representam as mudanas introduzidas por Newton e a evoluo da

    sua linha de pensamento, a elaborao de um aparato crtico a partir da sua primeira

    edio seria como se agssemos contra a vontade do seu autor. Assim, faremos o nosso

    aparato crtico com base na terceira e ltima edio dos Principia, uma vez que esta a

    verso final aprovada pelo seu autor, representando as ltimas revises autorizadas e

    publicadas antes da sua morte.

    Basta simplesmente olhar para o aparato crtico para que se torne evidente que

    nenhuma pgina est na terceira edio como surgiu nas verses anteriores. Em todas as

    pginas, Newton introduziu alguma mudana, por menor que seja. Isto denota, desde

    logo, o esforo que o autor empreendeu na tentativa de melhorar e de tornar mais claro a

    sua obra, at sua verso final. Como refere, Bernard Cohen, so poucos os tratados

    cientficos que foram submetidos a tantas revises pelo seu autor.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    19

    Deste modo, o objectivo primordial do nosso aparato crtico, a partir da

    reproduo do texto definitivo, legado por Newton, mostrar as alteraes textuais que as

    verses anteriores conheceram, mostrando que os Principia no foram uma obra esttica

    ao longo das trs edies, mas sim um documento vivo.

    Guia do Aparato Crtico

    Para o nosso aparato crtico considermos os 3 textos publicados, que so a

    representados, seguindo a designao que Bernard Cohen e Alexandre Koyr usaram no

    seu aparato crtico, da seguinte forma:

    E1 = 1. Edio (1687);

    E2 = 2. Edio (1713);

    E3 = 3. Edio (1726).27

    O aparato crtico constar da comparao, linha por linha, palavra por palavra da

    terceira com as duas primeiras edies publicadas, onde apresentaremos todas as

    alteraes e adies encontradas de edio para edio, acompanhando o texto.

    Cada pgina da nossa edio encontra-se dividida em duas partes: a primeira

    parte corresponde reproduo do texto original, de acordo com a terceira edio; a

    segunda parte compe-se das sucessivas alteraes de edio para edio.

    O aparato crtico, propriamente dito, deve ser consultado da seguinte forma: os

    nmeros seguidos de ] correspondem aos nmeros das linhas que surgem no lado

    esquerdo no texto. Quando, em vez de apenas um nmero surgirem dois, separados por

    um hfen, deve entender-se desde a linha x at linha y. Surge tambm, uma s vez,

    no aparato {3. 20}, interprete-se como pgina trs, linha 20.

    As variantes de leitura no aparato crtico seguem a forma generalizada de citao.

    A leitura da terceira edio surge em tipo romano, separado pela leitura das variantes,

    tambm em tipo romano, por dois pontos. A referncia edio onde surge essa

    variante de leitura surge em tipo itlico, uma vez que uma interveno nossa e no de

    autor. No nosso aparato crtico apenas surge a seguinte abreviatura:

    om. (tambm em tipo itlico), que significa que a palavra, frase ou expresso,

    no se encontra na referida edio.

    27

    NEWTON, Isaac, Philosophiae Naturalis Principia Mathematica, the third edition (1726) with variant

    readings, assembled and edited by Koyr, Alexandre & I. Bernard Cohen with the assistance of Anne

    Whitman, vol. I, Cambridge, University Press, 1972.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    20

    Aparato Crtico e Traduo

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    21

    Princpios Matemticos da Filosofia Natural

    Definies

    Definio I.

    A quantidade de matria a medida da mesma, que resulta da sua densidade e

    volume em conjunto

    O ar, sendo duplicada a sua densidade, num espao tambm duplicado, torna-se

    qudruplo, e num espao triplicado sxtuplo. Entenda-se o mesmo acerca da neve e do

    p condensados por compresso ou liquefaco. E igual a explicao para todos os

    corpos, que por quaisquer causas de diversas formas se condensam. Por outro lado, eu

    no tenho aqui em conta um meio, se que existe algum, que penetre livremente os

    interstcios das partes dos corpos. E entendo, no que se segue, esta quantidade sob o

    nome de corpo ou massa, indistintamente. Ela conhecida pelo peso de qualquer corpo.

    Na verdade, descobri, por meio de experincias cuidadosamente realizadas com

    pndulos, que proporcional ao peso, como a seguir se mostrar.

    Definio II.

    A quantidade de movimento a medida do mesmo, que resulta da velocidade e da

    quantidade de matria em conjunto.

    O movimento do todo a soma dos movimentos de cada uma das partes, e por

    este motivo, num corpo duplamente maior, com igual velocidade, o movimento duplo,

    e com o dobro da velocidade, o qudruplo.

    Definio III.

    A fora nsita da matria o poder de resistir, pelo qual cada corpo, tanto quanto dele

    depende, persevera no seu estado de repouso ou de movimento uniforme ao longo de

    uma linha recta.

    Esta fora sempre proporcional ao seu corpo, e no difere em nada da inrcia

    da massa, a no ser no modo de a conceber. Por causa da inrcia da matria sucede que

    todo o corpo, dificilmente, alterado do seu estado de repouso ou de movimento. Sob

    esse ponto de vista, a fora nsita pode tambm chamar-se, com um termo mais

    significativo, fora da inrcia. Na verdade, um corpo exerce esta fora apenas na

    mudana do seu estado causada por outra fora impressa em si; e este exerccio , sob

    diferentes perspectivas, resistncia e impulso. resistncia na medida em que o corpo,

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    22

    para conservar o seu estado, resiste fora impressa; impulso na medida em que o

    mesmo corpo, cedendo com dificuldade fora do obstculo resistente, tenta mudar o

    estado daquele obstculo. Atribui-se vulgarmente a resistncia aos corpos que esto em

    repouso e o impulso aos corpos que se movem, mas o movimento e o repouso, tal como

    so vulgarmente concebidos, s se distinguem relativamente, e nem sempre esto

    realmente em repouso os corpos que vulgarmente se observam como tal.

    Definio IV.

    A fora impressa a aco exercida num corpo, para mudar o seu estado de repouso

    ou de movimento uniforme em linha recta.

    Esta fora consiste apenas na aco, e no permanece num corpo depois da

    aco. Um corpo persevera em todo o novo estado somente pela fora da inrcia. A

    fora impressa provm de diferentes origens, como do choque, da presso ou da fora

    centrpeta.

    Definio V.

    A fora centrpeta aquela, pela qual os corpos so atrados, impelidos, ou de alguma

    forma tendem na direco de algum ponto, como para um centro.

    A este gnero pertence a gravidade, pela qual os corpos tendem para o centro da

    terra; a fora magntica, pela qual o ferro se dirige para o man; e aquela fora, qualquer

    que seja, pela qual os planetas so continuamente afastados dos movimentos rectilneos,

    e so forados a girar em linhas curvas. Uma pedra girada numa funda tenta afastar-se

    da mo que a faz girar; e pelo seu esforo distende a funda, com tanto mais fora,

    quanto mais rpido gira e assim que largada, sai disparada. fora contrria quele

    esforo, pela qual a funda puxa continuamente a pedra para a mo e a retm na sua

    rbita, porque dirigida para a mo como para o centro de uma rbita, eu chamo-lhe

    fora centrpeta. E igual a explicao para todos os corpos, que so movidos em

    crculo. Todos estes corpos tentam afastar-se dos centros das suas rbitas; e a no ser

    que alguma fora contrria quele esforo esteja presente, pela qual sejam impedidos e

    retidos nas rbitas, qual por isso chamo fora centrpeta, afastar-se-iam em linha recta

    com movimento uniforme. Um projctil, se fosse abandonado pela fora da gravidade,

    no se desviaria para a terra, mas afastar-se-ia para os cus em linha recta; e isto com

    movimento uniforme apenas se fosse suprimida a resistncia do ar. Um projctil pela

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    23

    sua gravidade continuamente desviado da direco rectilnea e inflectido para terra, e

    isto mais ou menos, em funo da sua gravidade e da velocidade do movimento. Quanto

    menor for a sua gravidade, em funo da quantidade de matria, ou maior a velocidade

    com a qual lanado, tanto menos se afastar da direco rectilnea e mais longe

    chegar. Se uma esfera de chumbo for lanada, com uma dada velocidade, em linha

    horizontal, do cume de algum monte pela fora da plvora de um canho continuaria em

    linha curva at distncia de duas milhas antes de cair na terra; ento com o dobro da

    velocidade chegaria quase duas vezes mais longe, e com dez vezes mais velocidade

    chegaria quase dez vezes mais longe, contanto que a resistncia do ar fosse suprimida. E

    aumentando a velocidade, poderia ser aumentada, vontade, a distncia para a qual

    fosse lanada, e poderia ser diminuda a curvatura da linha que descreveria, at que

    finalmente casse a uma distncia de dez, trinta ou noventa graus; ou mesmo at que

    percorresse toda a terra ou, por fim, se afastasse para os cus, e continuasse

    indefinidamente no seu movimento de afastamento. E pela mesma razo, pela qual um

    projctil, com a fora da gravidade, poderia ser deflectido para uma rbita e percorrer

    toda a terra, poderia tambm a lua pela fora da gravidade, se grave, ou por qualquer

    outra fora, pela qual seja impelida para a terra, poderia ser continuamente desviada da

    trajectria rectilnea em direco terra, e ser dirigida para a sua rbita; e sem a tal

    fora a lua no pode ser retida na sua rbita. Se esta fora fosse menor do que a medida

    certa no seria suficiente para deflectir a lua da direco rectilnea, se fosse maior do

    que a medida certa afast-la-ia demasiado fazendo-a sair da sua rbita em direco

    terra. Na verdade, requer-se que seja de intensidade exacta: e pertence aos matemticos

    encontrar a fora, pela qual um corpo possa ser exactamente retido numa dada rbita,

    qualquer que seja, com uma dada velocidade; e, por sua vez, encontrar a trajectria

    curvilnea, para a qual um corpo saindo de um dado lugar, qualquer que seja, com uma

    dada velocidade seja deflectido por uma dada fora. Mas a quantidade desta fora

    centrpeta de trs gneros: absoluta, aceleratriz e motriz.

    Definio VI.

    A quantidade absoluta de uma fora centrpeta a medida da mesma, maior ou

    menor, em funo da eficcia da causa que a propaga do centro atravs das regies

    circundantes.

    Como a fora magntica, que maior num man e menor no outro, em funo da

    grandeza do man ou grau da intensidade.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    24

    Definio VII.

    A quantidade aceleratriz de uma fora centrpeta a medida da mesma, proporcional

    velocidade que produz num dado tempo.

    Como a fora do mesmo man que maior numa distncia menor, e menor numa

    distncia maior; ou a fora da gravidade que maior nos vales e menor nos cumes dos

    montes elevados, e ainda menor (como adiante se ver) a grandes distncias do globo da

    terra; mas em distncias iguais a mesma em todas as partes, porque ela acelera

    igualmente todos os corpos que caem (sejam pesados ou leves, grandes ou pequenos),

    suprimida a resistncia do ar.

    Definio VIII.

    A quantidade motriz de uma fora centrpeta a medida da mesma, proporcional ao

    movimento que produz num dado tempo.

    Como o peso que maior num corpo maior, e menor num corpo menor; e no

    mesmo corpo maior perto de terra, e menor nos cus. Esta quantidade a

    centripetncia ou propenso de todo o corpo para um centro e, por assim dizer, o seu

    peso; e sempre conhecida por meio de uma fora contrria igual a ela, com a qual se

    pode impedir a queda do corpo.

    Estas quantidades das foras, para abreviar, podem chamar-se foras motrizes,

    aceleratrizes e absolutas, e, para as distinguir, referem-se aos corpos que se dirigem para

    um centro, aos lugares dos corpos e ao centro das foras. A saber, a fora motriz refere-

    se ao corpo, como um esforo do todo para um centro, composto pelo esforo de todas

    as partes; a fora aceleratriz, ao lugar do corpo, como alguma eficcia difundida do

    centro atravs de cada lugar circundante, para mover os corpos que a estejam. E a fora

    absoluta refere-se ao centro, como dotado de alguma causa, sem a qual as foras

    motrizes no se propagariam pelas regies circundantes, quer essa causa seja algum

    corpo central (tal como um man no centro de uma fora magntica, ou a terra no centro

    da fora que produz gravidade), quer alguma outra que no seja visvel. Esta concepo

    , sobretudo, matemtica: com efeito, eu no pondero, por agora, as causas e sedes

    fsicas das foras.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    25

    Portanto, a fora aceleratriz est para a fora motriz como a celeridade para o

    movimento. Na verdade, a quantidade de movimento provm da celeridade e da

    quantidade de matria, e a fora motriz provm da fora aceleratriz e da quantidade da

    mesma matria em conjunto. Na verdade, a soma das aces da fora aceleratriz em

    cada partcula de um corpo a fora motriz do todo. Por isso, perto da superfcie da

    terra, onde a gravidade aceleratriz ou a fora que produz gravidade a mesma em todos

    os corpos, a gravidade motriz, ou o peso, como o corpo: mas se subir para regies

    onde a gravidade aceleratriz se torna menor, o peso diminuir igualmente, e ser sempre

    como o corpo e a gravidade aceleratriz em conjunto. Assim, nas regies onde a

    gravidade aceleratriz metade, o peso de um corpo duplamente ou triplamente menor,

    ser quatro ou seis vezes menor.

    Continuando, chamo no mesmo sentido aceleratrizes e motrizes s atraces e

    aos impulsos. Porm, eu uso as palavras atraco, impulso ou qualquer propenso para

    um centro, indistinta e indiscriminadamente, considerando estas foras no fsica mas

    apenas matematicamente. Acautele-se pois o leitor para que no pense que eu, por

    palavras deste tipo, defini a espcie ou modo da aco, a causa ou a razo fsica, em

    qualquer parte, ou que eu atribu foras, verdadeira e fisicamente a centros (que so

    pontos matemticos) se que alguma vez disse que os centros atraem, ou que os centros

    tm foras.

    Esclio

    At aqui, pareceu necessrio explicar em que sentido devem ser tomadas, no que

    se segue, palavras menos conhecidas. Tempo, espao, lugar e movimento so termos de

    todos bem conhecidos. Porm, deve notar-se que vulgarmente no se concebem estas

    quantidades a no ser em relao quilo que sensvel. E como da provm alguns

    conceitos errados convm, para os eliminar, dividir estas quantidades em absolutas e

    relativas, verdadeiras e aparentes, matemticas e vulgares.

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    26

    I. O tempo absoluto, verdadeiro e matemtico, em si e por sua natureza, sem relao

    com nada de externo, flui de modo uniforme, e com outro nome chama-se durao. O

    tempo relativo, aparente e vulgar uma medida qualquer, sensvel e externa, (quer

    exacta quer aproximada) da durao pelo movimento, a qual vulgarmente usada em

    vez do tempo verdadeiro; como a hora, o dia, o ms e o ano.

    II. O espao absoluto, por sua natureza, sem relao com nada daquilo que lhe externo,

    permanece sempre igual e imvel: o espao relativo qualquer medida ou dimenso

    mvel deste espao, a qual definida pelos nossos sentidos pela sua posio em relao

    aos corpos, e vulgarmente usado como espao imvel: como a dimenso do espao

    subterrneo, areo ou celeste que determinada pela sua posio em relao terra. O

    espao absoluto e o espao relativo so a mesma coisa, em espcie e em grandeza; mas

    no permanecem sempre o mesmo em nmero. Por exemplo, se a terra se mover, o

    espao do nosso ar, que, relativamente e em relao terra, permanece sempre o mesmo,

    ser ora uma parte do espao absoluto para a qual o ar passa, ora outra parte dele; e

    assim, de modo absoluto, ser perpetuamente mudado.

    III. Lugar a parte do espao que o corpo ocupa, e, em funo do espao, ou absoluto

    ou relativo. Digo a parte do espao; no a situao do corpo, ou a superfcie externa. Na

    verdade, os lugares de slidos iguais so sempre iguais; as superfcies, porm, so

    muitas vezes desiguais, por causa da dissemelhana das formas; na verdade,

    propriamente falando, as posies no tm quantidade, nem so tanto lugares quanto

    afeces dos lugares. O movimento de um todo o mesmo que a soma dos movimentos

    das partes; isto , a translao de um todo do seu lugar a mesma que a soma das

    translaes das partes dos seus lugares; e, por este motivo, o lugar de um todo o

    mesmo que a soma dos lugares das partes e por isso interno e est no corpo todo.

    IV. Movimento absoluto a translao de um corpo de um lugar absoluto para outro

    lugar absoluto, movimento relativo a translao de um lugar relativo para outro lugar

    relativo. Assim, na nau que levada pelas velas desfraldadas, o lugar relativo do corpo

    aquele stio da nau no qual o corpo se encontra, ou aquela parte de toda a concavidade

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    27

    que o corpo enche, e que portanto se move juntamente com a nau: e repouso relativo a

    permanncia do corpo no mesmo stio da nau ou parte da sua concavidade. Mas o

    repouso verdadeiro a permanncia do corpo na mesma parte daquele espao imvel,

    na qual a prpria nau se move juntamente com a sua concavidade e com tudo o que

    contm. Por isso, se a terra est verdadeiramente em repouso, o corpo, que

    relativamente repousa na nau, mover-se- verdadeira e absolutamente com a velocidade,

    com a qual a nau se move na terra. Se, pelo contrrio, tambm a terra se move, o

    movimento verdadeiro e absoluto do corpo resultar, em parte, do movimento

    verdadeiro da terra no espao imvel e, em parte, do movimento relativo da nau na terra.

    E se o corpo tambm se move relativamente na nau, o seu movimento verdadeiro

    resultar, em parte, do movimento verdadeiro da terra no espao imvel e, em parte, dos

    movimentos relativos, tanto da nau na terra, como do corpo na nau: e destes

    movimentos relativos resultar o movimento relativo do corpo na terra. Se aquela parte

    da terra, onde se encontra a nau, se move verdadeiramente para oriente com uma

    velocidade de 10010 partes; e a nau for levada pelas velas e pelo vento para ocidente

    com uma velocidade de dez partes; e um marinheiro andar na nau para oriente com uma

    parte da velocidade: ento, o marinheiro mover-se- verdadeira e absolutamente no

    espao imvel com 10001 partes da velocidade para oriente, e mover-se- relativamente

    na terra para ocidente com nove partes da velocidade.

    Em Astronomia, o tempo absoluto distingue-se do tempo relativo pela equao

    do tempo vulgar. Na verdade, os dias naturais, que vulgarmente so considerados como

    iguais para a medida do tempo, so desiguais. Os astrnomos corrigem esta

    desigualdade, para medir os movimentos celestes, a partir de um tempo mais verdadeiro.

    possvel que no haja nenhum movimento igual, pelo qual o tempo possa ser

    rigorosamente medido. Todos os movimentos podem ser acelerados ou retardados, mas

    o fluxo do tempo absoluto no pode ser alterado. A durao ou a perseverana da

    existncia das coisas a mesma, quer os movimentos sejam rpidos, lentos ou nulos:

    por isso, ela distingue-se perfeitamente pelas suas medidas sensveis, e depreende-se das

    mesmas por uma equao astronmica. Mas a necessidade desta equao para

    determinar os fenmenos obtm-se tanto por meio de experincia do relgio oscilatrio,

    como tambm por meio dos eclipses dos satlites de Jpiter.

    Assim como a ordem das partes do tempo imutvel, assim tambm o a ordem

    das partes do espao. Se estas se movessem dos seus lugares, mover-se-iam, por assim

    dizer, de si prprias. Na verdade, tempos e espaos so, por assim dizer, os lugares de si

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    28

    prprios e de todas as coisas. Todas as coisas esto colocadas no tempo quanto ordem

    de sucesso, no espao quanto ordem de posio. Faz parte da sua essncia serem

    lugares: e absurdo que se movam os lugares primordiais. Portanto, estes so lugares

    absolutos; e apenas as translaes destes lugares so movimentos absolutos.

    Mas porque estas partes do espao no podem ser vistas, nem podem ser

    distinguidas umas das outras pelos nossos sentidos, recorremos, em vez delas, a

    medidas sensveis. Na verdade, definimos todos os lugares a partir das posies e das

    distncias das coisas em relao a algum corpo, que observamos como imvel: depois

    tambm calculamos todos os movimentos pela sua relao com os lugares j referidos,

    na medida em que concebemos que os corpos so deslocados desses mesmos lugares.

    Assim, em vez de lugares e de movimentos absolutos usamos os relativos; e no de

    modo inadequado nas coisas humanas: porm, nas filosficas deve abstrair-se dos

    sentidos. Pois possvel que no esteja realmente em repouso um corpo ao qual so

    referidos lugares e movimentos.

    Mas repouso e movimento absolutos e relativos distinguem-se um do outro pelas

    suas propriedades, causas e efeitos. uma propriedade do repouso que os corpos, que

    esto verdadeiramente em repouso, estejam em repouso entre si. E por este motivo,

    visto que possvel que algum corpo esteja absolutamente em repouso nas regies das

    estrelas fixas, ou mais longe; mas como no se pode saber, a partir da posio mtua

    dos corpos nas nossas regies, se algum destes mantm ou no uma dada posio em

    relao quele longnquo; no se pode definir o repouso verdadeiro a partir da posio

    destes entre si.

    uma propriedade do movimento que as partes que conservam dadas posies

    em relao a todos, participem dos movimentos desses mesmos todos. Na verdade,

    todas as partes dos corpos que giram tendem a afastar-se do eixo do movimento e o

    impulso dos corpos que avanam provm do impulso conjunto de cada uma das partes.

    Portanto, ao moverem-se os corpos volta, movem-se aqueles que esto relativamente

    em repouso dentro deles. E por isso, o movimento verdadeiro e absoluto no pode ser

    definido pela translao a partir da proximidade dos corpos, que se consideram como

    em repouso. Na verdade, os corpos externos devem ser considerados no s como

    estando em repouso, mas tambm devem estar verdadeiramente em repouso. Por seu

    lado, todos os corpos includos, alm da translao pela proximidade dos corpos volta,

    tambm participaro dos seus movimentos verdadeiros; e suprimida aquela translao

    no esto verdadeiramente em repouso, mas apenas sero observados como estando em

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    29

    repouso. Na verdade, os corpos circundantes esto para os que encerra, como a parte

    exterior do todo est para a parte interior, ou como a casca est para o ncleo. Quando a

    casca se move, tambm o ncleo se move, sem translao da proximidade da casca,

    como parte de um todo.

    Afim propriedade precedente mover-se juntamente com o lugar aquilo que

    nele est colocado quando o lugar se move: por este motivo, um corpo, que se move de

    um lugar movido, participa tambm do movimento do seu lugar. Portanto, todos os

    movimentos, que se fazem a partir de lugares movidos, so apenas partes dos

    movimentos inteiros e absolutos: e todo o movimento inteiro composto do movimento

    do corpo do seu primeiro lugar e do movimento deste lugar a partir do seu lugar, e

    assim sucessivamente; sem interrupo at que alcance um lugar imvel, como no

    exemplo do marinheiro supra mencionado. Donde se segue que os movimentos inteiros

    e absolutos no podem ser definidos a no ser por meio de lugares imveis; e por isso

    referi anteriormente estes movimentos aos lugares imveis, e os movimentos relativos

    aos lugares mveis. Porm, lugares imveis no so seno todos aqueles que conservam

    entre si as posies dadas do infinito at ao infinito; e permanecem sempre imveis e

    constituem o espao ao qual eu chamo imvel.

    As causas, pelas quais se distinguem entre si os movimentos verdadeiros e os

    relativos, so as foras impressas nos corpos para produzir movimento. O movimento

    verdadeiro no se produz nem se muda, a no ser por foras impressas no prprio corpo

    movido: mas o movimento relativo pode ser gerado e mudado sem as foras impressas

    neste corpo, pois suficiente que somente se imprimam noutros corpos com os quais

    estejam em relao, de modo que ao cederem estes, se mude aquela relao, na qual

    consiste o repouso ou o movimento relativo deste corpo. Mais uma vez, um movimento

    verdadeiro sempre mudado pelas foras impressas no corpo movido; pelo contrrio, o

    movimento relativo no necessariamente mudado por estas foras. Na verdade, se as

    mesmas foras tambm se imprimirem noutros corpos com os quais se estabelece a

    relao, de forma que se conserve a posio relativa, conservar-se- a relao na qual

    consiste o movimento relativo. Portanto, todo o movimento relativo pode mudar-se,

    quando se conserve o verdadeiro, e pode conservar-se quando se muda o verdadeiro; e,

    por isso, o movimento verdadeiro no consiste em relaes deste gnero.

    Os efeitos, pelos quais se distinguem entre si os movimentos absolutos e os

    relativos, so as foras de afastamento do eixo do movimento circular. Na verdade, no

    movimento circular puramente relativo estas foras no existem, porm, no verdadeiro e

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    30

    absoluto so maiores ou menores em funo da quantidade de movimento. Se se

    pendurar um balde de um fio muito longo, e for continuamente movido em crculo, at

    que o fio fique muito rijo devido contoro, e a seguir se encher de gua e juntamente

    com a gua ficar em repouso; naquele momento, com alguma fora repentina for

    movido em crculo com movimento contrrio, e ao relaxar-se o fio, se mantiver durante

    muito tempo neste movimento; no incio, a superfcie da gua ser plana, como antes do

    movimento do balde: mas depois, ao imprimir-se a pouco e pouco uma fora na gua, o

    balde far com que esta comece tambm sensivelmente a girar; ela prpria afastar-se-,

    a pouco e pouco, do centro, e subir para os lados do balde, revestindo uma forma

    cncava (como eu prprio experimentei) e, com um movimento cada vez mais

    acelerado, subir mais e mais at que, completando revolues com o balde, em tempos

    iguais, nele repouse relativamente. Esta subida revela o esforo de afastamento em

    relao ao eixo do movimento e, por tal esforo, se manifesta e se mede o movimento

    circular verdadeiro e absoluto da gua, e este totalmente contrrio ao movimento

    relativo. No incio, quando o movimento relativo da gua no balde era mximo, aquele

    movimento no produzia nenhum esforo de afastamento em relao ao eixo: a gua

    no se dirigia para a circunferncia subindo para os lados do balde, mas permanecia

    plana, e por isso, o seu movimento circular verdadeiro ainda no tinha comeado. Mas

    depois, quando o movimento relativo da gua decresceu, a sua subida para os lados do

    balde mostrava o esforo de afastamento em relao ao eixo; e este esforo mostrava o

    seu movimento circular verdadeiro sempre crescente e, finalmente, atingindo o mximo,

    quando a gua repousava relativamente no balde. Porque este esforo no depende da

    translao da gua relativamente aos corpos volta e, por isso, o movimento circular

    verdadeiro no pode ser definido por tais translaes. O movimento verdadeiramente

    circular de qualquer corpo que gira nico, e corresponde a um esforo nico como

    efeito prprio e adequado: porm, os movimentos relativos so inmeros de acordo com

    as vrias relaes com os corpos exteriores; e tal como as relaes, so totalmente

    destitudos de efeitos verdadeiros, a no ser na medida em que participam daquele

    movimento verdadeiro e nico. Donde, no sistema daqueles que sustentamque os nossos

    cus giram debaixo dos cus das estrelas fixas e que arrastam os planetas consigo; cada

    parte dos cus e os planetas que, de facto esto relativamente em repouso nos seus cus

    prximos, movem-se verdadeiramente. Com efeito, mudam as suas posies

    mutuamente (diferente do que acontece nos que esto verdadeiramente em repouso) e,

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

    31

    levados juntamente com os cus, participam dos seus movimentos e, como partes de

    todos os que giram, tendem a afastar-se dos eixos destes.

    As quantidades relativas no so, portanto, aquelas mesmas as quantidades, que

    os seus nomes indicam, mas so as suas medidas sensveis, (verdadeiras ou erradas) que

    vulgarmente se usam em vez das quantidades mensuradas. Mas se o significado das

    palavras deve ser determinado pelo uso, estas medidas sensveis devero ser

    propriamente entendidas por aqueles nomes de tempo, espao, lugar e movimento; e a

    linguagem ser inslita e puramente matemtica, se as entendermos aqui como

    quantidades mensuradas. Por isso, aqueles que interpretam estas palavras como

    quantidades mensuradas violam as escrituras sagradas. E no menos corrompe a

    matemtica e a filosofia quem confunde as quantidades verdadeiras com as suas

    relaes e medidas vulgares.

    Na verdade, muito difcil conhecer os movimentos verdadeiros de cada um dos

    corpos e distingui-los efectivamente dos aparentes; porque as partes daquele espao

    imvel, no qual os corpos verdadeiramente se movem no caem sob o domnio dos

    sentidos. Todavia, a causa no est completamente perdida. Na verdade, os argumentos

    podem ser escolhidos; em parte, dos movimentos aparentes que so as diferenas dos

    movimentos verdadeiros, em parte das foras que so as causas e os efeitos dos

    movimentos verdadeiros. Como se duas esferas, com uma dada distncia entre si,

    ligadas por um fio intercedente, fossem giradas ao redor de um centro de gravidade

    comum; a partir da tenso do fio conhecer-se-ia o esforo das esferas em afastarem-se

    do eixo do movimento, e com isso poder-se-ia calcular a quantidade de movimento

    circular. Em seguida, se se imprimissem simultaneamente quaisquer foras iguais nas

    faces alternadas das esferas para aumentar ou diminuir o movimento circular, o aumento

    ou a diminuio do movimento conhecer-se-ia pelo aumento ou diminuio da tenso

    do fio; e da poder-se-iam finalmente descobrir as faces das esferas em que se deviam

    imprimir as foras para aumentar ao mximo o movimento, isto , as faces posteriores,

    ou aquelas que num movimento circular se seguem. Assim, conhecidas as faces que se

    seguem e as faces opostas que precedem, conhecer-se-ia a orientao do movimento. E

    deste modo, poder-se-ia encontrar a quantidade e a orientao deste movimento circular

    em qualquer vazio imenso, onde no existe nada externo e sensvel subsistisse com o

    qual as esferas pudessem ser comparadas. Se agora se colocassem naquele espao

    alguns corpos longnquos que conservassem uma dada posio entre si, tal como as

    estrelas fixas nas regies dos cus, no se poderia decerto conhecer, a partir da

  • Princpios Matemticos da Filosofia Natural: A lei de inrcia

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    translao relativa das esferas entre os corpos, se o movimento se deve atribuir a estes

    ou quelas. Mas se se olhasse para o fio, e se se depreendesse que a sua tenso a

    mesma que o movimento das esferas requer; seria lcito concluir que o movimento era

    das esferas e que os corpos estavam em repouso; e depois, por fim, a partir da translao

    das esferas entre os corpos obter a orientao deste movimento. Porm, inferir os

    movimentos verdadeiros a partir das suas causas, efeitos e diferenas aparentes, e pelo

    contrrio dos movimentos quer verdadeiros quer aparentes inferir as suas causas e

    efeitos, o que ser seguidamente mais longamente demonstrado. Pois para este fim

    compus este tratado.

    Axiomas ou Leis de Movimento