PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA: … E... · a vivê-la com dignidade, amor, ......

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE CURSO DE SERVIÇO SOCIAL CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA: NO DISCURSO O SENTIDO É DADO FORTALEZA/2013

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CENTRO DE ENSINO SUPERIOR DO CEARÁ FACULDADE CEARENSE

CURSO DE SERVIÇO SOCIAL

CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO

PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA:

NO DISCURSO O SENTIDO É DADO

FORTALEZA/2013

CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO

PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA:

NO DISCURSO O SENTIDO É DADO

Monografia submetida à aprovação da Coordenação do Curso de Serviço Social do Centro Superior do Ceará, como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social.

FORTALEZA/2013

Bibliotecário Marksuel Mariz de Lima CRB-3/1274

T314p Teodózio, Conceição Rodrigues

Prisão e conversão evangélica na PFHVA: no discurso o sentido é dado / Conceição Rodrigues Teodózio. Fortaleza – 2013.

103f. Il.

Orientador: Profº. Dr. Alexandre Carneiro de Souza.

Trabalho de Conclusão de curso (graduação) – Faculdade Cearense, Curso de Serviço Social, 2013.

1. Prisão. 2. Evangélicos. 3. PFHVA. I. Souza,

Alexandre Carneiro. II. Título

CDU 316.356

CONCEIÇÃO RODRIGUES TEODÓZIO

PRISÃO E CONVERSÃO EVANGÉLICA NA PFHVA:

NO DISCURSO O SENTIDO É DADO

Monografia como pré-requisito para obtenção do título de Bacharelado em Serviço Social, outorgado pela Faculdade Cearense – FaC, tendo sido aprovada pela banca examinadora composta pelos professores. Data de aprovação: ____/ ____/____

BANCA EXAMINADORA

____________________________________

Prof. Dr. Alexandre Carneiro de Souza

Orientador

_____________________________________

Prof. Me. Mário Henrique Castro Benevides

Banca Examinadora

_____________________________________

Profª. Me. Rúbia Gonçalves

Banca Examinadora

Dedico este trabalho aquelas pessoas que mais depositaram

confiança em minhas escolhas e que me apoiaram em todos os

momentos de dificuldades: meus pais, meu irmão e minha tia

Conceição sempre tão presentes em minha vida. Por fim,

principalmente pela paciência e compreensão em todos os

momentos de ausência.

AGRADECIMENTOS

Primeiramente agradeço a Deus pela oportunidade de encerrar mais um

ciclo vitorioso em minha vida, que é a formatura em Serviço Social. Essa conquista

não seria possível sem a valorosa e fundamental contribuição de muitas pessoas,

fundamentalmente a minha família.

Aos meus pais, Gorethe e Izidoro, que me deram a vida e me ensinaram

a vivê-la com dignidade, amor, carinho, dedicação e proteção de ambos, fizeram

com que os percursos mais obscuros tornassem iluminados. Ao meu irmão, Manoel,

por fazer parte da minha vida e dividirmos momentos juntos.

A minha tia Conceição, sempre muito presente em todos os momentos da

minha vida, através do incentivo e de suas palavras de apoio.

A minha querida e adorada, Ana Lourdes Maia Leitão, minha primeira

supervisora de estágio (na época no CREAS de Maracanaú) hoje uma grande amiga

e confidente. Agradeço infinitamente a confiança que sempre depositou em mim e a

experiência profissional a qual me proporcionou.

As minhas queridas Naná e Jê, outras supervisoras, estas do CESF com

quem passei pouco tempo, mas que contribuíram intensamente para a minha

formação. Cada uma com uma ética profissional e comprometimento com o seu

público de atendimento inquestionável. Destaco ainda a organização de ambas, e

essa era uma característica exigida a todas suas estagiárias. Levarei sempre comigo

o profissionalismo, comprometimento e organização que me foi tão bem ensinado.

Ao diretor, agentes penitenciários e ao gerente administrativo da

Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo- PFHVA e a SEJUS o meu

reconhecimento e agradecimento pela oportunidade de permitir a realização da

pesquisa nesta referida unidade.

Aos grandes MESTRES que tive a honra de ser aluna, pelos

ensinamentos, pelo empenho e pela oportunidade do debate de ideias ao longo

destes anos.

Ao professor Dr. Alexandre Carneiro, peça fundamental para a existência

desse trabalho, pessoa com quem pude tirar dúvidas e me orientar para o caminho

certo. Agradeço infinitamente por todas as orientações.

Ao querido professor Me. Mário Henrique, com quem eu pude em vários

momentos tirar dúvidas e levar meus questionamentos. Obrigada!

Agradeço também especialmente aos vários colegas que fiz ao longo do

curso, parceiros de estudo e das dificuldades vencidas nesta árdua jornada. Alguns

permanecerão para sempre em meu circulo mais íntimo de amizade e outros

certamente voltaremos a nos encontrar pela vida.

Não posso esquecer também dos amigos que direta ou indiretamente

contribuíram para o meu desenvolvimento acadêmico.

A todos, o meu muito obrigado!

RESUMO

Esta pesquisa tem como objetivo principal compreender, a partir da percepção dos sujeitos reclusos, o papel da conversão evangélica. Para tal foi entrevistado 13 internos da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo- PFHVA, situada em Pacatuba/ Ce, região metropolitana de Fortaleza/ Ce. Para se compreender a categoria prisão fez se necessário explanar a historicização e a Antiguidade até a Modernidade. No trabalho é abordada a partir dos discursos dos entrevistados a importância de ser crente dentro de uma Unidade Prisional, se existe interesse que resguarda a conversão evangélica, e como os conversos passam a serem visto pela massa carcerária. A pesquisa se caracteriza como um estudo de caso qualitativo, tendo como método de análise a hermenêutica dialética. Nos achados da pesquisa foi possível fazer uma divisão dos sujeitos entrevistados em: evangélicos praticantes, não praticantes, católicos e os sem religião. As falas dos entrevistados permitiram concluir que a conversão está ligada ao sofrimento, abandono. Por fim, se compreendeu que para os sujeitos crentes que estão reclusos, manter a imagem de “irmão” é um desafio constante, precisam estar provando constantemente através de suas ações a veracidade da conversão, ou seja, a conversão na prisão perpassa o olhar do descrédito e da desconfiança. Palavras-chave: Prisão, PFHVA, evangélicos.

ABSTRACT

This research aims to understand the main, from the perception of the subjects prisoners, the role of evangelical conversion For such was interviewed 13 internal Hélio Viana Penitentiary Francisco de Araújo-PFHVA, located in Pacatuba / CE, metropolitan region of Fortaleza / CE. To understand the category arrest made if necessary explain the historicizing and Antiquity to Modernity. In the work is discussed from the interviews the importance of being a believer in a prison unit, if there is interest that protects the evangelical conversion, and how are the converts are to be seen by the mass prison. The research is characterized as a Qualitative Case Study, with the method of analysis hermeneutic dialectics. The findings of the research was possible to make a division of the subjects interviewed in; evangelicals practicing and non-practicing Catholics and those with no religion. The speeches of the respondents indicated that the conversion is linked to suffering, abandonment. Finally, it was realized that for subjects who are believers inmates, keeping the image of "brother" is a constant challenge, need to be constantly proving through their actions the truth of conversion, ie the conversion in prison pervades the look distrust and suspicion.

Keywords: Prison, PFHVA evangelicals.

LISTA DE ABREVIATURA E SIGLA

CESF Centro Educacional São Francisco

CPPL CAUCAIA Casa de Privação Provisória de Liberdade Desembargador

Francisco Adalberto de Oliveira Barros Leal

CPPL I Casa de Privação Provisória de Liberdade Agente Luciano

Cavalcante

CPPL II Casa de Privação Provisória de Liberdade Professor Clodoaldo

Pinto

CREAS Centro de Referência Especializado da Assistência Social

CSD Chefe de Segurança e Disciplina

DEPEN Departamento Penitenciário Nacional

HGSPPOL Hospital Geral e Sanatório Penal Professor Otávio Lobo

INFOPEN Sistema Integrado de Informações Penitenciárias

IPF Instituto Penal Feminino Desembargadora Auri Moura Costa

IPGSG Instituto Psiquiátrico Governador Stênio Gomes

IPPOO I Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira I

IPPOO II Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira II

IPPS Instituto Penal Paulo Sarasate

LEP Lei de Execuções Penais

OAB Ordem dos Advogados do Brasil

PFHVA Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo

PIRC Penitenciária Industrial Regional do Cariri

PIRS Penitenciária Industrial Regional de Sobral

PM Policia Militar

SEJUS Secretaria de Justiça e Cidadania do Estado do Ceará

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO..........................................................................................................12

1- PRA QUE PUNIR? A QUEM PUNIR? COMO PUNIR?.......................................15

1.1- SISTEMA PRISIONAL, SEUS SIGNIFICADOS E CONSEQUÊNCIAS.............15

1.2- RELIGIÃO NA PRISÃO: UTILITARISMO OU OPORTUNISMO?.......................23

2-HISTÓRIA DA PRISÃO: O PASSADO NUNCA ESTÁ MORTO. ELE NEM

SEQUER PASSOU....................................................................................................30

2.1- DO MEDIEVO A MODERNIDADE.....................................................................30

2.2- NA AMÉRICA LATINA: TÉCNICAS DIFERENTES, OBJETIVOS

IGUAIS.......................................................................................................................36

2.3- OS SENTIDOS PERMANECEM AO LONGO DOS TEMPOS ...........................40

3- PRISÃO NO CEARÁ: UM BREVE HISTÓRICO...................................................50

3.1- EVOLUÇÃO DO ENCARCERAMENTO NO CEARÁ .........................................51

3.2 - PENITENCIÁRIA FRANCISCO HÉLIO VIANA DE ARAÚJO............................56

4- RELIGIOSIDADE E PRISÃO: NO DISCURSO O SENTIDO É DADO.................70

4.1- PERCURSO METODOLÓGICO.........................................................................70

4.1.1-PERFIL DOS ENTREVISTADOS......................................................................74

4.1.2- APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS..................................................79

CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................92

REFERÊNCIAS .........................................................................................................96

ANEXO.......................................................................................................................99

APÊNDICE A...........................................................................................................101

APÊNDICE B...........................................................................................................103

12

INTRODUÇÃO

O Sistema Prisional é um tema extremamente polêmico ao ser discutido

na atualidade. Traz consigo uma série de preconceitos embutidos no seio da

sociedade. Muitos têm um sentimento de desprezo pelos indivíduos encarcerados,

chegam a desejarem cumprimento de penas cada vez mais cruéis. Acreditam

fielmente que na prisão esses sujeitos vivem em ambiente de regalias, pensam que

os internos vivem em “hotel”, onde são bem alimentados, bem vestidos e tem

atendimento com profissionais especializados na hora que querem.

Na verdade, esse discurso por parte da população não se deu de forma

aleatória, ele tem um motivo de existir. A mídia divulga constantemente informações

sobre essa realidade e, na maioria das vezes, essas notícias não são retratadas

com fidelidade, não mostram como de fato é a realidade de uma população que vive

encarcerada, a mercê dos agentes executores da pena, sob um poder exaustivo por

parte destes. Podemos perceber que nos noticiários na maioria das vezes só saem

questões referente a algum “motim” nas prisões, dificilmente fazem referência aos

motivos que desencadeia esses “motins” ou trazem pontos referentes às condições

de vida dentro dessas instituições.

Vejamos a seguinte situação: se esses indivíduos são vitimas de

preconceitos por estarem presos, se imagine se além de presos forem evangélicos.

Provavelmente o preconceito pode se torna bem maior, por se esperar do

evangélico outro tipo de conduta; e ai pode ser que não seja apenas por parte da

população que se encontra na sociedade, mas também pela população carcerária

que pode passar a olhar esses sujeitos com desconfiança em relação à conversão a

religião evangélica.

O presente trabalho busca compreender e conhecer a percepção de

alguns apenados da Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo - PFHVA em

relação ao papel da conversão evangélica por parte de um sujeito recluso em uma

Unidade Prisional e, os efeitos dessa conversão nos indivíduos encarcerados e

como esses sujeitos passam a ser vistos.

A Penitenciária Francisco Hélio Viana de Araújo - PFHVA se situa da

cidade de Pacatuba, zona metropolitana de Fortaleza, Ceará, com capacidade para

525 internos, estando atualmente com 654, ultrapassando a capacidade carcerária.

13

Essa Unidade é destinada aos sujeitos que estão cumprindo pena no regime

fechado. A Penitenciária tem no seu corpo profissional uma equipe multiprofissional,

agentes penitenciários, policiais militares, secretários, serviços gerais, diretor e

diretor adjunto.

Para chegarmos à compreensão da repercussão da conversão evangélica

na prisão, é necessário antes de tudo, analisar como se deu o surgimento da

Instituição Prisão ao longo da história, quais seus desdobramentos e como vem se

estruturando. É também fundamentalmente importante conhecer a realidade

Prisional dos sujeitos do campo pesquisado, assim se pode ter uma compreensão

mais ampla do papel dessa religião, pois se entende que o ambiente é um

condicionante de transformações e mudanças.

Para tanto, este trabalho se estrutura em quatro capítulos. O primeiro

capítulo intitulado “Pra que punir? A quem punir? Como punir?” traz uma visão geral

do que se entende sobre a prisão bem como dos seus desdobramentos diante a

sociedade, a partir de alguns conceitos ou caracterizações realizadas por Foucault,

Goffmam, Durkheim e outros que já desenvolveram trabalhos referentes à temática,

que se desencadearam algumas discussões que permeiam a prisão, religião, poder

e ressocialização.

No segundo capítulo “O passado nunca está morto. Ele nem sequer

passou”. Faz um resgate histórico da prisão iniciando pela antiguidade, Idade Média,

e Modernidade.

No terceiro capítulo se inicia com um breve histórico da prisão no Ceará,

posteriormente se apresenta os elementos do campo onde se encontram os sujeitos

entrevistados, onde faremos uma breve descrição da PFHVA, mostrando questões

referentes à estrutura física, os componentes da Unidade, as relações, o cotidiano e

elementos de pertença religiosa evangélica.

O quarto capítulo apresenta a pesquisa. Primeiramente se destaca o

percurso metodológico, trazendo inicialmente como se deu a escolha pelo tema, o

qual só foi possível em decorrência da experiência da pesquisadora como estagiária

de Serviço Social na PFHVA. Posteriormente se trata da metodologia, descrevendo

de forma transparente os caminhos que foram percorridos para a construção da

pesquisa. Em seguida é apresentada a caracterização dos sujeitos entrevistados,

trazendo um panorama geral. Dando sequência ao capítulo, se mostram os dados e

14

a respectiva analise dos mesmos, a partir dos principais elementos trazidos pelos

entrevistados.

Para concluir, temos as considerações finais, onde por meio da analise

sociológica compreendemos como é a repercussão do fenômeno religioso na vida

de um sujeito recluso, e o quão desafiador é manter a imagem de crente dentro de

um sistema opressor.

Por fim, este trabalho colocará como objetivo principal a compreensão do

papel da conversão evangélica a partir do discurso dos reclusos. Nesse contexto se

buscou identificar se existem interesses que resguardam a inserção em grupos

evangélicos na prisão, e se a conversão evangélica fortalece relações sociais. Não

deixando de buscar conhecer a forma como esses indivíduos conversos passam a

ser vistos pela massa carcerária.

15

CAPÍTULO 1

1 PRA QUE PUNIR? A QUEM PUNIR? COMO PUNIR?

Este capítulo traz algumas discussões em relação à prisão, a partir destas

pretendemos mostrar questões peculiares a esse ambiente e como elas podem

condicionar atitudes dos internos.

1.1 SISTEMA PRISIONAL, SEUS SIGNIFICADOS E CONSEQUÊNCIAS.

As discussões sobre a questão Penitenciária atualmente vem ganhando

mais espaço, já existe considerável número de produções literárias relacionadas ao

tema. Apesar de o Sistema Prisional estar ganhando visibilidade no meio acadêmico

e, nas categorias envolvidas com os Direitos Humanos, se pode colocar que essa

temática ainda é carregada de preconceitos.

Poucos se importam com as questões que ocorrem dentro de uma

Unidade Prisional, ainda é persistente a ligação ao senso comum, de que “bandido”

não presta, não tem jeito, que precisa sofrer mesmo e que é irrecuperável. Grande

parcela da população carrega consigo a ideia de que quanto maior for a pena,

melhor será. Relacionam a privação da liberdade, a tortura e o trato desumano a

uma efetiva “ressocialização” ou assim como expõe Almeida (2001, p.84), talvez se

apoiem na ideia de que a forma de “tratamento desumano bem como as más

condições vivenciadas pelos presos seja uma retribuição justa pelos crimes que

cometeram”.

Talvez de forma inconsciente esses sujeitos tragam consigo um ideal que

era praticado desde antes do surgimento da instituição prisão, onde as formas de

punições desumanas, não eram executadas com o propósito de despertar no réu

uma reflexão do ato cometido, mas sim de mostrar aos indivíduos que não deveriam

agir de forma que violassem as normas, ou seja, funcionava como uma forma de

exercício do poder sobre o indivíduo.

Para impor medo nos indivíduos foram utilizados por um longo período, os

suplícios, caracterizados na obra de Foucault (2010) como sendo os castigos e

torturas corporais: corpos esquartejados, amputações de membros, marcas de ferro

em partes do corpo, exposição do corpo torturado vivo ou morto.

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Pena corporal, dolorosa, mais ou menos atroz dizia Jaucourt; e acrescentava: “é um fenômeno inexplicável a extensão da imaginação dos homens para a barbárie e a crueldade” ( ENCYCLOPÉDIE, VERBETE SUPLÍCIO Apud FOUCALT, 2010, p. 35).

Diante dos constantes suplícios aplicados nos indivíduos durante séculos,

apareceram no decorrer dos anos leis voltadas à questão da população carcerária.

No caso do Brasil, além das garantias da pessoa presa, estabelecidas na

Constituição Federal e no Código Penal, existe a Lei de Execuções Penal- LEP,

destinada unicamente ao sistema prisional. Essa lei, em tese, é um guia para a

administração prisional, ela regulamenta, normatiza e prevê os direitos e deveres da

pessoa presa.

Quando se entra no âmbito da efetivação da LEP se percebe que na

prática muitos caminhos são divergentes do que preconiza a legislação. Certamente

devem existir interesses por trás da efetivação ou não efetivação do que se

estabelece em lei. Para Xavier (2006, p.08) a falta de cumprimento nessas leis traz

críticas ao sistema.

Com efeito, o preceituado nesses dispositivos legais não é aplicado na prática no cotidiano das prisões em todo o Brasil. Devido a isto, o sistema penal no País e sua administração têm sido focos de ferrenhas críticas por órgãos ligados aos Direitos Humanos e pela imprensa nacional e internacional. São inúmeros os pressupostos de que o sistema penitenciário brasileiro encontra-se em crise e chegando à beira do caos. Essas crises vão desde as incompatibilidades do sistema legislativo punitivo ao sistema de administração carcerária.

Mesmo diante dos avanços no que diz respeito à criação de leis, não

podemos dizer que existe concretude na execução das mesmas. Isso nos remete ao

que Foucault (2010, p.217-218) coloca que “ao fazer da detenção a pena por

excelência, ela introduz processos de dominação”, ou seja, a incompatibilidade do

sistema legislativo ao da administração carcerária pode ser relacionada ao fato dos

executores da pena (agentes do Estado) buscar, mostrar aos presos que sobre eles

existe uma força maior, que ali, reclusos em uma prisão, eles são submissos,

querem assim exercer poder sobre os mesmos.

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A forma de tratamento punitivo que se tinha na antiguidade pode ser

relacionada aos modos presentes na atualidade, parece que o que ocorreu, foi

apenas uma “modernização” do que podemos chamar de “técnicas de punição”. Mas

elas ainda permanecem injetadas no cotidiano do sistema prisional.

Podem-se comparar as prisões com grandes “depósitos de seres

humanos”, onde os sujeitos são jogados nesses ambientes, ficando tutelados pelo

Estado e vivendo em péssimas condições humanas.

As prisões são cenários de constantes violações de direitos humanos. Os principais problemas enfrentados, segundo a Comissão Parlamentar de Inquérito do Sistema Carcerário ( conhecida como CPI Carcerária) realizada nos presídios de todo país, são: a superlotação, a degradação da infra estrutura carcerária, a corrupção dos próprios policiais, a má administração carcerária, a violência, e a tortura (RELATÓRIO CPI CARCERÁRIA, 2007, p.02).

Foucault (2010) coloca que o corpo supliciado desapareceu há algumas

dezenas de anos. No entanto, essas subcondições humanas (ações violentas,

maus- tratos, humilhações e espancamentos) enfrentadas por presidiários na

atualidade, me parecem ser, uma nova forma de suplícios, onde não se tem o corpo

esquartejado ou amputado como principal forma de repressão, mas sim as

subcondições enfrentadas.

O discurso de Foucault (2010) sobre as prisões não parece que foi

realizado no século passado, na década de 1970; ele dá ares para uma atualidade

prisional que ainda se defronta com a arbitrariedade dos custodiadores. Muito se

falava sobre a inutilidade e a falência da prisão. Contudo ela permanece, até se

transformou, mas não desapareceu com o passar dos tempos.

Foucault (2010, p.218) coloca ainda que se continua fazendo critica ao

sistema, como degradante, parece que não se conseguiu imaginar um sistema que

seja capaz de atender essas criticas, conhecem-se todos os inconvenientes da

prisão, e sabe- se que é perigora, quando não inútil. E, entretanto não “vemos” o que

pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão.

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Ao mesmo tempo em que, Foucault (2010) faz essa critica, também diz

que, não teria como a prisão não ser a pena mais aceita, só ela tira do individuo

aquilo que ele mais ambiciona que é sua liberdade.

Sendo a prisão um ambiente que segrega, isola e priva de liberdade o

sujeito que cometeu infração à lei, Goffman (2003) vai dizer que a prisão leva a

“mortificação do eu” do sujeito, segundo ele, esse processo ocorre quando o

individuo transita para uma realidade externa, a qual vive na sociedade mais ampla,

ficando em um local de confinamento seja ele social ou espacial. Nesse local, o

sujeito passa por mudanças: adaptações, perda da singularidade e da autonomia,

são submetidas às novas regras, obrigado a conviver com outros indivíduos em um

espaço pequeno, cada um com personalidades diferentes e a conviver com a

ociosidade (não tem trabalho nem atividades para todos). Com todo esse processo

de adaptação que o individuo preso passa ao adentrar o sistema prisional, Goffman

(2003) coloca que esse mesmo sujeito acaba desenvolvendo um adoecimento,

caracterizado como a mortificação.

A prisão é um ambiente que priva o indivíduo não só do direito de ir e vir.

Em muitos casos, os sujeitos adentram o sistema prisional com vínculos familiares

fragilizados e, o ambiente carcerário condiciona para o rompimento desses vínculos,

dentre outras perdas; desde as afetivas às profissionais e escolares.

A prisão é um local de sofrimento, onde as pessoas são submetidas a diversos tipos de privação, que vão muito além da restrição de ir e vir. Mesmo em países onde as instituições de cumprimento de pena são mais dignas, o sofrimento é uma característica compartilhada por todos os presos (SABADELL, 2009, p.30 Apud LEITE, A, 2012, p.22).

Foucault (2010, p.223) vem dizer que a solidão deveria ser um

instrumento positivo na reforma do sujeito, porque deve ser um momento para

despertar reflexão e remorso. Contudo, o que garante é o exercício do poder sobre

os sujeitos, condicionando - os a uma submissão total.

Na prisão, se encontra sujeitos, onde na sua maior parte cometeram

delitos, violaram a lei. Nessas instituições os indivíduos são conduzidos para cumprir

sua pena. Rocha (2001, p. 54), enfoca a função da prisão como “um instrumento de

coerção e mecanismo de controle social da violência”. Acontece que em muitos

19

presídios o que se encontra é violência. Assim se torna difícil compreender, como

“tratar” de violência1 em um local, violento.

Com todas essas questões, parece ser a prisão um sistema falido, onde

não se consegue reeducar o sujeito, fazer com que este ao sair do sistema, seja

visto como um indivíduo útil para a sociedade.

Para quem trabalha na área do sistema prisional, especificadamente

fazendo atendimentos aos presos, é comum deparar-se com relatos de experiências

dos presos, bem como criticas ao sistema prisional, alguns caracterizam como algo

“podre” que não recupera, que é uma” escola do crime”.

Externalizam também o fato dos presos serem misturados, não existe

uma separação dos presos por crimes. Expõem que não acham correto que

indivíduos que matam estejam juntos de outro que cometeu um delito de natureza

leve. Existe ainda corrupção dentro do próprio sistema. A forma de tratamento

desumana, principalmente com os que passam pelo isolamento2. Muitos chegam a

se compararem com ratos e gatos mortos, que são jogados de qualquer forma, sem

a menor preocupação, principalmente quando se está no isolamento.

O relato desses sujeitos parece fazer parte de uma realidade não

somente do sistema prisional Cearense. Parece que está enraizada, que é uma

característica comum ao Sistema Prisional. Salla (2001, p.34) nos trás o retrato das

condições da maioria dos presídios brasileiros:

De um lado há os problemas estruturais envolvendo a falta de vagas, superlotação, mistura de presos primários e não-primários, condenados e provisórios, instalações precárias, pequeno número de postos de trabalho e de atividades educativas para os presos, assistência social, jurídica e médica insuficientes. De outro, há uma dinâmica prisional cada vez mais marcada pelos conflitos internos entre grupos de presos. As administrações prisionais, por sua vez, são pouco qualificadas [...]. Muitas delas possuem amplos setores imersos em práticas de corrupção e violência.

1 - Como violência, não devemos entender apenas a tortura física, mas também a o tratamento desumano com o

sujeito preso; má alimentação, violência psicológica, abuso de poder, má condição de higiene, dentre outras.

2 Ambiente destinado aos presos que descumprem normas dentro da Unidade Prisional, ou que por outro motivo

não podem mais permanecer nas vivências.

20

Situações como essas acabam desencadeando no interior das prisões

movimentos contra essas condições, as rebeliões, uma questão que vem

acontecendo frequentemente em diversas unidades prisionais. Para muitos, as

rebeliões se caracterizam como sendo uma forma dos presos chamarem a atenção

da sociedade para as condições nas quais são submetidos. Salla (2001, p.20),

coloca que:

As rebeliões são “momentos extremos de rupturas da “ordem” existentes”. [...] as rebeliões podem ser encaixadas num amplo conjunto de estratégias de que lançam mão os presos, individualmente ou em grupos, para resistir às práticas de imposição de regras e formas de convivência no interir das prisões.

Voltando ao contexto do surgimento da prisão, percebendo a forma de

tratamento e do modo como essa instituição prisão vem se estabelecendo. As

rebeliões não podem ser uma reação que acontecem inesperadamente, entendemos

como uma série de conflitos não resolvidos, e que ao passar dos dias acabam se

acentuando.

Reafirmando essa questão Sykes apud Salla (2001, p.22), repudia a ideia

de que as rebeliões sejam um evento imprevisível “contestando que as prisões seja

um “barril de pólvora” à espera de uma faísca para explodir”.

As rebeliões indiciam ser uma forma de reação do preso contra a

administração prisional, as péssimas condições de saúde, higiene, alimentação,

vestuário, tratamento e as formas de poder exercida sobre a população carcerária.

Todas essas questões transmitem o que Foucault (2001) nos traz em

relação ao poder. Ele acreditava que o poder de dominação que era exercido sobre

os presos deveria ser dosado corretamente, ainda que esse fosse o poder que

deveria ser exercido sobre o preso. Foucault é adepto da teoria que não se deve

analisar o poder, mas sim a forma como ele opera nos sujeitos, ou seja, sua

repercussão. Para ele o poder é exercido tanto pelo dominante como pelo

dominado.

Se entendermos que o poder desenvolve, a auto-formação e auto-

obediência, nesse sentido, as relações de poder operam de forma estratégica,

lógica, gradual, articulada e intencional. Quando não se compreende as normas do

21

poder operado, este tem reação contrária, ao invés dele produzir no sujeito a

compreensão dos limites e das regras, ele gera um caos (XAVIER, p.06).

A pena de prisão traz consigo um conjunto de elementos que discrimina o

sujeito que está ou já esteve preso, traz ainda elementos de coerção tanto no

aspecto físico como psicológico (ROCHA, 2001).

Os elementos psicológicos causados sobre o individuo preso, parece se

evidenciar principalmente quando este deixa a prisão, esse fato parece estar

atrelado à participação da sociedade, quando a todo instante tratam de demonstrar

que o sujeito já esteve preso, e quando ficam esperando que a qualquer momento

ele retorne para a prisão, ou seja, o sujeito passa a não ter mais credibilidade diante

dos outros sujeitos da sociedade, passando na maioria das vezes a serem privados

de oportunidades.

Vive-se atualmente em uma sociedade capitalista, onde o modelo

econômico desenvolvido inclui alguns, outros poucos são incluídos e os demais, os

excluídos são necessários para o desenvolvimento desse modelo econômico

(SIQUEIRA, 2001, p. 59).

Siqueira (2001, p.59), traz exemplos dado por Dupas (1999) de cidadãos

que são tratados como excluídos da sociedade, dentre eles se encontram os presos.

[...] os desempregados de longo prazo, os empregados submetidos a empregos precários e não qualificados, os velhos e os não protegidos pela legislação, os que ganham pouco, os sem- terra, os sem habilidades, os analfabetos, os viciados em drogas, os delinquentes e presos, as crianças problemáticas e quem sofre abusos, os trabalhadores infantis, as mulheres, os estrangeiros, os imigrantes e os refugiados, as minorias raciais, religiosas e em termos de idiomas, os que recebem assistência social, os residentes em vizinhanças deterioradas e os pobres que têm consumo abaixo do nível considerado de subsistência.

Considerando essas classificações, e entendendo que alguns dos sujeitos

reclusos, não se adequariam apenas na condição de preso, mas também, como

indivíduos sem habilidades, analfabetos, usuários de drogas, estrangeiros e que

recebem assistência. Por serem na maioria das vezes excluídos, tornam - se sempre

vistos como alvo mais propício ao mundo do crime. Não estamos aqui afirmando que

essa violação dos direitos seja a causa do envolvimento no crime, mas pode ser um

fator que desencadeia o surgimento e crescimento.

22

Reforçando as causas de uma possível vitimização do sujeito ao mundo

do crime deparamos com o pensamento de Siqueira (2001, p.59), não podemos ter

uma visão simplista e determinista de que unicamente a pobreza gera a

criminalidade. O pauperismo marginaliza, e a marginalidade pode criar delinquente.

Diante dessas situações, Siqueira (2001) ainda acrescenta que existe

uma inversão de valores, no que diz respeito à cobrança da sociedade sobre o

sujeito que comete um delito passível de aplicação de pena em regime fechado.

Quando o sujeito é condenado ele perde a condição de individuo portador de direitos

e deveres para com uma sociedade, passando a se tornar devedor para com esta,

que antes já havia lhe tirado as condições de viver dignamente e honestamente, se

consideradas essas condições que muitas vezes não lhes foram dadas o cidadão

muitas vezes acaba sendo levado ao mundo do crime.

O sujeito condenado passa anos reclusos na prisão, num sistema que

não tem se mostrado ressocializador, com características cada vez mais

degradantes. Mesmo diante desse caos é cobrado constantemente do individuo

preso, sua “recuperação”, sendo que na maioria das vezes, o sistema que rege a

sociedade nunca ofereceu condições dignas a estes sujeitos, no sistema prisional,

tão pouco é oferecido. No entanto, dentro da prisão, e, sobretudo, quando os

indivíduos saem, eles são cobrados, o que na maioria das vezes não lhes foi

oferecido em momento algum.

Talvez sejam essas questões que fazem com que Foucault (1979)

considere a prisão como um sistema falido, como uma solução detestável. Para ele

a prisão deveria ser semelhante à escola, agir em precisão sobre os sujeitos.

Desde 1820 se constata que a prisão, longe de transformar os criminosos

em gente honesta, serve apenas para fabricar novos criminosos ou para afundá-lo

ainda mais na criminalidade (p. 131- 132).

Para que o sujeito preso retorne à sociedade, existem na LEP

determinações onde o individuo poderá e deverá ser submetidos a alguns

programas que, em tese conduzirão o seu retorno para o convívio à sociedade.

No entanto diante desse cenário, a instituição prisional não consegue

sozinha ter um caráter ressocializador, mas punitivos. E é por decorrência das

poucas condições oferecidas nas prisões para reinserir estes indivíduos na

23

sociedade, ou mesmo como meio de buscar amenizar os dias no “purgatório” que

muitos dos presos se aproximam de doutrinas religiosas.

1.2 RELIGIÃO NA PRISÃO: UTILITARISMO OU OPORTUNISMOS?

Em Junho de 2012, o Departamento Penitenciário Nacional- DEPEN3

divulgou os números da população carcerária do Brasil sendo esta composta por

549.577 presos. Em dezembro de 2011 foram divulgados os dados da população

carcerária referente ao Ceará 16. 953, os dados de Junho de 2012 nos trouxeram

novas informações com um aumento dessa população ficando em um total de 18.

304 presos.

A partir desses dados e das constantes noticiais divulgadas na mídia,

percebemos que a população carcerária, em especifico a cearense vem

aumentando constantemente. E esse aumento desenfreado de pessoas envolvidas

em delitos acaba acentuando cada vez mais imagens preconceituosas sobre a

pessoa presa. Esse é um fato que não pode ser ignorado e que em decorrência

dessa expressão da questão social surgem outras: isolamento familiar, repressão,

doenças, falta de assistência, etc.

As prisões estão se tornando espaços onde cada vez mais sua população

se constitui de jovens. O sistema prisional está parecendo um “caminho sem volta”.

Diante do retrato prisional que nos tem sido apresentado, parece ficar evidente o

fracasso dos órgãos gestores da administração do sistema prisional.

Como já citado outras vezes nesse trabalho, as prisões estão se

caracterizando pela ausência constante de materiais básicos indispensáveis para a

higienização, falta de atendimentos médicos, a presença constante da tortura, dos

tratos desumanos e das humilhações.

De acordo com a Lei 7.210/ 1984 (Lei de Execução Penal- LEP), durante

todo período que o preso se encontrar recolhido na Unidade Prisional, ele deverá ter

assistência médica, social, educacional, jurídica, material e religiosa. A Constituição

3 Os dados do DEPEN são disponibilizados no portal do Ministério da Justiça. www.mj.gov.br.

24

do Brasil de 1988 assegura ainda em seu Art. 5º. § XLIX aos presos o respeito, a

integridade física e moral. No Art.5º § III garante que ninguém será submetido a

tratamento desumano ou degradante. Já a LEP em seu Art.41 classifica como direito

dos presos: alimentação, vestuário, exercício das atividades, profissionais,

intelectuais, artísticas e desportistas, assistência material, a saúde, jurídica,

educacional, social e religiosa. Contudo, mesmo diante das garantias estabelecidas

nas legislações, o caos no sistema prisional ainda permanece. Toma espaço o

desrespeito para com essa população, violando os seus direitos enquanto sujeitos

presos como bem se pode ver na seguinte afirmação:

A luz do preconceito social, o bandido, ao ser encarcerado perde todos os seus direitos à dignidade, a assistência e cidadania. Bastamos vê a horrível condição pessoal em que se encontram os detentos de nosso país, jogados e esquecidos “nas masmorras” do desrespeito, esquecendo- se eles próprios de que são seres humanos (BEZERRA, 2010, p.17).

Diante de um cenário onde as situações são degradantes, e os interesses

parecem ser voltados para a punição e vigia do preso, torna-se difícil imaginar como

conseguir reintegrar esses sujeitos à vida fora dos muros prisionais.

Visualizando as condições de uma prisão, pouco provável que ela sozinha

consiga ressocializar indivíduos, assim ocorre à necessidade da junção a outros

meios, como a família, a religião, o trabalho, a educação ou a profissionalização

para que se consiga caminhar em direção à reintegração do preso a sociedade.

Bezerra, (2010) vem dizer que a pena privativa de liberdade deveria ter a

finalidade de ressocializar.

Ressocializar significa reincerir o condenado apto ao convívio social, ou

seja, reeducar ou educar o condenado de tal maneira que se adapte a viver em

sociedade respeitando as regras (normas) impostas (BEZERRA; 2010; p.40).

A LEP foi um avanço no que diz respeito ao tratamento com a pessoa

presa, enfatizou a finalidade do processo de ressocialização, bem como a

importância da participação da sociedade nesse processo.

É triste se vê que nos dias atuais, mesmo que a legislação pátria assegure ao apenado humanização e individualização, voltado a reincerir o condenado na sociedade através de educação, trabalho profissionalizante e tratamento humanizado, o Estado ainda não conseguiu por em pratica a

25

legislação vigente, bastando se vê a situação em que se encontram a maioria dos presídios brasileiros [...]. Na verdade o direito existe, mas não é efetivado (BEZERRA; 2010; p.41).

Como bem já falamos anteriormente, a maior parte das pessoas que se

encontram dentro do sistema prisional, são indivíduos que antes mesmo de serem

presos já tinham sido excluídos da sociedade. Muitos são pobres, não tiveram

oportunidades e acabaram se tornando pessoas vulneráveis ao envolvimento no

mundo do crime. Nesse sentido, torna-se difícil imaginar um caminho para reeducar

e reincerir esses sujeitos, onde na sua maior parte não teve educação ou mesmo foi

socializado.

Contudo, devemos analisar os meios possíveis que possa vir a induzir

esses indivíduos a reinserção social. Bezerra (2010) coloca que a manutenção de

vínculos familiares, o estudo, o trabalho e a religião são meios muito importantes no

processo ressocializador.

O estudo, além de ser um dos direitos assegurados aos detentos pela LEP é um dos mecanismos destinados a ressocialização. Viabiliza uma formação acadêmica, as quais, muitas vezes não tiveram acesso quando em liberdade; e também propicia uma melhor formação profissional (p. 42).

A atividade laborativa deve ser reconhecida como um valor intrinsecamente social, independente do posicionamento da pena, ou seja, advém da sociedade e a ela se destina, como meio de criação, produção, dominação, sobrevivência, reprodução das condições humanas, inserção do ser humano no grupo social, por meio do reconhecimento de seu papel profissional (p.46).

O vínculo com a família é muito importante na ressocialização, para que o presidiário não perca o contato com o mundo exterior. A família pode ser muito útil, pois pode resgatar o individuo da marginalidade, desde que com bastante equilíbrio (p.42).

Para Bezerra (2010) a religião é outro mecanismo auxiliar no processo de

ressocialização. Para ele a religião se mostra importante no padrão disciplinador,

pois os grupos preconizam padrões de comportamento compatíveis com a boa

convivência social, respeito, amor e dignidade. Bezerra (2010, p.41-42) ainda

enfatiza que a religião pode vir a suprir a ausência de assistência nas prisões “a

religião pode suprir a ausência da assistência social nos presídios, pois nem sempre

os reclusos possuem famílias, ou estas os abandonam e o único elo que os resta

extramuros, é a visita dos religiosos”.

26

E são justamente entre essas duas questões que se acentuam os

debates sobre a real importância da religião na prisão. Existe sempre o

questionamento se a conversão à religião dentro da prisão, principalmente a

evangélica é verdadeira. Sempre ocorre uma ambivalência, em um momento são

vistos com desconfiança, por alguns membros dessa religião ter um afã

evangelizador, e uma busca constante por fieis. Contudo também despertam alívio,

pela caracterização que repercute sobre esse grupo evangélico, que é a de

“pacificação”. É corriqueiro se ver em noticiários jornalísticos a presença de

representantes religiosos para conter ou participar das negociações das rebeliões.

Ao tomar nesse trabalho a religião evangélica como ponto central, a

escolha não se deu ao acaso, mas pelo fato dos grupos evangélicos em sua maioria

se constituírem grupos a parte dos demais presos, destacando por sua aparência e

conduta diferenciada.

Dias (2005) diz que se desejamos compreender o significado de práticas

dentro de um sistema prisional, devemos antes, nos atentarmos para as

particularidades desse sistema.

O sistema social constituído no interior do espaço prisional é marcado pela especificidade das normas e valores que presidem as relações aí estabelecidas e deve ser entendidos como uma sociedade dentro da sociedade mais ampla (SYKES 1974 Apud DIAS 2005, p. 40).

Assim como na sociedade mais ampla, dentro da sociedade micro, que no

caso em questão, seria a prisão, os indivíduos também assumem uma identidade,

mas diferentemente dos indivíduos da macro sociedade. Dias (2005) trás conforme

Goffman (2002) que a identidade que um indivíduo assume está diretamente ligada

às disposições institucionais que ditam o que se esperar que um indivíduo seja, a

partir do estabelecimento de padrões e características que o mesmo deverá

representar, a fim de informar a posição e o lugar que determinada instituição social

lhe coloca.

Trazendo essa questão para o sistema prisional, é importante que ao

analisar questões referentes à população carcerária, devem-se perceber quais os

papeis que estão disponíveis para representações nesse ambiente, e as normas

vigentes nas relações.

27

Dias (2005) faz uma divisão da população carcerária em dois grupos: o do

mundo do trabalho e do crime. E para ela isso é condição para que nesse meio, o

sistema social não permita uma variedade de identidade assumida pela pessoa

presa.

Ao mundo do trabalho as normas de conduta, valores e bom

comportamento são aquelas que prevalecem e são estabelecidas na sociedade mais

ampla. O indivíduo não se encaixando nestas, ele provavelmente estará no grupo do

mundo do crime. Onde mostrará lealdade aos seus companheiros, não “deletando”

estes, sob pena de sofre represálias por parte dos mesmos.

Entendendo o mundo do trabalho a partir do pensamento de Dias (2005)

como sendo aquele onde os indivíduos estão predispostos a valorizarem o trabalho,

a família e a educação, como meio de buscar o caminho para o retorno à sociedade

fora de um ambiente transgressor das leis. Podemos entender também que a

religião é um pilar para a mudança de mundo, pois o indivíduo converso na sua

maioria busca aderir às normas de boas condutas, ainda que esta conversão não

seja verdadeira.

Sendo a conversão evangélica na prisão carregada de desconfianças,

não se pode considerar aqui apenas o fato do discurso religioso ser um caminho

para a ressocialização, e que a religião é uma forma de resgatar valores e crenças

antes perdidos, e ate mesmo restabelecer vínculos familiares fragilizados. Devemos

também considerar a colocação de Bourdieu (1998) quando ele diz que a religião

excede essa definição propriamente religiosa, ela também cumpre uma função

social, não vem apenas para “amenizar” uma questão espiritual ou emocional, com o

intuito de restabelecer vínculos, mas também corresponde à de representação social

do indivíduo perante outros.

Se a religião cumpre funções sociais, tornando- se, portanto, passível de análise sociológica tal se deve ao fato que os leigos não esperam da religião apenas justificações de existir capazes de livra- lós da angustia existencial, da contingência e da solidão, da miséria biológica, da doença do sofrimento ou da morte. Contam como (Sic) ela para que lhe forneça justificações de existir em uma posição social determinada, em suma, de existir como de fato existem, ou seja, com todas as propriedades que lhes são socialmente inerentes (BOURDIEU, 1998: 48 Apud MELO, 2007).

28

Segundo Dias (2006), para que haja uma compreensão da prática

evangélica no cárcere, é preciso considerar o contexto em que ela se realiza, os

padrões que são estabelecidos e normas desse universo. Não se pode compreender

a representação religiosa, dissociando o grupo evangélico dos demais grupos

existentes na prisão, nem tão pouco do poder que é exercido sobre a população

carcerária. É preciso conhecer as relações, normas e valores existentes entre os

presos e até mesmo entre a administração prisional.

O espaço prisional por tudo que já foi visto pode ser um universo

caracterizado pela massificação, desumanização e isolamento dos presos, acaba se

tornando um ambiente favorável a conversão. A prisão sozinha por não cumprir sua

função social, que é a de ressocializar, precisa de outras instituições, e estando o

sujeito preso, muitas vezes desassistido tanto pela família como pelo Estado podem

ver na religião evangélica uma “tábua” de salvação. Contudo, muitas vezes a igreja

presta assistência, mas em contrapartida visa um retorno. Valéria (2007) caracteriza

como sendo o “toma lá dá cá”.

De um lado está o detento que precisa da igreja para ajudá-lo materialmente [...] que precisa da cura da doença por meio sobrenatural, porque a assistência médica no presídio é caótica, que precisa de entretenimento porque lá na igreja ele envolve o seu tempo com atividades do culto, goza de maior prestígio social em suas relações com outros detentos, incrementa seu status social porque fala ao microfone, canta, dá testemunho, dá conselhos aos outros, redefinindo- se à frente dos outros como ser transformado e não mais moralmente marginalizado. Isso garante um sentimento familiar uns com outros, substituindo os laços familiares perdidos, em que se chamam uns com os outros de irmãos e abraçam-se, oram juntos, etc [...] (p. 09).

De outro lado está à igreja que precisa do detento para preencher seus bancos bem como de seus familiares que ali vão visitá-lo, que por sua vez, podem se converter e passar a praticar a mesma religião nos seus templos lá fora, garantindo o crescimento de fiéis não só dentro da igreja local, mas também das tantas outras igrejas próximas às residências dos visitantes [...] (p.10).

A religião ora aparece como se estivesse garantindo ou inspirando na

população carcerária maior confiabilidade para ocupar os espaços prisionais e

exercer funções que em princípios são de responsabilidade do próprio Estado. Em

outros momentos ela aparece como uma forma do preso demonstrar ou impor, nos

29

outros presos poder, não no sentido de dominação, mas sim em relação a imagem

social que transmite a massa carcerária.

É nessa ótica que esse trabalho colocará, a partir do discurso dos

reclusos, elementos para se pensar os efeitos que a conversão evangélica produz

nos indivíduos encarcerados e como esses sujeitos passam a ser vistos.

30

CAPÍTULO 2

2 HISTÓRIA DA PRISÃO: O PASSADO NUNCA ESTÁ MORTO. ELE NEM

SEQUER PASSOU

Para se falar de prisão, e do modo como ela vem se desenvolvendo,

torna-se necessário descrevermos e situá-la no contexto mais amplo da sociedade,

através do percurso histórico. Na busca de se compreender a organização da prisão

na contemporaneidade, se desenvolverá neste capítulo uma breve descrição da

história da prisão.

2.1. DO MEDIEVO A MODERNIDADE.

Na Antiguidade, a “prisão” já existia como uma forma de deter o indivíduo.

Por volta de 1700 a. C- 1.280 a.c, já havia no Egito cativeiros, estes tinham como

objetivo custodiar os escravos. Nesse período o Egito tinha como governante central

e absoluto o Faraó, a sociedade era dividida em funcionários que auxiliavam o Faraó

e uma legião de trabalhadores pobres que se dedicavam a agricultura e arcavam

com pesados tributos que eram pagos a este que era tido como o “Deus” supremo

(VICENTINO, 2001); àqueles lavradores que não conseguissem pagar os impostos

através do seu trabalho para o Faraó, tornavam-se escravos.

O ato de conter os indivíduos também era praticado por outras

sociedades (Grécia, Babilônia e Pércia), e estes assim como o Egito, tinham o

objetivo de custodiar e torturar, como forma de puni-los por algo que eles na época

consideravam como crime, (não conseguir pagar impostos, ser desobediente, ser

estrangeiro e prisioneiro de guerra). Esse aprisionamento não tinha caráter penal,

porque não existia na época uma lei para a sanção, assim também, não havia

prisões. Essas pessoas ficavam reclusas em masmorras4 (ver figura 1) até o dia de

receber o castigo (MISCIASCI)5. Nas civilizações egípcias, persas e babilônicas, não

existiam prisões, em decorrência da inexistência de uma sanção penal legal. Nessas

4- Foi um tipo de prisão utilizada até o período industrial. Normalmente esse local ficava em pisos inferiores –

Disponível em <http://pt.wikipedia.org/wiki/Masmorra> Acesso em 23/06/2013.

5Disponível em: http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm. Acesso em 11/03/2010.

31

sociedades se praticavam os castigos e a pena de morte para os casos

considerados graves (WANDERLEY, 2011).

Nesse período existia na sociedade Babilônica uma legislação, conhecida

como o Código de Hamurabi que dava informações sobre a proporcionalidade das

penas em relação aos delitos cometidos (WANDERLEY, 2011).

Batista (2001) apud Wanderley (2011, p.25) coloca que no Código de

Hamurabi a punição funcionava em equivalência ao dano causado, para exemplificar

ele cita “que se um pedreiro construísse uma casa e esta desabasse, matando o

morador o pedreiro seria morto”.

Assim como na Antiguidade, na Idade Média também não houve muitos

avanços no que se refere a pena, ainda não havia local específico para o

aprisionamento, o isolamento do indivíduo se dava com o mesmo objetivo, aguardar

o julgamento (WANDERLEY, 2011, p.29). Contudo se destaca que nesse período

surge a pena privativa de liberdade, nascendo ligada ao Direito Canônico como

forma de substituir às formas de castigos utilizados cito: tortura corporal como a

amputação de braços, degolar, a roda da guilhotina dentre outros castigos. A maioria

das torturas acontecia em espaços públicos como as praças e ruas, existiam

aqueles castigos em que o indivíduo era arrastado com o ventre aberto e em

seguida lançado ao fogo, tinha ainda casos em que a pena era para que o réu se

tornasse escravo (MISCIASCI)6.

Essa forma de punição, transformada em “espetáculo” era visto por

multidões do período, se constituía numa maneira dos governantes se mostrarem

como a figura arbitraria daquela sociedade, impondo medo nos que ali presenciavam

as punições. Na época a Igreja também usava a punição como forma de castigar os

ditos hereges.

Prisão Eclesiástica [...] destinava-se àqueles que recusavam-se a adotar as ideias da Igreja, sendo retidos em mosteiros para que pudessem refletir e meditar acerca do mal causado, por meio de fustigação corporal, escuridão, isolamento e jejum (BITENCOURT APUD MACEDO, 2011).

6 Disponível em: http://www.eunanet.net/beth/revistazap/topicos/inicioprisoes1.htm. Acesso em 11/03/2010.

32

A igreja buscava através do isolamento a reabilitação e correção do

indivíduo, onde o castigo não tinha o objetivo de destruir o réu, mas sim dele buscar

o seu melhoramento.

Apenas na Idade Moderna, por volta do século XVI e XVIII é que se dá o

nascimento da pena de encarceramento. Nas prisões modernas, essa pena teria

suas raízes nas tentativas de coibir a vagabundagem desde o século XVI (MAIA [et.

al], 2009). Nesse período os instrumentos coercitivos antes utilizados foram

substituídos por instituições de correção, que buscavam reformar os autores de

delitos através do trabalho forçado, disciplinamento, castigo corporal e instrução

religiosa, tendo objetivo não só de punir, mas também prevenir o aumento da

delinquência. Tendo essas formas de punição caráter desumano, nascem

movimentos em protesto. Nesse período podemos citar como destaque o

nascimento das workhouses7, (ver figura 2) um ambiente que era organizado como

uma prisão, onde se utilizava a mão de obra dos reclusos.

O objetivo das workhouses era tirar mendigos e vagabundos das ruas e

lhes ensinar um ofício, para que, quando estivessem em liberdade fossem ganhar o

seu próprio sustento, através da profissão que lhes foi ensinada. Essa medida traria

benefícios para o Estado, pois com a profissionalização o indivíduo ao sair desse

local, poderia custear seus gastos, reduzindo os índices de mendicância e o Estado

não arcaria com o sustento deste (MACEDO8). Diante das guerras e conflitos sociais,

alguns países tiveram quedas em suas riquezas, diminuindo a força de trabalho.

Nesse período ocorre um surto das workhouses, tendo como ênfase o trabalho e o

disciplinamento rígido, fugindo do caráter ressocializador, sendo constituída apenas

como confinamento fundamental para a economia cobrir a ausência de

trabalhadores.

Com a Revolução Industrial do século XIX, as workhouses foram

desaparecendo, pois nesse período havia iniciado o processo de modernização, e o

trabalho manual começou evanescer. Se antes existia ausência de mão de obra,

7 - Casas de trabalho, criadas na Inglaterra no século XX. Disponível em

<http://www.marxists.org/portugues/dicionario/verbetes/w/workhouses.htm>. Acesso em 26/03/2013.

8 Disponível em: http://www.webartigos.com/artigos/historia-e-evolucao-da-pena-de-prisao/77602/. Acesso em

11/03/2013.

33

nesse período já havia um excedente. Assim não se percebia mais a necessidade

de manter um sistema remunerativo dentro da prisão, a economia já não dava mais

conta de incluir toda mão de obra.

Em 1777, o inglês John Howard, sheriff9 de Bedfordshire, escreveu The

State of the Prisions in England and Wales10, neste descreveu as condições em que

se encontravam os presos britânicos, e para ele aquela situação feria a caridade

cristã, a partir de então, John Howard propôs reformas nessas prisões. Suas

mudanças tinham inspirações nos modelos das penitenciárias americanas e da

Europa Continental, baseando-se no confinamento solitário, o trabalho e a instrução

religiosa (MAIA [et. al], 2009).

Jeremy Bentham11 imaginaria um sistema diferente onde a recuperação se

daria através da vigilância diária, idealizando a criação de um edifício, o pan-óptico

(ver figura 3), em que o sistema se daria da seguinte forma: De uma torre central da

prisão o prisioneiro poderia ser continuamente observado pelo carcereiro, e com isso

ter o seu tempo controlado e colocado a serviço de sua regeneração moral (MAIA

[et.al], 2009).

Foi a partir dessas ideias que foram criados por volta do século XIX nos

Estados Unidos os primeiros sistemas penitenciários baseado nessas duas

propostas (MAIA [et.al], 2009). Nesse período a sociedade americana e europeia

estava passando pelo período da Revolução Industrial já vinham enfrentando um

intenso processo de discussão de como se estruturaria o sistema penitenciário, e foi

a partir de então que se chegou a construção dos dois modelos de penitenciárias

para a execução da pena: O Sistema da Pensilvânia e o de Auburn.

O Sistema da Pensilvânia, segundo Fernanda Amaral (2007) foi um

modelo adotado no presídio da Filadélfia, nos Estados Unidos, em 1790. Para Maia

[et.al] (2009), esse sistema tinha como característica propor o isolamento dos

9 - Xerife- Disponível em <https://translate.google.com.br/>. Tradução em 18/03/2013.

10 O Estado dos Presídios na Inglaterra e País de Galés- Disponível em <https://translate.google.com.br/>.

Tradução em 18/03/2013.

11 Filósofo e Jurista Inglês. Fundador da escola utilitarista, que defendia a obtenção do bem- estar do indivíduo

pela organização pragmática da sociedade. Disponível em: https://sites.google.com/a/carlos-

rosa.com/inovacao/educacao-e-tecnologia/historia-da-educacao/educacao-nos-seculos-xvii-xviii-e-xix/jeremy-

bentham. Acessado em 17/ 04/ 2013.

34

presos durante o dia, permitindo que trabalhassem sozinhos em suas celas, durante

todo o período de sua condenação. Rusche e Kirchheimer Apud Amaral (2007) nos

mostra que esse padrão era fundamentado nos princípios dos Quaker12 que viam na

religião a única base para uma educação. Nesse arquétipo de presídio o único

objeto permitido era a bíblia, acreditavam que a partir da leitura, poderia haver uma

reflexão do preso, levando ao arrependimento dos seus pecados.

Segundo Foucault (2010, p.20) ainda que em meados do século XIX o

poder sobre o corpo não tivesse deixado de existir totalmente, mesmo que a pena

não se concentrasse mais sobre o suplício, elas “nunca funcionaram sem certos

complementos punitivos referentes ao corpo: redução alimentar, privação sexual,

expiação física, masmorra”.

De acordo com Amaral (2007), o modelo de Auburn surgiu em 1821, em

Nova York, nesse sistema o objeto regenerador do preso era o trabalho, eram

obrigados a trabalhar durante o dia, e a noite se recolhia nas celas. De acordo com

Foucault (2010, p.224) o modelo auburniano se caracterizava por “celas individuais

durante a noite, trabalho e as refeições em comum, mas, sob a regra do silêncio

absoluto, os detentos só podendo falar com a permissão destes, em voz baixa”.

Acreditavam que as regras a serem seguidas, o respeito à hierarquia, e a vigilância,

seria medidas úteis que preparariam o indivíduo para o retorno a sociedade.

Maia [et.al] (2009), coloca que o sistema de Auburn parecia trazer mais

benefícios para os países industrializados, pois se utilizavam da mão de obra dos

presos.

Esta exploração da mão de obra prisional era fundamentada na ideia de que o Estado não deveria arcar com o sustento do preso, além de ser uma forma de contribuir para a reforma do indivíduo, que encontraria na disciplina do trabalho um meio de não colocar mais a sua energia em pensamentos criminosos, podendo ser reintegrado ao convívio da sociedade quando a pena terminasse. Em alguns casos, os presos tinham direito a receber um salário que, descontadas as despesas com sua manutenção, poderiam guardar para o próprio uso com a família ou para a hora de sua liberação.

12

- Nome dado a um grupo religioso de tradição Protestante. Conhecidos pela defesa do pacifismo e da

simplicidade. Chamado ¨Sociedade Religiosa dos Amigos¨. Foi criado em 1652, por um inglês, que se opunha a

Igreja Anglicana. Disponível em: http://www.dicionarioinformal.com.br/quaker/. Acesso em 19/04/2013.

35

Com o passar do tempo tanto o sistema da Pensilvânia como o de Auburn

passaram a ser criticados pela forma no trato desumano com os reclusos. Maia

[et.al] (2009) traz que muitos dos presos acabavam enlouquecendo por conta da

pressão psicológica por meio do isolamento. A partir de então ocorre à falência

nessas duas formas de sistema, dando inicio, na Europa, os sistemas progressivos,

em que ainda se utilizam de técnicas de disciplinamento de Auburn, mas com um

diferencial. O comportamento do preso influenciaria diretamente na transformação

de sua pena, aqueles que mostrassem um bom comportamento, ganhariam redução

na pena e teriam melhores condições dentro do presídio.

Melossi e Massimo Pavarini Apud Maia [et.al] (2009,p.16), ao estudar os

sistemas prisionais da Inglaterra, Holanda, Itália e Estados Unidos, concluíram que

a pena de privação de liberdade, nasce atrelada ao sistema de desenvolvimento

capitalista, para eles “a prisão surge como uma “pré-fábrica”, ou seja, “o envio de

criminosos e vadios para as casas de correção tinha a função precípua de

transformá-los em operários laboriosos, treinando-os para a rotina de trabalho nas

fábricas”.

36

2.2 NA AMÉRICA LATINA: TÉCNICAS DIFERENTES, OBJETIVOS IGUAIS.

A história das prisões na America Latina, não diverge do objetivo das

prisões da Europa e Estados Unidos, eram locais para detenção de suspeitos e

aqueles que estavam sendo julgados, ou para os considerados delinquentes ficando

no local aguardando a execução da sentença. As prisões ainda continuavam

mantendo as raízes do seu surgimento, como já mencionado.

Durante o período colonial na América Latina, as prisões se

caracterizavam por serem espaços com ausência de segurança, organização e

higiene. Nesse período as prisões não eram os principais meios de castigo, eles se

davam por outros mecanismos.

O castigo [...] se aplicava muito mais [...] por meio de vários outros mecanismos típicos das sociedades do Antigo Regime, [...] execuções públicas, marcas, açoites, trabalhos públicos ou desterros [...] (MAIA [et.al], 2009, p.38).

De acordo com Maia [et.al], (2009) eram diversos os locais que se

caracterizavam por locais de confinamentos para punições: cadeias municipais, de

inquisições, postos policiais e militares, casas religiosas para mulheres

abandonadas, centros privados de detenção como padarias e fábricas. Nestes

locais, os escravos e os considerados delinquentes eram submetidos a trabalhos

forçados, ou a cárceres privados em fazendas e plantações somente para aqueles

trabalhadores indóceis. Destacamos também outros locais como meio de isolamento

da “massa” castigada:

Ilhas como San Juan Fernández, no Chile, San Juan de Ulúa, no México ou San Lorenzo, no Peru e presídios situados em zonas de fronteira eram utilizados para deter e castigar delinquentes considerados altamente perigosos (MAIA [et.al], 2009, p.38).

Foram utilizadas durante muito tempo na América Latina essas formas de

coerção aos indivíduos que desabonassem alguma conduta. Somente durante e

após as guerras de independência do período do colonialismo, é que começa a

37

surgirem criticas por parte de alguns dirigentes políticos as condições existentes na

questão carcerária (MAIA [et.al], 2009).

Nesse período já ocorria tanto na Europa quanto nos Estados Unidos

debates e mudanças acerca das formas dos castigos, e foram justamente esses

debates que levaram a América Latina a considerar e, em razão disto, dando inicio

na década de 1830 novas ideias de punições.

Em Lima, o general José de Sam Martím, logo após a Proclamação de

Independência do Peru em 1821, ao visitar a cadeia propôs melhorias nas condições

desta, atrelando sempre as reformas que ocorriam na Europa e Estados Unidos.

[...] anunciou sua decisão de transformar esses lugares, “onde se sepultavam, se desesperavam e morriam os homens sob o anterior governo”, em espaços onde os detentos podiam ser convertidos “por meio de um trabalho útil e moderado, de homens imorais e viciosos, em cidadãos laboriosos e honrados” (MAIA [et.al], 2009,p.39).

Contudo, tais mudanças não eram frequentes, a questão carcerária pouco

ou em quase nada atraia à atenção dos representantes dos Estados.

A retórica liberal, republicana e de respeito ao Estado de direito que os líderes destes novos Estados independentes professavam era quase sempre neutralizada por discursos e práticas que enfatizavam a necessidade de controlar as massas indisciplinadas e imorais por meio de mecanismos severos de punição (MAIA [et.al], 2009,p. 39).

No século XIX a penitenciária foi instituída como o sistema carcerário na

Europa e Estados Unidos, tendo como modelo o panoptimo , com propostas de

trabalho humanitário e ensinamentos da religião. Segundo Maia [et.al], (2009),

houve por parte de um grupo de autoridades da America Latina interesse por este

modelo, como meio de adequar- se a modernidade, e também tentar buscar formas

de comando sobre a população delinquente. Contudo, existia um grupo maior com

ideia contraria a adoção desse sistema europeu e norte- americano, acreditava que

o sistema iria precisar de um alto investimento público e que não teria maior eficácia

do que o sistema vigente.

38

Esta fascinação com os modelos punitivos europeus e norte- americanos [...] não foi generalizada, ainda que, para alguns funcionários do Estado, a reforma parecesse ser uma boa ideia. Estes, no entanto, não se mostravam muito ansiosos por investir fundos públicos e capital político na construção de edifícios e instituições, certamente caros, que, segundo pensavam, não seriam mais eficazes que as formas tradicionais e informais de castigos amplamente utilizados nessa época (MAIA [et.al], 2009,p. 40).

Mesmo diante das criticas e não aceitação por parte de alguns membros

do Estado acerca dos investimentos nessa área, segundo Maia [et.al], (2009) foi

construído por volta do século XIX algumas penitenciárias modernas na região, com

objetivos de ampliar a participação dos Estados nos esforços de controle social,

eliminação de algumas formas de castigos, transmitir imagem de modernidade ao

adequar-se aos modelos de penitenciárias estrangeiras, proporcionar a população a

sensação de maior segurança, transformar os considerados delinquentes em

cidadão.

Maia [et.al], (2009) discorre que a primeira penitenciária da América

Latina foi a Casa de Correção do Rio de Janeiro tendo iniciado a construção em

1834, sendo concluída em 1850. Em 1844 iniciou a construção da penitenciária de

Santiago no Chile, mas seu funcionamento completo se deu em 1956 baseando-se

no modelo da Filadélfia. A penitenciária de Lima foi construída em 1856, tendo sido

finalizada em 1862, esta seguindo o modelo de Auburn. Por fim tem a penitenciária

de Quito em 1874 e a de Buenos Aires em 1877.

Como o sistema punitivo penitenciário da América Latina veio mais

tardiamente, muitas das penitenciárias surgidas nesse período basearam-se em

sistemas mais modernos como o europeu e norte-americano. Quanto à estrutura

dessas Unidades da América Latina, não houve fidelidade aos padrões estruturais

do modelo “pan- óptico”.

No lugar do pavilhão circular com uma torre de observação ao centro, que teria permitido a vigilância constante e plena [...] estes edifícios consistiam em vários pavilhões retangulares com fileiras de celas em ambos os lados que partiam radialmente de um ponto central, em que se situavam os gabinetes administrativos e os observatórios (MAIA [et.al], 2009,p. 42).

Segundo Maia [et.al], (2009) a construção dessas unidades penitenciárias

veio acompanhada de obstáculos financeiros, muitos governantes viam como gasto

39

desnecessário. As instituições penitenciárias do período sofreram infinitas criticas

por não terem honrado as promessas que fizeram de higiene, tratamento

humanitário aos detentos, eficácia no trabalho de combate ao delito e

ressocialização do recluso.

Nessas penitenciárias reformadas, o elemento central era os regimes de

trabalhos, ainda que nas outras penitenciárias existisse, nestas se daria com um

olhar voltado para outros objetivos, tanto de regeneração do recluso, como uma

forma de custear o financiamento e manutenção dessas instituições. Segundo Maia

[et.al], (2009, p.43) “ muitos detentos viam com bons olhos a oportunidade de ganhar

algum dinheiro, enquanto as autoridades e os empresários privados se beneficiavam

da mão de obra barata”. Como esses países estavam adentrando ao processo de

industrialização careciam de mão de obra, e acabavam absorvendo o trabalho penal

destes.

De acordo com Maia [et.al] (2009) os reformadores latino- americanos

pensavam que as prisões modernas poderiam trabalhar o indivíduo indisciplinado,

treinando- o com bons costumes para tornar-se um cidadão, cumprindo as leis

impostas. Mesmo diante do surgimento dos debates legais e acadêmicos, advindo

das novas doutrinas penais e criminológicas do período após 1870, houve poucas

mudanças e melhorias nos sistemas carcerários desses países.

Podemos destacar que o encarceramento foi uma parte pouco importante

nas estruturas de poder dos países latino-americanos na segunda metade do século

XIX. Conforme Maia [et.al] (2009), o México desde meados do século XIX estava

com um nível de estabilidade econômica importante, se comparado com as décadas

seguinte de sua independência. Após 1876, o país vivenciou até 1911 a ditadura de

Porfirio Díaz13. Nessa época foram mantidas algumas estruturas do governo e outras

foram reforçadas. Nesse contexto, pouco havia interesse para reformar as prisões.

Durante muito tempo o sistema carcerário do México esteve arruinado e abusivo

tanto quanto no período colonial. Os castigos se davam por meio de mecanismo

punitivos opressivos.

13

Nesse período o México recorreu ao capital estrangeiro para restabelecer o desenvolvimento do México.

Mesmo o governo naquele momento está passando por um processo de crescimento, no entanto, a população se

apresentava cada vez mais pobre, devido a entrada do capital estrangeiro. Disponível em:

http://www.colegioweb.com.br/historia/a-revolucao-mexicana.html. Acesso em 17/04/2013.

40

No caso do Brasil, em 1822 o país alcançou a sua independência, mas

manteve tanto a monarquia como a escravidão. A sociedade era organizada e

dividida nos grupos: livres X escravos e negros X brancos. Nesse período existiam

os métodos de coerção policial, segundo Maia [et.al] (2009), estes buscava garantir

o controle da ordem social, laboral e racial, tendo a escravidão o elemento central.

Existia nas áreas de produção de café e açúcar perseguição policial, com o objetivo

de manter o controle e a força de trabalho sobre a população negra escrava e livre.

Assim como o sistema europeu e norte-americano, as prisões no Brasil

estavam atreladas ao desenvolvimento econômico. Maia [et.al] (2009), diz que tanto

as prisões como os castigos foram utilizados para reforçar o trabalho escravo e a

economia de exportação.

Conforme vai ocorrendo o declínio da escravidão e do exercício privado

do poder, ocorre ansiedade em relação ao controle social. Sendo o sistema

penitenciário defasado o Estado busca alternativas para conter os delinquentes, ao

mesmo tempo buscava também oferecer proteção às classes urbanas e impor

controle aos negros livres. Não dispondo de muitas alternativas, o exército foi

empregado como instituição penal, e segundo Maia [et.al] (2009, p.49), “ se

converteu no maior instrumento punitivo para os delinquentes no Brasil durante a

segunda metade do século XIX”. Suspeitos eram recrutados a força, e utilizavam o

alistamento como instrumento de castigo.

Somente no século XX, ocorrem algumas mudanças importantes tanto no

modelo, quanto administração e funcionamento das prisões na América Latina, não

deixando de vir atrelada a incorporação da economia internacional e do

desenvolvimento capitalista.

2.3 OS SENTIDOS PERMANECEM AO LONGO DOS TEMPOS

Segundo Wanderley (2011), quando houve o avanço das tropas

napoleônicas na Europa, a corte portuguesa veio para o Brasil, não havendo tempo

para a colônia se preparar para a chegada da família real. Assim podemos associar

o surgimento da estrutura prisional do Brasil a vinda da Família Real para o país.

Nesse período, o Rio de Janeiro carecia de estrutura prisional, o que se

tinha era a Cadeia do Tribunal da Relação (1747- 1808), para onde eram

41

encaminhados os indivíduos que infringissem as leis impostas. Contudo, com a

chegada da corte foi necessário à transferência da Cadeia para outro local. Como

não existia um local adequado para a instalação desse cárcere, o mesmo ficou

funcionando em um monastério, recebendo o nome de Aljube, durante o período de

1808 e 1856, esse foi o local destinado para a maioria dos presos que aguardavam

sua sentença e os condenados (MAIA [et. al], 2009).

Em 1808 devido à falta de estrutura carcerária foi utilizado durante um

período um navio, o “Príncipe Real”, como prisão. Antes de ser usado para isolar

indivíduos era usado para o combate ao desarmamento. Ao passar a ser utilizado

como prisão, este ficou conhecido como presiganga. Os indivíduos “não eram

“condenados á presiganga”, mas nela depositados por condenação ou imposição ao

trabalho forçado, por recrutamento forçado ou para receber castigo corporal”. Assim

a presiganga não poderia ser comparada as instituições modernas de prisão, pois as

pessoas que eram encaminhadas para lá, não iam por decorrência de receber a

pena privativa de liberdade. O presiganga ficou funcionando até o ano de 1931

(MAIA [et.al], 2009).

Após a Independência do Brasil, em 1822, jurista brasileiros, baseada na

filosofia iluminista e na Declaração dos Direitos dos Homens e do Cidadão de 1789,

buscou acrescentar à legislação os princípios de igualdade perante a lei,

originalidade da pena e utilidade pública da lei penal. A partir desse período houve

avanços na legislação tendo como um dos objetivos abolir as formas dos castigos

desumanos. Trouxeram a ideia da proporcionalidade da pena ao delito cometido, e

que a prisão deveria ter um papel corretivo sobre o individuo, que deveria ter boas

condições de higiene, ventilação e segurança (WANDERLEY, 2011).

Com o advento do Império no Brasil, houve a necessidade de uma

reunião na Assembleia Constituinte com o objetivo de aprovar o Projeto de

Constituição, sendo proclamada em 1824, abordando as questões de cidadania,

abolindo as formas de tortura e tratamento desumano (VICENTINO, 2001).

A Constituição de 1824 estabelecia que as prisões do Império deveria

dispor de boas condições de higiene e segurança, instituía ainda a separação dos

sentenciados por idade, sexo e crime cometido (WANDERLEY, 2011).

Em 1830 surge o primeiro Código Penal, preconizando a individualização

da pena, e o aprisionamento como punição para maioria dos delitos. Mesmo que

42

nesse período a pena por excelência fosse à prisão com trabalho, ainda permanecia

a pena de morte. Somente com o surgimento do segundo Código Penal, em 1890

aboliu-se a pena de morte (WANDERLEY, 2011).

Na década de 1830, surge por parte de Felipe Lopes Neto, advogado,

político e revolucionário na Província de Pernambuco a preocupação com a questão

penitenciária, o estado dos detentos, das prisões e a reforma do sistema. Nessa

época já iniciava em Pernambuco o desenvolvimento das prisões, e Felipe temia

que as obras não estivessem de acordo com o progresso (PERRETI, 1955 apud

WANDERLEY, 2011, p.46). Nessas prisões foram misturados presos condenados a

longas penas, galés, presos comuns com penas curtas e presos provisórios.

Felipe Lopes Neto apud Wanderley, 2011 diz que os projetos de

modernização das prisões eram incertos, não existia um consenso entre juristas,

penitenciáristas, médicos e autoridades públicas. O Estado sempre estava disposto

a gastar menos que o que de fato era necessário, independente do modelo.

O Brasil acompanhou de perto o desenvolvimento das prisões da Europa

e Estados Unidos, como o país estava no seu momento de buscar a modernização,

nesse sentido foi enviado um especialista ao exterior, o objetivo da visita era

atualizar-se do que estava fazendo nesses países desenvolvidos em relação à

reforma penitenciária. A partir de então, foi debatido alguns modelos vindo da

Europa e posteriormente alguns foram testados no Brasil IDEM.

As prisões no Brasil colônia até o império não variaram seus objetivos.

Durante todo período serviram de deposito de gente, onde só punia e isolava, as

vitimas eram sempre as camadas mais pobres da população, os abusos eram

cometidos constantemente, e os códigos pouco foram cumpridos pelos órgãos

competentes (WANDERLEY, 2011).

Com a Proclamação da República em 1889, ocorre mudanças políticas no

país, e consequentemente refletiram no sistema prisional. De acordo com Wanderley

(2011) o projeto de prisão de uma sociedade frequentemente se distancia da prática.

A lei surge com princípios garantidores da segurança e ordem social, contudo o seu

debate ocorre a partir de uma reflexão política e nesta se encontra grupos com

interesses.

Segundo Wanderley (2011) o projeto prisional brasileiro está ligado a sua

reelaboração na República, mais especificadamente como as instâncias

43

administrativas conduziam esse projeto. Pode-se incluir nesse grupo médicos e

diretores, no caso do Lazareto14 situado em Ilha Grande. Em 1893 o Lazareto passa

a receber seus primeiros presos. Nessa época a Colônia de Dois Rios, também

situada em Ilha Grande, já era uma colônia penal aos moldes de Fernando de

Noronha15. Para Dois Rios, foram enviados os considerados ociosos, imorais e

reincidentes.

A Colônia de Dois Rios ficava afastada da cidade, com isso viram nesta

uma oportunidade para fazerem uma limpeza na paisagem das cidades, limpando-

as por meio da reclusão dos criminosos e da população carente nessa Colônia.

Nessa busca, tentaram implantar um núcleo de trabalhadores pobres das cidades

que habitariam o ambiente rural dessa colônia (WANDERLEY, 2011).

Podemos citar que pouco houve avanços em relação ao sistema prisional

brasileiro com o advento da proclamação da República.

Nesta época o País contava com vinte estados, que eram os responsáveis por suas “cadeias públicas”. Considerando que nos dez primeiros anos da República houve a decretação de estado de sítio, a dissolução do Congresso Nacional e intervenção nos estados, não estranha que os apenados não tivessem sido razão de preocupação num clima político tão conturbado (LEMOS BRITO, 1924 Apud WANDERLEY, 2011, p.60-61).

Como exemplo da não evolução prisional do país, podemos mencionar o

Rio de Janeiro, ainda que as condições de aprisionamento fossem um pouco

melhores que as de outras províncias, os espaços prisionais assim como no Império,

não eram mais do que “depósitos de indivíduos” excluídos pela sociedade,

principalmente os negros rejeitados pela abolição da escravatura, ficando estes

reclusos em cárceres e asilos.

14

- O Lazarato foi construído por Dom Pedro II, inicialmente foi um local de quarentena para abrigar viajantes e

imigrantes portadores de cólera. Em 1893, o Lazareto recebe seus primeiros presos, os rebelados da Revolta da

Armada. O local passou a receber presos junto dos doentes, em 1913 foi fechado. Em 1932, Getúlio Vargas

reabre o Lazareto, desta vez como prisão, onde era enviado os presos de guerra. E. 1940, o país entra em guerra e

para o Lazareto foi enviado os presos que estavam na Colônia Penal de Dois Rios, em Ilha Grande também. A

prisão de Lazareto destinava- se aos presos de guerra. O fim do presídio foi em 1963 (LESSA, 1933; TORRES,

1979 Apud WANDERLEY, 2011).

15 -O presídio de Fernando de Noronha tinha por paredes o mar, e a própria ilha era a prisão. Não existia um

presídio enquanto edifício, com celas, grades e muros (Maia [et. al], 2009).

44

Segundo Carneiro apud Wanderley (2011, p.61) um exemplo concreto da

reclusão dessa população excluída no período da Proclamação da República, se

deu na Bahia, por meio do funcionamento de um asilo, onde seus reclusos

apresentavam características do contexto econômico-social da abolição:

A capital da Bahia e o “Asilo dos Alienados de São João de Deus”, fundado em 1874 para os loucos. [...] Nele se encontravam um contingente de maioria mestiça e negra: ao todo eram 96 “alienados” encarcerados, sendo que 36 eram negros e 31 mulatos e pardos, enquanto que os números de brancos representavam a minoria, eram 29.

O Código Penal de 1890 previa outras modalidades de prisão: prisão

celular, reclusão, prisão com trabalho forçado e disciplinar, onde cada pena era

cumprida em um local específico, e àqueles presos com bom comportamento, após

cumprirem parte da pena, eram encaminhados para presídios agrícolas. Contudo,

mesmo com o surgimento desse código penal no inicio do século XX, as prisões

brasileiras pouco mudaram, ainda permanecia a superlotação, não existia a

separação dos presos condenados com os que ainda estavam aguardando o

julgamento (WANDERLEY, 2011).

Em 1889, a Casa de Correção de São Paulo, carecia de estrutura para

acomodar a população que ali adentrava. Nesse local havia mais de 250 presos, e

era uma casa velha, pequena, fora dos padrões de segurança, pois era um espaço

de taipa. Após a proclamação da República a Casa de Correção passou a ser

chamada de Cadeia Pública de São Paulo. Depois de uma reforma, a Casa de

Correção tornou-se uma dependência da Cadeia Pública, tendo assim formado um

conjunto de quatro prédios destinados a atender os excluídos da sociedade

(WANDERLEY, 2011).

Com o objetivo de solucionar o problema das casas de correção de São

Paulo tanto a superlotação quanto as condições insalubres, foi construído a

Penitenciária do Estado (1901- 1920), com capacidade para 1500 apenados.

Contudo, somente em 1930 com a construção do primeiro presídio nos moldes

europeu é que foram oferecidas aos apenados condições mais humanas.

De acordo com Salla, (1997) apud Idem o presídio do Carandiru tinha

capacidade para 1200 apenados, possuía em sua estrutura salas de aulas,

45

bibliotecas, espaços para cultos religiosos, enfermaria, locutório e ainda oferecia

condições de higiene e segurança. A estrutura do presídio se baseava em pavilhões

e ao lado destes havia oficinas de trabalho.

Depois de se ter por muito tempo um sistema prisional em péssimas

condições e surgir iniciativas de melhoramento. Surgiu mais uma vez em

decorrência da crise social e política advinda no governo de Arthur Bernardes (1822-

1826), constantes agitações, onde para combater foi feito uso de grande violência e

estado de sítio. Na tentativa de conter o caos, o presidente propôs reformas

constitucionais. Diante desse contexto, as estruturas débeis que haviam sido

adquiridas na República, foram perdidas no governo de Arthur Bernardes. Como

exemplo pode ser citado às prisões que eram decretadas sem motivos e o elevado

número de presos políticos. No governo de Washington Luiz 1926- 1930 houve uma

atuação pacificadora, “diminuindo a concentração de poderes, anistiando presos

políticos, suspendendo o estado de sítio e determinando a extinção de presídios”

(FAUSTO, 1994 apud Idem, p.68).

Em 1930 Getulio Vargas assume a presidência da República, colocando

um fim no período da velha República, aumentando o poder do Estado e diminuindo

o da sociedade civil. Nesse período, o governo utilizou uma prática de

aprisionamento anteriormente usada, o navio, o “D.Pedro I”, que ficava ancorado

nas docas do Rio de Janeiro, esse local foi destinado durante a década de 1930

para aprisionar revoltosos e oposicionistas (CARNEIRO, 1935 Apud WANDERLEY,

2011).

A dita “Era Vargas” surgiu com o ideal de novas formas de controle social,

com inspiração no pensamento eugenista16. Nancy Stepan apud Wanderley (2011,

p.70) disse que no Brasil tinha o significado de “sanear”, “pois se deslocou o

problema da miscigenação para o do “povo doente” e isso, segundo o pensamento

16

- O pensamento eugenista americano se constituiu em isolar o pobre, o mendigo e os desajustados

socialmente, caracterizados como os “germes defeituosos”. Consideravam esse método de isolamento como uma

forma de impedir a reprodução desses “defeituosos”. A eugenia era considerada como uma ciência capaz de

melhorar com as qualidades das raças. No Brasil, foi criado em 1918 a Sociedade Eugênica de São Paulo. O

movimento eugênico brasileiro atuou junto da saúde pública, saneamento, psiquiatria e “higiene mental”, nas

décadas de 1920 e 1930. O pensamento eugenista, colocava que a genética do brasileiro colocava em risco o

progresso da Nação. Atribuíam o atraso brasileiro a miscigenação. Disponível em

http://www.abrapso.org.br/siteprincipal/anexos/AnaisXIVENA/conteudo/pdf/trab_completo_200.pdf. Acesso em

19/04/2013.

46

higienista que vigorava, poderia ser resolvido com reformas sanitárias e medidas

higiênicas”.

Assim o então presidente, Getúlio Vargas deu a seguinte autorização a

Liga Brasileira de Higiene Mental17:

[...] autorizou que a Liga Brasileira de Higiene Mental, buscasse medidas de “saneamento da raça” e a extinção dos indivíduos loucos e criminosos, consequentemente perniciosos para a sociedade e para o futuro da nação (CORRÊA, 1982 Apud IDEM).

De acordo com Wanderley (2011) se pode destacar que no início do

Governo Vargas, houve a mudança na localização das penitenciárias, passando a

se instalarem no perímetro rural, nesse período as penitenciárias se caracterizavam

por seu caráter agrícola. Em relação ao preso, o Código Penitenciário da República

de 1935 estabelecia que o sistema prisional não devesse ter função apenas de fazer

com que o indivíduo cumprisse sua pena, mas sobre tudo trabalhar a regeneração

do apenado.

Em 1943 a Colônia Correlacional Tapera, foi transformada de

Cunhanbebe para Ubatuba, sendo transformada em presídio, passando a ser

chamado de Presídio da Ilha Anchieta. A casa de correção de Tiradentes, construída

em 1852, passou a ser a Casa de Detenção de São Paulo em 1938, com o objetivo

de deter presos políticos (WANDERLEY, 2011)

No ano de 1940 é promulgado o novo Código Penal, trazendo inovações

aos que lhe antecedia. Tinha como princípio a moderação do poder punitivo por

parte do Estado. No entanto, o descaso continuou, o Poder Público permaneceu

tratando sem importância a questão penitenciária. Com o surgimento do novo

Código, houve a necessidade de adequar a Lei de Execução Penal, surgindo assim

em 1857 a Lei 3.274 trazendo as normas gerais do sistema penitenciário. Contudo, o

sistema ainda carecia de uma lei para a execução penal (WANDERLEY, 2011).

17

Foi fundado em 1923 no Rio de Janeiro, seu fundador foi o psiquiatra Gustavo Riedel. Buscava a

modernização do atendimento psiquiátrico, para melhorar o atendimento. Disponível em

http://producao.usp.br/bitstream/handle/BDPI/10321/art_SEIXAS_A_origem_da_Liga_Brasileira_de_Higiene_2

009.pdf?sequence=1. Acesso em 27/03/2013.

47

Somente em 1984 surge a lei 7 210 de 11 de Julho, a atual e vigente Lei

de Execução Penal, nessa lei esta estabelecida as normas fundamentais que

conduz os direitos e obrigações dos que estiverem presos.

Do ponto de vista legal, ela se constitui na lei máxima dos presos, e tem como sua finalidade precípua a de atuar como um instrumento de preparação para o retorno ao convívio social do recluso, bem como todas as garantias de sua custódia. Tal lei trouxe, como principal característica, as garantias aos direitos sociais dos apenados e o dever de o Estado possibilitar não apenas o seu isolamento, de modo que a sociedade cobre dele a retribuição ao mal que ele causou, mas também que o apenado tenha a preservação de uma parcela mínima de sua dignidade e a manutenção de suas indispensáveis relações sociais com o mundo extramuros, em especial com seus familiares (WANDERLEY, 2011, p. 74).

No país mesmo com o surgimento de leis objetivando garantir um trabalho

de ressocialização do apenado dentro das penitenciárias, o que ocorre na realidade

é a falta de efetivação no cumprimento dessas leis. Muda-se a época, mas as

características do sistema continuam semelhantes ao passado, presídios

superlotados, carência de vagas de trabalho dentro das unidades, dentre outras.

Durante todo percurso histórico, podemos perceber que os sentidos

atribuídos ao sistema prisional perduram ao longo dos tempos.

No que se refere às condições de aprisionamento observadas em perspectiva histórica, ao longo dos últimos 188 anos, no Brasil, não se alteram substancialmente as cenas de superlotação, sujeira e abandono, seja nas antigas casas de correção, assim como nos presídios atuais (WANDERLEY, 2011, p. 82).

Podemos atribuir às prisões contemporâneas as mesmas características

que eram dadas antigamente, principalmente no que se refere à superlotação. De

acordo com os dados repassados ao ministério da justiça pelo INFOPEN18 (Sistema

Nacional de Informação Penitenciária), no primeiro semestre de 2012 a população

carcerária distribuída nos 27 Estados, com 549, 577 presos, em dezembro do

mesmo ano os dados apontaram para 548, 003 presos.

18

Disponível em: http://portal.mj.gov.br/main.asp?View=%7BD574E9CE-3C7D-437A-A5B6-

22166AD2E896%7D&Team=&params=itemID=%7BC37B2AE9-4C68-4006-

8B1624D28407509C%7D;&UIPartUID=%7B2868BA3C-1C72-4347-BE11-A26F70F4CB26%7D. Acesso em

20/04/2013.

48

Conforme as informações do INFOPEN, os estabelecimentos penais no

Brasil estão divididos em Penitenciárias (458), Colônias Agrícolas e Industriais (71),

Casas de Albergado (65), Cadeias Públicas (780), Hospitais de Custódia e

tratamento psiquiátrico (32) e Patronato (13). O tipo de prisão e o local para o qual é

encaminhado o indivíduo são de acordo com o regime da pena determinada.

Segundo Wanderley (2011) ainda existe no Brasil um déficit na

infraestrutura prisional do país, ocasionando o desrespeito no cumprimento da Lei

de Execução Penal, ele cita o fato de em algum estados principalmente no interior

de algumas cidades do Nordeste e do Norte do país não existirem estabelecimentos

penais compatíveis com a pena estabelecida para o indivíduo.

49

Figura 1- Masmorra

Figura 2- Workhouse

Figura 3- Sistema Pan- óptico

Fonte: Google Imagem

50

CAPÍTULO 3

3 PRISÃO NO CEARÁ: UM BREVE HISTÓRICO

Não diferente do que ocorreu em outros estados brasileiros, a Prisão no

Ceará se instaurou a passos lentos. Quem anda atualmente no Centro de Turismo

na Rua Senador Pompeu, 350- Centro- Fortaleza/ CE a procura de bonitos bordados

e rendas, pouco imagina que aquele ambiente já foi local de dor e sofrimento para

indivíduos que cumpriam penas por serem considerados transgressores das regras

da sociedade.

Segundo Maia [et.al] (2009) a província cearense inicialmente criou seu

sistema judiciário para punir àqueles indivíduos que tendo escapado do processo de

civilização escolar e da religião, cairia no crime.

Maia [et.al] (2009) coloca que a Cadeia Pública de Fortaleza foi

construída de 1851 a 1866. Segundo Tulius (2003, p.78) a Cadeia Pública já era

desejo da sociedade cearense bem antes do inicio de sua construção, fato que pode

ser notado através do trecho do Jornal “O Cearense” que falava da necessidade da

construção de uma Cadeia “rogamos a autoridade competente a construção de uma

boa cadeia, e se ora não for possível fazê-la de uma vez, ao menos cumpre

principiar, porque dia vira em que se conclua o que nunca sucederá se não houver

princípio” é notório a partir desse relato o desejo que a sociedade tinha em relação à

melhora da segurança, ou seja, associavam a construção de uma Cadeia a um ideal

de segurança.

Tulius (2003) coloca que o interesse na construção de uma Cadeia, surge

associado à nova forma de punição, a pena privativa de liberdade, orientada pela

nova legislação penitenciária brasileira. A pena privativa de liberdade surge para

substituir os exageros nas execuções (fuzilamento e enforcamento) tidos na época

como as formas de punições mais recorrentes no território cearense.

Em 1854 a província do Ceará se preocupava com as especulações

acerca da expansão da criminalidade no território cearense. Segundo Maia (2009,

p.156), o Presidente da província, Pires da Motta, avisou em assembleia que a

província “estava sendo alvo de comentários e notícias que a incluíam num cenário

51

marcado por homicídios e violências”, ou seja, a criminalidade estava se tornando a

imagem do Ceará.

A província cearense foi marcada nesse período por uma série de delitos:

homicídios, ferimentos, uso de armas, fugas de presos, furtos, roubo, calunia, injuria,

as resistências e desobediências, estupro, os danos, entre outros. Para Maia [et.al]

(2009) os índices desses principais delitos, haviam elevado entre a segunda metade

da década de 1840 e a passagem de 1850 para 1860, passando assim compor a

primeira preocupação das autoridades da província. Nos anos de 1861 a 1865

houve uma agilidade na justiça, entre esse período foram julgados 1.185 casos.

De acordo com Maia [et.al] ( 2009) ressaltamos que a maior parte dos

réus era composto por trabalhadores livres, não trabalhadores, trabalhadores da

lavoura, trabalhadores domésticos e mecânicos, ou seja, naquela época já existia

uma justiça mais efetiva sobre os pobres, para os de territórios incertos, os

desvinculados de trabalhos e os indivíduos ligados ao trabalho escravo.

3.1 EVOLUÇÃO DO ENCARCERAMENTO NO CEARÁ

Segundo Maia [et.al] (2003, p.162) maior parte das cadeias do interior

cearense surgiram no período da seca de 1877 - 1880 do Ceará. E ainda existem

cadeias nas cidades do interior como Quixeramobim e Crato com estrutura dessa

época; “largas paredes, quase toda fechada não fosse uma janela gradeada” fugindo

dos padrões das prisões mais modernas do século XIX.

As prisões desse período careciam de condições adequadas de

segurança e até mesmo de higiene. Das 13 comarcas que compõe a província,

apenas cinco tinha as condições mínimas de segurança e manutenção; Aracati,

Sobral, Quixeramobim, Icó e Crato. As demais cadeias funcionavam em locais

improvisados, casas particulares (MAIA [ et. al], 2009).

Nessa época a Cadeia de Fortaleza ainda não estava totalmente

construída, mas já se mostrava como a melhor cadeia por apresentar um tamanho

maior, divisões e condições de higiene melhor. Em decorrência de sua maior

capacidade, essa cadeia absorvia na sua maior parte os presos vindos das

comarcas da Província.

52

Em 1867 a Cadeia da Capital já tinha uma superlotação, trazendo

consequentemente questões problemáticas como manter os presos com um

orçamento baixo, o transporte dos presos que era constante estava numa situação

precária. Decorrente dessas situações surge aí grande número de fuga de presos

(MAIA [et.al], 2009).

Ressaltamos que antes de se construir a Cadeia Pública de Fortaleza, o

encarceramento se dava na Cadeia do Crime e da Casa de Correção. A Cadeia do

Crime destinava-se aos criminosos sem perspectiva de regeneração moral e

reinserção na sociedade.

A Casa de Correção era destinada aos vadios, desordeiros, os bêbados e

viciosos, nesse local era ensinado ofícios de ferreiro, ourives, funileiro, tartarugueiro,

alfaiate, e sapateiro. Na Casa de Correção também era aplicado trabalho de

correção de comportamento aos escravos e filhos de “família” de Fortaleza. As

formas de punições eram da seguinte forma, “enquanto aos filhos- famílias se

destinavam a prisão por oito dias em solitária, ou um mês para prisão simples, aos

escravos, recaíam até punições com açoites, ou “palmatoadas”, nas ditas “faltas

graves”. (MAIA [et.al], 2009,p.168).

No governo de Fausto Augusto de Aguiar (1848-1850), foi autorizada a

construção da Cadeia Pública, sendo inicialmente chamada de Casa Penitenciária.

Mas como já dito anteriormente, a construção iniciou apenas em 1851, sendo

concluída em 1866. No entanto já recebia detentos da Casa de Correção desde

1855 (Idem, 2009).

Para Tulius (2003) a construção de uma Cadeia Pública não significava

apenas questão de prioridade ao governo da província, mas também a possibilidade

de dias mais tranquilos e com maior segurança nas ruas, bairros e toda província.

A nova Cadeia Pública de Fortaleza tinha sua estrutura baseada na

Legislação Penitenciária Imperial e funcionaria nos moldes do Sistema de Auburn,

esse modelo era baseado no silêncio absoluto, onde durante o dia os presos se

socializavam e a noite permanecia em isolamento, uma característica desse sistema

foram as oficinas de trabalhos que os internos eram submetidos a uma intensa

jornada de trabalho. No entanto, a Cadeia Pública de Fortaleza não seguiu todos os

passos do sistema auburniano, segundo Tulius (2003, p.81) “os aspectos

ideológicos, administrativos e estruturais fugiram ao esperado”.

53

Maia [et.al] (2009) coloca que os chefes de polícia na época

consideravam como conquista o aumento da construção de celas individuais, para

impedir as fugas dos presos. Os aspectos de higiene, implementação de oficinas de

trabalho, regulação de bebidas e outros só passaram a começar ser solucionados

em 1880. Mesmo com déficits em sua estrutura por conta da superlotação, a cadeia

ainda era considerada a mais segura sendo o destino de maior parte dos

encarcerados.

De 1851 até meados de 1860, a Cadeia de Fortaleza ainda tinha uma

estrutura simples, existia apenas a parte térrea, nela tinha duas alamedas uma em

frente à outra, contendo dez celas individuais, separadas por um corredor e um

salão que servia de cela coletiva (Idem, 2009).

Segundo Maia [et.al] (2009, p.173) em 1877, houve um surto de

tuberculose e, encontrando na cadeia um ambiente propicio para se instalar, visto

que o local carecia de ventilação, a doença se infestou no ambiente, vindo a

vitimizar vários presos. Dentre os cuidados auferidos, predominava a constante

preocupação em propiciar a maior ventilação possível, tendo em vista na época

(SÉCULO XIX) “se acreditava que grande parte das doenças, sobretudo as

respiratórias como o caso da tuberculose eram transmitidas pelos ares

contaminados”.

A morosidade na construção da Cadeia Pública era advinda da falta de

verbas, destinada a esta instituição.

Em 1868 e 1871 a Cadeia Pública enfrentou problemas relacionados ao

fornecimento de energia elétrica, só vinda a ser solucionado após sessões na

Assembleia, onde houve uma discussão sobre quem recairia a liberação dos

orçamentos (MAIA [et.al], 2009).

A partir de 1880 ocorreu uma expansão do trabalho dentro da cadeia.

Houve ampliação no número de oficinas, foi permitido aos presos que trabalhassem

dentro das celas com as atividades de cestaria, chapelaria e charutaria, esses

objetos eram vendidos e, o dinheiro da venda pertencia a estes presos para auxiliar-

lós no sustento da família (MAIA [et. al], 2009).

Para Maia [et.al] (2009, p.176), a preocupação dos administradores da

cadeia era a regeneração dos detentos, por isso o discurso civilizatório “pautava-se

54

no tripé instituição-religião-trabalho”, ou seja, a prisão tinha que dispor de uma

escola, capela e locais para trabalho.

Mesmo diante de alguns avanços no que diz respeito à estrutura da

Cadeia Pública, ela ainda carecia de maior investimento, tendo em vista o aumento

de presos no local. Pode-se colocar aqui o descaso imperial no que diz respeito à

questão da segurança, bem com os problemas sociais que geravam a violência e a

criminalidade.

Tulius (2003, p.98-100) traz um trecho do Relatório da Secretaria de

Polícia de 1876 acerca da Cadeia Pública de Fortaleza “falta ali tudo espaço,

higiene, trabalho e ensino”, ou seja, nesse local que teoricamente seria para

“recuperar” sujeitos, acabou tornando-se uma escola de “delinquentes”, o indivíduo

que conseguia sair com vida, saia pior do que quando entrou.

Diante desse contexto, se fazia necessário uma reforma na Cadeia

Pública, no entanto, a província não tinha orçamento nem para sua manutenção

quanto para uma reforma, tendo em vista que a obra tinha sido concluída há apenas

10 anos, e tinha durado cerca de, 16 anos para ser concluída por conta das

dificuldades orçamentária (TULIUS, 2003).

Definitivamente a Cadeia Pública já não atendia mais ao imaginário que a

população fazia de segurança, de um local que pudesse zelava pelos bons

costumes e maneiras, tendo em vista que a população humilde que lá estava não

recebia um trabalho que pudesse civiliza-lós (TULIUS, 2003).

Segundo Tulius, (2003) a Cadeia Pública de Fortaleza passou a ser uma

das reclamações constantes nos jornais da cidade por conta de suas condições

precárias de funcionamento, ocasionando em muitos casos fugas de presos.

No ano de 1970, surge como medida de substituição da Cadeia Pública

de Fortaleza o Instituto Penal Paulo Sarasate - IPPS com capacidade para 860

presos. No entanto, se as criticas feitas as condições da antiga Cadeia Pública de

Fortaleza em meados do século XX eram constantes, se compararmos a situação

Penal atual, estas mesmas condições ainda permanecem no sistema penal

cearense (TULUIS, 2003).

Um dos problemas que sempre acompanham as prisões é o da

superlotação, ou seja, a falta de espaço para acomodar a população carcerária. As

55

prisões são construídas com um limite, no entanto a capacidade é sempre

extrapolada.

Tabela 1 Efetivo de Presos nas prisões Cearenses.

Unidades Capacidade Nº de Presos

CPPL Caucaia 900 1121

CPPL I 900 1113

CPPL II 952 1164

CPPL III 952 1156

Hosp. Otávio Lobo 30 23

Inst. Psiquiátrico G. Stênio

Gomes

104 82

IPF 374 397

IPPOOI 395 62

IPPOOII 492 565

IPPS 940 482

PFHVA 525 486

PIRC 549 503

PIRS 500 521

Fonte: SEJUS19

Não diferente de outras realidades brasileiras, percebe- se a partir da

tabela acima que maior parte das Unidades Prisionais do Ceará ultrapassa sua

capacidade. Com essa superlotação surgem outros problemas, infestação de

doenças, falta de higiene, má alimentação, conflitos, confrontos e a ociosidade, pois

não existe atividade suficiente para todos. Talvez a superlotação seja um dos

problemas mais difíceis de resolver, pois se imagina que não seja a expansão de

uma Unidade Prisional ou a construção de outra a solução mais correta, mesmo

sabendo que muitas vezes essa medida acaba sendo a mais fácil.

Trata-se de um problema difícil de resolver, porque a superlotação existe

em decorrência do aumento da criminalidade, e sabe- se que os governantes

poucos investem em políticas públicas voltadas para a educação, deixando assim

milhões de pessoas a mercê desse sistema competitivo e capitalista, onde muitos se

19

Esses dados fazem referência a Dezembro de 2012. Disponível em

http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/gestao-penintenciaria/39/70. Acesso em 19/06/2013. Ressaltamos que

neste ano de 2013 foi inaugurada a CPPL IV, com capacidade para 936.

56

sentem excluídos, acabando muitas vezes enveredando ao caminho da violência e

do crime.

3.2 PENITENCIÁRIA FRANCISCO HÉLIO VIANA DE ARAUJO- PFHVA

A PFHVA é uma Unidade Prisional de Segurança Média situada no

município de Pacatuba, na Estrada João Cavalcante Filho, S/N - Alto São João -

Zona Rural no Estado do Ceará. Essa Penitenciária foi inaugurada em 29 de

novembro de 2011 com capacidade para 525 condenados em regime fechado. A

Unidade foi entregue no governo do então Governador Cid Ferreira Gomes e na

gestão da Secretária de Justiça e Cidadania, Mariana Lobo. 20

No intuito de atender as demandas desta Penitenciária e dos internos

recolhidos na mesma, a Unidade dispõe de profissionais que compõem o quadro

para o funcionamento da PFHVA. Para isso se tem aproximadamente 27

profissionais terceirizados, dentre estes podemos citar: recepcionistas, secretárias,

serviços gerais, manutenção, enfermeiro, técnicos de enfermagem, psicólogo,

assistente social, educador físico, nutricionista, advogados e outros. Para completar

o quadro de pessoas necessárias ao funcionamento da Penitenciária, têm

aproximadamente 82 agentes penitenciários, Policiais Militares, diretor e o diretor

adjunto, ambos agentes penitenciários.

Tabela 2- Profissionais e Setores da PFHVA

Setores Função Profissionais

Administração Recebimento e saída de ofícios,

solicitação de férias de

funcionários, monitoramento de

frequência dos funcionários,

outros.

02 Secretárias

Advocacia Analise da situação jurídica dos

internos.

02 Advogados

Recepção/Cadastro Fazem cadastro das visitas dos 02 Recepcionistas

20

Informações obtidas em http://www.sejus.ce.gov.br/index.php/gestao-penintenciaria/39-gestao-

penintenciaria/69-unidadesprisionais#ipf. Acesso em 29/04/2013.

57

internos e de funcionários.

Direção da Unidade Responsável pela Unidade 01 Diretor e

01Diretor Adjunto

Educação Física Responsável pelas atividades

físicas e recreação dos internos.

01 Educador Físico

Saúde Responsáveis por questões

relacionada à saúde dos

internos: marcam consultas,

exames, cirurgias, extração e

limpeza de dentes, outros.

01 enfermeira, 01

estagiária de

enfermagem, 01

dentista, 06 técnico

de enfermagem, 01

nutricionista.

Gerência

Administrativa

Responsável pelo controle/

recebimento de produtos (vindos

da SEJUS) de limpeza e higiene

tanto para uso da penitenciária

como para serem entregues aos

internos. Responsável pelos

internos que trabalham na

Unidade (faz parte da seleção,

emite declaração de dias

trabalhados para remissão de

pena), dentre outras tarefas.

01 Gerente

Administrativos e

01 auxiliar.

Informática Dá suporte a qualquer problema

relacionado à informática e

atualiza informações no Sistema

Penitenciário- SISPEN21 acerca

dos internos.

01 Técnico de

Informática

Psicologia Faz atendimentos aos internos 01 Psicóloga

21

Sistema Penitenciário- SISPEN esse sistema está disponível nas Unidades com informações sobre os internos.

No entanto, nem todas as informações são atualizadas ou mesma inclusas, tendo em vista a rotatividade dos

internos, a falta de informações em alguns casos, e também por conta do baixo efetivo de profissionais

necessário.

58

(triagem e individual) e seleciona

internos para trabalho.

Secretaria Responsáveis pela organização

dos prontuários e certidões

carcerária dos internos.

04 Secretárias

Segurança Agentes Penitenciários e

Policiais Militares.

Aproximadamente

82 agentes e

aproximadamente

15 PM’S

Serviço Social Atendimentos (triagem dos

internos, individual),

atendimentos as famílias,

encaminhamentos, declarações,

seleciona internos para trabalho

e outros.

01 Assistente

Social e 01

Estagiária

Serviços Gerais Responsáveis pela limpeza e

manutenção.

01 bombeiro

hidráulico, 01

eletricista e

aproximadamente

07 da limpeza.

Fonte: PFHVA

Em relação à descrição da Unidade, podemos começar por sua lateral

que é composta por duas muralhas com uma altura elevada e com guaritas em cada

canto, espaço onde fica um policial militar atento a qualquer manifestação estranha.

A frente da Penitenciária tem meia parede de alvenaria, pintada com cal branca,

sendo esta completada com grades de ferro na cor verde. Existe ainda um portão

grande por onde passam os carro dos funcionários e outros que tenha permissão

para adentrar na Unidade.

Após alguns metros existe a recepção, e o “posto” policial da PM. Na

recepção há duas funcionárias terceirizadas, responsáveis por fazer o

cadastramento das visitas dos internos, cadastro de funcionários novatos, bem como

repassar aos outros profissionais as demandas que chegam até a recepção. A PM

59

tem como função fazer escolta dos internos nas saídas externas (audiências,

hospitais e outros), acompanham os agentes penitenciários no momento de “fazer a

tranca” dos internos em suas celas e no caso de rebeliões tentam conter a

população carcerária juntamente com outras forças policiais.

Entre a recepção e o “posto” da PM existe um portão todo fechado na cor

verde, este é aberto para entrada dos carros que fazem entregas de mercadorias

(alimentos, higiene e outros), de ambulâncias, das viaturas policiais, e saída do lixo

da parte interna do Presídio.

Após a recepção existe um ambiente denominado de “linha”22 onde fica

uma agente responsável de fazer revista nas pessoas que adentram a parte inferior

do presídio. Utiliza um equipamento denominado de “raquete” que passa próximo ao

corpo da pessoa e caso tenha algum metal ela emite um som identificador. Para a

revista de materiais seja eles tanto de limpeza como de alimento é utilizado uma

máquina de raio x, onde as coisas são colocadas dentro da mesma, e a imagem é

projetada no computador. Nesse equipamento também é passado qualquer material

que a família leve para o interno. O setor faz revista não só dos materiais que

entram para a parte inferior da Unidade, mas também dos que saem de lá, a

exemplo, cito o lixo que é recolhido todos os dias, principalmente o da cozinha que

sai para ser jogado por um funcionário da Unidade em um terreno próximo à

penitenciária.

Próximo a “linha” tem a sala do Chefe de Segurança e Disciplina - CSD,

no entanto ele pouco fica na sala, passa maior parte do tempo circulando na

Unidade, atendendo demanda das famílias, dos internos e questões relacionadas a

descumprimento de alguma norma de disciplina dentro da penitenciária. Ao lado do

CSD tem a copa, onde é servido o café da manhã e lanche da tarde dos funcionários

terceirizados, cedido pela Unidade. Esse local também é usado na hora do almoço

por alguns funcionários que compram quentinha dentro da própria Unidade, fora ou

trazem a refeição de suas casas.

Próximo ao local que fica a agente da “linha” tem uma escada de

mármore que dá acesso à parte superior da Unidade, lá fica a sala da direção,

22

Local que antecede a entrada da parte inferior do presídio.

60

administração, secretaria, informática, monitoramento, gerente administrativo e rádio

livre. Atualmente a rádio não é monitorada na Unidade, seu monitoramento ocorre

através de um profissional que fica na Secretaria de Justiça e Cidadania- SEJUS, na

PFHVA existe apenas alguns equipamentos para transmitir som para as vivências

dos internos. No momento essa sala da rádio esta sendo ocupada pela equipe

multiprofissional (assistente social, psicólogo, educador físico, advogados e

estagiários).

Na parte inferior da PFHVA é onde ficam localizadas as 09 (nove)

vivências dos internos, estas compostas por celas. Cada vivência é identificada por

letras alfabéticas de A - I. Mas antes das vivências existem outros espaços nessa

parte da Unidade cito: o setor da saúde, composto pela farmácia, consultório

odontológico, sala de atendimento médico, sala para esterilização e enfermaria, esta

muitas vezes acabam se tornando cela, é corriqueiro encontrarmos presos que por

algum motivo não podem mais “descer a cadeia”23. Ao lado da farmácia, tem um

espaço construído de alvenaria com grade de cor preta na frente, denominado

“passatempo”. Esse local é destinado para colocar os internos quando estão

aguardando atendimento com o setor da saúde, e outros profissionais. Esse

ambiente tem suas paredes riscadas com alguns artigos do código penal, e alguns

nomes que talvez seja o vulgo de alguns dos internos que por lá passaram.

Existem ainda salas24 para a assistente social, advogados, defensoria

pública (uma vez na semana uma defensora pública faz atendimento), OAB

(montada com recursos da OAB essa sala fica disponível para os advogados

particulares que tem clientes na Unidade, o espaço funciona como um apoio quando

vai visitá-los, mas a conversa com o cliente se dá no parlatório), sala do chefe de

equipe25 e banheiros. Em frente às salas dos profissionais tem 02 (dois) parlatórios26,

23

Termo utilizado tanto pelos internos como por profissionais da Unidade. Significa que o interno não pode ficar

em nenhuma vivência, por questões de conflitos. Muitas vezes existe ameaça de morte.

24 Até o momento da pesquisa a sala da assistente social e advogado não estavam sendo utilizadas por esses

profissionais. A da defensoria pública é usada com mais frequência pela defensora. A da OAB pouco é utilizada.

25 É aquele agente responsável pela equipe de agente de plantão.

26 Local para fazer atendimento aos internos tanto por profissionais da Unidade, como por advogado particular

ou visitas familiares agendadas previamente.

61

espaço pequeno com capacidade para três internos em cada um. Nesse local o

profissional que for conversar com o interno fica de um lado e ele do outro, sendo

separados por uma tela de ferro na cor preta. Ao lado desse espaço fica mais um

“passatempo”.

Logo após esse ambiente de salas, existe um portão de ferro na cor preta,

ao ultrapassá-lo de um lado se tem acesso à cozinha onde nessa fica o refeitório

dos agentes penitenciários, e do outro a padaria.

Na cozinha e padaria trabalha em media 13 (treze) internos, de acordo

com uma conversa informal com a gerência administrativa dessa Unidade, a

cozinha/ padaria é mantida por uma empresa terceirizada e o pagamento dos

internos também é realizado por ela. Esses dois locais são responsáveis em

produzir toda alimentação da penitenciária. Tanto dos internos, quanto dos

funcionários. Esses locais passa a impressão de serem ambientes com boas

condições de higiene. Tanto as paredes externas e internas são caiadas de branco,

com uma porta de entrada que abre em duas partes na cor verde.

Em relação ao aspecto físico do refeitório, este é dividido da cozinha por

uma parede de alvenaria, de um lado existe uma abertura na parede, semelhante a

um janelão, onde são colocadas algumas bandejas de self service para servir a

comida dos próprios agentes penitenciários e uma máquina de suco. No espaço

existem algumas cadeiras e mesas, em cima destas é comum encontrar molho de

pimenta, vinagre, palito de dente e guardanapos. Em um dos cantos da parede tem

uma pia pequena de porcelana, próximo a esta um suporte com sabão e outro com

papel toalha.

A questão da alimentação parece sempre um ponto polêmico entre os

internos. Podemos informar, conforme relato constante de muitos internos que a

comida não é boa. Merece destaque um fato ocorrido em um dia de atendimento,

onde pude imaginar que muito provavelmente a comida servida aos internos não

seja a mesma dos funcionários. O fato foi o seguinte, estava em atendimento e um

funcionário informou o cardápio, enfatizando que era carne do sol, no mesmo

instante o interno, colocou que para eles fora servido moela.

O horário do almoço dos internos é por volta das 11: 00 (onze) horas,

momento que alguns internos da cozinha saem com carrinhos cheio de comida e

passam no refeitório (trata- se de uma bancada) de cada vivência onde o interno é

62

servido em um prato de plástico. Existem alguns internos que recebem alimentação

dentro de uma quentinha de alumínio, segundo informações, isso ocorre com os

internos que precisam fazer dieta em decorrência de algum problema de saúde,

assim recebem uma alimentação balanceada pelo nutricionista da Unidade.

De acordo com a gerência administrativa, durante o dia é servido aos

internos 04 (quatro) refeições:

Tabela 3- Cronograma das refeições dos internos da PFHVA

Refeições Horário

Café da Manhã Por volta das 07h30min

Almoço Às 11h00min

Lanche Às 14h00min

Jantar Às 16h00min

Fonte: PFHVA

Depois da cozinha e padaria, tem outro portão com grades pretas. Logo

após é o isolamento27 e em seguida tem um corredor enorme e tanto de um lado

como de outro tem vivências. Antes da entrada de cada vivência tem um espaço

denominado de quadrante, semelhante ao “passatempo”. É utilizado quando se quer

fazer algum comunicado aos internos, evitando entrar na vivência ou conduzi-lo até

o parlatório. Ressaltamos que esse espaço é mais usado pelos agentes

penitenciários, os outros profissionais da Unidade quase nunca se apropriam desse

espaço, somente em casos extremos. Quando há necessidade de falar com um

interno, na maioria das vezes ele é chamado no parlatório.

Atualmente a população carcerária dessa Unidade é composta por 65428

internos, distribuídos nessas vivências. Para ter uma informação melhor acerca

dessa população, se apresenta aqui a faixa etária que a compõe, que vai dos 18 a

mais de 60 anos de idade, predominando internos com idade dos 25 aos 29 anos.

Tabela 4- Faixa Etária da População carcerária da PFHVA

Faixa Etária Quantidade

18 a 24 anos 114

25 a 29 anos 193

27

Local para aquele preso que esta cumprindo alguma sanção disciplinar por ter desabonado alguma norma

dentro da Unidade. Outras vezes é usado provisoriamente para colocar presos que estão sob ameaça de morte

dentro da própria Unidade até transferi- ló para outra Unidade.

28 Em decorrência da rotatividade de internos o quantitativo não é fixo.

63

30 a 34 anos 176

35 a 45 anos 136

46 a 60 anos 32

Mais de 60 anos 3

Total 654

Fonte: Sistema Penitenciário- SISPEN em 11/06/2013

Em relação ao nível de escolaridade, o maior contingente da população

dessa unidade prisional não concluiu o ensino fundamental. Dado esse que nos faz

levantar a hipótese de que os indivíduos com baixa escolaridade estão mais

susceptíveis a inserção no mundo de delitos. Tendo em vista que maior parte

desses sujeitos são excluídos de alguns serviços necessários para a vida humana

(Rocha, 2001).

Tabela 5- Nível de escolaridade dos internos da PFHVA

Escolaridade Quantidade

Alfabetizado 96

Analfabeto 42

Ensino Fundamental Completo 85

Ensino Fundamental Incompleto 303

Ensino Médio Completo 33

Ensino Médio Incompleto 15

Ensino Superior Completo 2

Não Declarado 78

Fonte: Sistema Penitenciário- SISPEN em 11/06/2013

Em relação à rotina escolar nesta Unidade, podemos considerar como

algo que ainda permanece alheio a essa população carcerária. Quando se

pensavam em estruturar o funcionamento desse ambiente, houve em Junho de 2012

uma rebelião, na ocasião foi queimado todo material escolar que existia e, em

decorrência da interdição de algumas vivências, a escola passou a ser uma vivência

improvisada. Atualmente o que se sabe é que em breve ela funcionará.

No que concerne à questão religiosa existe uma predominância da

religião católica. No entanto, destacamos que estes dados podem não condizer com

a atual realidade religiosa dessa Unidade, tendo em vista que essa informação é

repassada para o sistema no momento da entrada do preso no Sistema Penal.

Tabela 6- Quantitativo dos internos da PFHVA por religião

Religião Quantidade

Ateu 5

64

Católico 367

Espírita 1

Evangélico 15

Muçulmano 1

Não Declarado 264

Testemunha de Jeová 1

Total 654

Fonte: Sistema Penitenciário- SISPEN em 11/06/2013.

Nas Unidades Prisionais é muito comum se falar da separação de alguns

grupos do restante da massa carcerária; Evangélicos, trabalhadores e os internos

que cometeram delitos sexuais, os chamados “duzentão”29. Na PFHVA, podemos

dizer que existe uma vivência especifica para os trabalhadores e junto com estes

ficam os internos que cometeram delitos sexuais. Essa é uma das primeiras

vivências pelo fato de ficar mais próximo dos locais de trabalho, facilitando o acesso

aos locais de trabalho.

No que concerne ao labor desenvolvido pelos internos, podemos informar

que existe na Penitenciária existe alguns “postos” de trabalho (Tabela 7) com vagas

limitadas sendo destinadas aos internos com perfil para as respectivas funções.

Atualmente existem aproximadamente 66 internos trabalhando.

Tabela 2- Cronograma de trabalho de internos da PFHVA

Cronograma de Trabalho

Local de Trabalho Nº de Internos Horário

Artesanato 04 Livre

Capinagem 14 09h00min às 11h30min/

13h30min às 15h30min

Cozinha 13 06h00min às 16h00min

Fábrica de Joias 05 08h30min às 11h30min/

13h30min às 15h30min

Faxineiros 18 09h00min às 14h00min

29

Esse é um termo utilizado dentro da Unidade para aqueles que cometeram delitos de natureza sexual. Essa

denominação se dá pelo fato desses delitos estarem especificados no Código Penal nos Arts. 200.

65

Padaria 03 06h00min às 16h00min

Serviços Gerais 04 Limpadores do

Corredor Principal

02 Pedreiros

02 Limpadores do

Almoxarifado

01 Eletricista

TOTAL 09

09h30min às 11h30min/

13h30min às 15h30min

Fonte: PFHVA

Os internos que trabalham na padaria e cozinha trabalham de carteira

assinada para uma empresa terceirizada. Empresa esta responsável pela cozinha/

padaria desta Unidade, bem como de outras, e mesmo na própria SEJUS. Por

diversas vezes foi colocado pelos profissionais mais antigos da Unidade, que essa

terceirizada, oportuniza trabalho para internos que recebem alvará de soltura e,

tenham desenvolvido um bom trabalho na empresa no período de reclusão.

Podemos destacar que existe outra terceirizada onde alguns internos

prestam serviço, esta tem instalação recente na Unidade, a empresa é responsável

por desenvolver o Projeto “Lapidar- Transformando Vidas através do Trabalho” tanto

na PFHVA como no IPPOO II. Os internos que trabalham na confecção de joias

recebem um valor mensal, mas não tem carteira assinada.

Os internos que trabalham na capinagem e serviços gerais recebem uma

ajuda mensal em dinheiro pela SEJUS. Os artesãos fabricam o artesanato e a

família é responsável pela venda do produto. Os faxineiros são responsáveis pela

limpeza de suas respectivas vivências. Para cada vivência existem dois internos.

Ressaltamos que todos os internos que desenvolvem atividade laborativa,

independente de receber um valor mensal, as atividades permitem que os internos

tenham remissão de pena, onde para cada três dias trabalhados, diminui um dia na

pena.

Referente à vivência evangélica, segundo informações cedidas por dois

internos que são pastores30, ela não existe mais dentro da Unidade. De acordo com

30

Dentro da Unidade, existe dois pastores, ambos na mesma vivência. De acordo com o que nos foi informado,

esse fato ocorre em decorrência de um deles já está próximo de receber o alvará de soltura. Eles estão à frente de

qualquer evento evangélico. A nomeação dos pastores ocorreu de maneira informal entre os próprios presos logo

66

o mesmo depoimento, durante a administração da primeira direção, existia uma

vivência especifica e havia mais incentivo para evangélicos. Mas logo depois da

rebelião que aconteceu por volta de Junho/Julho do ano passado, essa vivência

acabou sendo desfeita, porque colocaram muitos internos não evangélicos dentro da

vivência. E posteriormente os evangélicos que ali ainda estavam foram transferidos

para outra vivência, local onde se encontram hoje. No entanto, existe um pequeno

número de evangélicos nesse local, segundo os pastores, de aproximadamente 75

(setenta e cinco) internos nessa vivência, apenas 20 (vinte) são evangélicos.

De acordo com os pastores, ambos estão na busca de construírem uma

vivência só de “irmãos”, para isso já possuem uma relação com aproximadamente

50 (cinquenta) internos que se pronunciaram querer estar nesse espaço. Essa lista

foi adquirida a partir de visitas por parte dos pastores nas vivências, onde no

momento eles perguntaram quem tinha interesse na religião. Segundo eles vai para

essa vivência aquele que já está convertido, ou seja, que prega o evangelho, os que

têm interesse na conversão, e aqueles que por algum motivo estavam afastados da

religião, mas estão querendo nas palavras de um dos pastores “se reconciliar com

Jesus”. Devo destacar ainda, a partir do que nos foi colocado, que as vivências

evangélicas também costumam receber aqueles internos que tem alguma

desavença nas outras vivências, ou seja, que não podem ficar em nenhuma outra.

De acordo com o que nos foi exposto, o fato de não ter uma vivência

especifica para os internos praticantes dessa religião, dificulta os momentos de

evangelização. Segundo os pastores apesar de serem muito respeitados pelos

internos de outras religiões sempre existe um que se sente incomodado.

Ainda assim, mesmo diante das dificuldades, esse grupo de 20 (vinte)

internos, realiza culto nas terças, quartas e quintas. Nos dias de visitas cantam e

louvam com a ajuda do grupo musical que é formado por alguns internos

evangélicos, além de cantar, esse grupo também compõe. Já faz algum tempo que

esse grupo existe, desde a época da primeira direção da Unidade. No entanto,

segundo as informações que nos foram repassadas, alguns dos integrantes já

após o distanciamento do primeiro pastor em relação à religião evangélica. Para tornar- se pastor, um dos

critérios é conhecer a “palavra de Deus” saber conduzi- La e ter o respeito dos “irmãos”.

67

saíram da Unidade, por motivo de transferência ou progressão de regime, mas ainda

assim o grupo permanece. Como equipamentos para esses momentos de louvor

esses internos dispõem de uma caixa de som, microfone e um violão, que segundo

informação esse último está com defeito.

Os pastores nos colocaram algumas normas que são particulares a todo e

qualquer membro do grupo evangélico dentro de uma unidade prisional. Os dois

pastores são as figuras centrais, são respeitados por todos e são os primeiros a

comandarem a palavra na hora do culto. Eles também são os responsáveis em

convocar todos os “irmãos” para comunicar que em determinado dia eles irão fazer

algum sacrifício por determinada causa. O sacrifício se constitui em ficarem algumas

horas sem se alimentar, e na hora de consumir o alimento, oram sobre ele, oferecem

e agradecem a Jesus. Outra característica particular dos evangélicos é o fato não

poderem ficar sem camisa, e os que têm condições de terem calça devem usa- La

ao invés de short, aos evangélicos também é obrigatório à presença nos cultos e é

proibido o uso de drogas.

Mesmo que nessa Unidade não exista uma vivência específica para os

evangélicos, esse grupo ainda consegue se destacar. Pois quando se pergunta a

muitos funcionários da Unidade e a alguns internos qual a vivência dos evangélicos,

a maior parte faz referência a esta.

Quanto à presença de visitas por parte de membros de Igrejas

evangélicas de fora, nos foi relatado que na época da primeira direção da Unidade,

existiu a presença de membros da Igreja Universal, mas por pouco tempo.

Pregavam para os internos no quadrante da vivência e entregavam jornal da Igreja.

Atualmente não existe a presença de nenhum membro religioso.

Segundo os pastores eles estão em busca junto à direção de uma

vivência somente para os evangélicos. Afirmaram que existe a promessa, mas não

tem previsão.

Em relação ao fluxo de pessoas na Unidade, podemos dizer que quase

todos os dias existem um considerável número de pessoas indo até a PFHVA, onde

maior parte dessas pessoas é familiar dos internos, estes vão até a Unidade por

motivos diversos: solicitar declaração para auxilio reclusão, visitas no parlatório,

transferências, deixar material dentre outras coisas.

68

Quanto aos dias de visitas na Unidade, elas são distribuídas entre a

semana e fim de semana. As quartas-feira é o dia de visita das companheiras e

mães dos internos. No fim de semana é só para as companheiras. As crianças

entram na Unidade para fazer visita aos seus genitores no segundo domingo de

cada mês. Os pais, irmãos e filhos dos internos do sexo masculino entram no último

sábado de cada mês.

Tabela 3- Cronograma de visitas aos internos da PFHVA

Dias Visitas

Quartas- feira Companheiras e mães

Domingo Companheiras

2º Domingo do mês Crianças

Último sábado do mês Visita Masculina (pais, irmãos e

filhos).

Fonte: PFHVA

Podemos aqui descrever um pouco da movimentação em um dia de visita

nas quartas- feiras. Nesse dia quando chegamos a Unidade por volta das 08h da

manhã, já existe grande contingente de familiares a espera para adentrarem a

PFHVA. O número de visitas é por volta de 250 (duzentas e cinquenta) pessoas. A

maior parte dessas pessoas levam sacolas enormes contendo alguns elementos que

é permitido entrar nesse dia.

Antes de entrarem na Unidade, as visitas que levam bolsa com pertences

pessoais, tendo em vistas não ser permitido à entrada desses pertences, pagam

para deixa-las com uma senhora que tem uma tenda do lado de dentro da

Penitenciária próxima ao portão de entrada da PFHVA. Segundo informações, essa

senhora é mãe de um dos internos da Unidade, e tem autorização da COSIPE para

vender lanches nos dias de visitas.

Quando as visitas vão entrar na Unidade, inicialmente dão entrada junto

as recepcionista com a carteirinha de visita e o RG, ficando assim cadastrado no

sistema o dia de entrada da visita. Posteriormente passa pelo detector de metal e

em seguida os agentes masculinos fazem revista nas sacolas e as agentes

femininas fazem a corporal, em alguns casos já foi pegue material ilícito, tanto no

meio dos materiais permitidos para entrarem como no corpo de mulheres. Quando

69

encerra o horário de visita, as visitantes tem que passarem novamente pelas

recepcionistas para dar baixa no sistema, registrando assim o horário de saída.

Mesmo que não se consiga transmitir o clima, o cheiro, e os sons que são

transmitidos dentro de um Presídio, ainda assim se buscou mesmo que de forma

superficial passar alguns detalhes dessa Penitenciária. Estar em uma Unidade

Prisional não é algo comum aos sujeitos, pois muitos ignoram os indivíduos que

estão reclusos. A sensação de estar no interior de um presídio é sempre coberta de

tensão, o barulho assusta, mas ao mesmo tempo o silêncio apavora. A tensão é

constante, no trabalho, e atentos a qualquer movimentação atípica.

Algumas questões colocadas pelos sujeitos reclusos nos trazem reflexões

acerca das diversas condições de vida pelas quais muitos indivíduos vivenciam.

Essas questões muitas vezes mexem com quem as ouve, nesse caso a neutralidade

deve ser buscada.

Enfim acredito que somente através de uma vivência diária nesse

ambiente, pode-se chegar a ter uma compreensão total da realidade dessas

instituições. Não são visitas esporádicas que conseguirá nos passar a realidade

dessas Unidades, tudo parece muito mutável e instável.

70

CAPÍTULO 4

4 RELIGIOSIDADE E PRISÃO: NO DISCURSO O SENTIDO É DADO.

Nesse capítulo se buscará compreender, a partir do discurso dos

entrevistados, o sentido da religião evangélica na vida do preso.

4.1 PERCURSO METODOLÓGICO

O interesse pelo tema se deu ao longo do meu percurso como estagiária

de Serviço Social nesta referida Penitenciária, onde no decorrer dos atendimentos,

quando me deparava com um interno evangélico, ele sempre prendia minha

atenção, porque se destacava em relação aos demais internos, se mostrava falante

e demonstrava uma necessidade de transmitir seu discurso religioso.

Por outro lado, existiam os profissionais que em diversos momentos se

mostravam apáticos a esses internos. Em diversas situações era notória certa

desconfiança em relação ao público evangélico encarcerado. Então, a partir daí

surgiu o interesse em conversar com alguns internos e saber de fato como se dá

essa conversão evangélica, o que os motivam, e qual o papel dessa conversão para

esses sujeitos reclusos, e como os evangélicos são visto pelos presos não

evangélicos.

Então, em decorrência dessas questões, decidi elaborar meu projeto de

pesquisa sobre a temática: Prisão e Religião.

Após a aprovação do projeto de pesquisa pela Coordenadoria do Sistema

Penal- COSIPE em 16/04/2013, pelo Nº do Processo 0013189046-8, realizamos a

pesquisa de campo, com a finalidade de buscarmos informações que contribuíssem

com a temática em questão.

A fim de obter uma visão geral da realidade e um aprofundamento do

objeto de estudo, foi realizada pesquisa de campo. O tipo de pesquisa se constituiu

no Estudo de Caso com abordagem qualitativa, por ser uma técnica que investiga

fenômenos sociais de uma realidade especifica.

Para Minayo (1994, p. 21), a pesquisa qualitativa: Trabalha com o

universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que

71

corresponde a um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos

fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis.

Essa abordagem favorece a busca de respostas e questões particulares,

que não podem ser quantificados por estarem relacionadas com o universo dos

significados, valores, crenças, atitudes e das relações humanas. Universo esse não

captável em equações e estatísticas.

Integra ainda a metodologia usada, a análise hermenêutico-dialética,

caracterizado por Minayo (1996, p.231) como o mais capaz de dar conta de uma

interpretação aproximada da realidade. Essa metodologia coloca a fala em seu

contexto para entendê-la, a partir do seu interior e no campo da especificidade

histórica e totalizante, em que é produzida.

Esse método é capaz de se chegar ao conhecimento mais aproximado da

realidade estudada, pois trata de um método interpretativo do fenômeno estudado.

Para as entrevistas foi elaborado um questionário (Apêndice A e B) com

questões abertas, que permitiu os internos falarem livremente sobre as questões

abordadas, essas entrevistas não foram gravadas, pois a COSIPE vetou todo e

qualquer equipamento tecnológico que pudesse obter imagens ou áudio.

Ressaltamos que a entrevista só foi possível mediante a autorização dos internos.

Foram entrevistados no total 13 (treze) internos, nos dias 26/04/ 2013,

29/04/2013 e 03/05/2013. A seleção de 11 (nove) dos internos se deu entre o grupo

dos trabalhadores, de forma aleatória. Os outros 02 (dois) foi de forma proposital,

pois precisava de elementos sobre a presença da religiosidade evangélica nessa

Unidade, assim convidei os dois pastores.

Ressaltamos que a nomeação dos pastores ocorreu de maneira informal.

De acordo com as informações, a nomeação ocorreu após a saída do primeiro

pastor da vivência evangélica (na época existia essa vivência). Para tornar-se

pastor, um dos critérios é conhecer a “palavra de Deus” saber conduzi- lá e ter o

respeito dos “irmãos”. No momento existem dois pastores pelo fato de está próximo

de um receber alvará de soltura.

A escolha do grupo de trabalhadores se deu pelo fato do acesso, tendo

em vista que eles passam o dia fora de suas vivências desenvolvendo suas

atividades laborativas em locais próximo ao parlatório (local da entrevista) não tendo

72

a necessidade do agente penitenciário se deslocar até a vivência para conduzir o

interno até o local da entrevista, processo esse que levaria maior tempo.

Inicialmente, explicamos os objetivos da pesquisa destacando a

importância da participação, comprometendo-nos a não revelar a identidade dos

mesmos, visto serem, pessoas que se encontram respondendo as determinações da

justiça.

No momento da entrevista o interno era conduzido por um agente

penitenciário até o parlatório; antes de iniciar cada entrevista lia-se o Termo de

Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo), e em caso de concórdia era assinado,

ficando uma via com a pesquisadora e outra entregue a direção da Unidade para ser

anexada ao prontuário do interno.

O roteiro da entrevista foi norteador da conversa, contudo, em alguns

momentos, houve inversão na ordem das questões, em função do fluxo dos

depoimentos. Em decorrência da proibição de um equipamento que pudesse gravar

o áudio das entrevistas e posteriormente haver uma transcrição, podemos constatar

que alguns detalhes não podem ser contemplados como os relatos mais extensivos.

A maior dificuldade enfrentada no percurso das entrevistas além de não

poder gravar as entrevistas, foi fazer com que todos, tanto internos quanto

funcionários entendessem que eu não estava ali como estagiária de Serviço Social

da PFHVA, e sim como uma pesquisadora. Na busca de manter o distanciamento da

minha função de estagiária nessa Unidade, aboli o uso do jaleco, que é utilizado

quando o profissional vai fazer atendimento aos internos na parte inferior da

Unidade, e fui realizar as entrevistas nos dias que não estaria como estagiária

(segundas e sextas).

Mesmo realizando as entrevistas nesses dias citado acima, chegavam

até mim demandas do Serviço Social. Quando vinha por parte de algum funcionário

da Unidade a explicação se tornava mais fácil. Mas quando era por parte de um

interno, a insistência permanecia, em alguns momentos recebi a demanda e tomava

as providências no dia seguinte, quando estava como estagiária.

No momento da entrevista com um dos internos, por várias vezes houve a

necessidade de ficar chamando o interno para retomar as questões que eram

perguntadas, pois a todo instante ele desviava do foco, e colocava outras questões,

como se eu estivesse fazendo um atendimento individual do Serviço Social.

73

Destacamos que em alguns momentos houve a necessidade de obtermos

informações mais detalhadas sobre o funcionamento da Unidade, para isso

consultamos de maneira informal a gerência administrativa da Unidade.

74

4.1.1 PERFIL DOS ENTREVISTADOS

A pesquisa tem como universo, 13 internos que estão cumprindo pena na

PFHVA. A partir do que colhemos nas entrevistas, para caracteriza-los podemos

fazer uma divisão em três grupos: Evangélicos praticantes e não praticantes,

católicos e os sem religião.

Entre os entrevistados cinco declararam ser evangélicos praticantes,

esses com idades diferentes: dois com 30 anos, e os demais com 34, 45 e 49 anos.

Entre os delitos dois dos internos cometeram assalto, dois homicídio, um atentado

ao pudor, um roubo/furto e um latrocínio. Ressaltamos ainda que alguns desses

internos respondem a mais de um artigo e mais de uma vez. Quanto à reincidência

podemos destacar que dois destes já tiveram mais de uma condenação, ou seja,

são reincidentes. No que concerne à condenação cada um tem uma sentença

diferente: 06 anos, 09 anos, 13 anos e 09 meses, 14 anos, e 30 anos.

Tabela 431

- Caracterização dos entrevistados da pesquisa ( Evangélicos Praticantes)

Evangélicos Praticantes

Nomes Idade Crimes Penas Reincidência

Adonias 49 Atentado ao Pudor 06 anos Não

Bartolomeu 45 Roubo e Homicídio 09 anos Sim

Abraão 30 Homicídio 14 anos Não

Ariel 34 Roubo e Furto 13anos e 09

meses

Sim

Adriel 30 Latrocínio 30 anos Não

Fonte: Internos entrevistados

Em relação ao estado civil e filhos, dois são solteiros, dois convivem em

regime de união estável e um é casado. Quanto aos filhos três dos entrevistados

tem dois filhos, outro tem um filho e um não tem nenhum filho.

Referente à escolarização desses internos um é alfabetizado, um tem o

ensino fundamental incompleto, dois com ensino fundamental completo e um com

31

31

A fim de garantir o sigilo quanto aos entrevistados adotamos nas tabelas nomes fictícios.

75

ensino médio completo. Quanto ao labor todos declarou que desenvolviam

atividades laborativas cada um com profissão diferente, um declarou que trabalhava

em uma revenda de carro lavando bancos dos carros e outros reparos, por esse

trabalho ganhava 600 reais, outro disse que trabalhava como porteiro, ganhando

600 reais, tem ainda um eletricista, cuja renda era 1.200, 00 reais, um trabalhava

como descarregador em uma fábrica de castanha ganhando 180 reais por quinzena

e por último se tem um pedreiro com uma renda na época de aproximadamente

800,00 reais.

Tabela 5- Caracterização dos entrevistados por escolaridade, profissão, estado civil, filhos e

renda ( Evangélicos Praticantes)

Nomes Escolarização Profissão Estado

Civil

Filhos Renda

Adonias Alfabetizado Serviços Gerais de

Carro

União

Estável

Não R$600

Bartolomeu E. F. C32 Eletricista União

Estável

02 R$1200

Abraão E. M. C Porteiro Solteiro 01 R$600

Ariel E. F. I Descarregador de

Caminhão

Solteiro 02 R$180/

quinzena

Adriel E. F. C Pedreiro Casado 02 R$ 800

Fonte: Entrevistados

Dentre esses internos que declararam serem evangélicos nenhum deles

passaram por sanção disciplinar dentro das Unidades prisionais.

Sobre as características dos dois evangélicos não praticantes um tem 52

e o outro 33 anos, seus delitos foram posse irregular de arma de fogo, porte ilegal de

arma de fogo, tráfico de arma de fogo e homicídio, o outro foi extorsão e estelionato.

Ambos são reincidentes, e foram condenados a 57 e 34 anos de prisão. Um tem

quatro filhos e o outro apenas um. Quanto ao estado civil, um convive em regime de

união estável, enquanto o outro é solteiro. Em relação à vida escolar, um não

concluiu o ensino fundamental o outro tem o ensino médio completo. Exercia

atividade laborativa um como piloto de avião particular, obtendo como renda um

32

Ensino Fundamental Incompleto ( E. F. I); Ensino Fundamental Completo( E. F. C); Ensino Médio Completo(

E. M. C); Ensino Médio Incompleto( E. M. I).

76

valor de aproximadamente 15 mil reais, o outro era empresário, tem loja de aparelho

celular com uma renda de aproximadamente 10 mil ao mês. Durante o período que

se encontram preso nunca passaram por sanção disciplinar.

77

Tabela 6- Caracterização dos entrevistados da pesquisa ( Evangélicos Não Praticantes)

Evangélicos Não Praticantes

Nome Idade Crime Pena Reincidência

Áquila 52 Posse Irregular de Arma

de fogo, Porte Ilegal de

Arma de Fogo,Tráfico

de Arma de Fogo e

Homicídio

57 anos Sim

Benjamim 33 Extorsão e Estelionato 34 anos Sim

Fonte: Entrevistados

Tabela 7- Nível de Escolarização, profissão, estado civil, filhos e renda ( Evangélicos Não

Praticantes)

Escolarização Profissão Estado Civil Filhos Renda

E. F. I Piloto de

Avião

Particular

União Estável 05 R$ 15 mil

E. M. C Empresário Solteiro 01 R$ 10 mil

Fonte: Entrevistados

Apenas dois internos declararam serem católicos, com idades de 26 e 45

anos de idade, um responde a assalto e o outro violência sexual, não são

reincidentes, as condenações fora de 10 e 06 anos de reclusão. Ambos têm filhos,

um dois e o outro apenas um. Ambos vivem em regime de união estável. Um não

concluiu o ensino fundamental, e o outro não concluiu o ensino médio. Trabalha um

como motorista particular, tinha renda de 1.000,00 reais. O outro de serviço geral e

ganhava um salário mínimo. Nunca passaram por sanção disciplinar.

Tabela 8- Caracterização dos entrevistados Católicos

Católicos

Nome Idade Crimes Pena Reincidência

Calebe 26 Roubo 10 anos Não

Demetrio 45 Violência Sexual 06 anos Não

FONTE: Entrevistados

Tabela 9- Nível de escolarização, profissão, estado civil, filhos e renda dos católicos

Escolarização Profissão Estado Civil Filhos Renda

E. M. I Motorista União Estável 01 R$ 1000

78

E. F. I Serviços Gerais União Estável 02 R$ 600

FONTE: Entrevistados

Dentre os entrevistados quatro declararam que no momento não tem

religião. Esses internos têm idade de 30 anos, 40 e dois com 41 anos. Referente aos

delitos existe um sequestro, três assalto, um de receptação, um latrocínio, um

disparo em via pública e um porte ilegal de arma de fogo. Cada um desses

entrevistados possui uma condenação diferente 14 anos, 20 anos, 30 anos e 28

anos. Ressaltamos que tem interno que responde a mais de um artigo, e em alguns

casos mais de uma vez. Entre esses entrevistados, apenas um é reincidente, ou

seja, já tem mais de uma condenação.

Tabela 10- Caracterização dos entrevistados sem religião

Sem Religião

Nome Idade Crime Pena Reincidência

Davi 30 Latrocínio 20 anos Não

Elias 41 Roubo, disparo

em via pública e

porte ilegal de

arma de fogo

14 anos Sim

Estevão 40 Sequestro, roubo

e receptação

30 anos Não

Isaías 41 Roubo 28 anos Não

Fonte: Entrevistados

Em relação à vida familiar desses sujeitos, um é divorciado, outro vive em

regime de união estável e o outro é solteiro. Quanto aos filhos, apenas três tem

filhos, um tem dois filhos, um tem quatro e o outro cinco.

Sobre o labor dos entrevistados, todos exerciam alguma função, um era

vigilante e seu salário era de 640 reais, outro era moto boy, ganhando 1.000,00

reais, um era comerciante com uma renda de 9.000,00 reais e o outro era motorista

de caminhão, com um salário de 1.200,00 reais.

Tabela 11- Nível de escolarização, profissão, estado civil, filhos e rendo dos entrevistados sem

religião

Escolarização Profissão Estado Civil Filhos Renda

E. M. C Moto Boy União Estável Não R$ 1000

E. M. C Comerciante Solteiro 04 R$ 9000

79

E. F. I Vigilante Divorciado 02 R$ 640

E. M. C Motorista de

Caminhão

Divorciado 05 R$1200

Fonte: Entrevistados

4.1.2 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS DADOS

As informações obtidas com a realização das entrevistas serão, a seguir,

apresentadas e analisadas.

Quando indagamos Qual a religião da família? Foi possível perceber que

a maior parte dos entrevistados acompanha a religião familiar. Apenas dois dos

entrevistados evangélicos tem uma religião diferente da família. Um dos católicos

convive em uma família onde a prática religiosa é dividida entre o catolicismo e o

protestantismo. Já os sem religião definida são de famílias praticantes de alguma

religião.

Segundo Maia (2006) “a família se configura no espaço privilegiado de

transmissão das tradições e dos valores religiosos”. Pode-se notar a partir desse

item que existe uma relação entre opção religiosa e família, na medida em que a

maior parte dos entrevistados segue a religião familiar ou foi influenciado por alguém

muito próximo, no entanto não se pode considerar como fator determinante.

Tanto os católicos quanto os sem religião ao serem perguntados Se em

algum momento pensaram na conversão evangélica? Muitos se mantiveram firme na

religião a qual está. “Passei por momentos difíceis, busquei Deus, mas nunca pensei

na conversão”. Aqui notamos claramente que para esse sujeito não é o fato de ser

evangélico que as situações mais difíceis serão facilmente conduzidas ou trará o

“alivio espiritual que muitos desejam’”. Percebemos nesse ponto que a mudança de

religião para esse sujeito não está condicionada as situações conflituosas.

Na entrevista surgiu um indivíduo que não se converteu, mas demonstra

interesse. “Tenho vontade de dá um passo para Deus, mas ainda não me entreguei”.

Nessa fala percebemos a incerteza e a insegurança quanto a uma possível

mudança de religião, que talvez seja motivada pelas alterações que possa vir causar

na vida desse sujeito, tendo em vista que para seguir a religião evangélica se faz

necessário seguir algumas regras, para que possa ter a conduta religiosa orientada.

80

Por ser a prisão um ambiente onde os indivíduos estão todo tempo sendo vigiado,

tanto pelos agentes penitenciários, como pela direção do presídio ou até mesmo

pelos próprios internos, dessa forma, para muitos seguir esses padrões dentro da

prisão se torna mais difíceis. Outra hipótese também seria a falta de firmeza numa

tomada de decisão, que consequentemente trará mudanças de costumes e, não

estando o sujeito preparado para aceitar esses costumes, poderá não adaptar-se ao

processo de mudança, e provavelmente tenha medo de uma possível rejeição pela

massa carcerária.

Existem outros sujeitos que não têm pretensões em seguir nenhuma

religião, bem como aparecem aqueles que demonstram interesse na conversão

evangélica, mas não dentro da prisão. “Penso seguir a Deus. Não dentro da cadeia.

Porque a aprovação é grande”. Nesse ponto, na referida “aprovação” citada pelo

entrevistado, podemos reforçar o pensamento citado anteriormente vendo essa

assertiva por dois caminhos: dificuldade de cumprir as normas dos evangélicos ou

medo da rejeição por parte da massa carcerária, onde na falta de cumprimento da

primeira, poderá consequentemente atrair a segunda.

Quando interrogamos os evangélicos com Como se aproximou da religião

evangélica? Unimos com outra pergunta: Quais as razões que levaram a conversão

evangélica? Diante dos depoimentos pudemos constatar que a influência de

pessoas próximas foi um dos fatores primordiais. “Amigo que me chamava”. As

razões da conversão estão relacionadas com a dor, o sofrimento: “Tava no fundo do

poço, Jesus me resgatou”. “Quando não vem no amor, vem na dor”. Abandono

familiar: “Família tinha me abandonado”.

Na fala dos entrevistados sobre as razões da conversão estes creditavam

a questões não só de sofrimento, mas também a milagres, e chamado de Deus, e

por trás de todas essas questões podemos citar um suposto arrependimento, pelo

fato do sofrimento que o envolvimento no mundo de delitos gerou tanto para o

sujeito contraventor quanto para os que a ele estão/ estavam próximo. Nesse ponto,

parece que a conversão surge para o individuo como meio dele redimir-se diante

dos outros, ou seja, a conversão se apresenta como consequência de uma

necessidade.

Podemos aqui colocar assim como Weber (1991) apud Valéria (2007) que

a ação religiosa é racional “As ações religiosas ou magicamente exigidas devem ser

81

realizadas para que vás muito bem e vivas, muitos e muitos anos sobre a face da

Terra”. Considerando que a conversão pode ocorrer diante de uma situação de

conflito, levantamos aqui a hipótese dos interesses racionais dos sujeitos.

As falas citadas anteriormente, se adequam no que Durkheim (1858) traz

sobre a religião, onde para ele esta nasce da necessidade humana, e tem uma

representatividade coletiva. Percebemos claramente o indicio do interesse, pois na

visão desses entrevistados, muitos aderiram à conversão por motivos não apenas

religioso, mas para suprir alguma carência afetiva, social, material e dívidas de

drogas, para amenizar os dias no “purgatório” ou mesmo religiosos.

Em relação aos não evangélicos, ao serem perguntados sobre O que

acha que motiva um preso a conversão evangélica? Colocamos também a pergunta,

O que eles pensam em relação à conversão evangélica? E Como você veem os

presos evangélicos? Verificamos que a conversão evangélica em alguns casos foi

vista como sinônimo de refugio para o preso. “A dificuldade que tá passando, não

tem por quem apelar”. “Às vezes a gente passa por atribulações”. “A fé move a

vontade de sair do sofrimento”. Outro fator recorrente é o abandono “Família tá

abandonando”. Percebemos que esses depoimentos se assemelham as opiniões

dos evangélicos.

Em se tratando da opinião sobre a conversão evangélica, muitos

apresentaram em suas falas a desconfiança quanto à veracidade nessa conversão

de alguns internos. Entrando na questão da terceira pergunta citada acima, a

percepção que se tem do preso evangélico. Foi possível perceber questões ligadas

a uma visão de oportunismo “Em alguns existe muita falsidade, só para se livrarem

de dividas de drogas e ameaça de morte”. Os momentos de dificuldades vivenciados

pelos internos novamente se apresentaram para alguns entrevistados como um dos

fatores que podem influenciar a conversão, no entanto, ao se verem em melhores

condições abandonam a religião. “Quando saem, poucos permanecem, acho que se

sentem preenchidos. Até dentro da prisão quando melhoram esquecem a religião”.

Para alguns entrevistados a conversão se apresenta como um caminho

bom. “É bom, se for de coração, porque vai se livrar de muitas coisas seguindo a

bíblia”. É vista também como um meio para que o preso deixe as drogas e a vida do

crime. “Evangélico evita drogas, bebida, fumar, brigas”. Encontramos nesse ponto,

82

visões diferenciadas: idealização da conversão, estratégia de sobrevivência e a

outra seria a farsa.

No decorrer das entrevistas visualizou-se na fala dos sujeitos

entrevistados a relação da conversão evangélica com o abandono do uso de

substâncias entorpecentes. Nesse ponto a religião acaba desenvolvendo uma “ação

terapêutica” e, acaba tomando para si um papel que é de responsabilidade do órgão

executor da pena, o Estado. De outro modo talvez se tenha aqui a comprovação

verdadeira da conversão demonstrada através do abandono das drogas por parte do

dependente.

Muitos presos evangélicos são visto de forma dúbia, são classificados

como irmão “Caô”, ou seja, esta de “enrolação” ou como aquele que se “Esconde

atrás da bíblia ou da palavra”. “Muitos aprontam, não podem ficar em outras

vivências, aí finge que é irmão”. Outros buscam a religião com o objetivo de obter

benefícios: “Para ter regalias buscam a bíblia”. O fator desconfiança se mostra

repetidas vezes no decorrer das entrevistas, no entanto existem aqueles que

demonstram sinceridade em sua conversão: “Muitos são sinceros, querem retomar a

família”.

Nesse trecho da entrevista, é recorrente as caracterizações de

oportunismo, dificuldade, sofrimento, e refugio como um dos fatores para conversão

a religião evangélica. Ou seja, essa conversão aqui se apresentou como uma

tomada de decisão após o surgimento de situações conflituosas, que na maioria das

vezes são divida de drogas, ameaça de morte ou outras questões que colocam em

jogo a vida do indivíduo. Percebe-se que a conversão funciona como uma “saída” ou

forma de amenizar os dias vividos, em um local onde as relações se apresentam de

forma fragilizada ou mesmo rompidos com o meio externo e, na maioria das vezes

com o próprio meio interno.

O fato de um sujeito recluso se converter a religião evangélica pode

despertar nele ainda que de forma inicial, o sentimento de aconchego e de uma

possível construção de laços familiares, porque muitos desses indivíduos já não têm

mais vínculos com seus familiares, e nesse ambiente religioso existe uma suposta

caracterização de ambiente familiar, tratam uns aos outros como “irmão” e se

ajudam quando possível.

83

Quanto às questões de desconfianças que existe sobre os evangélicos na

prisão, podemos relacionar ao fato da conversão está na maioria das vezes ligada a

situações de tensão/conflitos. Ao analisarmos essas falas, desvelamos que essa

desconfiança esta fortemente ligada a uma suposta inexistência de sinceridade

quanto à conversão evangélica.

Nesse ambiente prisional, o sujeito muitas vezes torna-se vigia de si

mesmo. Para provar que sua figura de sujeito evangélico é verídica, ele precisa esta

a todo tempo mostrando um comportamento que não esteja contra ao que a

população não só religiosa, mas também a massa carcerária acredita ser o correto

para um sujeito “irmão”.

Assim percebemos que no momento que o sujeito assume a identidade

de evangélico, ele tem que mostrar tanto para os “irmãos” quanto para a massa

carcerária essa imagem a todo instante. Entende- se que isso ocorre porque a

prisão é caracterizada como um ambiente que impossibilita que o sujeito desenvolva

diferentes papeis, processo esse caracterizado por Goffman ( 2008) como o

“despojamento do papel”. Isto significa dizer que ocorre nas prisões, diferentemente

do que acontece na sociedade mais ampla, onde os indivíduos podem desenvolver

vários papeis, ou seja, “um papel que desempenhe não impede sua realização e

ligação em outros”, nesse ambiente os sujeitos convivem com as mesmas pessoas,

estão sob a mesma vigilância e ainda existe uma ruptura com os papeis

anteriormente desenvolvidos.

Na prisão a vida e as relações sociais são marcadas pela fragilização e

precariedade, desse modo podemos considerar que as formas de sociabilidade

desenvolvida nesse ambiente estão constantemente envolvidas com uma ruptura de

sentido por parte dos sujeitos, ou seja, estes indivíduos estão a todo tempo

confiando e desconfiando das relações/ ações desenvolvidas nesse ambiente de

tensão.

O jargão “Esconder atrás da bíblia ou da palavra” nos trás em mente que

esses sujeitos buscam construir papeis não condizentes com o seu eu, mas sim com

o que parece ser mais aceito e bem visto, a fim de ocultar a partir da “nova imagem

construída” ações que eram vistas como desviantes.

Na prisão os sujeitos convivem por um período normalmente longo com

as mesmas pessoas, nessa convivência estes perdem sua individualidade, em

84

decorrência desse fato, as ações desses indivíduos são visualizadas pela massa

carcerária, ocorre dai que muitos desses transparecem atitudes não condizentes

com o “papel” que buscam mostrar. Por isso existe uma desconfiança constante

pairando sobre os presos evangélicos, e sobre essa questão foi colocado por alguns

entrevistados que dá para perceber no decorrer do dia a dia aquele preso que

realmente está convertido ou não, ou seja, o indivíduo não consegue carregar

consigo durante muito tempo uma imagem que de fato não condiz com o seu sujeito.

Aos presos evangélicos quando indagados: “Você vê importância em ser

evangélico dentro da prisão”? Percebe-se a clareza com que esses entrevistados

responderam, em sua maioria associando ao refugio. “Se não existisse evangélicos

só existia morte. Tem ruas que não aceitam determinados grupos, mas os irmãos

vão aceitar. A rua dos irmãos é um refugio!”.

Para outros a religião traz fortalecimento para aguentar os dias reclusos.

“Traz esperança de vida!”. “Muitos quando tem condenação grande se entregam ao

sistema. Com a religião isso não acontece. O sistema oprime as pessoas deixam

revoltadas se não procurar Deus.” Nas palavras de alguns ela representa mudança.

“Deus mudou minha vida! Vim perceber que esse mundo não oferece nada!”. A

recuperação do preso em relação às drogas através da religião evangélica é

também um dos pontos que fora atribuído a esta. “Traz paz. Porque traz

recuperação. Porque não existem drogas”.

Como já foi anteriormente mencionado foi notória também a negatividade

que alguns proferem, onde para muitos a hipocrisia se mantém em destaque.

“Andam com a bíblia só para dizer. Só para direção de o presídio ver. Deixam a

bíblia e vão fumar e usar drogas”.

Destarte, nos parece que a conversão surge como um meio onde o

indivíduo rompe com o mundo do crime, e a partir de então passa a buscar novos

significados para sua vida. Outro ora surge novamente à hipótese de uma conversão

não verdadeira, onde parece que alguns sujeitos apenas tem o interesse em passar

uma boa imagem, talvez na busca de elevar seu status social e se redefinir diante

dos outros, para que não seja mais visto como um sujeito marginalizado e sim como

alguém que se transformou.

Para aqueles não evangélicos ao serem questionados. Você vê

importância em ser evangélico dentro da prisão? Todos atribuíram importância “Traz

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união, amor e carinho com o próximo”. Associaram a melhora de questões interiores

do individuo e projeções a vida futura. “Eleva a autoestima!”. “Traz palavra de

conforto”. “Traz dignidade. Quando ele é verdadeiro é respeitado. Tem visão

diferente, tem planos de futuro”.

Aqui a religião evangélica é tida como o reordenador da vida do sujeito,

pois por meio dela, esse consegue delinear traços para o futuro após sua saída da

prisão.

Referente à pergunta Como é a relação com os presos não evangélicos?

O que você pensa sobre eles? Identificou-se que na sua maioria existe uma boa

relação. “É de respeito, dão atenção à palavra!”. Contudo existem alguns que tentam

discutir religião, e acaba gerando atrito.

Notou-se ainda nas entrevistas a presença da exclusão/separação

dificultando em alguns casos a relação com os não evangélicos. “Às vezes os

evangélicos ficam querendo excluir. Evangélicos não se misturam com ímpios”.

“Agora que estão presos querem ser santo!”.

Nesse ponto percebe-se uma divisão da visão religiosa desses sujeitos

acerca do mundo. Esse fato remete ao que Durkheim (1858) coloca sobre o

fenômeno religioso, onde ele faz uma divisão em duas partes: sagrado e profano e

segundo o autor essas partes traz uma separação, onde para o indivíduo pertencer

a um ele precisa ter saído do outro.

Quando os presos não evangélicos respondem. Como é a relação com os

presos evangélicos? O que você pensa sobre eles? Eles se resumem basicamente a

“Boa!” ou “Normal!”. No entanto, nessa segunda questão apesar de aparecer o

respeito como uma das denominações mais corriqueira entre os entrevistados surge

novamente à desconfiança “Respeitamos, mas com pé atrás, porque tem falsidade”.

Quando se pergunta aos evangélicos. Como imagina que é visto pelos

presos não evangélicos? A visão negativa se apresenta recorrente “Olhar de

maldade, porque estamos servindo á Deus!”. “A gente é visto como cabuetas33,

dizem que estamos fazendo a linha da direção da Unidade prisional”. No entanto,

33

Palavra muito utilizada entre os internos para classificar aquele preso que é informante de fofocas.

Classificados ainda como pessoa dedo- duro ou puxa- saco.

86

em um dos discursos surge uma visão positiva, onde para ele os não evangélicos os

veem como: “Guerreiros porque não se entregam ao sistema!”.

Nesse ponto se pode dizer que existe na fala do evangélico um “ar” de

superioridade e ao mesmo tempo de desconfiança. Onde assim nota-se notamos

que as desconfianças não pairam apenas sobre os evangélicos, mas também de

forma contraria. Isso nos leva a crer que a vigilância numa instituição como a prisão

se dá por todos os lados e de todas as formas, tanto do próprio sujeito para com ele

mesmo, como dele para com os outros.

Já não evangélicos ao indagarmos. Como imagina que é visto pelos

presos evangélicos? Essa pergunta nos trouxe como resposta constante o

sentimento de misericórdia, no entanto, não deixou de aparecer mais uma vez à

desconfiança quanto aos presos evangélicos. “Quando realmente é evangélico, de

misericórdia e amor. Tentam resgatar”.

Ao serem questionados: Como é a relação dos presos evangélicos entre

si? Como é o dia a dia? Evidenciou- se que a maioria trouxe apenas as questões do

dia a dia, onde notamos os momentos de orações mais presentes. “A gente passa

um pouco da realidade da vida e a palavra de Deus”. “É falar do amor de Deus, da

família”.

Percebe-se que os sujeitos buscam em momentos de reunião com os

“irmãos” fazerem a retrospectiva de suas vidas para, a partir do discurso evangélico

possam dar novos sentidos tanto ao passado quanto ao futuro.

No questionamento: Você consegue imaginar como é a relação dos

presos evangélicos entre si? No que difere da relação entre os presos não

evangélicos? Verificamos que as respostas permeiam questões diferentes: harmonia

“Os que realmente são evangélicos é harmônica, são alegres E desconfiança entre

os próprios membros da religião. “Eles vivem bem, mas eles são curiosos, vivem

observando cada um”.

Para esses entrevistados, os presos evangélicos ocupam o tempo com

leituras da bíblia e orações, “Eles vão buscar a bíblia, se alimentam mais e mais”.

Enquanto o não evangélico não tem muito com que preencher o tempo. “ Preso não

evangélico não se ocupa muito!”.

Na indagação: Porque existem evangélicos que solicitam ficar em uma

vivência com presos da mesma religião? Existem vantagens? Verificamos que as

87

opiniões percorrem interesses diferentes entre eles esse local se apresenta como

refugio “Existe muitas coisas que não pode drogas e armas”. Fortalecimento da

religião. “O beneficio é a paz, a palavra de Deus. Não somos incomodados!”.

Para os entrevistados a separação dos evangélicos com a massa

carcerária apresenta- se como uma das condições para permanência de alguns

conversos nessa religião, pois tendo um espaço só para eles, o número de

atividades religiosas é maior e podem impor normas e regras de conduta da religião.

Esses sujeitos colocaram que quanto mais se dispuserem as práticas religiosas, mas

livres estão das influencias maléficas do sistema prisional.

É importante destacar que para alguns entrevistados essa separação de

vivência traz benefícios para a direção da Unidade funcionando como uma “aliada”

“É melhor, a direção não vai ter trabalho, não tem brigas”.

Para um entrevistado, percebemos em sua fala a presença da dominação

e controle “Porque vamos ter um controle na vivência. Colocamos nossas regras”.

Para não evangélicos em relação à indagação: O que pensa em relação

ao fato de alguns presos evangélicos solicitarem ir para uma vivência só de

evangélicos? Sabe se existe alguma vantagem? Nas respostas obtivemos opiniões

diferentes. Alguns veem essa ação como normal, porque os que estão buscando a

religião tentam deixar o crime e as drogas e pra isso precisam desse isolamento do

restante da massa carcerária. “Porque em outro lugar ele não consegue se

recuperar. Na vivência evangélica não tem drogas”. Mais uma vez, surge a questão

do refugio “Só assim o que quer seguir não tem tentação!”.

Para alguns entrevistados a divisão das vivências traz mais benefícios

para a direção da Unidade, mostrando-se mais uma vez como aliada. Segundo os

entrevistados, quando existe em uma Unidade uma vivência só para evangélicos,

ela é sempre bem vista pela direção do Presídio. As formas de tratamento com os

sujeitos que lá estão são diferenciadas “As vistorias são diferentes”. A vivência

passa a ser vista como exemplo. É um local sempre visitado, as vistorias se dão de

forma diferente das outras vivências. “É sempre uma vivência visitada. Autoridades

entram”.

Houve também entrevistados que se mostraram contrários a existência de

vivências evangélicas. “Não acho certo! Quem é fiel a Deus e quer colocar no

caminho certo tem que ficar entre os incrédulos para resgatar as ovelhas”.

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Na pergunta, Como se dá a relação dos presos evangélicos com a

direção da Unidade prisional? Nas respostas foi recorrente a forma de tratamento

diferenciado. “Eles olham diferentes! Normalmente os primeiros benefícios vão para

essa rua. Porque não tiram tranca34, tem bom comportamento”.

Para um entrevistado essa relação de proximidade e trocas de benefícios

não é característica de toda direção Penitenciária, às vezes quando a direção tem

uma religião contraria a evangélica ela “pega no pé”. Mas na maioria dos casos os

evangélicos tem um tratamento diferenciado “O evangélico é mais confiável, muitos

entram na rua dos evangélicos sem escolta”.

Já para os não evangélicos, Como se dá a relação dos presos não

evangélicos com a direção? Foi constante nos depoimentos dos entrevistados

responderem a pergunta nos trazendo à relação da direção da Unidade com os

evangélicos. “Quando é evangélico mesmo, a direção pode ser mais flexível e

maleável, porque são menos propensos a atos ilícitos”. Outra questão colocada foi

à facilidade de acesso a alguns serviços “Facilidade para falar com os profissionais,

a direção facilita algumas questões materiais”.

Um dos entrevistados nos colocou que “Os que não são evangélicos dão

muito trabalho”. Para este a religião evangélica se mostra como uma aliada da

direção da Unidade para ajudar na ressocialização dos sujeitos reclusos.

Destarte, na fala desse sujeito se apresenta a ligação da ressocialização

com as questões boa conduta, ou seja, como a religião impõe regras e normas a

serem seguidas, e o indivíduo aprendendo a lidar com isso, ele poderá levar essas

questões para a vida pós prisão e consequentemente se adaptará mais facilmente

as regras impostas pela sociedade.

Sobre o questionamento: Você vê contribuição da religião evangélica no

processo de reinserção a sociedade? Para não evangélicos, a resposta se

apresentou como importante, associaram a religião a influência de possíveis

mudanças dos valores internos por parte desses sujeitos. “Sim. Em termo de

formação, mudança de caráter”.

34

Não tiram trança quer dizer que o preso não vai para o isolamento, ou seja, não ficam de castigo.

89

Para os evangélicos estes trouxeram a religião como importante

“Contribui para a reinserção demais. Muitos saem da droga, família passa a visitá-

los”. As respostas também perpassaram pela questão da influência na mudança de

valores “É boa! Porque muitos quando se convertem vão mudar o ser. Deixa o

pensamento mal, pensa coisas boas e vive para a família”.

Nas falas foi recorrente a questão da transformação do indivíduo através

da religião, e consequentemente associaram que essa transformação do sujeito

poderá contribuir para a reinserção social. Através desta o preso passa a adequar-

se as normas impostas e projetam planos para a vida.

Ao perguntarmos aos não evangélicos. Você vê a religião evangélica

como positiva ou negativa? Por quê? As respostas percorreram a positividade,

associando a esperança de vida. “Positiva! Ela faz acreditar que vai ter a melhora,

que vai conseguir”.

Quanto ao questionamento: O protestantismo tem mudado sua vida? As

respostas nos trouxeram questões de esperança e restabelecimento de laços

familiares. “Tem me dado paz, força. Quando acho que não tenho mais força, eu

encontro”. “Família, olhar de esperança!”.

Outra vez se faz presente à mudança de valores e comportamento.

“Mudou tudo, era do mundo!”. “Tinha muita maldade no coração, hoje não consigo

mais ter”. Apresentam ainda como livramento da morte “Se não fosse evangélico já

teria morrido, era muito ignorante e grosseiro!”.

A religião aqui se apresentou como um elemento que ajuda o indivíduo

viver nesse ambiente cheio de tensões e conflitos, fazendo com que ele se sinta

mais forte diante as situações difíceis que lhes são apresentadas.

Quando indagamos. Em algum momento pensou na conversão

evangélica? O que motivou? Os entrevistados se mostraram bem seguros em suas

respostas, alguns afirmaram que não. Outros por questões diversas em algum

momento já pensaram na conversão “Certa vez sim, alguns acontecimentos da

Igreja Católica e por influência de amigo”.

Sobre O que é ser evangélico? Alguns relacionaram a salvação pós-

morte. “ É coisa boa! Quando morrer vai para o céu, não vai ficar vagando”. O

prestigio também se fez presente entre as resposta “É respeitado aonde chega!”.

90

Percebeu-se aqui através da colocação de Bourdieu (2001) onde ele diz

que a religião não tem apenas função religiosa, mas também social, com isso

podemos ver claramente o enaltecimento do status social quando o entrevistado

coloca que são respeitados.

Para alguns dos entrevistados, a definição se relacionou as questões

bíblicas “É guardar os mandamentos de Jesus Cristo”. “É ser seguidor de Cristo,

fazer o que tá na bíblia”.

Em relação à pergunta: Quando preso anteriormente em algum momento

pensou na conversão evangélica? O que motivou? Dentre os entrevistados, os que

já foram presos mais de uma vez colocaram “Na prisão não. Na rua já” outro se

colocou de forma incisiva “Em momento nenhum”.

Quando se perguntou aos evangélicos: Quando preso anteriormente qual

sua religião? Ao sair permaneceu nela? As respostas permearam caminhos

diferentes. Um dos entrevistados permaneceu na religião evangélica, frequentava a

igreja, mas continuava fazendo coisas erradas, outro colocou que, “Sempre

evangélico”, teve ainda, um que expos que “A hipocrisia me enfraqueceu” e o último

relacionou o afastamento da religião a conflitos familiares “Passou por tribulações,

fui para o mundo”.

No que concerne a seguinte pergunta: Em relação à descontinuidade/

interrupção da conversão evangélica na prisão é comum? Já ocorreu com você?

Quantas vezes? Em que situação? Para os entrevistados essa questão se apresenta

em alguns momentos, principalmente quando surgem as situações de dificuldades,

no entanto, para muitos só se concretiza quando não é praticante. “Se tiver fé,

continuará na religião”.

Aqui o afastamento/ descontinuidade a religião se volta aos mesmos

motivos pelos quais muitos dos sujeitos atribuíram a conversão, ou seja, as

questões de conflitos.

Na indagação: Como é a aceitação de um preso evangélico ao deixar a

vivência dos ‘irmãos? e voltar para uma vivência “normal”? Como ele é visto? As

respostas percorreram na sua maioria o caminho da desconfiança. Alguns entendem

que de fato aquele preso não conseguiu seguir as doutrinas da vivência evangélica.

Em alguns casos ele fica visto como o “irmão caô”, principalmente se for um preso

91

que foi para a religião apenas por questões de dividas de drogas. Esse não

consegue ser aceito novamente “vai ficar vagando”.

92

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando se analisa os estudos de Foucault (2010) se pode perceber que

no final do século XVII e XVIII, os suplícios deixaram de existir na Europa, e as

novas formas de punição passaram ser a prisão, o banimento, os trabalhos forçados

e outros. Nesse período estava se instaurando na Europa o processo de

industrialização. Assim surge na época a ideia de ressocializar o sujeito criminoso,

contudo perceber- se que existia por trás desse objetivo, outro interesse, a utilização

da mão de obra do indivíduo para a contribuição da expansão do capitalismo.

É possível perceber, através de tudo que foi estudado para a construção

desse trabalho, que as prisões desde seu surgimento pode ser caracterizada como

um local que tem como sentido principal a exclusão.

Durante um longo tempo tomou espaço as lutas em relação ao sentido e

as práticas das prisões com isso às questões que dizem respeito às formas de

tratamento com os presos passaram a ser denunciadas e até mesmo revistas. A

partir dai surge novos objetivos para a prisão; corrigir, regenerar ou ressocializar o

sujeito.

Por volta do século XVIII, surgem nos Estados Unidos dois modelos de

prisões o da Pensilvânia e Auburn passando a serem os modelos para as prisões da

época. Ao primeiro sistema prisional fica a característica do isolamento dos

indivíduos, resaltamos que neste já existia a presença da prática religiosa, mas

como imposição aos sujeitos. Acreditavam ser a religião um pilar para a educação, e

que a leitura da bíblia poderia despertar no indivíduo uma reflexão. Já no segundo

sistema o trabalho e a vigilância constante aos reclusos eram tidos como o meio

regenerador. Como o trabalho aqui era visto como a principal função pode-se dizer

que além de qualquer forma de “recuperação” do sujeito esse sistema também era

uma forma de exploração econômica da mão de obra dos presos.

No Brasil a instituição prisão não surgiu de forma diferente do contexto

mais amplo. A história da prisão no país esta inserida no contexto de formação

social, onde se tinha um caráter autoritário e excludente, pois mesmo com a

independência do país, ainda existiu por certo período a monarquia e a escravidão.

Fazendo assim com que maior parte dos sujeitos reclusos fosse os pobres, negros,

analfabetos, sem tetos, sem emprego. Buscava-se naquela época fazer uma

93

“limpeza social”, ou seja, tirar da vista da sociedade aqueles de classe social inferior

à burguesia.

Chegando ao Ceará, o cenário é o mesmo compartilhado por outros

estados. A capital cearense durante um período teve uma imagem negativa,

passando a ser conhecida pela criminalidade que expandia desde o interior do

Estado. Diante desse fato foi necessária a construção de uma Cadeia Pública na

Capital cearense. Não diferente de outras realidades os investimentos nessa área

era escasso, surgindo a partir daí uma série de problemas; superlotação, má

condição de higiene, infestação de doenças, falta de segurança e outros.

As temáticas relativas à prisão são na maioria das vezes explosivas e

tensas. Cresce de forma disparada o número de reclusos, onde de um lado

podemos dizer que temos como maior causa é o “surto” disparado da violência. Por

outro lado se tem um Sistema de Políticas Públicas prematuro para o contexto social

e econômico ao qual vivemos. Sabe-se que grande parcela da massa carcerária

quando adolescentes já cometeram delitos, alguns passaram por Centros

Educacionais, e mesmo diante da realidade de uma instituição fechada, muitos

destes voltam a reincidir, chegando na maioria das vezes à maioridade a ingressar

no Sistema Prisional.

Atualmente as prisões apresentam no seu interior uma sequência de

conflitos violentos, e podemos colocar aqui que esses conflitos têm raízes desde as

décadas passadas, onde desde então esses ambientes foram caracterizados pelas

más condições na estrutura física, falta de condições de higiene, maus tratos físicos

e psicológicos, ineficácia/ inexistência dos serviços de saúde, assistência jurídica e

social e a presença da corrupção dentre outros. Situações essas que desencadeia a

revolta nos sujeitos reclusos, onde muitas vezes podemos ver como consequência

as rebeliões, ou em outros casos, esses indivíduos buscam estratégias de

sobrevivência aliando-se a grupos que consideram influentes dentro do sistema

prisional, ou até mesmo em decorrência das relações serem movidas por tensões e

conflitos, muitos reativam vínculos antes perdidos, com o objetivo de amenizar os

momentos de reclusão.

A PFHVA é uma Unidade Prisional relativamente nova no Estado do

Ceará, mesmo diante desse fato, já passou por alguns processos de mudança na

sua direção, onde se percebe que houve uma quebra na construção de benfeitorias

94

no intuito de garantir os direitos dos sujeitos reclusos, pois cada gestão tem planos e

projetos diferenciados, o que impede o andamento de ações que estavam em

processo de desenvolvimento. Atualmente a PFHVA tem firmado e buscado

parcerias com algumas empresas que já desenvolvem projetos dentro das unidades

prisionais.

No quesito escolar, mesmo que por motivos estruturais e do corpo que

compõe o ambiente escolar, essa Unidade tem desrespeitado a LEP, tendo em vista

que a escola não se encontra em funcionamento. Quanto à assistência social,

jurídica e de saúde, a instituição vem buscado desenvolver um bom trabalho,

mesmo com um número de profissionais pequeno para o total da população

carcerária desta Unidade.

A maior parte dos trabalhos que tratam a temática prisional é realizada

pelo âmbito jurídico, sob a perspectiva de analisar o cumprimento ou não da

legislação. Esse trabalho se constitui de forma diferente, onde se analisou os fatos a

partir do discurso sociológico, não estando aqui para dizer se o fenômeno é certo ou

errado, mas sim como ele tem repercutido na vida do sujeito recluso.

Em relação ao ponto principal desse estudo, a religião evangélica, houve

através da fala dos sujeitos entrevistados uma queixa recorrente, a falta de apoio e

de um local adequado para as práticas evangélicas dentro da Unidade. A partir

daqui percebemos que nesse momento a direção dessa Unidade não vê a religião

como funcional dentro da prisão. Nessa realidade estudada desmistificou-se o que

muito se fala em relação aos evangélicos reclusos que eles são aliados da

administração da Unidade.

Outro ponto que podemos destacar aqui é o fato do fortalecimento

evangélico que esta diretamente ligada à direção da Unidade, pois se não houver

incentivo e apoio aos evangélicos, muito provavelmente esses fieis retomarão a vida

incrédula, pois muitos colocam que o isolamento em relação aos não crentes

funciona como um dos fatores necessários para manter a religião.

A conversão evangélica para muitos dos entrevistados se apresentou

como um elemento de transformação moralizador, adequado para a recuperação do

preso. Porque em alguns casos desperta no sujeito plano de futuro, mudanças de

valores e reativa vínculos familiares. Os indivíduos passam a ter uma postura

diferenciada, são menos agressivos e de melhor dialogo.

95

Para outro grupo de entrevistados, a conversão se apresentou como

oportunismo. Mesmo nesta Unidade não dispondo de uma vivência evangélica,

muitos trouxeram experiências anteriores. E para estes muitos dos que se

convertiam tinham apenas o interesse em obter benefícios matérias. Outrora surgiu

nos discursos outro motivo, o da representação simbólica, onde o individuo busca

adequar-se as normas, construir nova imagem de si, para dispor de uma prestigio

social mais valorizado diante da massa carcerária e, é sobre essa questão que paira

as desconfianças em relação aos evangélicos.

Portanto é justamente em meio a essa assertiva que é construída a

imagem do preso evangélico em uma unidade prisional, sob o olhar da desconfiança

e do descrédito. Onde as ações são a todo tempo observadas tanto pelos crentes

quanto pelos não crentes estando sempre a mercê de criticas.

Destarte, entendemos que se torna difícil analisar a função da religião em

uma Unidade onde as relações são envolvidas de tensão e conflitos, e qualquer

ação é vista com desconfiança ou descrédito. Não muito diferente da sociedade

mais ampla, na prisão as regras e normas também são estabelecidas por grupos, e

sua manutenção se dá pelas relações sociais daí estabelecidas. Com isso

percebemos que em se tratando de indivíduos evangélicos, onde a desconfiança

paira constantemente sobre esses sujeitos, essa manutenção precisa se dá

diariamente através das ações.

Destacamos também que em alguns momentos a conversão evangélica

dentro da prisão funciona como um elemento integrante das relações sociais com a

sociedade mais ampla, pois em alguns momentos, principalmente para os internos

que não tem visitas, a integração grupo religioso externo é a única forma de ter

contato com o “mundo por trás dos murros”.

Assim sendo independente das razões individuais da conversão

evangélica, é fato notório o descrédito para com esses sujeitos. Dessa forma,

conclui-se que ao sujeito definir-se diante da população carcerária o seu papel de

evangélico ele ocupará uma posição que sobre o mesmo recai uma série de normas

e regras a serem seguidas, e o papel de evangélico vai ser posto em prova todo

tempo, onde o converto vai buscar a todo instante no decorrer de suas ações

reafirmarem esse papel de crente.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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http://www.webartigos.com

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