Pro Capítulo Da Tese_ATD
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ESTRATÉGIAS DISCURSIVAS DE ENVOLVIMENTO ENUNCIATIVO NA
ESCRITA ACADÊMICA: ANÁLISE DE TRABALHOS DA PRÁTICA COMO
COMPONENTE CURRICULAR
Introdução
Este trabalho é parte da pesquisa empreendida no curso de doutorado do
Programa de Pós Graduação em Estudos da Linguagem, da UFRN, sob a orientação da
professora doutora Maria das Graças Rodrigues. Nosso objetivo geral é identificar como
se dá o gerenciamento de vozes no interior de textos produzidos por alunos de
graduação, delineando os aspectos do mediativo na escrita acadêmica, mais
especificamente nos trabalhos da Prática como Componente Curricular de diversas
disciplinas do curso de Licenciatura em Letras.
Neste trabalho, em específico, procuro rastrear nos textos selecionados, apenas
uma amostra do corpus, quais marcas linguísticas apontam para a assunção da
responsabilidade enunciativa (RE) na escrita acadêmica, concluindo que algumas
categorias de análise podem ser propostas como estratégias discursivas para o
engajamento enunciativo, dentre elas a o julgamento (ou apreciação), o uso do
imperativo (bem como outras formas deônticas), o uso do futuro do presente e locuções
verbais com valor de futuro, o uso de dêiticos (como os pronomes de 1ª pessoa), e, por
fim, a adjetivação, considerada neste trabalho como o recurso mais produtivo para a
análise, sendo o mais representativo dentre as estratégias de engajamento.
A pesquisa se situa no campo da Linguística onde se imbricam pressupostos da
Linguística Textual (LT), da Análise Textual dos Discursos (ATD) e dos estudos sobre
gêneros. Na análise dos textos, o fio condutor a guiar as reflexões propostas são os
conceitos e categorias formuladas no quadro teórico da ATD, especialmente os
conceitos relativos à responsabilidade enunciativa (RE), dentre os quais se destacam as
noções de mediativo, enunciação mediatizada, e PdV. Iniciamos este trabalho, então,
tratando de discutir tais conceitos para no tópico seguinte apresentar as escolhas
metodológicas e a análise de uma pequena amostra dos dados coletados, apresentando
também as categorias de análise da RE.
1. A Análise Textual dos Discursos (ATD)
Este tópico se ocupa da apresentação da Análise Textual dos Discursos (ATD),
proposta por Adam (2011) e situada num campo mais amplo da Linguística Textual. A
abordagem teórico-metodológica, proposta na ATD, se configura como uma resposta às
demandas impostas na análise de textos, alicerçada num conjunto de reflexões teóricas e
epistemológicas que permitem estabelecê-la no campo da Linguística de Texto, por sua
vez, inscrita, nas reflexões deste autor, no campo mais vasto das análises das práticas
discursivas (Adam, 2011, p.24).
Feitas essas poucas considerações iniciais, apresentaremos, na sequência,
algumas das principais noções da ATD, primeiramente seu modelo textual-discursivo,
compreendido em níveis, depois uma breve descrição dos níveis que compõem a
dimensão textual neste modelo, e por fim, uma descrição um pouco mais detalhada do
nível específico que nos importa neste trabalho: a Responsabilidade Enunciativa.
1.1 O modelo textual da ATD (os níveis dos discursos)
Uma das principais contribuições de Adam (2011) é, sem sombra de dúvida, a
proposta de articulação entre texto, discurso e gênero, base para a redefinição dos
campos de domínio da Linguistica Textual e da Análise do Discurso.
O autor concebe as três dimensões, a saber, texto, discurso e gênero,
interrelacionados em imbricados em níveis, como se pode visualizar no esquema
(Adam, 2011, p.61) transcrito abaixo:
Nesta representação, o discurso é compreendido como uma instância mais
ampla onde se encerram gêneros e textos. Tal representação se configura,
evidentemente, como uma abstração, que deveria ser compreendida não num plano
bidimensional, mas num plano tridimensional; do modo possível de se representar,
parece que se trata de encaixamentos, quando, na verdade, não é desta maneira que o
autor concebe. Adam concebe essas dimensões numa relação dinâmica e articulada. No
nível do discurso compreendem-se a intencionalidade, objetivos de comunicação
linguisticamente expressos pelos atos ilocucionários, realiza-se numa determinada
formação sociodiscursiva, cujo socioleto é partilhado pelos membros da mesma
comunidade discursiva1, e mediada pelos gêneros, ou como sintetizado pelo autor:
“Toda a ação de linguagem inscreve-se, como se vê, em um dado setor social, que deve
ser pensado como uma formação sociodiscursiva, ou seja, como um lugar social
associado a uma língua (socioleto) e aos gêneros de discurso.” (Adam, 2011, p.63).
Nesta perspectiva o texto se constrói a partir de um conjunto de unidades
típicas básicas heterogeneamente agrupadas de modo a formar os gêneros, elemento
articulador das dimensões textuais e discursivas. A proposta da ATD concebe o texto
formado por proposições (unidade mínima de análise, produto de um ato de enunciação,
cf. Adam, 2011, p.108), que, no conjunto, se organizam a partir de um processo sócio-
histórico de fixação, e formadas por duas dimensões: i) uma dimensão diz respeito à
configuração, e ii) a outra dimensão se relaciona à noção de sequência. O aspecto
configuracional implica em alguns pressupostos semântico-pragmáticos que funcionam
no espaço de uma dada sequência textual, forçosamente configurando-a. Por outro lado,
a dimensão sequencial diz respeito ao modo pelo qual o texto se organiza em sequências
de proposições típicas.
Na dimensão sequencial, a sequência textual se configura como um grupo de
sequências textuais que assumem características típicas e de acordo com um esquema
específico de uma dada sequência. Tal configuração permite o reconhecimento dessas
sequencias em vários gêneros de discurso. Adam toma essa configuração como ponto de
1 Considero bastante conveniente, aqui, o conceito de comunidade discursiva postulado por Swales (1990, p.9) para quem a noção de comunidade discursiva diz respeito aos usos da língua e dos gêneros em contexto profissional, de modo que os membros de uma dada comunidade compartilham um maior conhecimento de suas convenções : [comunidades discursivas são]redes sócio-retóricas que se formam de modo a trabalhar por um conjunto de objetivos comuns. Uma das características que os membros estabelecidos dessas comunidades discursivas possuem é a familiaridade com os gêneros específicos que são usados na busca comunicativa destes conjuntos de objetivos (Swales, 1990, p.9).
partida para a orientação de seu quadro conceitual, classificando as sequências em cinco
tipos: a narrativa, a descritiva, a argumentativa, a explicativa e a dialogal.
1.1.1 As sequências textuais
Adam (1987) compreende que os mecanismos de textualização são bem mais
complexos do que a mera identificação dos elementos textuais prototípicos, embora
estes sejam justamente o ponto de partida para sua discussão, conforme discutido
anteriormente. Trata-se de macroproposições dependentes de combinações pré-
formatadas de proposições, tais combinações são definidas como sequências
prototípicas a partir de propriedades inerentes à categoria do texto, conforme se observa
a seguir:
a) Sequências Narrativas: compostas por duas grandes características, que se
desdobram, a saber, os eventos e ações. Os eventos se desdobram nas
noções de causa (sob cujo efeito acontecem os eventos) e agente (cuja
intervenção não é intencional). As ações se caracterizam pela presença de
um agente, cuja ação é provocar ou evitar uma mudança. Tais elementos se
organizam numa estrutura hierárquica, conforme se verá no esquema
abaixo. Nessa esquematização, o autor apresenta, em pontilhado, as
macroproposições responsáveis pela inserção das sequencias num texto,
enquanto as outras cinco macroproposições narrativas (Pn) são enumeradas
de acordo com sua ordem linear e cronológica própria.
Neste esquema, Pn1 e Pn5 constituem o limite do processo, enquanto que
Pn2, Pn3 e Pn4 constituem o núcleo do processo.
O autor argumenta ainda que tal linearidade é ilusória e dissimula uma
ordem hierárquica mais profunda e representada em níveis no esquema
seguinte:
b) Sequência Descritiva: Ao contrário da narração, não apresenta uma ordem
muito fixa, é a menos estruturada, não apresenta organização das
proposições enunciadas em macroproposições hierarquizadas, formando,
assim, mais ciclos de períodos de que de sequências, propriamente dita.
Adam (2011) apresenta um repertório de operações que geram as
sequências descritivas, agrupando-as em quatro macrooperações, que por
sua vez, englobam nove operações descritivas capazes de gerar de gerar
vários tipos de operações descritivas de base. As macrooperações são: i) a
tematização (que engloba a pré-tematização, a pós-tematização e a
retematização), ii) a aspectualização, que engloba a fragmentação e a
qualificação, iii) relação, que engloba as relações de contiguidade e de
analogia, e, por fim, a operação de expansão por subtematização, que
consiste numa “operação de expansão potencialmente ilimitada e regrada
por um pequeno número de operações identificáveis e repetíveis(...)” cf.
Adam, 2011, p.224.
c)
C. sequência argumentativaDe forma geral, as sequências argumentativas de Adam têm a funçãode direcionar as ações dos sujeitos para o convencimento de outros ou, maisespecificamente, trata-se da construção de representações da realidade quevisem modificar a visão de outros sobre determinado objeto. Inspirado por26Ducrot (1988, apud Adam, 1989), Adam afirma que o ato argumentativo é
constituído com base em um já-dito, em um dizer temporalmente anterior que,na sua forma mais característica, pode aparecer de forma implícita, uma vezsubentendido que o já conhecido pelo interlocutor (que detém o já-dito) nãopreciso ser dito novamente.O esquema argumentativo consiste na apresentação de um dado ouelemento explícito de sustentação, ou seja, um argumento e uma conclusão.Esse esquema pode ser constituído de forma bastante variada, mas sempre selevando em conta que a conclusão seja propriamente a opinião do enunciador epode servir de tese para novas sequências.D. sequências explicativasAs sequências explicativas pressupõem e estabelecem contratosentre pares de interlocutores nas seguintes condições:a) o fenômeno a explicar é incontestável: é umaconstatação ou um fato;b) o que deve ser explicado é o que está incompleto;c) aquele que o explica está em condições de o fazer.O esquema típico da sequência explicativa apresenta três partes,havendo uma parte não computável no início, uma vez que se trata de umapreparação para a explicação. Nessas três fases da explicação, busca-selevantar um questionamento, responder ao questionamento ou resolverproblemas, detalhando-os ou avaliando-os. Neste caso, as sequênciasexplicativas não se assemelham às sequências argumentativas, basicamente,porque não têm como necessidade principal modificar opiniões ou julgamentose valores dos sujeitos envolvidos na explicação.27E. sequência dialogalAs sequências dialogais dizem respeito à conversação e suasvariantes, como entrevistas, palestras e debates. Trata-se de co-construçõesou realizações interativas que se apresentam não somente como umasucessão de trocas argumentativas, mas com uma estrutura hierarquizadadessas trocas.No entender de Adam, existem, basicamente, dois tipos desequências dialogais: as fáticas e as transacionais.As sequências fáticas são ritualísticas e têm a função de abrir efechar a interação. São, portanto, contratadas socialmente, facilmentereconhecíveis como cumprimentos e apresentações.As sequências transacionais são as que compõem o corpo dainteração, onde está realmente a razão do ato comunicativo. Sua forma maiscaracterística é o padrão de pergunta-resposta entre os interlocutores, comdireito a comentários, acordos e desacordos.A abordagem ou perspectiva pragmático-textual de caracterizaçãoe análise de textos é interessante à análise de resumos de comunicação a queeste trabalho se propõe a fazer, no sentido de que possibilita compreender osresumos, desde o início, como textos que narram, argumentam, descrevem,explicam, dialogam ou divulgam teses científicas, no caso, das ciências dalinguagem, algo que torna esses resumos específicos e produto de dinâmicassociais de comunicação próprias.Esse tipo de aspecto, ou seja, o caráter comunicativo dos resumoscientíficos, passa a ser potencializado quando começa a ser reforçada a idéiade que o texto não pode ser analisado com fim em si mesmo, porque pertencea situações especificas e historicamente importantes para a sua própriaexistência.
Neste sentido, Bonini reconhece que a noção de ‘sequência’ deixaalgumas lacunas para a compreensão das teorias que definem os textos e suasfunções, teorias ora comprometidas com noções cognitivas como algumas jádescritas neste capítulo, ora comprometidas com noções de análise de práticas
2.1 Mediativo (Mediatif/ Mediativité)
Recusando o termo evidentialité, Guentcheva (1996) retoma o termo mediatif,
já introduzido nos estudos linguísticos franceses desde 1956, e explica sua preferência:
Le terme “evidentiel”, um faux ami de l’anglais eviential, evoque
l’evidence, c’est-à-dire la constatation directe. or ni l’oui-dire, ni le
non-vu, ni l’inferentiel ne peuvent être consideres comme dês
evidences. Il est d’ailleurs significant que le terme russe neocevidnost
adopté dans la description dês langues samoyedes, par exemple,
designe la non-evidence. D’autres termes tel data-source, adopté par
M.J. Hardman (1986) pour lês langues jaqi, revêtent uns sens plus
étendu et englobent la connaissance aussi bien personelle que médiate
dês faits de lapart de l’enonciateur. (GUENTCHEVA, 1996, p.13)
Também compreendemos que o termo mediatif responde melhor à questão
do envolvimento/distanciamento do enunciador com seu enunciado, em vez de
evidentialité, que seria um falso cognato, porque o termo mediativo, conforme adotado
por Guentcheva (1996), designa uma categoria gramatical que permite ao enunciador
referir-se a uma determinada situação enunciativa pela qual ele não assume a
responsabilidade, por não ter testemunhado o fato enunciado e dele ter tomado
conhecimento por vias indiretas, seja por ouvir dizer , seja por indícios que o levem a
deduzir ou inferir. Tais estratégias discursivas permitiriam ainda vislumbrar graus de
distanciamento em relação ao que é relatado:
Par médiatif (ou ce que l'on appelle le plus souvent non-testimonial
em français ou evidential en anglais), je désigne la catégorie
grammaticale qui permet à ľénonciateur de marquer formellement
divers degrés de distanciation à l'égard des faits qu'il énonce lui-même
et de signifier par là que la connaissance de ces faits lui est parvenue à
travers une perception en quelque sorte médiate. (GUENTCHÉVA,
1993, p.57)
Para melhor compreendermos a noção de mediativo, faz-se necessário retomar
alguns conceitos, dos quais a autora parte. A noção de enunciador, no quadro do
mediativo é de fundamental importância, uma vez que é a instância que pode se
responsabilizar pelo fato enunciado. Partindo de Bally, Desclès e Guentcheva (1997,
p.1) admitem que qualquer enunciado pode ser analisado em um “modus”, subjacente a
um “dictum”. A distinção, embora antiga (remonta aos estoicos, com a noçao de lexis) é
retomada em Linguistica, a partir de Bally. Em sua Teoria geral da Enunciação, este
autor estabelece que todo enunciado combina a representação de um processo ou um
estado, que é o dictum, mas este dictum é afetado por uma modalidade, correspondente
à intervenção do sujeito falante, tal dimensão é o modus. A modalidade, se define, sob
esta perspectiva, como uma atitude responsiva do sujeito falante frente a um conteúdo
qualquer, é um posicionamento do locutor, assim, entendemos o que Bally declara:
“toda enunciação do pensamento pela língua é condicionada lógica, psicológica e
linguisticamente. Esses três aspectos somente se recobrem em parte; seu papel
respectivo é muito variável e muito diversamente consciente nas realizações da fala”
(Bally, 1965, p.35). Um enunciado (ou frase, termo equivalente na obra), então, é
constituído linguisticamente e tem em si um lado lógico e um psicológico.
A enunciação é o ato que um sujeito realiza ao comunicar os seus pensamentos.
Pensar é “reagir a uma representação constatando-a, apreciando-a ou desejando-a”
(Bally, 1965, p.35), e a representação consiste em uma noção da realidade que cada
sujeito tem em si mesmo. Bally adverte que “é preciso cuidar para não confundir
pensamento pessoal e pensamento comunicado” (Bally, 1965, p.37).
Assim, um sujeito tem uma noção de realidade, criando uma representação do
mundo, dos outros e de si mesmo. Para exprimir seus pensamentos pessoais, ele faz com
que conceitos virtuais, do sistema linguístico (equivalentes aos signos saussurianos),
sejam atualizados, tornando-se conceitos reais, isto é, ligados à sua representação da
realidade. Ou seja, o sujeito toma os conceitos da língua – que são criados na mente de
todos os sujeitos de uma comunidade linguística – e faz com que se identifiquem com a
sua representação de mundo, pois “para se tornar um termo da frase, um conceito deve
ser atualizado. Atualizar um conceito é identificá-lo a uma representação real do sujeito
falante” (Bally, 1965, p.77). Ou seja, o sujeito, ao enunciar, faz um uso individual e
único do sistema linguístico.
Retomando o que foi dito mais acima, a frase – ou enunciado, a realização da
fala – é composta linguística, lógica e psicologicamente. Se a sua porção linguística é a
materialização da enunciação, onde estão as porções lógica e psicológica?
A forma lógica da frase é a noção direta e objetiva que o sujeito tem em
contato com os signos da língua antes que opere subjetivamente sobre elas. Bally chama
essa parte da frase de dictum. Já a porção psicológica é justamente aquela referente à
“operação psíquica que o sujeito opera sobre ela” (Bally, 1965, p.36), isto é, o ato de
atualização em si, que o autor denomina modus ou modalidade. Deste modo, o modus
pode ser entendido como a alma do enunciado. Não por acaso o autor (1965, p.35)
afirma que a modalidade, tanto quanto o pensamento, se constituem essencialmente pela
operação ativa do sujeito falante. O valor de uma frase está tão intrinsecamente
relacionado à enunciação quanto à modalidade, de tal forma que não se pode avaliar um
sem considerar o outro, embora Bally admita que seria didaticamente conveniente
estudar separadamente as três partes da enunciação, mas admite também que os fatores
psicológicos do pensamento são tão bem engrenados na estrutura lógica que não se pode
abstraí-los e, por conseguinte, a forma linguística não se separa das outras duas para fins
de análise. Assim, o autor considera que na análise lógica das formas de enunciação se
encontram igualmente considerações sobre as outras duas ordens.
Admitimos que toda frase contém, obrigatoriamente, uma modalidade que
permite ao locutor julgar o que uma coisa é ou não é, avaliar o desejável e o indesejável,
querer ou não querer. O modus e o dictum, são, aparentemente, duas noções que se
imbricam e são necessárias à realização de um enunciado.
Deve-se ainda acrescentar o fato de que o autor considera que a questão da
reação do sujeito enunciador é subordinada à definição da representação. É também
uma relação muito estreita que mantém os termos de uma frase, logicamente
constituídos (o sujeito modal, o verbo modal e o dictum). Para Bally (1965), um
enunciado como “Eu creio que este réu é inocente” apresenta um sujeito pensante (eu),
operando um ato de julgamento (creio) sobre uma representação (a inocência do réu).
Assim, para este autor, todo enunciado é constituído de um sujeito modal (x, o que
reage), e de um dictum (a representação, ou objeto da reação). Considerando-se tais
elementos, nos perguntamos se a modalidade se manifesta na forma de um verbo, pois
se sabe que a modalidade pode ser expressa por um numero razoável de elementos
sintáticos e gramaticais.
Conforme atestado por Desclès e Alrahabi (s/d), a teoria da enunciação
pressupõe a constituição de um enunciado a partir de várias operações, das quais nos
interessa o desengajamento enunciativo. A operação de desengajamento realizada por
um enunciador consistiria em aplicar um operador complexo, designado como modus,
sobre um operante, designado como dictum (ou relação predicativa) com a finalidade de
se obter um determinado resultado. Tal distinção entre modus e dictum não se dá no
nível concreto, mas num nível mais abstrato onde o modus e o dictum são representados
por operações lógico-gramaticais. Também Guentcheva e Desclès (1997) definem o
meadiativo a partir das relações entre o modus e o dictum:
A la suite de E. Benveniste, nous appelons “sujet énonciateur” le
sujet modal qui est partie constitutive du modus. Ce sujet énonciatif
prend en charge ce qui est dit - le dictum -, c’est-à-dire ce qui est
exprimé par une relation prédicative. Chaque énoncé qui est la
manifestation linguistique d’un acte d’énonciation est donc le
résultat d’une opération complexe de “prise en charge”, soit
directement, soit médiatement, par un énonciateur d’une
représentation prédicative ou d’un dictum. L’opération de prise en
charge est décomposable en plusieurs opérations élémentaires. La
prise en charge fait nécessairement appel à l’opérateur d’énonciation
, noté par “JE...DIS”, où JE désigne le sujet énonciateur et DIS un
opérateur verbal d’énonciation. Cet opérateur reste souvent non
exprimé directement dans les énonciations directes mais il est
toujours sous-jacent aux énonciations. Le dictum tombe alors sous
l’opérateur d’énonciation “JE...DIS” ou en d’autres termes, il est
opérande de cet opérateur. (GUENTCHEVA e DESCLÉS, 1997,
P.1)
O mediativo se constrói a partir de uma ruptura que se estabelece na relação
predicativa. Em Culioli, observamos que numa enunciação qualquer, o enunciador
valida (ou não) as relações predicativas, seja por meio de recursos sintáticos, seja por
meio de marcadores não exclusivos deste valor. Guentcheva (1994,p.9) afirma que a
categoria do mediativo é organizada em torno de três valores: fatos relatados (quando se
trata de fatos dos quais se toma conhecimento a partir do discurso de outrem, incluindo-
se aqui os rumores e o diz-que, e os conhecimento advindos da tradição: lendas, mitos,
narrativas históricas, etc..), fatos inferidos (aqueles inferidos pelo sujeito enunciador) e
fatos de surpresa (cuja constatação imprevista é motivo de surpresa para o sujeito
enunciador).
Em Guentcheva (1994, p.11) se admite que: “L’hypothèse que nous avançons
ici est la suivante: toute occurrence d’un énoncé mediatif introduit nécessairement une
situation d’enonciation médiatisée SitM qui est em rupture par rapport à la situation
d’enonciation Sit0.”. Assim, compreendemos que o valor mediativo é uma operação
sobre uma ruptura enunciativa e que SitM é referencialmente independente de Sit0. Essa
ruptura pode ser total ou afetar apenas um dos parâmetros, os enunciadores ou os
instantes. Importa-nos, então, compreender duas instâncias: um SM, um enunciador
mediatizado, fundamentalmente indeterminado, em ruptura com S0 e um TM, um
instante mediatizado, fictício, em ruptura com T0.
3. Metodologia
3.1. Estratégias de engajamento enuciativo: as categorias de análise empregada
na amostra dos dados.
Guentcheva (1994 e 1996) procura determinar categorias do mediativo
exclusivamente em tempos e modos verbais do francês e do búlgaro. Neste trabalho,
procuramos focar algumas estratégias discursivas de distanciamento,
independentemente do uso de tempos e modos verbais. Assim, tentamos delinear
algumas estratégias discursiva específicas visando ao engajamento/responsabilização
enunciativa. Dentre as estratégias elencamos aqui a o julgamento (ou apreciação), o uso
do imperativo (bem como outras formas deônticas), o uso do futuro do presente e
locuções verbais com valor de futuro, o uso de dêiticos (como os pronomes de 1ª
pessoa), e, por fim, a adjetivação, considerada neste trabalho como o recurso mais
produtivo para a análise, sendo o mais representativo dentre as estratégias de
engajamento.
3.Conclusão
Numa conclusão provisória ( levando-se em conta que este trabalho representa um
levantamento preliminar dos dados coletados) os dados apontam para a existência de vários
recursos linguísticos que favorecem o distanciamento e/ou desresponsabilização por parte do
falante em relação ao conteúdo proposicional de um enunciado. Também se podem elencar
inúmeras hipóteses que expliquem tal distanciamento, muito útil para o discurso jornalístico,
mas um tanto indesejado no discurso acadêmico, sob pena de fazer parecer que o autor não se
envolveu com sua pesquisa o suficiente para que seus pares confiem em suas asserções.
Inicialmente, aventávamos a hipótese de que o sub-gênero em análise poderia estar
relacionado aos eventos de desresponsabilização enunciativa destacados, o que poderia ser
atribuído a uma maior dificuldade na produção de um determinado gênero, ou do
desconhecimento da estrutura do gênero em questão. No entanto, a distribuição quase uniforme
das ocorrências de desresponsabilização, categorizadas nos itens apresentação de inferências,
o uso de interrogações e de verbos de opinião, a disjunção enunciativa e o discurso
relatado, demonstra que o uso de tais estratégias não está exatamente relacionado à
dificuldade de produção de um determinado gênero, mas, sobretudo, ao modo como o
produtor de textos acadêmicos, em disciplinas de graduação, se relaciona com o
referencial teórico estudado e com seu objeto de estudo, quais relações ele consegue
produzir entre seus dados e as análises que consegue produzir à luz do referencial
teórico.
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