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1 Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação Curso de Letras Licenciatura Português Trabalho de Conclusão de Curso A ARGUMENTAÇÃO NO TEXTO DISSERTATIVO PARA VESTIBULAR E ENEM: UMA ANÁLISE QUALITATIVA DAS AULAS DE REDAÇÃO DO ENSINO MÉDIO Autor: Diego Fagundes Rocha Marques Orientadora: Profa. MSc. Yara Dias Fortuna Brasília-DF 2016

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Pró-Reitoria Acadêmica Escola de Educação, Tecnologia e Comunicação

Curso de Letras – Licenciatura Português Trabalho de Conclusão de Curso

A ARGUMENTAÇÃO NO TEXTO DISSERTATIVO PARA VESTIBULAR E ENEM: UMA ANÁLISE QUALITATIVA DAS AULAS DE REDAÇÃO DO

ENSINO MÉDIO

Autor: Diego Fagundes Rocha Marques Orientadora: Profa. MSc. Yara Dias Fortuna

Brasília-DF 2016

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DIEGO FAGUNDES ROCHA MARQUES

A ARGUMENTAÇÃO NO TEXTO DISSERTATIVO PARA VESTIBULAR E ENEM: UMA ANÁLISE QUALITATIVA DAS AULAS DE REDAÇÃO DO ENSINO MÉDIO

Monografia apresentada ao curso de graduação Letras – Português da Universidade Católica de Brasília como requisito parcial para obtenção do Título de Licenciado em Letras - Língua Portuguesa. Orientadora: Profa. MSc. Yara Dias Fortuna

Brasília-DF 2016

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Monografia de autoria de Diego Fagundes Rocha Marques, intitulada A

ARGUMENTAÇÃO NO TEXTO DISSERTATIVO PARA VESTIBULAR E ENEM: UMA

ANÁLISE QUALITATIVA DAS AULAS DE REDAÇÃO DO ENSINO MÉDIO,

apresentada como requisito parcial para a obtenção do grau de licenciado em Letras

– Língua Portuguesa da Universidade Católica de Brasília, em 14/11/2016, defendida

e aprovada pela banca examinadora abaixo assinada:

___________________________________________

Profa. MSc. Yara Dias Fortuna

___________________________________________

Profa. MSc. Deise Ferrarini

Brasília-DF

2016

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Ao meu pai, à minha mãe, ao meu irmão e à minha namorada – futura noiva e esposa – que sempre

estiveram ao meu lado e com palavras e gestos me apoiaram em todos os momentos deste trabalho dedico

esta monografia como forma de reconhecimento do amor de vocês.

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RESUMO

Referência: MARQUES, Diego Fagundes Rocha. A argumentação no texto dissertativo para vestibular e ENEM: uma análise qualitativa das aulas de redação do Ensino Médio. 2016. Monografia Letras – Português – Universidade Católica de Brasília, Brasília, 2016. Este trabalho tem por objetivo investigar os recursos discursivo-argumentativos presentes nos textos produzidos por alunos que pretendem ingressar na universidade e buscam atender às exigências textuais solicitadas por concursos vestibulares e ENEM. Pretendemos, com isso, provocar uma inquietação nos interessados por esse trabalho no sentido de questionar os mecanismos – materiais didáticos, estrutura da aula, tempo de aula, etc. – normalmente empregados ao longo das aulas de redação no ensino médio, mais especificamente no diz respeito ao trabalho com o texto dissertativo-argumentativo. Nesse sentido, realizamos um levantamento de algumas abordagens teóricas sobre a argumentação para nos localizarmos quanto à temática do trabalho. Em seguida, analisamos algumas redações produzidas por candidatos matriculados em um curso pré-vestibular em Porto Alegre para ilustrar o trabalho. Logo, realizamos pesquisa com alunos e professores com o objetivo de demonstrar as dificuldades conceituais acerca de algumas definições que julgamos importantes para a produção de um bom texto dissertativo-argumentativo. Por fim, reunimos na análise desses dados algumas avaliações e conclusões que julgamos importantes para provocar um aprofundamento do debate em sala de aula. Talvez a grande conclusão está no fato de que tanto professores quanto alunos – por força do hábito – acabam se tornando repetidores de modelos pré-prontos de textos sem levar em consideração o objetivo maior que seria a construção de texto com conteúdo que demonstre a autonomia do vestibulando e a sua capacidade (habilidade e competência) de transitar entre os diferentes gêneros e tipos textuais, a fim de fazer uso dos elementos linguísticos que julgar mais efetivos para a transmissão de seu ponto de vista. Palavras-chave: Dissertação escolar. Redação. Argumentação. Vestibular. ENEM.

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RESUMEN Referencia: MARQUES, Diego Fagundes Rocha. La argumentación en el texto disertativo par vestibular y ENEM: análisis cualitativo en apoyo a las clases secundarias de escritura. 2016. Monografía Letras - Portugués - Universidad Católica de Brasilia, Brasilia, 2016. Este estudio tiene como objetivo investigar los recursos discursivo-argumentativos presentes en los textos producidos por los estudiantes que buscan entrar en la universidad e intentan cumplir con los requisitos textuales solicitados por el ENEN y los vestibulares en general. Tenemos la intención, por lo tanto, de causar una inquietud en los interesados en este trabajo a cuestionar los mecanismos - materiales de enseñanza, de estructura de clases, el tiempo de clase, etc. – que normalmente se utilizan a lo largo de las clases de escritura en la escuela secundaria, específicamente en lo que se refiere al trabajo con el texto argumentativo. En este sentido, se realizó una busca de algunos enfoques teóricos sobre el argumento para localizar el tema en la obra. A continuación se analizan algunos ensayos producidos por los candidatos inscritos en un curso preuniversitario en Porto Alegre para ilustrar la obra. Tras el análisis de los textos, se realizó la investigación con estudiantes y profesores con el fin de demostrar las dificultades conceptuales sobre algunos parámetros que consideramos importantes para la producción de un buen texto argumentativo. Por último, hemos reunido en el análisis de estos datos algunas evaluaciones y conclusiones que consideramos importantes para causar una profundización del debate en clase. Tal vez la conclusión más importante es el hecho de que los profesores y estudiantes - por falta de costumbre - terminan convirtiéndose en repetidores textos plantilla prediseñados sin tomar en cuenta que el objetivo final sería la construcción de contenido de texto que demuestra la autonomía del alumno y su capacidad (habilidad y competencia) para moverse entre los diferentes géneros y tipos de texto con el fin de hacer uso de elementos lingüísticos que considere más eficaces para sostener su punto de vista. Palabras-clave: Disertación escolar. Ensayo. Argumentación. Vestibular. ENEM.

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SUMÁRIO

CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO ............................................................... 11

1.1 TIPOLOGIA, GÊNERO TEXTUAL e DISCURSO ............................................ 11

1.2 A ARGUMENTAÇÃO ....................................................................................... 13

1.3 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO: RETÓRICA DE ARISTÓTELES E A NOVA

RETÓRICA ............................................................................................................ 16

1.3.1 Elementos da argumentação: enunciador (orador), enunciatário (auditório)

e discurso (argumentação – discurso) ................................................................ 16

1.3.2 Linguagem e argumentação ...................................................................... 18

1.3.3 Valores e lugar-comum .............................................................................. 19

1.3.4 Espécies de argumentos ........................................................................... 21

1.4 A REDAÇÃO ARGUMENTATIVA NAS REDAÇÕES DE CONCURSO

VESTIBULAR E ENEM .......................................................................................... 22

1.5 A ARGUMENTAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS ESCOLARES: SENSO

COMUM E LUGAR-COMUM NOS LIVROS DIDÁTICOS ESCOLARES ............... 26

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA ............................................................................... 28

2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA, DE CARÁTER EXPLORATÓRIO .................... 28

2.2 PESQUISA DE CAMPO, DE ABORDAGEM QUALITATIVA ........................... 29

2.3 CONTEXTO E RECURSOS AVALIATIVOS .................................................... 30

CAPÍTULO 3 – Análise dos dados coletados ............................................................ 32

3.1 ENTREVISTA COM OS PROFESSORES ....................................................... 32

3.2 ENTREVISTA COM OS ALUNOS ................................................................... 35

3.3 ÁLISE DAS REDAÇÕES ................................................................................. 39

CONCLUSÕES ......................................................................................................... 42

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 44

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INTRODUÇÃO

Como professor de Língua Portuguesa e Redação em um curso preparatório

para vestibulares e ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio), tenho acompanhado

os anseios, as dúvidas e a desenvoltura dos alunos antes e após esses tipos de

concursos. A ideia deste trabalho é elaborar um levantamento crítico sobre os

recursos argumentativos e discursivos utilizados pelos candidatos que irão prestar o

ENEM – já com base nos métodos de avaliação do Novo ENEM. Assim, pretende-se

traçar um perfil do domínio desses recursos, a fim de subsidiar processos de

elaboração de aulas no ensino médio com vistas à preparação do gênero e tipo de

texto solicitado por tais concursos.

A ideia é tentar responder a algumas perguntas sobre como o jovem brasileiro

candidato que prestará a prova do ENEM consegue expressar informações, conceitos

e pontos de vista de forma clara, eficaz e eficiente como solicitado pela proposta de

redação das referidas provas. Dentre as indagações estão saber sobre os recursos

argumentativos e discursivos mais utilizados por esse público e quais seriam as

possíveis razões para essas escolhas.

Outro fator de relevância para o trabalho diz respeito às obras didáticas

voltadas para o tema e para o público. Os inúmeros livros da área de ensino de

técnicas de redação sempre nos brindam com conhecimentos e dicas muito

importantes e claras sobre os aspectos estruturais do texto dissertativo-argumentativo

(esse é o tipo de texto solicitado pelo ENEM e pela maioria dos vestibulares).

Entretanto, avaliando a nota média obtida no ano de 2014 na prova de Redação do

exame – que foi 455 sobre um valor total de 1000 pontos, entendemos que há uma

lacuna importante a ser preenchida no que diz respeito ao ensino de outros elementos

que não a estrutura em si.

Espera-se identificar o elemento conteúdo como o responsável por uma nota

tão aquém das expectativas de professores e poder público. Nesse conteúdo, o cerne

do estudo estaria nos recursos de argumentação utilizados pelos candidatos que – ao

que parece – não têm atendido às solicitações da matriz de competências da redação

do ENEM.

Nesse sentido, o presente trabalho é fundamental para que se possa entender

melhor o perfil argumentativo e discursivo dos candidatos que realizam esses exames,

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a fim de se tratar – em trabalhos mais detalhados – um exato perfil argumentativo e

discursivo desses candidatos. Com isso, será possível conduzir as aulas de forma

mais objetiva com vistas a atender as necessidades mais comuns dos alunos.

Ademais, será um instrumento importante para que os professores, alunos e

comunidade em geral possam pesquisas sobre as inúmeras possibilidades de

argumentação que temos na Língua Portuguesa.

Ao sabermos com clareza que tipo de argumentação o candidato está mais

acostumado a usar, poderemos trabalhar de forma mais direta e objetiva nas suas

deficiências. Enquanto isso, poderemos destacar e fortalecer os recursos que

satisfizeram as necessidades de avaliação da prova. Além da possibilidade de um

bom rendimento no exame, o candidato passaria a ter uma maior compreensão sobre

argumentação e discurso, a partir do trabalho dos professores – que teria este trabalho

de conclusão como uma ferramenta a mais na orientação da programação das aulas.

Como professor de Língua Portuguesa, preparo alunos para os mais diversos

testes de ingresso a universidades. Ao longo das aulas, as técnicas de escrita são

compreendidas e treinadas de forma satisfatória, entretanto, o texto desenvolvido

pelos alunos reproduz algumas opiniões sem um determinado critério. A impressão

que se tem é a de que “a sorte” e a intuição moldam boa parte do conteúdo dessas

redações.

O professor José Luiz Fiorin, em seu livro Argumentação, organiza os possíveis

tipos de argumentação utilizados e já desenvolvidos por teóricos como Aristóteles,

Ducrot, Anscombre, Perelman e Tyteca, Reboul e outros.

As definições de Tipos e Gêneros Textuais também serão relevantes para uma

maior compreensão do trabalho. Nesse caso, os autores utilizados para fomentar tais

conceituações são Travaglia, Bakhtin e Marcuschi.

Segundo Perelman e Tyteca, em seu Tratado de argumentação, os argumentos

podem ser classificados de duas formas: os que se realizam por um processo de

ligação – que têm como característica principal a aproximação de elementos distintos

– e os que se formam pelo processo de dissociação, que buscam separar um todo em

partes mais teóricas e solidárias.

Dentro desse modelo de separação de argumentos, Fiorin vai seguir a divisão

proposta pelos autores, discorrendo sobre os argumentos quase lógicos, argumentos

fundamentados na estrutura da realidade, argumentos que fundamentam a estrutura

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do real, argumentos de dissociação de noções e outras tantas técnicas de

argumentação e discurso.

A ideia é traçar um mapa desses recursos argumentativos e tentar identificar

algo mais concreto e sólido nesses textos para que possamos agir de forma mais

exata na preparação desses alunos.

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CAPÍTULO 1 – REFERENCIAL TEÓRICO

1.1 TIPOLOGIA, GÊNERO TEXTUAL E DISCURSO

É importante, em um primeiro momento, definirmos os conceitos de tipologia

e gênero do discurso para evitar problemas de entendimento ao longo do trabalho.

Além disso, cientes de que há inúmeras definições (muitas confusas ou até errôneas

sobre esses macro-conceitos), depositamos em Travaglia e Marcuschi os conceitos

que adotaremos.

Luiz Carlos Travaglia, em artigo publicado na Revista SCRIPTA, (Belo

Horizonte, v. 7, n. 14, p. 146-158, 1º sem. 2004), conceitua o elemento tipológico de

um texto como sendo “um conjunto de características comuns em termos de forma,

estrutura, conteúdo, estilo, funções etc., mas distintas das características de outros

elementos tipológicos, o que permite diferenciá-los”. Na sequência do trabalho,

conceitua também o termo tipelemento que seria um conceito com o qual podemos

designar classes ou categorias de tipológicas. Segundo o próprio autor, “Os

tipelementos mantêm entre si relações específicas, que devem ser consideradas ao

se estruturar e propor tipologias, para não alinhar, num mesmo plano, elementos de

naturezas diferentes e distintas”.

Nesse sentido, um dos tipelementos identificados é o tipo de texto. Esse tipo

seria um critério para estabelecimento de tipologias diferentes de textos. Temos, para

Travaglia, os seguintes tipos textuais:

a) texto descritivo, dissertativo, injuntivo, narrativo;

b) texto argumentativo stricto sensu e argumentativo não-stricto sensu;

c) texto preditivo e não preditivo;

d) texto do mundo comentado e do mundo narrado;

e) texto lírico, épico/narrativo e dramático.

Em resumo, podemos afirmar que as tipologias textuais apresentam aspectos

mais formais de estrutura e de superfície linguística e/ou aspectos de conteúdo. Além

disso, podemos acrescentar que se trata de uma caracterização de discurso pelos

seus aspectos internos (linguísticos e formais).

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No que tange aos gêneros de discurso, Bakhtin (2000) e Marcuschi (2002) os

definem como formas padrão relativamente estáveis, mas que se materializam no ato

comunicativo. Nesse sentido, os gêneros caracterizam-se pelos elementos externos

(sociocomunicativos), o que os difere da tipologia. Além disso, precisamos considerar

que a escolha dos elementos linguísticos se dá de acordo com o gênero que será

utilizado no ato comunicativo. Nessa escolha a palavra incorpora tipicidade e o

enunciado deixa de ser uma unidade sem direcionamento e sem intencionalidade para

assumir intenção e direção no discurso. Assim, a quantidade de gêneros que pode

existir é infindável. Cada situação comunicativa exigirá um gênero para atender a sua

demanda. Dentre os inúmeros gêneros textuais, podemos destacar: romance, novela,

conto, fábula, parábola, caso, ata, notícia, mito, lenda, certidão, atestado, ofício, carta,

soneto, haicai, ditirambo, ode, acróstico, epitalâmio, prece, tragédia, comédia, farsa,

piada, tese, artigo, redação de vestibular, editorial, carta de amor, carta de demissão

etc.

É possível, portanto, perceber que alguns textos podem ter um aspecto mais

voltado para a argumentação.

Além dos conceitos acerca das tipologias e gêneros textuais, é importante

marcar algumas definições sobre discurso.

Luiz Carlos Iasbeck em artigo denominado Os conceitos de Discurso

Um conceito para “discurso”, propõe algumas definições importantes.

Do ponto de vista etimológico diz:

[...] discurso, vem do latim discursus, supino de discurrere, o verbo discorrer. É formado pelo radical cursum (de curso, carreira, corrida) e pelo prefixo de origem latina (dis), que indica, segundo Alencar (1944), divisão de um todo em partes, separação de duas coisas, dispersão. Desta forma, discursar e discorrer são praticamente sinônimos, traduzindo ambos o sentido de percorrer todas as partes de um assunto, de vários assuntos, um tema, uma opinião. Assim na etimologia como na linguagem popular, o termo está muito ligado aos textos verbais falados e/ou escritos, em que se destacam as estratégias argumentais, a retórica e a oratória. Nos dicionários, é comumente registrado como “texto falado para um público específico” [...]1.

Na linguística, entretanto, o discurso apresentará conceitos mais específicos.

1IASBECK, Luiz Carlos. Os conceitos de discurso. Um conceito para “discurso” Disponível em:<,http://www.usinadeletras.com.br/exibelotexto.php?cod=33321&cat=Artigos&vinda=S>. Acesso em: nov. 2016.

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Iasbeck destaca:

Benveniste preferiu o termo discurso para as mensagens escritas e faladas [...] enquanto os estudiosos alemães optaram (para tanto) pelo conceito de texto. Também a primeira tradição americana (desde Z. Harris) utilizou o conceito de discurso para este campo de estudo...Barthes e outros restringiram o conceito de texto para mensagens escritas somente. Para aqueles que aplicam esta restrição, as mensagens faladas pertencem ao domínio do discurso (1995:332). Para a linguística frasal, a unidade de base do enunciado é a frase e o discurso é considerado como resultado ou como processo – ou operação – de elaboração da frase. Na linguística discursiva, é identificado com as estratégias de combinações frasais formando “um todo de significação” (Greimas e Courtés apud IASBECK 1982, 126).

O autor ainda lembra que o termo discurso pode ser empregado para designar

um domínio semiótico distinto:

Um domínio semiótico pode ser denominado discurso (discurso literário ou filosófico, por exemplo) em razão de sua conotação social, relativa ao contexto social dado (um texto medieval sagrado é considerado por nós como literário, dirá I. Lotman), independente e anteriormente à sua análise sintáxica ou semântica. A tipologia dos discursos, susceptível de ser elaborada nessa perspectiva, será então conotativa, própria de uma área cultura, geográfica e historicamente circunscrita, sem nenhuma relação com o estatuto semiótico desses discursos (Greimas e Courtés, 1989, p. 128-129).

1.2 A ARGUMENTAÇÃO

Ao longo do percurso civilizatório da humanidade, o homem aprendeu a

substituir o uso da força para tentar convencer e persuadir o outro. Essa substituição

se deu por meio do uso da argumentação.

A Teoria da Argumentação ou Nova Retórica surgiu com a rejeição do

Positivismo Lógico, o qual buscava tornar a linguagem natural mais pura e ajustá-la

sob uma linguagem científica. Chaïm Perelman (2005), por exemplo, abandona sua

formação lógica e passa a defender a ideia de ser possível a inserção de juízos de

valor na esfera racional. Assim, afirma que a lógica da argumentação é uma lógica

dos valores, uma lógica do razoável, do preferível, e não uma lógica matemática2.

2 CHIARADIA, Gláucia Aparecida da Silva. A nova retórica e os valores em Chain Perelman. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/artigos/a-nova-retorica-e-os-valores-em-chaim-perelman/>. Acesso em: 19 set. 2016.

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Ao falarmos em discurso, inevitavelmente falamos de argumentação. Alguns

gêneros textuais apresentam ferramentas argumentativas de forma mais explicita: é o

caso de discursos políticos, editoriais, artigos e redações de vestibular; outros não são

tão explícitos, mas não abandonam a pretensão persuasiva: falamos de obras

didáticas e discurso lírico, por exemplo.

Chamamo-los de argumentação por fazerem uso de dialogismo e por

buscarem um acolhimento por parte do enunciatário de suas ideias. Entretanto, ainda

que se trate de um discurso, sua matéria deve ser estudada, segundo FIORIN (2014

p. 9), não com foco na língua, mas no problema da argumentação.

Para Curado (2011), a linguagem seria a representação do mundo para o

sujeito. Sua função (da linguagem) seria a reflexão, a representação do seu

pensamento, do seu conhecimento de mundo.

Por sua vez, Bakhtin (1988) apresenta uma concepção acerca da linguagem

admitindo-a como forma de “inter-ação”, sendo o diálogo a sua característica decisiva.

Fiorin (2015) destaca esse aspecto dialógico da linguagem afirmando que “Todos os

enunciados no processo de comunicação, independentemente de sua dimensão, são

dialógicos. Neles, existe uma dialogização interna da palavra, que é perpassada

sempre pela palavra do outro. Isso quer dizer que o enunciador, para constituir um

discurso, leva em conta o discurso de outrem, que está presente no seu. Por isso,

todo o discurso é inevitavelmente ocupado, atravessado pelo discurso alheio. O

dialogismo são relações de sentido que estabelecem entre dois enunciados”.

O apoio teórico para a discussão desse trabalho está pautado nas obras de

Aristóteles e Perelman e Tyteca (2005). No entanto, a organização das teorias segue

a sistematização elaborada pelo professor José Luiz Fiorin ao organizar as obras

desses autores no livro Argumentação.

Iniciamos explicando que a obra de Perelman e Tyteca buscam revisitar a

obra sobre retórica que Aristóteles concebeu em seu Órganon. Em Tratado da

argumentação, os autores retomam e reeditam as ideias exploradas nos Tópicos

aristotélicos em lógica e retórica.

A primeira é um processo elaborado pela demonstração, o qual Aristóteles

chamará de raciocínios necessários; enquanto a segunda, pela argumentação, que

será chamada por ele de raciocínio preferível. Diferentemente de outros autores como

Ducrot (1987) e Anscombre (1995), Aristóteles (1991) divide os raciocínios em

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necessários e preferíveis (citar).

Os necessários chegam a conclusões a partir de premissas previamente

definidas, ou seja, a conclusão deve ser validada com base nas premissas. Portanto,

qualquer conclusão em desacordo com as premissas não deve ser considerado

verdadeiro (EXEMPLO DE SILOGISMO). Esse tipo de raciocínio será o objeto de

domínio da lógica e busca determinadas verdades pela demonstração.

Os preferíveis, por sua vez, não buscam uma conclusão verdadeira, mas uma

provável, possível ou plausível. Busca pela argumentação persuadir alguém de que

determinada tese deve ser aceita por ser mais justa, mais adequada, mais

conveniente, etc. Nesse caso, pretende-se considerar que a maioria dos negócios

realizados pelo homem foge das verdades absolutas. As conclusões a que chegamos

geralmente são pautadas por crenças, valores, costumes que corroboram certas

premissas.

Pode-se chegar à persuasão pelo caminho do convencimento, quando se

mobilizam argumentos em defesa de uma tese; ou da comoção, quando se opta por

agir sobre as emoções, paixões, preconceitos, valores, etc.

Os argumentos são os elementos de que fazemos uso para persuadir alguém,

seja pela via do convencimento ou da comoção. A retórica é justamente o estudo que

se faz desses elementos que buscam a persuasão do discurso

.

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1.3 TEORIA DA ARGUMENTAÇÃO: RETÓRICA DE ARISTÓTELES E A NOVA

RETÓRICA

1.3.1 Elementos da argumentação: enunciador (orador), enunciatário (auditório)

e discurso (argumentação – discurso)

Podemos chamar de argumentos o conjunto de proposições que se destinam

a persuadir alguém por meio da adesão de uma tese. Esse processo é composto de

basicamente três elementos: o enunciador, o enunciatário e o discurso propriamente

dito. Em Retórica3, Aristóteles os dividirá em orador, auditório e argumentação.

Orador ou enunciador

Quando cria um discurso, o orador constrói também perante o auditório uma

imagem sobre si. Essa imagem leva à persuasão, pois gera confiança sobre o

enunciatário.

Para a construção dessa imagem, é preciso que se leve em consideração que

sua construção parte da enunciação e não do enunciado. Quando um professor diz

eu sou competente, constrói uma imagem que fica restrita ao âmbito do que enunciou,

porém, seu caráter competente somente se efetivará ao longo das aulas quando

demonstrar de fato essa habilidade, ou seja, à medida que vi ministrando o conteúdo

a competência aparecerá.

Aristóteles destaca, na Retórica, três razões que levam à confiança em um

enunciador: o bom senso, a virtude e a benevolência. Podemos afirmar que um orador

ponderado, sincero e solidário ao auditório inspira mais confiança. No tange à

construção do éthos do orador, o bom senso (phrónesis) se apresenta evidencia-se

na construção de provas que buscam recursos mais do lógos do que do phátos ou do

éthos; a virtude está presente na sinceridade e na honestidade de que o enunciador

se vale para conseguir a adesão do público, aqui fará uso da areté e se apresentará

desbocado, franco, direto e os recursos do éthos são mais relevantes; por fim, a

benevolência constrói-se com base no (phátos).

3 Disponível em: <http://www.obrasdearistoteles.net/files/volumes/0000000030.PDF>. Acesso em: nov. 2016.

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Assim, podemos dizer que a construção da imagem do orador se dará a partir

da totalidade que ele é capaz de elaborar para o auditório, e isso se materializará na

composição de seu discurso a partir da escolha de elementos como o assunto, a

construção de personagens, o nível da linguagem que se utilizará, a escolha dos

temas, os gêneros utilizados, etc.

Auditório ou enunciatário

Uma das grandes preocupações do orador está no público a que se destina

seu discurso. Chamado por alguns de auditório e por outros de enunciatário, é

necessário perceber que os argumentos mudam conforme o público. O que é válido

para um auditório, não o é para outro; o que é válido em uma determinada época,

pode não o ser em outra.

Conhecer suas paixões, costumes e o estado de espírito do auditório é

importante na medida em que o orador irá compor seu discurso com bases nessas

reflexões. Assim, é viável e adequado compreender que o enunciatário é coparticipe

da enunciação sem o que o enunciador não conseguiria tanta eficácia. Por fim, cada

público é único, a argumentação deve se reconstruir a cada auditório.

O discurso

Persuadir é levar o auditório à adesão de uma tese. Assim, sua eficácia reside

também na exposição feita ao público de determinado discurso. Nesse sentido, além

do conteúdo emitido, é importante destacar o papel dos elementos comunicativos para

que o discurso chegue a seu destinatário da forma como se deseja. Portanto, efetivar

o ato comunicativo para que não haja ruído que prejudique o canal, considerar que o

enunciatário compreende o contexto referencial da mensagem e levar em conta o

domínio do código linguístico por parte do orador e do auditório são elementos

importante para que este último receba, compreenda e aceite a mensagem.

Perelman (2005), quando fala sobre a persuasão, diferencia a demonstração

da argumentação. No primeiro caso, temos uma conclusão que se mostra após

considerarmos certas premissas. Aqui não existe a interferência do aspecto moral ou

pessoal para a tomada de decisão. Apenas se consideram as estruturas iniciais que

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levam automaticamente a tal resultado. Desse modo, a conclusão não pode ser

recusada. No segundo caso, utiliza-se uma construção que pode ser avaliada como

possível, provável, plausível ou mais correta. O importante nesse processo é fornecer

elementos para favorecer determinada tese, sem considerar que é a única verdade

possível. Mostra-se uma ideia como válida para tal sustentação. Perelman (2005)

destaca ainda que isso demonstra que a argumentação não se pretende como

elemento coercitivo, sendo apenas uma sugestão que permite ao ouvinte uma certa

liberdade na tomada da decisão quanto à sua aceitação. Entende-se aqui a

argumentação como um processo de persuasão que opera com o que é preferível, ou

seja, avaliando se parecem justas, oportunas, úteis e ponderadas determinadas teses

e respectivas ponderações. Por fim, a conclusão no processo argumentativo deve ser

mais forte que as premissas, reforça o professor Fiorin (2015).

Nos textos escolares, percebe-se uma grande valorização dos processos

mais lógicos de persuasão em detrimento de operações mais argumentativas.

Entretanto, no momento da construção do texto em redações escolares (de nível

médio, normalmente), os alunos não compreendem de maneira clara a diferença entre

os dois processos. Em alguns casos, os próprios professores não a reconhecem, e

suas aulas acabam mais confundindo do que explicando.

A maioria dos livros didáticos sobre redação escolar não evidencia (ou o faz

de forma muito simples) essas características para que o aluno se aproprie do texto e

escolha que técnica mais lhe favorece.

1.3.2 Linguagem e argumentação

A argumentação vale-se da pluralidade de significados das palavras para

construir o seu discurso. Assim, a combinação e o jogo de palavras permitem ao

enunciador moldar seu texto para que busque a adesão à sua tese.

Fiorin (2006), para aclarar a ideia da polêmica entre discursos, afirma que todo

discurso é construído em oposição a outro. Dessa forma, o sentido de um termo se

dá a partir do momento em que contrastamos determinada estrutura com outra.

A linguagem permite-nos fazer uso de ambiguidades, objetividade

(parcialidade e neutralidade), marcadores argumentativos (conjunções e

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preposições), linguagem politicamente correta, a fim de construir um discurso capaz

de sustentar uma opinião e buscar a adesão do público.

1.3.3 Valores e lugar-comum

A primeira impressão que se tem quando se fala em lugar-comum é pensar

em argumentos falaciosos e sem nenhuma (ou pouquíssima) relevância. Entretanto,

é preciso entender que o lugar-comum é muito mais do que isso. Aliás, buscaremos

as explicações e conceitos expostos na retórica aristotélica para esclarecer esse

conceito e tentar entender que razões levam tantos alunos a utilizá-lo em seus textos.

A ideia inicial de retórica vem da invenção. A senso comum atribui a ideia de

invenção apenas a algo que é novo, porém recuperando o significado original da

palavra, com a ajuda de Fiorin (2015), entende-se que essa invenção a que se faz

referência está relacionada a uma espécie de inventário ao qual recorremos para

construir e organizar um determinado discurso.

Aristóteles sinaliza que os argumentos de que dispomos nesse “inventário”

são os tópicos que ele explora em sua obra. Os tópicos eram divididos em lugares-

próprios, que são aqueles de um determinado campo discursivo específico, e lugares-

comuns, que são os de qualquer campo discursivo.

As definições ou explicações que tratam dos lugares-próprios não carecem de

grandes explanações neste trabalho, porém as que tentam determinar o conceito de

lugar-comum merecem um espaço mais dedicado. Isso também se dá pelo interesse

em se identificar a repetição desse recurso em redações escolares que são o foco

deste material.

Duas são as definições mais comuns sobre o lugar-comum: (i) a primeira é de

um esquema argumentativo que pode ganhar os conteúdos mais diversos. Forin

destaca que esta é a concepção de Aristóteles. É como um molde discursivo. Uma

matriz semântica. Nesse sentido, sendo uma matriz, daria oportunidade a

contradições e, portanto, perderia sua validade; (ii) a segunda contempla a ideia de

argumento pronto. Algo já preparado, com conteúdos fixos e figuras recorrentes que

já foram legitimadas pelo consenso a que chegaram. Assim, por ser algo do

consentimento e da aceitação de todos, instala-se como recurso cuja a dúvida não

20

existe e cuja explicação mais detalhada não se faz necessária. Em resumo, são

recursos de natureza coletiva e com algo grau de adesão.

Explicando o primeiro sentido, o aristotélico, os tópicos descritos em A

Retórica, de Aristóteles, elencam 28 lugares-comuns para a construção de

argumentação. Perelman e Tyteca (2005) em 06. A exemplo de Fiorin (2015),

ficaremos restritos a esses últimos.

Em Tratado da argumentação: a nova retórica, os autores consideram lugar-

comum somente as premissas de ordem geral e mais abrangentes que permitem

fundar valores e hierarquias. Em Aristóteles, esses lugares estão restritos aos lugares

do acidente (nesse caso, seria um dos itens chamados por Aristóteles de lugar-

comum).

1. Lugar da quantidade

“Entendemos por lugares da quantidade os lugares-comuns que afirmam que

alguma coisa é melhor que a outra por razões quantitativas” (PERELMAN;

TYTECA, 2005).

2. Lugar da qualidade

Quando se contesta a virtude do número (quantidade), têm-se os lugares da

qualidade.

3. Lugar da ordem

Aquele que afirma a superioridade da causa sobre o efeito, do anterior sobre o

posterior, etc. Nesse lugar argumentativo podemos colocar o tempo passado

como detentor de maior relevância sobre o presente.

4. Lugar do existente

Superioridade do real em relação ao possível. Nesse caso se encaixa o valor

superior que se dá ao argumento que prioriza o concreto frente ao abstrato, o

prático sobre o teórico.

5. Lugar da essência

Argumento que caracteriza algo essencial como melhor que o caso fortuito. A

representação de padrão como detentora de uma essência.

6. Lugar da pessoa

Apela para a pessoa. Valores pessoais como dignidade, importância social,

esforço, etc.

De todos esses lugares, os da quantidade e das qualidades são os mais

21

significativos (PERELMAN; TYTECA, 2005, p. 111). Entretanto, os mesmos autores

destacam que a preferência por um tipo ou outro de argumento se dá em razão do

contexto, em razão de uma dada formação social em uma certa época.

1.3.4 Espécies de argumentos

Dentre os tipos de argumentos que a nova retórica propõe estão:

a. Argumentos quase lógicos

Os argumentos quase lógicos lembram a estrutura de um raciocínio lógico, mas

suas conclusões não são logicamente necessárias. Geralmente é um

argumento de que nos valemos para falar de coisas possíveis, plausíveis,

prováveis, mas que não são necessárias do ponto de vista lógico. Tipos de

argumentos quase lógicos: tautologia, definição, comparação, transitividade,

Argumentum a contrario, etc.

b. Argumentos fundamentados na estrutura da realidade

Esses argumentos são os que se baseiam em relações que consideramos

existentes no mundo objetivo: causalidade, sucessão, coexistência e

hierarquização.

c. Argumentos que fundamentam a estrutura do real

São argumentos indutivos ou analógicos, em que se generaliza a partir de um

caso particular ou aqueles em que se transpõe para outro domínio o que é

aceito em âmbito particular.

d. Dissociação de noções

Separam-se aqui as ideias em pares hierarquizados. Sentido figurado e literal,

letra e espírito, essência e aparência. Nesses casos, o argumento por

dissociação mostra que não há ligação entre os conceitos.

e. Outras técnicas

Falácias e outros argumentos de má fé entrariam seriam também outras

técnicas a que se recorre com frequência para a construção de discursos

argumentativos.

22

1.4 A REDAÇÃO ARGUMENTATIVA NAS REDAÇÕES DE CONCURSO

VESTIBULAR E ENEM

De forma breve e resumida, sabemos que a tipologia predominante nos

vestibulares e ENEM é a argumentativa. Isso ocorre em razão da sua natureza

reflexiva em que o aluno deverá ser capaz de mostrar uma construção lógica de

elementos que possibilitem averiguar a sua capacidade de análise de determinado

tema. Além disso, é importante que o candidato esteja atendo a temas de digam

respeito à sociedade e à cultura em que está inserido.

Alguns exames divergem em alguns aspectos mais pontuais, mas quase

todos apresentam as mesmas abordagens de correção. Abaixo seguem algumas

informações no tange à legislação e aos procedimentos de orientam a correção das

redações de exames como ENEM (Exame Nacional do Ensino Médio) e UFRGS

(Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN)

De acordo com a legislação vigente, os Parâmetros Curriculares tratam da

produção de textos no ensino médio no item número 6:

PCN ENSINO MÉDIO LINGUAGENS, CÓDIGOS E SUAS TECNOLOGIAS 6. Interlocução, significação, dialogismo Conceitos envolvidos na produção de enunciados pertinentes à situação de uso, tanto na fala quanto na escrita. As diversas trocas sociais possibilitam que os falantes de uma língua produzam enunciados, de acordo com certas intenções, dentro de determinadas condições, o que origina efeitos de sentido. Quando se dialoga com alguém ou se lê um texto, é pela interlocução que se constroem os sentidos; também é nela que os interlocutores se constituem e são constituídos. Tais conceitos perpassam quase todas as atividades da disciplina. Compete, porém, ao professor de Língua Portuguesa propor situações que incentivem a produção de textos orais e escritos nas quais se considerem: • um público ouvinte ou um leitor específico; • a situação de produção em que se encontram os interlocutores; • as intencionalidades dos produtores.

Com isso, pretende-se enfatizar que uma das caraterísticas predominantes

das aulas produção textual diz respeito à habilidade que professor e aluno devem ter

para compreender – antes da produção textual em si – o contexto social em que estão

23

inseridos e os objetivos que se devem atingir com determinado gênero de texto.

Em seguida, colocam-se os critérios presentes na matriz de referência para a

correção das redações do ENEM, para posteriores considerações4:

MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA REDAÇÃO [...] Baseada nas cinco competências da Matriz de Referência para Redação, a proposta da Redação do Enem é elaborada de forma a possibilitar que os participantes, a partir de uma situação-problema e de subsídios oferecidos, realizem uma reflexão escrita sobre um tema de ordem política, social ou cultural, produzindo um texto dissertativo- argumentativo em prosa. COMPETÊNCIAS EXPRESSAS NA MATRIZ DE REFERÊNCIA PARA REDAÇÃO DO ENEM E NÍVEIS DE CONHECIMENTOS ASSOCIADOS I - Demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa. Nível 0: Demonstra desconhecimento da modalidade escrita formal da língua portuguesa. Nível 1: Demonstra domínio precário da modalidade escrita formal da língua portuguesa, de forma sistemática, com diversificados e frequentes desvios gramaticais, de escolha de registro e de convenções da escrita. Nível 2: Demonstra domínio insuficiente da modalidade escrita formal da língua portuguesa, com muitos desvios gramaticais, de escolha de registro e de convenções da escrita. Nível 3: Demonstra domínio mediano da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro, com alguns desvios gramaticais e de convenções da escrita. Nível 4: Demonstra bom domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro, com poucos desvios gramaticais e de convenções da escrita. Nível 5: Demonstra excelente domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa e de escolha de registro. Desvios gramaticais ou de convenções da escrita serão aceitos somente como excepcionalidade e quando não caracterizem reincidência. II - Compreender a proposta de redação e aplicar conceitos das varias áreas de conhecimento para desenvolver o tema, dentro dos limites estruturais do texto dissertativo-argumentativo em prosa. Nível 0: "Fuga ao tema/não atendimento à estrutura dissertativo-argumentativa". Nível 1: Apresenta o assunto, tangenciando o tema ou demonstra domínio precário do texto dissertativo-argumentativo, com traços constantes de outros tipos textuais. Nível 2: Desenvolve o tema recorrendo à cópia de trechos dos textos motivadores ou apresenta domínio insuficiente do texto dissertativo-argumentativo, não atendendo à estrutura com proposição, argumentação e conclusão. Nível 3: Desenvolve o tema por meio de argumentação previsível e apresenta domínio mediano do texto dissertativo-argumentativo, com proposição, argumentação e conclusão. Nível 4: Desenvolve o tema por meio de argumentação consistente e apresenta bom domínio do texto dissertativo-argumentativo, com proposição,

4 Disponível em: <http://www.enem2016.com/matriz-de-referencia-para-redacao-enem-2016/>.

Acesso em: 20 nov. 2016.

24

argumentação e conclusão. Nível 5: Desenvolve o tema por meio de argumentação consistente, a partir de um repertório sociocultural produtivo e apresenta excelente domínio do texto dissertativo-argumentativo. III - Selecionar, relacionar, organizar e interpretar informações, fatos, opiniões e argumentos em defesa de um ponto de vista. Nível 0: Apresenta informações, fatos e opiniões não relacionados ao tema e sem defesa de um ponto de vista. Nível 1: Apresenta informações, fatos e opiniões pouco relacionados ao tema ou incoerentes e sem defesa de um ponto de vista. Nível 2: Apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema, mas desorganizados ou contraditórios e limitados aos argumentos dos textos motivadores, em defesa de um ponto de vista. Nível 3: Apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema, limitados aos argumentos dos textos motivadores e pouco organizados, em defesa de um ponto de vista. Nível 4: Apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema, de forma organizada, com indícios de autoria, em defesa de um ponto de vista. Nível 5: Apresenta informações, fatos e opiniões relacionados ao tema proposto, de forma consistente e organizada, configurando autoria, em defesa de um ponto de vista. IV - Demonstrar conhecimento dos mecanismos linguísticos necessários para a construção da argumentação. Nível 0: Não articula as informações. Nível 1: Articula as partes do texto de forma precária. Nível 2: Articula as partes do texto, de forma insuficiente, com muitas inadequações e apresenta repertório limitado de recursos coesivos. Nível 3: Articula as partes do texto, de forma mediana, com inadequações, e apresenta repertório pouco diversificado de recursos coesivos. Nível 4: Articula as partes do texto com poucas inadequações e apresenta repertório diversificado de recursos coesivos. Nível 5: Articula bem as partes do texto e apresenta repertório diversificado de recursos coesivos. V - Elaborar proposta de intervenção para o problema abordado, respeitando os direitos humanos. Nível 0: Não apresenta proposta de intervenção ou apresenta proposta não relacionada ao tema ou ao assunto. Nível 1: Apresenta proposta de intervenção vaga, precária ou relacionada apenas ao assunto. Nível 2: Elabora, de forma insuficiente, proposta de intervenção relacionada ao tema, ou não articulada com a discussão desenvolvida no texto. Nível 3: Elabora, de forma mediana, proposta de intervenção relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto. Nível 4: Elabora bem proposta de intervenção relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto. Nível 5: Elabora muito bem proposta de intervenção, detalhada, relacionada ao tema e articulada à discussão desenvolvida no texto. O texto argumentativo, do ponto de vista escolar, tem sido uma tipologia muito explorada ao final da educação média. Muito disso se deve ao fato de que inúmeras provas de acesso à universidade (inclusive ENEM), propõe ao aluno a construção dessa tipologia. Todavia, é notória a grande quantidade de questionamentos sobre construção do conteúdo desse tipo de texto.

Na matriz utilizada para correção das redações no ENEM, podemos destacar

a particularidade dos pronomes indefinidos nas descrições nos níveis a que

25

correspondem certos critérios que devem ser contemplados. Na competência I –

“demonstrar domínio da modalidade escrita formal da língua portuguesa”, por

exemplo, a diferença entre uma redação que merece nível 2 e outra que merece nível

3 está em apresentar muitos ou alguns desvios gramaticais. Entretanto, essas

definições parecem algo vagas, e isso pode ser um fator de interpretação subjetivo,

por parte dos avaliadores, colocando em risco a isonomia da correção.

Em outros processos seletivos, outras planilhas de correção são utilizadas

com outros critérios e outras definições.

Ainda que a maioria convirja para semelhantes métodos de correção, por

óbvio, podemos deduzir que o estudante mais se preocupa em atender às

particularidades de cada critério de correção do que propriamente desenvolver um

texto que prime pelo conteúdo argumentativo em defesa de um ponto de vista sobre

um tema de relevância social.

26

1.5 A ARGUMENTAÇÃO NOS LIVROS DIDÁTICOS ESCOLARES: SENSO COMUM

E LUGAR-COMUM NOS LIVROS DIDÁTICOS ESCOLARES

Os livros didáticos em sua maioria não desenvolvem com detalhes os

processos a serem utilizados para uma boa argumentação e restringem-se a dicas ou

a comentários superficiais que mais confundem do que explicam ao aluno.

A maioria dos professores de Língua Portuguesa e/ou Redação, do ensino

médio principalmente, já falou em sala de aula sobre o “senso comum” e o “lugar-

comum”, bem como já orientou a sua não utilização em textos que se destinem

especialmente a exames como o vestibular. Entretanto, a maioria não distingue os

dois termos ou fica restrita a orientações superficiais reforçando a ideia de que não

são adequados para esse tipo de discurso. Deixar clara a diferença entre tais termos,

assim como esclarecer em detalhes os motivos pelos quais seu uso é restrito é

fundamental para que o aluno priorize uma argumentação consistente de forma

consciente com base em uma escolha de termos mais adequados ao seu auditório,

além de verificar a adequação de suas escolhas.

Para esclarecer a diferença entre os termos senso comum e lugar-comum, o

livro didático Língua Portuguesa, da Editora Bernoulli, volume 3, aponta:

Usa-se a expressão “senso comum” para fazer referência a concepções conhecidas e consideradas válidas pela maioria das pessoas. São exemplos de ideias de senso comum: • A estrutura tradicional das famílias modificou-se ao longo dos últimos 20 anos. • Não será possível acabar com a corrupção no Brasil se não houver punições efetivas àqueles que a praticam. • O sistema carcerário no Brasil não reabilita os infratores para o convívio social. • Nos Estados Unidos, não há menores índices de criminalidade nos estados que adotam a pena de morte. Não há problema em se usarem ideias e argumentos desse tipo em uma redação. Todo texto precisa ser um pouco previsível, afinal, deve pautar-se na realidade, na qual também está fundamentado o senso comum. Entretanto, é bom saber que essas ideias têm baixo índice de informatividade. Em outras palavras, um texto fundamentado apenas no senso comum é previsível e não acrescenta muito aos leitores. Por isso, é aconselhável apresentar ideias que ultrapassem o senso comum. Os lugares-comuns pautam-se em generalizações pouco atentas e, normalmente, traduzem preconceitos. São exemplos de lugares-comuns: • Mulheres não sabem dirigir bem. • Na favela só há marginais. • Políticos são corruptos. (2015, p. 35-36).

27

É importante ressaltar que a definição de lugar-comum de alguns livros

didáticos geralmente fica restrita à ideia dos chavões ou não apresenta aos alunos

estratégias linguísticas para fugir do senso comum.

No livro didático do Grupo Educacional Ari de Sá, Língua Portuguesa – Pré-

vestibular (Livro 2, p. 40), há uma orientação que é a seguinte:

Para fugir do senso comum, especifique suas informações com exemplos de situações e fatos concretos; agregue conhecimento de mundo, trazendo diversas áreas do conhecimento humano para a discussão (cuidado para não exigir do leitor um conhecimento específico demais); construa argumentos de causa, efeito, comparação, finalidade, ressalva etc. Desse modo você mostrará real conhecimento acerca do assunto. (LIVRO DIDÁTICO ARI DE SÁ; Língua Portuguesa – Pré-vestibular; Livro 2, p. 40).

Para o aluno, de forma geral, parece ser uma informação muito vaga que não

cumpre com o seu objetivo que é possibilitar ao aluno a construção adequada de um

argumento partindo dos elementos linguísticos. Assim, o aluno não consegue

identificar de forma clara o que deve fazer e como deve fazer.

.

28

CAPÍTULO 2 – METODOLOGIA

Este capítulo trata da metodologia utilizada para a coleta e análise dos dados

do presente trabalho. Inicialmente, o objetivo era utilizar mais uma metodologia para

que o trabalho apresentasse maior precisão do ponto de vista quantitativo, entretanto

observamos que os fatores tempo e acesso a materiais seriam entraves consideráveis

para essa monografia. Além disso, uma análise mais pragmática do tema estaria mais

de acordo com o propósito de levantar-se um questionamento sobre esse gênero de

texto nos bancos escolares e provocar a curiosidade dos interessados nesse trabalho.

Logo, optou-se por uma metodologia mais qualitativa do processo discursivo desse

gênero por parte dos alunos egressos do ensino médio e candidatos a uma vaga nas

universidades seja pelo ENEM, seja por qualquer outro processo seletivo que exija tal

texto.

2.1 PESQUISA BIBLIOGRÁFICA, DE CARÁTER EXPLORATÓRIO

Trata-se de um tipo de pesquisa que tem por objetivo principal elaborar um

levantamento prévio de estudos de referência, possibilitando ao pesquisador uma

visão mais aprofundada sobre o tema. O foco está em criar um estudo preliminar, para

que se possa familiarizar com o fenômeno investigado e, assim, determinar de forma

mais exata as hipóteses e discussões sobre o assunto.

Normalmente, essa pesquisa se apoia em três pontos: a) pesquisa bibliográfica

teórica sobre o tema, b) entrevistas pré-elaboradas e c) experiência prática contextual,

que consiste na imersão do pesquisador no contexto a ser pesquisado, sendo o

pesquisador um interpretador desse “pedaço” da realidade5, que, no caso desta

monografia, é a sala de aula. Assim, o presente estudo apresenta natureza

predominantemente qualitativa e contextual.

5 Disponível em: <http://designinterativo.blogspot.com.br/2006/08/histria-da-pesquisa-qualitativa.html>. Acesso em: 20 out. 2016.

29

2.2 PESQUISA DE CAMPO, DE ABORDAGEM QUALITATIVA

Com as fortes críticas à metodologia quantitativa nos anos de 1960 e 1970, a

metodologia qualitativa ganhou seu espaço. Nesse período, as definições acerca da

sua natureza foram diversas. Porém, o aspecto mais relevante dessa mudança de

definições diz respeito à alteração conceitual, por parte dos pesquisadores, em não

mais classificá-la como “pesquisa não quantitativa”, o que colaborou para fortalecer

sua identidade e importância.

Para melhor entender as características da pesquisa qualitativa, o esquema a

seguir, elaborado com base em Bogdan e Biklen (1997), explicita seus aspectos mais

importantes:

Quadro 1 – Características da pesquisa qualitativa

Ambiente natural como fonte direta de dados e pesquisador como instrumento principal

Para realizar a investigação, o pesquisador se insere no cenário no qual está situado seu objeto. Os dados coletados para fins de análises derivam do seu contato direto com a realidade e do entendimento que ele constrói nessa interação. Mesmo quando o investigador usa instrumentos como gravadores, câmeras etc., é o seu entendimento dos registros o elemento fundamental da análise.

Investigação descritiva As informações coletadas na pesquisa são em forma de palavras ou imagens e não de números. Dessa forma, os resultados da pesquisa apresentam citações dos dados coletados no intuito de referendar ou fundamentar as análises e apresentações realizadas.

Pesquisador com interesse mais pelo processo da pesquisa do que simplesmente pelo seu resultado

O investigador busca compreender como o objeto estudado se configura em um dado contexto, a partir das concepções e negociação de significados dos indivíduos.

Análise indutiva dos dados Nesse tipo de pesquisa, não se tem o objetivo de corroborar ou refutar hipóteses construídas previamente. As análises são realizadas gradativamente, a partir da coleta e

30

distintas formas de agrupar as informações particulares.

Significado com importância fundamental na pesquisa.

As informações coletadas e que dão suporte às análises são os registros de como os sujeitos pesquisados percebem e dão sentido às suas vidas. Sendo assim, o pesquisador qualitativo valoriza a fiel percepção dos sujeitos, adotando estratégias de devolução dos registros aos sujeitos pesquisados para assegurar sua adequação.

O objetivo principal deste trabalho é provocar nos interessados uma

inquietação sobre os recursos argumentativos utilizados pelos alunos do ensino médio

nas escolas brasileiras. Sabe-se, porém, que esse trabalho não apresenta dados

precisos, tampouco, tem por foco tratar dessa temática pelo viés quantitativo. Assim,

as pesquisas bibliográfica e qualitativa atendem a nosso propósito que não ultrapassa

a intenção de ser um provocador de debate mais sério sobre o tema.

2.3 CONTEXTO E RECURSOS AVALIATIVOS

O presente trabalho foi realizado em Porto Alegre, Rio Grande do Sul, ao longo

do ano letivo de 2016. Para a sua realização, selecionei uma amostra de 16 redações,

realizadas por alunos do curso pré-vestibular em que leciono. Como o curso conta

com quatro unidades na capital gaúcha, optei por trabalhar com a análise de redações

da tipologia dissertativo-argumentativa propostas ao longo do ano6. O objetivo era

representar o universo dos alunos de curso pré-vestibular, que buscam o acesso à

universidade e, portanto, devem dominar a tipologia dissertativo-argumentativa.

Entre os instrumentos utilizados para formar o corpus de análise desta pesquisa

estão: a) redações de alunos em idade escolar, que buscam uma vaga na

universidade; b) questionários direcionados a estudantes, visando colher respostas

sobre a construção da argumentação, bem como dúvidas sobre os tipos de

argumentos mais adequados c) questionários direcionados a professores de redação,

para verificar como abordam a construção de argumentos textuais em suas aulas.

6 Anexo 1 desta monografia.

31

Todos os questionários contaram com perguntas pré-estabelecidas, tendo sido

disponibilizados para os respondentes no diretório eletrônico Google docs7.

Além dos questionários, tomaram-se como fontes a coleção da editora Abril que

analisa as técnicas de construção de argumentos no tipo de texto em questão, bem

como algumas coletâneas de artigos publicados pela Universidade Federal do Rio

Grande do Sul (UFRGS) e pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul

(PUCRS).

Ademais, a experiência prática em sala de aula por 8 anos também foi um

elemento importante para a construção dos instrumentos de avaliação, bem como a

definição da abordagem metodológica de campo e, ainda, as reflexões realizadas na

conclusão da pesquisa.

7 Anexos 2 e 3 desta monografia.

32

CAPÍTULO 3 – ANÁLISE DOS DADOS COLETADOS

Este capítulo objetiva analisar o modo como alguns mecanismos são

utilizados pelos alunos no decorrer do processo de defesa de seus argumentos na

redação de vestibular/ENEM. A ideia é chamar a atenção para alguns dados que

possam contribuir para um possível aprofundamento dos estudos das argumentações

em redações de processos seletivos realizados por alunos oriundos do Ensino Médio.

Foram realizadas análises das pesquisas direcionadas a alunos e professores, bem

como de uma amostra selecionada de redações de alguns estudantes.

3.1 ENTREVISTA COM OS PROFESSORES

A pesquisa realizada com os professores tem como objetivo colaborar com

fundamentação deste trabalho, sugerindo que a forma de trabalho das aulas de

redação deixa a desejar e pode ser um componente importante para um desempenho

insatisfatório dos alunos.

No que diz respeito ao planejamento do texto, podemos perceber que ambos

priorizam a construção de roteiro que oriente a elaboração da redação. Isso contribui

para a concatenação das ideias e uma sequência lógica das ideias pode ser melhor

elaborada dessa forma.

Além disso, segundo esses professores, equilibrar o ensino da estrutura e do

33

conteúdo parece também permear suas aulas.

A carga horária disponível para as aulas de redação, entretanto, é um

elemento que chama a atenção. Os entrevistados afirmam que dispõem apenas de

um período para trabalhar textos com seus alunos. Aqui nos cabe salientar que essa

carga de trabalho – talvez – seja aquém da necessária para se explorar conteúdos

argumentativos que estejam baseados em conhecimento vindo de leituras e análises

de textos.

Some ao anterior a constatação de que não se consegue explorar a leitura em

sala de aula, conforme as respostas da pergunta 05. Isso reforça o que a prática já

nos evidencia: que existe uma prioridade maior para se vencer o conteúdo e que esse

fator, na redação, refere-se ao estudo quase que exclusivo das estruturas.

34

Quando questionados sobre os tipos de argumentos mais ensinados, os

professores que participaram da pesquisa apontam que argumento de autoridade,

reportagens, dados estatísticos e referências a filmes são os enfoques mais

proeminentes. Coincidência ou não esses são os argumentos geralmente apontados

pelos livros didáticos. Logo, podemos deduzir que seguir o conteúdo do livro

apresenta-se como regra número para o exercício das atividades docentes.

Por fim, no que tange ao senso comum, ambos sugerem discussões e

reflexões acerca de temas do cotidiano como proposta para se fugir dele.

35

3.2 ENTREVISTA COM OS ALUNOS

As primeiras perguntas tratam de informações pessoais como nome e idade,

portanto não se tornam – para este trabalho – relevantes para os objetivos

pretendidos.

A terceira questão versa sobre escola em que cursam ou cursaram o Ensino

Médio. Com uma pequena diferença, há uma predominância de alunos oriundos de

escolas particulares sobre os alunos de escola pública. Podemos enfatizar que o valor

de um curso pré-vestibular é muito caro, entretanto nesse número de alunos oriundos

do ensino público, teremos – provavelmente - alguns bolsistas.

Pretende-se com esse levantamento identificar um nicho de pesquisa

importante para uma trabalho mais aprofundado e complexo. Pode-se perceber

também que o fator local onde cursou o Ensino Médio não é determinante – pelo

menos No contexto deste trabalho – para evidenciar os elementos argumentativos

utilizados.

36

No

que diz respeito ao aspecto técnico do processo de escrita, podemos observar que

uma minoria, quase irrelevante, não realiza sempre a elaboração de um roteiro. Em

tese, quase em sua totalidade, os alunos tendem a construir um caminho prévio para

construir da redação de vestibular antes do rascunho propriamente dito.

No que tange às estratégias argumentativas, parece que o recurso de causa e

consequência é o mais escolhido. Na sequência, empatados, temos obras literárias,

filmes e exemplos do cotidiano como opções que possam ilustrar a abordagem

argumentativa. Fica claro que a opção dados estatísticos é o recurso menos utilizado

pelos estudantes ao longo do texto argumentativo. Seria interessante definir, como

37

questão de um futuro trabalho, que elementos impedem os alunos na utilização desse

recurso. A representação estatística encontra-se no grupo de recursos lógicos que

empregamos como demonstração de uma informação. Para a finalidade requerida

pela redação de vestibular, seria uma técnica de grande eficácia.

Em sua definição e sua identificação o senso comum nos parece um item de

forte relevância para ser analisado. Quase metade dos alunos que respondeu à

pesquisa aponta ter dúvidas sobre isso. Ademais, ao responderem à solicitação de

exemplificar o senso comum, os que o fizeram apontaram basicamente clichês. Uma

das respostas, inclusive, não compreende a solicitação e tenta definir o termo.

A questão 09 solicita aos alunos que indiquem as suas estratégias para evitar

cair no senso comum. As respostas se restringem a amplas estratégias que mais se

caracterizam como objetivos do que propriamente como técnicas concretas de

construção linguística. Isso pode ter relação com as definições apresentadas por livros

38

didáticos. Aqui, caberia uma nova investigação mais aprofundada para determinar que

fatores – de forma prática – contribuem para essa semelhança.

Por fim, solicitamos aos alunos que identificassem frases que pudessem

conter algum tipo de ideia mais próxima ao senso comum. Das cinco frases sugeridas,

todas podem ser classificadas como estruturas que compõem ideias de senso comum.

Entretanto, nem um aluno sequer considerou que todas pudessem conter um teor de

superficialidade de informações. Isso aponta para uma possível discussão sobre a

capacidade de nossos alunos de identificar e perceber conteúdos com graus distintos

de informatividade. Além disso, pode ser que isso se deva ao fato de ficarmos muito

presos – nas aulas – ao ensino da tipologia e do gênero e deixarmos de lado um

estímulo maior à prática da leitura.

39

3.3 ÁLISE DAS REDAÇÕES

Na redação número 01, a correção chegou à nota total de 880 pontos. Dentre

os descontos que levaram à redução da nota, podemos destacar o fato de que houve

uma falta de comprovação das informações destacadas ao longo da

argumentação. A competência III marcou 160 pontos – nível 3 – porque o texto não

apresenta autoria de fato. O conteúdo discursivo existente na parte argumentativa faz

uso de conceitos superficiais e generalizantes. Podemos observar essas

características no trechos em destaque:

“A internet possui vários pontos positivos, mas tudo que é consumido em excesso se torna algo negativo, e com a rede social não é diferente [...]” “[...] parando totalmente de se relacionar fisicamente [...]” “Isso pode gerar um grande problema para a sociedade, pois causa carência de interação social [...]” “[...] gera [...] uma profunda depressão que pode até acarretar o suicídio dessas pessoas [...]” “Com isso outras pessoas podem ver e conhecer toda sua vida pessoal e com essas informações, alguns indivíduos de má índole podem fazer uso inapropriado dessas informações”.

A redação 02 apresenta um problema de tangenciamento do tema solicitado

pela proposta de redação. Além disso, as informações apresentadas nos parágrafos

de desenvolvimento são amplas e confusas, uma vez que diversas informações são

apresentadas resultando em um texto sem objetividade, com falhas coesivas, com

léxico inadequado e com certa falta de paralelismo.

Os trechos abaixo ilustram essas características:

40

“A ferramenta primordial para desenvolvimento e evolução do caráter geral do cidadão é escola.” “O que acontece porém, é a automzatização do saber o descompromisso em evidenciar ou dar justificativas aos “por ques” limitando e não instigando a prática pela busca por informações pertinentes, perpetuando assim o desconhecimento por falta de interesse e facilitando o recrutamento dessas vidas para a criminalidade.”

A redação 03 mostra-nos uma argumentação previsível e com baixa carga de

informatividade. Além disso, podemos perceber que os textos motivadores foram os

únicos focos de argumentação utilizados sem acrescer ao texto qualquer nova

abordagem em que se verifique algum traço de autoria. Outro fator que chama a

atenção foi a abordagem confusa quanto à quantidade de dados no primeiro

desenvolvimento. Já no segundo, um exemplo simples e concreto serve como

elemento indutor para se assumir um comportamento isolado como sendo uma regra.

Nesse caso, o problema maior está no fato de não se perceber o ponto de vista do

autor do texto no que diz respeito ao uso ilustrativo desse exemplo:

“Se a escola (ILEGÍVEL) os portos para a comunidade, a ‘famosa’ visão que os indivíduos têm dela poderá se modificar. A importância da reconstrução da imagem institucional, para mais atrativa, aumentará a integralidade das pessoas. A união fornecerá segurança nas ruas e escolas. Um exemplo de atividade que poderia ser efetuada é o esporte”.

Aqui também percebemos que outros desvios – como falta de concordância,

falta de coesão – agravaram as penalidade por afetarem o entendimento global da

discussão:

“Um exemplo se dá pos Braz Nogueira, diretor de uma escola municipal na favela de Heliópolis, onde, afirma ter ocorrido desde agressões até assassinatos. Ele investiu ao longo prazo com projetos sociais e o dia-a-dia da comunidade foi melhorando cada vez mais”.

A redação 04 não aprofunda o tema tampouco desenvolve de forma

satisfatória os argumentos. Além disso, estes não se relacionam àquele o que

prejudica a sustentação de uma possível tese:

“Pessoas com esses problemas acabam seguindo dois caminhos: O caminho da depressão profunda, que os leva a encontrar meios de fuga da realidade (um deles sendo as drogas). Ou se envolvendo com pessoas de má índole e entrando num mundo criminoso”.

41

É possível também verificar uma falta de domínio da norma culta, problemas

de coesão de texto e outros desvios que prejudicam o entendimento do discurso. É

possível ressaltar também uma grande marca de oralidade na construção da

mensagem o que foge à proposição desse gênero.

A redação 05 pode ser considerada um modelo adequado ao gênero

solicitado pelas provas de redação dissertativa. O candidato argumenta em favor da

tese explorando abordagens de naturezas diferentes. Isso demonstra domínio do

tema. Ademais, a construção da argumentação com um tópico frasal relevante é

seguida de um exemplo prático e corroborada com informações acerca de um estudo

científico. Por fim, o fechamento do primeiro desenvolvimento se dá com uma análise

sobre os itens explorados, demonstrando seu ponto de vista:

“É necessário pontuar que, embora possua um grande potencial transformador, a Escola não tem apresentado nem agido dessa forma, nas últimas décadas. Os alunos, vindos das mais diversas famílias com as mais diferentes culturas – e até nacionalidades, num país com grande histórico de migrações como o Brasil – possuem diferenciados talentos uns dos outros. [...] artísticos, esportivos ou intelectuais. Estudos feitos pelo Instituto de Tecnologia de Massachussets (MIT) nos Estados Unidos atestam [...]. Assim, cumprindo de fato na formação do caráter do aluno, a Escola estará exercendo seu papel”.

Ainda que tenha obtido uma boa avaliação, essa redação apresenta alguns

desvios de norma culta no que tange à pontuação e coesão, por exemplo. Entretanto,

percebe-se um bom domínio dos recursos discursivos.

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CONCLUSÕES

O maior objetivo desse trabalho quando iniciado era proporcionar uma

reflexão para melhorar a prática docente relativa à produção textual. Como professor

de Redação, especialmente do terceiro ano Médio e de cursinhos pré-vestibulares,

sempre me inquietaram as ambiguidades e as técnicas usadas para o ensino desse

gênero textual no ambiente escolar. Minha ideia primeira era elaborar uma pesquisa

mais substancial, usando como corpus as redações produzidas no concurso ENEM

2015. Entretanto, dada necessidade de um período de tempo mais extenso para a

realização de tal trabalho, decidi-me por uma análise mais qualitativa, que levasse em

consideração a bibliografia já existente sobre o tema, com a aplicação de

questionários que ilustrassem a visão dos docentes e discentes acerca do assunto,

aproveitando a experiência que possuo em sala de aula para realizar a análise de

algumas redações produzidas por alguns alunos que pleiteiam vaga no ensino

superior e precisam elaborar uma redação dissertativa.

Com relação ao corpus verificado, a análise qualitativa não busca uma

comprovação com base em uma quantidade considerável de pesquisas e números.

Logo, os dados estatísticos obtidos servem apenas como ilustração de um

comportamento já identificado em sala de aula e que aponta para aspectos

importantes para que os alunos possam melhorar seu desempenho na produção

textual que os exames vestibulares e ENEM solicitam.

Diante do contexto apresentado, podem-se fazer alguns apontamentos

conclusivos, como segue.

A dissertação-argumentativa é, de fato, o gênero textual mais solicitado pelos

concursos vestibulares e pelo ENEM. O objetivo é analisar a capacidade de o

candidato sustentar uma opinião acerca de um determinado tema utilizando

argumentos diversificados construídos em uma sequência lógica de ideias. Entretanto,

parece que esse modelo se perpetua como única forma de avaliação de textos para

tais exames.

Com base nessas considerações, verifica-se que os alunos se preocupam muito

mais com a estruturação desse gênero textual do que com o conteúdo que vão

apresentar ao longo da argumentação. Isso remete a uma reflexão importante sobre

o fato de os alunos não usarem esse gênero em seu cotidiano. Dessa forma, a

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insegurança quanto à construção estrutural do texto parece ser prioridade para os

estudantes, em detrimento dos conteúdos argumentativos de fato.

Ao longo de minha experiência em classe, ministrando aulas para ensino médio e

pré-vestibular verifiquei que a composição argumentativa dos alunos se detém em sua

maioria às sugestões e modelos apresentados em livros didáticos, os quais – ainda

que mais frequentes nas aulas de redação – são pouco detalhados nas classes sobre

o tema. Dessa forma, não surpreende o fato de os alunos não adotarem outras formas

de sustentação de ponto de vista que não as “decoradas” como possíveis em sala.

Outro fator de destaque diz respeito à impossibilidade de se trabalhar com leituras

e reescritas em sala de aula. Com base nas experiências de sala e nas avaliações

dos professores que participaram da pesquisa neste trabalho, pode-se perceber que

trabalhar com apenas um período semanal reduz as atividades de sala apenas para

um trabalho voltado mais para o âmbito estrutural.

Uma última análise diz respeito à insegurança que os alunos possuem no que

tange à identificação do senso comum, o que é muito relevante para que o texto

apresente lógica argumentativa suficiente para sustentar uma tese sobre um

determinado tema. A falta de treinamento em leitura e interpretação de textos pode

ser um fator importante para essa insegurança.

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REFERÊNCIAS

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Fontes, 2001. TRAVAGLIA, Luiz Carlos. Composição tipológica de textos como atividade de formulação textual. IN: Revista do GELNE, vol. 4, nº 1. Fortaleza: Grupo de Estudos Linguísticos do Nordeste/Universidade Federal do Ceará, 2003. BARROS, Aidil Jesus da Silveira; LEHFELD, Neide Aparecida de Souza. Fundamentos de Metodologia Científica. 2ª ed. São Paulo: Makron Books, 2000. LAKATOS, Eva Maria; MARCONI, Marina de Andrade. Metodologia do Trabalho Científico. 6ª ed. São Paulo: Atlas, 2001.

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Anexo 1 – Mostra de redações analisadas

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Anexo 2 - Entrevista com os alunos

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Anexo 3 – Entrevista com os professores

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