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Boletim de divulgação nº5 Março 2002 APRESENTAÇÃO No âmbito do projecto Atitudes Sociais dos Portugueses, coordenado por Manuel Villaverde Cabral e Jorge Vala, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) lançou em 2000 um inquérito sobre questões ambientais. Este inquérito constitui mais uma edição do International Social Survey Programme (ISSP), rede internacional de estudos longitudinais e transnacionais na qual Portugal se encontra representado, desde 1997, pelo ICS. Como vem sendo hábito, divulgamos agora os resultados obtidos em Portugal comparando-os com os de outros países. Apresentamos ainda os resultados de um conjunto de perguntas realizadas apenas em Portugal sobre as atitudes e opiniões relativamente ao património nacional. AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO Os problemas ambientais estão hoje naturalmente presentes no nosso quotidiano. Habituámo-nos a ver uma secção sobre ambiente nos jornais e revistas, a assistir a notícias sobre protestos ambientais nos noticiários, e a ser alvos de campanhas de informação e sensibilização para melhorar o ambiente. É hoje para nós pacificamente aceite que a poluição das águas ou do ar é preocupante, ou que é uma causa nobre contribuir para que não se extingam espécies selvagens. Também não achamos estranho sermos interpelados para responder a questões sobre as nossas opiniões sobre o estado do ambiente, como aconteceu com o questionário do International Social Survey Programme (ISSP) que agora apresentamos. De tal forma estas questões fazem parte do nosso quotidiano que nos esquecemos que elas nada têm de natural, e são, de facto, temas de reflexão recentes nas sociedades ocidentais. O questionário que agora se apresenta é o segundo realizado pelo ISSP sobre o ambiente. O questionário anterior foi aplicado em 1993 em 22 países, mas nessa altura Portugal ainda não fazia parte da equipa. O questionário inclui sempre algumas questões gerais que permitem referenciar os posicionamentos sociais dos indivíduos (valores materialistas e pós-materialistas, posicionamento religioso, auto-posicionamento político) bem como a suas características socio-demográficas. O módulo de ambiente inclui questões idênticas às utilizadas no questionário de 1993 e 20 questões novas e, no seu conjunto, cobrem tanto o domínio dos comportamentos pró-ambientais, como o dos conhecimentos em matéria de ambiente ou as atitudes. Explicitaremos em seguida algumas das variáveis latentes incluídas em cada um dos grupos de indicadores. Relativamente às práticas ambientais, o módulo inclui questões acerca da disponibilidade para pagar para a protecção do ambiente (por exemplo, aceitação de aumentos preços para proteger o ambiente), de comportamentos pró-ambientais (por exemplo, reciclagem) e de comportamentos de participação ambiental (por exemplo, ser membro de um grupo ambientalista). Relativamente aos conhecimentos, incluem-se perguntas relativas a conhecimentos científicos gerais (por exemplo, “Os antibióticos podem matar as bactérias mas não os vírus”) e a conhecimentos ambientais (“O efeito de estufa é causado por um buraco na atmosfera terrestre”). Atitudes Sociais dos Portugueses INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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Boletim de divulgação nº5 Março 2002

APRESENTAÇÃO No âmbito do projecto Atitudes Sociais dos Portugueses, coordenado por Manuel Villaverde Cabral e Jorge Vala, o Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa (ICS) lançou em 2000 um inquérito sobre questões ambientais. Este inquérito constitui mais uma edição do International Social Survey Programme (ISSP), rede internacional de estudos longitudinais e transnacionais na qual Portugal se encontra representado, desde 1997, pelo ICS. Como vem sendo hábito, divulgamos agora os resultados obtidos em Portugal comparando-os com os de outros países. Apresentamos ainda os resultados de um conjunto de perguntas realizadas apenas em Portugal sobre as atitudes e opiniões relativamente ao património nacional. AMBIENTE E DESENVOLVIMENTO Os problemas ambientais estão hoje naturalmente presentes no nosso quotidiano. Habituámo-nos a ver uma secção sobre ambiente nos jornais e revistas, a assistir a notícias sobre protestos ambientais nos noticiários, e a ser alvos de campanhas de informação e sensibilização para melhorar o ambiente. É hoje para nós pacificamente aceite que a poluição das águas ou do ar é preocupante, ou que é uma causa nobre contribuir para que não se extingam espécies selvagens. Também não achamos estranho sermos interpelados para responder a questões sobre as nossas opiniões sobre o estado do ambiente, como aconteceu com o questionário do International Social Survey Programme (ISSP) que agora apresentamos. De tal forma estas questões fazem parte do nosso quotidiano que nos esquecemos que elas nada têm de natural, e são, de facto,

temas de reflexão recentes nas sociedades ocidentais. O questionário que agora se apresenta é o segundo realizado pelo ISSP sobre o ambiente. O questionário anterior foi aplicado em 1993 em 22 países, mas nessa altura Portugal ainda não fazia parte da equipa. O questionário inclui sempre algumas questões gerais que permitem referenciar os posicionamentos sociais dos indivíduos (valores materialistas e pós-materialistas, posicionamento religioso, auto-posicionamento político) bem como a suas características socio-demográficas. O módulo de ambiente inclui questões idênticas às utilizadas no questionário de 1993 e 20 questões novas e, no seu conjunto, cobrem tanto o domínio dos comportamentos pró-ambientais, como o dos conhecimentos em matéria de ambiente ou as atitudes. Explicitaremos em seguida algumas das variáveis latentes incluídas em cada um dos grupos de indicadores. Relativamente às práticas ambientais, o módulo inclui questões acerca da disponibilidade para pagar para a protecção do ambiente (por exemplo, aceitação de aumentos preços para proteger o ambiente), de comportamentos pró-ambientais (por exemplo, reciclagem) e de comportamentos de participação ambiental (por exemplo, ser membro de um grupo ambientalista). Relativamente aos conhecimentos, incluem-se perguntas relativas a conhecimentos científicos gerais (por exemplo, “Os antibióticos podem matar as bactérias mas não os vírus”) e a conhecimentos ambientais (“O efeito de estufa é causado por um buraco na atmosfera terrestre”).

Atitudes Sociais dos Portugueses

INSTITUTO DE CIÊNCIAS SOCIAIS DA UNIVERSIDADE DE LISBOA

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No âmbito das atitudes acerca do ambiente incluem-se uma diversidade de indicadores relativos tanto a crenças como a preocupações ou atitudes face a diversos aspectos relacionados com o ambiente. Incluem-se assim questões gerais relativas ao ambiente e à natureza (por exemplo, sobre a preocupação com o ambiente), mas também mais específicas relativas à ciência (confiança na ciência como forma de resolver os problemas ambientais), aos diversos perigos para o ambiente (grau de perigosidade associada a diversas actividades humanas como por exemplo as centrais nucleares) ou à confiança em diversas fontes de informação ambiental (por exemplo, os jornais). Caracteriza-se ainda o envolvimento relativamente às questões ambientais considerando a percepção de auto-eficácia ambiental (por exemplo, “É difícil para um pessoa como eu fazer muito pelo ambiente”), a atribuição de responsabilidade pela resolução dos problemas ambientais (por exemplo, ao governo ou às empresas) e à percepção de esforço em prol da protecção do ambiente (por parte dos países pobres e ricos, do governo ou da indústria, por exemplo). Montou-se assim um cenário onde estão disponíveis instrumentos de análise muito diversos sobre a adesão às ideias ambientalistas na sociedade portuguesa hoje. Resta-nos esperar que os investigadores os utilizem para a produção de peças de pesquisa que contribuam para o aumento do conhecimento científico e que nos permitam compreender melhor a realidade em que vivemos.

Luísa Lima

PERCEPÇÃO DE AMEAÇAS AMBIENTAIS A preocupação com o ambiente surge como uma preocupação importante para os portugueses: 74% dos inquiridos considera que o ambiente devia ser uma prioridade nacional. Esta preocupação geral, reflecte-se nas respostas a um conjunto de questões relativas ao grau de perigosidade para o ambiente associado a uma série de actividades humanas. A análise destas questões mostra também um elevado nível de preocupação com as 7 actividades consideradas: As centrais nucleares são consideradas as mais perigosas para o ambiente, seguidas, a níveis muito semelhantes das questões associadas à poluição industrial e ao aumento da temperatura do planeta, situando-se no fim da lista as questões ligadas à agricultura (uso de pesticidas e manipulação genética) (ver Quadro 1). Deste modo, podemos ver que nesta amostra esta tendência também se confirma a ideia de um

elevado nível de preocupação ambiental dos portugueses.

Quadro 1 Grau de perigosidade para o ambiente

(extremamente + muito perigoso - %)

Centrais nucleares 91 Poluição dos rios, lagos e albufeiras 87 Aumento da temperatura do planeta 88 Poluição do ar causada pela indústria 86 Poluição do ar causada pelos automóveis 84 Pesticidas e produtos químicos usados na agricultura 79

Modificação genética de produtos agrícolas 77 A preocupação dos portugueses com o ambiente surge ainda elevada quando comparada com os níveis de preocupação apresentados por outros países. Portugal apresenta o segundo valor médio mais elevado de percepção de ameaça ambiental. Em Portugal, a percepção de ameaça ambiental é mais elevada nas mulheres, nos menos instruídos, nos mais velhos e nos que têm menores rendimentos. Para além destas características socio-demográficas procurou-se analisar a relação com posições sociais mais gerais. No total da amostra, a posição conservadora face às desigualdades sociais está muito associada à defesa de valores mais antropocêntricos e de restrição na conservação do património. Trata-se, portanto, de um conjunto de crenças tradicionais, com um pendor fatalista e um pouco miserabilista, que se manifestam de forma coerente ao longo dos três tipos de objectos sociais: as desigualdades, o património e o ambiente. A percepção de ameaças ambientais está associada a crenças conservadoras relativamente às desigualdades sociais, mas também a uma orientação ambientalista.

Gráfico 1 Perigosidade dos automóveis e sua difusão

(médias: escala: 1 nada – 5 extremamente perigoso)

2,52,72,93,13,33,53,73,94,14,34,5

Finl

ândi

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orue

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Alem

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Uni

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Rei

no U

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Chile

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0

100

200

300

400

500

600

perigosidade para o ambiente

nº de Automóveis /1000 habitantes

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A associação entre percepção ambiental e a experiência com o risco revela um efeito consistente de habituação à tecnologia (quanto mais divulgada a tecnologia, menor a ameaça percebida para o ambiente) (Gráfico 1) e de saliência da tecnologia (quanto mais rápido o crescimento nos últimos anos maior a percepção de ameaça ambiental) (Gráfico 2).

Gráfico 2

Perigosidade dos automóveis e sua evolução* (médias: escala: 1 nada – 5 extremamente perigosos)

2,52,72,93,13,33,53,73,94,14,34,5

Finl

ândi

aH

olan

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orue

gaSu

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Alem

anha

Bulg

ária

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dos

Uni

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Rei

no U

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eca

Espa

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Chile

Port

ugal

Filip

inas

-40

-20

0

20

40

60

80

100

Perigosidade do carro para o ambiente

Evolução do nº de automoveis entre 90 e 99

* O indicador de evolução é a taxa de crescimento do número de automóveis entre 1990 e 1999. Portugal é, simultaneamente, dos países que tem menor difusão das tecnologias e que apresentam maior crescimento das tecnologias nas duas últimas décadas. Deste modo, os elevados níveis de percepção de ameaça ambiental manifestados pelos portugueses seriam resultado de dois factores que, em simultâneo, produziriam um aumento do sentimento de perigo para o ambiente: • por um lado, correspondem a uma resposta realista

à rápida difusão das tecnologias em Portugal nos últimos 20 anos,

e por outro, indicam que ainda nos falta tempo para a habituação à tecnologia, que a torne banal e inócua aos nossos olhos.

CULTURA CIENTÍFICA E PERCEPÇÃO DO PAPEL DA CIÊNCIA A última década assistiu à disseminação intensiva, no espaço público, de muitas controvérsias ligando questões científicas e questões ambientais − questões como a BSE, os organismos Geneticamente Modificados, estiveram em discussão pública por todo o espaço da UE, e outras controvérsias cientificas ligadas ao ambiente foram também amplamente discutidas no nosso país, nesta década, como foi o caso da co-incineração. Estas controvérsias implicaram em muitos casos um inevitável envolvimento de públicos muito variados, dado que se prendiam com questões ligadas à alimentação e à saúde em geral. E elas implicaram, também, um espaço nos media cada vez mais alargado, nomeadamente no nosso país, onde a cobertura de assuntos de âmbito científico na imprensa se alargou. Assim, podemos pressupor que, na década de 90, as discussões em torno de assuntos que relacionam a ciência e o ambiente se difundiram socialmente talvez mais rapidamente do que os conhecimentos científicos e que tiveram consequências para a percepção do papel da ciência em matérias ambientais. A comparação entre países como Portugal, Espanha e Irlanda que apresentam menor PIB per capita, menor peso do sector dos serviços, menor percentagem de valores pós-materialistas (Inglehart, 1995) e menor exposição a uma matéria científica e ambiental controversa, como seja a biotecnologia (Wagner e Kronberger, 2001) e países com características contrastantes como a Alemanha, a Grã-Bretanha, a Holanda e a Suécia, dão algum suporte à hipótese da relação entre conhecimento científico e pós-industrialização (Quadro 2).

Quadro 2 Índice de conhecimento científico* e hipótese

da pós-industrialização

Países Médias Irlanda 3

Grupo 1 Espanha 2,7 Portugal 2,7 Alemanha 3,1

Grupo 2 Grã-Bretanha 3,9 Holanda 3,4 Suécia 3,8

* O índice foi construído somando o número de respostas certas a 5 perguntas, variando entre 1(0 respostas certas) e 6 (5 respostas certas): (a) os antibióticos podem matar as bactérias, mas não os vírus; (b) os seres humanos evoluíram a partir de espécies animais anteriores; (c) todos os produtos químicos produzidos pelo homem podem causar cancro se forem consumidos em demasia; (d) a exposição a qualquer grau de radioactividade provoca a morte; (e) o efeito de estufa é provocado por um buraco na atmosfera terrestre.

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Apesar de, globalmente, o índice de conhecimento apresentar médias mais elevadas no grupo 2, os dados do inquérito ISSP 2000 não mostram diferenças entre países relativamente à influência de variáveis sociodemográficas (grupo profissional, sexo, idade, escolaridade, rendimento individual, rendimento do agregado familiar) no nível de conhecimento científico e a importância destas variáveis para a compreensão do nível de conhecimento científico é sempre muito baixa. Estes resultados apontam assim para a existência de forças de homogeneização social.

Gráfico 3 Ciência moderna resolverá problemas ambientais

alterando pouco o nosso estilo de vida (%) (Concordo totalmente + concordo)

57

33 33 32

23

15 12

0

10

20

30

40

50

60

Portug

al

Aleman

ha

Espan

ha

Irland

a

Holand

a

Apesar de ter níveis mais baixos de conhecimentos científicos comparativamente com os outros países considerados, Portugal manifesta simultaneamente maiores níveis de confiança na ciência para a resolução dos problemas ambientais (Gráfico 3), e menores níveis de confiança nos centros de investigação para informar sobre a ciência (Gráfico 4).

Gráfico 4 Confiança nos centros de investigação para

informar sobre poluição (%) (Concordo totalmente + concordo)

8479

7570 68

63

56

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Irlan

da

Espa

nha

Aleman

ha

Portu

gal

Holand

a

Na amostra portuguesa identificámos esta aparente ambivalência relativamente à ciência, mas também relativamente ao ambiente. Os resultados mostram que se no nosso país todos são ambientalistas, nem todos são anti-ambientalistas. Por outras palavras, há grupos para quem ambientalismo e anti-ambientalismo são dimensões opostas e há grupos que aparentemente conciliam esta contradição. A diferenciação entre estes dois grupos de indivíduos passa em grande parte pela importância atribuída à responsabilização do eu versus das instituições no pensamento sobre o ambiente. DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL: FACTOS E OPINIÕES Os resultados do inquérito contrariam a ideia convencional segundo a qual as populações dos países mais pobres - por estarem demasiado ocupadas com a sobrevivência - serão menos preocupadas com o ambiente, do que as populações dos países mais ricos. Comparando as respostas, verifica-se que são as pessoas dos países com menor PIB per capita, que mais dramatizam o risco dos problemas ambientais - desde a utilização dos pesticidas, à poluição das águas, passando pela poluição do ar gerada pela indústria e pelos automóveis (Gráfico 5).

Gráfico 5 Perigosidade dos problemas ambientais* versus

PIB per capita

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

100%

0

5.000

10.000

15.000

20.000

25.000

30.000

35.000$

Perigosidade PIB per capita

* Média da perigosidade atribuída à poluição da água, aos pesticidas, à poluição do ar (indústria e automóveis) Portugal, que ocupa uma posição de charneira entre os países mais e menos desenvolvidos considerados neste inquérito, faz parte dos casos (depois do Chile, países

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de Leste e Filipinas) onde se manifesta maior preocupação com a perigosidade dos problemas ambientais. Assim, à medida que o PIB per capita dos países vai baixando, as populações sentem-se mais ameaçadas. Nuns casos porque eventualmente percepcionam uma menor preparação técnico-científica e capacidade reactiva por parte das respectivas autoridades responsáveis, caso ocorra algum incidente; noutros porque se ressentem dos efeitos de degradação ambiental provocados pelo agravamento de muitos problemas (incluindo necessidades básicas como a água potável). Noutros casos ainda, a mediatização intensa de certos problemas ambientais globais, como as alterações climáticas, insistentemente referidos como causadores das sucessivas catástrofes ocorridas nos últimos tempos (cheias, secas, tempestades), terá contribuído para criar uma inquietação generalizada na opinião pública dos países mais vitimados, que também são os mais pobres.

Gráfico 6 O crescimento económico prejudica

sempre o ambiente (%) (concorda totalmente + concorda)

1415

1726

4429

1427

3315

2458

2349

3340

4323

0 20 40 60 80

Noruega

Suécia

EUA

Holanda

Japão

Finlandia

Reino Unido

Alemanha

Irlanda

Nova Zelândia

Espanha

Portugal

Rep. Checa

Chile

Rússia

Bulgária

Filipinas

Bangladesh

Outra ideia que os resultados deste inquérito contrariam, é a clássica oposição entre crescimento e ambiente, segundo a qual o processo de desenvolvimento económico não pode co-existir com a protecção ambiental. Tudo indica que as populações dos países menos desenvolvidos começam a consciencializar o ambiente como um factor-chave. E por razões muito pragmáticas: a percepção aguda de que a ausência da protecção dos

recursos naturais e paisagísticos acaba por ser prejudicial ao próprio processo de desenvolvimento. Aquilo que já é uma evidência para populações de países industrializados e desenvolvidos, como no caso dos países nórdicos europeus – actualmente em franca regeneração ambiental – parece tornar-se agora nítido para as outras. Portugal destaca-se por ser o país onde a opinião pública revela maior consciência desta situação, concordando maioritariamente “que o crescimento económico prejudica sempre o ambiente”. Os portugueses intuem, assim, que o progresso económico necessita de integrar e ter em conta a prestação ambiental, sob o risco de deixar de ser “progresso” (Gráfico 6). E, para acautelar e gerir os recursos ambientais não se dispensa a intervenção de um Estado que regule os impactos das actividades privadas (de pessoas e empresas) sobre o ambiente. A esmagadora maioria das populações dos países inquiridos requer a criação de leis e sua aplicação efectiva por parte dos respectivos governos para defender o ambiente. Praticamente nenhum país assume, maioritariamente, uma atitude pró-liberal, seja no sentido de deixar as decisões à consciência dos cidadãos, seja, menos ainda, ao livre arbítrio das empresas. Portugal também está no pelotão da frente na defesa deste intervencionismo normativo por parte do Estado (Gráfico 7), rejeitando o liberalismo autoregulativo tão alardeado numa série de outras matérias, mas visto como ineficaz e irrealista enquanto “fórmula” para defender um património comum como o ambiente.

Gráfico 7 É preciso leis para defender o ambiente

0 20 40 60 80 100

Noruega

SuéciaEUA

Holanda

JapãoFinlandia

Reino UnidoAlemanha

IrlandaNova Zelândia

EspanhaPortugal

Rep. Checa

ChileRússia

BulgáriaFilipinas

Bangladesh

%

Decisão das empresas Criação de Leis

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O favorecimento de uma intervenção estatal à escala nacional, reflecte-se também ao nível de uma intervenção “supraestatal” na salvaguarda do ambiente à escala global. De facto, os resultados mostram que existe um grande consenso no que respeita à necessidade de Acordos Internacionais para meter “o mundo na ordem” em termos ambientais (Gráfico 8). Estas respostas indicam, por um lado, que a população mundial tende a integrar uma noção de ambiente como património comum. E, por outro lado, que só uma decisão política de escala internacional, eventualmente conduzida por entidades independentes, terá força para se sobrepor aos interesses nacionais e económicos.

Gráfico 8 Concorda com acordos internacionais (%)

38

49

22

33

51

43

30

62

37

33

53

30

63

25

63

67

14

35

54

41

49

54

30

45

52

30

41

51

37

28

53

28

17

57

42

56

0 20 40 60 80 100

Noruega

Suécia

EUA

Holanda

Japão

Finlandia

Reino Unido

Alemanha

Irlanda

Nova Zelândia

Espanha

Portugal

Rep. Checa

Chile

Rússia

Bulgária

Filipinas

Bangladesh

%Concorda totalmente Concorda

MOBILIZAÇÃO AMBIENTAL E CIDADANIA A progressiva degradação das condições ambientais e, sobretudo, a sua crescente visibilidade transformaram a questão ambiental num problema social que tem vindo a ganhar terreno na sociedade portuguesa, suscitando a emergência de novas atitudes, valores e comportamentos que corporizam um processo progressivo de mobilização social pela defesa do ambiente e das condições ecológicas em geral.

Ora se a existência de uma sociedade civil com pouca capacidade reivindicativa e tradicionalmente pouco interventiva implicará sempre algum distanciamento das populações para com os problemas globais que dizem respeito a todos (como será o caso dos problemas ambientais), as diversas situações de degradação ambiental que têm vindo a proliferar, difundidas pelos media e pelas organizações de defesa do ambiente, concorrem para o florescimento de uma sociedade civil que, neste processo, reforça a mobilização pelo ambiente e, simultaneamente, sai reforçada para agir em defesa dos interesses partilhados em geral e do ambiente em particular. Se as dificuldades de mobilização ambiental se prendem, por isso, com alguma imaturidade da sociedade civil portuguesa, os resultados do inquérito apontam para algumas dimensões onde, aparentemente, podemos ombrear com sociedades, supostamente mais avançadas neste processo ainda a dar os primeiros passos entre nós. De facto, no que diz respeito a dimensões como a disponibilidade para aceitar sacrifícios em nome da preservação ambiental, os níveis de preocupação com o estado do ambiente ou, ainda, a algum sentido crítico face à vida moderna e suas consequências, as respostas dos portugueses não se distanciam significativamente dos alemães, dos britânicos ou dos espanhóis (Gráfico 9).

Gráfico 9 Activismo, disponibilidade e crítica ao

crescimento (%)

28 2825

2724

26 24 26

3128

26 27

0

5

10

15

20

25

30

35

Disponibilidade Confiança Crítica aocrescimento

Alemanha Grã-Bretanha Espanha Portugal

O que parece fazer a diferença, mais do que predisposições e atitudes, são as práticas e os níveis de activismo que (porque implicam esforço e actividade efectiva em prol do ambiente) se mostram bastante modestos quando comparados com os desempenhos dos outros europeus (Gráfico 10).

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Gráfico 10

Activismo em defesa do ambiente (%)

16

20

15

7

0

5

10

15

20

Alemanha

Espanha

Portugal

PATRIMÓNIO E AMBIENTE O inquérito português incluía ainda um conjunto de questões concebidas com o objectivo de captar informação que permitisse registar o crescimento de dinâmicas culturais associadas a preocupações de preservação do património, relacionando-as com a emergência de novas formas de cidadania política, nomeadamente formas de acção colectiva que lutam por interesses de natureza cultural, como movimentos ambientalistas e de defesa do património. Os resultados permitem constatar, em primeiro lugar, o facto de estar a alastrar, entre a população portuguesa, como vem acontecendo há mais tempo em vários países da Europa, a atracção pelo património histórico, visitando lugares de memória. Em segundo, o facto de o conjunto de factores sociais, como idade, instrução, classe social, não estabelecer diferenças muito acentuadas, apesar de significativas, no que respeita ao tipo de visitantes. Quanto aos tipos de património mais valorizados, a proteger face à ameaça de certas opções de desenvolvimento, destacam-se o histórico-monumental, representado pelo lugar pré-histórico e pela igreja medieval e o património ambiental, representado pela formação geológica rara e pelo lugar de ninhos de aves em extinção (Quadro 3).

Quadro 3 Tipos de património valorizado (%)

(Muita + alguma importância)

Tipo de património % Um lugar pré-histórico 87 Uma igreja medieval 89 Uma casa rústica com cerca de 300 anos 77 Uma velha fábrica de destilação 58 A casa de um poeta famoso que morreu há 100 anos 76 Uma formação geológica rara 85 Um lugar de ninhos de aves em extinção 86

Recolhendo menores valores de importância mas, ainda assim, significativos são os tipos de património que designamos por “lugares de memória recente” por corresponderem, em geral, a bens patrimoniais ou patrimonializáveis representativos do passado recente, como o espaço rural essencialmente agrícola, simbolizado pela casa rústica com cerca de 300 anos, as fases mais antigas da industrialização, representadas pela velha fábrica de destilação ou o património histórico-literário do século passado, simbolizado pela casa de um poeta famoso que morreu há cerca de 100 anos. Os resultados representados no gráfico 11 dão mais uma ideia de como a valorização e conservação do património é algo que está sedimentado nas preocupações dos portugueses. A conservação do património é vista principalmente como uma obrigação do Estado e uma prioridade nacional.

Gráfico 11 Atitudes face ao património (%) (Concordo totalmente + concordo)

81

61

47

0

10

20

30

40

50

60

70

80

90

Obrigação doEstado

Prioridadenacional

Luxo depaíses ricos

Contudo, a incapacidade de conversão destas atitudes, globalmente positivas para com a protecção e valorização do património, em acções e comportamentos dirigidos para a sua defesa não podia ser mais flagrante. Apenas 1.3% é membro de associações de defesa do património histórico-cultural, subindo a percentagem ligeiramente para a participação em acções concretas relacionadas com a protecção do património: 2.7% dizem ter assinado petições, 2.3% dizem ter participado em protestos ou manifestações, 2.6% deu dinheiro a grupos, movimentos ou acções de defesa do património, 2.7% deu trabalho gratuitamente para resolver questões relacionadas com o património. Construído um índice de cidadania de defesa do património, com base nos indicadores de participação associada e mobilização política, verifica-se que a média de participação corresponde a 0.12.

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Atitudes Sociais dos Portugueses

Coordenação Geral

Manuel Villaverde Cabral Jorge Vala

Coordenação ASP 2000

Luísa Lima

Colaboradores Aida Valadas de Lima

João Guerra Luísa Lima

Luísa Schmidt Manuela Reis Paula Castro

Susana Valente

Secretariado Científico Alice Ramos

Patrocínios Fundação para a Ciência e Tecnologia

Caixa Geral de Depósitos Instituto de Ciências Sociais

Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento

Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa

Ed. ISCTE, Ala Sul, 1º - 1600 Lisboa Tel: 21 7995000 Fax: 21 7964953

E-mail: [email protected]; Internet: www.ics.ul.pt/asp

PUBLICAÇÕES

Bases de Dados

Atitudes Sociais dos Portugueses

Próximos volumes: Vala, J., Cabral, M.V., Ramos, A. (Org.) (2002). Valores Sociais numa perspectiva Comparativa (título provisório). Lisboa: ICS. Cabral, M.V., Vala, J.(Org.) (2002). Desigualdades Sociais e Justiça Social (título provisório). Lisboa: ICS.

ASP

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