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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
TATIANA DE LIMA GEMIGNANI
PROCESSAMENTO NEURAL DO TOQUE AFETIVO EM BEBÊS DE 6 MESES:
RELAÇÃO COM VARIÁVEIS DO BEBÊ E DA MÃE
São Paulo
2020
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TATIANA DE LIMA GEMIGNANI
PROCESSAMENTO NEURAL DO TOQUE AFETIVO EM BEBÊS DE 6 MESES:
RELAÇÃO COM VARIÁVEIS DO BEBÊ E DA MÃE
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-
Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento
da Universidade Presbiteriana Mackenzie,
como requisito parcial à obtenção do título de
Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento.
Orientadora: Profa. Dra. Ana Alexandra Caldas Osório
Coorientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Esteves Mateus
São Paulo
2020
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G322p Gemignani, Tatiana de Lima.
Processamento neural do toque afetivo em bebês de 6 meses : relação com variáveis do bebê e da mãe / Tatiana de Lima
Gemignani. 48 f. : il. ; 30 cm
Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) –
Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2020. Orientadora: Ana Alexandra Caldas Osório. Referências bibliográficas: f. 41-46.
1. Toque afetivo. 2. Relação de apego mãe-bebê. 3. Perfil
sensorial. 4. Toque social. 5. fNIRS. 6. Resposta neural. I. Osório, Ana Alexandra Caldas, orientadora. II. Título.
CDD 155.412
Bibliotecária Responsável: Eliana Barboza de Oliveira Silva - CRB 8/8925
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Especialmente às famílias e seus bebês que
aceitaram e dedicaram seu tempo para participar
da pesquisa.
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AGRADECIMENTOS
À Profa. Dra. Ana Osório, minha orientadora, a quem devo muito por todo apoio, pela
confiança, pelas discussões e momentos de grande aprendizado.
À Profa. Dra. Vera Mateus, minha coorientadora, por toda disponibilidade, parceria, e por todas
as suas relevantes contribuições.
Às minhas colegas do grupo de pesquisa, Barbara, Luisa, Julia, Isabela, Juliana Borges, Juliana
Camillo e Katja por todos os nossos encontros e experiências compartilhadas ao longo desses
anos.
Aos profissionais da UNICAMP, Prof. Dr. Rickson Mesquita e seus alunos Giovani Scavariello
e Sergio Novi pela parceria e conhecimento compartilhado.
Aos membros da banca, Profa. Dra. Adriana Sampaio e Profa. Dra. Cristiane Silvestre pelas
valiosas críticas e apontamentos.
Aos meus familiares, especialmente meus pais Paulo e Mara, minha irmã Thais e meu cunhado
Yuri que me acompanham nessa trajetória de crescimento e amadurecimento pessoal e
profissional
E por fim, meus amigos e colegas, principalmente, as companheiras de mestrado, Natália
Kintschner e Lara Poggio pelas infinitas conversas e apoio.
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RESUMO
O toque desempenha um papel fundamental na vida do ser humano, desde o nascimento até à
idade adulta, facilitando a formação de vínculos relacionais e a regulação da nossa reatividade
ao estresse. Evidência anterior sugere que o processamento do toque afetivo é modulado por
fatores contextuais e individuais, bem como pelo próprio padrão de reatividade do indivíduo a
estímulos sensoriais. Estudos com bebês mostraram que as mães variam no uso do toque
durante a interação mãe-bebê e que as próprias atitudes maternas relativas ao toque social
influenciam a resposta fisiológica do bebê. No entanto, pouco se sabe sobre a contribuição de
variáveis individuais do bebê e da mãe para o processamento neural do toque afetivo. Assim, o
presente estudo teve dois objetivos. O Estudo 1 pretendeu caracterizar as respostas neurais ao
toque afetivo materno em bebês de 6 meses de idade e descrever o perfil sensorial do bebê, as
percepções/ atitudes maternas relativas ao toque social, e relação de apego entre a mãe e o bebê.
O Estudo 2 pretendeu caracterizar o perfil sensorial do bebê, as percepções/ atitudes maternas
relativas ao toque social, e a relação de apego entre a mãe e o bebê com idades entre 7 e 12
meses. Do Estudo 1 participaram duas díades mãe-bebê e o processamento neural do bebê em
resposta ao toque afetivo foi medido por meio de espectroscopia funcional no infravermelho
próximo (fNIRS), em duas regiões cerebrais de interesse (bilateralmente): o córtex
somatossensorial e a região temporal. Os resultados mostraram ativação cortical na região
somatossensorial e temporal em resposta ao toque afetivo por oposição ao período de descanso
(sem toque). Também observou-se um perfil de desativação em resposta à estimulação tátil. Os
bebês respondiam a estímulos sensoriais exatamente como a maioria das outras crianças, as
mães relataram poucas atitudes de evitamento em resposta ao toque social e elevada qualidade
da relação de apego mãe-bebê. Por sua vez, o Estudo 2 contou com 19 mães de bebês entre 7 e
12 meses de idade, que preencheram os referidos questionários online. Os resultados mostraram
que a maior parte dos bebês são percebidos, pelas suas mães, como apresentando um padrão de
processamento sensorial como a maioria das outras crianças, ainda que alguns casos sejam
entendidos como apresentando um padrão alterado de reatividade. Também neste estudo as
mães reportaram uma elevada qualidade da relação de apego com o seu bebê e poucas atitudes
de evitamento ou desconforto relacionados ao toque social. Foram encontradas associações
entre as atitudes maternas relativas ao toque social e a qualidade da relação de apego mãe-bebê,
bem como com o perfil sensorial do bebê. Também foi encontrada correlação entre a qualidade
da relação mãe-bebê e o perfil sensorial do bebê. Os resultados de ambos os estudos foram
discutidos considerando a evidência empírica existente sobre o processamento neural do toque
afetivo durante a infância e a possível influência de variáveis individuais e relacionais.
Palavras-chave: Toque afetivo; relação de apego mãe-bebê; perfil sensorial; toque social;
fNIRS; resposta neural.
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ABSTRACT
Touch plays a fundamental role in human life, from birth to adulthood, facilitating the formation
of relational bonds and the regulation of our stress reactivity. Previous evidence suggests that
the processing of affective touch is modulated by contextual and individual factors, as well as
the individual's own pattern of reactivity to sensory stimuli. Studies with babies have shown
that mothers vary in the use of touch during mother-infant interaction and that maternal attitudes
toward social touch themselves influence the baby's physiological response. However, little is
known about the contribution of individual baby and mother variables to the neural processing
of affective touch. Thus, the present study had two objectives. Study 1 aimed to characterize
neural responses to maternal affective touch in 6-month-old infants and to describe the baby's
sensory profile, maternal perceptions / attitudes regarding social touch, and attachment
relationship between mother and baby. Study 2 intended to characterize the baby's sensory
profile, maternal perceptions / attitudes regarding social touch, and the attachment relationship
between mother and baby aged between 7 to 12 months. Study 1 involved two mother-baby
dyads, and the baby's neural processing in response to affective touch was measured by near-
infrared functional spectroscopy (fNIRS) in two brain regions of interest (bilaterally): the
somatosensory cortex and the region. temporal. The results showed cortical activation in the
somatosensory and temporal region in response to the affective touch as opposed to the rest
period (no touch). A deactivation profile was also observed in response to tactile stimulation.
Babies responded to sensory stimuli just like most other children, mothers reported few
avoidance attitudes in response to social touch and high quality mother-infant attachment
relationships. In turn, Study 2 had 19 mothers of babies between 7 and 12 months of age, who
completed these online questionnaires. The results showed that most babies are perceived by
their mothers as having a sensory processing pattern as most other children, although some
cases are perceived as having an altered reactivity pattern. Also in this study mothers reported
a high quality of attachment relationship with their baby and few avoidance or discomfort
attitudes related to social touch. Associations were found between maternal attitudes toward
social touch and the quality of the mother-infant attachment relationship, as well as the sensory
profile of the baby. A correlation was also found between the quality of the mother-baby
relationship and the sensory profile of the baby. The results of both studies were discussed
considering the empirical evidence on the neural processing of affective touch during childhood
and the possible influence of individual and relational variables.
Keywords: Affective touch; mother-baby attachment relationship; sensory profile; social
touch; fNIRS; neural response.
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LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 – Organização da sala de coleta de dados durante a aplicação da estimulação tátil...21
Gráfico 2 – Esquema de localização dos canais utilizados (C1 – C28) no hemisfério esquerdo e
direito. Círculos azuis representam fontes de luz (S1 – S4) e círculos laranjas representam
detectores de luz (D1 – D8) .....................................................................................................22
Gráfico 3 – Bebê A – Ativação no canal 27 em resposta ao toque afetivo..................................29
Gráfico 4 - Bebê A – Desativação no canal 17 em resposta ao toque afetivo.............................30
Gráfico 5 – Bebê B – Ativação nos canais 5 e 13 em resposta ao toque afetivo..........................31
Gráfico 6 – Bebê B – Exemplo de desativação nos canais 15, 21 e 26........................................32
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LISTA DE TABELAS
Tabela 1 - Caracterização da amostra do Estudo 2...................................................................26
Tabela 2 – Resumo da interpretação dos quadrantes de processamento sensorial...................27
Tabela 3 – Descritivo dos questionários usados no Estudo 1...................................................33
Tabela 4 – Descritivo das variáveis dos questionários usados no Estudo 2.............................35
Tabela 5 – Correlação de Spearman entre as atitudes maternas relativas ao toque social,
qualidade da relação de apego mãe-bebê e perfil sensorial do bebê ........................................35
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LISTA DE ABREVIATURAS
CT – Fibras amielínicas C Tátil
fMRI – Ressonância magnética funcional
fNIRS – Espectroscopia funcional de infravermelho próximo
pSTS – Sulco temporal superior posterior
SI – Córtex somatossensorial primário
SII – Córtex somatossensorial secundário
TEA – Transtorno do espectro autista
TPJ – Junção temporoparietal
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SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9
1.1 Toque ................................................................................................................ 9
1.2 Dimensões do toque........................................................................................... 9
1.3 Respostas neurais ao toque .............................................................................. 10
1.4 Fatores individuais e contextuais que influenciam o processamento do toque
afetivo .................................................................................................................. 12
1.5 Toque afetivo na perspectiva do desenvolvimento .......................................... 15
2 JUSTIFICATIVA .............................................................................................. 17
3 OBJETIVOS ...................................................................................................... 18
4 MÉTODO .......................................................................................................... 19
4.1 Estudo 1 .......................................................................................................... 19
4.1.1 Participantes.................................................................................................. 19
4.1.2 Instrumentos e medidas ................................................................................ 20
4.1.3 Procedimentos .............................................................................................. 24
4.1.4 Análise de dados .......................................................................................... 24
4.2. Estudo 2 .......................................................................................................... 25
4.2.1 Participantes.................................................................................................. 25
4.2.2 Instrumentos e medidas ................................................................................ 25
4.2.3 Procedimentos ............................................................................................. 28
4.2.4 Análise de dados ...........................................................................................28
5 RESULTADOS ................................................................................................. 29
5.1 Estudo 1 ...........................................................................................................29
5.2 Estudo 2 ...........................................................................................................33
6 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................. 37
7 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 41
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1 INTRODUÇÃO
1.1 Toque
A pele é o órgão mais extenso do corpo humano e além disso, o tato é o primeiro sistema
sensorial a desenvolver-se (MONTAGU, 1984, 1988), desempenhando desde o nascimento um
papel crucial no processamento de estímulos do meio ambiente e no estabelecimento de
interações sociais (FIELD; DIEGO; HERNANDEZ-REIF, 2010; MONTAGU, 1988;
MORRISON; LÖKEN; OLAUSSON, 2010). Nos primeiros anos de vida, o toque é
particularmente relevante em modular a reatividade do bebê ao estresse (FELDMAN; SINGER;
ZAGOORY; 2010; JEAN; STACK, 2009), no estabelecimento de vínculos emocionais
mãe/pai-bebê (ANISFELD et al., 1990; HERTENSTEIN et al., 2006), e tem sido ainda
associado a melhoras nos indicadores de desenvolvimento em bebês prematuros (FELDMAN
et al., 2002; FELDMAN; EIDELMAN, 2003; FIELD; DIEGO; HERNANDEZ-REIF, 2010).
Apesar de extremamente importante para o desenvolvimento humano, ao contrário de
outras modalidades sensoriais amplamente estudadas na literatura (ex. visão, audição), a
dimensão tátil carece ainda de pesquisa científica, principalmente o que se refere ao
processamento cerebral em resposta ao toque em idades precoces e dos fatores que podem afetar
o processamento individual do toque.
1.2 Dimensões do Toque
Enquanto modalidade sensorial, o toque desempenha um papel importante no nosso
cotidiano, tanto na exploração que fazemos dos objetos presentes no ambiente que nos rodeia,
como por exemplo na identificação de formas e texturas, quanto no estabelecimento de
interações sociais com as pessoas com quem contatamos (ex., abraço, aperto de mão, carícia).
Uma variedade de receptores táteis encontrados na pele e nas articulações, enviam
informações cutâneas ao sistema nervoso central. Cada um desses receptores é capaz de gerar
qualidades sensoriais e perceptivas distintas. Os mecanoreceptores de baixo limiar transmitem
informações para funções discriminativas do toque, enquanto que uma categoria específica
chamada de mecanorreceptores C de baixo limiar (Aferentes C-táteis ou CTs) se relaciona com
a valência dos estímulos (agradável / desagradável), desempenhando assim um papel
importante no comportamento social (MCGLONE et al., 2014; MORRISON et al., 2010)
Esses tipos de toque descritos na literatura – toque discriminativo e toque afetivo –
desempenhando diferentes funções, parecem ser conduzidos por fibras nervosas distintas e
recrutar também áreas cerebrais específicas para o seu processamento. O toque discriminativo
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é conduzido por fibras Aβ mielinizadas presentes em todo o corpo, mas especialmente densos
na pele glabra (ex. palma da mão, planta do pé) e articulações, que conduzem impulsos nervosos
de alta velocidade e que servem para detectar diferenças de pressão/vibração, temperatura,
textura, formato dos estímulos, facilitando assim uma rápida exploração do meio ambiente
(MCGLONE et al., 2014). Por outro lado, o toque não serve unicamente a uma função de
discriminação das propriedades físicas de estímulos, mas também transmite um significado
afetivo e social – daí a sua designação de toque afetivo. Este tipo de toque (toque afetivo) é
conduzido por fibras amielínicas C-Tátil (CT) que respondem a um toque suave, semelhante a
uma carícia, aplicado em velocidade média (entre 1 a 10 cm/s) em regiões pilosas da pele (ex.
braços e pernas) (ACKERLEY et al., 2014; LÖKEN et al., 2009; OLAUSSON et al., 2002;
OLAUSSON et al., 2010), preferencialmente em temperatura corporal (ACKERLEY et al.,
2014). Estímulos táteis com essas caraterísticas refletem a experiência tátil que ocorre
naturalmente em contextos de interação social, como por exemplo a interação mãe-bebê
(CASCIO et al., 2019; LÖKEN et al., 2009; OLAUSSON et al., 2010). Além disso, adultos e
crianças avaliam como mais agradável o toque que é aplicado nesses limites de velocidade,
quando comparado com toque que é aplicado mais rápido (ex. 30 cm/s) ou mais lento (ex. 0.3
cm/s) (ACKERLEY et al., 2014; CROY et al., 2019; LÖKEN et al., 2009).
1.3 Respostas Neurais ao Toque
Mediante o envolvimento de diferentes tipos de fibras nervosas e funções distintas,
estudos empíricos também mostram que o toque discriminativo e o toque afetivo parecem
recrutar áreas cerebrais específicas para o seu processamento. Enquanto o toque discriminativo
ativa principalmente áreas do córtex somatossensorial primário e secundário (contralateral à
aplicação do toque) (MCGLONE et al., 2002; MORRISON, 2016), o toque afetivo parece
originar ativação adicional em áreas sociais do cérebro. Nesse sentido, alguns estudos de
neuroimagem funcional (ressonância magnética funcional – fMRI) e espectroscopia funcional
de infravermelho próximo - fNIRS) com adultos encontraram ativação em áreas como a ínsula,
regiões do córtex pré-frontal e/ou sulco temporal posterior superior, em resposta ao toque suave
(a uma velocidade de 8 cm/s) aplicado com pincel em áreas inervadas de fibras CT-tátil
(BENNETT et al., 2014; BJÖRNSDOTTER et al., 2014; GORDON et al., 2013; VOOS;
PELPHREY; KAISER, 2013).
Um outro conjunto de estudos sugere que a ativação de áreas sociais do cérebro para
processamento de toque afetivo pode já ser observadas em idades precoces, incluindo no
primeiro ano de vida. Por exemplo, Björnsdotter et al., (2014) realizaram uma pesquisa com
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crianças e adolescentes (5 a 17 anos) em que utilizaram fMRI para estudar as respostas cerebrais
ao toque. O estímulo tátil consistiu em movimentos lentos aplicados com um pincel no
antebraço (área inervada por fibras CT) e na palma da mão (área não CT). Os resultados
mostraram ativação significativa não só no córtex somatossensorial primário (SI) e secundário
(SII), mas também na ínsula e do sulco temporal posterior superior (pSTS), estruturas cerebrais
associadas ao processamento de aspectos afetivos-motivacionais do toque. Da mesma forma,
um outro estudo realizado por Kaiser et al. (2016) com crianças e adolescentes entre os 5 e 17
anos de idade, encontrou ativação na área temporal (mais especificamente pSTS) e no córtex
insular também em resposta ao toque suave aplicado a uma velocidade média (8 cm/s) no
antebraço (vs. palma da mão).
Como referido anteriormente, alguns estudos têm também investigado o processamento
neural em resposta ao toque afetivo em bebês até um ano de idade e também registrado o
envolvimento de áreas sociais do cérebro – ainda que o momento preciso da sua emergência
permaneça por definir. No primeiro estudo realizado nesta faixa etária, Kida e Shinohara (2013)
compararam a resposta neural a estimulação tátil usando um tecido macio (veludo) em bebês
de 3, 6 e 10 meses de idade. Através do uso de fNIRS, os autores observaram que os bebês de
10 meses (mas não os de 3 ou 6 meses) demonstraram ativação no córtex pré-frontal. Porém,
uma importante limitação diz respeito ao fato do toque ter sido aplicado na palma da mão dos
bebês – portanto, em uma região não inervada por fibras CT.
O estudo de fNIRS de Pirazzoli et al., (2019) comparou o toque aplicado com mão
humana (toque afetivo) ao toque aplicado com uma colher de metal (toque não afetivo), no
braço de bebês de 5 meses de idade. Esse estudo investigou o possível envolvimento do sulco
temporal superior posterior (pSTS) na resposta seletiva ao toque afetivo (versus não afetivo).
No entanto, os autores não encontraram qualquer ativação diferencial nessa região do córtex
temporal, uma vez que a região do pSTS foi ativada tanto com o toque aplicado com a mão
humana (toque afetivo) quanto com o toque aplicado com a colher (toque não afetivo),
sugerindo que uma resposta seletiva ao toque afetivo pode aparecer mais tarde no
desenvolvimento do bebê. Por outro lado, em um estudo longitudinal que acompanhou uma
amostra de bebês aos 7 e aos 12 meses, também usando fNIRS, (MIGUEL et al., 2018) não
encontraram ativação na região temporal em resposta ao toque afetivo (movimento suave
aplicado com um pincel) vs. toque discriminativo (pressão suave com um bloco de madeira)
aos 7 meses de idade. Contudo, aos 12 meses de idade, os autores verificaram o recrutamento
da área temporal para processamento do toque afetivo. Assim, os resultados destes dois estudos
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sugerem que o envolvimento de áreas sociais do cérebro, como o pSTS, depende da maturação
dessas estruturas cerebrais mediante a idade do bebê.
No entanto, duas outras pesquisas realizadas com bebês de até 2 meses de idade
apresentam evidências do envolvimento precoce destas estruturas sociais no processamento do
toque afetivo. Nesse sentido, Tuulari et al. (2019) examinaram as respostas cerebrais de bebês
(via fMRI) recém-nascidos ao toque afetivo. Os autores encontraram ativação significativa não
apenas no córtex somatossensorial primário, mas também no córtex insular posterior, sugerindo
que muito precocemente os bebês já são responsivos ao toque suave e carinhoso, recrutando
áreas cerebrais associadas ao processamento socioafetivo do toque. Além disso, Jonsson et al.
(2018), em um estudo com bebês de 2 meses de idade, compararam a resposta cerebral ao toque
lento a 3cm/s (estimulação ideal de fibras CT) e ao toque rápido a 20 com/s, aplicado com um
pincel macio no antebraço do bebê. Por meio do método de fNIRS, os autores encontraram
ativação no córtex temporal e no córtex insular em resposta ao toque lento (toque afetivo). Estes
resultados sugerem que ainda com poucos meses de idade, os bebês já são sensíveis a diferentes
velocidades de toque, com repercussões no padrão de ativação neural.
1.4 Fatores individuais e contextuais que influenciam o processamento do toque afetivo
Na última década, várias pesquisas têm investigado possíveis variáveis explicativas das
diferenças individuais na resposta ao toque afetivo. Um estudo realizado por Gazzola et al.
(2012) buscou compreender como o cérebro processa as propriedades sensoriais e afetivas do
toque suave. Os autores encontraram modulação significativa no córtex somatossensorial
primário a partir da percepção visual, ou seja, a resposta ao toque afetivo (carícia) pode ser
modificada pela percepção do indivíduo a partir da identidade da pessoa que aplica o toque.
Nesse estudo, os pesquisadores observaram que homens heterossexuais classificavam como
mais agradável o toque suave que acreditavam ser realizado por uma mulher, e como
significativamente menos agradável o toque que julgavam ser aplicado por um homem. Na
mesma linha, a pesquisa realizada por Suvilehto e colaboradores (2015) também concluiu que
os indivíduos definem áreas do corpo em que aceitam ser tocados em função da ligação
emocional específica com aquela pessoa (ex. mãe, amigo, estranho). Por fim, um outro estudo
com adultos demonstrou que indivíduos menos expostos ao toque no contexto das suas
interações sociais avaliaram o toque afetivo (aplicado a uma velocidade de 3 cm/s) como menos
agradável, em comparação a indivíduos que relataram maior exposição ao toque no seu contexto
social (SAILER; ACKERLEY, 2019).
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Da mesma forma que o estudo anterior, uma pesquisa com bebês de 9 meses também
encontrou um efeito da identidade da pessoa que aplica o toque ao nível da resposta fisiológica
do bebê (AGUIRRE et al., 2019). Os pesquisadores mediram a frequência cardíaca dos bebês,
enquanto a sua perna era tocada com um pincel, em diferentes velocidades (0.3 cm/s, 3 cm/s,
30 cm/s). Em metade das vezes, a mãe sentava em frente ao bebê durante a estimulação tátil e,
na outra metade, uma mulher não familiar. Imediatamente antes da administração dos estímulos
táteis, o bebê observava sua mãe ou a mulher não familiar segurando um pincel, induzindo
dessa forma qual a origem do toque (a mãe ou a mulher não familiar). No entanto, o toque foi
sempre realizado por um pesquisador cego à identidade da pessoa sentada em frente ao bebê.
Observou-se que, quando o toque foi aplicado a velocidade intermediária (3 cm/s), a
frequência cardíaca dos bebês diminuiu significativamente (relaxamento) quando a mãe estava
sentada na sua frente, sendo percebida como a origem do toque afetivo. Em contrapartida,
quando o toque era percebido como sendo aplicado pela mulher não familiar, foi registrada uma
aceleração na frequência cardíaca do bebê.
Esses resultados sugerem que, desde muito cedo, a qualidade das interações sociais
precoces pode moldar as nossas respostas comportamentais e neurais ao toque afetivo. No
entanto, sendo o toque um estímulo muito importante e presente nas interações pai/mãe-bebê
principalmente durante o primeiro ano de vida (FERBER; FELDMAN; MAKHOUL, 2007;
JEAN; STACK; FOGEL, 2009), é preciso realizar mais pesquisas para compreender que
variáveis individuais e contextuais influenciam a resposta dos bebês ao toque durante esse
período tão precoce.
Um estudo de fNIRS realizado por Miguel e colaboradores (2019), com bebês aos 12
meses de idade, investigou a associação entre a resposta cerebral ao toque (aplicado com um
pincel) e os comportamentos de evitamento ao toque na região temporal (STS). Os autores
encontraram que os bebês que menos se esquivavam dos estímulos táteis registaram uma maior
ativação cortical no STS em resposta ao toque.
No entanto, pouco se sabe sobre a relação entre o perfil sensorial e o processamento
neural ao toque afetivo em idades muito precoces, fato pelo qual nos questionamos se durante
o primeiro ano de vida já é possível observar diferenças individuais na forma como os bebês
reagem a estímulos táteis e se essas diferenças podem também afetar a resposta cerebral ao
toque.
Por outro lado, pesquisa recente tem se focado em características e comportamentos
maternos que podem influenciar o uso de toque nas interações com o bebê, bem como a resposta
do bebê ao toque. Assim, o estudo de Malphurs e colaboradores (1996) investigou os
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comportamentos táteis que mães classificadas como depressivas e não depressivas usaram
durante interações com o seu bebê. As interações mãe-bebê foram codificadas quanto ao tipo
de toque: negativo (cutucões, movimentos bruscos), ausência de toque (nenhum toque ou
apenas ajeitando o bebê) e positivo (toque suave no corpo do bebê ou toque lúdico).
Simultaneamente, o comportamento interativo das mães também foi avaliado, com as mesmas
recebendo a classificação de intrusivas (comportamento pouco responsivo e não contingente
aos sinais do bebê), retraídas (pouca ou nenhuma interação com o bebê) ou boas mães (não
intrusivas e não retraídas). De acordo com os resultados do estudo, mães depressivas tocaram
menos frequentemente e usaram mais toque de tipo negativo durante a interação com o seu
bebê. Além disso, uma grande proporção de mães depressivas foi classificada como intrusiva.
Mães que mostraram mais comportamentos verbais e não-verbais intrusivos na interação com
o bebê também apresentaram mais comportamentos táteis negativos (ex., cutucar, sacudir)
refletindo em maior frequência de comportamentos negativos do bebê (ex., expressões faciais
de tristeza ou irritação).
Na mesma direção, (MANTIS; MERCURI; STACK; FIELD, 2019) também
observaram que as mães que reportaram níveis mais elevados de sintomas depressivos se
envolveram em menos comportamentos de toque durante a interação com o bebê, apresentando
ainda, frequência reduzida de toque do tipo lúdico/ estimulante. Um outro estudo de Crucianelli
et al., (2019), examinou a relação entre a habilidade da mãe em reconhecer e comentar
verbalmente estados mentais do seu bebê (ex., preferências, sentimentos, pensamentos) e os
comportamentos de toque usados na interação mãe-bebê aos 12 meses. Os resultados mostraram
que os comentários da mãe não sincronizados com o estado mental do seu bebê eram preditores
de uso de toque não contingente com o estado emocional do bebê durante a interação. Por fim,
(BRAUER; XIAO; POULAIN; FRIEDERICI; SCHIRMER, 2016) realizaram um estudo com
crianças de 5 anos de idade, as quais foram divididas em dois grupos com base na frequência
de toque materno observado em uma interação mãe-criança. O experimento envolveu ainda
uma sessão de neuroimagem com ressonância magnética funcional (fRMI), em que as crianças
permaneceram em repouso, sem qualquer movimento, dentro do equipamento de ressonância,
enquanto observavam um protetor de tela mostrando uma lâmpada de lava. Os resultados
mostraram que as crianças do grupo de exposição elevada ao toque materno apresentaram mais
atividade em áreas sociais do cérebro, como por exemplo no sulco temporal posterior superior
direito (pSTS) estendendo-se à junção temporo-parietal.
Dois outros estudos recentes também reportaram uma associação entre as atitudes
maternas relativas ao toque social e a resposta fisiológica do bebê ao toque afetivo. Assim,
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Fairhurst et al. (2014) encontraram que maior sensibilidade da mãe ao toque social estava
associada a maior desaceleração da frequência cardíaca do bebê em resposta ao toque afetivo.
Esses resultados foram recentemente corroborados com a pesquisa de Aguirre et al., (2019) os
quais sugerem que quanto maior a ansiedade materna relativa ao toque social, menor a
desaceleração da frequência cardíaca dos bebês em resposta ao toque afetivo, aplicado em
velocidade ideal para ativação de fibras CT.
Contudo, até ao momento, nenhum estudo procurou entender como o vínculo emocional
da mãe com o bebê e as atitudes maternas relativas ao toque social – que, por sua vez,
influenciam o uso de toque nas interações com o bebê – podem afetar o processamento cerebral
do toque afetivo. Esse será um dos objetivos neste estudo.
1.5 Toque afetivo na perspectiva do desenvolvimento
O toque afetivo desempenha um importante papel na comunicação e regulação de
emoções, criação de laços sociais e na mediação do vínculo parental (HERTENSTEIN et al.,
2006). A evidência científica de estudos com animais e humanos converge na importância das
experiências precoces com toque social e do impacto negativo que a sua privação ou exposição
reduzida pode provocar no desenvolvimento do indivíduo (CASCIO et al., 2019).
Um dos trabalhos pioneiros sobre esta questão foi o estudo de Harlow (1958) em que
macacos bebês foram separados de suas mães após o nascimento e criados em laboratório.
Durante os primeiros quinze dias de vida, os bebês macacos foram expostos a duas estruturas
(simulando uma mãe substituta), uma delas feita de arame e a outra revestida de um tecido
macio de algodão e com uma lâmpada irradiando calor. O autor observou que os macacos bebês
não só passavam mais tempo junto da “mãe substituta” de tecido (mesmo quando a “mãe
substituta” de arame fornecia o alimento), mas também procuravam a “mãe substituta” de tecido
em situações de estresse/ medo. Estes achados destacam a importância do contato físico para
conforto, segurança, e criação de laços afetivos.
Vasta pesquisa com bebês humanos tem também se focado no efeito do toque no
desenvolvimento de bebês prematuros. Nesse sentido, os estudos apontam para a contribuição
de intervenções centradas na estimulação tátil (ex. método Kangaroo Care, massagem) para a
melhora de indicadores de desenvolvimento. Por exemplo, o método Kangaroo Care, com
origem na Colômbia em 1978, consiste em colocar o bebê prematuro (em situação clínica
estável) em contato com a pele do peito da mãe, constituindo-se como fonte de alimentação e
de calor (SLOAN et al., 1994).
-
16
Vários estudos demonstraram que bebês prematuros que se beneficiam deste tipo de
prática apresentam uma maturação mais rápida do Sistema Nervoso Central e melhor orientação
para estímulos no ambiente (FELDMAN; EIDELMAN, 2003), bem como um melhor
desempenho motor e cognitivo e interações parentais mais positivas (FELDMAN et al., 2002),
quando comparados com bebês prematuros que não passaram pela intervenção. Mais
especificamente, em relação a estimulação tátil, um estudo de Feldman e colaboradores (2002)
observou que a intervenção Kangaroo Care teve também um efeito no aumento da frequência
de toque carinhoso (ex. abraços, beijos, carícias) usado pela mãe e pelo pai na interação com o
seu bebê prematuro.
Por outro lado, a estimulação tátil sob a forma de massagem terapêutica também tem
sido associada a um aumento de peso e redução do período de hospitalização em bebês
prematuros (FIELD et al., 2010). Field e colaboradores (1986) em um estudo com bebês
prematuros em uma unidade de cuidados intensivos neonatais, observaram que os bebês que
receberam estimulação tátil ainda enquanto estavam na incubadora, ganharam 47% mais de
peso por dia, reduziram em seis dias o seu período de internação e obtiveram um melhor
desempenho na avaliação neurocomportamental, em comparação ao grupo controle.
Por outro lado, uma outra linha de pesquisa tem examinado como a psicopatologia materna
pode alterar os padrões de estimulação tátil na interação com os bebês. Mais especificamente,
as mães deprimidas tocavam menos os seus bebês e manifestavam mais comportamentos de
toque negativo (ex. cutucar, sacudir) (MALPHURS et al., 1996; MANTIS et al., 2019), o que
se refletiu em comportamentos mais negativos por parte dos bebês (MALPHURS et al., 1996).
De uma forma geral, a evidência anterior destaca a importância e necessidade de investir em
mais pesquisas nessa temática, para compreendermos melhor os mecanismos inerentes ao
processamento do toque afetivo, principalmente a nível cerebral, além dos fatores individuais,
contextuais e relacionais que podem modular a resposta ao toque afetivo desde idade muito
precoce.
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17
2 JUSTIFICATIVA
Os estudos da neurociência social têm se concentrado principalmente no processamento
de estímulos visuais e auditivos, enquanto pouca atenção tem sido dedicada à dimensão tátil.
Sendo este um sistema sensorial extremamente poderoso na criação de laços sociais e na
regulação emocional, torna-se fundamental a realização de pesquisas sobre o toque. A literatura
existente nesta temática tem investigado os aspetos discriminativos e afetivos do toque
principalmente em adultos. Um estudo realizado com bebês de 5 meses (PIRAZZOLI et al.,
2019) mostrou ativação da região temporal, mais especificamente do pSTS, em resposta ao
toque afetivo, ainda que esta resposta não fosse seletiva ao toque aplicado com a mão humana
e também tenha sido observada em resposta ao toque com objeto metálico (toque não afetivo).
Por outro lado, em um outro estudo com bebês de 7 meses (MIGUEL et al., 2018) não foi
encontrada ativação na região temporal ao comparar o toque com pincel (toque afetivo) versus
bloco de madeira (toque discriminativo), mas já foi encontrado o recrutamento da região
temporal para processamento do toque afetivo aos 12 meses. Adicionalmente, um estudo
recentemente realizado com adultos (STRAUSS et al., 2019) sugere que o toque interpessoal
(realizado com mão humana), em comparação ao toque impessoal realizado com um objeto
(pincel), além de ser classificado como mais agradável e intenso, também gerou uma maior
ativação no sulco temporal superior (STS). Pelo que se destaca a importância de investigar
bebês em diferentes faixas etárias para compreender como essa maturação neural se processa
em bebês com desenvolvimento típico.
Como já referido anteriormente, existe alguma evidência empírica (ex., AGUIRRE et
al., 2019; JEAN et al., 2009; MIGUEL et al., 2019) mostrando que, já durante o primeiro ano
de idade, o processamento de estimulação tátil em bebês parece ser sensível a influências do
ambiente. Assim, o presente trabalho pretende também contribuir com dados sobre possíveis
fatores individuais e contextuais que possam explicar diferenças interindividuais nas respostas
neurais ao toque afetivo, particularmente na primeiríssima infância.
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18
3 OBJETIVOS
O presente trabalho teve dois objetivos principais. O primeiro objetivo (Estudo 1)
consistiu em caracterizar o processamento neural do toque afetivo materno em bebês de 6 meses
de idade e descrever o perfil sensorial do bebê, as percepções e atitudes maternas relativas ao
toque social e a relação de apego entre a mãe e o bebê.
Por sua vez, o segundo objetivo (Estudo 2) pretendeu caracterizar o perfil sensorial dos
bebês, as percepções e atitudes maternas relativas ao toque social e a relação de apego entre a
mãe e o bebê, na perspetiva de mães com bebês entre os 7 e 12 meses de idade.
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19
4 MÉTODO
Os dados apresentados nesse estudo são parte de um estudo longitudinal intitulado
“Desenvolvimento socioemocional precoce: correlatos neurais e contribuições do
comportamento materno”, coordenado pela Profa. Dra. Ana Osório, em que mães e bebês serão
avaliados em três momentos distintos, aos 6, 10 e 12 meses. Dessa forma, nessa etapa, o
presente estudo caracteriza-se como um estudo descritivo do tipo transversal, pois a coleta de
dados ocorreu em um único momento (aos 6 meses), no período de agosto a dezembro de 2019.
4.1 Estudo 1
4.1.1 Participantes
A amostra foi constituída por 2 bebês nascidos a termo, sem queixas de
desenvolvimento, que foram avaliados aos 6 meses de idade e suas mães. Um participante foi
excluído da análise de dados porque não foi possível realizar avaliação com fNIRS devido a
agitação e desconforto do bebê, e na situação não foi possível acalma-lo.
Foram critérios de inclusão no estudo as mães terem tido acompanhamento pré-natal
durante a gravidez e terem no mínimo 18 anos de idade quando o bebê nasceu. Por sua vez, os
critérios de exclusão foram: gravidez gemelar, complicações médicas durante a gravidez (ex.
anemia grave, diabetes, convulsão, hipertensão arterial, toxoplasmose ou rubéola na mãe),
idade gestacional do bebê inferior a 37 ou superior a 42 semanas, muito baixo peso ao
nascimento ( ≤ .1500g), problemas no parto (anóxia /hipóxia, circular de cordão, APGAR
inferior a 7), presença de doença genética associada a sintomas de TEA (já diagnosticada) ou a
atraso de desenvolvimento, deficiência visual e/ou auditiva, e depressão materna pós-parto.
A seguir serão descritas as características das duas díades mãe-bebê que participaram
do Estudo 1. O bebê A da amostra é um menino que no momento da pesquisa, estava com 6
meses e 4 dias de idade. Nasceu com 40 semanas de gestação. A mãe não soube informar o
peso do bebê ao nascimento. A mãe tem 22 anos de idade, possui ensino médio completo e está
empregada. É solteira e possui 3 filhos.
Por sua vez, o bebê B da amostra, também do sexo masculino, estava com 6 meses e 7
dias no momento da pesquisa. Nasceu com 40 semanas de gestação e o peso ao nascimento foi
de 3210 gramas. A mãe tem 35 anos de idade, possui pós-graduação completa, está empregada,
é casada e possui 2 filhos.
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20
4.1.2 Instrumentos e Medidas
Avaliação neuroimagiológica do processamento do toque afetivo
A resposta cerebral do bebê ao toque afetivo foi avaliada por meio de Espectroscopia
Funcional de Infravermelho Próximo (fNIRS), que mediu mudanças no fluxo da hemoglobina
oxigenada (oxi-Hb) e desoxigenada (desoxi-Hb) nas seguintes regiões cerebrais
(bilateralmente): córtex somatossensorial primário (SI); córtex somatossensorial secundário
(SII); córtex temporal (o giro temporal médio); sulco temporal superior posterior (pSTS); e
junção temporoparietal (TPJ).
A estimulação tátil consistiu na aplicação de carícias suaves (toque afetivo) com a mão
sobre a pele pilosa da omoplata direita do bebê, em velocidade lenta de 3 cm/s. Optou-se pela
estimulação tátil aplicada com mão humana em oposição a objetos (ex. bloco de madeira,
pincel), tal como tem sido usado na grande maioria dos estudos realizados nesta temática,
acreditando que, desta forma, estaríamos recriando uma situação que ocorre naturalmente no
cotidiano do bebê e, por consequência, observar mais realísticamente o processamento cerebral
ao toque.
O procedimento foi apresentado em 4 blocos de 4 ensaios cada. Um ensaio é constituído
por 12 a 15 segundos randomizados de condição basal (sem toque) seguidos de 15 segundos de
estimulação tátil (toque afetivo). Em dois desses blocos, a mãe sentou ao lado do bebê (a
aproximadamente 90º), como se fosse ela quem estivesse tocando no bebê. Nos blocos restantes
uma mulher não familiar para o bebê sentou ao seu lado. No entanto, a estimulação foi sempre
aplicada por um pesquisador previamente treinado, posicionado à direita-atrás do bebê, que
estava sentado numa cadeira especial para bebês (Bumbo multi assento). Optou-se por aplicar
o toque na região da omoplata direita do bebê porque essa região permitiria melhor
posicionamento do pesquisador (atrás do bebê) durante o experimento, uma vez que em alguns
ensaios o bebê esteve com a mãe sentada ao seu lado e em outros ensaios uma mulher que não
conhecida. Além disso, ao contrário de Aguirre e colaboradores (2019) que aplicaram o toque
na perna do bebê enquanto também tinha a mãe ou uma pessoa desconhecida sentada ao lado
do bebê, a área cerebral, de acordo com o homúnculo sensorial, em que é representada a
estimulação na perna está muito próxima de artérias importantes e com muita irrigação
sanguínea, o que poderia interferir com o sinal NIRS e dificultar a interpretação dos dados
coletados. Dessa forma, optou-se por aplicar a estimulação tátil na omoplata do bebê. O Gráfico
1 mostra qual o posicionamento do bebê, da mãe e dos pesquisadores na sala, durante a
aplicação da estimulação tátil.
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21
Gráfico 1. Organização da sala de coleta de dados durante a aplicação da estimulação tátil
Durante todo o procedimento, o bebê assistiu um vídeo (Baby Mozart, Baby Einstein),
semelhante ao que foi usado em Aguirre e colaboradores (2019), sem som e sem conteúdo
social, enquanto a mãe/mulher não familiar estiveram sentadas ao seu lado. Ambas foram
instruídas a minimizar qualquer interação com o bebê e a colocarem a mão atrás da cadeira
onde o bebê estava sentado, mas sem tocar no bebê. A tarefa teve uma duração aproximada de
8 minutos e foi filmada em vídeo para posterior codificação. Para ser considerado um ensaio
válido: (a) o adulto (mãe ou a mulher não familiar) não podiam tocar no bebê; (b) o bebê não
podia tocar no adulto; (c) o bebê não podia estar puxando as fibras da touca NIRS; e (d) o bebê
não poderia chorar.
Para efeitos do presente estudo, focamos as análises apenas nos ensaios em que o bebê
recebeu estimulação tátil enquanto a mãe esteve sentada do seu lado.
Aquisição dos dados NIRS
Os dados foram coletados usando o sistema Brainsight NIRS, composto por 8 fontes e
16 detectores de luz, utilizando dois comprimentos de onda contínuos de 705 e 830 nm. Ao todo
foram utilizados 28 canais (14 em cada hemisfério), com uma distância média de 28.4 mm (DP
= 1.11) entre os optodos, cobrindo bilateralmente as áreas cerebrais anteriormente referidas. Os
canais 1 a 14 estavam localizados no hemisfério esquerdo, enquanto os canais 15 a 28 se
localizavam no hemisfério direito (ver Gráfico 2).
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22
A touca utilizada nos bebês foi o modelo easy cap, personalizado com referência ao
sistema 10-20, sendo o tamanho da touca adequado para bebês de 6 meses (aproximadamente
42 cm de perímetro cefálico). No caso dos participantes da amostra, o Bebê A tinha, aos 6
meses, 42 cm de perímetro cefálico e 28 cm de medida nasion-inion, enquanto o Bebê B
registou 43 cm de perímetro cefálico e 29 cm de medição nasion-inion. A touca NIRS foi
colocada centralmente no topo de Cz.
Gráfico 2. Esquema da localização dos canais utilizados (C1 – C28) no hemisfério esquerdo e
direito. Círculos azuis representam fontes de luz (S1 – S4) e círculos laranja representam
detectores de luz (D1 – D8).
Questionário de informações sócio demográficas
Este questionário permitiu a coleta de informações relativas à gravidez e ao parto (ex.
intercorrências, tipo de parto), nascimento do bebê (ex. sexo, idade gestacional, peso,
comprimento) e à mãe e família (ex. idade, nível socioeconômico, escolaridade).
Perfil Sensorial 2 do Bebê (Dunn, 2014)
Questionário de relato materno que avalia a resposta do bebê a estímulos sensoriais em
situações do cotidiano. O questionário é constituído por 25 itens preenchidos numa escala likert
de 5 pontos, em que 1 significa “Quase nunca” e 5 significa “Quase sempre”. Desta forma,
permite obter uma pontuação total do perfil sensorial do bebê e escores específicos relacionados
ao processamento geral, auditivo, visual, do tato, movimentos e da sensibilidade oral. Neste
estudo, analisamos a pontuação total e a pontuação específica do processamento do tato, que
inclui itens como “Meu/minha bebê fica incomodado (a) quando suas unhas são aparadas”,
“Meu/minha bebê se assusta com diferenças na textura”.
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23
Questionário sobre o Toque Social (do inglês Social Touch Questionnaire; Wilhelm;Kochar,
Roth; Gross, 2001)
O questionário foi traduzido para utilização no presente estudo. Em primeiro lugar, foi
obtida a autorização para tradução e aplicação junto aos autores do instrumento original. A
tradução do STQ foi realizada em etapas de tradução, retrotradução e obtenção de versões de
consenso até a versão final, por duas pesquisadoras do grupo de pesquisa fluentes na língua
inglesa e portuguesa. O questionário é composto por 20 itens que avaliam as percepções e
atitudes maternas relacionadas ao toque social nas suas diferentes dimensões: dar vs. receber,
toque de conhecidos vs. de desconhecidos, toque em público vs. em local privado, toque sexual
vs. não sexual. Cada item é respondido numa escala de 0 (“De jeito nenhum”) a 4
(“Extremamente”) pontos, em que uma pontuação mais elevada indica mais atitudes de rejeição
e desconforto associado ao toque social. A pontuação total do questionário varia entre 0 (menor
evitamento ao toque social) e 80 (maior evitamento ao toque social).
Escala de ligação materna pós natal (do inglês Maternal Postnatal Attachment Scale; Condon;
Corkingdale, 1998)
Primeiramente, como no instrumento anterior, foi obtida a autorização para tradução e
aplicação do instrumento, pelos autores originais. A tradução foi realizada em etapas de
tradução, retrotradução e obtenção de versões de consenso até a versão final por duas
pesquisadoras do grupo de pesquisa fluentes na língua inglesa e portuguesa. A escala mede a
qualidade da relação de apego entre a mãe e o bebê, em quatro dimensões: Prazer na
proximidade, que corresponde ao desejo de interação com o bebê, ao invés de desejo de
separação ou de evitar o bebê; Tolerância, que envolve maior disposição e capacidade de tolerar
comportamentos que seriam provavelmente mais irritantes ou frustrantes; Aceitação, que
envolve a falta de ressentimento pelo impacto que o bebê teve na sua vida e não pensar no bebê
como um fardo pesado de responsabilidade; e Competência, que se refere ao sentido de
competência e confiança no seu papel de mãe daquele bebê (CONDON; CORKINGDALE,
1998). O questionário inclui 19 itens (Exemplo: “Quando eu estou cuidando do bebê, fico com
sentimentos de aborrecimento ou irritação”; “Quando eu estou com o bebê, me sinto tenso e
ansioso”) numa escala que pode variar entre 1 (“baixo apego”) a 5 (“elevado apego”) pontos.
A soma dos 19 itens resulta numa pontuação total, em que pontuações baixas indicam
dificuldades em estabelecer uma relação de apego com o bebê.
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24
4.1.3 Procedimentos
Os bebês e suas famílias foram recrutados a partir da rede de contatos pessoais dos
pesquisadores da equipe e por meio da divulgação do estudo nas redes sociais. Depois de
mostrarem interesse em saber mais informações sobre o estudo, as famílias foram contatadas
por telefone, foram explicados os objetivos e todos os procedimentos e após aceitarem
participar, foi agendada uma data e horário mediante disponibilidade das mães. A coleta de
dados foi realizada em sala do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social do Centro de
Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo).
Antes do início da coleta, os objetivos e procedimentos do estudo foram novamente
explicados à mãe, foram esclarecidas todas as dúvidas e somente então, as mães assinaram o
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foi iniciada a avaliação. Ao chegarem na sala
para a coleta com o NIRS, foi explicado rapidamente à mãe a atividade que seria realizada e as
mães foram orientadas a não tocar nos bebês durante todo o procedimento, sendo que caso o
bebê chorasse ou ficasse demasiadamente agitado sem que fosse possível acalmá-lo, o
procedimento seria imediatamente interrompido. Posteriormente, foi colocada a touca NIRS,
tiradas as medidas físicas da cabeça, e, depois de definidos os parâmetros no sistema para
aquisição dos dados NIRS, foi realizado o paradigma do toque. No final da sessão, foi realizada
uma entrevista com a mãe para o preenchimento dos questionários. A sessão teve uma duração
aproximada de 2h. Este estudo foi previamente autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
UPM (CAAE: 02631818.1.0000.0084).
4.1.4 Análise dos dados
Primeiramente foram identificados os ensaios válidos apartir dos critérios anteriormente
mencionados. Na sequencia, os dados NIRS foram analisados com recurso software MatLab.
Em um primeiro momento, foram feitas correções de artefato de movimento, depois foram
calculadas as médias de concentração de hemoglobina oxigenada e desoxigenada do total de
ensaios válidos, e filtrado o sinal para remover batimento cardíaco (filtro feito em 0.5 Hz). Por
fim, foi analisado o contraste Toque vs. Descanso para identificar os canais ativados em
resposta ao toque afetivo, mediante um aumento significativo da hemoglobina oxigenada e uma
diminuição significativa da hemoglobina desoxigenada.
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25
4.2 Estudo 2
4.2.1 Participantes
A amostra foi constituída por 19 mães, com bebês nascidos a termo e com idades entre
7 e 12 meses. Duas participantes foram excluídas da amostra devido a idade do bebê não
corresponder aos critérios estabelecidos.
A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra (Estudo 2). A idade das mães variou entre 19
e 40 anos (M = 30.64, DP = 5.58). A maioria das mães possui especialização ou pós-graduação
(n = 9, 47.4%), está empregada (n =13; 68.4%) e é casada (n = 16; 84.2%). O bebê era primeiro
filho em 13 casos da amostra (68.4%) e as mães passavam entre 2 a 24 horas por dia com seu
bebê (M = 17.47, DP = 8.54). Com relação à caracterização dos bebês, no momento da pesquisa,
a idade variou entre 6.6 e 13.3 meses (M = 9.96, DP = 2.19), 10 bebês eram do sexo masculino
(52.6%) e a idade gestacional variou entre 37 e 40 semanas (M = 38.47, DP = 0.90). A maior
parte das mães não teve intercorrências durante a gravidez (n = 15; 78.9%), realizou cesárea (n
= 17; 89.5%) e também não teve intercorrências durante o parto (n = 18; 94.7). Por sua vez, a
renda familiar mensal da maioria das participantes é superior a 6 salários mínimos nacionais (n
= 11; 57.9%), residem em habitação própria (n = 9; 47.4%) e relataram haver histórico de
doença psiquiátrica na família (n = 14; 73.7%), como por exemplo depressão, ansiedade,
síndrome do pânico ou esquizofrenia.
4.2.2 Instrumentos e medidas
Questionário de informações sócio demográficas
Este questionário permitiu a coleta de informações relativas à gravidez e ao parto (ex.
intercorrências, tipo de parto), nascimento do bebê (ex. sexo, idade gestacional, peso e altura)
e à família (ex. idade da mãe, nível socioeconômico, escolaridade).
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26
Tabela 1. Caraterização da amostra do Estudo 2
n (%) Mín – Máx M (DP)
Mãe
Idade (anos) 19 – 40 30.64 (5.58)
Escolaridade
Ensino médio/ superior
incompleto 5 (26.3)
Ensino superior completo 5 (26.3)
Especialização/ Pós-graduação 9 (47.4)
Situação profissional
Empregada 13 (68.4)
Desempregada 6 (31.6)
Estado civil
Casada 16 (84.2)
Solteira 3 (15.8)
Primípara 13 (68.4)
Horas/ dia com o bebê 2 – 24 17.47 (8.54)
Bebê
Idade (meses) 6.60 – 13.30 9.96 (2.19)
Sexo masculino 10 (52.6)
Idade gestacional (semanas) 37 – 40 38.47 (0.90)
Peso ao nascer (gramas) 2365 – 3540 3140 (296)
Altura ao nascer (cm) 45.5 – 53 30.64 (5.58)
Gravidez e parto
Gravidez planejada (Não) 11 (57.9)
Intercorrências na gravidez (Não) 15 (78.9)
Intercorrências no parto (Não) 18 (94.7)
Tipo de parto
Normal 2 (10.5)
Cesárea 17 (89.5)
Família
Renda familiar mensal
Até 3 salários mínimos 3 (15.8)
De 3 a 6 salários mínimos 5 (26.3)
Mais de 6 salários mínimos 11 (57.9)
Nº de pessoas que vivem na casa 2 – 6 3.47 (0.90)
Tipo de habitação
Própria 9 (47.4)
Aluguel 7 (36.8)
Outro 3 (15.8)
História de doença genética (Sim) 3 (15.8)
História de doença psiquiátrica (Sim) 14 (73.7)
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27
Perfil Sensorial 2 (Dunn, 2014)
Questionário de relato materno que avalia o processamento sensorial da criança em
situações do cotidiano. Constituído por 54 itens preenchidos numa escala likert de 5 pontos, em
que 1 significa “Quase nunca” e 5 significa “Quase sempre”. Desta forma, permite obter uma
pontuação total do perfil sensorial do bebê e escores específicos relacionados ao processamento
geral, auditivo, visual, tato, movimentos, sensibilidade oral e comportamento. Adicionalmente,
é possível considerar a pontuação do questionário em quatro quadrantes: Exploração, grau em
que uma criança obtém estímulo sensorial; Esquiva, grau em que uma criança fica incomodada
por estímulos sensoriais; Sensibilidade, grau em que uma criança detecta estímulos sensoriais;
e Observação, grau em que uma criança não percebe estímulos sensoriais. Neste estudo,
analisamos a pontuação global do questionário e a pontuação específica do processamento do
tato, o qual inclui itens como “Meu/minha filho(a) resiste a ser abraçado”, “Meu/minha filho(a)
se afasta de toques inesperados”, bem como a pontuação obtida em cada quadrante.
Na Tabela 2 é apresentado um detalhamento das classificações e interpretação dos
quadrantes obtidos.
Tabela 2: Resumo da interpretação dos quadrantes de processamento sensorial
Menos que outros(as)
Muito menos que
outros(as)
Exatamente como a
maioria
dos(as)outros(as)
Mais que outros(as)
Muito mais que
outros(as)
Exploração Pode não buscar estímulos
sensoriais suficientes para
sustentar uma participação
bem sucedida
Usa o estímulo
sensorial para reunir as
informações
necessarias para
participação
Pode buscar
estímulos sensoriais
de maneiras tão
excessivas ou
pertubadoras de
modo a interferir na
participação
Esquiva Pode deixar de notar os
estímulos sensoriais
necessarios para a
participação
Gerencia o estímulo
sensorial para obter
somente a quantidade
necessaria para a
participação
Pode tornar-se tão
sobrecarregado pelo
estímulo sensorial de
modo a interferir na
participação
Sensibilidade Pode deixar de detectar o
estímulo sensorial
específico que é necessario
para sustentar a
participação
Detecta o estímulo
sensorial que permite a
participação
Pode se distrair tanto
pelo estímulo
sensorial de modo a
interferir na sua
participação
Observação Pode perceber estímulos
sensoriais que não sejam
uteis para a participação
Observa estímulos
sensoriais suficientes
para apoiar a
participação
Pode deixar de notar
os estímulos
sensoriais
necessarios para a
participação
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28
Questionário sobre o Toque Social (Wilhelm; Kochar; Roth; Gross, 2001)
Instrumento descrito anteriormente no estudo I. Para detalhes consultar p. 23.
Escala de ligação materna pós natal (Condon; Corkingdale, 1998)
Instrumento descrito anteriormente no estudo I. Para detalhes consultar p. 23.
4.2.3 Procedimentos
Foi criado um formulário online na ferramenta Google Forms, onde os questionários
foram digitados. Depois de gerado o link do formulário, o mesmo foi compartilhado nas redes
sociais em grupos de mães ou dedicados às questões da maternidade. A primeira tela descrevia
o estudo, seus objetivos e os questionários que deveriam ser preenchidos. Somente após aceitar
participar (clicando na caixa localizada no canto inferior da tela), as mães tiveram acesso às
perguntas dos questionários.
Os questionários foram distribuídos por seções e somente era possível avançar, à medida
que as respostas fossem todas preenchidas. O link ficou disponível entre os meses de outubro e
dezembro. Este estudo foi previamente autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UPM
(CAAE: 02631818.1.0000.0084).
4.2.4 Análise dos dados
Os dados derivados dos questionários que as mães preencheram online foram tabulados
e analisados com recurso do Software IBM SPSS Statistics 20.0. Após a tabulação dos dados
coletados foram realizadas análises descritivas das variáveis do estudo, nomeadamente as
atitudes maternas relativas ao toque social, perfil sensorial do bebê e qualidade da relação de
apego mãe-bebê, bem como examinada a relação entre as variáveis por meio do teste estatístico
de correlação de Spearman.
-
29
5 RESULTADOS
5.1 Estudo 1
Considerando que apenas duas díades mãe-bebê participaram do Estudo 1, para facilitar
a descrição e compreensão dos resultados, os mesmos serão apresentados separadamente para
cada bebê.
O Bebê A, em resposta ao toque afetivo (materno), registrou um aumento significativo
de hemoglobina oxigenada no canal 27, localizado na região temporal (pSTS) do hemisfério
direito, quando comparado com o período de descanso. Por outro lado, também foi observado
um padrão invertido, caraterizado por uma diminuição na hemoglobina oxigenada e aumento
da hemoglobina desoxigenada, apresentando desativação no canal 17, localizado no córtex
somatossensorial primário do hemisfério direito.
Esses resultados estão demonstrados abaixo nos gráficos 3 e 4. O ponto 0 representa o
início da estimulação tátil, que foi administrada durante 15 segundos, seguida de um período
de descanso (sem toque).
Gráfico 3. Bebê A – Ativação no Canal 27 em resposta ao toque afetivo
-
30
Gráfico 4. Bebê A – Desativação no Canal 17 em resposta ao toque afetivo
Quanto aos dados obtidos nos questionários, em relação ao perfil sensorial do Bebê A a
pontuação total bruta obtida foi 61 de um total de 125 pontos, enquanto que nos itens relativos
ao processamento do tato, foram obtidos 7 pontos de um total de 15 pontos possível. Em ambos
os escores, a faixa de percentil indica que o bebê A percebe e responde ao ambiente exatamente
como a maioria das outras crianças. Em relação às atitudes e percepções maternas relativas ao
toque social, a pontuação total do questionário varia entre 0 (menor evitamento ao toque social)
e 80 (maior evitamento ao toque social). Desta forma, a mãe do bebê A obteve 32 pontos,
indicando poucas atitudes de evitamento e desconforto associados ao toque social. Já na escala
que avalia a relação de apego mãe-bebê, considerando o intervalo possível de pontuação entre
19 a 95 pontos e que pontuações mais elevadas indicam qualidade elevada da relação de apego
mãe-bebê, a pontuação total obtida foi de 72.1 pontos, o que confirma um elevado vínculo
emocional com o seu bebê segundo o relato materno.
Por sua vez, no Bebê B registou-se ativação no canal 5 (localizado próximo do córtex
somatossensorial secundário) e no canal 13 (região temporal – pSTS), ambos no hemisfério
esquerdo, em resposta ao toque afetivo por oposição ao período de descanso (ver Gráfico 5).
Mais uma vez, também foi observado neste bebê um perfil de desativação, caracterizado por
um aumento de hemoglobina desoxigenada e diminuição de hemoglobina desoxigenada, no
canal 4 (localizado na junção temporoparietal no hemisfério esquerdo), no canal 11 (região
temporal do hemisfério esquerdo), canais 15 (próximo ao córtex somatossensorial primário) e
21 (região temporal) ambos no hemisfério direito, e no canal 26 (localizado na junção
-
31
temporoparietal do hemisfério direito). O gráfico 6 apresenta alguns exemplos desses canais
desativados em resposta ao toque afetivo.
Gráfico 5. Bebê B – Ativação nos Canais 5 e 13 em resposta ao toque afetivo
-
32
Gráfico 6. Bebê B – Exemplo de desativação nos Canais 15, 21 e 26
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33
Em relação ao perfil sensorial do Bebê B, foi obtida uma pontuação total bruta de 46
pontos, de um total de 125 de pontuação máxima possível, e um escore de 4 pontos, de um total
possível de 15, relativos ao processamento do tato. Também neste caso, a análise da faixa de
percentil indica que o Bebê B percebe e responde ao ambiente exatamente como a maioria das
outras crianças. Em relação ao questionário sobre o toque social, a mãe do Bebê B obteve 31
pontos, indicando também poucas atitudes de evitamento e desconforto associados ao toque.
Sobre a escala da ligação mãe-bebê, a mãe do Bebê B obteve uma pontuação total de 78 pontos
(num intervalo possível de 19 a 95 pontos), refletindo também elevada qualidade da relação de
apego mãe-bebê segundo o relato materno.
A Tabela 3 apresenta os descritivos para os dois bebês quanto aos questionários usados
no Estudo 1.
Tabela 3. Descritivo dos questionários usados no Estudo 1
Bebê A Bebê B
Perfil sensorial do bebê (total) 61/125 46/125
Processamento do tato 7/15 4/15
Atitudes maternas relativas ao toque social 32/80 31/80
Relação de apego mãe- bebê 72/95 78/95
5.2 Estudo 2
Em relação ao perfil sensorial do bebê, a pontuação total variou entre 43 e 146 pontos
(M = 96.11, DP = 27.52). Especificamente no que se refere ao processamento do tato, a
pontuação obtida foi de 1 a 15 (M = 6.89, DP = 4.45), sendo que 11 bebês (57.9%) são
classificados como respondendo aos estímulos táteis exatamente como a maioria dos outros, 1
bebê (5.3%) classificado como respondendo mais que outros, e 5 (26.3%) e 2 bebês (10.5%)
classificados como respondendo menos que outros e muito menos que outros, respetivamente,
de acordo com o sistema de classificação da amostra usada na validação do instrumento para a
população Brasileira.
Para os quadrantes de processamento sensorial específicos, observou-se no quadrante
Exploração que a pontuação obtida foi de 17 a 35 pontos (M = 26.79, DP = 4.60), distribuído
da seguinte forma no sistema de classificação: 15 bebês (78.9%) exatamente como a maioria
dos outros, 1 bebê (5.3%) classificado como buscando estímulos sensoriais mais que outros, e
-
34
2 bebês (10.5%) e e 1 bebê (5.3%) buscando estímulos sensoriais menos que outros e muito
menos que outros, respetivamente. No quadrante Criança Esquiva, a pontuação obtida variou
de 2 a 22 pontos (M = 11.95, DP = 5.08), que no sistema de classificação se distribuiu da
seguinte forma: 11 bebês (57.9%) classificados exatamente como a maioria dos outros, 1 bebê
(5.3%) ficando incomodado por estímulos sensoriais mais que outros, 5 bebês (26.3%) se
afastando dos estímulos sensoriais menos que outros e 2 bebês (10.5%) se afastando muito
menos que outros. No quadrante da criança Sensível, a pontuação foi de 9 a 37 (M = 23.79, DP
= 8.12) sendo que 10 bebês (52.6%) foram classificados como detectando estímulos sensoriais
exatamente como a maioria dos outros, 4 bebês (21.1%) detectando mais que outros, 3 bebês
(15.8%) percebendo estímulos sensoriais em um grau muito mais elevado que outros, e 2 bebês
(10.5%) percebendo os estímulos menos que os outros. Por fim, no quadrante de criança
observadora, a pontuação obtida foi entre 1 e 22 (M = 9.68, DP = 6.02), com a seguinte
distribuição de acordo com o sistema de classificação na amostra normativa: 9 bebês (47.4%)
classificados exatamente como a maioria dos outros, 1 bebê (5.3%) classificado como não
percebendo estímulos sensoriais mais que outros, enquanto 5 (26.3%) e 4 bebês (21.1%)
receberam a classificação de menos e muito menos que os outros, respetivamente.
No questionário sobre toque social, as mães obtiveram uma pontuação entre 7 e 49
pontos (M = 22.79, DP = 9.61), indicando poucas atitudes de evitamento e desconforto
associados ao toque social. Quanto à escala que avaliou a relação de apego mãe-bebê, as mães
obtiveram, em média, 81.56 pontos (DP = 6.26), tendo os escores variado entre 65.8 e 92.6
pontos, indicando assim um vínculo elevado relatado pelas mães para descrever a relação de
apego com o seu bebê.
A Tabela 4 apresenta o descritivo das variáveis dos questionários usados no Estudo 2,
mais especificamente, a pontuações dos quadrantes do perfil sensorial e das quatro dimensões
avaliadas pela escala da relação de apego mãe-bebê.
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35
Tabela 4. Descritivos das variáveis dos questionários usados no Estudo 2
Min – Máx M (DP)
Perfil sensorial do bebê
Processamento sensorial global 43-146 96.11 (27.52)
Processamento sensorial do tato 1-15 6.89 (4.45)
Quadrante criança exploradora 17-35 26.79 (4.60)
Quadrante criança esquiva 2-22 11.95 (5.08)
Quadrante criança sensível 9-37 23.79 (8.12)
Quadrante criança observadora 1-22 9.68 (6.02)
Atitudes maternas relativas ao toque social 7-49 22.79 (9.61)
Relação de apego mãe-bebê - Total 65.8 – 92.6 81.56 (6.26)
Aceitação 4.3 - 13.6 10.03 (2.47)
Tolerância 9.3 - 15 12.86 (1.31)
Prazer na proximidade 28.6 - 40 36.27 (3.04)
Competência 19.6 - 25 22.38 (1.63)
Neste Estudo 2, foi ainda examinada a correlação entre as diferentes variáveis extraídas
dos três questionários, através do teste de Correlação de Spearman, cujos resultados são
apresentados na Tabela 5.
Tabela 5. Correlação de Spearman entre as atitudes maternas relativas ao toque social,
qualidade da relação de apego mãe-bebê e perfil sensorial do bebê
Atitudes maternas
relativas ao toque
social
Relação de
apego mãe-bebê
Atitudes maternas relativas ao toque social ----- - .43+
Processamento sensorial do tato .38 - .74***
Quadrante criança exploradora - .04 - .03
Quadrante criança esquiva .42+ - .36
Quadrante criança sensível .61** - .55*
Quadrante criança observadora .20 - .32
+p < .10; *p < .05; **p < .01; ***p < .001.
-
36
Assim, foi encontrada uma associação marginalmente significativa entre as atitudes
maternas relativas ao toque social e a qualidade da relação de apego mãe-bebê, rs = - .43, p =
.064, de forma que mães que relatam mais atitudes de evitamento e desconforto em relação ao
toque social tendem também a reportar uma baixa qualidade na relação de apego que
conseguiram estabelecer com o seu bebê. Por outro lado, foi encontrada uma associação
marginalmente significativa entre as atitudes maternas relativas ao toque social e o quadrante
de processamento sensorial Criança Esquiva, rs = .42, p = .074, sendo que mães que apresentam
mais atitudes de evitamento e desconforto em relação ao toque social tendem a perceber os seus
bebês se afastando mais de estímulos sensoriais. Foi ainda encontrada uma associação
estatisticamente significativa entre as atitudes maternas relativas ao toque social e o quadrante
de Criança Sensível, rs = .61, p = .006, sendo que mais atitudes de evitamento e desconforto em
relação ao toque social por parte da mãe estavam associadas a um maior grau de detecção de
estímulos sensoriais por parte do bebê. Por fim, foi observada uma correlação estatisticamente
significativa entre a qualidade da relação de apego mãe-bebê e o o processamento do bebê a
estímulos táteis, rs = - .74, p < .001, e o quadrante Criança Sensível, rs = - .55, p = .015. Assim,
mães que relatam mais dificuldades em estabelecer uma relação de apego de qualidade com o
seu bebê também entendem os seus bebês como reagindo a estímulos táteis de forma mais
intensa do que as outras crianças e detectando estímulos sensoriais em maior grau que outras
crianças.
-
37
6 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve dois objetivos principais. Enquanto o Estudo 1 buscou
caracterizar o processamento neural em resposta ao toque afetivo materno em bebês de 6 meses
de idade e descrever o perfil sensorial do bebê, as percepções e atitudes maternas relativas ao
toque social, e a qualidade da relação de apego mãe-bebê, o Estudo 2 pretendeu caracterizar as
variáveis comportamentais (perfil sensorial do bebê, atitudes maternas relativas ao toque social,
e a qualidade da relação de apego mãe-bebê) em uma amostra de mães com bebês entre 7 e 12
meses de idade.
O Estudo 1 foi conduzido em dois bebês que passaram por uma avaliação
neuroimagiológica com uso do fNIRS, que mostrou ativação cortical na área somatossensorial
e temporal em resposta ao toque afetivo, quando comparado com o período de descanso em que
o bebê não era tocado. Mais especificamente, no Bebê A foi encontrada ativação no canal 27
e no bebê B no canal 13, ambos localizados próximo do sulco temporal superior posterior
(pSTS), nos hemisférios direito e esquerdo, respectivamente. Adicionalmente, no bebê B foi
encontrada ativação no canal 5, localizado próximo ao córtex somatossensorial secundário, no
hemisfério esquerdo. Assim, nos dois casos descritos, os bebês parecem ter respondido ao toque
afetivo (aplicado com a mão humana) recrutando áreas sociais do cérebro. Semelhante ao
estudo de Pirazzoli e colaboradores (2019), o toque afetivo aplicado com a mão humana gerou
ativação em áreas sociais do cérebro, mais especificamente no pSTS, por oposição ao período
em que não aconteceu o toque (período de descanso). Porém, a reduzida amostra de apenas 2
casos e a ausência de uma outra condição experimental em que o toque afetivo é aplicado
usando um objeto (por exemplo, um pincel) não nos permitem saber se estamos diante de um
recrutamento seletivo desta área cerebral para responder ao toque afetivo administrado naquelas
condições específicas (com a mão humana, à temperatura natural da pele, e a uma velocidade
ótima para ativar as fibras CT). Contudo, o fato de durante todo este procedimento (aplicação
do estímulo tátil e período de descanso) o bebê ter a mãe sentada ao seu lado e estar diante de
um vídeo sem som e sem conteúdo social em um computador, sendo então mantidas as mesmas
condições ao longo de toda a tarefa, nos permite acreditar que a ativação observada na região
temporal se deveu em resposta ao estímulo tátil.
Um outro achado interessante, e que foi observado nos dois bebês avaliados, foi a
presença de canais desativados, em que foi registado um padrão inverso caracterizado por um
aumento significativo de hemoglobina desoxigenada e uma diminuição significativa de
hemoglobina oxigenada, em resposta ao toque afetivo versus o período de descanso. Mais
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38
especificamente, foi observada desativação em um canal localizado no córtex somatossensorial
primário no Bebê A e em vários canais cobrindo a região temporal (bilateralmente) no Bebê B.
A presença de um perfil de canais desativados já foi encontrado em pesquisas anteriores usando
fNIRS (BORTFELD, WRUCK, BOAS, 2007; FAVA, HULL, BORTFELD, 2014; LLOYD-
FOX, SZÉPLAKI-KOLLOD, YIN, CSIBRA, 2015; WATANABE, HOMAE, TAGA, 2012).
Ainda que algumas possíveis explicações como imaturidade cerebral em idades tão precoces, a
redistribuição de sangue oxigenado para áreas cerebrais com mais demanda, ou conexões entre
diferentes áreas corticais que apenas ficarão mais sintonizadas tanto espacialmente quanto
temporalmente com o tempo e à medida que a criança cresce, ainda não há consenso sobre as
razões deste fenômeno, o qual merece atenção especial em estudos futuros.
Por sua vez, os questionários administrados no Estudo 1 mostraram que ambos os bebês
são percebidos pela mãe como apresentando um padrão de processamento sensorial exatamente
como a maioria das outras crianças, e que ambas a mães referem poucas atitudes de evitamento
e desconforto em relação ao toque social e uma elevada qualidade da relação de apego com o
seu bebê.
Quanto aos resultados do Estudo 2, a maior parte dos bebês foi classificada como
apresentando uma resposta a estímulos sensoriais exatamente igual como a maioria das outras
crianças. Ainda que em menor número, surgiram alguns casos com um padrão de
processamento sensorial alterado face à população normativa, reagindo menos/muito menos ou
mais/muito mais que as outras crianças. De uma forma geral, as mães que participaram do
Estudo 2 reportaram poucas atitudes de evitamento ou desconforto relacionado com o toque
social e conseguirem estabelecer uma relação de apego de qualidade elevada com o seu bebê.
Foi ainda encontrada uma associação entre as atitudes maternas relativas ao toque social, a
qualidade da relação de apego mãe-bebê e o perfil sensorial do bebê. Por um lado, levanta a
questão se estamos perante uma herança genética, em que bebês de mães que evitam ou se
sentem desconfortáveis em relação ao toque social também poderão apresentar uma reação
alterada (ex., afastamento ou maior sensibilidade) na forma de processar estímulos sensoriais,
incluindo o tato. Por outro lado, as próprias atitudes da mãe de evitamento ou desconforto em
relação ao toque social podem influenciar o seu comportamento durante a interação com o seu
bebê (por exemplo, tocando menos frequentemente ou de forma mais intrusiva), o que irá
certamente afetar o vínculo emocional que conseguirá estabelecer com o bebê.
Pesquisas anteriores mostraram que as mães variam muito na frequência e na forma
como tocam quando interagem com o seu bebê (MALPHURS et al., 1996; MANTIS et al.,
2019). Então, considerando que nos primeiros meses de vida o toque é uma das ferramentas
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39
principais para dar conforto, cuidar, ajudar a regular o estresse e estabelecer um vínculo com o
bebê, é possível que mães que, de uma forma geral, sentem desconforto ou evitam o toque,
apresentem também menos comportamentos de toque quando interagem/brincam com o seu
bebê, perdendo, dessa forma, oportunidades importantes para construir uma ligação emocional
e de apego forte com o seu bebê. Adicionalmente, um estudo de Aguirre e colaboradores (2019)
mostrou que bebês de 9 meses registavam uma desaceleração da frequência cardíaca, como
sinal de relaxamento, quando percebiam o toque afetivo sendo aplicado pela sua mãe versus
quando achavam que era aplicado por uma mulher não familiar, em que a frequência cardíaca
ficava acelerada. Este achado sugere que a presença de uma relação afetiva com a pessoa que
nos toca (neste caso a mãe) versus a ausência de um vínculo emocional com essa pessoa vai
influenciar a forma como aquele toque é percebido e processado. Além disso, estudos anteriores
encontraram que uma menor desaceleração da frequência cardíaca do bebê em resposta ao toque
afetivo estava associada a atitudes maternas de maior desconforto e evitamento do toque social
(AGUIRRE et al., 2019; FAIRHURST et al., 2014).
Os dois estudos têm várias limitações que impedem a generalização dos resultados e
retirar qualquer conclusão definitiva dos mesmos. Por um lado, o tamanho reduzido da amostra
que é uma limitação comum aos dois estudos, torna-se fundamental que estes estudos sejam
replicados com uma amostra maior. Especificamente no Estudo 1, em que contamos unicamente
com dois participantes, apenas foi possível descrever as áreas cerebrais ativadas em resposta ao
toque afetivo e as pontuações obtidas pelos participantes nas variáveis comportamentais. No
entanto, seria extremamente relevante examinar também como as variáveis comportamentais
da mãe e do bebê podem também afetar o processamento neural do toque afetivo. Além disso,
o estudo foi realizado em um único momento de avaliação – aos 6 meses de idade – sendo
também importante entender como o padrão de ativação neural pode mudar ao longo do tempo
e à medida que a relação de apego mãe-bebê se vai se consolidando.
Por sua vez, no Estudo 2, a amostra de mães participantes apresenta características
sociodemográficas bastante homogêneas: a maioria é casada, com ensino superior completo ou
pós-graduação e nível socioeconômico médio a alto. Assim, será importante replicar o estudo
em uma amostra maior e mais heterogênea, capaz de captar maior variabilidade ao nível das
características dos participantes e também das variáveis comportamentais, como a qualidade da
relação de apego mãe-bebê ou as atitudes maternas relativas ao toque social.
Outra limitação relevante e comum nos dois estudos foi o uso de questionários (mais
especificamente no estudo 2, com preenchimento dos questionários online) para avaliar a
qualidade da relação mãe-bebê, perfil sensorial do bebê e reação da mãe ao toque social, que
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apenas nos dá a perspetiva da mãe. Assim, seria importante em estudos futuros complementar
com medidas mais objetivas e observacionais, em que podemos avaliar a qualidade da relação
da díade observando como a mãe interage com o seu bebê, com que frequência ela toca e de
que forma toca no seu bebê e como o bebê reage a esses comportamentos de toque usados pela
mãe. Dessa forma, podemos entender como as atitudes maternas relativas ao toque social se
refletem na forma de interagir com o bebê, mais especificamente nos comportamentos de toque
usados pela mãe.
Além disso, o fato de termos incluído na mesma amostra do estudo 2 bebês entre os 7 e
os 12 meses de idade, significa que estamos examinando no mesmo grupo, bebês em diferentes
níveis maturacionais de processamento sensorial e também em diferentes níveis de
desenvolvimento da relação de apego mãe-bebê, por exemplo díades mãe-bebê com uma
relação já consolidada enquanto em outras díades a relação ainda se está desenvolvendo. Assim,
seria importante que estudos futuros caraterizassem essas variáveis – principalmente o perfil
sensorial do bebê e a relação de apego mãe-bebê – atendendo à faixa etária do bebê.
Por fim, no estudo 1, a aplicação da estímulação tátil com a mão pode também constituir
uma limitação. Ainda que a pesquisadora que aplica o estímulo tivesse sido previamente
treinada na aplicação do mesmo, torna-se difícil controlar que a mesma pessoa irá aplicar
exatamente da mesma forma o estímulo tátil a dois participantes diferentes.
Apesar das limitações referidas, o presente trabalho pretendeu contribuir para a
literatura existente sobre o processamento neural do toque afetivo em bebês de até 1 ano de
idade e fatores individuais e relacionais que poderão influenciar essa resposta cerebral. Assim,
estudos futuros, deverão continuar a investir nesta área de pesquisa, cujo conhecimento
científico nesta temática poderá ajudar a entender melhor o papel do toque no estabelecimento
precoce de relações sociais, na regulação