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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE TATIANA DE LIMA GEMIGNANI PROCESSAMENTO NEURAL DO TOQUE AFETIVO EM BEBÊS DE 6 MESES: RELAÇÃO COM VARIÁVEIS DO BEBÊ E DA MÃE São Paulo 2020

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  • UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

    TATIANA DE LIMA GEMIGNANI

    PROCESSAMENTO NEURAL DO TOQUE AFETIVO EM BEBÊS DE 6 MESES:

    RELAÇÃO COM VARIÁVEIS DO BEBÊ E DA MÃE

    São Paulo

    2020

  • TATIANA DE LIMA GEMIGNANI

    PROCESSAMENTO NEURAL DO TOQUE AFETIVO EM BEBÊS DE 6 MESES:

    RELAÇÃO COM VARIÁVEIS DO BEBÊ E DA MÃE

    Dissertação apresentada ao Programa de Pós-

    Graduação em Distúrbios do Desenvolvimento

    da Universidade Presbiteriana Mackenzie,

    como requisito parcial à obtenção do título de

    Mestre em Distúrbios do Desenvolvimento.

    Orientadora: Profa. Dra. Ana Alexandra Caldas Osório

    Coorientadora: Profa. Dra. Vera Lúcia Esteves Mateus

    São Paulo

    2020

  • G322p Gemignani, Tatiana de Lima.

    Processamento neural do toque afetivo em bebês de 6 meses : relação com variáveis do bebê e da mãe / Tatiana de Lima

    Gemignani. 48 f. : il. ; 30 cm

    Dissertação (Mestrado em Distúrbios do Desenvolvimento) –

    Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2020. Orientadora: Ana Alexandra Caldas Osório. Referências bibliográficas: f. 41-46.

    1. Toque afetivo. 2. Relação de apego mãe-bebê. 3. Perfil

    sensorial. 4. Toque social. 5. fNIRS. 6. Resposta neural. I. Osório, Ana Alexandra Caldas, orientadora. II. Título.

    CDD 155.412

    Bibliotecária Responsável: Eliana Barboza de Oliveira Silva - CRB 8/8925

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  • Especialmente às famílias e seus bebês que

    aceitaram e dedicaram seu tempo para participar

    da pesquisa.

  • AGRADECIMENTOS

    À Profa. Dra. Ana Osório, minha orientadora, a quem devo muito por todo apoio, pela

    confiança, pelas discussões e momentos de grande aprendizado.

    À Profa. Dra. Vera Mateus, minha coorientadora, por toda disponibilidade, parceria, e por todas

    as suas relevantes contribuições.

    Às minhas colegas do grupo de pesquisa, Barbara, Luisa, Julia, Isabela, Juliana Borges, Juliana

    Camillo e Katja por todos os nossos encontros e experiências compartilhadas ao longo desses

    anos.

    Aos profissionais da UNICAMP, Prof. Dr. Rickson Mesquita e seus alunos Giovani Scavariello

    e Sergio Novi pela parceria e conhecimento compartilhado.

    Aos membros da banca, Profa. Dra. Adriana Sampaio e Profa. Dra. Cristiane Silvestre pelas

    valiosas críticas e apontamentos.

    Aos meus familiares, especialmente meus pais Paulo e Mara, minha irmã Thais e meu cunhado

    Yuri que me acompanham nessa trajetória de crescimento e amadurecimento pessoal e

    profissional

    E por fim, meus amigos e colegas, principalmente, as companheiras de mestrado, Natália

    Kintschner e Lara Poggio pelas infinitas conversas e apoio.

  • RESUMO

    O toque desempenha um papel fundamental na vida do ser humano, desde o nascimento até à

    idade adulta, facilitando a formação de vínculos relacionais e a regulação da nossa reatividade

    ao estresse. Evidência anterior sugere que o processamento do toque afetivo é modulado por

    fatores contextuais e individuais, bem como pelo próprio padrão de reatividade do indivíduo a

    estímulos sensoriais. Estudos com bebês mostraram que as mães variam no uso do toque

    durante a interação mãe-bebê e que as próprias atitudes maternas relativas ao toque social

    influenciam a resposta fisiológica do bebê. No entanto, pouco se sabe sobre a contribuição de

    variáveis individuais do bebê e da mãe para o processamento neural do toque afetivo. Assim, o

    presente estudo teve dois objetivos. O Estudo 1 pretendeu caracterizar as respostas neurais ao

    toque afetivo materno em bebês de 6 meses de idade e descrever o perfil sensorial do bebê, as

    percepções/ atitudes maternas relativas ao toque social, e relação de apego entre a mãe e o bebê.

    O Estudo 2 pretendeu caracterizar o perfil sensorial do bebê, as percepções/ atitudes maternas

    relativas ao toque social, e a relação de apego entre a mãe e o bebê com idades entre 7 e 12

    meses. Do Estudo 1 participaram duas díades mãe-bebê e o processamento neural do bebê em

    resposta ao toque afetivo foi medido por meio de espectroscopia funcional no infravermelho

    próximo (fNIRS), em duas regiões cerebrais de interesse (bilateralmente): o córtex

    somatossensorial e a região temporal. Os resultados mostraram ativação cortical na região

    somatossensorial e temporal em resposta ao toque afetivo por oposição ao período de descanso

    (sem toque). Também observou-se um perfil de desativação em resposta à estimulação tátil. Os

    bebês respondiam a estímulos sensoriais exatamente como a maioria das outras crianças, as

    mães relataram poucas atitudes de evitamento em resposta ao toque social e elevada qualidade

    da relação de apego mãe-bebê. Por sua vez, o Estudo 2 contou com 19 mães de bebês entre 7 e

    12 meses de idade, que preencheram os referidos questionários online. Os resultados mostraram

    que a maior parte dos bebês são percebidos, pelas suas mães, como apresentando um padrão de

    processamento sensorial como a maioria das outras crianças, ainda que alguns casos sejam

    entendidos como apresentando um padrão alterado de reatividade. Também neste estudo as

    mães reportaram uma elevada qualidade da relação de apego com o seu bebê e poucas atitudes

    de evitamento ou desconforto relacionados ao toque social. Foram encontradas associações

    entre as atitudes maternas relativas ao toque social e a qualidade da relação de apego mãe-bebê,

    bem como com o perfil sensorial do bebê. Também foi encontrada correlação entre a qualidade

    da relação mãe-bebê e o perfil sensorial do bebê. Os resultados de ambos os estudos foram

    discutidos considerando a evidência empírica existente sobre o processamento neural do toque

    afetivo durante a infância e a possível influência de variáveis individuais e relacionais.

    Palavras-chave: Toque afetivo; relação de apego mãe-bebê; perfil sensorial; toque social;

    fNIRS; resposta neural.

  • ABSTRACT

    Touch plays a fundamental role in human life, from birth to adulthood, facilitating the formation

    of relational bonds and the regulation of our stress reactivity. Previous evidence suggests that

    the processing of affective touch is modulated by contextual and individual factors, as well as

    the individual's own pattern of reactivity to sensory stimuli. Studies with babies have shown

    that mothers vary in the use of touch during mother-infant interaction and that maternal attitudes

    toward social touch themselves influence the baby's physiological response. However, little is

    known about the contribution of individual baby and mother variables to the neural processing

    of affective touch. Thus, the present study had two objectives. Study 1 aimed to characterize

    neural responses to maternal affective touch in 6-month-old infants and to describe the baby's

    sensory profile, maternal perceptions / attitudes regarding social touch, and attachment

    relationship between mother and baby. Study 2 intended to characterize the baby's sensory

    profile, maternal perceptions / attitudes regarding social touch, and the attachment relationship

    between mother and baby aged between 7 to 12 months. Study 1 involved two mother-baby

    dyads, and the baby's neural processing in response to affective touch was measured by near-

    infrared functional spectroscopy (fNIRS) in two brain regions of interest (bilaterally): the

    somatosensory cortex and the region. temporal. The results showed cortical activation in the

    somatosensory and temporal region in response to the affective touch as opposed to the rest

    period (no touch). A deactivation profile was also observed in response to tactile stimulation.

    Babies responded to sensory stimuli just like most other children, mothers reported few

    avoidance attitudes in response to social touch and high quality mother-infant attachment

    relationships. In turn, Study 2 had 19 mothers of babies between 7 and 12 months of age, who

    completed these online questionnaires. The results showed that most babies are perceived by

    their mothers as having a sensory processing pattern as most other children, although some

    cases are perceived as having an altered reactivity pattern. Also in this study mothers reported

    a high quality of attachment relationship with their baby and few avoidance or discomfort

    attitudes related to social touch. Associations were found between maternal attitudes toward

    social touch and the quality of the mother-infant attachment relationship, as well as the sensory

    profile of the baby. A correlation was also found between the quality of the mother-baby

    relationship and the sensory profile of the baby. The results of both studies were discussed

    considering the empirical evidence on the neural processing of affective touch during childhood

    and the possible influence of individual and relational variables.

    Keywords: Affective touch; mother-baby attachment relationship; sensory profile; social

    touch; fNIRS; neural response.

  • LISTA DE GRÁFICOS

    Gráfico 1 – Organização da sala de coleta de dados durante a aplicação da estimulação tátil...21

    Gráfico 2 – Esquema de localização dos canais utilizados (C1 – C28) no hemisfério esquerdo e

    direito. Círculos azuis representam fontes de luz (S1 – S4) e círculos laranjas representam

    detectores de luz (D1 – D8) .....................................................................................................22

    Gráfico 3 – Bebê A – Ativação no canal 27 em resposta ao toque afetivo..................................29

    Gráfico 4 - Bebê A – Desativação no canal 17 em resposta ao toque afetivo.............................30

    Gráfico 5 – Bebê B – Ativação nos canais 5 e 13 em resposta ao toque afetivo..........................31

    Gráfico 6 – Bebê B – Exemplo de desativação nos canais 15, 21 e 26........................................32

  • LISTA DE TABELAS

    Tabela 1 - Caracterização da amostra do Estudo 2...................................................................26

    Tabela 2 – Resumo da interpretação dos quadrantes de processamento sensorial...................27

    Tabela 3 – Descritivo dos questionários usados no Estudo 1...................................................33

    Tabela 4 – Descritivo das variáveis dos questionários usados no Estudo 2.............................35

    Tabela 5 – Correlação de Spearman entre as atitudes maternas relativas ao toque social,

    qualidade da relação de apego mãe-bebê e perfil sensorial do bebê ........................................35

  • LISTA DE ABREVIATURAS

    CT – Fibras amielínicas C Tátil

    fMRI – Ressonância magnética funcional

    fNIRS – Espectroscopia funcional de infravermelho próximo

    pSTS – Sulco temporal superior posterior

    SI – Córtex somatossensorial primário

    SII – Córtex somatossensorial secundário

    TEA – Transtorno do espectro autista

    TPJ – Junção temporoparietal

  • SUMÁRIO

    1 INTRODUÇÃO .................................................................................................... 9

    1.1 Toque ................................................................................................................ 9

    1.2 Dimensões do toque........................................................................................... 9

    1.3 Respostas neurais ao toque .............................................................................. 10

    1.4 Fatores individuais e contextuais que influenciam o processamento do toque

    afetivo .................................................................................................................. 12

    1.5 Toque afetivo na perspectiva do desenvolvimento .......................................... 15

    2 JUSTIFICATIVA .............................................................................................. 17

    3 OBJETIVOS ...................................................................................................... 18

    4 MÉTODO .......................................................................................................... 19

    4.1 Estudo 1 .......................................................................................................... 19

    4.1.1 Participantes.................................................................................................. 19

    4.1.2 Instrumentos e medidas ................................................................................ 20

    4.1.3 Procedimentos .............................................................................................. 24

    4.1.4 Análise de dados .......................................................................................... 24

    4.2. Estudo 2 .......................................................................................................... 25

    4.2.1 Participantes.................................................................................................. 25

    4.2.2 Instrumentos e medidas ................................................................................ 25

    4.2.3 Procedimentos ............................................................................................. 28

    4.2.4 Análise de dados ...........................................................................................28

    5 RESULTADOS ................................................................................................. 29

    5.1 Estudo 1 ...........................................................................................................29

    5.2 Estudo 2 ...........................................................................................................33

    6 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS .................................................. 37

    7 REFERÊNCIAS ................................................................................................. 41

  • 9

    1 INTRODUÇÃO

    1.1 Toque

    A pele é o órgão mais extenso do corpo humano e além disso, o tato é o primeiro sistema

    sensorial a desenvolver-se (MONTAGU, 1984, 1988), desempenhando desde o nascimento um

    papel crucial no processamento de estímulos do meio ambiente e no estabelecimento de

    interações sociais (FIELD; DIEGO; HERNANDEZ-REIF, 2010; MONTAGU, 1988;

    MORRISON; LÖKEN; OLAUSSON, 2010). Nos primeiros anos de vida, o toque é

    particularmente relevante em modular a reatividade do bebê ao estresse (FELDMAN; SINGER;

    ZAGOORY; 2010; JEAN; STACK, 2009), no estabelecimento de vínculos emocionais

    mãe/pai-bebê (ANISFELD et al., 1990; HERTENSTEIN et al., 2006), e tem sido ainda

    associado a melhoras nos indicadores de desenvolvimento em bebês prematuros (FELDMAN

    et al., 2002; FELDMAN; EIDELMAN, 2003; FIELD; DIEGO; HERNANDEZ-REIF, 2010).

    Apesar de extremamente importante para o desenvolvimento humano, ao contrário de

    outras modalidades sensoriais amplamente estudadas na literatura (ex. visão, audição), a

    dimensão tátil carece ainda de pesquisa científica, principalmente o que se refere ao

    processamento cerebral em resposta ao toque em idades precoces e dos fatores que podem afetar

    o processamento individual do toque.

    1.2 Dimensões do Toque

    Enquanto modalidade sensorial, o toque desempenha um papel importante no nosso

    cotidiano, tanto na exploração que fazemos dos objetos presentes no ambiente que nos rodeia,

    como por exemplo na identificação de formas e texturas, quanto no estabelecimento de

    interações sociais com as pessoas com quem contatamos (ex., abraço, aperto de mão, carícia).

    Uma variedade de receptores táteis encontrados na pele e nas articulações, enviam

    informações cutâneas ao sistema nervoso central. Cada um desses receptores é capaz de gerar

    qualidades sensoriais e perceptivas distintas. Os mecanoreceptores de baixo limiar transmitem

    informações para funções discriminativas do toque, enquanto que uma categoria específica

    chamada de mecanorreceptores C de baixo limiar (Aferentes C-táteis ou CTs) se relaciona com

    a valência dos estímulos (agradável / desagradável), desempenhando assim um papel

    importante no comportamento social (MCGLONE et al., 2014; MORRISON et al., 2010)

    Esses tipos de toque descritos na literatura – toque discriminativo e toque afetivo –

    desempenhando diferentes funções, parecem ser conduzidos por fibras nervosas distintas e

    recrutar também áreas cerebrais específicas para o seu processamento. O toque discriminativo

  • 10

    é conduzido por fibras Aβ mielinizadas presentes em todo o corpo, mas especialmente densos

    na pele glabra (ex. palma da mão, planta do pé) e articulações, que conduzem impulsos nervosos

    de alta velocidade e que servem para detectar diferenças de pressão/vibração, temperatura,

    textura, formato dos estímulos, facilitando assim uma rápida exploração do meio ambiente

    (MCGLONE et al., 2014). Por outro lado, o toque não serve unicamente a uma função de

    discriminação das propriedades físicas de estímulos, mas também transmite um significado

    afetivo e social – daí a sua designação de toque afetivo. Este tipo de toque (toque afetivo) é

    conduzido por fibras amielínicas C-Tátil (CT) que respondem a um toque suave, semelhante a

    uma carícia, aplicado em velocidade média (entre 1 a 10 cm/s) em regiões pilosas da pele (ex.

    braços e pernas) (ACKERLEY et al., 2014; LÖKEN et al., 2009; OLAUSSON et al., 2002;

    OLAUSSON et al., 2010), preferencialmente em temperatura corporal (ACKERLEY et al.,

    2014). Estímulos táteis com essas caraterísticas refletem a experiência tátil que ocorre

    naturalmente em contextos de interação social, como por exemplo a interação mãe-bebê

    (CASCIO et al., 2019; LÖKEN et al., 2009; OLAUSSON et al., 2010). Além disso, adultos e

    crianças avaliam como mais agradável o toque que é aplicado nesses limites de velocidade,

    quando comparado com toque que é aplicado mais rápido (ex. 30 cm/s) ou mais lento (ex. 0.3

    cm/s) (ACKERLEY et al., 2014; CROY et al., 2019; LÖKEN et al., 2009).

    1.3 Respostas Neurais ao Toque

    Mediante o envolvimento de diferentes tipos de fibras nervosas e funções distintas,

    estudos empíricos também mostram que o toque discriminativo e o toque afetivo parecem

    recrutar áreas cerebrais específicas para o seu processamento. Enquanto o toque discriminativo

    ativa principalmente áreas do córtex somatossensorial primário e secundário (contralateral à

    aplicação do toque) (MCGLONE et al., 2002; MORRISON, 2016), o toque afetivo parece

    originar ativação adicional em áreas sociais do cérebro. Nesse sentido, alguns estudos de

    neuroimagem funcional (ressonância magnética funcional – fMRI) e espectroscopia funcional

    de infravermelho próximo - fNIRS) com adultos encontraram ativação em áreas como a ínsula,

    regiões do córtex pré-frontal e/ou sulco temporal posterior superior, em resposta ao toque suave

    (a uma velocidade de 8 cm/s) aplicado com pincel em áreas inervadas de fibras CT-tátil

    (BENNETT et al., 2014; BJÖRNSDOTTER et al., 2014; GORDON et al., 2013; VOOS;

    PELPHREY; KAISER, 2013).

    Um outro conjunto de estudos sugere que a ativação de áreas sociais do cérebro para

    processamento de toque afetivo pode já ser observadas em idades precoces, incluindo no

    primeiro ano de vida. Por exemplo, Björnsdotter et al., (2014) realizaram uma pesquisa com

  • 11

    crianças e adolescentes (5 a 17 anos) em que utilizaram fMRI para estudar as respostas cerebrais

    ao toque. O estímulo tátil consistiu em movimentos lentos aplicados com um pincel no

    antebraço (área inervada por fibras CT) e na palma da mão (área não CT). Os resultados

    mostraram ativação significativa não só no córtex somatossensorial primário (SI) e secundário

    (SII), mas também na ínsula e do sulco temporal posterior superior (pSTS), estruturas cerebrais

    associadas ao processamento de aspectos afetivos-motivacionais do toque. Da mesma forma,

    um outro estudo realizado por Kaiser et al. (2016) com crianças e adolescentes entre os 5 e 17

    anos de idade, encontrou ativação na área temporal (mais especificamente pSTS) e no córtex

    insular também em resposta ao toque suave aplicado a uma velocidade média (8 cm/s) no

    antebraço (vs. palma da mão).

    Como referido anteriormente, alguns estudos têm também investigado o processamento

    neural em resposta ao toque afetivo em bebês até um ano de idade e também registrado o

    envolvimento de áreas sociais do cérebro – ainda que o momento preciso da sua emergência

    permaneça por definir. No primeiro estudo realizado nesta faixa etária, Kida e Shinohara (2013)

    compararam a resposta neural a estimulação tátil usando um tecido macio (veludo) em bebês

    de 3, 6 e 10 meses de idade. Através do uso de fNIRS, os autores observaram que os bebês de

    10 meses (mas não os de 3 ou 6 meses) demonstraram ativação no córtex pré-frontal. Porém,

    uma importante limitação diz respeito ao fato do toque ter sido aplicado na palma da mão dos

    bebês – portanto, em uma região não inervada por fibras CT.

    O estudo de fNIRS de Pirazzoli et al., (2019) comparou o toque aplicado com mão

    humana (toque afetivo) ao toque aplicado com uma colher de metal (toque não afetivo), no

    braço de bebês de 5 meses de idade. Esse estudo investigou o possível envolvimento do sulco

    temporal superior posterior (pSTS) na resposta seletiva ao toque afetivo (versus não afetivo).

    No entanto, os autores não encontraram qualquer ativação diferencial nessa região do córtex

    temporal, uma vez que a região do pSTS foi ativada tanto com o toque aplicado com a mão

    humana (toque afetivo) quanto com o toque aplicado com a colher (toque não afetivo),

    sugerindo que uma resposta seletiva ao toque afetivo pode aparecer mais tarde no

    desenvolvimento do bebê. Por outro lado, em um estudo longitudinal que acompanhou uma

    amostra de bebês aos 7 e aos 12 meses, também usando fNIRS, (MIGUEL et al., 2018) não

    encontraram ativação na região temporal em resposta ao toque afetivo (movimento suave

    aplicado com um pincel) vs. toque discriminativo (pressão suave com um bloco de madeira)

    aos 7 meses de idade. Contudo, aos 12 meses de idade, os autores verificaram o recrutamento

    da área temporal para processamento do toque afetivo. Assim, os resultados destes dois estudos

  • 12

    sugerem que o envolvimento de áreas sociais do cérebro, como o pSTS, depende da maturação

    dessas estruturas cerebrais mediante a idade do bebê.

    No entanto, duas outras pesquisas realizadas com bebês de até 2 meses de idade

    apresentam evidências do envolvimento precoce destas estruturas sociais no processamento do

    toque afetivo. Nesse sentido, Tuulari et al. (2019) examinaram as respostas cerebrais de bebês

    (via fMRI) recém-nascidos ao toque afetivo. Os autores encontraram ativação significativa não

    apenas no córtex somatossensorial primário, mas também no córtex insular posterior, sugerindo

    que muito precocemente os bebês já são responsivos ao toque suave e carinhoso, recrutando

    áreas cerebrais associadas ao processamento socioafetivo do toque. Além disso, Jonsson et al.

    (2018), em um estudo com bebês de 2 meses de idade, compararam a resposta cerebral ao toque

    lento a 3cm/s (estimulação ideal de fibras CT) e ao toque rápido a 20 com/s, aplicado com um

    pincel macio no antebraço do bebê. Por meio do método de fNIRS, os autores encontraram

    ativação no córtex temporal e no córtex insular em resposta ao toque lento (toque afetivo). Estes

    resultados sugerem que ainda com poucos meses de idade, os bebês já são sensíveis a diferentes

    velocidades de toque, com repercussões no padrão de ativação neural.

    1.4 Fatores individuais e contextuais que influenciam o processamento do toque afetivo

    Na última década, várias pesquisas têm investigado possíveis variáveis explicativas das

    diferenças individuais na resposta ao toque afetivo. Um estudo realizado por Gazzola et al.

    (2012) buscou compreender como o cérebro processa as propriedades sensoriais e afetivas do

    toque suave. Os autores encontraram modulação significativa no córtex somatossensorial

    primário a partir da percepção visual, ou seja, a resposta ao toque afetivo (carícia) pode ser

    modificada pela percepção do indivíduo a partir da identidade da pessoa que aplica o toque.

    Nesse estudo, os pesquisadores observaram que homens heterossexuais classificavam como

    mais agradável o toque suave que acreditavam ser realizado por uma mulher, e como

    significativamente menos agradável o toque que julgavam ser aplicado por um homem. Na

    mesma linha, a pesquisa realizada por Suvilehto e colaboradores (2015) também concluiu que

    os indivíduos definem áreas do corpo em que aceitam ser tocados em função da ligação

    emocional específica com aquela pessoa (ex. mãe, amigo, estranho). Por fim, um outro estudo

    com adultos demonstrou que indivíduos menos expostos ao toque no contexto das suas

    interações sociais avaliaram o toque afetivo (aplicado a uma velocidade de 3 cm/s) como menos

    agradável, em comparação a indivíduos que relataram maior exposição ao toque no seu contexto

    social (SAILER; ACKERLEY, 2019).

  • 13

    Da mesma forma que o estudo anterior, uma pesquisa com bebês de 9 meses também

    encontrou um efeito da identidade da pessoa que aplica o toque ao nível da resposta fisiológica

    do bebê (AGUIRRE et al., 2019). Os pesquisadores mediram a frequência cardíaca dos bebês,

    enquanto a sua perna era tocada com um pincel, em diferentes velocidades (0.3 cm/s, 3 cm/s,

    30 cm/s). Em metade das vezes, a mãe sentava em frente ao bebê durante a estimulação tátil e,

    na outra metade, uma mulher não familiar. Imediatamente antes da administração dos estímulos

    táteis, o bebê observava sua mãe ou a mulher não familiar segurando um pincel, induzindo

    dessa forma qual a origem do toque (a mãe ou a mulher não familiar). No entanto, o toque foi

    sempre realizado por um pesquisador cego à identidade da pessoa sentada em frente ao bebê.

    Observou-se que, quando o toque foi aplicado a velocidade intermediária (3 cm/s), a

    frequência cardíaca dos bebês diminuiu significativamente (relaxamento) quando a mãe estava

    sentada na sua frente, sendo percebida como a origem do toque afetivo. Em contrapartida,

    quando o toque era percebido como sendo aplicado pela mulher não familiar, foi registrada uma

    aceleração na frequência cardíaca do bebê.

    Esses resultados sugerem que, desde muito cedo, a qualidade das interações sociais

    precoces pode moldar as nossas respostas comportamentais e neurais ao toque afetivo. No

    entanto, sendo o toque um estímulo muito importante e presente nas interações pai/mãe-bebê

    principalmente durante o primeiro ano de vida (FERBER; FELDMAN; MAKHOUL, 2007;

    JEAN; STACK; FOGEL, 2009), é preciso realizar mais pesquisas para compreender que

    variáveis individuais e contextuais influenciam a resposta dos bebês ao toque durante esse

    período tão precoce.

    Um estudo de fNIRS realizado por Miguel e colaboradores (2019), com bebês aos 12

    meses de idade, investigou a associação entre a resposta cerebral ao toque (aplicado com um

    pincel) e os comportamentos de evitamento ao toque na região temporal (STS). Os autores

    encontraram que os bebês que menos se esquivavam dos estímulos táteis registaram uma maior

    ativação cortical no STS em resposta ao toque.

    No entanto, pouco se sabe sobre a relação entre o perfil sensorial e o processamento

    neural ao toque afetivo em idades muito precoces, fato pelo qual nos questionamos se durante

    o primeiro ano de vida já é possível observar diferenças individuais na forma como os bebês

    reagem a estímulos táteis e se essas diferenças podem também afetar a resposta cerebral ao

    toque.

    Por outro lado, pesquisa recente tem se focado em características e comportamentos

    maternos que podem influenciar o uso de toque nas interações com o bebê, bem como a resposta

    do bebê ao toque. Assim, o estudo de Malphurs e colaboradores (1996) investigou os

  • 14

    comportamentos táteis que mães classificadas como depressivas e não depressivas usaram

    durante interações com o seu bebê. As interações mãe-bebê foram codificadas quanto ao tipo

    de toque: negativo (cutucões, movimentos bruscos), ausência de toque (nenhum toque ou

    apenas ajeitando o bebê) e positivo (toque suave no corpo do bebê ou toque lúdico).

    Simultaneamente, o comportamento interativo das mães também foi avaliado, com as mesmas

    recebendo a classificação de intrusivas (comportamento pouco responsivo e não contingente

    aos sinais do bebê), retraídas (pouca ou nenhuma interação com o bebê) ou boas mães (não

    intrusivas e não retraídas). De acordo com os resultados do estudo, mães depressivas tocaram

    menos frequentemente e usaram mais toque de tipo negativo durante a interação com o seu

    bebê. Além disso, uma grande proporção de mães depressivas foi classificada como intrusiva.

    Mães que mostraram mais comportamentos verbais e não-verbais intrusivos na interação com

    o bebê também apresentaram mais comportamentos táteis negativos (ex., cutucar, sacudir)

    refletindo em maior frequência de comportamentos negativos do bebê (ex., expressões faciais

    de tristeza ou irritação).

    Na mesma direção, (MANTIS; MERCURI; STACK; FIELD, 2019) também

    observaram que as mães que reportaram níveis mais elevados de sintomas depressivos se

    envolveram em menos comportamentos de toque durante a interação com o bebê, apresentando

    ainda, frequência reduzida de toque do tipo lúdico/ estimulante. Um outro estudo de Crucianelli

    et al., (2019), examinou a relação entre a habilidade da mãe em reconhecer e comentar

    verbalmente estados mentais do seu bebê (ex., preferências, sentimentos, pensamentos) e os

    comportamentos de toque usados na interação mãe-bebê aos 12 meses. Os resultados mostraram

    que os comentários da mãe não sincronizados com o estado mental do seu bebê eram preditores

    de uso de toque não contingente com o estado emocional do bebê durante a interação. Por fim,

    (BRAUER; XIAO; POULAIN; FRIEDERICI; SCHIRMER, 2016) realizaram um estudo com

    crianças de 5 anos de idade, as quais foram divididas em dois grupos com base na frequência

    de toque materno observado em uma interação mãe-criança. O experimento envolveu ainda

    uma sessão de neuroimagem com ressonância magnética funcional (fRMI), em que as crianças

    permaneceram em repouso, sem qualquer movimento, dentro do equipamento de ressonância,

    enquanto observavam um protetor de tela mostrando uma lâmpada de lava. Os resultados

    mostraram que as crianças do grupo de exposição elevada ao toque materno apresentaram mais

    atividade em áreas sociais do cérebro, como por exemplo no sulco temporal posterior superior

    direito (pSTS) estendendo-se à junção temporo-parietal.

    Dois outros estudos recentes também reportaram uma associação entre as atitudes

    maternas relativas ao toque social e a resposta fisiológica do bebê ao toque afetivo. Assim,

  • 15

    Fairhurst et al. (2014) encontraram que maior sensibilidade da mãe ao toque social estava

    associada a maior desaceleração da frequência cardíaca do bebê em resposta ao toque afetivo.

    Esses resultados foram recentemente corroborados com a pesquisa de Aguirre et al., (2019) os

    quais sugerem que quanto maior a ansiedade materna relativa ao toque social, menor a

    desaceleração da frequência cardíaca dos bebês em resposta ao toque afetivo, aplicado em

    velocidade ideal para ativação de fibras CT.

    Contudo, até ao momento, nenhum estudo procurou entender como o vínculo emocional

    da mãe com o bebê e as atitudes maternas relativas ao toque social – que, por sua vez,

    influenciam o uso de toque nas interações com o bebê – podem afetar o processamento cerebral

    do toque afetivo. Esse será um dos objetivos neste estudo.

    1.5 Toque afetivo na perspectiva do desenvolvimento

    O toque afetivo desempenha um importante papel na comunicação e regulação de

    emoções, criação de laços sociais e na mediação do vínculo parental (HERTENSTEIN et al.,

    2006). A evidência científica de estudos com animais e humanos converge na importância das

    experiências precoces com toque social e do impacto negativo que a sua privação ou exposição

    reduzida pode provocar no desenvolvimento do indivíduo (CASCIO et al., 2019).

    Um dos trabalhos pioneiros sobre esta questão foi o estudo de Harlow (1958) em que

    macacos bebês foram separados de suas mães após o nascimento e criados em laboratório.

    Durante os primeiros quinze dias de vida, os bebês macacos foram expostos a duas estruturas

    (simulando uma mãe substituta), uma delas feita de arame e a outra revestida de um tecido

    macio de algodão e com uma lâmpada irradiando calor. O autor observou que os macacos bebês

    não só passavam mais tempo junto da “mãe substituta” de tecido (mesmo quando a “mãe

    substituta” de arame fornecia o alimento), mas também procuravam a “mãe substituta” de tecido

    em situações de estresse/ medo. Estes achados destacam a importância do contato físico para

    conforto, segurança, e criação de laços afetivos.

    Vasta pesquisa com bebês humanos tem também se focado no efeito do toque no

    desenvolvimento de bebês prematuros. Nesse sentido, os estudos apontam para a contribuição

    de intervenções centradas na estimulação tátil (ex. método Kangaroo Care, massagem) para a

    melhora de indicadores de desenvolvimento. Por exemplo, o método Kangaroo Care, com

    origem na Colômbia em 1978, consiste em colocar o bebê prematuro (em situação clínica

    estável) em contato com a pele do peito da mãe, constituindo-se como fonte de alimentação e

    de calor (SLOAN et al., 1994).

  • 16

    Vários estudos demonstraram que bebês prematuros que se beneficiam deste tipo de

    prática apresentam uma maturação mais rápida do Sistema Nervoso Central e melhor orientação

    para estímulos no ambiente (FELDMAN; EIDELMAN, 2003), bem como um melhor

    desempenho motor e cognitivo e interações parentais mais positivas (FELDMAN et al., 2002),

    quando comparados com bebês prematuros que não passaram pela intervenção. Mais

    especificamente, em relação a estimulação tátil, um estudo de Feldman e colaboradores (2002)

    observou que a intervenção Kangaroo Care teve também um efeito no aumento da frequência

    de toque carinhoso (ex. abraços, beijos, carícias) usado pela mãe e pelo pai na interação com o

    seu bebê prematuro.

    Por outro lado, a estimulação tátil sob a forma de massagem terapêutica também tem

    sido associada a um aumento de peso e redução do período de hospitalização em bebês

    prematuros (FIELD et al., 2010). Field e colaboradores (1986) em um estudo com bebês

    prematuros em uma unidade de cuidados intensivos neonatais, observaram que os bebês que

    receberam estimulação tátil ainda enquanto estavam na incubadora, ganharam 47% mais de

    peso por dia, reduziram em seis dias o seu período de internação e obtiveram um melhor

    desempenho na avaliação neurocomportamental, em comparação ao grupo controle.

    Por outro lado, uma outra linha de pesquisa tem examinado como a psicopatologia materna

    pode alterar os padrões de estimulação tátil na interação com os bebês. Mais especificamente,

    as mães deprimidas tocavam menos os seus bebês e manifestavam mais comportamentos de

    toque negativo (ex. cutucar, sacudir) (MALPHURS et al., 1996; MANTIS et al., 2019), o que

    se refletiu em comportamentos mais negativos por parte dos bebês (MALPHURS et al., 1996).

    De uma forma geral, a evidência anterior destaca a importância e necessidade de investir em

    mais pesquisas nessa temática, para compreendermos melhor os mecanismos inerentes ao

    processamento do toque afetivo, principalmente a nível cerebral, além dos fatores individuais,

    contextuais e relacionais que podem modular a resposta ao toque afetivo desde idade muito

    precoce.

  • 17

    2 JUSTIFICATIVA

    Os estudos da neurociência social têm se concentrado principalmente no processamento

    de estímulos visuais e auditivos, enquanto pouca atenção tem sido dedicada à dimensão tátil.

    Sendo este um sistema sensorial extremamente poderoso na criação de laços sociais e na

    regulação emocional, torna-se fundamental a realização de pesquisas sobre o toque. A literatura

    existente nesta temática tem investigado os aspetos discriminativos e afetivos do toque

    principalmente em adultos. Um estudo realizado com bebês de 5 meses (PIRAZZOLI et al.,

    2019) mostrou ativação da região temporal, mais especificamente do pSTS, em resposta ao

    toque afetivo, ainda que esta resposta não fosse seletiva ao toque aplicado com a mão humana

    e também tenha sido observada em resposta ao toque com objeto metálico (toque não afetivo).

    Por outro lado, em um outro estudo com bebês de 7 meses (MIGUEL et al., 2018) não foi

    encontrada ativação na região temporal ao comparar o toque com pincel (toque afetivo) versus

    bloco de madeira (toque discriminativo), mas já foi encontrado o recrutamento da região

    temporal para processamento do toque afetivo aos 12 meses. Adicionalmente, um estudo

    recentemente realizado com adultos (STRAUSS et al., 2019) sugere que o toque interpessoal

    (realizado com mão humana), em comparação ao toque impessoal realizado com um objeto

    (pincel), além de ser classificado como mais agradável e intenso, também gerou uma maior

    ativação no sulco temporal superior (STS). Pelo que se destaca a importância de investigar

    bebês em diferentes faixas etárias para compreender como essa maturação neural se processa

    em bebês com desenvolvimento típico.

    Como já referido anteriormente, existe alguma evidência empírica (ex., AGUIRRE et

    al., 2019; JEAN et al., 2009; MIGUEL et al., 2019) mostrando que, já durante o primeiro ano

    de idade, o processamento de estimulação tátil em bebês parece ser sensível a influências do

    ambiente. Assim, o presente trabalho pretende também contribuir com dados sobre possíveis

    fatores individuais e contextuais que possam explicar diferenças interindividuais nas respostas

    neurais ao toque afetivo, particularmente na primeiríssima infância.

  • 18

    3 OBJETIVOS

    O presente trabalho teve dois objetivos principais. O primeiro objetivo (Estudo 1)

    consistiu em caracterizar o processamento neural do toque afetivo materno em bebês de 6 meses

    de idade e descrever o perfil sensorial do bebê, as percepções e atitudes maternas relativas ao

    toque social e a relação de apego entre a mãe e o bebê.

    Por sua vez, o segundo objetivo (Estudo 2) pretendeu caracterizar o perfil sensorial dos

    bebês, as percepções e atitudes maternas relativas ao toque social e a relação de apego entre a

    mãe e o bebê, na perspetiva de mães com bebês entre os 7 e 12 meses de idade.

  • 19

    4 MÉTODO

    Os dados apresentados nesse estudo são parte de um estudo longitudinal intitulado

    “Desenvolvimento socioemocional precoce: correlatos neurais e contribuições do

    comportamento materno”, coordenado pela Profa. Dra. Ana Osório, em que mães e bebês serão

    avaliados em três momentos distintos, aos 6, 10 e 12 meses. Dessa forma, nessa etapa, o

    presente estudo caracteriza-se como um estudo descritivo do tipo transversal, pois a coleta de

    dados ocorreu em um único momento (aos 6 meses), no período de agosto a dezembro de 2019.

    4.1 Estudo 1

    4.1.1 Participantes

    A amostra foi constituída por 2 bebês nascidos a termo, sem queixas de

    desenvolvimento, que foram avaliados aos 6 meses de idade e suas mães. Um participante foi

    excluído da análise de dados porque não foi possível realizar avaliação com fNIRS devido a

    agitação e desconforto do bebê, e na situação não foi possível acalma-lo.

    Foram critérios de inclusão no estudo as mães terem tido acompanhamento pré-natal

    durante a gravidez e terem no mínimo 18 anos de idade quando o bebê nasceu. Por sua vez, os

    critérios de exclusão foram: gravidez gemelar, complicações médicas durante a gravidez (ex.

    anemia grave, diabetes, convulsão, hipertensão arterial, toxoplasmose ou rubéola na mãe),

    idade gestacional do bebê inferior a 37 ou superior a 42 semanas, muito baixo peso ao

    nascimento ( ≤ .1500g), problemas no parto (anóxia /hipóxia, circular de cordão, APGAR

    inferior a 7), presença de doença genética associada a sintomas de TEA (já diagnosticada) ou a

    atraso de desenvolvimento, deficiência visual e/ou auditiva, e depressão materna pós-parto.

    A seguir serão descritas as características das duas díades mãe-bebê que participaram

    do Estudo 1. O bebê A da amostra é um menino que no momento da pesquisa, estava com 6

    meses e 4 dias de idade. Nasceu com 40 semanas de gestação. A mãe não soube informar o

    peso do bebê ao nascimento. A mãe tem 22 anos de idade, possui ensino médio completo e está

    empregada. É solteira e possui 3 filhos.

    Por sua vez, o bebê B da amostra, também do sexo masculino, estava com 6 meses e 7

    dias no momento da pesquisa. Nasceu com 40 semanas de gestação e o peso ao nascimento foi

    de 3210 gramas. A mãe tem 35 anos de idade, possui pós-graduação completa, está empregada,

    é casada e possui 2 filhos.

  • 20

    4.1.2 Instrumentos e Medidas

    Avaliação neuroimagiológica do processamento do toque afetivo

    A resposta cerebral do bebê ao toque afetivo foi avaliada por meio de Espectroscopia

    Funcional de Infravermelho Próximo (fNIRS), que mediu mudanças no fluxo da hemoglobina

    oxigenada (oxi-Hb) e desoxigenada (desoxi-Hb) nas seguintes regiões cerebrais

    (bilateralmente): córtex somatossensorial primário (SI); córtex somatossensorial secundário

    (SII); córtex temporal (o giro temporal médio); sulco temporal superior posterior (pSTS); e

    junção temporoparietal (TPJ).

    A estimulação tátil consistiu na aplicação de carícias suaves (toque afetivo) com a mão

    sobre a pele pilosa da omoplata direita do bebê, em velocidade lenta de 3 cm/s. Optou-se pela

    estimulação tátil aplicada com mão humana em oposição a objetos (ex. bloco de madeira,

    pincel), tal como tem sido usado na grande maioria dos estudos realizados nesta temática,

    acreditando que, desta forma, estaríamos recriando uma situação que ocorre naturalmente no

    cotidiano do bebê e, por consequência, observar mais realísticamente o processamento cerebral

    ao toque.

    O procedimento foi apresentado em 4 blocos de 4 ensaios cada. Um ensaio é constituído

    por 12 a 15 segundos randomizados de condição basal (sem toque) seguidos de 15 segundos de

    estimulação tátil (toque afetivo). Em dois desses blocos, a mãe sentou ao lado do bebê (a

    aproximadamente 90º), como se fosse ela quem estivesse tocando no bebê. Nos blocos restantes

    uma mulher não familiar para o bebê sentou ao seu lado. No entanto, a estimulação foi sempre

    aplicada por um pesquisador previamente treinado, posicionado à direita-atrás do bebê, que

    estava sentado numa cadeira especial para bebês (Bumbo multi assento). Optou-se por aplicar

    o toque na região da omoplata direita do bebê porque essa região permitiria melhor

    posicionamento do pesquisador (atrás do bebê) durante o experimento, uma vez que em alguns

    ensaios o bebê esteve com a mãe sentada ao seu lado e em outros ensaios uma mulher que não

    conhecida. Além disso, ao contrário de Aguirre e colaboradores (2019) que aplicaram o toque

    na perna do bebê enquanto também tinha a mãe ou uma pessoa desconhecida sentada ao lado

    do bebê, a área cerebral, de acordo com o homúnculo sensorial, em que é representada a

    estimulação na perna está muito próxima de artérias importantes e com muita irrigação

    sanguínea, o que poderia interferir com o sinal NIRS e dificultar a interpretação dos dados

    coletados. Dessa forma, optou-se por aplicar a estimulação tátil na omoplata do bebê. O Gráfico

    1 mostra qual o posicionamento do bebê, da mãe e dos pesquisadores na sala, durante a

    aplicação da estimulação tátil.

  • 21

    Gráfico 1. Organização da sala de coleta de dados durante a aplicação da estimulação tátil

    Durante todo o procedimento, o bebê assistiu um vídeo (Baby Mozart, Baby Einstein),

    semelhante ao que foi usado em Aguirre e colaboradores (2019), sem som e sem conteúdo

    social, enquanto a mãe/mulher não familiar estiveram sentadas ao seu lado. Ambas foram

    instruídas a minimizar qualquer interação com o bebê e a colocarem a mão atrás da cadeira

    onde o bebê estava sentado, mas sem tocar no bebê. A tarefa teve uma duração aproximada de

    8 minutos e foi filmada em vídeo para posterior codificação. Para ser considerado um ensaio

    válido: (a) o adulto (mãe ou a mulher não familiar) não podiam tocar no bebê; (b) o bebê não

    podia tocar no adulto; (c) o bebê não podia estar puxando as fibras da touca NIRS; e (d) o bebê

    não poderia chorar.

    Para efeitos do presente estudo, focamos as análises apenas nos ensaios em que o bebê

    recebeu estimulação tátil enquanto a mãe esteve sentada do seu lado.

    Aquisição dos dados NIRS

    Os dados foram coletados usando o sistema Brainsight NIRS, composto por 8 fontes e

    16 detectores de luz, utilizando dois comprimentos de onda contínuos de 705 e 830 nm. Ao todo

    foram utilizados 28 canais (14 em cada hemisfério), com uma distância média de 28.4 mm (DP

    = 1.11) entre os optodos, cobrindo bilateralmente as áreas cerebrais anteriormente referidas. Os

    canais 1 a 14 estavam localizados no hemisfério esquerdo, enquanto os canais 15 a 28 se

    localizavam no hemisfério direito (ver Gráfico 2).

  • 22

    A touca utilizada nos bebês foi o modelo easy cap, personalizado com referência ao

    sistema 10-20, sendo o tamanho da touca adequado para bebês de 6 meses (aproximadamente

    42 cm de perímetro cefálico). No caso dos participantes da amostra, o Bebê A tinha, aos 6

    meses, 42 cm de perímetro cefálico e 28 cm de medida nasion-inion, enquanto o Bebê B

    registou 43 cm de perímetro cefálico e 29 cm de medição nasion-inion. A touca NIRS foi

    colocada centralmente no topo de Cz.

    Gráfico 2. Esquema da localização dos canais utilizados (C1 – C28) no hemisfério esquerdo e

    direito. Círculos azuis representam fontes de luz (S1 – S4) e círculos laranja representam

    detectores de luz (D1 – D8).

    Questionário de informações sócio demográficas

    Este questionário permitiu a coleta de informações relativas à gravidez e ao parto (ex.

    intercorrências, tipo de parto), nascimento do bebê (ex. sexo, idade gestacional, peso,

    comprimento) e à mãe e família (ex. idade, nível socioeconômico, escolaridade).

    Perfil Sensorial 2 do Bebê (Dunn, 2014)

    Questionário de relato materno que avalia a resposta do bebê a estímulos sensoriais em

    situações do cotidiano. O questionário é constituído por 25 itens preenchidos numa escala likert

    de 5 pontos, em que 1 significa “Quase nunca” e 5 significa “Quase sempre”. Desta forma,

    permite obter uma pontuação total do perfil sensorial do bebê e escores específicos relacionados

    ao processamento geral, auditivo, visual, do tato, movimentos e da sensibilidade oral. Neste

    estudo, analisamos a pontuação total e a pontuação específica do processamento do tato, que

    inclui itens como “Meu/minha bebê fica incomodado (a) quando suas unhas são aparadas”,

    “Meu/minha bebê se assusta com diferenças na textura”.

  • 23

    Questionário sobre o Toque Social (do inglês Social Touch Questionnaire; Wilhelm;Kochar,

    Roth; Gross, 2001)

    O questionário foi traduzido para utilização no presente estudo. Em primeiro lugar, foi

    obtida a autorização para tradução e aplicação junto aos autores do instrumento original. A

    tradução do STQ foi realizada em etapas de tradução, retrotradução e obtenção de versões de

    consenso até a versão final, por duas pesquisadoras do grupo de pesquisa fluentes na língua

    inglesa e portuguesa. O questionário é composto por 20 itens que avaliam as percepções e

    atitudes maternas relacionadas ao toque social nas suas diferentes dimensões: dar vs. receber,

    toque de conhecidos vs. de desconhecidos, toque em público vs. em local privado, toque sexual

    vs. não sexual. Cada item é respondido numa escala de 0 (“De jeito nenhum”) a 4

    (“Extremamente”) pontos, em que uma pontuação mais elevada indica mais atitudes de rejeição

    e desconforto associado ao toque social. A pontuação total do questionário varia entre 0 (menor

    evitamento ao toque social) e 80 (maior evitamento ao toque social).

    Escala de ligação materna pós natal (do inglês Maternal Postnatal Attachment Scale; Condon;

    Corkingdale, 1998)

    Primeiramente, como no instrumento anterior, foi obtida a autorização para tradução e

    aplicação do instrumento, pelos autores originais. A tradução foi realizada em etapas de

    tradução, retrotradução e obtenção de versões de consenso até a versão final por duas

    pesquisadoras do grupo de pesquisa fluentes na língua inglesa e portuguesa. A escala mede a

    qualidade da relação de apego entre a mãe e o bebê, em quatro dimensões: Prazer na

    proximidade, que corresponde ao desejo de interação com o bebê, ao invés de desejo de

    separação ou de evitar o bebê; Tolerância, que envolve maior disposição e capacidade de tolerar

    comportamentos que seriam provavelmente mais irritantes ou frustrantes; Aceitação, que

    envolve a falta de ressentimento pelo impacto que o bebê teve na sua vida e não pensar no bebê

    como um fardo pesado de responsabilidade; e Competência, que se refere ao sentido de

    competência e confiança no seu papel de mãe daquele bebê (CONDON; CORKINGDALE,

    1998). O questionário inclui 19 itens (Exemplo: “Quando eu estou cuidando do bebê, fico com

    sentimentos de aborrecimento ou irritação”; “Quando eu estou com o bebê, me sinto tenso e

    ansioso”) numa escala que pode variar entre 1 (“baixo apego”) a 5 (“elevado apego”) pontos.

    A soma dos 19 itens resulta numa pontuação total, em que pontuações baixas indicam

    dificuldades em estabelecer uma relação de apego com o bebê.

  • 24

    4.1.3 Procedimentos

    Os bebês e suas famílias foram recrutados a partir da rede de contatos pessoais dos

    pesquisadores da equipe e por meio da divulgação do estudo nas redes sociais. Depois de

    mostrarem interesse em saber mais informações sobre o estudo, as famílias foram contatadas

    por telefone, foram explicados os objetivos e todos os procedimentos e após aceitarem

    participar, foi agendada uma data e horário mediante disponibilidade das mães. A coleta de

    dados foi realizada em sala do Laboratório de Neurociência Cognitiva e Social do Centro de

    Ciências Biológicas e da Saúde, da Universidade Presbiteriana Mackenzie (São Paulo).

    Antes do início da coleta, os objetivos e procedimentos do estudo foram novamente

    explicados à mãe, foram esclarecidas todas as dúvidas e somente então, as mães assinaram o

    Termo de Consentimento Livre e Esclarecido e foi iniciada a avaliação. Ao chegarem na sala

    para a coleta com o NIRS, foi explicado rapidamente à mãe a atividade que seria realizada e as

    mães foram orientadas a não tocar nos bebês durante todo o procedimento, sendo que caso o

    bebê chorasse ou ficasse demasiadamente agitado sem que fosse possível acalmá-lo, o

    procedimento seria imediatamente interrompido. Posteriormente, foi colocada a touca NIRS,

    tiradas as medidas físicas da cabeça, e, depois de definidos os parâmetros no sistema para

    aquisição dos dados NIRS, foi realizado o paradigma do toque. No final da sessão, foi realizada

    uma entrevista com a mãe para o preenchimento dos questionários. A sessão teve uma duração

    aproximada de 2h. Este estudo foi previamente autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da

    UPM (CAAE: 02631818.1.0000.0084).

    4.1.4 Análise dos dados

    Primeiramente foram identificados os ensaios válidos apartir dos critérios anteriormente

    mencionados. Na sequencia, os dados NIRS foram analisados com recurso software MatLab.

    Em um primeiro momento, foram feitas correções de artefato de movimento, depois foram

    calculadas as médias de concentração de hemoglobina oxigenada e desoxigenada do total de

    ensaios válidos, e filtrado o sinal para remover batimento cardíaco (filtro feito em 0.5 Hz). Por

    fim, foi analisado o contraste Toque vs. Descanso para identificar os canais ativados em

    resposta ao toque afetivo, mediante um aumento significativo da hemoglobina oxigenada e uma

    diminuição significativa da hemoglobina desoxigenada.

  • 25

    4.2 Estudo 2

    4.2.1 Participantes

    A amostra foi constituída por 19 mães, com bebês nascidos a termo e com idades entre

    7 e 12 meses. Duas participantes foram excluídas da amostra devido a idade do bebê não

    corresponder aos critérios estabelecidos.

    A Tabela 1 apresenta a caracterização da amostra (Estudo 2). A idade das mães variou entre 19

    e 40 anos (M = 30.64, DP = 5.58). A maioria das mães possui especialização ou pós-graduação

    (n = 9, 47.4%), está empregada (n =13; 68.4%) e é casada (n = 16; 84.2%). O bebê era primeiro

    filho em 13 casos da amostra (68.4%) e as mães passavam entre 2 a 24 horas por dia com seu

    bebê (M = 17.47, DP = 8.54). Com relação à caracterização dos bebês, no momento da pesquisa,

    a idade variou entre 6.6 e 13.3 meses (M = 9.96, DP = 2.19), 10 bebês eram do sexo masculino

    (52.6%) e a idade gestacional variou entre 37 e 40 semanas (M = 38.47, DP = 0.90). A maior

    parte das mães não teve intercorrências durante a gravidez (n = 15; 78.9%), realizou cesárea (n

    = 17; 89.5%) e também não teve intercorrências durante o parto (n = 18; 94.7). Por sua vez, a

    renda familiar mensal da maioria das participantes é superior a 6 salários mínimos nacionais (n

    = 11; 57.9%), residem em habitação própria (n = 9; 47.4%) e relataram haver histórico de

    doença psiquiátrica na família (n = 14; 73.7%), como por exemplo depressão, ansiedade,

    síndrome do pânico ou esquizofrenia.

    4.2.2 Instrumentos e medidas

    Questionário de informações sócio demográficas

    Este questionário permitiu a coleta de informações relativas à gravidez e ao parto (ex.

    intercorrências, tipo de parto), nascimento do bebê (ex. sexo, idade gestacional, peso e altura)

    e à família (ex. idade da mãe, nível socioeconômico, escolaridade).

  • 26

    Tabela 1. Caraterização da amostra do Estudo 2

    n (%) Mín – Máx M (DP)

    Mãe

    Idade (anos) 19 – 40 30.64 (5.58)

    Escolaridade

    Ensino médio/ superior

    incompleto 5 (26.3)

    Ensino superior completo 5 (26.3)

    Especialização/ Pós-graduação 9 (47.4)

    Situação profissional

    Empregada 13 (68.4)

    Desempregada 6 (31.6)

    Estado civil

    Casada 16 (84.2)

    Solteira 3 (15.8)

    Primípara 13 (68.4)

    Horas/ dia com o bebê 2 – 24 17.47 (8.54)

    Bebê

    Idade (meses) 6.60 – 13.30 9.96 (2.19)

    Sexo masculino 10 (52.6)

    Idade gestacional (semanas) 37 – 40 38.47 (0.90)

    Peso ao nascer (gramas) 2365 – 3540 3140 (296)

    Altura ao nascer (cm) 45.5 – 53 30.64 (5.58)

    Gravidez e parto

    Gravidez planejada (Não) 11 (57.9)

    Intercorrências na gravidez (Não) 15 (78.9)

    Intercorrências no parto (Não) 18 (94.7)

    Tipo de parto

    Normal 2 (10.5)

    Cesárea 17 (89.5)

    Família

    Renda familiar mensal

    Até 3 salários mínimos 3 (15.8)

    De 3 a 6 salários mínimos 5 (26.3)

    Mais de 6 salários mínimos 11 (57.9)

    Nº de pessoas que vivem na casa 2 – 6 3.47 (0.90)

    Tipo de habitação

    Própria 9 (47.4)

    Aluguel 7 (36.8)

    Outro 3 (15.8)

    História de doença genética (Sim) 3 (15.8)

    História de doença psiquiátrica (Sim) 14 (73.7)

  • 27

    Perfil Sensorial 2 (Dunn, 2014)

    Questionário de relato materno que avalia o processamento sensorial da criança em

    situações do cotidiano. Constituído por 54 itens preenchidos numa escala likert de 5 pontos, em

    que 1 significa “Quase nunca” e 5 significa “Quase sempre”. Desta forma, permite obter uma

    pontuação total do perfil sensorial do bebê e escores específicos relacionados ao processamento

    geral, auditivo, visual, tato, movimentos, sensibilidade oral e comportamento. Adicionalmente,

    é possível considerar a pontuação do questionário em quatro quadrantes: Exploração, grau em

    que uma criança obtém estímulo sensorial; Esquiva, grau em que uma criança fica incomodada

    por estímulos sensoriais; Sensibilidade, grau em que uma criança detecta estímulos sensoriais;

    e Observação, grau em que uma criança não percebe estímulos sensoriais. Neste estudo,

    analisamos a pontuação global do questionário e a pontuação específica do processamento do

    tato, o qual inclui itens como “Meu/minha filho(a) resiste a ser abraçado”, “Meu/minha filho(a)

    se afasta de toques inesperados”, bem como a pontuação obtida em cada quadrante.

    Na Tabela 2 é apresentado um detalhamento das classificações e interpretação dos

    quadrantes obtidos.

    Tabela 2: Resumo da interpretação dos quadrantes de processamento sensorial

    Menos que outros(as)

    Muito menos que

    outros(as)

    Exatamente como a

    maioria

    dos(as)outros(as)

    Mais que outros(as)

    Muito mais que

    outros(as)

    Exploração Pode não buscar estímulos

    sensoriais suficientes para

    sustentar uma participação

    bem sucedida

    Usa o estímulo

    sensorial para reunir as

    informações

    necessarias para

    participação

    Pode buscar

    estímulos sensoriais

    de maneiras tão

    excessivas ou

    pertubadoras de

    modo a interferir na

    participação

    Esquiva Pode deixar de notar os

    estímulos sensoriais

    necessarios para a

    participação

    Gerencia o estímulo

    sensorial para obter

    somente a quantidade

    necessaria para a

    participação

    Pode tornar-se tão

    sobrecarregado pelo

    estímulo sensorial de

    modo a interferir na

    participação

    Sensibilidade Pode deixar de detectar o

    estímulo sensorial

    específico que é necessario

    para sustentar a

    participação

    Detecta o estímulo

    sensorial que permite a

    participação

    Pode se distrair tanto

    pelo estímulo

    sensorial de modo a

    interferir na sua

    participação

    Observação Pode perceber estímulos

    sensoriais que não sejam

    uteis para a participação

    Observa estímulos

    sensoriais suficientes

    para apoiar a

    participação

    Pode deixar de notar

    os estímulos

    sensoriais

    necessarios para a

    participação

  • 28

    Questionário sobre o Toque Social (Wilhelm; Kochar; Roth; Gross, 2001)

    Instrumento descrito anteriormente no estudo I. Para detalhes consultar p. 23.

    Escala de ligação materna pós natal (Condon; Corkingdale, 1998)

    Instrumento descrito anteriormente no estudo I. Para detalhes consultar p. 23.

    4.2.3 Procedimentos

    Foi criado um formulário online na ferramenta Google Forms, onde os questionários

    foram digitados. Depois de gerado o link do formulário, o mesmo foi compartilhado nas redes

    sociais em grupos de mães ou dedicados às questões da maternidade. A primeira tela descrevia

    o estudo, seus objetivos e os questionários que deveriam ser preenchidos. Somente após aceitar

    participar (clicando na caixa localizada no canto inferior da tela), as mães tiveram acesso às

    perguntas dos questionários.

    Os questionários foram distribuídos por seções e somente era possível avançar, à medida

    que as respostas fossem todas preenchidas. O link ficou disponível entre os meses de outubro e

    dezembro. Este estudo foi previamente autorizado pelo Comitê de Ética e Pesquisa da UPM

    (CAAE: 02631818.1.0000.0084).

    4.2.4 Análise dos dados

    Os dados derivados dos questionários que as mães preencheram online foram tabulados

    e analisados com recurso do Software IBM SPSS Statistics 20.0. Após a tabulação dos dados

    coletados foram realizadas análises descritivas das variáveis do estudo, nomeadamente as

    atitudes maternas relativas ao toque social, perfil sensorial do bebê e qualidade da relação de

    apego mãe-bebê, bem como examinada a relação entre as variáveis por meio do teste estatístico

    de correlação de Spearman.

  • 29

    5 RESULTADOS

    5.1 Estudo 1

    Considerando que apenas duas díades mãe-bebê participaram do Estudo 1, para facilitar

    a descrição e compreensão dos resultados, os mesmos serão apresentados separadamente para

    cada bebê.

    O Bebê A, em resposta ao toque afetivo (materno), registrou um aumento significativo

    de hemoglobina oxigenada no canal 27, localizado na região temporal (pSTS) do hemisfério

    direito, quando comparado com o período de descanso. Por outro lado, também foi observado

    um padrão invertido, caraterizado por uma diminuição na hemoglobina oxigenada e aumento

    da hemoglobina desoxigenada, apresentando desativação no canal 17, localizado no córtex

    somatossensorial primário do hemisfério direito.

    Esses resultados estão demonstrados abaixo nos gráficos 3 e 4. O ponto 0 representa o

    início da estimulação tátil, que foi administrada durante 15 segundos, seguida de um período

    de descanso (sem toque).

    Gráfico 3. Bebê A – Ativação no Canal 27 em resposta ao toque afetivo

  • 30

    Gráfico 4. Bebê A – Desativação no Canal 17 em resposta ao toque afetivo

    Quanto aos dados obtidos nos questionários, em relação ao perfil sensorial do Bebê A a

    pontuação total bruta obtida foi 61 de um total de 125 pontos, enquanto que nos itens relativos

    ao processamento do tato, foram obtidos 7 pontos de um total de 15 pontos possível. Em ambos

    os escores, a faixa de percentil indica que o bebê A percebe e responde ao ambiente exatamente

    como a maioria das outras crianças. Em relação às atitudes e percepções maternas relativas ao

    toque social, a pontuação total do questionário varia entre 0 (menor evitamento ao toque social)

    e 80 (maior evitamento ao toque social). Desta forma, a mãe do bebê A obteve 32 pontos,

    indicando poucas atitudes de evitamento e desconforto associados ao toque social. Já na escala

    que avalia a relação de apego mãe-bebê, considerando o intervalo possível de pontuação entre

    19 a 95 pontos e que pontuações mais elevadas indicam qualidade elevada da relação de apego

    mãe-bebê, a pontuação total obtida foi de 72.1 pontos, o que confirma um elevado vínculo

    emocional com o seu bebê segundo o relato materno.

    Por sua vez, no Bebê B registou-se ativação no canal 5 (localizado próximo do córtex

    somatossensorial secundário) e no canal 13 (região temporal – pSTS), ambos no hemisfério

    esquerdo, em resposta ao toque afetivo por oposição ao período de descanso (ver Gráfico 5).

    Mais uma vez, também foi observado neste bebê um perfil de desativação, caracterizado por

    um aumento de hemoglobina desoxigenada e diminuição de hemoglobina desoxigenada, no

    canal 4 (localizado na junção temporoparietal no hemisfério esquerdo), no canal 11 (região

    temporal do hemisfério esquerdo), canais 15 (próximo ao córtex somatossensorial primário) e

    21 (região temporal) ambos no hemisfério direito, e no canal 26 (localizado na junção

  • 31

    temporoparietal do hemisfério direito). O gráfico 6 apresenta alguns exemplos desses canais

    desativados em resposta ao toque afetivo.

    Gráfico 5. Bebê B – Ativação nos Canais 5 e 13 em resposta ao toque afetivo

  • 32

    Gráfico 6. Bebê B – Exemplo de desativação nos Canais 15, 21 e 26

  • 33

    Em relação ao perfil sensorial do Bebê B, foi obtida uma pontuação total bruta de 46

    pontos, de um total de 125 de pontuação máxima possível, e um escore de 4 pontos, de um total

    possível de 15, relativos ao processamento do tato. Também neste caso, a análise da faixa de

    percentil indica que o Bebê B percebe e responde ao ambiente exatamente como a maioria das

    outras crianças. Em relação ao questionário sobre o toque social, a mãe do Bebê B obteve 31

    pontos, indicando também poucas atitudes de evitamento e desconforto associados ao toque.

    Sobre a escala da ligação mãe-bebê, a mãe do Bebê B obteve uma pontuação total de 78 pontos

    (num intervalo possível de 19 a 95 pontos), refletindo também elevada qualidade da relação de

    apego mãe-bebê segundo o relato materno.

    A Tabela 3 apresenta os descritivos para os dois bebês quanto aos questionários usados

    no Estudo 1.

    Tabela 3. Descritivo dos questionários usados no Estudo 1

    Bebê A Bebê B

    Perfil sensorial do bebê (total) 61/125 46/125

    Processamento do tato 7/15 4/15

    Atitudes maternas relativas ao toque social 32/80 31/80

    Relação de apego mãe- bebê 72/95 78/95

    5.2 Estudo 2

    Em relação ao perfil sensorial do bebê, a pontuação total variou entre 43 e 146 pontos

    (M = 96.11, DP = 27.52). Especificamente no que se refere ao processamento do tato, a

    pontuação obtida foi de 1 a 15 (M = 6.89, DP = 4.45), sendo que 11 bebês (57.9%) são

    classificados como respondendo aos estímulos táteis exatamente como a maioria dos outros, 1

    bebê (5.3%) classificado como respondendo mais que outros, e 5 (26.3%) e 2 bebês (10.5%)

    classificados como respondendo menos que outros e muito menos que outros, respetivamente,

    de acordo com o sistema de classificação da amostra usada na validação do instrumento para a

    população Brasileira.

    Para os quadrantes de processamento sensorial específicos, observou-se no quadrante

    Exploração que a pontuação obtida foi de 17 a 35 pontos (M = 26.79, DP = 4.60), distribuído

    da seguinte forma no sistema de classificação: 15 bebês (78.9%) exatamente como a maioria

    dos outros, 1 bebê (5.3%) classificado como buscando estímulos sensoriais mais que outros, e

  • 34

    2 bebês (10.5%) e e 1 bebê (5.3%) buscando estímulos sensoriais menos que outros e muito

    menos que outros, respetivamente. No quadrante Criança Esquiva, a pontuação obtida variou

    de 2 a 22 pontos (M = 11.95, DP = 5.08), que no sistema de classificação se distribuiu da

    seguinte forma: 11 bebês (57.9%) classificados exatamente como a maioria dos outros, 1 bebê

    (5.3%) ficando incomodado por estímulos sensoriais mais que outros, 5 bebês (26.3%) se

    afastando dos estímulos sensoriais menos que outros e 2 bebês (10.5%) se afastando muito

    menos que outros. No quadrante da criança Sensível, a pontuação foi de 9 a 37 (M = 23.79, DP

    = 8.12) sendo que 10 bebês (52.6%) foram classificados como detectando estímulos sensoriais

    exatamente como a maioria dos outros, 4 bebês (21.1%) detectando mais que outros, 3 bebês

    (15.8%) percebendo estímulos sensoriais em um grau muito mais elevado que outros, e 2 bebês

    (10.5%) percebendo os estímulos menos que os outros. Por fim, no quadrante de criança

    observadora, a pontuação obtida foi entre 1 e 22 (M = 9.68, DP = 6.02), com a seguinte

    distribuição de acordo com o sistema de classificação na amostra normativa: 9 bebês (47.4%)

    classificados exatamente como a maioria dos outros, 1 bebê (5.3%) classificado como não

    percebendo estímulos sensoriais mais que outros, enquanto 5 (26.3%) e 4 bebês (21.1%)

    receberam a classificação de menos e muito menos que os outros, respetivamente.

    No questionário sobre toque social, as mães obtiveram uma pontuação entre 7 e 49

    pontos (M = 22.79, DP = 9.61), indicando poucas atitudes de evitamento e desconforto

    associados ao toque social. Quanto à escala que avaliou a relação de apego mãe-bebê, as mães

    obtiveram, em média, 81.56 pontos (DP = 6.26), tendo os escores variado entre 65.8 e 92.6

    pontos, indicando assim um vínculo elevado relatado pelas mães para descrever a relação de

    apego com o seu bebê.

    A Tabela 4 apresenta o descritivo das variáveis dos questionários usados no Estudo 2,

    mais especificamente, a pontuações dos quadrantes do perfil sensorial e das quatro dimensões

    avaliadas pela escala da relação de apego mãe-bebê.

  • 35

    Tabela 4. Descritivos das variáveis dos questionários usados no Estudo 2

    Min – Máx M (DP)

    Perfil sensorial do bebê

    Processamento sensorial global 43-146 96.11 (27.52)

    Processamento sensorial do tato 1-15 6.89 (4.45)

    Quadrante criança exploradora 17-35 26.79 (4.60)

    Quadrante criança esquiva 2-22 11.95 (5.08)

    Quadrante criança sensível 9-37 23.79 (8.12)

    Quadrante criança observadora 1-22 9.68 (6.02)

    Atitudes maternas relativas ao toque social 7-49 22.79 (9.61)

    Relação de apego mãe-bebê - Total 65.8 – 92.6 81.56 (6.26)

    Aceitação 4.3 - 13.6 10.03 (2.47)

    Tolerância 9.3 - 15 12.86 (1.31)

    Prazer na proximidade 28.6 - 40 36.27 (3.04)

    Competência 19.6 - 25 22.38 (1.63)

    Neste Estudo 2, foi ainda examinada a correlação entre as diferentes variáveis extraídas

    dos três questionários, através do teste de Correlação de Spearman, cujos resultados são

    apresentados na Tabela 5.

    Tabela 5. Correlação de Spearman entre as atitudes maternas relativas ao toque social,

    qualidade da relação de apego mãe-bebê e perfil sensorial do bebê

    Atitudes maternas

    relativas ao toque

    social

    Relação de

    apego mãe-bebê

    Atitudes maternas relativas ao toque social ----- - .43+

    Processamento sensorial do tato .38 - .74***

    Quadrante criança exploradora - .04 - .03

    Quadrante criança esquiva .42+ - .36

    Quadrante criança sensível .61** - .55*

    Quadrante criança observadora .20 - .32

    +p < .10; *p < .05; **p < .01; ***p < .001.

  • 36

    Assim, foi encontrada uma associação marginalmente significativa entre as atitudes

    maternas relativas ao toque social e a qualidade da relação de apego mãe-bebê, rs = - .43, p =

    .064, de forma que mães que relatam mais atitudes de evitamento e desconforto em relação ao

    toque social tendem também a reportar uma baixa qualidade na relação de apego que

    conseguiram estabelecer com o seu bebê. Por outro lado, foi encontrada uma associação

    marginalmente significativa entre as atitudes maternas relativas ao toque social e o quadrante

    de processamento sensorial Criança Esquiva, rs = .42, p = .074, sendo que mães que apresentam

    mais atitudes de evitamento e desconforto em relação ao toque social tendem a perceber os seus

    bebês se afastando mais de estímulos sensoriais. Foi ainda encontrada uma associação

    estatisticamente significativa entre as atitudes maternas relativas ao toque social e o quadrante

    de Criança Sensível, rs = .61, p = .006, sendo que mais atitudes de evitamento e desconforto em

    relação ao toque social por parte da mãe estavam associadas a um maior grau de detecção de

    estímulos sensoriais por parte do bebê. Por fim, foi observada uma correlação estatisticamente

    significativa entre a qualidade da relação de apego mãe-bebê e o o processamento do bebê a

    estímulos táteis, rs = - .74, p < .001, e o quadrante Criança Sensível, rs = - .55, p = .015. Assim,

    mães que relatam mais dificuldades em estabelecer uma relação de apego de qualidade com o

    seu bebê também entendem os seus bebês como reagindo a estímulos táteis de forma mais

    intensa do que as outras crianças e detectando estímulos sensoriais em maior grau que outras

    crianças.

  • 37

    6 DISCUSSÃO E CONSIDERAÇÕES FINAIS

    O presente trabalho teve dois objetivos principais. Enquanto o Estudo 1 buscou

    caracterizar o processamento neural em resposta ao toque afetivo materno em bebês de 6 meses

    de idade e descrever o perfil sensorial do bebê, as percepções e atitudes maternas relativas ao

    toque social, e a qualidade da relação de apego mãe-bebê, o Estudo 2 pretendeu caracterizar as

    variáveis comportamentais (perfil sensorial do bebê, atitudes maternas relativas ao toque social,

    e a qualidade da relação de apego mãe-bebê) em uma amostra de mães com bebês entre 7 e 12

    meses de idade.

    O Estudo 1 foi conduzido em dois bebês que passaram por uma avaliação

    neuroimagiológica com uso do fNIRS, que mostrou ativação cortical na área somatossensorial

    e temporal em resposta ao toque afetivo, quando comparado com o período de descanso em que

    o bebê não era tocado. Mais especificamente, no Bebê A foi encontrada ativação no canal 27

    e no bebê B no canal 13, ambos localizados próximo do sulco temporal superior posterior

    (pSTS), nos hemisférios direito e esquerdo, respectivamente. Adicionalmente, no bebê B foi

    encontrada ativação no canal 5, localizado próximo ao córtex somatossensorial secundário, no

    hemisfério esquerdo. Assim, nos dois casos descritos, os bebês parecem ter respondido ao toque

    afetivo (aplicado com a mão humana) recrutando áreas sociais do cérebro. Semelhante ao

    estudo de Pirazzoli e colaboradores (2019), o toque afetivo aplicado com a mão humana gerou

    ativação em áreas sociais do cérebro, mais especificamente no pSTS, por oposição ao período

    em que não aconteceu o toque (período de descanso). Porém, a reduzida amostra de apenas 2

    casos e a ausência de uma outra condição experimental em que o toque afetivo é aplicado

    usando um objeto (por exemplo, um pincel) não nos permitem saber se estamos diante de um

    recrutamento seletivo desta área cerebral para responder ao toque afetivo administrado naquelas

    condições específicas (com a mão humana, à temperatura natural da pele, e a uma velocidade

    ótima para ativar as fibras CT). Contudo, o fato de durante todo este procedimento (aplicação

    do estímulo tátil e período de descanso) o bebê ter a mãe sentada ao seu lado e estar diante de

    um vídeo sem som e sem conteúdo social em um computador, sendo então mantidas as mesmas

    condições ao longo de toda a tarefa, nos permite acreditar que a ativação observada na região

    temporal se deveu em resposta ao estímulo tátil.

    Um outro achado interessante, e que foi observado nos dois bebês avaliados, foi a

    presença de canais desativados, em que foi registado um padrão inverso caracterizado por um

    aumento significativo de hemoglobina desoxigenada e uma diminuição significativa de

    hemoglobina oxigenada, em resposta ao toque afetivo versus o período de descanso. Mais

  • 38

    especificamente, foi observada desativação em um canal localizado no córtex somatossensorial

    primário no Bebê A e em vários canais cobrindo a região temporal (bilateralmente) no Bebê B.

    A presença de um perfil de canais desativados já foi encontrado em pesquisas anteriores usando

    fNIRS (BORTFELD, WRUCK, BOAS, 2007; FAVA, HULL, BORTFELD, 2014; LLOYD-

    FOX, SZÉPLAKI-KOLLOD, YIN, CSIBRA, 2015; WATANABE, HOMAE, TAGA, 2012).

    Ainda que algumas possíveis explicações como imaturidade cerebral em idades tão precoces, a

    redistribuição de sangue oxigenado para áreas cerebrais com mais demanda, ou conexões entre

    diferentes áreas corticais que apenas ficarão mais sintonizadas tanto espacialmente quanto

    temporalmente com o tempo e à medida que a criança cresce, ainda não há consenso sobre as

    razões deste fenômeno, o qual merece atenção especial em estudos futuros.

    Por sua vez, os questionários administrados no Estudo 1 mostraram que ambos os bebês

    são percebidos pela mãe como apresentando um padrão de processamento sensorial exatamente

    como a maioria das outras crianças, e que ambas a mães referem poucas atitudes de evitamento

    e desconforto em relação ao toque social e uma elevada qualidade da relação de apego com o

    seu bebê.

    Quanto aos resultados do Estudo 2, a maior parte dos bebês foi classificada como

    apresentando uma resposta a estímulos sensoriais exatamente igual como a maioria das outras

    crianças. Ainda que em menor número, surgiram alguns casos com um padrão de

    processamento sensorial alterado face à população normativa, reagindo menos/muito menos ou

    mais/muito mais que as outras crianças. De uma forma geral, as mães que participaram do

    Estudo 2 reportaram poucas atitudes de evitamento ou desconforto relacionado com o toque

    social e conseguirem estabelecer uma relação de apego de qualidade elevada com o seu bebê.

    Foi ainda encontrada uma associação entre as atitudes maternas relativas ao toque social, a

    qualidade da relação de apego mãe-bebê e o perfil sensorial do bebê. Por um lado, levanta a

    questão se estamos perante uma herança genética, em que bebês de mães que evitam ou se

    sentem desconfortáveis em relação ao toque social também poderão apresentar uma reação

    alterada (ex., afastamento ou maior sensibilidade) na forma de processar estímulos sensoriais,

    incluindo o tato. Por outro lado, as próprias atitudes da mãe de evitamento ou desconforto em

    relação ao toque social podem influenciar o seu comportamento durante a interação com o seu

    bebê (por exemplo, tocando menos frequentemente ou de forma mais intrusiva), o que irá

    certamente afetar o vínculo emocional que conseguirá estabelecer com o bebê.

    Pesquisas anteriores mostraram que as mães variam muito na frequência e na forma

    como tocam quando interagem com o seu bebê (MALPHURS et al., 1996; MANTIS et al.,

    2019). Então, considerando que nos primeiros meses de vida o toque é uma das ferramentas

  • 39

    principais para dar conforto, cuidar, ajudar a regular o estresse e estabelecer um vínculo com o

    bebê, é possível que mães que, de uma forma geral, sentem desconforto ou evitam o toque,

    apresentem também menos comportamentos de toque quando interagem/brincam com o seu

    bebê, perdendo, dessa forma, oportunidades importantes para construir uma ligação emocional

    e de apego forte com o seu bebê. Adicionalmente, um estudo de Aguirre e colaboradores (2019)

    mostrou que bebês de 9 meses registavam uma desaceleração da frequência cardíaca, como

    sinal de relaxamento, quando percebiam o toque afetivo sendo aplicado pela sua mãe versus

    quando achavam que era aplicado por uma mulher não familiar, em que a frequência cardíaca

    ficava acelerada. Este achado sugere que a presença de uma relação afetiva com a pessoa que

    nos toca (neste caso a mãe) versus a ausência de um vínculo emocional com essa pessoa vai

    influenciar a forma como aquele toque é percebido e processado. Além disso, estudos anteriores

    encontraram que uma menor desaceleração da frequência cardíaca do bebê em resposta ao toque

    afetivo estava associada a atitudes maternas de maior desconforto e evitamento do toque social

    (AGUIRRE et al., 2019; FAIRHURST et al., 2014).

    Os dois estudos têm várias limitações que impedem a generalização dos resultados e

    retirar qualquer conclusão definitiva dos mesmos. Por um lado, o tamanho reduzido da amostra

    que é uma limitação comum aos dois estudos, torna-se fundamental que estes estudos sejam

    replicados com uma amostra maior. Especificamente no Estudo 1, em que contamos unicamente

    com dois participantes, apenas foi possível descrever as áreas cerebrais ativadas em resposta ao

    toque afetivo e as pontuações obtidas pelos participantes nas variáveis comportamentais. No

    entanto, seria extremamente relevante examinar também como as variáveis comportamentais

    da mãe e do bebê podem também afetar o processamento neural do toque afetivo. Além disso,

    o estudo foi realizado em um único momento de avaliação – aos 6 meses de idade – sendo

    também importante entender como o padrão de ativação neural pode mudar ao longo do tempo

    e à medida que a relação de apego mãe-bebê se vai se consolidando.

    Por sua vez, no Estudo 2, a amostra de mães participantes apresenta características

    sociodemográficas bastante homogêneas: a maioria é casada, com ensino superior completo ou

    pós-graduação e nível socioeconômico médio a alto. Assim, será importante replicar o estudo

    em uma amostra maior e mais heterogênea, capaz de captar maior variabilidade ao nível das

    características dos participantes e também das variáveis comportamentais, como a qualidade da

    relação de apego mãe-bebê ou as atitudes maternas relativas ao toque social.

    Outra limitação relevante e comum nos dois estudos foi o uso de questionários (mais

    especificamente no estudo 2, com preenchimento dos questionários online) para avaliar a

    qualidade da relação mãe-bebê, perfil sensorial do bebê e reação da mãe ao toque social, que

  • 40

    apenas nos dá a perspetiva da mãe. Assim, seria importante em estudos futuros complementar

    com medidas mais objetivas e observacionais, em que podemos avaliar a qualidade da relação

    da díade observando como a mãe interage com o seu bebê, com que frequência ela toca e de

    que forma toca no seu bebê e como o bebê reage a esses comportamentos de toque usados pela

    mãe. Dessa forma, podemos entender como as atitudes maternas relativas ao toque social se

    refletem na forma de interagir com o bebê, mais especificamente nos comportamentos de toque

    usados pela mãe.

    Além disso, o fato de termos incluído na mesma amostra do estudo 2 bebês entre os 7 e

    os 12 meses de idade, significa que estamos examinando no mesmo grupo, bebês em diferentes

    níveis maturacionais de processamento sensorial e também em diferentes níveis de

    desenvolvimento da relação de apego mãe-bebê, por exemplo díades mãe-bebê com uma

    relação já consolidada enquanto em outras díades a relação ainda se está desenvolvendo. Assim,

    seria importante que estudos futuros caraterizassem essas variáveis – principalmente o perfil

    sensorial do bebê e a relação de apego mãe-bebê – atendendo à faixa etária do bebê.

    Por fim, no estudo 1, a aplicação da estímulação tátil com a mão pode também constituir

    uma limitação. Ainda que a pesquisadora que aplica o estímulo tivesse sido previamente

    treinada na aplicação do mesmo, torna-se difícil controlar que a mesma pessoa irá aplicar

    exatamente da mesma forma o estímulo tátil a dois participantes diferentes.

    Apesar das limitações referidas, o presente trabalho pretendeu contribuir para a

    literatura existente sobre o processamento neural do toque afetivo em bebês de até 1 ano de

    idade e fatores individuais e relacionais que poderão influenciar essa resposta cerebral. Assim,

    estudos futuros, deverão continuar a investir nesta área de pesquisa, cujo conhecimento

    científico nesta temática poderá ajudar a entender melhor o papel do toque no estabelecimento

    precoce de relações sociais, na regulação