Processo de retificação-3

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7 - TEMPERATURAS E DANOS TÉRMICOS NA RETIFICAÇÃO O processo de retificação requer uma grande quantidade de energia por volume de material removido. Praticamente toda esta energia é convertida em calor que se concentra ao redor da zona de retificação. As altas temperaturas produzidas podem causar vários tipos de danos térmicos à peça como queimas, transformações de fases, amolecimento (revenimento) da camada superficial com possível reendurecimento, tensões residuais de tração indesejáveis, trincas e redução da resistência à fadiga. Além disso, a expansão térmica da peça durante a retificação contribui para a imprecisão e distorções do produto final. O volume de produção que pode ser alcançado com a retificação é frequentemente limitado pela temperatura do processo e sua influência danosa na qualidade da peça. A retificação ocorre pela interação de grãos abrasivos da superfície do rebolo com a peça. De acordo com a análise do mecanismo de formação do cavaco na retificação, feita no ítem 4 deste trabalho, a energia total fornecida ao processo inclui componentes da formação do cavaco, do riscamento (deformação plástica) e escorregamento (deformação elástica). As temperaturas de pico aproximam-se do ponto de fusão do material sendo usinado. Contudo, o material permanece nestas altas temperaturas um período de tempo muito curto e elas estão localizadas nos planos de cisalhamento microscópicos dos cavacos da retificação. Logo abaixo da superfície, a peça recebe um fluxo de calor contínuo proveniente da zona de retificação, devido à multiplicidade de interações com os grãos abrasivos que passam rapidamente através da zona de retificação. Portanto, a temperatura associada ao contínuo aquecimento, (ao invés da temperatura de pico), pode ser considerada como a responsável pela maioria dos danos térmicos.

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7 - TEMPERATURAS E DANOS TÉRMICOS NA RETIFICAÇÃO

O processo de retificação requer uma grande quantidade de energia por volume de material

removido. Praticamente toda esta energia é convertida em calor que se concentra ao redor da zona de

retificação. As altas temperaturas produzidas podem causar vários tipos de danos térmicos à peça

como queimas, transformações de fases, amolecimento (revenimento) da camada superficial com

possível reendurecimento, tensões residuais de tração indesejáveis, trincas e redução da resistência à

fadiga. Além disso, a expansão térmica da peça durante a retificação contribui para a imprecisão e

distorções do produto final. O volume de produção que pode ser alcançado com a retificação é

frequentemente limitado pela temperatura do processo e sua influência danosa na qualidade da peça.

A retificação ocorre pela interação de grãos abrasivos da superfície do rebolo com a peça. De

acordo com a análise do mecanismo de formação do cavaco na retificação, feita no ítem 4 deste

trabalho, a energia total fornecida ao processo inclui componentes da formação do cavaco, do

riscamento (deformação plástica) e escorregamento (deformação elástica). As temperaturas de pico

aproximam-se do ponto de fusão do material sendo usinado. Contudo, o material permanece nestas

altas temperaturas um período de tempo muito curto e elas estão localizadas nos planos de

cisalhamento microscópicos dos cavacos da retificação. Logo abaixo da superfície, a peça recebe um

fluxo de calor contínuo proveniente da zona de retificação, devido à multiplicidade de interações

com os grãos abrasivos que passam rapidamente através da zona de retificação. Portanto, a

temperatura associada ao contínuo aquecimento, (ao invés da temperatura de pico), pode ser

considerada como a responsável pela maioria dos danos térmicos. Também de interesse é a

temperatura em todo o volume da peça, que causa expansão térmica levando à distorções e

imprecisões da mesma. Em geral, o aumento da temperatura média de todo o volume da peça é

apenas uma pequena fração do aumento da temperatura da zona de retificação.

7.1 - Danos Térmicos

A) Queima da Peça

Um dos tipos mais comuns de danos térmicos é a queima da peça. Este fenômeno tem sido

investigado principalmente quando da retificação de aços, embora seja também um problema com

outros materiais metálicos. A queima visível da peça de aço é caracterizada pela mudança de cor da

mesma (se torna azulada ou amarelada), que é uma consequência da formação de uma camada de

óxidos. Estas cores são normalmente removidas pelo "spark out" no fim do ciclo de retificação,

especialmente na retificação cilíndrica, mas seu efeito é cosmético e a ausência destas cores na

superfície da peça, não significa necessariamente que a queima não ocorreu.

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No início do processo de queima, há uma tendência de adesão de partículas do metal aos

grãos abrasivos, o que causa o crescimento das forças, a deterioração da superfície da peça e o

aumento da taxa de desgaste do rebolo. A queima visível normalmente é acompanhada pela

reaustenitização da peça, o que pode ser comprovado pela distribuição da microdureza na

subsuperfície de aços endurecidos. Para um aço endurecido usinado sem queima, há geralmente

algum amolecimento devido ao revenimento perto da superfície. Um exemplo deste comportamento

em um aço para rolamento temperado é mostrado pela curva "sem queima" da figura 34. Com

queima, o reendurecimento do aço também ocorre, como mostrado pela curva "com queima" da

figura 34. O reendurecimento é consequência da reaustenitização seguida pela formação de

martensita não revenida. Isto traz um efeito adverso na vida da peça com respeito à fadiga, que é

atribuído principalmente à formação de martensita não revenida, que é uma fase extremamente dura e

frágil. A queima da peça e a austenitização devido ao aquecimento gerado na retificação de aços

moles, mesmo os tipos temperáveis, não são necessariamente acompanhadas pelo endurecimento da

superfície.

Figura 34 - Dureza da Peça abaixo da Superfície com e sem Queima

B) Revenimento

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Os aços são frequentemente retificados no estado temperado. O revenimento devido ao

aquecimento na retificação causa amolecimento junto à superfície acabada, como mostrado na curva

"sem queima" da figura 34.

O revenimento da superfície de aços endurecidos frequentemente ocorre durante a retificação

em condições típicas de produção, embora os seus efeitos possam ser minimizados. A profundidade

da camada revenida pode ser reduzida principalmente pelo uso de maiores velocidades da peça, o que

resulta numa menor penetração do calor e em menores tempos de aquecimento. As curvas de

microdureza da figura 34 foram obtidas na retificação plana tangencial, com uma velocidade da peça

relativamente baixa (Vw = 6.1 m/min), o que causou uma camada termicamente afetada

relativamente profunda. Camadas revenidas similares, mas mais rasas são obtidas com velocidades

da peça maiores, como as que são tipicamente utilizadas na retificação cilíndrica. Algumas ou

mesmo todas as camadas revenidas produzidas durante a retificação em desbaste com altas taxas de

remoção do cavaco, podem ser removidas por uma operação posterior de retificação em acabamento,

com "spark out" no fim do ciclo de retificação.

C) Tensões Residuais

O processo de retificação normalmente conduz a tensões residuais na vizinhança da

superfície acabada, que pode afetar bastante o comportamento mecânico do material. As tensões

residuais são induzidas pela deformação plástica não uniforme perto da superfície da peça. As

interações mecânicas dos grãos abrasivos com a peça resultam principalmente em tensões residuais

de compressão, devido ao fluxo plástico localizado. Este efeito é semelhante ao que acontece nas

peças que são jateadas com esferas. As tensões residuais de tração são causadas principalmente por

tensões termicamente induzidas e pelas deformações associadas com a temperatura de retificação e

seu gradiente da superfície para o interior da peça.. Na zona de retificação, a expansão térmica do

material mais quente próximo à superfície é parcialmente restrita pelo material mais frio da

subsuperfície. Isto gera tensões térmicas de compressão perto da superfície que, se suficientemente

grandes, causam um fluxo plástico. Durante o resfriamento subsequente, depois do passe do rebolo,

o material plasticamente deformado, tende a contrair mais que o material da subsuperfície, mas o

requisito de continuidade do material faz com que tensões de tração se desenvolvam numa fina

camada da superfície. A fim de assegurar o equilíbrio mecânico, as tensões residuais de compressão

devem também se aprofundar na peça, mas elas são muito menores em magnitude que as tensões de

tração. A formação de tensões residuais termicamente induzidas é mais complexa ainda na presença

de transformações de fase que podem ocorrer durante o ciclo de aquecimento e resfriamento, uma

vez que estas transformações estão normalmente associadas à mudanças de volume.

Alguns exemplos da distribuição de tensão residual ao longo da direção de retificação estão

mostrados na figura 35 para um aço liga. Na maioria das operações de retificação em produção, as

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tensões residuais são predominantemente de tração, o que indica que elas tem principalmente origem

térmica. Tensões residuais de compressão normalmente tem um efeito benéfico nas propriedades de

resistência mecânica, enquanto tensões residuais de tração tem efeito adverso na resistência.

A influência das tensões residuais é relativamente mais pronunciada para materiais frágeis de

alta resistência. Condições de retificação mais severas em aços de alta resistência e ligas aeronáuticas

geralmente causam tensões residuais de tração maiores, levando à redução da resistência à fadiga e à

trinca. A situação pode ser ainda mais agravada pelo enfraquecimento causado pelo hidrogênio,

devido aos altos níveis de hidrogênio introduzidos no aço como resultado da decomposição do fluido

de corte. Componentes de aço endurecido retificados com condições severas expostos a ácidos em

alta temperatura desenvolvem trincas superficiais, que podem ser atribuídas à presença de tensões

residuais de tração agindo na frágil martensita não revenida formada pela queima da peça. As trincas

induzidas por ataque ácido e pelas severas condições de corte são normalmente perpendiculares à

direção de corte, o que sugere que o componente de tração da tensão residual ao longo da direção de

corte é predominante.

Geralmente é desejável controlar as condições de corte de maneira a induzir tensões residuais

compressivas ou, no mínimo, limitar a amplitude do pico das tensões de tração. Na prática,

demandas por uma produção mais rápida e eficiente resultam em maiores tensões residuais de tração,

como é visto na figura 35. A fim de se obter tensões compressivas é frequentemente necessário

manter a taxa de remoção de cavaco muito baixa. No entanto, a introdução dos abrasivos de CBN em

substituição ao óxido de alumínio induz tensões compressivas ao invés de tensões de tração na

retificação de aços de rolamento endurecidos. Isto sugere que as temperaturas para a retificação com

CBN são menores, devido à energia específica mais baixa. Outro fator que pode ser uma das causas

deste fenômeno é a alta condutividade térmica do CBN, que contribui para o resfriamento da

superfície da peça.

7.2 - Danos Térmicos na Retificação "Creep-Feed"

A retificação "creep-feed" é caracterizada pelo uso de velocidades da peça muito pequenas e

profundidades de corte muito grandes, da ordem de centenas ou milhares de vezes maiores que

aquelas usadas em retificação convencional. Com este processo pode ser possível retificar perfis

complexos ou sulcos profundos em poucos ou mesmo em somente 1 passo do rebolo. Algumas

aplicações típicas da retificação "creep-feed" é a usinagem de canais de brocas helicoidais ou o

perfilamento das pás de turbinas para motores de jatos.

Devido à profundidade de corte muito pesada (normalmente entre 1 e 10 mm), o

comprimento de contato rebolo-peça e a região de retificação também são muito grandes. Portanto,

deve-se esperar energias específicas (energia por unidade de volume de material retirado) muito

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maiores que em retificação convencional, devido à perdas maiores com escorregamento

(deformações elásticas). Isto faz com que a retificação "creep-feed" requeira cuidados especiais em

termos de refrigeração para se evitar quaisquer danos térmicos à peça. Da mesma maneira, é muito

importante se manter o rebolo afiado a fim de se reduzir a energia consumida. A tendência de perda

de agressividade do rebolo neste tipo de processo é incentivada pelo longo comprimento em que o

grão somente escorrega sobre a peça (gerando deformação elástica) e também pelo fato de haver

menos auto-afiação do rebolo. Portanto, a dressagem do rebolo é de importância fundamental, para

mantê-lo rebolo sempre agressivo. Muitas vezes se usa dressagem contínua, isto é, enquanto um lado

do rebolo está retificando a peça, do outro lado se encontra o dressador processando a dressagem

simultaneamente.

Rebolos de CBN, devido à resistência ao desgaste dútil, são adequados para a retificação

"creep-feed" de materiais ferrosos e alguns outros tipos de ligas. Rebolos de CBN com liga

vitrificada são especialmente eficientes, porque a sua porosidade facilita a refrigeração da peça.

Apesar da maior taxa de remoção de cavaco e da maior energia específica requerida por este

tipo de processo, o problema de dano térmico à peça não é mais crítico que na retificação

convencional. Isto é devido à grande profundidade de corte, que faz com que uma larga porcentagem

do calor seja dissipado pelo cavaco que possui dimensões bem maiores. Existe porém uma limitação

para a extração de calor pelo cavaco, que é o seu ponto de fusão. Dado que a energia específica da

retificação "creep-feed" é da ordem de 5 vezes a energia requerida para fundir o material, não mais

do que 20% da energia gerada no processo pode ser dissipada pelo cavaco.

Devido à este problema com geração e dissipação do calor, a retificação "creep-feed" requer

um fluxo de fluido de corte com grande vazão e pressão direcionado à região de corte, a fim de

remover o calor da região recém-formada por convecção forçada.

Outro requisito fundamental para este tipo de processo é a utilização de máquinas rígidas e

muito potentes, com sistema de fluido de corte de alta pressão e com tanque grande. Normalmente,

retificadoras convencionais sem nenhuma modificação não são adequadas para a retificação "creep-

feed".

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Figura 35 - Tensão Residual abaixo da Superfície da Peça