Processo Judicial Tributário

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HUGO DE BRITO MACHADO CURSO DE DIREITO TRIBUTÁRIO 27a edição, revista, atualizada e ampliada, 2a tiragem

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Excertos de MACHADO, H.B_Curso de Direito Tributario, 27.Ed., São Paulo: Malheiros, 2006

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  • HUGO DE BRITO MACHADO

    CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    27a edio, revista, atualizada e ampliada,

    2a tiragem

  • Captulo IIPROCESSO JUDICIAL TRIBUTRIO

    1. Introduo. 2. Garantias constitucionais: 2.1 Inafastabilidade do controle ju dicia l. 2.2 Contraditrio e ampla defesa. 3. Espcies de processo: 3.1 Processo de conhecimento. 3.2 Processo de execuo 3.3 Processo cautelar. 4. Aes de iniciativa do fisco: 4.1 Execuo fiscal. 4.2 Cautelar fiscal. 4.3 Ao rescisria. 4.4 Ao anulatria de deciso administrativa favorve l ao contribuinte. 5. Aes de iniciativa do contribuinte: 5.1 Ao anulatria de lanamento tributrio. 5.2 Ao declaratria. 5.3 Ao de consignao em pagamento. 5.4 Ao de repetio do indbito. 5.5 Mandado de segurana. 5.6 Ao rescisria. 6. Aes de controle de constitucionalidade: 6.1 O controle de constitucionalidade pelo Judicirio. 6.2 Ao direta de inconstitucional idade. 6.3 Ao declaratria de constitucionalidade. 6.4 Diferena entre as aes de controle de constitucionalidade. 7. Aes da coletividade: 7.1 Ao popular. 7.2 Ao civil pblica.

    1. Introduo

    No obstante o lanamento tributrio tenha uma fase na qual, mediante processo contraditrio, ocorre o acertamento, o sujeito passivo da obrigao tributria muita vez resta inconformado com a exigncia do tributo, ou com a imposio de certa penalidade. Tem, nestes casos, a seu dispor o processo judicial, mediante o qual se opera o controle da legalidade dos atos da Administrao Tributria pelo Poder Judicirio.

    Como no temos leis processuais especficas para a soluo dos conflitos entre o fisco e o contribuinte, o processo judicial tributrio regula-se pelo Cdigo de Processo Civil, salvo no que diz respeito execuo fiscal e cautelar fiscal.

    O processo de conhecimento, em matria tributria, sempre de iniciativa do contribuinte, porque a deciso, no processo administrativo, sempre do fisco, inexistindo, assim, razo para que este provoque o controle judicial da legalidade de tais decises.

    Se o fisco decide, administrativamente, pela existncia de um crdito tributrio, a cobrana deste se faz mediante a propositura da execuo fiscal, posto que o fisco constitui, unilateralmente, o ttulo executivo a seu

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    favor. Por isto que o fisco no tem necessidade de ir a Juzo para pleitear uma deciso sobre o seu direito de crdito.

    2. Garantias constitucionais

    2.1 Inafastabilidade do controle judicial

    Estabelece a Constituio que a lei no excluir da apreciao do Poder Judicirio leso ou ameaa a direito (art. 5o, inc. XXXV). Tem-se, pois, no Direito brasileiro, a inafastabilidade do controle judicial. Qualquer lei que, direta ou indiretamente, exclua a apreciao do Poder Judicirio relativamente a qualquer leso, ou ameaa a direito, ser inconstitucional.

    Leso ou ameaa a direito somente podem ser questionadas no plano da concreo, pois somente neste que podem ocorrer. A lei em tese no lesa. Nem , em si mesma, uma ameaa a direito, pois direito, no sentido em que a palavra aqui empregada, pressupe incidncia da norma. Pressupe a ocorrncia de seu suporte ftico.

    Com a garantia da inafastabilidade do controle judicial a Constituio no garante o controle da constitucionalidade das leis que ainda no incidiram. Tal controle, todavia, feito pelo Supremo Tribunal Federal, em procedimento prprio que examinaremos adiante.

    Tambm no processo judicial importante a questo de saber se aquele que suporta o nus do tributo porque assumiu esse encargo em relao contratual, como o caso do inquilino, tem legitimidade para questionar em juzo a exigncia de tributos incidentes sobre o imvel que lhe dado em locao.

    O Superior Tribunal de Justia tem entendido que, embora possuidor, o locatrio estranho relao jurdico-tributria, se o Municpio identificou o proprietrio como contribuinte do imposto, e no tem, por isso, legitimidade para litigar a respeito" .

    Esse entendimento, porm, no razovel, porque implica negar a garantia de jurisdio a quem efetivamente tem um interesse jurdico em questo. Embora sem ser sujeito passivo da relao tributria, o inquilino tem, em virtude do contrato, o dever de pagar o imposto, e isto suficiente para lhe conferir legitimidade para discutir a cobrana deste.

    certo que, nos termos do art. 6o do Cdigo de Processo Civil, ningum pode pleitear, em nome prprio, direito alheio, salvo quando autorizado por lei. Ocorre que o inquilino, ou arrendatrio, que assumiu, nos termos do contrato, a responsabilidade pelo pagamento dos tributos incidentes sobre o imvel, tem direito prprio de se opor exigncia de tributos feita ilegalmente. Tem o direito de no ser onerado indevidamente pelo Fisco. Em outras palavras, direito de no ser compelido a pagar tributo

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    legalmente indevido. Esse direito passou a ser seu, em virtude da clusula contratual.

    Tambm certo que, nos termos do art. 123 do Cdigo Tributrio Nacional, as convenes particulares relativas responsabilidade pelo pagamento de tributo no podem ser opostas Fazenda Pblica, para modificar a definio legal do sujeito passivo das obrigaes tributrias correspondentes. Essa norma, porm, no pode ser entendida no sentido da invalidade das convenes particulares. Elas so plenamente vlidas, embora tenham contra a Fazenda Pblica efeitos relativos, posto que no se prestam para modificar a definio legal do sujeito passivo das obrigaes tributrias.

    Em outras palavras, um contrato atravs do qual seja atribuda a terceiro a responsabilidade tributria no modifica a definio legal do sujeito passivo, vale dizer, no tem o efeito de excluir a responsabilidade tributria de quem a tenha nos termos da lei. Essa restrio, como acontece com as restries em geral, no pode ser ampliada pelo intrprete da norma, de sorte que se tem de reconhecer que os contratos ou convenes particulares produzem todos os efeitos jurdicos prprios dos contratos, salvo, apenas, a modificao da definio legal do sujeito passivo das obrigaes tributrias.

    Entre os efeitos vlidos do contrato ou conveno particular que atribui a terceiro a responsabilidade pelo pagamento de tributo est, sem dvida alguma, o de dar ao terceiro legitimidade para promover ao questionando a exigncia tributria correspondente. Nem podia, alis, ser de outro modo. No tivesse o terceiro essa legitimidade, a exigncia tributria restaria, na prtica, liberada de controle jurisdicional, e assim a Fazenda Pblica liberada para fazer exigncias ilegais. O sujeito passivo no as impugnaria, por falta de interesse efetivo, visto como no vai arcar com o pagamento, que da responsabilidade de terceiro. E este, sem legitimidade processual, teria de conformar-se com elas passivamente, restando consumada, sem remdio, a leso ao direito de no ser compelido a pagar tributo indevido.

    Ressalte-se, ainda, que o Cdigo de Processo Civil assegura expressamente o direito ao recurso ao terceiro prejudicado, e, sendo assim, seria uma flagrante incoerncia recusar a legitimidade para propor a ao na qual ser proferida a deciso do seu interesse.

    2.2 Contraditrio e ampla defesa

    Aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, so assegurados o contraditrio e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (Constituio Federal de 1988, art. 5Q, inc. LV).

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    O contraditrio uma forma de assegurar-se a ampla defesa, e por isto, sob certo aspecto, com ela se confunde. Por contraditrio entende-se o procedimento no qual tudo o que de relevante praticado no processo por uma das partes deve ser do conhecimento da parte contrria. Sobre o que diz o autor deve ser ouvido o ru, e vice-versa. Sobre as provas produzidas por uma das partes deve a outra ser ouvida, e na prpria produo de certas provas, como a ouvida de testemunha e a realizao de percias, as partes devem ter oportunidade de atuar, contraditando uma as afirmaes da outra.

    Ampla defesa quer dizer que as partes tudo podem alegar que seja til na defesa da pretenso posta em Juzo. Todos os meios lcitos de prova podem se utilizados.

    De todo modo, como o processo no pode perdurar eternamente, as leis estabelecem formas e prazos para o exerccio, por cada parte, da defesa de sua pretenso. Ao faz-lo, todavia, no pode fixar limites to estreitos que tomem tal exerccio invivel.

    Por outro lado, a parte h de comportar-se dentro de limites razoveis ao exercitar sua defesa, no devendo abusar dessa garantia praticando atos inteis, apenas para protelar o andamento do processo. Assim, a produo de uma prova que diga respeito a fato irrelevante, por exemplo, deve ser indeferida, porque evidente a sua inutilidade.

    3. Espcies de processo

    O objetivo genrico do processo judicial a aplicao do Direito, inobservada a norma por seus destinatrios, ao Poder Judicirio cumpre aplic-la, assegurando a estes a prevalncia daquela.

    A atividade jurisdicional por excelncia desenvolve-se no processo, que tem por finalidade compor os conflitos, mas no apenas para a composio de conflitos que existe o processo judicial. Ele se destina tambm a fazer valer um direito no controvertido e para acautelar direito sobre o qual se questiona, de sorte a que a deciso da causa no resulte intil em face de seu perecimento.

    3. Processo de conhecimento

    O processo de conhecimento tem por fim a composio de um litgio. Instaura-se, portanto, diante de uma controvrsia sobre o direito material. Questiona-se a ocorrncia de fatos, ou o significado jurdico destes, e o juiz chamado a dizer o Direito. Para tanto toma conhecimento dos fatos e do significado que lhes atribuem o autor e o ru. E a final diz quem tem razo. Soluciona o litgio, interpretando e a final aplicando a norma cabvel.

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    O processo de conhecimento a principal sede em que se desenvolve a atividade jurisdicional.

    3.2 Processo de execuo

    No processo de execuo no ocorre a composio de litgio, porque este no existiu ou j foi composto em precedente processo de conhecimento.

    Por isto mesmo a propositura do processo de execuo s possvel quando se dispe de um ttulo, cuja formao pode ser judicial, como o caso da sentena proferida no processo de conhecimento, ou extrajudicial, um documento ao qual a lei atribui essa qualidade, como o caso da certido de inscrio da dvida tributria.

    Quem promove um processo de execuo, portanto, j dispe de um ttulo executivo. Isto quer dizer que no vai a Juzo questionar o seu direito. Vai pedir providncias ao Juiz para faz-lo valer. No pede uma deciso sobre uma controvrsia. Pede providncias concretas para que o seu direito se tome efetivo.

    3 3 Processo cautelar

    No processo cautelar tambm no se coloca para o Juiz um conflito para ser resolvido. Pede-se uma providncia para a preservao de um direito que est sendo ou vai ser questionado, mas poder perecer se aquela providncia no for adotada. Ou, ento, para preservar uma situao de fato que permite a efetivao de uma providncia para fazer valer um direito.

    Em princpio, portanto, o processo cautelar acessrio de um outro, que pode ser um processo de conhecimento ou um processo de execuo. Existem os processos cautelares autnomos, mas isto uma exceo que no invalida a definio do processo cautelar como um processo acessrio.

    Em matria tributria merecem especial ateno a denominada cautelar fiscal, que tem por objetivo garantir a execuo fiscal, e a cautelar inominada, que visa a proteger um direito do contribuinte, posto em Juzo ou a ser colocado ao exame do Judicirio.

    4. Aes de iniciativa do fisco

    4.1 Execuo fiscal

    Denomina-se execuo fiscal a ao de que dispe a Fazenda Pblica para a cobrana de seus crditos, sejam tributrios ou no, desde que inscritos como Dvida Ativa.

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    A matria regulada pela Lei n. 6.830, de 22.9.1980, que afastou a aplicao dos dispositivos do Cdigo de Processo Civil concernentes ao processo de execuo, em face dos quais restou revogado o Decreto n. 960/38.

    A certido da inscrio do crdito da Fazenda Pblica como Dvida Ativa o ttulo executivo extrajudicial de que necessita a exeqente para a propositura da execuo. Nesta, portanto, a exeqente no pede ao Juiz que decida sobre o seu direito de crdito. Pede simplesmente sejam adota- das providncias para tomar efetivo o seu crdito, isto , providncias para compelir o devedor ao pagamento.

    O objeto da execuo fiscal, assim, no a constituio nem a declarao do direito, mas a efetivao deste, que se presume, por fora de lei, lquido e certo.

    Tal presuno relativa e pode, portanto, ser afastada por prova a cargo do executado. A prova, porm, h de ser produzida no processo de embargos. No processo de execuo no h oportunidade para tanto, embora, em situaes especiais, possa o Juiz, no juzo de admissibilidade da execuo, examinar provas oferecidas pelo executado.

    O despacho do Juiz que deferir a inicial importa ordem para a citao, que se far pelo correio, com aviso de recepo, se a Fazenda Pblica no a requerer por outra forma. No consumada a citao pelo correio, far-se- esta por mandado ou por edital.

    Citado, o executado ter o prazo de cinco dias para pagar ou garantir o Juzo, mediante fiana bancria ou depsito, ou indicar bens penhora. Findo aquele prazo ser feita a penhora de qualquer bem do executado, exceto daqueles que a lei declara absolutamente impenhorveis.

    O auto de penhora conter tambm a avaliao do bem, feita por quem o lavrar.

    Poder, ento, o executado interpor embargos, processo atravs do qual exercitar o seu direito de defesa.

    Os embargos so cabveis, e devem ser apreciados, mesmo na hiptese em que os bens penhorados sejam de valor insuficiente para garantir o pagamento total da quantia cobrada. O credor poder pleitear o reforo da penhora, se for o caso, mas no se pode admitir que a execuo prossiga, com a expropriao dos bens penhorados, antes do julgamento dos embargos que tenham sido oportunamente interpostos.

    H, certo, quem sustente que os embargos s podem ser apreciados se estiver seguro o juzo com a penhora de bens bastantes para garantir a satisfao total do credor. Essa tese, porm, leva a duas concluses, que no so razoveis. Uma, a de que no ser possvel a satisfao parcial do

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    credor. Outra, a de que tal satisfao pode dar-se sem que ao devedor seja assegurado o direito de defesa quanto aos bens penhorados.

    A prevalecer a tese de que, em face da insuficincia dos bens para garantir a execuo, pode esta prosseguir sem o julgamento dos embargos, a Fazenda Pblica poder facilmente cobrar o tributo que quiser, sem que o contribuinte tenha chance de defesa. Basta fazer o lanamento de quantia que sabe superior ao patrimnio deste. Por mais arbitrrio que tenha sido o lanamento, no dispor o contribuinte do instrumento processual para defender-se contra a exigncia. Em se tratando de execuo fiscal a tese repleta de arbtrio, absurda sob todos os aspectos mas, por incrvel que parea, chegou a ser admitida at por integrantes do STJ, onde felizmente, a final, no prevaleceu.

    de grande importncia esclarecer que o Juiz, ao acolher os embargos, se o faz apenas em parte, no poder fazer um lanamento tributrio em substituio quele feito pela autoridade competente, que considerou incorreto. Assim, no poder determinar o prosseguimento da execuo pela diferena que considere devida.

    Por isto que at a deciso de primeira instncia a Certido de Dvida Ativa poder ser emendada ou substituda, assegurada ao executado a devoluo do prazo para embargos. (Lei n. 6.830/1980, art. 2o, 8o). No efetuada a emenda, ou a substituio, inadmissvel o prosseguimento da execuo para haver apenas parte da dvida.

    Admite-se, porm, nos casos em que a cobrana diga respeito a parcelas autnomas, como acontece, por exemplo, com a cobrana de imposto de renda de diferentes exerccios financeiros, prossiga a execuo pela parcela autnoma, considerada devida.

    A ao de execuo fiscal o instrumento que a ordem jurdica oferece Fazenda Pblica para haver seus crditos vale dizer, para forar seus devedores ao pagamento de suas dvidas, sejam tributrias ou no, desde que estas tenham sido apuradas regularmente e estejam inscritas como Dvida Ativa.

    No se trata de um instrumento a mais, e sim do instrumento especfico e nico destinado ao recebimento de todos os crditos cujos ttulos so constitudos pela prpria Fazenda Pblica, em procedimentos administrativos vale dizer, sem que seja necessrio o processo judicial de conhecimento.

    Questo relevante consiste em saber se a Fazenda Pblica, em face da decadncia de seu direito de constituir o crdito tributrio e no podendo, portanto, utilizar-se da execuo fiscal, mngua do ttulo executivo, que no constituiu , pode ingressar em juzo com processo de conhe-

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    cimento para a obteno daquele ttulo. A resposta a essa questo, segura- mente, negativa. Admitir-se tal possibilidade seria tomar inteis as normas fixadoras de prazos de decadncia e de prescrio (CTN, arts. 173 e 174). Extinto, pela decadncia, o direito de constituir o crdito tributrio est definitivamente extinto o prprio direito material consubstanciado na relao jurdica de tributao.

    4.2 Cautelarfiscal

    A cautelar fiscal tem por fim tomar indisponveis os bens do contribuinte. Foi instituda pela Lei n. 8.397, de 6.1.1992, sendo cabvel, nas hipteses indicadas pela lei, antes da propositura da execuo fiscal ou no curso desta.

    Entre as vrias hipteses de cabimento da cautelar fiscal, elencadas pela lei, uma merece destaque e seria, alis, suficiente: quando o contribuinte, notificado pela Fazenda Pblica para que proceda ao recolhimento de crdito fiscal vencido, deixa de pag-lo no prazo legal, salvo se garantida a instncia em processo administrativo ou judicial (art. 2o, inc. IV).

    A cautelar fiscal somente pode ser intentada contra sujeito passivo de crdito tributrio ou no tributrio, regularmente constitudo em procedimento administrativo (art. 2o). Em tal situao, com o crdito regularmente constitudo, pode a Fazenda Pblica credora promover a execuo fiscal e, assim, conseguir a penhora de bens. O pedido de cautelar, portanto, procedimento intil, que nada acrescenta como garantia do Tesouro Pblico. A no ser que se pretenda o deferimento da medida cautelar sem que exista crdito devidamente constitudo, o que seria absurdo.

    4.3 Ao rescisria

    Com o trnsito em julgado de sentena favorvel ao contribuinte proferida em ao anulatria de lanamento tributrio ou em ao declarat- ria, pode a Fazenda Pblica promover ao rescisria se ocorrer uma das hipteses de cabimento desta (CPC, art. 485), para a desconstituio do julgado que lhe tenha sido desfavorvel.

    Tratando-se de rescisria de acrdo proferido em ao anulatria de lanamento tributrio, quando julgada procedente tem-se restabelecido o lanamento - e, assim, o crdito por ele constitudo, que poder ser cobrado mediante ao de execuo fiscal, desde que no consumada a prescrio.

    Tratando-se de rescisria de acrdo proferido em ao declaratria, quando julgada procedente coloca-se a questo de saber se a Fazenda havia feito, ou no, o lanamento tributrio. Se no havia lanado e j decor-

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    reu o prazo de decadncia, a rescisria ter sido intil, pois j no ser possvel a constituio do crdito tributrio. Se j havia a Fazenda lanado e no promovera a cobrana por estar impedida de faz-lo pelo julgado agora rescindido, poder promover a execuo fiscal.

    Em nenhuma hiptese, porm, admite-se a execuo do acrdo proferido na ao rescisria como forma de execuo fiscal. Embora isto seja bvio, preciso ser dito, porque a Fazenda Nacional, tentando burlar as normas que estabelecem prazos de decadncia e de prescrio, j ingressou com execuo do acrdo que julgara procedente ao rescisria de acrdo proferido em ao declaratria de inexistncia de relao jurdica tributria. O Tribunal Regional Federal da 5a Regio, entretanto, acolheu exceo de pr-executividade na execuo assim promovida; e decidiu com acerto, porque o acrdo que julga procedente a rescisria proposta pela Fazenda Pblica no constitui crdito algum a favor desta.

    4.4 Ao anulatria de deciso administrativa favorvel ao contribuinte

    Talvez em breve esteja sendo colocada apreciao do Poder Judicirio a questo de saber se pode a Fazenda Pblica ingressar em juzo com ao ordinria pedindo a anulao de deciso administrativa favorvel ao contribuinte. O Parecer PGFN/CRJ-1.087, de 19.7.2004, da Procuradoria da Fazenda Nacional, sustenta essa possibilidade. Trata-se, porm, de tese teratolgica, como se pode facilmente demonstrar.

    Coloca-se desde logo a questo de saber quem ser o ru na ao em que a Fazenda Pblica pede a anulao de deciso de um rgo julgador da prpria Administrao Tributria. sabido que o ru aquele que resiste pretenso do autor, fazendo nascer a lide. A pretenso, no caso, a anulao da deciso administrativa. Assim, se a ao for proposta contra o contribuinte favorecido com a deciso administrativa, poder este alegar ilegitimidade passiva, porque no est resistindo pretenso da Fazenda vale dizer, nada est fazendo para impedir a anulao daquela deciso. E o Conselho de Contribuintes tambm no poder ser o ru, porque sequer tem personalidade jurdica.

    A nosso ver, a pretenso da Fazenda Pblica de promover ao para anular deciso dos Conselhos de Contribuintes revela a inteno de desmoralizar, certamente para justificar futura proposta de extino desses rgos de julgamento administrativo, que to relevantes servios prestam ao Pas na soluo de conflitos inevitveis na relao tributria.

    No temos dvida de que reduzir a instncia nica os julgamentos administrativos um retomo indesejvel Ditadura. Um incremento do autoritarismo em matria tributria, que ter como conseqncia o con-

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    gestionamento cada vez maior do Judicirio, com sua decorrente desmoralizao. a marcha silenciosa para a ditadura fiscal, inteiramente inadmissivel, que, somada elevao tambm inadmissvel da carga tributria, terminar por produzir uma espcie de desobedincia civil, que, por sua vez, poder levar o Pas supresso pura e simples do Estado de Direito.

    5. Aes de iniciativa do contribuinte

    5.1 Ao anulatria de lanamento tributrio

    A ao dita anulatria de lanamento tributrio recebeu essa denominao da doutrina em razo de seu objeto especfico, que o anulamento do procedimento administrativo de lanamento.

    A ao concerne ao processo de conhecimento e segue o rito ordinrio, da ser tambm usualmente chamada de ao ordinria. Em seu mbito o contribuinte exerce, da forma mais ampla possvel, o seu direito de defender-se contra exigncia indevida de tributo, posto que so cabveis todos os meios de prova admitidos em Direito, podem ser deslindadas todas as questes de fato e de direito, sem qualquer restrio.

    possvel, ainda, a propositura de ao contra a Fazenda Pblica para anular um ato praticado no procedimento de lanamento, como, por exemplo, o indeferimento do pedido de diligncias naquele procedimento, embora nesses casos tambm seja possvel a impetrao de mandado de segurana.

    5.2 Ao declaratria

    A ao declaratria concernente ao processo de conhecimento e segue o procedimento ordinrio. , portanto, tambm uma ao ordinria. Distingue-se da ao anulatria em razo do pedido. Naquela, pede-se o anulamento do procedimento administrativo de constituio do crdito tributrio. Nesta, pede-se apenas a declarao da existncia, da inexistncia ou do modo de ser de uma relao jurdica.

    O contribuinte, ao promover a ao declaratria, geralmente pede a declarao de inexistncia da relao jurdica tributria que ensejaria a cobrana do tributo. Seja pela inocorrncia do fato que seria gerador do tributo, seja pela invalidade da norma em que se funda a pretenso do fisco.

    Enquanto na ao anulatria de lanamento o Juiz afirma ou nega a relao jurdica tributria apenas como fundamento da deciso, na ao declaratria a afirmao da existncia ou da inexistncia da relao jurdica constitui a prpria deciso. Isto quer dizer que, na declaratria, a coisa julgada alcana o futuro, nas relaes jurdicas continuativas.

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    5.3 Ao de consignao em pagamento

    Nos termos do art. 164 do Cdigo Tributrio Nacional, a importncia do crdito tributrio pode ser consignada judicialmente nos casos de (a) recusa de recebimento, ou subordinao deste ao pagamento de outro tributo ou de penalidade, ou ao cumprimento de obrigao acessria; (b) subordinao do recebimento ao cumprimento de exigncias administrativas sem fundamento legal; (c) exigncia, por mais de uma pessoa jurdica de direito pblico, de tributo idntico sobre o mesmo fato gerador

    Atualmente rara a ocorrncia de situaes nas quais a Fazenda Pblica ponha obstculos ao pagamento de tributos, at porque as normas do prprio Cdigo Tributrio Nacional relativas aos efeitos do pagamento tornam sem sentido qualquer oposio. Se a Fazenda no estiver satisfeita com o pagamento, poder cobrar as diferenas que entender devidas.

    De todo modo, qualquer recusa, qualquer obstculo ao pagamento de tributo enseja a propositura da ao de consignao. Pagar no apenas um dever. tambm um direito, e seu exerccio h de estar garantido por uma ao, sem o qu no estaria garantido o direito jurisdio.

    Mesmo com a evoluo do comportamento fazendrio no sentido de no opor obstculo nenhum ao pagamento de tributo, remanesce a hiptese de exigncia do tributo por mais de uma pessoa jurdica de Direito pblico. Neste caso, para que o contribuinte esteja seguro de que est pagando bem, deve utilizar-se da consignatria. o caso, por exemplo, do imposto territorial quando colocada dvida quanto natureza do imvel, se urbano ou rural.

    5.4 Ao de repetio do indbito

    Ao de procedimento ordinrio, a ao de repetio do indbito caracteriza-se por seu objeto especfico. Nela o autor pede seja a Fazenda Pblica condenada a restituir tributo pago indevidamente.

    Nos termos do art. 165 do Cdigo Tributrio Nacional, cabvel a ao de repetio nos casos de (a) cobrana ou pagamento espontneo de tributo indevido ou maior que o devido; (b) erro na identificao do sujeito passivo e, ainda, (c) reforma, anulao, revogao ou resciso de deciso condenatria.

    O art. 166 do Cdigo Tributrio Nacional estabelece que a restituio de tributos que comportem, por sua natureza, transferncia do respectivo encargo financeiro somente ser feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de t-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a receb-lo.

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    Esse dispositivo, de rara infelicidade, tem ensejado a recusa do fisco em devolver o que lhe indevidamente pago e inspirado julgados dando pela improcedncia de aes de repetio. Invocam a equivocada classifi- cao dos tributos em diretos e indiretos, como se a repercusso do tributo fosse um fenmeno simples a viabilizar a comprovao exigida pelo art. 166 do Cdigo Tributrio Nacional.

    Entendido como obstculo restituio de tributo indevidamente pago, o art. 166 do CTN de flagrante inconstitucionalidade. forma indireta de violao da garantia de que nenhum tributo ser cobrado sem que tenha sido criado por lei. Lei vlida, obviamente. Qualquer forma de evitar a restituio do tributo indevidamente pago , sem dvida, validao de cobrana indevida, de cobrana ilegal, ou inconstitucional, que no pode ser tolerada pelos que respeitam o Direito e, sobretudo, a supremacia da Constituio.

    Esse dispositivo somente se aplica aos tributos cujo valor o contribuinte pode, por fora de autorizao legal, cobrar de terceiros. No em relao a impostos incidentes sobre vendas de mercadorias ou servios, dos quais o contribuinte o vendedor, e o comprador no est obrigado a suportar o nus correspondente.

    No se presta para resolver essa questo a assertiva, to difundida quanto equivocada, de que o comprador sempre paga o imposto sobre vendas, pois este vem embutido no preo do bem ou do servio. Na verdade s se pode afirmar que ocorre a cobrana do imposto do consumidor quando o preo seja estabelecido sem o imposto e a lei autorize a cobrana deste, alm do preo, como acontece, por exemplo, nos Estados Unidos, com o sales taxes. No Brasil, se um comerciante anunciar o preo de um produto e depois pretender cobrar o imposto do adquirente, este se pode recusar a pagar o imposto, porque a lei no autoriza tal cobrana.

    H quem entenda que a propositura da ao de repetio do indbito deve ser antecedida de pedido de restituio na via administrativa. Assim j entendeu, em vrios julgados, o antigo TFR.

    O direito de pleitear a restituio extingue-se em cinco anos, contados da data da extino do crdito tributrio, nos casos de pagamento indevido sem que tenha havido questionamento. Ou da data em que se tomar definitiva a deciso administrativa, ou passar em julgado a deciso judicial, que tenha reformado, anulado, revogado ou rescindido a deciso condena- tria em face da qual o pagamento foi efetuado.

    relevante salientar que, em se tratando de lanamento por homologao, o pagamento no extingue desde logo o crdito tributrio. Tal extino fica a depender da homologao do lanamento, e s a partir da que comea o prazo extintivo do direito repetio.

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    Por outro lado, se o pedido de restituio tiver como fundamento a inconstitucionalidade da lei que instituiu ou aumentou o tributo, o prazo extintivo do direito repetio somente comea na data em que publicada a deciso definitiva do Supremo Tribunal Federal que declara aquela inconstitucionalidade.

    5.5 Mandado de segurana

    O mandado de segurana uma garantia constitucional do cidado contra o Poder Pblico. Est previsto no art. 5o, inciso LXIX, da vigente Constituio Federal e regulado pela Lei n. 1.533, de 31.12.1951.

    O mandado de segurana pode ser impetrado pelo contribuinte desde que tenha (a) um direito lquido e certo (b) lesado ou ameaado por ato de autoridade.

    Direito lquido e certo, protegvel mediante mandado de segurana, aquele cuja demonstrao independe de prova. Sabe-se que todo direito (subjetivo) resulta da incidncia de uma norma. Resulta, pois, do binmio norma-fato. Para que o direito seja lquido e certo basta que o fato do qual resulta seja incontroverso. A controvrsia quanto norma no lhe retira a liquidez e certeza.

    O mandado de segurana pode ser impetrado para atacar o ato lesivo ou a ameaa de sua prtica. Neste ltimo caso diz-se que a impetrao preventiva.

    A doutrina tem afirmado que a impetrao preventiva s admissvel com a prova da ameaa, e isto tem gerado equvocos na apreciao do mandado de segurana em matria tributria. Como em grande nmero de impetraes preventivas o contribuinte ataca a futura exigncia de tributo fundada em lei inconstitucional, tem-se dito que tais impetraes voltam- se contra a lei em tese.

    Impetrao contra a lei em tese, porm, no se confunde com impetrao preventiva. Se a lei j incidiu, ou se j foram praticados fatos importantes configurao de sua hiptese de incidncia, a impetrao j possvel, e tem carter preventivo, posto que a exigncia do tributo ainda no ocorreu. No h necessidade de comprovar a ameaa de tal exigncia porque, sendo a atividade de lanamento vinculada e obrigatria, no razovel presumir-se que a autoridade vai deixar de pratic-la. Pelo contrrio, presume-se que ela vai cumprir a lei e, assim, fazer o lanamento. Da o justo receio justificador da impetrao preventiva.

    Impetrao contra a lei em tese a que ataca a norma abstratamente. Norma que no incidiu. Se a norma no incidiu no se pode falar em direito subjetivo do impetrante. E neste caso incabvel no apenas o mandado

  • 480 CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    de segurana, mas a propositura de qualquer ao, posto que sem a concreo do direito no pode haver atividade jurisdicional.

    Contra a lei em tese apenas cabvel ao direta de controle de constitucionalidade, que a rigor no tem natureza jurisdicional, mas legislativa.

    5.6 Ao rescisria

    Com o trnsito em julgado de sentena favorvel Fazenda Pblica em qualquer ao na qual tenha sido discutida questo tributria, pode o contribuinte promover ao rescisria do julgado se ocorrer uma das hipteses de cabimento desta (CPC, art. 485).

    A ao rescisria especialmente til para os casos em que a jurisprudncia no Superior Tribunal de Justia ou no Supremo Tribunal Federal se tenha firmado a favor do contribuinte mas a ao por ele promovida no tenha chegado instncia especial ou extraordinria, mngua da interposio ou do conhecimento do recurso respectivo.

    6. Aes de controle de constitucionalidade

    6.1 O controle de constitucionalidade pelo Judicirio

    No Direito brasileiro existem duas formas de controle de constitucionalidade das leis pelo Poder Judicirio, a saber, o controle por via de exceo, ou indireto, e o controle por via de ao, ou controle direto. O primeiro exercido por qualquer rgo do Poder Judicirio, enquanto o segundo cabe exclusivamente ao Supremo Tribunal Federal, no plano da legislao federal, e aos Tribunais de Justia dos Estados, no plano da legislao estadual e municipal.

    Qualquer Juiz ou Tribunal, ao apreciar uma questo, pode e deve deixar de aplicar uma lei se a considera inconstitucional. O saber se uma lei inconstitucional coloca-se como questo incidental que pode ser suscitada em qualquer processo. Nos Tribunais, somente o rgo plenrio, por maio- ria absoluta de seus membros, pode declarar a inconstitucionalidade. Assim, se um rgo fracionrio acolhe a argio de inconstitucionalidade de uma lei, suspende o julgamento da causa e submete ao plenrio a deciso da questo incidental.

    O controle difuso, ou controle por via de exceo, exercido por todo o Poder Judicirio. Qualquer rgo jurisdicional est habilitado a resolver a questo relativa ao respeito da supremacia constitucional, e todas essas questes podem terminar no Supremo Tribunal Federal, pela via do recurso extraordinrio que, por isto mesmo, tem enorme importncia.

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    A Emenda Constitucional n. 45/2004 acrescentou o 3o ao art. 102 da CF, estabelecendo que uno recurso extraordinrio o recorrente dever demonstrar a repercusso geral das questes constitucionais discutidas no caso, nos termos da lei, a fim de que o Tribunal examine a admisso do recurso, somente podendo recus-lo pela manifestao de dois teros de seus membros. Cuida-se de importante passo no controle do arbtrio estatal contra o contribuinte, posto que dificulta a denegao de jurisdio constitucional pela Corte Maior, muita vez emperrada, data maxima vnia, por questinculas processuais.

    O controle direto, ou concentrado, ou controle por via de ao, exercido com exclusividade pelo Supremo Tribunal Federal, atravs da ao direta de inconstitucionalidade e da ao declaratria de constituciona- lidade (Constituio Federal, art. 102, inc. 1, alnea a, com redao que lhe deu a Emenda Constitucional n. 3, de 17.3.1993).

    No se trata de aes, em rigoroso sentido processual, posto que no se prestam para provocar a atividade jurisdicional do Estado. Ao julg-las, o Supremo Tribunal Federal desenvolve atividade tipicamente legislativa. Por isto as normas e princpios do processo no so de obrigatria aplicao.

    importante observar que a ao de controle de constitucionalidade das leis tem como objeto a prpria lei, a lei em tese, e no diz respeito esta ou quela situao concreta em que esta esteja sendo aplicada. Diz respeito ao direito-norma, ou direito objetivo, e no ao direito efeito da norma, ou direito subjetivo. Desatento, talvez, a este aspecto, o Supremo Tribunal Federal j afirmou a inconstitucionalidade de dispositivos de lei em certos casos, e a constitucionalidade desses mesmos dispositivos de lei para outros casos.

    Evidentemente, um mesmo dispositivo de lei no pode ser constitucional e inconstitucional ao mesmo tempo. Se pode ser considerado constitucional, quando aplicado em determinado caso, no h de ter declarada sua inconstitucionalidade, pois como norma no inconstitucional. Poder ser inconstitucional o ato de sua aplicao a certos casos. No o dispositivo, em tese.

    Por isto mesmo o Supremo Tribunal Federal j afirmou, com inteira razo, que a questo de saber se h ou no, em determinado caso, um direito adquirido a ser preservado, no necessariamente uma questo de constitucionalidade da lei. Pode ocorrer que a lei nada estabelea a respeito do direito intertemporal, e, neste caso, sua aplicao a situaes em que h direito adquirido que pode ser inconstitucional, e no a norma aplicada. A questo somente ser de inconstitucionalidade da lei se ela prpria determina sua aplicao contrariando direitos adquiridos.

  • 482 CURSO DE D1REJTO TRJBUTRIO

    Se uma lei que aumenta a alquota do imposto de renda contm dispositivo determinando sua aplicao a fatos geradores j consumados ser inconstitucional nessa parte, em que determina sua aplicao retroativa. Se, porm, no estabelece essa retroatividade, mas aplicada a fatos geradores j consumados, inconstitucional ser apenas o ato de aplicao. No a lei.

    No controle direto de constitucionalidade o que se faz o exame da conformidade ou no de uma norma com a Constituio. O que se faz a verificao da existncia ou no de conflitos entre normas em tese. Essa verificao h de ser feita tendo-se em vista as duas normas, a da lei e a da Constituio, sem que se leve em conta a situao concreta em que incidem. A incidncia da norma absolutamente estranha ao exame de sua constitucionalidade.

    Por isto mesmo a utilizao, no controle da constitucionalidade das leis, de critrios prprios da atividade jurisdicional, ou de afirmao do direito no caso concreto, no pode levar a resultados satisfatrios.

    6.2 Ao direta de inconstitucionalidade

    Compete ao Supremo Tribunal Federal a guarda da Constituio, ca- bendo-lhe: 1 processar e julgar, originariamente: a) a ao direta de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo federal ou estadual e a ao declaratria de constitucionalidade de lei ou ato normativo federal (CF, art. 102, inc I, alnea a). A rigor, no se trata de aes, no sentido jurdico processual, posto que no dizem respeito aplicao do Direito ao caso concreto, mas manifestao da Corte Maior a respeito da adequao entre a norma inferior e a norma superior. Cuida-se, pois, de um instrumento atravs do qual o Supremo Tribunal Federal provocado a manifestar-se a respeito da observncia, ou no, da supremacia constitucional pelo legislador.

    No obstante no se esteja diante de aes, a elas de algum modo so aplicveis, mngua de outros, as normas e os princpios do Direito Processual, bem como os conceitos elaborados pela doutrina nesse ramo do Direito. Por isto mesmo que se diz existirem duas aes, em vez de um nico instrumento de provocao da manifestao da Corte Maior a respeito da observncia, ou no, da hierarquia normativa.

    Uma das noes do Direito Processual, alis, a que impe a separao entre ao direta de inconstitucionalidade e ao declaratria de constitucionalidade. Diz-se que a ao caracteriza-se pelo pedido. Assim, a ao direta de inconstitucionalidade caracteriza-se pelo pedido de declarao de inconstitucionalidade que seu autor dirige ao Supremo Tribunal Federal. Com a Emenda Constitucional n. 45, de 8.12.2004, a disciplina cons-

  • PROCESSO JU DICIAL TRIBUTRIO 483

    titucional da ao direta de inconstitucionalidade e da ao declaratria de constitucionalidade foi uniformizada, de sorte que a distino entre elas, na verdade, consiste apenas no pedido.

    So legitimados para a propositura da ao direta de inconstitucionalidade e tambm da ao declaratria de constitucionalidade:

    a) o Presidente da Repblica;b) a Mesa do Senado Federal;c) a Mesa da Cmara dos Deputados;d) a Mesa de Assemblia Legislativa ou da Cmara Legislativa do

    Distrito Federal;e) o Governador de Estado ou do Distrito Federal;f) o Procurador-Geral da Repblica;g) o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil;h) partido poltico com representao no Congresso Nacional;i) confederao sindical ou entidade de classe de mbito nacional.O Procurador-Geral da Repblica dever ser previamente ouvido nas

    aes de inconstitucionalidade, assim como em todos os processos de competncia do Supremo Tribunal Federal (CF, art. 103, l).

    Na ao direta de inconstitucionalidade ser citado o Advogado-Geral da Unio, que defender o ato ou texto impugnado (CF, art. 103, 3o). Esse dever de contestar a ao constitui um contra-senso nos casos em que a ao tenha sido proposta pelo Presidente da Repblica.

    As decises definitivas de mrito, proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, nas aes diretas de inconstitucionalidade e nas aes decla- ratrias de constitucionalidade produziro eficcia contra todos e efeito vinculante, relativamente aos demais rgos do Poder Judicirio e Administrao Pblica direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal (CF, art. 102, 2o).

    Antes o efeito vinculante era atribudo somente s decises proferidas nas aes declaratrias de constitucionalidade. Tal discriminao era inteiramente injustificada, e foi afastada pela Emenda Constitucional n. 45, que alterou a redao do art. 102, 2, da CF, atribuindo efeito vinculante tambm s decises proferidas nas aes diretas de inconstitucionalidade. Um passo importante no controle do arbtrio estatal no campo da tributao, expresso em leis tributrias inconstitucionais.

    6.3 Ao declaratria de constitucionalidade

    Com a Emenda Constitucional n. 3, de 17.3.1993, foi introduzida no Direito brasileiro a ao declaratria de constitucionalidade.

  • 484 CURSO DE DIREITO TRIBUTRIO

    t m legitimidade para promov-la:a) o Presidente da Repblica;b) a Mesa do Senado Federal;c) a Mesa da Cmara dos Deputados;d) o Procurador-Geral da Repblica.Esto legitimados para promover a ao declaratria de constitucio

    nalidade os mesmos que podem promover a ao direta de inconstitucionalidade.

    Parte da doutrina aponta na ao declaratria de constitucionalidade aspectos negativos. Seria um instrumento do autoritarismo.

    Consideramos, todavia, extremamente positivo o novo instrumento de controle de constitucionalidade, na medida em que se presta para evitar grande nmero de processos inteiramente inteis.

    Editada uma lei tributria que os contribuintes reputam inconstitucional, o que se tem visto uma enorme quantidade de aes atacando a exigncia. Os Juizes e os Tribunais geralmente divergem, e, seja qual for o sentido das decises, a parte vencida sempre recorre, cabendo, a final, ao Supremo Tribunal Federal decidir em carter definitivo.

    diante de tais divergncias que se toma possvel a propositura da ao declaratria de constitucionalidade, que vai permitir ao Supremo Tribunal Federal decidir a questo de saber se h, ou no, a questionada in- constitucionalidade. E como sua deciso tem efeito vinculante, por fim a todas as questes a ela concernentes, contribuindo para o descongestionamento do Judicirio e para a realizao de tratamento isonmico a todos os contribuintes.

    6.4 Diferena entre as aes de controle de constitucionalidade

    Embora tenham a mesma natureza, as aes diretas de controle de constitucionalidade, como esto na vigente Constituio Federal, distinguem-se no tocante legitimao para a respectiva propositura e tambm pelos efeitos de suas decises. Como a norma introduzida pela Emenda n. 3 refere-se a efeito vinculante, o Supremo Tribunal Federal tem entendido que na declaratria de constitucionalidade o efeito obriga a todos como se todos fossem parte no processo, de sorte que a inobservncia do preceito contido na deciso enseja reclamao diretamente ao prprio Supremo Tribunal Federal. J a deciso proferida em ao declaratria de inconstitu- cionalidade tem efeito contra todos como o tem uma lei. Sua inobservncia tem o mesmo tratamento que tem a inobservncia de uma lei. No autoriza reclamao ao Supremo Tribunal Federal. O prejudicado tem que utilizar

  • PROCESSO JUDICIAL TRIBUTRIO 485

    uma ao, como utilizaria no caso de violao de uma lei, sujeitando-se a percorrer todas as instncias do Judicirio.

    7. Aes da coletividade

    7.1 Ao popular

    Regulada pela Lei n. 4.717, de 29.6.1965, e alada ao plano da Constituio Federal, a ao popular um instrumento que a ordem jurdica oferece ao cidado para a defesa do patrimnio pblico. Pode ser proposta por qualquer cidado, condio que se comprova com o ttulo de eleitor

    Prestando-se para o anulamento de qualquer ato lesivo ao patrimnio, pode ser utilizada para anular atos ilegais concessivos de favores, como iseno tributria, anistia, redues de alquotas, ou qualquer forma de privilgios.

    A ilegalidade ensejadora da ao popular no apenas a violao de dispositivo expresso. Tambm ilegal o ato que, embora aparentemente obediente lei, praticado com desvio de finalidade. A ilegalidade abrangente da imoralidade.

    A ao popular de grande importncia porque os atos administrativos que favorecem o contribuinte no so por este questionados, por razo bvia. A Fazenda Pblica no pode ir a Juzo questionar a legalidade de seus prprios atos, o que inviabiliza a ao de seus rgos de representao judicial.

    O anulamento do ato ilegal pelas prprias autoridades da Administrao Tributria, embora em princpio seja possvel, geralmente no acontece, pelas mesmas razes que inspiraram a prtica ilegal.

    Assim, a ao popular pode ser um excelente instrumento para dar oportunidade ao cidado de pedir o anulamento de tais atos ilegais ao Poder Judicirio.

    7.2 Ao civil pblica

    A ao civil pblica regulada pela Lei n. 7.347, de 24.7.1985; pode ser proposta por uma associao que tenha sido constituda h pelo menos um ano e tenha entre suas finalidades institucionais a proteo ordem econmica e a livre concorrncia, posto que tanto uma como a outra podem ser afetadas pela cobrana de um tributo indevido, e ainda, em casos especiais, pelo Ministrio Pblico.

    O Supremo Tribunal Federal, em recursos extraordinrios, j declarou inconstitucional a taxa de iluminao pblica (Informativo STF 141).

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    Entretanto, nos casos em que foi provocado para decidir a questo processual da legitimidade, considerou o Ministrio Pblico parte ilegtima para promover a ao civil pblica contra a cobrana de tributo inconstitucional.

    Mesmo assim, pode-se esperar que a Corte Maior modifique tal entendimento se lhe for colocada a questo da legitimidade do Ministrio Pblico luz da tese, que defendemos, segundo a qual os direitos individuais disponveis, quando sejam homogneos e com expresso individual diminuta, incapaz de estimular seus titulares a defend-los individualmente, devem ter o mesmo tratamento dos direitos e interesses sociais e difusos.

    Realmente, no caso de tributos como a taxa de iluminao pblica, diante de cobrana de valor diminuto, no se sentem motivados para a defesa de seu direito, at porque a despesa com essa defesa consideravelmente maior do que o valor do tributo indevido. Entretanto, considerada a expresso global desse tributo, tem-se que o gravame sociedade justifica a atuao do Ministrio Pblico, pois a este cabe exatamente a defesa daqueles interesses e direitos difusos e coletivos, que no podem ser defendidos individualmente.

    As associaes civis constitudas h mais de um ano e que tenham entre suas finalidades institucionais a defesa da ordem econmica ou da livre concorrncia podem promover ao civil pblica em matria tributria, desde que demonstrem que o tributo contra o qual se insurgem afeta a ordem econmica ou a livre concorrncia.

    certo que a Medida Provisria n. 2.180-35, de 24 de agosto de 2001, introduziu um pargrafo nico no art. l da Lei n. 7.347/1985, estabelecendo que no ser cabvel ao civil pblica para veicular pretenses que envolvam tributos, contribuies previdencirias, o Fundo de Garantia do Tempo de Servio FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos benefcios podem ser individualmente determinados. Ocorre que esse dispositivo de flagrante inconstitucionalidade, pois institui um injustificvel privilgio para o Fisco.

    Realmente, como j aqui afirmamos, podem ocorrer situaes nas quais o valor econmico do direito individual de cada contribuinte no justifica o ingresso em juzo, embora a repercusso do tributo ilegal ou inconstitucional seja de grande significado para a coletividade. Excluir o cabimento da ao civil pblica em tais casos, assim como negar legitimidade ao Ministrio Pblico, negar coletividade prejudicada o direito jurisdio.