Processo Justiça Federal - Edberto Quental

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PROCESSO Nº: 0800046-63.2015.4.05.8306 - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL RÉU: JOSE EDBERTO TAVARES DE QUENTAL ADVOGADO: MARCO ANTONIO VELOSO SOARES (e outro) 25ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR SENTENÇA I - RELATÓRIO Trata-se de ação civil pública, por ato de improbidade administrativa, proposta pelo MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do ex-prefeito do Município de Condado/PE, JOSÉ EDBERTO TAVARES DE QUENTAL, devidamente qualificado nos autos, por conduta que, supostamente, se enquadra no art. 10, caput e inciso X, ou no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92). Consta da inicial que o demandado, na condição de prefeito do Município de Condado/PE, no ano de 2007, deixou de recolher aos cofres da Previdência Social (RGPS) o montante de R$ 1.041.545,39 (um milhão, quarenta e um mil, quinhentos e quarenta e cinco reais e trinta e nove centavos), sendo R$ 319.551,89 (trezentos e dezenove mil, quinhentos e cinquenta e um reais e oitenta e nove centavos) relativos às contribuições de servidores sobre a remuneração retidas na fonte, e R$ 721.993,50 (setecentos e vinte e um mil, novecentos e noventa e três reais e cinquenta centavos) referentes às contribuições patronais, consoante a conclusão exarada na Prestação de Contas nº TCE-PE nº 0810062-7. Narra a parte autora que a Receita Federal procedeu à constituição definitiva do crédito tributário, por meio das NFLDs Debcad números 372453490 e 372453503, tendo o Município de Condado/PE requerido o parcelamento dos referidos débitos, conforme o processo administrativo nº 14770.720014/2013-60, com retenção dos valores das prestações do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O Ministério Público Federal defende, ainda, que a conduta do réu implica a prática de atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário (Art. 10, caput e inciso X, da Lei nº 8.429/92), bem como, subsidiariamente, atos de improbidade que atentam contra os princípios da administração pública, em face da previsão do art. 11, caput e inciso II, da Lei nº 8.429/92. Foram apresentados os documentos relativos ao processo de Prestação de Contas nº TCE-PE nº 0810062-7 (Id. 901.614 ao 901.768), bem como os concernentes à Notícia de Fato (Id. 901.789 ao 901.806). Devidamente notificado para oferecer manifestação por escrito (Art. 17, §7º, da Lei nº 8.429/92), o demandado deixou transcorrer in albis o prazo para cumprimento do mister (Id. 1.088.507).

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PROCESSO Nº: 0800046-63.2015.4.05.8306 - AÇÃO CIVIL DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA AUTOR: MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL

RÉU: JOSE EDBERTO TAVARES DE QUENTAL

ADVOGADO: MARCO ANTONIO VELOSO SOARES (e outro)

25ª VARA FEDERAL - JUIZ FEDERAL TITULAR

SENTENÇA

I - RELATÓRIO

Trata-se de ação civil pública, por ato de improbidade administrativa, proposta pelo

MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL em face do ex-prefeito do Município de

Condado/PE, JOSÉ EDBERTO TAVARES DE QUENTAL, devidamente qualificado

nos autos, por conduta que, supostamente, se enquadra no art. 10, caput e inciso X, ou

no art. 11 da Lei de Improbidade Administrativa (Lei nº 8.429/92).

Consta da inicial que o demandado, na condição de prefeito do Município de

Condado/PE, no ano de 2007, deixou de recolher aos cofres da Previdência Social

(RGPS) o montante de R$ 1.041.545,39 (um milhão, quarenta e um mil, quinhentos e

quarenta e cinco reais e trinta e nove centavos), sendo R$ 319.551,89 (trezentos e

dezenove mil, quinhentos e cinquenta e um reais e oitenta e nove centavos) relativos às

contribuições de servidores sobre a remuneração retidas na fonte, e R$ 721.993,50

(setecentos e vinte e um mil, novecentos e noventa e três reais e cinquenta centavos)

referentes às contribuições patronais, consoante a conclusão exarada na Prestação de

Contas nº TCE-PE nº 0810062-7.

Narra a parte autora que a Receita Federal procedeu à constituição definitiva do crédito

tributário, por meio das NFLDs Debcad números 372453490 e 372453503, tendo o

Município de Condado/PE requerido o parcelamento dos referidos débitos, conforme o

processo administrativo nº 14770.720014/2013-60, com retenção dos valores das

prestações do Fundo de Participação dos Municípios (FPM).

O Ministério Público Federal defende, ainda, que a conduta do réu implica a prática de

atos de improbidade administrativa que causaram prejuízo ao erário (Art. 10, caput e

inciso X, da Lei nº 8.429/92), bem como, subsidiariamente, atos de improbidade que

atentam contra os princípios da administração pública, em face da previsão do art. 11,

caput e inciso II, da Lei nº 8.429/92.

Foram apresentados os documentos relativos ao processo de Prestação de Contas nº

TCE-PE nº 0810062-7 (Id. 901.614 ao 901.768), bem como os concernentes à Notícia

de Fato (Id. 901.789 ao 901.806).

Devidamente notificado para oferecer manifestação por escrito (Art. 17, §7º, da Lei nº

8.429/92), o demandado deixou transcorrer in albis o prazo para cumprimento do mister

(Id. 1.088.507).

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A União manifestou seu desinteresse em integrar a lide (Id. 1.178.811).

Decisão exarada no id. 1.310.283 recebeu a petição inicial e determinou a citação do

réu.

Citado, o réu apresentou contestação (Id. 1.403.624), em que aduziu, em síntese: (i) ao

assumir a administração municipal, em janeiro de 2005, deparou-se com situação de

desmando e desorganização de grande proporção, como também dificuldades

financeiras; (ii) diante do quadro relatado, priorizou a liquidação dos débitos

remanescentes da administração anterior relativos à folha de pagamento de pessoal; (iii)

priorizou, ainda, com aportes financeiros mensais o Regime Próprio de Previdência

(RPPS); (iv) havia comprometimento mensal da receita do município da ordem de 9%

(nove por cento), destinado ao pagamento de parcelamentos realizados com o INSS,

CELPE, COMPESA, Telefonia, FUNPRECON, Precatórios, PASEP e outros, além dos

gastos administrativos em geral, estes, da ordem de 40% (quarenta por cento) da receita;

(v) houve oscilação da receita, no tocante aos repasses do Fundo de Participação dos

Municípios (FPM), única fonte de recursos financeiros, e redução do fator de 1.4 para

1.2; (vi) que o parcelamento do débito previdenciário abrangeu dívida, inclusive, do ano

de 2003.

Designada audiência de instrução e julgamento, foram ouvidas as testemunhas Ivadelci

Hipólito de Medeiros Filho e Tatiana Gomes da Silva, bem como tomado o depoimento

pessoal do réu (Id. 1.852.232).

O Ministério Público Federal apresentou razões finais, consoante o identificador

1.881.578.

É o relatório

II - FUNDAMENTAÇÃO

O cerne da presente lide reside em saber se a conduta do réu, consistente em efetuar os

descontos das contribuições previdenciárias das remunerações pagas aos servidores,

sem o devido repasse à Previdência, como também o não recolhimento das

contribuições patronais, configurou ato de improbidade administrativa, a merecer as

reprimendas contidas na Lei nº 8.429/92. Veja-se.

A Carta da República, no art. 37, caput, dispõe que a administração pública direta e

indireta deve obedecer aos princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade,

da publicidade e da eficiência, estabelecendo, no § 4º do mesmo dispositivo, que "os

atos de improbidade administrativa importarão a suspensão dos direitos políticos, a

perda da função pública, a indisponibilidade dos bens e o ressarcimento ao erário, da

forma e gradação previstas em lei, sem prejuízo da ação penal cabível".

Sabe-se que o conceito de improbidade, assim denominado pela Carta Magna o ato

lesivo à moralidade administrativa, está intimamente ligado à necessidade de o agente

público agir sempre, impreterivelmente, com honestidade e em atendimento aos

interesses públicos, sem aproveitar-se indevidamente dos poderes e facilidades que lhes

são conferidos no exercício de mandato, função, emprego ou cargo público.

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Segundo Maria Sylvia Zanella di Pietro, para que o ato de improbidade administrativa

possa acarretar a aplicação das medidas sancionatórias presentes no art. 37, § 4.º, da

CR/88, devem estar presentes determinados elementos, quais sejam: o sujeito passivo

ser uma das entidades mencionadas no art. 1.º da Lei n.º 8.429/92; o sujeito ativo ser um

agente público ou terceiro que induza ou concorra para a prática de ato de improbidade

ou dele se beneficie; a ocorrência de ato danoso causador de enriquecimento ilícito para

o sujeito ativo, prejuízo para o erário ou atentado contra os princípios da Administração

Pública e a presença de elemento subjetivo: dolo ou culpa.[1]

Analiso a presença desses componentes no caso em tela.

O art. 1º da Lei n.º 8.429/92 explicita quais os entes administrativos passíveis de sofrer

a prática de um ato de improbidade:

Art. 1° Os atos de improbidade praticados por qualquer agente público, servidor ou

não, contra a administração direta, indireta ou fundacional de qualquer dos Poderes

da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios, de Território, de empresa

incorporada ao patrimônio público ou de entidade para cuja criação ou custeio o

erário haja concorrido ou concorra com mais de cinqüenta por cento do patrimônio ou

da receita anual, serão punidos na forma desta lei.

Parágrafo único. Estão também sujeitos às penalidades desta lei os atos de

improbidade praticados contra o patrimônio de entidade que receba subvenção,

benefício ou incentivo, fiscal ou creditício, de órgão público bem como daquelas para

cuja criação ou custeio o erário haja concorrido ou concorra com menos de cinqüenta

por cento do patrimônio ou da receita anual, limitando-se, nestes casos, a sanção

patrimonial à repercussão do ilícito sobre a contribuição dos cofres públicos.

Observe-se que aí estão relacionados os órgãos da administração direta, à qual pertence

a municipalidade pretensamente atingida pelas irregularidades elencadas na exordial.

A mesma lei dispõe, nos arts. 2º e 3º, aqueles que podem ser sujeito ativo do ato de

improbidade administrativa:

Art. 2° Reputa-se agente público, para os efeitos desta lei, todo aquele que exerce,

ainda que transitoriamente ou sem remuneração, por eleição, nomeação, designação,

contratação ou qualquer outra forma de investidura ou vínculo, mandato, cargo,

emprego ou função nas entidades mencionadas no artigo anterior.

Art. 3° As disposições desta lei são aplicáveis, no que couber, àquele que, mesmo não

sendo agente público, induza ou concorra para a prática do ato de improbidade ou dele

se beneficie sob qualquer forma direta ou indireta.

Aperfeiçoado igualmente esse requisito, vez que o réu era, à época da ocorrência dos

atos descritos na vestibular, prefeito do município de Condado/PE, fato incontroverso

nos presentes autos.

Resta, assim, apurar a ocorrência dos demais elementos, quais sejam: a ocorrência do

ato ímprobo e a prática deste com dolo ou culpa, conforme o tipo de improbidade.

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Sabe-se que, nos termos do disposto nos arts. 9º, 10 e 11 da Lei nº 8.429/92, os atos de

improbidade administrativa compreendem 3 (três) modalidades, quais sejam: a) os que

importem enriquecimento ilícito; b) os que causam prejuízo ao erário; c) os que atentam

contra os princípios da Administração Pública.

In casu, pretende-se a imputação aos demandados de ato de improbidade causador de

dano ao erário, previsto na primeira parte do art. 10, caput e inciso X, e do art. 11, caput

e inciso II, da Lei de Improbidade Administrativa. In verbis:

"Art. 10. Constitui ato de improbidade administrativa que causa lesão ao erário

qualquer ação ou omissão, dolosa ou culposa, que enseje perda patrimonial, desvio,

apropriação, malbaratamento ou dilapidação dos bens ou haveres das entidades

referidas no art. 1º desta lei, e notadamente:

(...)

X - agir negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz

respeito à conservação do patrimônio público;

(...)

"Art. 11. Constitui ato de improbidade administrativa que atenta contra os princípios

da administração pública qualquer ação ou omissão que viole os deveres de

honestidade, imparcialidade, legalidade, e lealdade às instituições, e notadamente:

(...)

II - retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício".

No caso dos autos, a acusação do Ministério Público acerca da omissão quanto ao

repasse das contribuições previdenciárias descontadas dos servidores do município,

como também a parcela patronal, trata-se de ponto incontroverso, uma vez que o

próprio demandado reconhece a ilicitude do ato, embora não lhe atribuam a qualidade

de ímprobo.

Extrai-se dos autos que, de fato, foram efetuados descontos de contribuições

previdenciárias na folha de pagamento dos servidores do município de Condado/PE,

sem o devido recolhimento aos cofres da Previdência Social, bem como não foram

recolhidas contribuições patronais. É o que se verifica das NFLDs Debcad números

37245349-0 e 372453503.

Infere-se que o município, à época dos fatos, possuía regime próprio de previdência, vez

que este fora implantado no ano de 2003. Contudo, as irregularidades constatadas

referem-se tanto a contribuições de servidores sem vínculo efetivo, que não integram o

RPPS (FUNPRECON), como também aquelas relativas ao regime geral (RGPS). Estas,

objeto da presente ação.

Caracterizada, portanto, a ilicitude praticada, resta averiguar se a referida conduta

possui o condão de caracterizar-se como ato de improbidade administrativa, nos moldes

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previstos no art. 10, caput e inciso X, e art. 11, inciso II, da Lei de Improbidade

Administrativa.

No que concerne ao art. 10, que define o ato de improbidade que acarrete lesão ao

erário, não obstante a gravidade da conduta praticada, há que se reconhecer a não

ocorrência de dano patrimonial aos cofres da Previdência, tendo em vista a existência de

parcelamento do débito pelo município junto à Receita Federal do Brasil, na esteira dos

posicionamentos doutrinário e jurisprudencial a respeito da questão:

Além da ilegalidade, é requisito de sua configuração a ocorrência de efetivo dano

material aos cofres públicos. Nem o prejuízo presumido nem o dano moral serve para

sua caracterização. Pelo contrário, sem a prova da perda patrimonial certa não se

verifica esse tipo de improbidade administrativa, restando ao autor da ação civil

respectiva responsabilizar o agente público, desde que comprove que sua conduta

funcional antijurídica infringiu os princípios constitucionais reguladores da

Administração Pública, por violação do art. 11 da LIA.[2]

Nesse sentido, a RFB, por meio do Ofício nº 946/2014, de 02/12/2014 (Id. 901.806),

informou que o município de Condado/PE requereu, em 26/03/2013, e foi deferido o

parcelamento da totalidade dos débitos, com adimplemento das parcelas por meio de

retenção de valores do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), na forma do caput

do art. 1º da Lei nº 12.810/2013.

Não se trata, ademais, de condutas que possam ser enquadradas na hipótese do ato de

improbidade administrativa inserto no inciso X do art. 10, da Lei nº 8.429/92: "X - agir

negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito à

conservação do patrimônio público;"

É que não se cuida de arrecadação de crédito tributário do município, mas de crédito

previdenciário. Em que pese a previsão dos artigos 15, inciso I, e 30, inciso I, "a", da

Lei 8.212/91, o sujeito ativo da obrigação tributária é a União. O município, equiparado

a empresa para essa finalidade, é apenas o responsável tributário.

Veja-se o precedente:

"Processual Civil e Administrativo. Recurso do demandante, em ação civil pública por

improbidade administrativa, buscando a condenação do demandado, ex-prefeito de

Palmares, por omissão no recolhimento de contribuições previdenciárias, na invocação

do art. 10, inc. X, e subsidiariamente, no art. 11, inc. II, da Lei 8.429, de 1992, ante

decisão que indefere a inicial, por já ter o município celebrado acordo de parcelamento

com a Previdência, não subsistindo prejuízo ao erário federal. A omissão no

recolhimento de contribuições previdenciárias não se encaixe no art. 10, inc. X, da

Lei 8.429, nem tampouco, no art. 11, inc. II. Primeiramente, várias pedras se colocam

no caminho da pretensão embutida na inicial. A primeira, na falta de legitimidade do

demandante, visto a ausência de prejuízo de ente federal, ante a celebração de

parcelamento, o que, de logo, afasta o interesse federal, apunhalando a legitimidade

do autor-apelante. Não bastasse, depois, se deve buscar o perfeito enquadramento dos

fatos - omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias -, para, depois,

então, se enfrentar os argumentos do apelo. A omissão no recolhimento das

contribuições previdenciárias não se acomoda, com naturalidade, no agir

Page 6: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

negligentemente na arrecadação de tributo ou renda, bem como no que diz respeito a

conservação do patrimônio público. Não se cuida de arrecadar tributos ou renda, mas

de deixar de recolher aos cofres da Previdência Social a contribuição devida relativa

aos seus servidores. Contudo, é na gaveta do art. 10, inc. X, que a conduta tem sido

colocada, como se observa do único julgado citado neste sentido, f. 228. Já o art. 11,

inc. II, enfatiza o retardar ou deixar de praticar, indevidamente, ato de ofício.Também

não há como proceder ao encaixe, por uma questão bem singela. O ato de ofício em

foco só se reveste de improbidade [administrativa] quando o retardar ou o deixar de

praticar se verifica de modo indevido. Ou seja, se há motivo, que justifique o retardar

ou o deixar de praticar, o ato não se cobre de nenhuma cor da improbidade. Aqui,

contudo, a omissão no recolhimento das contribuições previdenciárias, que é obrigação

de lei, porque o regime da previdência social vive do que arrecada para poder cumprir

seus fins, não há como adentrar no campo subjetivo para verificar o motivo pelo qual o

ente público deixou de recolher as contribuições previdenciárias. Não há, assim,

proceder ao enquadramento no art. 10, inc. X, nem tampouco, subsidiariamente, no art.

11, inc. II. Imperioso observar que nem toda conduta, praticada pelo administrador

público, se transforma em improbidade administrativa catalogada pela Lei 8.429.

Necessário, para tanto, que o enquadramento se faça de maneira perfeita, via parto

natural, não se admitindo o encaixe através de fórcipe, ou no martelo, ou seja, na

força. Em consequencia, as razões recursais do apelante se revelam frágeis em contato

com a realidade do não enquadramento. Improvimento do apelo." (AC

00124463420134058300, Relator Desembargador Federal Vladimir Carvalho, TRF5, 2ª

Turma, DJE - Data: 06/03/2015, pág. 40) [Destaquei]

Pois bem. O demandado alegou em sua defesa, em síntese:

(i) ao assumir a administração municipal, em janeiro de 2005, deparou-se com situação

de desmando e desorganização de grandes proporções, como também dificuldades

financeiras;

(ii) diante do quadro relatado, priorizou a liquidação dos débitos remanescentes da

administração anterior relativos à folha de pagamento de pessoal;

(iii) priorizou, ainda, com aportes financeiros mensais o Regime Próprio de Previdência

(RPPS);

(iv) havia comprometimento mensal da receita do município da ordem de 9% (nove por

cento), destinado ao pagamento de parcelamentos realizados com o INSS, CELPE,

COMPESA, Telefonia, FUNPRECON, Precatórios, PASEP e outros, além dos gastos

administrativos em geral, estes, da ordem de 40% (quarenta por cento) da receita;

(v) houve oscilação da receita, no tocante aos repasses do Fundo de Participação dos

Municípios (FPM), única fonte de recursos financeiros, e redução do fator de 1.4 para

1.2;

(vi) que o parcelamento do débito previdenciário abrangeu dívida, inclusive, do ano de

2003.

Em que pese ter o Ministério Público de Contas do Estado opinado pela rejeição das

contas e julgamento irregular delas, relativas ao exercício financeiro de 2007, o que de

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fato restou decidido pelo Tribunal de Contas do Estado, não se extrai da documentação

acostada aos autos, notadamente do id. 901.792, qualquer alusão à prática de atos

realizados com dolo ou má-fé.

Na verdade, verifica-se dos relatórios e pareceres examinados, tão somente a

constatação de ausência de recolhimento de contribuições previdenciárias descontadas

dos servidores, dos regimes RPPS e RGPS. Veja-se.

Com efeito, consta dos itens 2.2. Ausência de informações obrigatórias nos documentos

da prestação de contas e 2.3. Irregularidades contábeis (item 5.3 do relatório de

auditoria) - Id. 901.792:

"Segundo a Auditoria, alguns documentos insertos na prestação de contas contêm

informações incompletas, a exemplo de: a) ofício de encaminhamento da prestação de

contas da Câmara Municipal; b) demonstrativo da movimentação dos bens

patrimoniais; c) relação de campanhas publicitárias realizadas; d) resumo geral

consolidado das folhas de pagamento dos segurados vinculados ao RPPS; e)

comprovantes de repasses das contribuições devidas ao RPPS.

(...)

Apesar de não terem sido apresentadas as informações omitidas, à oportunidade de

exibição da Defesa, deve-se reconhecer a ausência de prejuízos daí decorrentes para a

ação do controle externo, razão pela qual, considerando, ainda, inexistência de

evidência de dolo ou má fé por parte do gestor, deve o vício propiciar apenas a

aposição de ressalvas, com expedição de recomendação à atual Administração

Municipal, com vistas a sua não repetição em exercícios futuros."

"A equipe técnica realizou a análise comparativa nos demonstrativos contábeis

acostados aos autos do processo, detectando as seguintes irregularidades

caracterizadoras da falta de transparência e de confiabilidade nos demonstrativos

verificados:

a. Diferenças em saldos de contas no Balanço Patrimonial- 2007 (item 3.3. do

Relatório de Auditoria);

b. Ausência de reconhecimento de dívida junto à Celpe, no valor de R$ 956.091,24

(item 4.6. do Relatório de Auditoria);

c. inconsistência das contabilizações das contribuições previdenciárias devidas ao

RPPS e RGPS (itens 5.4.1. e 5.4.2. do Relatório de Auditoria).

(...)

Assim, considerando que não se vislumbra no caso vertente o dolo de gestor de

mascarar a real situação da Prefeitura, opino que fique a falta restrita ao campo das

ressalvas e recomendações."

Page 8: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

[Destaquei]

As alegações de defesa do demandado encontram eco, como se vê, na vasta

documentação carreada aos autos

Nesse contexto, a conclusão a que se chega é que a conduta do réu, na gestão municipal

em tela, está recheada de irregularidades e ilegalidades. Contudo, no caso sob exame,

não é possível chancelar tais irregularidades/ilegalidades como atos ímprobos, a

merecer a aplicação das severas reprimendas estabelecidas pela LIA.

Seguindo essa linha de raciocínio, não se pode confundir meras irregularidades e/ou

ilegalidades com improbidade, porquanto ausente, ou não demonstrado, o elemento

volitivo - o dolo

Essa inferência não discrepa da percepção oriunda dos depoimentos colhidos em

audiência.

A testemunha Ivadelci Hipólito de Medeiros Filho, Contador, afirmou:

(i) "o motivo do não repasse das contribuições foi falta de disponibilidade financeira;

tem conhecimento de que sempre houve, mesmo nas gestões anteriores de Condado,

falta de repasse";

(ii) "o prefeito nunca disse para não recolher as contribuições, apenas não havia

capacidade financeira";

(iii) "trabalhou em outras gestões - enfrentou a mesma situação - sempre houve

parcelamento";

(iv) "documentos contábeis anteriores já registravam débitos escriturados não

repassados, objeto de parcelamento";

(v) "priorizava educação e saúde - metas constitucionais";

(vi) "a despesa total com servidores ficava sempre acima de 50% da receita do

município";

(vii) "havia contratações temporárias ou cargos comissionados nas área de saúde e

educação, mas em menor número do que os concursados";

Por sua vez, a testemunha Tatiana Gomes da Silva, do Controle Interno do município,

afirmou:

(i) nas reuniões de que participava, costumavam falar da crise, de parcelamento do

INSS e da prioridade de pagamento dos servidores;

(ii) havia muita queda de receita do município;

(iii) havia aproximadamente 500 servidores concursados e aproximadamente 50

comissionados;

Page 9: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

(iv) era necessário realizar contratações temporárias para situações excepcionais.

Ora, é evidente a conduta irregular e ilegal do demandado. Contudo, não é possível a

chancela de ato ímprobo. Conquanto ilegal a conduta, inexiste prova da desonestidade

ou do proveito próprio ou de outrem (a situação caótica do município e as

consequências decorrentes desse caos não bastam à configuração do ato ímprobo).

Assim, as irregularidades verificadas, quanto à não observância da legislação

previdenciária (Art. 15, I, e art. 30, I, "a", da Lei 8.212/91), não é motivo suficiente para

ensejar o reconhecimento de improbidade administrativa.

Acerca do tema, confira-se a lição de José Afonso da Silva (Curso de Direito

Constitucional Positivo, 24ª edição, São Paulo, Malheiros Editores, 2005, p-669):

"A probidade administrativa é uma forma de moralidade administrativa que mereceu

consideração especial da Constituição, que pune o ímprobo com a suspensão de

direitos políticos (art. 37, §4º). A probidade administrativa consiste no dever de o

"funcionário servir a Administração com honestidade, procedendo no exercício das

suas funções, sem aproveitar os poderes ou facilidades delas decorrentes em proveito

pessoal ou de outrem a quem queira favorecer". O desrespeito a esse dever é que

caracteriza a improbidade administrativa. Cuida-se de uma imoralidade administrativa

qualificada. A improbidade administrativa é uma imoralidade qualificada pelo dano

ao erário e correspondente vantagem ao ímprobo ou a outrem (...)."

Por outro prisma, não há que se falar na ocorrência de dano irreversível ao erário, uma

vez que houve rigorosa apuração fiscal acerca dos fatos narrados na exordial, por parte

da Receita Federal, consoante se infere do documento constante do id. 901.802 -

Informação SAPAC/DRF/RECIFE nº 294, de 28/08/2014.

Ademais, de acordo com Ofício nº 946/2014, da Receita Federal do Brasil (Id.

901.806), a totalidade do débito apurado foi objeto de parcelamento, no ano de 2013.

Vejam-se os seguintes precedentes:

ADMINISTRATIVO. IMPROBIDADE ADMINISTRATIVA. AUSÊNCIA DE

RECOLHIMENTO DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS PELO MUNICÍPIO

DE RIO FORMOSO/PE. EX-PREFEITA. AUSÊNCIA DE ATO REPUTADO

ÍMPROBO. I. Trata-se de apelação de sentença que julgou improcedente o pedido de

condenação da ré Maria das Graças Araújo Hacker, ex-Prefeita de Rio Formoso/PE,

por ato de improbidade administrativa ante o não recolhimento das contribuições

previdenciárias ao Regime Geral de Previdência Social - RGPS. II. Sustenta o

recorrente que a apelada deve ser condenada pela práticas das infrações descritas no

art. 10, caput, da Lei nº 8.429/92, e, subsidiariamente, no art. 11, da mesma lei, pois na

condição de Prefeita do Município de Rio Formoso/PE, deixou de recolher ao INSS os

valores das contribuições previdenciárias relativas ao exercício de 2006, descontados

dos funcionários, mas não repassados em sua totalidade à Previdência, posteriormente,

parceladas em outra gestão da edilidade. III. A improbidade administrativa que dá

ensejo à responsabilização correspondente materializa-se pelo ato marcadamente

corrupto, desonesto, devasso, praticado de má-fé ou caracterizado pela "imoralidade

qualificada" do agir. A conduta ilegal só se torna ímproba se revestida também de

Page 10: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

má-fé do agente público. IV. O ato de improbidade não deve ser confundido com o de

mera irregularidade ou ilegalidade, o primeiro corresponde a uma conduta ilegal

tipificada e qualificada pelo elemento subjetivo da conduta do agente. Assim, para a

verificação do ato ímprobo, nos termos do art. 10, em todos os seus incisos, da Lei nº

8.429/1992, é preciso que se comprove a culpa grave na conduta do agente, e, nos

termos do art. 11, do mesmo Estatuto, que seja demonstrado o dolo. V. A

jurisprudência do STJ e desta Corte Regional, já vem se posicionando no sentido de

que não caracteriza ato ímprobo o não recolhimento de contribuição previdenciária

no afã de evitar-se lesão a um bem maior ou quando não há prejuízo para o erário.

Precedentes: STJ, REsp 1206741 / SP, rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe

23.5.2012; TRF 5ª Região, Apelreex 23605/PB, Des. Federal Manoel Erhardt, DJE:

07/03/2014. VI. Na hipótese, não se vislumbra elementos suficientes a levar à ré a

uma condenação por ato de improbidade, seja pela falta de maiores evidências de um

ato doloso, seja por não se caracterizar a situação de acessoriedade de tributo como

apresentação de GFIP, uma responsabilidade que caracterize improbidade de um

prefeito municipal. A conduta não ocasionou dano irreversível ao erário, uma vez que

o total da importância não recolhida está sendo pago pelo Município, por meio de

parcelamento tributário. VII. Apelação improvida. (AC 00092234420114058300,

Relator Desembargador Federal Ivan Lira de Carvalho, TRF5, 2ª Turma, DJE:

07/04/2016, pág. 143) [Destaquei]

ADMINISTRATIVO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. PRELIMINAR. CERCEAMENTO DE

DEFESA NÃO CONFIGURADO. JULGAMENTO ANTECIPADO DA LIDE.

AUSÊNCIA DE REPASSE DE CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS AO INSS.

AUSÊNCIA DE ELEMENTOS MÍNIMOS DE PROVA DA PARTICIPAÇÃO OU

OMISSÃO DIRETA DO EX-PREFEITO. DESCARACTERIZADO ATO DE OFÍCIO.

PARCELAMENTO. DILIGÊNCIA. NÃO DEMONSTRADO O ELEMENTO

SUBJETIVO. DESCONFIGURADO ATO ÍMPROBO. APELAÇÃO PROVIDA. 1. A

presente Ação de Improbidade Administrativa foi ajuizada pelo Ministério Público

Federal em face de JOÃO DA SILVA LIMA NETO, prefeito do Município de

Redenção (mandato de 2001 a 2004), em razão da falta de repasse ao Instituto Nacional

do Seguro Social das contribuições recolhidas, relativas às folhas de pagamento de

servidores comissionados, contribuintes individuais e trabalhadores temporários. 2. A

sentença concluiu pela condenação do réu baseando sua decisão, em suma, nos

seguintes fundamentos: (i) o parcelamento do débito afasta apenas a tipificação da

conduta como ato de improbidade administrativa que importe prejuízo ao erário,

podendo enquadrar-se em conduta ímproba que atente contra os princípios da

Administração Pública; (ii) como não havia delegação para que um funcionário se

responsabilizasse pelo repasse, tem-se que a pessoa do prefeito era o responsável direto

pelo devido repasse, cuja omissão seria suficiente para comprovar a má-fé. 3. O réu

apresentou apelação alegando: em sede de preliminar, a nulidade de todos os atos

processuais realizados a partir da decisão relativa a desnecessidade de produção de

provas, tendo em vista que a ausência de intimação das partes para apresentação de

alegações finais ofendeu o contraditório e ampla defesa, contaminando os atos

posteriores. Em relação ao mérito, o recorrente alegou que não houve prática de ato de

improbidade administrativa por: ausência de nexo causal entre os atos do ex-prefeito e a

prática do comportamento considerado ímprobo, já que o procedimento exigido deveria

ter sido feito pela contabilidade e não pela pessoa do prefeito; falta de comprovação do

elemento subjetivo, tanto de má-fé do gestor (dolo) quanto de displicência injustificável

Page 11: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

(culpa); a conduta do gestor não configurou ato ímprobo, tendo sido, inclusive,

posteriormente confessado e remediado, com o parcelamento da dívida. Alega, ainda,

que a condenação depende de prova robusta, no entanto, a decisão baseou-se em

simples especulação. 5. Apresentadas contra-razões pelo Ministério Público Federal,

todos os pontos da apelação foram rebatidos; alegou, ainda, descaso do prefeito com sua

obrigação legal, pois a falta de repasse só deveria ser aceita caso restasse demonstrado o

emprego emergencial dos recursos, o que não houve. 6. No tocante a preliminar arguida

pelo apelante, convém confirmar o entendimento pacífico no sentido de que é cabível o

julgamento antecipado da lide em sede de ação de civil pública, sem que haja, com isso,

o cerceamento de defesa. E, dada a similaridade da ação de improbidade administrativa

com a seara criminal, faz-se oportuno orientar-se pelo teor da súmula 523 do STF, que

estabelece que ainda que se considerasse cerceamento de defesa pela falta de intimação

para alegações finais, não caberia suscitar a nulidade absoluta se não restasse

demonstrado que a referida deficiência acarretou em prejuízo para o réu. Portanto, não

tendo sido apresentado o efetivo prejuízo do réu decorrente da falta de alegações finais

em relação às conclusões da sentença atacada, tem-se como afastada a preliminar

levantada no apelo. 8. Adiante, o cerne da controvérsia passa a consistir na

verificação da existência de ato de improbidade administrativa na conduta do réu.

9. É certo que a Lei 8.112/91 (art. 15, I e art. 30, I, "a") estabelece que a

responsabilidade pelo recolhimento da contribuição previdenciária dos seus

empregados é do Município. Contudo, é razoável considerar que, diante da

necessidade de delegação de atividades administrativas na gestão, tais repasses são,

em tese, de responsabilidade imediata da área responsável pela contabilidade da

prefeitura. Merece análise o elucidativo julgado de caso semelhante nesta Corte,

"(...) no que se refere à conduta abraçada pelo inc. II, do art. 11, o caminho para

orientar o julgador na ocorrência ou não de ato de improbidade administrativa

repousa na interpretação que a expressão - ato de ofício -, utilizado no inc. II, do

art. 11, da Lei de Improbidade Administrativa, denota. O ato de ofício abarca

todos os atos inerentes ao cargo de prefeito, - no caso é um prefeito o demandado -

com conotação política, entendida esta como ampla liberdade para praticar o ato

sem estar adstrito a qualquer norma. Ou seja, atos exclusivamente do cargo, que

só pelo prefeito, no caso, podem ser praticados, não se admitindo, desta forma,

delegação nem transferência do ato a qualquer secretário ou servidor municipal. O

ato de ofício é exclusivamente do prefeito, de sua vontade pessoal, como, v. g.,

nomear diretor de uma escola municipal, escolher um secretário, enviar uma

mensagem de lei para a Câmara de Vereadores,etc. A descrição dos atos na douta

sentença apelada, f. 1081, exibe feitos de cunho meramente administrativo, que não

são realizados diretamente pelo prefeito, mas por servidores do Município, em seus

diversos setores, não estando arrolados como privativos do prefeito. Não são,

portanto, atos de ofício." (AC554902/CE, Tribunal Regional Federal - 5ª Região, 2ª

Turma, Rel.: Desembargador Federal Vladimir Carvalho, DJE 29/05/2013,

Decisão por Maioria). 10. Não se pretende afirmar que, no caso concreto, o prefeito

não tem responsabilidade sobre os atos de sua gestão. A responsabilidade, no caso,

é derivada da condição de ordenador de despesas e gestor, e não imediata de seus

atos de punho próprio, o que impõe tratamento distinto. Porquanto, para recair

sobre o apelante a pretensa responsabilidade, haveria de restar demonstrado que

ele agiu diretamente ou, ao menos autorizou de maneira expressa, a retenção dos

recursos. 11. Portanto, em que pese a responsabilidade do prefeito pelo

gerenciamento dos recursos públicos do respectivo Município, não se pode, de

forma objetiva, atribuir a responsabilização pela conduta ímproba de todas as

Page 12: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

irregularidades passíveis de ocorrer no âmbito da administração municipal, sem

que haja elementos probatórios suficientes que o vincule diretamente a tais

condutas ímprobas. 12. Desconfiguradas as ações do apelante com "ato de ofício",

resta afastado o enquadramento no inciso II do art. 11 da LIA. 13. No tocante ao

elemento subjetivo, tem-se que a própria sentença atacada reconheceu que a

adesão ao programa de parcelamento demonstrou a intenção do prefeito em

solucionar a irregularidade fiscal. Diante da irregularidade reconhecida, o

apelante agiu de maneira diligente dentro dos parâmetros legais. Não restou

demonstrado que o parcelamento trouxe algum benefício para o gestor ou para

qualquer outro agente público ou particular, nem que a verba não tenha sido

utilizada para outra destinação. 14. No caso concreto, seria forçoso considerar que

houve intenção, por parte do prefeito, de agir em desconformidade com a

moralidade pública. Mais coerente compreender que sua conduta decorreu de

inabilitação ou despreparo escusável, desprovida de dolo, má-fé ou culpa grave. 15.

Destarte, ausente o elemento subjetivo da conduta do prefeito, não há se falar em

improbidade administrativa, tendo em vista que "afigura-se indispensável a

presença do dolo ou culpa do agente para ensejar a aplicação das sanções previstas

na Lei n. 8.429/1992, sendo insuficiente, para tanto, meras irregularidades

administrativas" (REsp 1186435/DF, Superior Tribunal de Justiça, Rel. Min. OG

FERNANDES, 2ª TURMA, DJe 29/04/2014). 16. Afastada a condenação do réu.

Apelação provida. (AC 200981000128143, Relator Desembargador Federal Manoel

Erhardt, TRF5, 1ª Turma, DJE: 16/04/2015, pág. 76) [Destaquei]

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA DE IMPROBIDADE

ADMINISTRATIVA. EX-PREFEITO. OMISSÃO NO RECOLHIMENO DE

CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS E AUSÊNCIA DE DECLARAÇÃO NA GUIA

DE RECOLHIMENTO DO FUNDO DE GARANTIA DO TEMPO DE SERVIÇO E

INFORMAÇÕES À PREVIDÊNCIA SOCIAL - GFIP. OMISSÃO DE INFORMAÇÕES.

INEXISTÊNCIA DE DANO. DÉBITO PARCELADO. NÃO DEMONSTRADO DOLO

OU MÁ-FÉ NA CONDUTA DO AGENTE. ATO DE IMPROBIDADE

INCONFIGURADO. 1. A omissão no recolhimento de contribuição previdenciária,

objeto de parcelamento posterior, e de informações na GFIP do Município, bem como

de obrigações acessórias, sem a demonstração de dolo ou má-fé na conduta do agente

público, não caracteriza ato de improbidade. 2. O ato de improbidade administrativa

não pode ser entendido como mera atuação do agente público em desconformidade

com a lei. A intenção do legislador ordinário na produção da norma (Lei n. 8.429/92),

em observância ao texto constitucional (CF, art. 37, § 4º), não foi essa. Mas sim a de

impor a todos os agentes públicos o dever de, no exercício de suas funções, pautarem

as suas condutas pelos princípios da legalidade e moralidade, sob pena de sofrem

sanções pelos seus atos considerados ímprobos. 3. A improbidade administrativa, no

ato contra a legalidade, deve ter relação com a falta de boa-fé, com a desonestidade.

É que a Lei n. 8.429/92, além de coibir o dano material advindo da prática de atos

desonestos, busca também punir a lesividade à moral pública. 4. Imprescindível, para

a caracterização do ato de improbidade, a atuação do administrador que destoe nítida

e manifestamente das pautas morais básicas, transgredindo, assim, os deveres de

retidão e de lealdade ao interesse público, o que não restou comprovado nos autos. 5.

Não se devem confundir meras irregularidades administrativas com as graves faltas

funcionais de improbidade, sujeitas às sanções da Lei n. 8.429/92. Todo ato ímprobo é

um ato ilícito, irregular, mas nem todo ilícito ou irregularidade constitui-se em ato de

improbidade. 6. Na espécie, não há prova de desonestidade por parte do requerido, e

Page 13: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

sim desrespeito à formalidade. Também não houve prejuízo. O débito é do Município,

foi por ele parcelado e está sendo pago. 7. Apelação improvida. (AC

00120650720114014000, Relator Juiz Federal Pablo Zuniga Dourado (Conv.), TRF1, 4ª

Turma, e-DJF1, Data: 10/11/2015, pág. 1263) [Destaquei]

Acertada a consolidação dos entendimentos jurisprudenciais, pois se a própria esfera

penal, ultima ratio, aceita o parcelamento como forma de suspensão das ações penais

que buscam a pretensão punitiva estatal, e se a própria Receita Federal classifica o

devedor-parcelante como sujeito quite com suas obrigações, a ponto de lhe emitir uma

certidão positiva com efeitos negativos, a imposição de sanções da lei de improbidade

administrativa, no mesmo caso, mostra-se como fortemente excessiva, pois nem mesmo

a execução fiscal tem prosseguimento.

Com efeito, o MPF, autor da demanda, não se desincumbiu do ônus probatório que lhe

cabia, conforme a regra do art. 373, inciso I, do novel Código de Processo Civil, uma

vez que não há nos autos, ainda que em sede de procedimento administrativo, qualquer

prova no sentido de que houve desvio da verba pública oriunda do não recolhimento das

contribuições previdenciárias.

Ainda que não se possa negar a existência de conduta altamente irregular, conclui-se,

portanto, que não há nos autos prova acerca da existência de dano ao erário, tanto pela

análise da prova documental, como pela existência de parcelamento do débito efetuado

pelo município na Receita Federal do Brasil.

No que tange à pretensa violação da norma de reserva, prevista no art. 11 da Lei

8.429/92, caput e inciso II, para tanto é indispensável a presença do elemento subjetivo

- dolo - para configuração do ato de improbidade ali descrito.

Em razão da absoluta pertinência com o tema, transcrevo trecho do voto-vista proferido

pelo Ministro MAURO CAMPBELL no Recurso Especial nº 246.746 - MG

(2000/0007864-6 - 19/05/2010):

"Se por negligência, imprudência ou imperícia, os administradores violam os deveres

de legalidade, honestidade, imparcialidade e lealdade às instituições (que é o substrato

fático que autoriza a incidência do art. 11 da Lei n. 8.429/92), por mais

desaconselhável que isso seja, haverá irregularidade administrativa (e não

improbidade), que também é uma infração, merecendo sanção por outras esferas de

controle, tais como a de responsabilização fiscal, a dos processos administrativos

disciplinares, a da fiscalização dos Tribunais de Contas e os demais mecanismos de

controle interno da Administração Pública, sem embargos do não menos eficiente

controle exercido pelos novéis Conselhos Nacionais de Justiça e do Ministério Público.

Note-se: essas irregularidades não podem ser entendidas como um "diminutivo" dos

atos de improbidade - ensejando tratamentos pejorativos, tais como "meras"

irregularidades - e elas merecem combate via controles interno e externo da

Administração Pública, mas não atraem a aplicação de sanções da ordem das

expressas na LIA.

Não se trata de ser por demais permissivo, e sim de compreender o espírito das normas

que resguardam a probidade administrativa. Nesse sentido, aproveito as lições de

Page 14: Processo Justiça Federal -  Edberto Quental

Juarez Freitas acerca dos arts. 9º e 11 da LIA: "[p]ara mim, para que haja

improbidade administrativa, em qualquer uma das três espécies, há dois requisitos

fundamentais. [...] O juiz precisa, simplesmente, de um princípio constitucional

importantíssimo chamado 'princípio da sensatez'. [...] Então, o primeiro pressuposto é

que, com bom senso, se examine o seguinte: há grave violação do senso médio superior

de moralidade da comunidade? [...] É a primeira e mais grave pergunta para que haja

uma improbidade administrativa, dada a gravidade das sanções em relação às três

espécies. [...] E o segundo requisito, inequívoca intenção desonesta. [...] A mera

irregularidade, a mera ilegalidade, para mim é insuficiente para condenar alguém por

improbidade administrativa" (Ação civil pública - Improbidade administrativa, Boletim

de Direito Administrativo n. 5, 2005, p. 543/544)."

Nessa esteira, ausente o propósito de alcançar objetivos que vão de encontro à

moralidade administrativa, vez que não demonstrado o dolo ou a má-fé, não vislumbro a

possibilidade de aplicação das severas sanções previstas na Lei de Improbidade

Administrativa.

Nesse contexto, não comprovado o dano ao erário a caracterizar o enquadramento no

art. 10 e presente, tão somente, a culpa no ato ilegal praticado, sendo esta insuficiente ao

enquadramento da conduta no art. 11 da Lei n.º 8.429/92, impõe-se a improcedência dos

pedidos.

III - DISPOSITIVO

Em face do que se expôs, julgo improcedentes os pedidos deduzidos na inicial,

extinguindo o processo com resolução do mérito, nos termos do artigo 487, inciso I, do

novel do Código de Processo Civil.

Sem condenação em custas processuais, em face da isenção prevista no art. 4º, inciso

III, da Lei nº 9.289/96. Sem condenação em honorários advocatícios (art. 18, Lei n º

7.347/85).

Publique-se. Registre-se. Intimem-se.

Goiana (PE), data da validação.

MADJA DE SOUSA MOURA FLORÊNCIO

Juíza Federal