Processo n. 3056-88.2015.4.01.3900 Classe 7100 - Ação Civil … · 2015-05-12 · Processo n....

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PODER JUDICIÁRIO JUSTIÇA FEDERAL SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2" VARA Processo n. 3056-88.2015.4.01.3900 Classe 7100 - Ação Civil Pública Requerente: Ministério Público Federal Requerido: Faculdade Universo -FAUN1 - Faculdade Maurício de Nassau Juíza Federal; Hind G. Kayath DECISÃO Cuida-se de ação civil pública, com pedido liminar, em que o MPF objetiva seja determinado à Universo Professores Associados S/C Ltda. ME, mantenedora da Faculdade Maurício de Nassau de Belém a imediata suspensão da cobrança de qualquer tipo de prestação pecuniária como condição para: a) segunda chamada; b) alteração de data para pagamento de mensalidade; c) cancelamento de matrícula; d) pedido de reembolso ou da compensação de crédito; e) troca de campo de estágio ou atividade prática; f) inclusão de atividades complementares e de alividades práticas; g) análise de bolsa monitoria; h) mudança de curso; i) mudança de turma; j) mudança de turno; k) dispensa/aproveitamento de disciplinas cursadas; 1) solicitação de desconto de convênio/CONSUP; m) trancamento de matrícula; n) insumos e materiais para práticas académicas. Requer, ainda, que a demandada se abstenha de impedir a rematrícula de alunos eventualmente inadimplentes e que seja obrigada a reduzir os valores cobrados para emissão de 2a via de documentos, a fim de que contemplem apenas o preço de custo, indicando a composição deste custo. Com a inicial vieram os documentos de fls. 18-86. Juízo Federal da 2a Vara (LU

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PODER JUDICIÁRIOJUSTIÇA FEDERAL

SEÇÃO JUDICIÁRIA DO PARÁ - 2" VARA

Processo n. 3056-88.2015.4.01.3900Classe 7100 - Ação Civil PúblicaRequerente: Ministério Público FederalRequerido: Faculdade Universo -FAUN1 - Faculdade Maurício de NassauJuíza Federal; Hind G. Kayath

D E C I S Ã O

Cuida-se de ação civil pública, com pedido liminar, em que o MPF

objetiva seja determinado à Universo Professores Associados S/C Ltda. ME,

mantenedora da Faculdade Maurício de Nassau de Belém a imediata suspensão da

cobrança de qualquer tipo de prestação pecuniária como condição para: a) segunda

chamada; b) alteração de data para pagamento de mensalidade; c) cancelamento de

matrícula; d) pedido de reembolso ou da compensação de crédito; e) troca de campo de

estágio ou atividade prática; f) inclusão de atividades complementares e de alividades

práticas; g) análise de bolsa monitoria; h) mudança de curso; i) mudança de turma; j)

mudança de turno; k) dispensa/aproveitamento de disciplinas já cursadas; 1) solicitação

de desconto de convênio/CONSUP; m) trancamento de matrícula; n) insumos e

materiais para práticas académicas. Requer, ainda, que a demandada se abstenha de

impedir a rematrícula de alunos eventualmente inadimplentes e que seja obrigada a

reduzir os valores cobrados para emissão de 2a via de documentos, a fim de que

contemplem apenas o preço de custo, indicando a composição deste custo.

Com a inicial vieram os documentos de fls. 18-86.

Juízo Federal da 2a Vara (LU

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Brevemente relatados.

Passo à decisão.

Em qualquer ação de conhecimento, a concessão de medidas liminares

ou antecipatórias da tutela apresenta-se sempre com caráter excepcional, somente

sendo cabíveis quando presentes seus requisitos autorizadores.

No caso, o MPF pretende que a Instituição de Ensino Superior particular

suspenda a cobrança de taxas referentes a serviços que, segundo entende, estão

diretamente relacionados à prestação da atividade educacional. Consoante defende, a

cobrança das referidas taxas é ilegal não apenas porque os serviços a que se referem já

estão incluídos no valor das anuidades/semestralidades/mensalidades exigidas do

corpo discente, rnas também porque os valores exigidos são fixados unilateralmente

pela IES, representando não o preço de custo, mas verdadeira remuneração que impõe

aos consumidores onerosidade excessiva.

Pois bem. É assente que o ensino universitário é atividade delegada à

iniciativa privada e, portanto, submete a requerida às normas de direito público

pertinentes ao exercício deste mister.

Como consectário primário da delegação de atividade federal, tem-se que

as IES são equiparadas à repartição pública para os fins previstos no arl. 5°, XXXIV,

"b", da Constituição Federal, que assegura, nesse caso aos discentes, o fornecimento

gratuito de atestados e certidões que se prestam para "a defesa de direitos e

esclarecimento de situações de interesse pessoal".

Daí que eventual cobrança que recaia sobre serviços desía natureza

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Juízo Federal tl;i 2-1 Vara (LL)

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afronta diretamente à norma constitucional e não pode ser admitida,

independentemente do que venha a dispor o demais do ordenamento jurídico no

âmbito infraconstitueional.

Para além disso, sem olvidar que o ensino superior quando prestado por

instituição privada representa relação de consumo que se submete à legislação civil e,

em especial à Lei n. 8,078/90, o exercício de atividade delegada também obriga a IBS

privada ao disposto no art. 209 da Constituição Federal, vale dizer, ao cumprimento

das normas de educação nacional, segundo os parâmetros definidos pelo legislador

ordinário e a Administração Pública.

Nesse sentido, o par. 7° do art. 1° da Lei n. 9.870/99, ao tratar do

fornecimento de material escolar, define regra segundo a qual os custos diretamente

relacionados aos serviços educacionais devem sempre ser inseridos no valor das

anualidades/semestralidades pagas pelos alunos, firmando nesse ponto limitação à

autonomia privada, que veda a cobrança indiscriminada de contraprestação pela

generalidade dos serviços prestados. Confira-se a literalidade do dispositivo:

Art. !'• O valor das anuidades ou das semestralidades escolares do ensinopré-escolar, fundamental, médio e superior, será contratado, nos termosdesta Lei, no ato da matrícula ou cia sua renovação, entre oestabelecimento de ensino e o aluno, o pai do aluno ou o responsável.

§ 7" Será nula cláusula contratual que obrigue o contratante aopagamento adicional ou ao fornecimento de qualquer material escolar deuso coletivo dos estudantes ou da instituição, necessário à prestação dosserviços educacionais contratados, devendo os custos correspondentes sersempre considerados nos cáleulos do valor das anuidades ou dassemestralidades escolares, (Incluído pela Lei n° 1.2.886, de 2013')

Juízo Federal da 2LL Vara (LL)

JUSTIÇAFRDERAÍ.

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Por outro lado, no que concerne à expedição de diploma e histórico

escolar, a Portaria Normativa n, 40/2007 do Ministério da Educação veda a cobrança

de quaisquer valores para expedição destes documentos, "ressalvada a hipótese de

apresentação decorativa, com a utilização de papel ou tratamento gráfico especiais, por

opção do aluno" (art. 32, par. 4°).

Dos dispositivos em questão depreende-se que, em um primeiro

momento, é a natureza do serviço a que se relaciona a taxa cobrada o fator

determinante para reconhecer-se a licitude da cobrança, pois, nos termos da Lei n.

9.870/99 os serviços ínsitos à própria atividade educacional já são remunerados pelas

anualidades/semestralidades, não admitindo quaisquer cobranças pela sua realização.

No tocante à expedição de 1a via de diploma e histórico escolar e fornecimento de

material escolar, por óbvio, não resta dúvidas quanto à impossibilidade de cobrança.

Nesse ponto, sobreleva notar que a Resolução n. 03/89 do Conselho

Federal de Educação, já extinto e sucedido pelo Conselho Nacional de Educação,

tratava expressamente da matéria, dispondo o seguinte;

Art. 4°. Constituem encargos educacionais de responsabilidade do corpodiscente:

I - a mensalidade;

U - a taxa;

III - a contribuição.

§ 1° A mensalidade escolar constitui a contraprestação pecuniáriacorrespondente à educação ministrada c à prestação de serviços a elavineulados como matrícula, estágios obrigatórios, utilização delaboratórios e biblioteca, material de ensino de uso coletivo, materialdestinado a provas e exames, de certificados de conclusão de cursos , de

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identidade estudantil, de boletins de notas, cronogramas de horáriosescolares, de currículos e de programas.

§2° A taxa escolar remunera, a preços de custo, os serviçosextraordinários efetivamente prestados ao corpo discente como a segundachamada de provas e exames, declarações, e de outros documentos nãoincluídos no § 1° deste artigo, atividades extracurriculares optativas, bemcomo os estudos de recuperação, adaptação e dependência prestados emhorários especiais com remuneração específica para os professores.

No que concerne à vigência deste dispositivo, um tanto controvertida na

jurisprudência, valho-me do voto do Ministro Humberto Martins, proferido no recurso

especial n. 1.091.474/DF (STJ, segunda turma, julgado em 17/11/2009, DJe

25/11/2009), que segue transcrito na parte que interessa:

''As Leis Federais n. 9.131/95 e 9.870/99 não dispuseram de

maneira diversa nem revogaram expressamente o § l° acima

transcrito.

O argumento de que o nome. do "Conselho Federal de Educação"

foi alterado para "Conselho Nacional de Educação " - e portanto,

foram revogados todos os atos administrativos expedidos pelo

"Conselho Federal de Educação" -, não pode prosperar, uma vez

que a alteração na nomenclatura de um órgão ou entidade da

Administração Pública não tem o condão de invalidar os aios

administrativos expedidos com a nomenclatura, antiga.

A revogação pressupõe a similitude deformas; logo, representa um

ato formal volitivo da retirada expressa ou por incompatibilidade

de uma norma do mundo jurídico, sendo que, no presente caso, não

aconteceu. "

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JUSTIÇAFFDRRAI.

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Pois bem, na ausência de norma mais recente que disponha de forma tão

elucidativa acerca do que seriam serviços diretamente vinculados à atividade

educacional e quais outros serviços (denominados extraordinários) autorizariam a

cobrança de taxas pela IES, devem mesmo prevalecer os parâmetros definidos pelo art.

4°, §§ 1° e 2°, da Resolução n. 03/88 CFE, acima reproduzida.

Nesse sentido, confira-se o precedente do Tribunal Regional Federal da

1a Região, que bem representa a jurisprudência dos tribunais federais a respeito do

tema:

PROCESSUAL CIVIL, ADMINISTRATIVO E

CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. LEGITIMIDADE

ATIVA DO MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL.

IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA DO PEDIDO. NULIDADE DA

DECISÃO. LITISPENDÊNCIA. ENSINO SUPERIOR.

COBRANÇA DE TAXAS REFERENTES A DIVERSOS

SERVIÇOS EDUCACIONAIS ORDINÁRIOS.

DESCABIMENTO. RETENÇÃO DE PERCENTUAL DA

MATRÍCULA EM CASO DE DESISTÊNCIA. LIMITAÇÃO.

PRELIMINARES REJEITADAS. I - O Ministério Público Federai

está legitimado para ajuizar ação civil pública na defesa de

interesses individuais homogéneos do consumidor, de relevante

interesse público-social, como no caso, que versa a respeito de

supostas cobranças abusivas de taxas pela Instituição de Ensino

Superior. II - De igual modo, não há que se falar em

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impossibilidade jurídica do pedido ante a nomenclatura atribuída

aos valores cobrados pelos serviços educacionais prestados pela

agravante (taxa ou tarifa), importando tão somente, para fins de

admissibilidade da demanda proposta, a existência de previsão legal

da tutela jurisdicional perseguida pela parte autora, o que se verifica

na hipótese dos autos. 111 - Ademais, apesar de a recorrente prestar

serviço de caráter público, afigura-se inaplicável à espécie dos

autos a regra do art. 2° da Lei n° 8,437/92, que condiciona a

concessão de liminar em mandado de segurança e ação civil pública

à prévia audiência do representante judicial da pessoa jurídica de

direito público. Ainda que assim não fosse, não está caracterizado

qualquer prejuízo à agravante em decorrência do exercício do

contraditório diferido, na espécie, mostrando-se desarrazoada a

invocação de nulidade processual, na espécie. IV - Na hipótese dos

autos, não merece prosperar a alegada litispendência, tendo em

vista que o objeto da presente ação é mais amplo do que o deduzido

nos autos da primeira ação civil pública, sendo que esta foi

proposta também ern desfavor da União, enquanto aquela o foi

apenas contra a ora agravante. Com efeito, a princípio, não se

verifica no caso a identidade de partes, de causa de pedir c de

pedido (CPC, art, 301, §§ 1° e 2°). V - Conforme entendimento

jurisprudência! deste egrégio Tribunal, afigura-se ilegítima a

cobrança, pela Instituição de Ensino Superior, de serviços

educacionais ordinários, que, portanto, já estão inclusos no valor

pago pelos alunos a título de mensalidade. VI - Não obstante as

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Juízo Federal d a 23 Vara (IX) Processo n".1056-88.2015.4.01.3900 "" ~ • — •

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Instituições de Ensino Superior gozem de autonomia didático-

cicntífica e administrativa e de gestão financeira e patrimonial, não

se mostra razoável a cobrança de aplicação de provas e trabalhos

substitutos, nos casos de doença, aluna gestante, falecimento de pai,

mãe, cônjuge ou filho, nem mesmo a retenção de quantia superior a

10% (dez por cento) do valor da matrícula quando haja desistência

antes do início das aulas, o que certamente é o bastanle para

remunerar eventuais despesas administrativas. VII - Agravo de

Instrumento desprovido.

(AG 0078953-90.2012.4.01.0000 / MG, Rei. DESEMBARGADOR

FEDERAL SOUZA PRUDENTE, QUINTA TURMA, e-DJFl

p.314de 10/12/2013).

Quanto às taxas objeto da pretensão liminar ora em análise, o MPF

objetiva a suspensão de cobrança relativa à(ao) a) segunda chamada; b) alteração de

data para pagamento de mensalidade; c) cancelamento de matrícula; d) pedido de

reembolso ou da compensação de crédito; e) troca de campo de estágio ou alividadc

prática; f) inclusão de atividades complementares e de atividades práticas; g) análise

de bolsa monitoria; h) mudança de curso; i) mudança de turma; j) mudança de turno; \l U

k) dispensa/aproveitamento de disciplinas já cursadas; I) solicitação de desconto de

convênio/CONSUP; m) trancamento de matrícula; n) insumos e materiais para práticas

Juí/n Federal ifa 2:1 Vara (LL) Processo a"3 056-88.2015.4.01.3900

JUSTIÇAFEDliRM,

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académicas,

Utilizando-me, portanto, dos parâmetros objetivos acima definidos,

entendo que devera ser reconhecidas como ordinários, ou seja, relacionados à

educação ministrada, os serviços referentes ao cancelamento de matrícula; troca de

campo de estágio ou atividade prática; inclusão de atividades complementares e de

atividades práticas; dispensa/aproveitamento de disciplinas já cursadas; trancamento

de matricula; mudança de turma; mudança de turno e fornecimento de insumos e

materiais para práticas académicas.

Por outro lado, em princípio, é possível a cobrança de taxas para a

realização de segunda chamada; alteração de data para pagamento de mensalidade;

pedido de reembolso ou da compensação de crédito; análise de bolsa monitoria;

mudança de curso e solicitação de desconto de convênio/CONSUP, por se tratarem de

serviços que visam atender aos interesses particulares de um ou outro discente e,

portanto, não classificáveis como prestação de serviço educacional.

Como visto, trata-se de limitação à autonomia contratual decorrente da

expressa previsão constitucional de subsunção da IES às normas gerais de educação.

Mas este não é o único aspecto a ser levado em consideração.

Como se sabe, nos termos do art. 6°, IV, da Lei n. 8.078/90, é direito

básico do consumidor, "a protccão contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos

comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou

impostas no fornecimento de produtos e serviços".

Quanto à abusividade das cláusulas contratuais a legislação consumerista

Juízo Federal da 2? Vara (LL) Processo nlí3056-«8.2015.4.01..T)00

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estabelece ainda o seguinte:

Ari. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuaisrelativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

IV - estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, quecoloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejamincompatíveis com a boa-fé ou a equidade;

§ 1° Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

í - ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

II ~ restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza docontrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

III - se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outrascircunstâncias peculiares ao caso.

Significa dizer, mesmo quanto às cobranças autorizadas, segundo

fundamentação alhures, a liberdade contratual também é limitada pela proibição do

enriquecimento sem causa, que nas relações de consumo se revela na nulidade de

cláusulas contratuais que imponham desvantagem exagerada ao consumidor.

Aplicando a regra ao caso concreto, a cobrança de taxas pelos serviços

ditos extraordinários deverá obedecer a um parâmetro de proporcionalidade em relação

ao custo do serviço realizado, sob pena de onerosidade excessiva que torna nula a

cláusula contratual. Vale dizer, não é vedado às instituições de ensino superior

particulares a cobrança de taxas pelos serviços extraordinários que prestem aos

discentes, desde que o valor exigido dos consumidores guarde relação equitativa ao

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Juízo K-dural tia 2-1"Viira (l.i.) " " ' ' ™ " "~~~

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custo da prestação e não represente fonte de lucro para a instituição.

Assim tem decidido os tribunais federais, consoante o precedente colhido

do TRF 3;i Região, abaixo colacionado:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA. DIREITO DO CONSUMIDOR.

INSTITUIÇÃO DE ENSINO. TAXAS POR SERVIÇOS

ORDINÁRIOS, COBRANÇA INDEVIDA. RESTITUIÇÃO.

COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA FEDERAL. MINISTÉRIO PÚBLICO

FEDERAL. LEGITIMIDADE ATIVA. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL.

TAXAS POR SERVIÇOS EXTRAORDINÁRIOS. COBRANÇA.

POSSIBILIDADE. UNIÃO. LEGITIMIDADE PASSIVA. DEVER DE

FISCALIZAÇÃO. NORMAS GERAIS. 1. A ré tem natureza jurídica de

instituição privada de ensino superior e, como tal, atua no exercício de

delegação federal, o que atrai a competência desta Justiça, a teor no

disposto no art. 109, I, da Constituição da República. Ademais, sendo a

União parte nos autos, de qualquer forma, estaria estabelecida a

competência da Justiça Federal. 2. O litígio envolve interesse colelivo,

eis que os consumidores ligam-se à instituição de ensino por intermédio

de uma relação jurídica base, nos termos do art. 81, II, da Lei n.°

8,078/90 (Código de Defesa do Consumidor). Tendo cm vista a

relevância de tal interesse, intimamente relacionado ao direito

fundamental à educação, esta C. Sexta Turma tem entendido pela

legitimidade ativa ad causam do Ministério Público para tutelá-lo. 3. A

matéria trazida aos autos é de interesse da União, uma vez que se

encontra em suas competências a atribuição de fiscalizar o cumprimento

de normas gerais sobre educação. 4. Tendo em vista que a presente ação

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Juízo l-cder^ídii2 :L Vam(lT^) """""""""" ~ " " "~ """ "

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foi extinta sem julgamento do mérito, em razão da ilegitimidade atíva ad

causam do Ministério Público Federal e estando o processo em termos de

imediato julgamento, mostra-se possível a análise do mérito, com arrimo

no art. 515, § 3°, do CPC. 5. Da ilação do art. 4", parágrafos 1° a 3° c/c

art. 11 da Resolução n.° 01/83 do então Conselho Federal de Educação,

modificada pela Resolução n.° 03/89, infere-sc que os custos da

expedição da maior parte dos documentos em questão estão abrangidos

pelo valor pago a título de mensalidade. 6. Afigura-se abusiva a cobrança

de taxas específicas para as finalidades em comento, nos termos do art.

51 do CDC, sendo de rigor a restituição dos valores indevidamente pagos

a esse título, sob pena de enriquecimento sem causa. 7. Não obstante, as

taxas por compensação de ausência às aulas e solicitação de trabalhos

domiciliares, por remunerar, nos termos do § 2°, do art. 4" da resolução

supracitada, serviços extraordinários, podem ser exigidas a preço de

custo, não havendo que se falar em restituição. 8. Inaplicáveis à espécie

os prazos decadenciais a que aludem os arts. 18, § 1°, II e 26, II e § 1° do

CDC, por não se tratar de responsabilidade do fornecedor por vício no

produto ou serviço, mas de cobrança indevida. Todavia, incide na

hipótese o prazo prcscricional quinquenal, nos termos do art. 27 do

mesmo Código, contado retroativamenle a partir da propositura da ação.

9. Desacolhido o pedido de restituição em dobro, nos termos do art. 42

do CDC, pois não restou demonstrada a cobrança mediante exposição ao

ridículo, constrangimento, ameaça ou mesmo rná-fé da instituição de

ensino, sobretudo porque decorreu de interpretação equivocada da \J(}$—

legislação de regência. 10. No que concerne à União, inegável c a sua

competência para fiscalizar as instituições de ensino superior. No

entanto, não é possível condená-la a fiscalizar especificadamente

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determina instituição, visto que esse tipo de determinação adentra à

esfera de compete n cias do Poder Executivo. 11. Sem condenação em

custas e honorários advocatícios, nos termos do art. 18, da Lei n.°

7.347/93. 12. Matéria preliminar rejeitada. Apelação provida para afastar

a extinção sem resolução do mérito. Pedido parcialmente procedente.

(AC 00079985220084036100, DESEMBARGADORA FEDERAL

CONSUELO YOSHIDA, TRF3 - SEXTA TURMA, C-DJF3 Judicial l

DATA:20/09/2013..FONTE_REPUBL1CACAO:.)-

Nesse ponto, porém, na atual fase do processo não ficou demonstrado

que as taxas autorizadas esteiam sendo cobradas em valor excessivo em relação aol •* -j

custo real da prestação, o que impede maiores ilações quanto a uma eventual

ilegalidade daí decorrente.

Por outro lado, quanto ao pedido de redução dos valores cobrados para

emissão de 2a via de documentos, observando os vaíores constantes da tabela de

requerimentos anexa ao contrato de prestação de serviços educacionais, à fl. 46,

constata-se que o valor exigido pela expedição de 2a via do Diploma de conclusão do

curso apresenta discrepância significante em relação aos demais documentos,

indicando haver uma desproporção que merece maior atenção.

Por fim, mas não menos importante, quanto à eventual negativa da

instituição de ensino em efetuar a rematricula de alunos que estejam inadimplentes

com as taxas ora crn análise, observa-se que, nos termos dos art. 5° e 6C1 da Lei n.

9.870/99, as instituições de ensino são proibidas de suspender a aplicação de provas,

reter documentos ou aplicar qualquer espécie de sanção pedagógica aos alunos que se

encontrem em situação de inadimplência quanto às anuidades escolares. Porém,

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Juízo í-cdcrat da 2 a Vara (LI,) Processo n'?>056-8K.201 SAI 1 . 3 9 0 0 ~ ™ ~ " ~

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tratando-se de inadimplentes, fica autorizada a não renovação do vínculo académico.

Ocorre que esta norma, inserida no contexto da Lei n. 9.870/99, que trata

das anuidades escolares, por ser restritiva de direitos, não pode ser interpretada

extensivamente à inadimplência decorrente de cobranças diversas das anuidades.

Corn efeito, mesmo quando a cobrança possa ser classificada como

decorrente de serviço extraordinário e praticada em preço não abusivo, portanto,

legítima, ainda assim, havendo meios próprios de cobrança previstos no ordenamento

jurídico, a eventual negativa de renovação do vínculo académico tão somente peio

inadimplemento de quaisquer destas taxas revelar-se-ia como abuso de direito,

rechaçada pela legislação civil, consoante dicção do art. 188, parágrafo único do CC.

Ante o exposto, defiro em parte o pedido de concessão liminar para

determinar à requerida que:

a) suspenda a cobrança de qualquer tipo de prestação pecuniária

como condição para: a.l) cancelamento de matrícula; a.2) troca de campo de estágio

ou atividade prática; a.3) inclusão de atividades complementares e de atividades

práticas; a.4) dispensa/aproveitamento de disciplinas já cursadas; a.5) trancamento de

matrícula; a.6) mudança de turma; a.7) mudança de turno e a.8) fornecimento de

insumos e materiais para práticas académicas.

b) abstenha-se de impedir a rematrícula de alunos eventualmente

inadimplentes.

c) na emissão de 2;i via do Diploma de Conclusão do Curso, limite-

se a cobrar apenas o valor correspondente ao custo, que deverá ser informado.

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Juízo Federal dii 2^Wara (LL) Processo n ' 3 0 5 6 - ^ . 2 ( ) i 5 . 4 7 o 7 . 3 1 ) U O " - - - - . . -

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SEÇAO JUDICIÁRIA DO PARÁ - T VARA

Cite-se.

Publique-se. Registre-se. Intirnem-se.

Belém (PA), \ de fevereiro de 2015.

HIND G. KAYATHJuíza Federal da 2;| Vara

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Jufzo Federai da 2a Vara (LL) Processo n°305S-88.2Q 15.4,01.3<)00