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PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM MEDIADOS PELA ARTE NAS PESQUISAS EM MESTRADOS PROFISSIONAIS NO INSTITUTO FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO O painel em tela pretende apresentar três pesquisas realizadas em mestrados profissionais na área do ensino do Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória. Essas pesquisas partem da premissa de que é necessário organizar processos coletivos de ensino/aprendizagem nos quais professores e alunos interagem e produzem coletivamente conhecimentos. Por esse motivo, as investigações aproximam-se das metodologias participantes de pesquisa, tais como a Pesquisa-Ação. Pressupõem também a integração de diferentes áreas do conhecimento com a Arte, a saber: o ensino da Língua Portuguesa e de Ciências por meio da Arte Sequencial (histórias em quadrinhos, tirinhas, charges e cartoons) e o ensino do Desenho Técnico mediado pela História da Arquitetura e pelas Artes Visuais. A primeira pesquisa busca contribuir com a formação do leitor crítico por meio da utilização sistematizada de Histórias em Quadrinhos do Universo Macanudo, criadas pelo artista argentino Liniers; a segunda pesquisa discute como a Arte Sequencial pode contribuir com a Educação Científica, no ensino de Ciências, a partir dos conceitos do movimento que integra a Ciência, a Tecnologia, a Sociedade e o Ambiente (CTSA); a terceira pesquisa propõe a elaboração conjunta, entre professor e alunos, de uma proposta de Ensino de Desenho Técnico mediada pela História da Arquitetura e pelas Artes Visuais. Com relação ao aporte teórico as pesquisas têm em comum o diálogo com a Pedagogia Histórico Crítica e com a Psicologia Histórico Cultural. Essas abordagens têm como pressupostos a valorização da educação escolar e da mediação intencional do professor como modos de contribuir com a formação integral dos educandos. As análises dos resultados das pesquisas apontam que a Arte, nas suas diferentes linguagens, pode contribuir com o processo de ensino/aprendizagem dos educandos de modo diferenciado pois estimula a criação e a reflexão de forma inovadora, distanciando-se do ensino tradicional. Palavras-Chave: Linguagens Artísticas, Mediação, Pesquisa-Ação DIÁLOGOS ENTRE CIÊNCIA E ARTE: A ARTE SEQUENCIAL COMO COMO MEDIADORA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA XVIII ENDIPE Didática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira 11966 ISSN 2177-336X

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PROCESSOS DE ENSINO/APRENDIZAGEM MEDIADOS PELA ARTE

NAS PESQUISAS EM MESTRADOS PROFISSIONAIS NO INSTITUTO

FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO

O painel em tela pretende apresentar três pesquisas realizadas em mestrados

profissionais na área do ensino do Instituto Federal do Espírito Santo, Campus Vitória.

Essas pesquisas partem da premissa de que é necessário organizar processos coletivos

de ensino/aprendizagem nos quais professores e alunos interagem e produzem

coletivamente conhecimentos. Por esse motivo, as investigações aproximam-se das

metodologias participantes de pesquisa, tais como a Pesquisa-Ação. Pressupõem

também a integração de diferentes áreas do conhecimento com a Arte, a saber: o ensino

da Língua Portuguesa e de Ciências por meio da Arte Sequencial (histórias em

quadrinhos, tirinhas, charges e cartoons) e o ensino do Desenho Técnico mediado pela

História da Arquitetura e pelas Artes Visuais. A primeira pesquisa busca contribuir com

a formação do leitor crítico por meio da utilização sistematizada de Histórias em

Quadrinhos do Universo Macanudo, criadas pelo artista argentino Liniers; a segunda

pesquisa discute como a Arte Sequencial pode contribuir com a Educação Científica, no

ensino de Ciências, a partir dos conceitos do movimento que integra a Ciência, a

Tecnologia, a Sociedade e o Ambiente (CTSA); a terceira pesquisa propõe a elaboração

conjunta, entre professor e alunos, de uma proposta de Ensino de Desenho Técnico

mediada pela História da Arquitetura e pelas Artes Visuais. Com relação ao aporte

teórico as pesquisas têm em comum o diálogo com a Pedagogia Histórico Crítica e com

a Psicologia Histórico Cultural. Essas abordagens têm como pressupostos a valorização

da educação escolar e da mediação intencional do professor como modos de contribuir

com a formação integral dos educandos. As análises dos resultados das pesquisas

apontam que a Arte, nas suas diferentes linguagens, pode contribuir com o processo de

ensino/aprendizagem dos educandos de modo diferenciado pois estimula a criação e a

reflexão de forma inovadora, distanciando-se do ensino tradicional.

Palavras-Chave: Linguagens Artísticas, Mediação, Pesquisa-Ação

DIÁLOGOS ENTRE CIÊNCIA E ARTE: A ARTE SEQUENCIAL COMO

COMO MEDIADORA NA EDUCAÇÃO CIENTÍFICA

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Tatiany Vittorazzi Vasconcellos

Priscila de Souza Chisté

IFES – Campus Vitória

Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Ensino de

Ciências e Matemática, do Instituto Federal do Espírito Santo, a qual propõe os diálogos

possíveis entre Arte e Ciência, por meio do uso da Arte Sequencial para a promoção da

Educação Científica. Objetiva entender como a Arte Sequencial (representada pelas

histórias em quadrinhos, tiras quadrinizadas, charges e cartuns) é capaz de mediar a

Educação Científica na formação docente, além de contribuir para construção

colaborativa de uma proposta pedagógica para o Ensino de Ciências, proporcionando a

apropriação do conhecimento científico pelos professores e pelos alunos. Desse modo,

apresenta os resultados de uma formação docente sob a perspectiva histórico-cultural e

as interações com o Ensino de Ciências com enfoque CTSA, composta por professores

do Ensino Fundamental do município de Cariacica/ES. A metodologia utilizada foi a

pesquisa colaborativa, com participação dos docentes de forma cooperativa e

participativa nas discussões e atividades apresentadas. A estrutura da formação bem

como as atividades propostas foram pensadas a partir dos momentos pedagógicos

sistematizados por Dermeval Saviani. Portanto, a pesquisa orienta-se pela Psicologia

Pedagogia Histórico-Crítica e pela Histórico-Cultural, que consideram o

desenvolvimento intelectual relacionado às interações sociais vivenciadas pelos sujeitos

em seu ambiente. Além disso, dialoga com as propostas de Waldomiro Vergueiro e

Francisco Caruso para as conexões entre arte sequencial e educação. Conclui que as

histórias em quadrinhos são uma ferramenta capaz de mediar a Educação Científica,

além de contribuir para um Ensino de Ciências mais crítico, participativo e conectado

com as questões histórico-culturais e artísticas.

Palavras-chave: arte sequencial; educação científica; formação docente.

Introdução

O artigo em tela apresenta uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Educação em Ciências e Matemática, do Instituto Federal do Espírito

Santo (Educimat), que propõe o uso da Arte Sequencial (histórias em quadrinhos, tiras

quadrinizadas, charges e cartuns) como mediadora na formação docente, contribuindo

com a Educação Científica por meio do Ensino de Ciências com enfoque CTSA

(Ciência, Tecnologia, Sociedade e Ambiente).

Tal pesquisa surge dos questionamentos relativos ao trabalho educativo e sua

concepção mais humanizada e conectada com social. Neste contexto, concordamos com

Saviani (2011, p. 6) quando aponta que o trabalho educativo se fundamenta no “[...] ato

de produzir, direta e intencionalmente, em cada indivíduo singular, a humanidade que é

produzida histórica e coletivamente pelo conjunto dos homens”.

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Sendo assim, a experiência docente junto a turmas do ensino fundamental,

levou-nos a questionar a necessidade de um ensino de Ciências mais conectado com o

social, em especial com a arte, sem perder o dinamismo e a ludicidade. Neste contexto,

via-se a necessidade de contribuir com a educação científica de professores e alunos do

Ensino Fundamental. Pois, de acordo com Mazzeu (1998), para uma prática educativa

mais próxima da perspectiva histórico-crítica, é necessário que a formação docente seja

conectada aos processos de aprendizagem do aluno.

Por isso, observou-se a possibilidade de constituir um grupo de estudo, com o

objetivo de promover uma formação docente conectada com a perspectiva histórico-

cultural e mediada pela arte, contribuindo para um ensino mais próximo da realidade

dos alunos. Além disso, objetivou-se junto a estes professores a produção colaborativa

de uma proposta pedagógica para o ensino de Ciências, promovendo a Educação

Científica com enfoque CTSA na formação docente dos professores participantes.

Para alcançar tal objetivo, apresentaremos a seguir os estudos sobre o uso de

histórias em quadrinhos e suas relações com as diferentes áreas da Educação. Em

seguida, dialogaremos com o papel do ensino de Ciências na Educação Científica com

enfoque CTSA, além de debater as pesquisas recentes relativas a pedagogia histórico-

crítica e as contribuições para os processos de ensino e aprendizagem.

1 As histórias em quadrinhos e suas relações com a Educação

O homem se tornou um ser histórico com o surgimento da linguagem. A

necessidade de se comunicar o fez criar nas antigas cavernas sequências de imagens,

conhecidas como arte rupestre, que comunicavam o cotidiano dos primeiros homens.

Assim, a evolução da arte sequencial acompanhou a evolução da linguagem humana,

adquirindo maior notoriedade entre os anos 1940 e 1950, quando serviu de ferramenta

ideológica para o desenvolvimento capitalista nos países ocidentais, no período pós-

guerra (DANSA, 2013).

Gibis, comics strips, bandes desineés, historietas são alguns dos sinônimos para

as histórias em quadrinhos. Will Eisner, em 1940, redefiniu esta modalidade para o

termo Arte Sequencial que se definia como a “modalidade artística que usa o

encadeamento de imagens em sequência para contar uma história ou transmitir uma

informação graficamente” (DANSA, 2013, p. 1), englobando assim não apenas os

quadrinhos, mas também as tiras sequenciadas, os cartuns, charges e mangás. Desta

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maneira, as histórias em quadrinhos são uma expressão da arte que, além de divertir,

contribuem para o ensino e para os processos de aprendizagem.

O uso como ferramenta de aprendizagem é recente no cenário educacional

brasileiro, principalmente relacionadas ao ensino de Ciências. De acordo com Vergueiro

e Ramos (2013), o crescente uso dos quadrinhos é pertinente a indicações de novas

linguagens presentes nas Diretrizes Curriculares, além das iniciativas de incentivo a

leitura, promovidas no Programa Nacional da Biblioteca na Escola (PNBE), ampliando

a presença da arte sequencial nos ambientes educacionais.

Os quadrinhos nos espaços educativos podem dialogar com diferentes propostas,

como a alfabetização, a educação científica e a formação docente. Dentre as

interlocuções de Arte e Ciência, podemos citar os trabalhos de Carvalho (2009),

Carvalho e Martins (2009) e Nascimento Junior (2013), os quais utilizam a linguagem

imagética dos quadrinhos como uma estratégia lúdica para promover a educação

científica relativa a conceitos da Astronomia e da Física nos ensinos fundamental e

médio.

Existem pesquisadores, como Caruso, Carvalho e Silveira (2005), Silva e Santos

(2013) e Pena (2003), que dedicam-se a construir quadrinhos para divulgação científica,

cooperando com um ensino de Ciências mais participativo. Por isso, defende-se que a

arte sequencial têm potencialidades didáticas que melhoram o envolvimento do leitor,

auxiliam na descoberta e compreensão de conceitos científicos, permitindo uma

aprendizagem conectada com a Ciência (CARUSO, CARVALHO E SILVEIRA, 2005).

Sendo assim, faz-se necessário compreender que os quadrinhos, além de ilustrar

situações científicas, podem permear toda uma proposta didática. Entretanto,

concordamos que o uso desse instrumento não resolve as deficiências do Ensino de

Ciências. Para além disso, faz-se necessário repensar a formação docente, buscando

embasamento na educação científica e na interdisciplinaridade.

Considerando as atuais formações docentes, pesquisadores propõem o uso de

HQs para a obtenção de práticas dinâmicas e interdisciplinares. Com isso, Pessoa e

Utsumi (2009) e Silva e Costa (2012) concordam que os quadrinhos despertam o

interesse nos professores, entretanto, para obter um uso pedagógico eficaz dessa

ferramenta, não é necessário apenas distribuí-las nas salas de aula, mas sim “possibilitar

aos professores seja na formação inicial ou em cursos de formação continuada uma

aprendizagem através da leitura, contextualização e produção de quadrinhos” (SILVA e

COSTA, 2012, p. 11).

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Para tanto, é preciso pensar uma formação docente – inicial ou continuada –

mais conectada com a história do profissional, sem dissociá-la de sua vida pessoal,

evitando excluir a carga cultural que agregaria valores e novos conhecimentos ao

professor em formação e, consequentemente, implicaria uma educação mais

interdisciplinar e científica.

Diante do exposto em relação as conexões arte e educação, buscaremos ampliar

um pouco mais a discussão, ao apresentarmos o aporte teórico relacionado à abordagem

histórico-cultural e à pedagogia histórico-crítica que permeia nossa pesquisa.

2 A Pedagogia Histórico-Crítica e a Psicologia Histórico-Cultural: contribuições

para os processos de ensino e aprendizagem

O homem é um ser histórico, constituído a partir de suas apropriações e

objetivações do meio em que vive. Engels (1984) relata que a evolução humana foi

mediada pelo trabalho, permitindo a humanidade atingir um patamar científico e

cultural. Dentro dessa perspectiva, o homem, ao nascer, não recebe em sua carga

genética a herança cultural acumulada das geranções anteriores, necessitando aprender

pela interação com seu meio histórico-cultural. Neste ponto, a escola é – ou pelo menos

deveria ser – a instituição social capaz de promover as conexões histórico-culturais

necessárias para que o homem atingisse este patamar educacional, cultural e social.

Entretanto, como instituição social e direcionada pelo Estado, a escola

acompanha as correntes políticas e econômicas, moldando currículos e propostas

pedagógicas que direcionam a educação de toda uma população. Considerando o caráter

unilateral e descompromissado com a diversidade histórico-cultural recorrente na

educação, um levante educacional propôs uma educação democrática e dialética, que

respeitasse o cotidiano e a construção histórica do aluno. Essa é a Pedagogia Histórico-

Crítica (PHC), intituída por Dermeval Saviani (2011), em resposta ao movimento

educacional dominante, em uma tentativa de reinventar a escola e seu papel social.

Fundamentada no materialismo histórico-dialético, a PHC dialoga com a

Psicologia Histórico-Cultural de Lev Vigostki, trabalhando a dialética histórica a partir

das conexões sociais e culturais que permeiam os processos educativos. Orienta-se

através da práxis, entendida como ação transformadora, com base na tríade prática-

teoria-prática. Segundo Saviani (2011, p. 120), a práxis é “um conceito sintético que

articula a teoria e a prática”. Assim, a atividade prática sozinha não constitui a práxis,

tampouco, a atividade teórica também não a constituirá. Com isso, partindo da prática e

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interagindo com a teoria, as modificações causadas no processo educativo levarão a

uma nova prática modificada e transformadora.

De acordo com Saviani (2011), a educação é a ação mediadora no seio da

prática; ela se desenvolve à medida que as conexões dialéticas ocorrem entre professor e

aluno. Neste ponto, Saviani dialoga com um dos principais conceitos estudados por

Vigotski – a mediação – que tem elevada importância nos processos de ensino e

aprendizagem. Para Saviani (2008), o processo pedagógico da Pedagogia Histórico

Crítica está relacionado à prática – que é o ponto de partida e o ponto de chegada – e,

entre esses dois, há três momentos pedagógicos – problematização, instrumentação e

catarse – que são desenvolvidos à medida que ocorre a mediação entre professor e aluno

(SAVIANI, 2011).

Para facilitar o entendimento da PHC, Saviani (2008) instrumentaliza a tríade

prática-teoria-prática criando os 5 momentos pedagógicos, a saber: prática social

inicial, que é a descoberta do conhecimento prévio do aluno pela mediação. A

problematização ocorre quando se questiona a realidade a partir da prática. Na

instrumentalização, há a sistematização e a apropriação dos conteúdos pelo aluno. A

catarse é a síntese de todo o aprendizado, a partir das interações mediadas; é o

momento de efetiva aprendizagem. Por fim, no retorno à prática social, aluno e

professor reconstruíram seus conteúdos, passando a compreender realidade e

posicionar-se, com novas ações efetivas na sociedade.

Tal método pedagógico é facilmente relacionado com a Zona de

Desenvolvimento Iminente – a ZDI –, defendida por Vigotski (2010, p. 480), que afirma

que “o estado de desenvolvimento mental da criança pode ser determinado [...] através

da elucidação de dois níveis: do nível de desenvolvimento atual e da zona de

desenvolvimento imediato”.

Para ele é a transposição de um nível para outro que possibilita o

desenvolvimento das funções psicológicas superiores da criança, funções essas

essenciais ao desenvolvimento psicológico e educacional do aluno (VIGOTSKI, 2010).

Quando ocorre a transposição de conceitos espontâneos – que são aqueles relacionados

com empirismo vivenciado pelo indivíduo – para científicos é sinal de que as funções

psicológicas estão em desenvolvimento.

Assim, [...] os conceitos científicos transformam e elevam ao nível superior os

espontâneos, concretizando a zona de desenvolvimento imediato destes: porque o que a

criança hoje é capaz de fazer em colaboração, amanhã estará em condições de fazer

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sozinha (VIGOTSKI, 2010b, p. 351). Por isso a mediação é tão importante no processo

de ensino e aprendizagem, já que leva o educando a alcançar níveis mais elevados de

conhecimentos, aprendizagem e apropriação pela ação mediada (VIGOTSKI, 2010b).

Consideramos que pensar sob essa perspectiva é propor que a prática educativa

sistematizada e dimensionada na autonomia social do educando possa contribuir,

mesmo minimamente, para a transformação da realidade social. Portanto, em nossa

pesquisa nos embasaremos nesses referenciais teóricos do campo da educação para

planejar, executar, analisar e avaliar nossa intervenção na prática pedagógica. Para

tanto, contaremos com a mediação das histórias em quadrinhos, que, em tese,

contribuirão com a educação científica sob a perspectiva CTSA.

Diante dessas idéias, buscaremos na próxima seção ampliar um pouco mais a

discussão sobre o papel do ensino de Ciências na promoção de uma Educação Científica

com enfoque CTSA mais aproximada da perspectiva histórico-cultural.

3 O papel do ensino de Ciências na Educação Científica com enfoque CTSA

Com a perspectiva histórico-cultural, podemos compreender que a ciência é

produção histórica e humana que evoluiu paralelamente à evolução da humanidade.

É fato que o avanço científico na sociedade deveria ser acompanhado pelo

avanço no ensino das Ciências, entretanto, o ensino e a escolarização, durante um longo

período histórico, não foram destinados a todos na sociedade. Além desse fato, o ensino

de Ciências foi usado para responder às questões políticas e econômicas dos países,

incluindo o Brasil, visto que no período de 1950 a 1980 toda a produção e ensino

científico esteve destinado a contribuição de mão-de-obra especializada para responder

à necessidade de desenvolvimento econômico do país (DELIZOICOV; ANGOTTI,

1994).

Na contemporaneidade, o ato de ensinar é um desafio ao professor, visto que, o

educador não se restringe apenas a ensinar Ciências. Há a necessidade de estar

conectado as informações cada vez mais velozes e conhecer diferentes tecnologias que

se estabelecem e influenciam a sala de aula a cada dia. Neste caso, Delizoicov, Angotti

e Pernambuco (2007) afirmam ser necessário a atualização do professor das Ciências,

tanto em relação às teorias científicas quanto à tecnologia, uma vez que estas são a

objetivação do conhecimento cientifico acumulado desde os tempos mais remotos.

Consequentemente, considera-se a escola como primordial ambiente de

aprendizagem, apoiando-se em Saviani (2011) ao reconhecer que a educação é um

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processo natural e particular da espécie humana, e, por consequência, o ato de educar

está interligado às questões sócio-científicas, colaborando para o desenvolvimento

científico da sociedade. Todavia, devido à tradição científica recente no país,

percebemos que a atuação desses profissionais está mais ligada ao senso comum da

Ciência, distanciando-se das teorias e dos modelos que reforçariam as transformações

humanas (DELIZOICOV; ANGOTTI, 1994).

Em relação ao Ensino de Ciências, existem duas discussões atuais que se

interconectam e o complementam: os debates do movimento CTSA e a Educação

Científica. A abordagem CTSA busca a preparação do aluno para a cidadania, a partir

do seu contexto histórico, conectando-o às questões sociais, tecnológicas e ambientais.

Tem como objetivo criar cidadãos capazes ler, compreender, expressar opiniões e

dialogar com seus pares a respeito de diferentes conceitos científicos e relacioná-los

com o cotidiano. Por isso, o movimento CTSA vislumbra que todos sejam capazes e

estejam preparados para a tomada de decisões quando necessário for, a respeito de

questões ambientais, cidadãs e da sociedade como um todo (SANTOS; MORTIMER,

2002).

O movimento CTSA possui um caráter crítico, relacionando-se com a

interdisciplinaridade e o questionamento das certezas absolutas da Ciência. Por isso,

tem aproximações com a Alfabetização Científica defendida por Chassot (2003, p. 63),

que seria “[...] o conjunto de conhecimentos que facilitariam aos homens e mulheres

fazer uma leitura de mundo onde vivem [...] mas entendessem as necessidades de

transformá-lo, e transformá-lo para melhor”.

Entendendo a necessidade de o conhecimento científico não ficar restrito ao

cientificismo e percebendo que a ciência é prática social que deve ser usada para a

resolução ou encaminhamentos dos problemas da humanidade, acredita-se que mais do

que formar cidadãos capazes de ler o mundo científico, é preciso constituir um modelo

de educação que estimule a curiosidade e o espírito investigador do indivíduo (VALE,

2009). Para além disso, o aluno deve não apenas ler e observar o mundo, mas

naturalmente investigá-lo, questioná-lo, descobri-lo e principalmente, construir

conexões significativas entre fenômenos naturais e a produção científica humana,

percebendo que a ciência, para além de responder as dúvidas da humanidade, seja

contribuinte de uma sociedade mais justa e igualitária (VALE, 2009).

Enfim, a Educação Científica perpassa o ensino de Ciências, conecta-se ao

movimento CTSA e contribui para uma efetiva aprendizagem científica e crítica. Diante

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dessas ideias, apresentaremos na próxima seção a metodologia de trabalho de nossa

pesquisa, que propõe o uso dos quadrinhos como mediador do ensino de Ciências e da

Educação Científica em uma formação docente com perspectiva histórico-cultural.

4 Metodologia

Buscando uma interlocução entre pesquisa e prática docente, buscamos uma

metodologia de pesquisa que visasse à colaboração e que estivesse conectada a valores e

questões pedagógicas. Para tanto, aproximamo-nos da Pesquisa-Ação, defendida por

Thiollent (2011), que se refere à construção coletiva, buscando mudanças significativas

nas ações de seus participantes. Com o objetivo de responder aos objetivos elencados, a

pesquisa desenvolvida constituiu-se como participante, procurando envolver a práxis

educativa aliada à participação colaborativa dos participantes.

A escolha dessa orientação pedagógica deve-se às aproximações da perspectiva

histórico-cultural que adotamos em nossa intervenção. Diante do exposto, concordamos

com Thiollent (2011), quando aponta que as pesquisas participantes são mais

democráticas, permitindo mudanças planejadas e revistas sempre que necessário.

Com o objetivo de validar nossa proposta, planejamos uma formação docente

com professores do Ensino Fundamental do município de Cariacica/ES, que buscou a

promoção da Educação Científica, bem como a discussão das questões relativas ao

Ensino de Ciências com enfoque CTSA, mediadas pela Arte Sequencial. A orientação

metodológica de toda a formação e os materiais utilizados basearam-se nos momentos

pedagógicos de Demerval Saviani (2008).

O primeiro encontro e os materiais mediadores – tais como textos, histórias em

quadrinhos e slides – foram preparados previamente, ou seja, antes de conhecermos os

integrantes do curso. Contudo, na medida em que as mediações, os encontros e os

convívios foram ocorrendo na formação continuada, as atividades começaram a ser

pensadas coletivamente, de modo a acompanhar as discussões e a estimular o debate

sobre o ensino de Ciências e a Educação Científica por meio da Arte Sequencial. Diante

das atividades propostas em cada etapa do curso, como por exemplo a reconstrução de

diálogos em quadrinhos com base nos estudos sobre educação científica (Figura 1), os

professores foram analisando tais proposições e passaram a contribuir com a validação e

com o aprimoramento das sugestões.

Figura 1 - Parte interna da atividade “Um novo olhar sobre histórias em quadrinhos a partir da perspectiva

CTSA”.

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Fonte: Material adaptado e preparado pela autora.

Fonte das HQs: Carol, de Laerte Coutinho (Carol. São Paulo, Ed. Noohva América. 2010. 32p);

Tecnologia engraçada, de Clara Gomes (http://bichinhosdejardim.com/?s=tecnologia)

5 O relato de experiência

Quando foi proposta à Secretaria de Educação do município de Cariacica a

formação continuada de professores, tínhamos como objetivo constituir um grupo de

estudo para investigar, dialogar e construir colaborativamente todo o material do curso.

Entretanto, no primeiro encontro com os participantes, ao expor a proposta de pesquisa-

ação, houve rejeição do formato por parte dos docentes. Além disso, o dinamismo

presente no curso e a presença de atividades teóricas e práticas acabou afastando parte

do grupo.

Diante dessa negativa, propusemos ao grupo uma formação colaborativa onde

eles assumiriam o papel de analisar o material sugerido, além de testar as atividades e

propor modificações, se necessário fosse. Com isso, planejamos e executamos cinco

encontros, com métodos e atividades relacionadas a cada temática, específica para cada

momento (Tabela 1).

Tabela 1: Sequência de encontros e atividades desenvolvidas na formação docente.

Encontro Temáticas abordadas Material produzido e analisado

1º Encontro A linguagem dos quadrinhos e os

diferentes tipos de Arte Sequencial.

Produção de atividade a partir de diferentes charges,

tiras quadrinizadas ou histórias em quadrinhos.

2º Encontro

Temas Controversos.

O uso de quadrinhos na sala de aula.

Análise do livreto sobre temas controversos.

Produção de atividades do livreto.

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3º Encontro

Pedagogia Histórico-Crítica e os

Momentos pedagógicos.

Educação científica por meio da Arte

Sequencial.

Mapa mental: O que é Educação Científica.

Análise da instrumentalização dos momentos

pedagógicos de Saviani.

Quebra-cabeça de quadrinhos e produção de

sequência pedagógica fundamentada nos momentos

pedagógicos.

4º Encontro

Educação científica com enfoque

CTSA (Ciência, Tecnologia,

Sociedade e Ambiente) a partir de

histórias em quadrinhos.

Análise do folder de divulgação científica.

Reconstrução de diálogos em quadrinhos.

Análise de uma charge com debate ambiental e

produção de uma sequência pedagógica

fundamentada nos momentos pedagógicos.

5º Encontro

Diálogos entre Arte e Ciência:

construção dos relatos de experiência

usando histórias em quadrinhos para

a promoção da Educação Científica.

Construção de uma proposta de intervenção usando

Arte Sequencial.

Construção do relato de experiência junto ao curso

de formação.

Fonte: Tabela elabora pela autora.

A negativa à formação do grupo de estudo foi ao encontro do que Thiollent

(2011) caracteriza como base para a pesquisa-ação: é preciso que o outro esteja

interessado em participar e colaborar. Não é possível fazer pesquisa-ação sem que os

participantes tenham a intencionalidade de querer participar e construir juntos. Por isso,

partimos para uma formação mais dinâmica e humanizada, que se aproximasse da

realidade escolar vivenciada pelos participantes (MAZZEU, 1998). Além disso,

buscamos ferramentas do universo da arte (Arte Sequencial, vídeos, músicas, poemas,

entre outros) para dialogar com a educação científica, contribuindo para a composição

de novos olhares voltados para a interdisciplinaridade.

Em muitos momentos da formação, os professores relataram que se sentiam

como alunos – em virtude das atividades práticas realizadas durante o curso – e, neste

momento, refletiram sobre a sua prática, visto que olharam para ela a partir de outro

ponto de vista. Por isso, concordamos com Mazzeu (1998), que justifica a necessidade

da formação docente ser conectada com os processos de aprendizagem do aluno, visto

que assim a mediação ocorre mais naturalmente.

Essa experiência colaborou para o entendimento da tríade (prática – teoria –

prática) defendida por Saviani (2008). Pois, elaborar os encontros e as atividades,

pensando em cada professor e em suas particularidades, levando até eles a teoria – que

foi analisada, discutida e reaplicada nas atividades –, nos permitiu aprender com eles

que, partindo da prática, a teoria é melhor apreendida; o que contribui com uma prática

reformulada e mais crítica.

À medida que os encontros iam acontecendo, as participações e as colaborações

foram se tornando mais presentes, os professores já assumiam posições no encontro e

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colaboravam de diferentes maneiras. Nos últimos encontros, a maneira de se expressar

em relação as questões científicas e sociais do cotidiano vinha acrescida de teorias e

estudos individuais que os mesmos traziam para o encontro. As catarses aconteciam em

diferentes momentos, demonstrando que a formação humanizada e sob a perspectiva

histórico-cultural é uma excelente opção para a formação docente, inicial ou continuada.

6 Considerações finais

Por meio das atividades sistematizadas, usando a Arte Sequencial, com enfoque

no Ensino de Ciências, foi possível a promoção da Educação Científica na formação

docente dos professores participantes do projeto. Além disso, ao trazer para a formação

teorias relacionadas às questões científicas e tecnológicas, buscamos contribuir com a

formação pessoal dos professores em relação ao universo científico e tecnológico tão

presente em nossas escolas.

Com isso, visamos colaborar com a formação de um docente que passa a refletir

não apenas sobre a sua prática educativa, mas também sobre o seu papel de cidadão. De

acordo com contatos posteriores ao curso, essa aprendizagem reverberou não apenas na

área profissional, mas também nos ambientes sociais.

Por isso consideramos que a formação docente em questão, além de trazer

informações acerca do Ensino de Ciências e temáticas afins, conseguiu ir além. Ela

contribuiu com a formação pessoal do educador. Isso porque observamos por meio das

falas dos professores durante o curso e de suas respostas às atividades propostas que o

conhecimento de novas teorias por meio de questionamentos, reflexões e

posicionamentos diante da questões histórico-culturais, tão presentes na sociedade em

que vivem, fomentaram uma nova forma de compreender a realidade.

Desse modo, acreditamos que nossa pesquisa colaborou com a promoção da

Educação Científica mediada pela Arte, a partir da formação de cidadãos críticos,

sensíveis e participantes da construção de uma sociedade menos desigual.

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HISTÓRIAS EM QUADRINHOS DO UNIVERSO MACANUDO: UM

CAMINHO PARA A FORMAÇÃO DE LEITORES CRÍTICOS

Ana Carolina Langoni

IFES – Campus Vitória

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Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Letras, do

Instituto Federal do Espírito Santo que propõe o ensino de Língua Portuguesa, mais

especificamente a formação de leitores críticos, mediado pela Arte Sequencial. Objetiva

compreender como a utilização sistematizada dos quadrinhos do Universo Macanudo

pode contribuir com a formação do leitor crítico, tendo sua importância no fato de o

ensino de leitura e a formação de leitores críticos serem preocupações constantes dos

educadores. A proposta envolveu a parceria entre duas professoras de Língua

Portuguesa e seis alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II de uma escola municipal

de Cachoeiro de Itapemirim/ES, os quais juntos constituíram um grupo de estudo que se

reuniu para participar de momentos de leitura em horário alternativo. A metodologia

utilizada foi a pesquisa participante ou colaborativa, com participação coletiva de forma

ativa, cooperativa e participativa na resolução de problemas identificados, visando à

ampliação do nível de consciência crítica desse grupo. As atividades desenvolvidas

foram pensadas a partir da importância da mediação do professor e dos momentos

pedagógicos de Saviani. O aporte teórico no campo de formação do leitor dialoga com

Ezequiel da Silva, Geraldi, Orlandi e Bakhtin. Quanto às Histórias em Quadrinhos, a

pesquisa dialoga com Vergueiro, com relação ao uso de quadrinhos em sala de aula, e

com Adorno e Horkheimer, no que se refere à indústria cultural. Parte do pressuposto de

que as Histórias em Quadrinhos tendem a contribuir com a formação leitora dos alunos,

por serem textos atrativos e presentes no cotidiano destes e por explorarem jogos de

linguagem capazes de aprofundar a leitura e aguçar o espírito crítico, bem como a

percepção das estratégias linguísticas para a produção de sentidos. Conclui que os

quadrinhos podem formar leitores críticos, desde que exista adequação temática e

formal em seu uso.

Palavras-chave: formação de leitores. histórias em quadrinhos. ensino de língua

portuguesa.

Introdução

O artigo em tela apresenta uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-

Graduação em Letras do Instituto Federal do Espírito Santo (Profletras), a qual propõe a

utilização sistematizada das Histórias em Quadrinhos (HQs) do Universo Macanudo

como modo de contribuir com a formação crítica do leitor na disciplina de Língua

Portuguesa.

Os dados da pesquisa Retratos da leitura no Brasil 3 (FAILLA, 2012) revelam

que a leitura no país não tem sido satisfatória e diminui com o passar do tempo,

alertando para a importância de incentivar a leitura e formar leitores, pesquisando novas

estratégias e novos caminhos para atingir esse objetivo.

Nesse contexto, os professores de Língua Portuguesa encontram um grande

obstáculo no distanciamento entre a língua usada pelos educandos e a língua ensinada

na escola, o que, consequentemente, gera um desinteresse dos alunos.

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As HQs apresentam-se como alternativa viável nesse sentido, uma vez que

apresentam linguagem simples e acessível e são atrativas para os alunos, o que contribui

para despertar o interesse dos leitores e melhorar a fluência da leitura. De acordo com

Vergueiro (2014), o uso das histórias em quadrinhos faz com que os alunos estejam

propensos a participar mais ativamente das atividades propostas, por se tratar de uma

leitura com a qual eles já possuem familiaridade. Nesse sentido, a pesquisa em tela

insere-se na interface Arte e ensino de Língua Portuguesa, por utilizar a Arte Sequencial

(charges, cartuns, tirinhas etc.) para formar leitores críticos.

Ao pensar nas HQs mais adequadas para trabalhar a formação do leitor crítico,

deparamo-nos com os quadrinhos do argentino Liniers, autor das tiras Macanudo. Suas

tiras constituem o “Universo Macanudo”, assim chamado porque ele utiliza personagens

variados e foi criando galáxias de personagens dentro desse universo. Cada galáxia é

utilizada para expressar um estado de espírito. Esse Universo será apresentado de forma

mais detalhada na seção a seguir.

1 O Universo Macanudo

Macanudo é uma palavra em espanhol que significa “extraordinário”,

“estupendo”, “magnífico”. As tiras Macanudo são publicadas no jornal La Nación, da

Argentina, desde 2001. A tira foi batizada com esse nome porque, na época em que

começou a ser publicada, a Argentina passava por uma grande crise econômica e

encantava ao autor a ideia de ver uma palavra de alento impressa todos os dias no maior

jornal do país.

Em seus quadrinhos, Liniers utiliza personagens diversos e aborda variados

temas, como cotidiano, relações humanas e amor. Também critica a política, a mídia e o

consumismo e aborda problemas sociais. Algumas de suas tiras são apenas para divertir,

mas notamos em algumas um lado crítico e reflexivo, principalmente no que se refere à

indústria cultural e ao poder que ela exerce sobre as pessoas; como a tirinha da Figura 1,

que diz que a televisão atrofia a imaginação e, para demonstrar isso, o amigo imaginário

do menino vai atrofiando e só volta ao normal quando ele desliga a televisão.

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Figura 1 - Exemplo de tira Macanudo que critica a influência negativa da

televisão

Fonte: Liniers. Macanudo, n.6. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2013, p. 56.

Além da temática, nossa escolha pelas tiras Macanudo para desenvolver

atividades que contribuam com a formação de leitores críticos deve-se também ao fato

de serem criativas e não seguirem um padrão, como acontece com a maiorias das tiras.

Apresentaremos na próxima seção o aporte teórico relacionado às Histórias em

Quadrinhos, compreendendo sua relação com a indústria cultural e com o ensino.

2 As Histórias em Quadrinhos

A Arte Sequencial faz parte das linguagens contemporâneas da Arte, assim

como as charges, os cartuns, as tirinhas, as histórias em quadrinhos, entre outros

gêneros híbridos oriundos desses. Para trabalhar com quadrinhos, é preciso

compreender o papel que cada linguagem (visual e verbal) ocupa na HQ. A

compreensão da linguagem dos quadrinhos é indispensável para que o aluno interprete

os múltiplos discursos neles presentes e para que o professor obtenha melhores

resultados na sua utilização (VERGUEIRO, 2014). Esses elementos da linguagem dos

quadrinhos precisam ser conhecidos pelo aluno para que ele consiga interpretá-los.

Além disso, é preciso entender a origem e a ideologia que permeia as HQs.

Grande parte das críticas ao uso das HQs no ensino deve-se ao fato de serem

produtos da indústria cultural à serviço da alienação das pessoas. Esse termo foi criado

por Horkheimer e Adorno para substituir a expressão “cultura de massas” e se referir à

cultura produzida em larga escala para as massas, buscando uma padronização e

reforçando os valores da classe dominante. Compreendemos que os quadrinhos

surgiram como produto dessa indústria, para entreterem os leitores e serem consumidos

em massa, mas observamos que muitos quadrinhos, apesar de serem “produto” dessa

indústria, vão além desse objetivo e apresentam temas e formas que levam à reflexão

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crítica sobre a realidade, subvertendo a sua origem. Sendo assim, eles podem ser usados

para esse fim no contexto educacional.

Vergueiro (2014) aponta que inicialmente as HQs eram pouco utilizadas no

ensino e apenas ilustravam conteúdos. Essa utilização teve bons resultados, e os

quadrinhos passaram a ser incluídos com maior frequência em materiais didáticos.

O autor aponta algumas razões para o uso dos quadrinhos no ensino: os

estudantes gostam de ler quadrinhos; palavras e imagens, juntas, ampliam a

compreensão; existe um nível alto de informação nos quadrinhos; os recursos variados

dos quadrinhos possibilitam maior familiaridade com o gênero; o enriquecimento do

vocabulário; o estímulo ao exercício do pensamento para compreender o que não está

expresso; o caráter globalizador da temática dos quadrinhos; e o fato de eles poderem

ser usados em qualquer série, com qualquer tema. Além dessas razões, o autor inclui

duas outras muito importantes: a acessibilidade dos quadrinhos e seu baixo custo.

De certo que as HQs não devem ser o único gênero utilizado no ensino; elas se

constituem em mais uma forma de linguagem disponível, que está presente em quase

todas as áreas no processo de ensino/aprendizagem de conteúdos e na discussão de

temas específicos. Por esses motivos, optamos por utilizá-las na formação do leitor

crítico, tema que discutiremos na seção a seguir.

3 A formação do leitor crítico

No contato com o interlocutor, o texto adquire outro significado, pois muda o

contexto e muda também a consciência; o discurso deixa de pertencer ao locutor e passa

a ser visto pela consciência do interlocutor, que é constituída de outros discursos e

outras vozes. A compreensão é sempre dialógica; os sentidos são constituídos na troca,

no diálogo entre duas consciências. “Em toda parte temos o texto virtual ou real e a

compreensão que ele requer. O estudo torna-se interrogação e troca, ou seja, diálogo”

(BAKHTIN, 1997, p. 341).

Dessa forma, para formar leitores ativos, que assumam essa postura dialógica

com o texto, o professor precisa compreender essa relação de dialogismo e levar em

consideração que a compreensão de determinado texto para o aluno não será

necessariamente igual à sua, pois está diretamente ligada ao contexto em que o aluno se

insere, às suas vivências, às suas leituras e ao seu conhecimento de mundo, que não é

igual ao de ninguém (VIGOTSKI, 2010).

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De acordo com Schwartz (2006), nota-se que a leitura tem sido trabalhada como

decodificação ou simples captura do sentido único do texto, desconsiderando seus

aspectos extralinguísticos e a experiência de vida dos leitores. Além disso, segundo

Orlandi (2012), existe uma certa imposição para que o aluno atribua ao texto apenas

alguns sentidos e não outros. Para a autora, existem leituras previstas para um texto,

mas há sempre novas possibilidades de leitura, que vão variar de acordo como contexto

sócio-histórico. Assim, cabe ao professor mediar o processo de construção da história de

leituras do aluno, estabelecendo desafios para a compreensão, sem deixar de fornecer

condições para que o aluno seja capaz de assumir esses desafios. Segundo Vigotski

(2010), a mediação do professor exerce papel fundamental no desenvolvimento do

educando. Com a ajuda de um indivíduo mais experiente, o aluno pode realizar

reflexões e atividades que não conseguiria fazer sozinho naquele momento, mas depois,

devido ao processo de apropriação do conhecimento, ele adquire autonomia para

desempenhar tais reflexões e atividades sozinho.

Geraldi (1984) alerta que, em meio a discussões de como, quando e o que

ensinar, esquece-se de questionar o objetivo do ensino, ou seja, para que ensinar. Esse

objetivo está diretamente ligado à concepção que o professor tem de linguagem e à sua

postura com relação à educação. Nesse sentido, concebemos a linguagem como forma

de interação, trabalhando a formação do leitor crítico dentro da concepção de linguagem

bakhtiniana, entendida como processo de interação verbal e considerando o leitor um

sujeito ativo que se constitui de forma dialógica. Nesse contexto, a leitura é

compreendida como prática social, auxiliando a pensar a realidade e desenvolver o

senso crítico do leitor, ampliando sua participação social.

Levando em consideração o objetivo de nossa pesquisa, compreendemos que

existe a necessidade de repensar as práticas de leitura na educação básica, na busca pela

formação de leitores críticos, e acreditamos que os quadrinhos podem contribuir nesse

sentido. Na proxima seção, apresentaremos a metodogia utilizada para atingir nosso

objetivo, os sujeitos da investigação e os materiais didáticos elaborados em nossa

pesquisa.

4 Metodologia

Uma das exigências do Mestrado Profissional em Letras é que sejam priorizadas

metodologias nas quais haja participação tanto do pesquisador quanto dos demais

envolvidos, partindo do pressuposto que o pesquisador não é o único detentor do

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conhecimento e que todos podem contribuir com seus saberes. Além disso, espera-se

que a pesquisa gere um produto educacional que será disponibilizado para uso em

diferentes escolas. Objetivando atender aos requisitos do programa, a metodologia

utilizada é a pesquisa participante ou colaborativa, com participação coletiva na

resolução de problemas identificados em determinada realidade, visando à ampliação do

nível de consciência crítica desse grupo.

Nota-se, nessa metodologia, a presença dos conceitos bakhtinianos de

dialogismo, alteridade e exotopia, uma vez que propõe o diálogo constante, durante todo

o processo, entre pesquisador e participantes, e a construção conjunta do conhecimento.

Para Bakhtin (1997), os indivíduos se constituem na alteridade, são construídos e

transformados sempre através do outro, a partir de relações dialógicas. Desse modo,

veem o mundo também sob a perspectiva do outro, o que enriquece suas visões de

mundo e as transforma, contribuindo com a ampliação de suas consciências críticas.

Assim, o ponto de vista de ambos é transformado, nessa interação dialógica, tornando-

os mais conscientes e responsáveis por suas escolhas e atos.

Com o objetivo de validar nossa proposta de modo colaborativo, constituímos

um grupo de pesquisa pequeno, com duas professoras de Língua Portuguesa e seis

alunos do 9º ano do Ensino Fundamental II. Essa série foi escolhida porque nessa fase

da adolescência os alunos já conseguem desenvolver melhor a atividade crítica,

participando mais intensamente da realidade social, o que possibilita o trabalho de

formação de leitores críticos.

Elaboramos materiais educativos para serem utilizados nos encontros do grupo

de pesquisa, seguindo os passos pedagógicos de Dermeval Saviani (2009): a prática

social (levando em conta a realidade social dos alunos); a problematização

(identificando os problemas postos pela prática social); a apropriação (oferecendo

condições para que o aluno adquira o conhecimento – é denominada

“instrumentalização” por Saviani, mas optamos pelo termo “apropriação”, por tratar-se

do momento em que o aluno se apropria do conhecimento); a catarse (momento em que

o aluno apreende o fenômeno de maneira mais complexa); e o retorno à prática social

(com modificação da prática social após as vivências).

Detalharemos a seguir os dois materiais elaborados para a intervenção.

4. 1 Os materiais didáticos elaborados

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A fim de atender aos requisitos do programa com relação à criação de um

produto educacional, elaboramos dois materiais didáticos que serão disponibilizados no

site do programa e poderão ser utilizados por diferentes escolas. Esses materiais foram

elaborados a partir do conceito de dialogismo, de Bakhtin, propondo a construção do

conhecimento através das atividades e da mediação das professoras, evitando ao

máximo conceitos prontos. O primeiro material, “A linguagem dos quadrinhos”, foi

elaborado para favorecer o conhecimento dessa linguagem, considerando a interação,

estimulando a elaboração de conceitos e a sistematização do aprendizado de modo

interativo, porque acreditamos que o conhecimento deve ser construído de forma

conjunta. Esse material propõe a análise dos elementos formais da linguagem dos

quadrinhos separados do conteúdo, mas apenas para fins didáticos, pois não podemos

dissociar forma de conteúdo, uma vez que os dois formam um todo no processo de

produção de sentido do texto. Na Figura 2, apresentamos uma das atividades propostas,

elaborada para compreensão do conceito sobre as metáforas visuais, partindo dos

exemplos dados.

Figura 2 - Exemplo de atividade do material sobre a linguagem dos quadrinhos

Fonte: Material elaborado pela autora.

O segundo material, “Macanudo: formando leitores críticos”, foi elaborado com

tirinhas que fazem críticas a elementos da indústria cultural, para que os alunos

emitissem suas impressões sobre elas e, depois, discutissem as questões propostas e

desenvolvessem as atividades do material. Apresentamos também textos de outros

gêneros (música, charge, propaganda, poesia, filme etc.), para que os alunos os

relacionassem às tirinhas lidas. Um exemplo é a Figura 3, que contém uma das tirinhas

utilizadas para discutir o consumismo desenfreado.

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Figura 3 - Exemplo de tirinha utilizada no material

Fonte: Liniers. Macanudo, n.2. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2009, p. 52.

Após a discussão da forma e do conteúdo da tirinha, foram apresentados o

poema “Eu, etiqueta”, de Carlos Drummond de Andrade, e duas imagens que

reforçavam a ideia do consumo nos dominando, para que fossem estabelecidas relações

entre eles e a tirinha. Após a discussão, os alunos foram convidados a produzir um

cartaz com um corpo preenchido por propagandas, para reforçar a crítica da tirinha.

Após a elaboração desses dois materiais didáticos iniciamos as atividades junto

ao grupo colaborativo conforme descreveremos na próxima seção.

5 Relato da experiência

Incialmente, fizemos uma identificação do problema que pretendíamos analisar,

a formação do leitor crítico por meio das HQs, bem como um primeiro contato com os

interessados que constituíram o grupo de pesquisa, uma divisão das tarefas e um

estabelecimento dos principais objetivos da pesquisa.

A proposta de intervenção foi dividida em duas etapas. A primeira consistiu no

conhecimento da linguagem dos quadrinhos, utilizando o material “A linguagem dos

quadrinhos”. Na segunda etapa, utilizando o material “Macanudo, formando leitores

críticos”, foram propostas atividades de leitura, interpretação e compreensão de alguns

quadrinhos Macanudo, buscando que a leitura promovesse o que Silva (2011) propõe:

uma forma de encontro entre o homem e a realidade sociocultural. O objetivo era que,

por meio dos quadrinhos, os alunos evoluíssem da leitura mecânica que costumam

realizar em suas práticas escolares para uma leitura que despertasse seu lado sensível,

que os fizesse refletir sobre sua realidade e o mundo que os cerca.

Antes da segunda etapa ser iniciada, os alunos analisaram uma tirinha sozinhos e

escreveram suas percepções sobre ela. Ao final da segunda etapa, eles analisaram mais

três tirinhas sozinhos, para que fosse possível comparar a análise que os alunos faziam

antes da intervenção com a análise após a intervenção. Para finalizar, eles produziram,

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coletivamente, uma tirinha crítica, refletindo sobre algum problema da realidade deles, e

responderam a um questionário final, para avaliar as oficinas realizadas.

Ao trabalhar o material sobre a linguagem dos quadrinhos, os alunos

construíram, a partir dos exemplos dados e da mediação das professoras por meio de

perguntas, conceitos sobre a linguagem visual dos quadrinhos. Eles avaliaram o material

didático utilizado e, de todo o material, sugeriram apenas a troca das tiras cômicas, para

que o humor ficasse mais evidente. No final, preencheram os balões de uma história em

quadrinhos que não conheciam, para colocar em prática o que estudamos (Figura 4).

Figura 4 - Exemplo de atividade feita pelos alunos

Fonte: Material elaborado pelos alunos.

Fonte da tirinha: Will Tirando (http://ww2.willtirando.com.br/imagens/O-GRAMA.png).

Após a conclusão da primeira etapa, foi apresentada uma tirinha aos alunos

(Figura 5), para que eles registrassem suas impressões sobre os elementos que compõe

essa linguagem visual e sobre o conteúdo dessa tirinha, sem intervenção das

professoras, para compreender de que modo estavam sendo realizadas suas análises

críticas das tirinhas.

Figura 5 – Tira analisada pelos alunos

Fonte: Liniers. Macanudo, n.2. Campinas, SP: Zarabatana Books, 2009, p. 54.

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A partir das respostas dos alunos foi possível perceber que eles ainda liam os

quadrinhos de forma simplificada, sem refletir e posicionar-se sobre seu conteúdo, sem

relacionar os recursos visuais utilizados pelo artista ao conteúdo, fazendo apenas uma

leitura mecânica, procurando o traço de humor. Essa tira foi utilizada como parâmetro

para analisar, posteriormente, a evolução dos alunos na leitura crítica.

Após essa análise, iniciamos o estudo dos quadrinhos Macanudo. Todas as tiras

livres selecionadas fazem uma crítica (direta ou indireta) à indústria cultural,

principalmente a mídia televisiva. Propusemos a análise de cada tira, momento em que

os alunos fizeram comentários e observações, depois seguimos com a discussão das

perguntas relacionadas à tira e colocamos outros textos em diálogo com ela.

Os alunos conseguiram identificar a maioria das críticas feitas nas tirinhas,

poucas vezes precisaram de intervenção por meio de perguntas que os levassem a

analisá-las por outros ângulos até chegar à crítica que acreditamos que eles alcançariam.

Eles notaram críticas ao consumismo; à falta de individualidade e de personalidade de

pessoas que só copiam padrões divulgados pela mídia; às redes sociais, com a falsa

ideia de vida perfeita repleta de amigos; à mídia; à vontade de ser famoso a qualquer

preço; à corrupção em pequenos atos; às falsas propagandas políticas; aos conteúdos dos

programas de TV e à publicidade, que utiliza estratégias baseadas em mentiras, para nos

convencer a comprar e a sermos consumistas.

A partir das análises das tirinhas do material e das discussões feitas no grupo, foi

possível perceber que os quadrinhos podem contribuir com a formação de leitores

críticos, dependendo da forma como forem trabalhados; pois os alunos evoluíram na

análise dos quadrinhos, deixando de apenas decodificá-los e passando a buscar pistas e

marcas nas formas e no conteúdo que os levassem à interpretação. Conseguiram

também estabelecer relações tanto entre os quadrinhos e outros textos, quanto entre os

quadrinhos e sua prática social, alcançando o objetivo dos momentos pedagógicos de

Saviani (2006) que utilizamos na metodologia. Além disso, foram capazes de perceber

outras vozes nos textos das tirinhas.

Finalizamos o estudo com a análise de três tirinhas, sem perguntas ou

intervenção, a fim de verificar se houve evolução na leitura. Percebemos nas análises

feitas pelos alunos uma atividade crítica de leitura dos quadrinhos, com a expressão de

seus pensamentos, após uma reflexão acerca do que leram. Eles partiram de sua prática

social, refletiram e posicionaram-se sobre as tirinhas, assumindo uma atitude responsiva

ativa (BAKHTIN, 1997) diante da leitura, dando uma resposta ao texto.

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11989ISSN 2177-336X

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Além da análise de tirinhas, os alunos produziram em conjunto duas tirinhas

críticas que refletiam sobre algum problema da realidade deles. Em uma delas

desenharam um personagem tomando banho por duas horas e ficando sem água, devido

ao desperdício. Na outra (Figura 6), o personagem assiste à propaganda de um

desodorante que faria com que as mulheres caíssem em seus braços. Ele compra o

desodorante, mas nada acontece, e ele fica sem entender nada.

Figura 6 - Exemplo de tirinha produzida pelos alunos

Fonte: Material elaborado pelos alunos.

Nessa tirinha eles usaram diversos elementos da linguagem visual: balões do

som da TV e de pensamento; na transição do segundo para o terceiro quadrinho eles

utilizaram o recurso da elipse; e os personagens são desenhados em ângulos diferentes,

ora de perfil e ora de frente, o que dá um dinamismo aos quadros. O que nos faz

perceber que não foi só criação de um conteúdo crítico, mas a forma também

acompanhou a evolução dos alunos. Notamos que os alunos aprenderam sobre a

linguagem dos quadrinhos e compreenderam que eles não precisam ter como função

apenas a diversão e o entretenimento; eles podem fazer críticas à prática social, ainda

que de forma bem-humorada, como qualquer outro gênero textual. Essa atividade

permitiu observar um pequeno reflexo do estudo da linguagem dos quadrinhos e da

leitura crítica das tiras Macanudo que fizemos nos encontros do grupo de pesquisa.

Os alunos responderam a um questionário final, no qual avaliaram positivamente

as atividades e as consideraram importantes para seu aprendizado, reconheceram que

evoluíram na compreensão de tirinhas e afirmaram que se sentem mais preparados para

lê-las e identificar as críticas feitas. Assim, atingimos nosso objetivo de transformar,

ainda que minimamente, a realidade dos alunos, contribuindo com sua consciência

crítica na construção conjunta do conhecimento.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11990ISSN 2177-336X

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6 Considerações finais

É possível perceber que os quadrinhos podem formar leitores críticos, desde que

exista adequação temática e formal em seu uso. Em primeiro lugar, é preciso, como já

foi dito, apresentar aos alunos a linguagem que é própria dos quadrinhos e que está em

relação com o conteúdo apresentado, pois a forma reforça e dialoga com a ideia

apresentada pelo quadrinista. Não basta ler balões e ver a gramática que está posta no

texto. É preciso compreender o modo como os quadrinhos foram estruturados,

compreender os elementos visuais utilizados e colocá-los em diálogo com o conteúdo

apresentado na discussão da tirinha. O artista, por intermédio da forma, apresenta uma

ideia que critica a realidade. Os alunos têm que perceber isso, pois interfere no sentido

dado ao texto.

Além disso, é necessário esclarecer os objetivos do estudo dos quadrinhos e

conhecer melhor os alunos e seus gostos, para despertar neles o interesse pela leitura. Se

as atividades fazem sentido para o aluno, ele tem mais vontade de aprender, pois se

constitui, por meio de diferentes mediações, como um sujeito mais crítico diante da

realidade muitas vezes massificada pela indústria cultural.

Por meio de recorrentes atividades como essas, pode-se contribuir com a sua

formação crítica, por isso o processo é contínuo, não é pontual, e precisa ser

incorporado pelos sistemas de ensino. Para tanto, os materiais didáticos desenvolvidos,

após serem reavaliados na sala de aula regular, estão sendo disponibilizados aos

professores de Língua Portuguesa de Cachoeiro de Itapemirim, por meio de divulgação

virtual. Também realizamos uma formação de professores para compartilhar a pesquisa

desenvolvida, explicando a proposta e a forma como as atividades foram trabalhadas,

pois, muitas vezes, os professores recebem a tarefa de trabalhar com determinados

gêneros, sem ter a oportunidade de aprofundar seus conhecimentos sobre eles para que

esse trabalho seja melhor desenvolvido.

Referências

BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. Trad. Maria Ermantina Galvão G.

Pereira. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997.

FAILLA, Zoara (org.). Retratos da leitura no Brasil 3. São Paulo: Imprensa Oficial do

Estado de São Paulo/ Instituto Pró-Livro, 2012.

GERALDI, João Wanderley. Concepções de linguagem e ensino de português. In:

GERALDI, João Wanderley (org.). O texto na sala de aula. São Paulo: Ática, 1984.

ORLANDI, Eni Pulcinelli. Discurso e leitura. 9. Ed. São Paulo: Cortez, 2012.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11991ISSN 2177-336X

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SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia. 41. ed. revista. Campinas, SP: Autores

Associados, 2009.

SCHWARTZ, Cleonara Maria. Os sentidos da leitura. Cadernos de Pesquisa em

Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação. v. 12, n. 24 (jul./dez. 2006).

Vitória: PPGE, 2006.

SILVA, Ezequiel T. O ato de ler: fundamentos psicológicos para uma nova pedagogia

da leitura. 11. ed. São Paulo: Cortez, 2011.

VERGUEIRO, Waldomiro. Uso das HQs no ensino. In: RAMA, Ângela;

VERGUEIRO, Waldomiro (orgs.). Como usar as histórias em quadrinhos na sala de

aula. 4. ed. São Paulo: Contexto, 2014, p. 7- 29.

VIGOTSKI, L. S. Psicologia pedagógica. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

XVIII ENDIPEDidática e Prática de Ensino no contexto político contemporâneo: cenas da Educação Brasileira

11992ISSN 2177-336X

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O ENSINO DO DESENHO TÉCNICO MEDIADO PELA HISTÓRIA DA

ARQUITETURA E PELAS ARTES VISUAIS

Janaina Carneiro Marques

IFES – Campus Vitória

Resumo: O artigo apresenta uma pesquisa do Mestrado Profissional em Educação em

Ciências e Matemática, do Instituto Federal do Espírito Santo, que propõe a

reformulação do ensino do Desenho Técnico, mediada pela História da Arquitetura e

pelas Artes Visuais. Objetiva investigar como o estudo dessas relações pode contribuir

na elaboração de uma proposta de ensino interdisciplinar, atrativa e contextualizada, que

se aproxime da realidade do estudante. Busca também desenvolver, por meio da

Computação Gráfica, animações e maquetes eletrônicas para ilustrar os conceitos de

Desenho Técnico, com ênfase nos conteúdos: proporção, perspectiva e projeção

ortogonal. O locus desse trabalho é o Instituto Federal do Espírito Santo e os atores

envolvidos são treze alunos do curso técnico em Eletrotécnica, os quais foram

convidados a formar um grupo de pesquisa, no intuito de construir, de forma

colaborativa, uma nova proposta para o Ensino do Desenho Técnico. A metodologia se

aproxima da pesquisa-ação porque tem como princípio a participação de todos os

integrantes do grupo e possibilita estabelecer a reflexão e a avaliação em todas as etapas

do processo. Como referencial teórico dialoga com a Psicologia Histórico-Cultural,

proposta por Vigotski, valorizando a mediação do professor. Adota a Pedagogia

Histórico-Crítica como teoria pedagógica da Psicologia Histórico-Cultural, assim como

os momentos propostos por Saviani. No campo da Arquitetura e Desenho Técnico, os

referenciais teóricos desse trabalho são: Argan, Ching, Heydenreich e Montenegro.

Conclui que a intervenção contribuiu com a proposta interdisciplinar para o ensino de

Desenho Técnico e colaborou também com o aumento do conhecimento técnico

relacionado aos conteúdos mediados, ampliando a formação profissional do estudante

de forma contextualizada.

Palavras-chave: Desenho Técnico, Artes Visuais, História da Arquitetura.

Introdução

Este artigo intenta apresentar uma pesquisa de mestrado do Programa de Pós-

graduação em Educação em Ciências e Matemática (EDUCIMAT), do Instituto Federal

do Espírito Santo. Consiste em uma proposta interdisciplinar para o ensino do Desenho

Técnico, relacionando-o com a História da Arquitetura e as Artes Visuais, em uma

tentativa de torná-lo mais atrativo e contextualizado.

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11993ISSN 2177-336X

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Busca utilizar a Computação Gráfica, por meio de maquetes eletrônicas e

animações, como ferramenta que aproxima o Desenho Técnico Instrumental da

realidade do estudante. Os conteúdos da disciplina Desenho Técnico elencados para

serem trabalhados na investigação são: proporção, perspectiva e projeções ortogonais.

De modo a apresentar tal pesquisa, esse trabalho será dividido em quatro seções:

na primeira construiremos um histórico do Desenho Técnico. Na segunda

relacionaremos o Desenho Técnico com a História da Arquitetura. Na terceira seção

apresentaremos a metodologia, que se aproxima dos princípios da Pesquisa-ação, e na

quarta relataremos a experiência com o grupo de pesquisa e a apropriação das Artes

Visuais como recurso didático para o ensino do Desenho Técnico.

1. O Desenho Técnico

O Desenho Técnico é uma ferramenta utilizada no desenvolvimento e na

comunicação de ideias, conceitos e projetos. Para Ribeiro et all (2011) é uma forma de

expressão gráfica que tem por finalidade a representação, a dimensão e o

posicionamento dos objetos, de acordo com as necessidades requeridas pela Arquitetura

e pelas várias modalidades de Engenharias. Utiliza linhas, números, símbolos e

indicações escritas normalizadas internacionalmente. É definido como linguagem

gráfica universal da Arquitetura e das Engenharias.

De acordo com Ching (2011), mesmo com o avanço da tecnologia, o desenho

manual tem o potencial de superar o achatamento de uma superfície bidimensional e

representar desenhos tridimensionais da Arquitetura de forma clara, legível e

convincente. Para tanto, é preciso aprender a executar e ler a linguagem gráfica do

Desenho. O ato de desenhar não é só uma questão técnica, é também uma ação

cognitiva que envolve percepção visual; avaliação e raciocínio de dimensões; e

relacionamentos espaciais.

Os primeiros registros de desenhos em forma de planta, elevação e cortes, ou

seja, a representação de edificações tridimensionais em duas dimensões aconteceu no

Renascimento, nos tratados de Arquitetura desse período. Observou-se na ocasião a

evolução do conceito de escala, que no caso dos projetos, passou a ser utilizada a escala

de redução, para que grandes obras pudessem ser representadas em uma pequena

superfície de papel. Nessa época também foi desenvolvida por Brunellesch a

perspectiva, o que possibilitou a execução de projetos complexos, por facilitar a

compreensão dos mesmos.

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No século XVIII, por intermédio dos trabalhos do matemático francês Gaspard

Monge, surgiu a geometria descritiva. O sistema criado por ele foi publicado em 1795,

com o título “Geometrie Descriptive”, e é a base da linguagem utilizada pelo Desenho

Técnico.

Com o advento da Revolução Industrial, ocorreu o fenômeno da

estandardização, que inclui a padronização da fabricação de mercadorias e a produção

em série. Houve a necessidade de normatizar a geometria descritiva a fim de se criar

uma forma única de interpretação de projetos para atender essas demandas. A comissão

técnica da International Organization for Standardization (ISO) o fez. Esse processo

ocorreu por meio do Desenho Técnico, que ganhou caráter de documento.

Assim, consideramos que o Desenho Técnico seja a aplicação dos princípios da

geometria descritiva. Ele obedece a regras estipuladas mundialmente, deve comunicar

uma ideia, conceito ou projeto de forma única, sem duplo significado ou múltiplas

interpretações (SILVA, 2006).

2. O Desenho Técnico, a História da Arquitetura e as Artes Visuais

Sabemos que desde os tempos antigos foram desenvolvidas relações, teorias e

novas técnicas de representação gráfica que ofereceram suporte à Arquitetura e às Artes

Visuais. De acordo com Ching (1999, p. 286), uma relação que tem sido utilizada desde

a Antiguidade é a proporção conhecida como Seção Áurea. Os gregos identificaram a

predominância dessa relação nas proporções do corpo humano. Passaram a considerar

esse sistema de proporção como algo divino, a Divina Proporção, devido à harmonia

visual que proporcionava. Acreditavam que tanto a humanidade quanto os santuários

deveriam pertencer a uma ordem mais elevada, logo utilizavam essas mesmas

proporções na Arquitetura.

Vitrúvio, arquiteto e engenheiro romano, escreveu o único tratado de Arquitetura

da Antiguidade de que se tem registro. Nesse ele descreveu características e técnicas da

Arquitetura grega e romana, suas proporções, assim como as do corpo humano,

baseados na Seção Áurea, conhecido como o homem vitruviano. Os projetos

arquitetônicos deveriam ser baseados nas dimensões do corpo. Esse tratado é composto

por dez livros e, segundo historiadores, foi descoberto no Renascimento e influenciou

significativamente a Arquitetura Renascentista.

No Renascimento os arquitetos e artistas também utilizavam a Divina Proporção

em suas obras. Segundo Ching (1999), eles consideravam que “A Arquitetura era

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Matemática traduzida em unidades espaciais”. As partes e o todo das obras

arquitetônicas tinham proporções baseadas em relações matemáticas. Destacaram-se

vários arquitetos e artistas italianos como Brunelleschi, Alberti, Palladio e Leonardo da

Vinci.

Outra técnica desenvolvida na Renascença foi a perspectiva. Essa descoberta

representou um divisor de águas no que diz respeito à representação gráfica. Naquele

momento o arquiteto estabelecia uma nova forma de pensar o espaço, uma forma

mensurável. Essa nova técnica foi e é amplamente utilizada não só na Arquitetura e nas

Engenharias, como também nas Artes Plásticas (pintura, escultura, cenografia etc.).

Heydenreich (1998) afirma que Brunelleschi, homem de formação

multidisciplinar (ourives, com formação matemática e mecânica), criou uma maneira

própria de compatibilizar o conhecimento teórico e científico. Ele foi o inventor da

ciência da construção em perspectiva. Esse fato, além de representar um novo sentido

de proporções e harmonias arquitetônicas, possibilitou novas formas estruturais e

técnicas de construção.

Uma das características que faz da perspectiva uma técnica diferenciada é que

ela proporciona a possibilidade de representar um objeto que possui três dimensões

(largura, altura e profundidade) em uma superfície de duas dimensões (largura e altura).

Ao analisar a importância da perspectiva criada no Renascimento na concepção

de projeto de Arquitetura, Argan (1999) afirma que a perspectiva já não é considerada a

lei de sensação ótica, mas a lei construtiva do próprio espaço. Essa técnica passou a ser

utilizada nos estudos de proporções, de relação entre as partes e o todo, tornando-se

ferramenta fundamental na concepção arquitetônica.

Posteriormente, com o advento da Revolução Industrial, no século XVIII,

contexto no qual a produção deixou de ser artesanal e passou a ser padronizada e em

grande quantidade através da utilização de máquinas, surge a Geometria Descritiva,

desenvolvida por Gaspar Monge. Por meio da Geometria Descritiva, foi desenvolvida a

técnica da Projeção Ortogonal, na qual se obtém a verdadeira grandeza dos objetos, o

que representou um grande avanço na padronização e aumento da produção industrial.

A Projeção Ortogonal é uma forma de representar objetos tridimensionais em

vistas bidimensionais, por meio de linhas que passam por esse objeto e são

perpendiculares ao plano de projeção e paralelas entre si. As faces do objeto são

orientadas paralelamente aos respectivos planos de projeção, representando assim suas

medidas, formas e proporções reais. Os desenhos resultantes dessa representação

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possuem duas dimensões porque a terceira dimensão é achatada no plano de projeção

(CHING, 2011). Essa técnica possibilita desenhar os objetos e edificações, definindo

suas formas e medidas, atividade essencial para uma boa leitura e execução de projetos.

Diante do exposto, percebemos ser importante que o estudante não aprenda

somente as técnicas, como vem ocorrendo nos cursos técnicos, mas também estude o

contexto no qual determinada técnica surgiu, com qual finalidade, o que representou e

qual importância tem na atualidade e na sua realidade.

Assim, para a construção de uma nova proposta de ensino do Desenho Técnico,

interdisciplinar e contextualizada historicamente, detectamos a necessidade de levantar

os anseios dos alunos. Dessa forma, buscamos uma metodologia que sinalizasse nessa

direção, conforme descreveremos na próxima seção.

3. Metodologia

Por objetivar intervenção na realidade a ser pesquisada e a colaboração entre os

integrantes da pesquisa, o trabalho se aproxima da pesquisa-ação.

A colaboração entre os participantes da pesquisa no planejamento e na execução

das propostas possibilita estabelecer a reflexão e a avaliação em todas as etapas da

pesquisa. Assim, todos contribuem com a transformação de situações que se

configuraram como objeto de estudo (THIOLLENT, 2011).

A interação entre pesquisador e participantes, que no caso da pesquisa em tela

são os alunos, promove a troca de conhecimento e também a possibilidade de

diagnosticar os anseios dos estudantes. Tal prerrogativa é muito importante para se

atingir os objetivos do trabalho, que são reavaliados de acordo com os interesses de todo

o grupo.

Nesse sentido, convidamos alunos do curso técnico em Eletrotécnica, do qual

somos docentes, para formarmos um grupo de pesquisa, a fim de discutirmos seus

anseios, pontos de vista e sugestões para a construirmos juntos uma proposta de Ensino

do Desenho Técnico. Nas reuniões utilizamos os momentos propostos por Saviani na

Pedagogia Histórico-Crítica, detalhados na didática sugerida por Gasparim (2013), sem

esquecer da observação feita por Chisté (2015), de que esses momentos não seguem

uma ordem rígida, engessada. A seguir, uma síntese da didática escolhida:

Tabela 1: Síntese da didática sugerida por Gasparim (2013) para a Pedagogia Histórico-Crítica de

Saviani.

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Prática Social Inicial

Diagnóstico do que os participantes já conhecem sobre o tema, assim

como dos seus anseios em relação a esse.

Problematização

Momento no qual o mediador lança desafios e questionamentos sobre o

tema, relacionando-o à realidade dos participantes.

Instrumentalização

Fase na qual o mediador atuará na Zona de Desenvolvimento Iminente,

transformando os conceitos cotidianos diagnosticados na prática social

inicial em conceitos científicos, associando ao conhecimento científico

construído historicamente pela humanidade (VIGOTSKI, 2010).

Catarse

Momento em que ocorre a elaboração da síntese, da nova postura

psíquica dos participantes. Isto é, o participante interioriza o

conhecimento consolidado de forma peculiar, particular,

subjetivamente. Ocorre a apropriação do conhecimento por parte do

estudante.

Prática Social Final

Fase em que os participantes expressam seus novos posicionamentos

acerca do tema. É a nova prática social do conteúdo. É o resultado das

ações realizadas nas etapas anteriores. Momento no qual o participante

expõe o conhecimento apropriado, associando à realidade, tornando-se

apto para atuar criticamente na transformação dessa.

Fonte: GASPARIM, 2013. Adaptação da autora.

A partir do conhecimento dos momentos pedagógicos, o grupo de pesquisa

construiu sugestões de atividades a serem aplicadas em sala de aula. Essas foram

debatidas, analisadas e avaliadas.

4. Relato de experiência

A intervenção foi composta por cinco partes nas quais abordamos os conteúdos

proporção, perspectiva, projeção ortogonal, modelagem em três dimensões e animações.

Na primeira parte, a fim de trabalhar a Prática Social Inicial, por meio do

trabalho cooperativo e da sensibilização no que diz respeito à importância do Desenho

Técnico e da sua relação com várias áreas do conhecimento, escolhemos como elemento

mediador uma das formas de arte, a poesia. Adotamos Cecília Meireles, escritora e

poetisa brasileira. Trabalhamos com o poema “O Desenho”, de 1963, que compõe o

livro “O Estudante Empírico”. Os versos foram distribuídos separadamente para os

estudantes que, em conjunto, os organizaram em uma ordem que eles achavam lógica e

posteriormente debateram sobre a mensagem da poesia.

Buscando atingir a formação integral, multidisciplinar, emancipadora e romper

com o ensino tecnicista, o qual trata o homem como máquina e defende cada vez mais a

especialização do conhecimento e do trabalho, proporcionando uma formação

desintegrada e alienada; para problematizar o assunto, recorremos ao cinema, outra

linguagem artística. Utilizamos um trecho do filme “Tempos Modernos” (1936), de

Charles Chaplin. Dialogamos sobre trabalho, ensino técnico e formação multidisciplinar

do estudante, possibilitando uma leitura crítica da realidade que circunda os discentes. O

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grupo debateu e concluiu que a nova proposta de Ensino do Desenho Técnico deveria

caminhar nesse sentido.

No momento da Instrumentalização, utilizamos parte do desenho animado

“Donald no país da Matemágica” (1959), que de forma descontraída e divertida

relaciona a Matemática com diversos campos do conhecimento. Aborda assuntos da

matemática (pentágono, pentagrama, proporção áurea), contextualizando-os

historicamente e mostrando suas aplicações na natureza, na Arquitetura, na música etc.

A fim de aprofundarmos o conhecimento, fizemos uma breve apresentação, abordando

proporção e escalas e seu contexto histórico.

Com o intuito de aplicar os conceitos de escala e proporção, de modo a estimular

o momento catártico, utilizamos como recurso a arte em mosaico. Um dos arquitetos

que utilizou essa técnica foi Antoni Gaudi. Fizemos uma breve apresentação sobre o

arquiteto e exibimos uma animação sobre uma de suas obras, a casa Battló. Esse vídeo

foi produzido e premiado em 2013, no Festival de filmes turísticos de Riga (capital da

Letônia). Retrata a obra como um ser vivo, fazendo menção à grande imaginação e

criatividade de Gaudi. Também mostra a técnica do mosaico utilizada na Casa Batlló.

Posteriormente propusemos uma tempestade de ideias para a construção do

mosaico coletivo, a fim de que os estudantes pudessem vivenciar os conceitos de escala

e proporção. Em grupo, eles discutiram os conceitos, as didáticas apresentadas e, a

partir disso, buscaram apresentar, por meio de croquis feitos nos diários de bordo, suas

ideias para a criação do mosaico. Surgiram três ideias principais baseadas na Razão

Áurea que, posteriormente, foram mescladas e digitalizadas por meio do programa

AutoCAD. O projeto foi impresso e transferido para a base de madeira com folhas de

carbono. Os estudantes cortaram as peças cerâmicas, colaram na base de madeira e

rejuntaram o mosaico (Figura 1).

Figura 1- Mosaico baseado na Razão Áurea

Fonte: Material elaborado pelos alunos.

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O retorno à prática social foi constituído por uma avaliação das didáticas. Visto

que a proposta de reformulação do ensino do Desenho Técnico é uma construção

coletiva, levar em consideração a opinião e as impressões dos participantes é

fundamental. Em geral, os estudantes aprovaram as atividades realizadas pelo grupo e

sugeriram que, em outras turmas, o mosaico fosse feito menor e por grupos com menos

integrantes, para diminuir o tempo gasto em sua execução. Fizeram também associações

espontâneas do conhecimento adquirido em sala de aula e o conhecimento cotidiano.

Um dos alunos associou o conhecimento apropriado nos encontros sobre proporção ao

livro “O Código da Vinci”, de Dan Brown, que, na trama, cita a Proporção Divina

(Razão Áurea).

Na segunda parte da intervenção, trabalhamos o conteúdo perspectiva. Na

prática social inicial, optamos por introduzir o tema por meio da música “Ponto de

Vista, de Edu Kriegger e João Cavalcanti. Após a exibição do vídeo do grupo Casuarina

interpretando a canção, abrimos um debate sobre o assunto. Nesse momento,

conversamos sobre “ponto de vista”, que é um dos conceitos básicos da técnica da

perspectiva. O objetivo era que os participantes identificassem o significado da palavra

perspectiva por meio da música, assim como percebessem que um termo criado

tecnicamente, no Renascimento, influenciou a linguagem e se tornou uma expressão

recorrente no cotidiano.

Após a primeira parte, na problematização, os participantes foram divididos em

dois grupos e convidados a buscar o conceito de perspectiva por meio de textos que

apresentavam sua definição e história. Em um varal foram penduradas imagens que

remetiam ao texto: fotos de obras arquitetônicas, de pinturas, esculturas etc. Imagens:

Catedral de Florença, Panteon, Coliseu, Pinturas de Escher, Vila Rotonda, Tempieto,

Vila Savoe, Croquis de Niemeyer etc. Cada participante escolheu duas imagens e

depois, em grupo, os alunos confeccionaram cartazes, relacionando o texto estudado

com as imagens e, após a confecção, fizeram a apresentação dos trabalhos.

A fim de ilustrar e complementar as informações observadas no texto e nas

imagens da dinâmica descrita, escolhemos uma animação criada pelo canal National

Geographic, que retrata como o arquiteto Bruneleschi, inventor da técnica de

perspectiva, projetou e executou o domu da Catedral de Florença, grande realização

para sua época.

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Dando continuidade à problematização que, nesse momento, se mistura com a

instrumentalização, trabalhamos os conceitos envolvidos no conteúdo perspectiva.

Apresentamos os princípios básicos da técnica, como ponto de vista, ponto de fuga,

linha do horizonte, posição do objeto, perspectiva com um e dois pontos de fuga.

Baseados no debate construído na problematização e na técnica da perspectiva

estudada na instrumentalização, cada participante recebeu um material, a fim de praticar

os conceitos estudados. Para incentivar a formação da visão espacial, utilizamos como

recurso o desenho de observação à mão livre. Iniciamos o desenho de perspectiva com

um objeto simples, uma caixa. Na atividade seguinte, realizamos outra prática de

desenho de observação, cujo objeto era uma maquete cerâmica de uma casa. A atividade

em sequência foi o desenho da perspectiva da Vila Savoye, do arquiteto Le Corbusier.

Foi feita uma breve apresentação sobre o arquiteto e sua obra e, em seguida, os

participantes fizeram a perspectiva da edificação, a partir de uma foto projetada no

quadro.

Durante as três práticas foi possível observar a evolução tanto do traço como da

visão espacial dos participantes. Na perspectiva da caixa, os estudantes apresentaram

mais dificuldades, visto que ainda estavam se familiarizando com a técnica e seus

elementos. Apesar da Vila Savoye ser a proposta mais complexa, eles tiveram mais

facilidade do que nas demais. Acreditamos que as mediações durante as práticas e o fato

de utilizar como ponto de partida um objeto mais simples, seguir para um intermediário

e posteriormente um mais complexo, contribuiu com a evolução de cada um para o

domínio da técnica da perspectiva e o desenvolvimento da visão espacial, como é

possível observar nos desenhos de um dos participantes (Figuras 2, 3, e 4).

Figuras 2, 3 e 4: Evolução dos desenhos de um dos participantes do grupo de pesquisa

Fonte: Registro da autora.

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Na terceira parte da intervenção, o assunto abordado foi projeção ortogonal ou

vistas ortográficas. A fim de verificar o conhecimento trazido pelos estudantes,

indagamos o que eles entendiam por projeção ortogonal. Então iniciamos uma

apresentação interativa sobre o assunto. Solicitamos que o diário de bordo estivesse em

mãos, pois, durante a apresentação, inserimos diversas atividades que envolviam

desenho de croquis.

Durante o encontro, utilizamos a Arquitetura e sua história para vivenciar o

conteúdo. Entre as obras escolhidas, as pirâmides do Egito. Por meio de perguntas,

provocamos um resgate histórico que envolvia denominação, localização, finalidade e

método construtivo das pirâmides de Gizé. Posteriormente, pedimos que cada aluno

desenhasse em seu diário de bordo as três vistas principais de uma das pirâmides (vista

frontal, vista superior e vista lateral esquerda). Solicitamos voluntários para irem ao

quadro desenhá-las e discutimos o resultado dessa atividade.

Na atividade seguinte, utilizamos uma maquete eletrônica (desenho digital em

três dimensões), elaborada no software “sketchup” e disponibilizada pelo site do

programa na internet. A maquete escolhida foi uma obra já estudada pelos alunos no

encontro sobre perspectiva: a Vila Savoye. No entanto, nessa atividade, baseados no

posicionamento da obra no “sketchup”, que nos possibilita ver casa de cima, de frente e

de lado, eles desenvolveram as vistas frontal, superior e lateral esquerda (Figuras 5 e 6).

A quarta parte da intervenção consistiu em um minicurso do software “sketchup”, que

foi uma das ferramentas para a preparação de maquetes eletrônicas para o Ensino do

Desenho Técnico. Na quinta parte, os estudantes aprenderam a desenvolver pequenas

animações relacionadas com retângulos e triângulos áureos, espiral áurea, conceitos dos

conteúdos de perspectiva e projeção ortogonal.

Figura 5: Estudantes desenhando a Vila Savoye.

Fonte: Registro feito pela autora.

Figura 6: Croquis de um dos alunos.

Fonte: Registro feito pela autora.

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Conclusão

A pesquisa apresentou uma proposta de reformulação do ensino do Desenho

Técnico. Buscamos promover experiências que valorizassem os saberes trazidos pelos

participantes do grupo de pesquisa, aliamos o conhecimento técnico ao conhecimento

histórico e à arte. Foi perceptível o aumento do interesse dos estudantes pelo tema.

Mostraram-se mais participativos e empolgados. Muitos expressaram que não tinham

ideia de como a Arte, a Arquitetura e a História estavam tão ligadas e como era bom

estudar dessa forma interdisciplinar.

Nas oficinas de proporção, perspectiva e projeção ortogonal, os estudantes

realizaram atividades, aprenderam técnicas instrumentais que proporcionaram a

compreensão dos conteúdos e o desenvolvimento da visão espacial, habilidade

fundamental nos cursos técnicos ligados às Engenharias e à Arquitetura. A partir do

conhecimento apropriado, utilizamos a tecnologia como ferramenta. Por meio do

minicurso do software “sketchup”, os estudantes aprenderam a desenvolver maquetes

eletrônicas, a fim de serem utilizadas em dinâmicas em sala de aula.

Desse modo, acreditamos estar na direção certa rumo à construção de uma

proposta de Ensino do Desenho Técnico mais atrativa e emancipadora, que colaborará

com o aumento do conhecimento técnico, ampliando a formação profissional dos

estudantes. Além dos alunos que nos ajudaram a sistematizar essa nova proposta,

esperamos que outros estudantes que cursarem essa disciplina, agora reformulada,

possam aprofundar seus conhecimentos de forma contextualizada, passando a

considerar o Desenho Técnico uma linguagem capaz de contribuir com a sua formação

profissional, artística e tecnológica, estimulando-os a ter uma postura mais crítica e

compreensiva da realidade.

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